A Filosofia do Karate-Do no Pensamento de Gichin Funakoshi
e a Influência Psicoemocional sobre o Praticante Contemporâneo
Yuri Dittrich Pereira da Silva
Universidade Positivo
Resumo
O Karatê é uma prática originária da Índia e da China que se estruturou na ilha de Okinawa, Japão e cujo
fundamento basilar é o desenvolvimento de métodos específicos de defesa pessoal e autodesenvolvimento.
(evolução do caráter e personalidade). Suas características filosóficas, culturais, históricas e psicológicas são
peças-chave para a compreensão da espiritualidade presente nesta prática, que foi codificada por Gichin
Funakoshi (1868-1957) no início do século XX e que acabou sendo difundida no mundo inteiro. Tais
princípios são considerados fundamentais para que o praticante do Karate-do atinja os objetivos que
norteiam esta filosofia prática. Perante a atual presença das artes marciais orientais no contexto ocidental,
onde estão largamente difundidas como defesa pessoal e como esporte, questiona-se até que ponto o ideal e
os princípios de Funakoshi permanecem presentes. Além disso, também se questiona sobre quais as
contribuições do Karatê-Dô para a qualidade e modo de vida dos indivíduos que praticam esta arte marcial.
Para tanto foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com praticantes de Karatê-Dô de três gerações
diferentes, investigando a qualidade e a forma pela qual se deu tal influência sobre os indivíduos. A análise
dos dados foi feita à luz da filosofia espiritual do Karate-do e da Análise Bioenergética de Alexander Lowen,
compreendendo como se dão as modificações de consciência de caráter físico, espiritual, mental e
emocional do sujeito. De acordo com os resultados há aspectos que a prática do Karatê trabalha, como a
perseverança e o respeito, além de ser considerado um método de vida. Quanto à Filosofia, os resultados
levam a crer que os fundamentos propostos por Gichin Funakoshi estão ainda presentes, embasando a
prática contemporânea.
Palavras-chave: Karatê-Dô; espiritualidade; filosofia; psicologia; corpo; saúde.
Abstract
Karate is a practice originated in India and China that was structured on the island of Okinawa, Japan, and
whose basic foundation lies in the development of specific methods of self defense and self-development.
(Evolution of the character and personality). Its philosophical, cultural, historical and psychological
characteristics are key to understanding the spirituality present in this practice, which was codified by Gichin
Funakoshi (1868-1957) at the beginning of the twentieth century and that ended up being spread worldwide.
These principles are considered essential in order to meet the goals that guide this practical philosophy.
Given the current presence of oriental martial arts in the Western context, where they are widely promoted as
self-defense and sport, one wonders to what extent the ideal and principles of Funakoshi remain present. It
also raise questions about the contributions of Karate-Do for quality and way of life of individuals who practice
this martial art. To do so we conducted semi-structured interviews with practitioners of Karate-Do from three
different generations, investigating the quality and manner that this influence happened on each one. Data
analysis was made upon the spiritual philosophy of Karate-do and Bioenergetics Analysis Theory, by
Alexander Lowen, understanding how the changes in awareness, physical, spiritual, mental and emotional
happens on the practicer. According to the results, there are aspects of karate practice that are very present,
such as perseverance and respect, and is usually considered a method of life. As for philosophy, the results
suggest that the principles proposed by Gichin Funakoshi are still present, Providing the foundation for
contemporary practice.
Keywords: Karate-Do; spirituality, philosophy; psychology; body; health.
2 | P á g i n a
Introdução - O Karatê
Introduzido no Brasil na década de 50 por imigrantes
japoneses, o Karatê (空手) tem galgado seu caminho
através da cultura brasileira, influenciando desde então
seus praticantes em diversos aspectos. Segundo a
Federação Brasileira de Karatê (FBK, 2009) atualmente
há centenas de milhares de praticantes no Brasil e mais
de três mil Dojos1 espalhados pelo território nacional. Sua
Filosofia e Prática, organizadas e difundidas inicialmente
por Gichin Funakoshi, baseiam-se não somente na prática
física e aperfeiçoamento da técnica, mas principalmente
na evolução do caráter e a percepção formativa e
educativa do indivíduo que vereda pelo caminho (道-Do)
das mãos (手-Te) