dossiê - tecnologias de recuros hídricos para o semi-Árido
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Centro de Desenvolvimento Agroecológico do Cerrado
Dossiê de Tecnologias de Recursos Hídricos para o
Semi-Árido
A colheita da água é uma prática imemorial podendo ser encontrada como tecnologias independentes florescidas em diversos povos ao redor do globo.
O presente Dossiê tem por objetivo exemplificar algumas destas tecnologias visando principalmente a sustentabilidade agrícola em regiões suscetíveis à desertificação.
BARRAGEM SUBTERRÂNEA
Critérios para Seleção de área
Quando se planeja a construção de uma barragem subterrânea é necessário ter em mente que
o próprio perfil de solo é um grande reservatório produzido pela natureza e que, à medida em
que este reservatório reduz sua capacidade em determinado local tendo como causa a erosão
hídrica, outro perfil, em outro local, será ampliado em função da deposição dos sedimentos
detríticos carreados por este mesmo processo erosivo. Esses perfis assim desenvolvidos, são
denominados aluviais
A composição dos depósitos aluviais é muito irregular, indo de seixos e areia grossa até siltes e
argilas, a depender da textura do material existente nas áreas com altitudes mais elevadas. Da
mesma forma se comporta a espessura do perfil de solo formado, indo de alguns centímetros
a alguns metros. Para se ter bom aproveitamento da barragem subterrânea, é necessário que
se busquem espessuras de perfis com pelo menos 1,0 m de profundidade.
A qualidade da água é outro critério a ser levado em consideração. É conveniente que tenha
baixa salinidade, pois a concepção da barragem subterrânea pode levar a uma provável
salinização mas, que para isto seja possível, tomam-se precauções eficientes. A avaliação da
qualidade da água pode ser feita com condutivímetros portáteis, a partir de cacimbas
existentes; caso não existam cacimbas na área, a informação de moradores do local é valiosa,
o aspecto do terreno e a vegetação também podem ser indicativos da existência de problemas
de salinidade no terreno.
Outro critério que também deve ser observado, é a declividade do eixo da linha de drenagem
ou do riacho para onde o fluxo superficial irá fluir. A declividade deverá ser a menor possível
para que a água armazenada possa se estender por uma distância maior, sendo indicado no
máximo 4% de declividade.
Após a definição do local, é necessário abrir algumas trincheiras (buracos de postes) até a
camada impermeável do solo ao longo da linha, onde será construída a parede. Essa etapa
serve para conhecer a profundidade do solo, pois a profundidade geralmente não é uniforme e
permite, também, localizar as ombreiras (solos mais rasos), pois esta é de grande importância
para evitar que a água se perca pela lateral como na figura seguinte.
O comprimento da barragem subterrânea depende da largura da área. O ideal é uma largura
variando de 60 m a 100 m, pois, muito estreita, pode resultar em uma pequena área para o
plantio a não ser que a finalidade da barragem seja apenas para abastecer o poço. Esse
processo permite se ter ideia de custo da implantação da barragem subterrânea e
programação da construção de acordo com o tipo de mão de obra, se manual ou mecanizada.
Na seleção do local é necessário fazer um levantamento topográfico da área e definir os locais
de plantio (área de captação), parede e sangradouro.
Finalmente, é importante que, ao final das avaliações para a locação da barragem subterrânea,
seja feita uma estimativa do seu potencial para armazenamento de água. O principal dado
para esta avaliação é o conhecimento da extensão, da largura e da espessura do aluvião do
local selecionado, sendo possível obter volumes entre 1000 e 9000 m³ por hectare.
Estimativa e manejo do volume de água disponível em barragens Subterrâneas
Antes de estimar o potencial de captação e de armazenamento de água de chuva por meio
desta tecnologia, é conveniente uma ligeira descrição da mesma. O fundamento básico desta
tecnologia de captação de água de chuva é atuar no componente do ciclo hidrológico perdas
de água por escoamento superficial, eliminando-o ou o reduzindo e forçando a permanência
da água na propriedade rural, por mais tempo.
Revisando Silva et al. (1998), Brito et. al (1999), Silva et. al (2001), Silva et. al (2007) e
Gnadlinger (2011), pode-se definir barragem subterrânea (BS) como sendo uma estrutura
hidráulica formada por uma parede impermeável, também conhecida como septo
impermeável e que tem, como objetivo, barrar o fluxo subterrâneo de um aquífero pré-
existente ou criado concomitantemente com a construção da parede, elevando-se o lençol
freático, conforme a figura abaixo. Assim, os seguintes fatores devem ser observados antes da
construção de uma BS: precipitação pluvial média da região; vazões dos rios/riachos ou linhas
de drenagem; qualidade da água, especialmente quanto à salinidade; capacidade de
armazenamento do aquífero e profundidade da camada impermeável, afirmaram Brito et. al
(1999), ao tratar dos aspectos construtivos de uma BS. Gnadlinger (2011) sugere a observação
do relevo de acordo com a figura abaixo.
Fonte: Silva et al. (2007)
Desenho esquemático do funcionamento de uma barragem subterrânea, com seus componentes
No que tange à estimativa do potencial de captação e de armazenamento de água de chuva
por uma BS, além desses fatores se somam outros, tais como: textura do solo; porosidade do
solo e sua distribuição; umidades correspondentes à capacidade de campo e ao ponto de
murcha; perfil de distribuição das chuvas (além da precipitação média anual); delimitação da
bacia hidrográfica (BH) da BS, ou seja, definir seus contornos a partir dos divisores de água
(topográficos e/ou freáticos); taxa de infiltração e condutividade hidráulica do solo;
topografia etc., que também devem ser observados e considerados.
A delimitação da bacia hidrográfica (BH) que contribuirá com captação de água para a BS,
possibilitará determinar o tamanho desta bacia (BH), ou seja, o tamanho da seção de captação
de água de chuva. Vê-se, portanto, que não é tarefa fácil definir tal potencial. É importante
frisar que na BS o próprio solo consiste no reservatório de água de chuva.
Assim sendo, pode-se estimar a quantidade máxima de água de chuva que uma BS poderá
captar (Vcap), com vistas à irrigação nas épocas de estiagem, por meio da Eq. 4.2.
Vcap P Ac10
em que:
Vcap - volume máximo de água de chuva possível de ser captado na BH da
barragem subterrânea em m³
P - precipitação pluvial anual, mm
Ac - área da seção de captação de água de chuva (tamanho da BH), há
Exemplo 1:
Seja uma propriedade rural situada em um município do semiárido brasileiro cuja precipitação pluvial (P) anual é de 600 mm (média desta região, segundo Marengo et al., 2011 e Silva et al., 2007) e que dispõe de uma área de captação de água de chuva (Ac) de 10 ha. Neste caso, aplicando-se a Eq. 4.2, conclui-se que o volume máximo de água de chuva possível de ser captado (Vcap) é de 60.000 m³
.
A quantidade máxima de água de chuva que uma BS é capaz de armazenar (Varm) pode ser calculada por meio da de Varm, admitindo-se que com a depleção do conteúdo de água do solo decorrente da evapotranspiração das culturas, a ascensão capilar viabilize a subida da água armazenada nas camadas inferiores do solo para a camada correspondente à profundidade efetiva radicular e, consequentemente, tornando-a disponível às culturas.
Varm Aarm Pci 100
em que:
Varm - volume máximo de água de chuva possível de ser armazenado na área de armazenamento e cultivo, em m³
Aarm - área da seção de armazenamento de água de chuva, em ha
Pci - profundidade da camada impermeável, em m
α - porosidade média do solo da área da BS, em % (volume)
Exemplo 2:
Seja uma BS cuja área da bacia de armazenamento de água de chuva (Aarm) é igual a 0,5 ha, a profundidade da camada impermeável igual a 3,0 m (o valor máximo recomendado Brito et. al (1999) e Silva et. al (2001) é de 4,0 m) e a porosidade média do solo igual a 32,0% (volume) obtém-se, aplicando-se a Eq. 4.3, que o volume máximo de água de chuva possível de ser armazenado (Varm) nesta BS é de 4.800 m³
.
Para estimar o volume de água de chuva possível de ser absorvido e evapotranspirado pelas culturas, torna-se necessário calcular o valor da parcela da água de chuva captada, que representará a água higroscópica:
em que:
VAH- volume de água de chuva que representará a água higroscópica, m³
Vcap - volume máximo de água de chuva possível de ser captado na BH da
barragem subterrânea, m³
Varm - volume máximo de água de chuva possível de ser armazenado na área de
armazenamento e cultivo, m³
PM - umidade correspondente ao ponto de murcha, % (volume)
α - porosidade média do solo da área da BS, % (volume)
Exemplo 3:
Considerando-se os resultados dos exemplos 1 e 2 e admitindo que a
umidade correspondente ao ponto de murcha é igual a 10,0% (volume), obter-se-á,
aplicando-se a Eq. 4.4b (Vcap > Varm), que o valor da parcela da água de chuva
captada que representará a água higroscópica nesta BS, será de 1.500 m³
.
O volume de água possível de ser absorvido e evapotranspirado pelas culturas é
assim calculado (Eqs. 4.5a e 4.5b):
Vabs Vcap VAH caso Vcap Varm
Vabs Varm VAH caso Vcap > Varm
donde:
Vabs - volume de água possível de ser absorvido e evapotranspirado pelas culturas, m³
Varm - volume máximo de água de chuva possível de ser armazenado na área de
armazenamento e cultivo, m³
VAH- volume de água de chuva que representará a água higroscópica, m³
Exemplo 4:
Admitindo-se que toda a área de armazenamento de água de chuva será cultivada (0,5 ha), que a umidade correspondente ao ponto de murcha seja igual a 10,0% (volume) e que a evapotranspiração da cultura (ETc) seja, em média, no período de estiagem, igual a 5,0 mm dia -1 (50 m³/há/dia= 25 m³ na área de cultivo), tem se que o volume de água possível de ser absorvido e evapotranspirado pelas culturas (Vabs), igual a 3.300 m³, seria suficiente para atender às necessidades hídricas da cultura, por um período de 132 dias (4,4 meses).
Barreiro TrincheiraA ideia do Barreiro Trincheiro é antiga. São os “caxios”, reservatórios escavados no subsolo,
com paredes verticais estreitos e profundos. A intuição e experiência davam razão à
população: quanto maior a profundidade e menor a superfície do reservatório, mais tempo
durará a água captada da chuva.
A Barreiro Trincheira retoma estes princípios do reservatório estreito e profundo. Para
aumentar o volume armazenado, não se aumenta a largura, mas o comprimento. A dimensão
típica dos Barreiros Trincheiras construídas pelas ONGs da Bahia, através de financiamento
governamental, é de 5 metros de largura, 4 metros de profundidade e 30 metros de
comprimento. Evidentemente seria mais indicado aumentar o volumem do reservatório
investindo em maior profundidade e menos comprimento. Mas aí a formação geológica põe o
limite, pois muitas vezes, após os cinco metros de escavação passamos a encontrar a rocha
mãe dura, impenetrável, mesmo para uma escavadeira hidráulica.
Assim a escavação não deverá somente ocorrer nas camadas de solo, mas sim avançar até
encontrar, a piçarra. Piçarra é o produto da transformação da rocha mãe em solo. Possui uma
consistência quebradiça, é úmida e impermeável. Nesta camada não perde água por
infiltração.
AONDE PODE SER FEITO
O barreiro trincheira deve ser construído em solos sustentados por rochas cristalinas, como
gnaisses, granitos, micas, etc. E solos que tem como rocha matriz arenitos ou rochas calcárias o
barreiro trincheira não deve ser feito pela quantidade de água perdida por infiltração neste
tipo de solo, salvo caso seja feito o uso de lonas plásticas. Para estes tipos de rochas a melhor
opção são os poços dado a quantidade de água nos lençóis freáticos.
MÁQUINÁRIO A SER UTILIZADO
O ideal para este tipo de trabalho é Escavadeira Hidráulica sobre esteira com potência
de 146 a 169 hp capacidade de retirada de 2m³. Dado a sua eficiência e força é possível retirar
a piçarra e alguns encrustamentos de rocha mãe. Se comparado com a retroescavadeira a
Escavadeira Hidráulica faz o mesmo serviço com apenas 30% do tempo gasto pela
retroescavadeira. Na falta deste equipamento o uso do trator de esteira também é indicado,
com a desvantagem de ter que se trabalhar com duas rampas.
ESCOLHA DO LOCAL PARA O BARREIRO
O barreiro não deve ficar na direção de uma enxurrada natural ou dentro de um pequeno
afluente de algum riacho por risco de entulhamento do barreiro pelos sedimentos das águas e
risco de destruição dado a velocidade das águas. Também não deve ficar em terreno de declive
forte por risco de aterramento.
Recomenda-se que seja feito em um local próximo a área de produção da família, além de que
seja próximo de um local com passagem de água para o seu abastecimento.
SONDAGEM DO LOCAL
A escolha do local onde será construído o barreiro trincheira deve ser realizada de forma
cuidadosa. É importante partir da observação do que as famílias fazem da região,
principalmente os que escavaram poços e cacimbas para obter informações sobre as camadas
de solo, sua profundidade e o comportamento dos vazamentos e sua impermeabilidade. Além
disso, é importante destacar que antes de iniciar a escavação é necessário realizar a sondagem
do local. Para isso, é necessário escavar no mínimo três buracos, em linha reta, ao longo da
possível vala, para se saber a profundidade do solo, a localização do cristalino/impermeável,
através de valas com a profundidade pretendida do barreiro trincheira. Caso a sondagem não
encontre camadas de areia e ao chegar a 4 ou 5 metros de profundidade, encontre a camada
impermeável ou a rocha, o local pode ser considerado adequado para a escavação do barreiro
trincheira, caso contrário deve se optar por outro local ou pelo uso de lonas plásticas.
FORMATO DE ESCAVAÇÃO
Demarcar piquetes bem visíveis indicando o formato da escavação, o contorno pode ser
marcado com cal, areia ou mesmo enxada.
Na parte superficial do solo a parede deve ser chanfrada para evitar deslizamento, sendo
indicado um ângulo de 30 a 45 graus, de acordo com a porcentagem de areia do solo. Na
porção rochosa a parede deve ser o mais vertical possível.
OS PASSOS DA ESCAVAÇÃO
Primeiro passo: a escavadeira hidráulica escava, anda de ré e deposita o material retirado nos
lados da valeta que se forma.
Segundo passo: a máquina entra na valeta formada, esta vez escavando para frente, até
alcançar a profundidade de quatro metros.
Terceiro passo: a máquina sobe no material depositado aos dois ladas do barreiro trincheira, o
o afasta para mais longe, para não cair de volta ou ser levado pelas chuva para dentro da
escavação. Obs.: esta operação, só é possível executar com rapidez e segurança com máquinas
equipadas de esteiras. Amontoar o material retirado longitudinalmente ao barreiro possui
ainda outra finalidade: diminui a velocidade do vento por cima da superfície da água, e, em
consequência, as percas por evaporação.
Uma sugestão muitas vezes ouvidas, na mesma intenção, de plantar árvores em torno do
barreiro, porém, não procede. Especialmente as espécies de enraizamento profundo, como
aroeira, angico, pau ferro, algaroba, em pouco tempo alcançariam a água próxima e seriam
concorrentes no uso da água para os humanos. As raízes destas árvores podem alcançar 60
metros, ou mais, de comprimento, para buscar a água.
FINALIZAÇÃO
Após concluída a escavação do barreiro, é importante que a área seja cercada, para evitar que
pessoas ou animais sofram acidentes graves. Depois da escavação terminada resta no fundo
do barreiro uma camada de 10 a 15 cm de material solto que a máquina não consegue retirar.
Se a camada for de 20 cm de altura, por exemplo, significa que o barreiro teria 4.000 litros a
menos de capacidade de armazenamento. É preciso também observar a área de captação do
barreiro. Nem sempre é possível escolher o local ideal, num declive leve, onde a água se
concentra naturalmente em direção ao barreiro. Nesse sentido, talvez seja necessário escavar
valetas rasas, de pouco declive, em forma de “V” que convergem em direção à boca do
barreiro. As valetas não precisam ter mais de 20 cm de profundidade e o declive não mais de
um centímetro em cada dois metros. O comprimento das valetas, a cada lado do barreiro
pode ter 100 metros. Se o solo for arenoso, é melhor aumentar o comprimento. É difícil
estabelecer uma regra, pois cada caso é um caso diferente. Pode ser também que depois da
primeira chuva seja necessário encurtar a valeta de captação, ou deixa-la menos inclinada,
para reduzir a velocidade da água, que carreia entulho para o barreiro. É importante destacar
que, todos os anos, é preciso limpar essas valetas para facilitar o escoamento e a entrada da
água no barreiro.
Dimensionamento da Área de Captação para Cisternas
Para analisar a viabilidade de captação de água de chuva dados pluviométricos de séries históricas devem ser observados e armazenados em bases georreferenciadas, assim como o coeficiente de escoamento superficial da área de captação.No semiárido brasileiro as áreas de captação dos reservatórios deverão ser dimensionadas em função da variabilidade do total de precipitação média que ocorre em cada microrregião.
A padronização de um mesmo tamanho de área de captação para todo o semiárido, poderá incorrer em erros e alguns reservatórios poderão não atingir o volume total dimensionado.
Os cálculos para o tamanho em m² da área de captação são dados pela seguinte fórmula:
Em que:
Aspectos a serem observados na construção de uma Barragem Subterrânea:Precipitação pluvial média da região; vazões dos rios/riachos ou linhas de drenagem; qualidade da água, especialmente quanto à salinidade; capacidade de armazenamento do aquífero e profundidade da camada impermeável.
Barreiro Trincheira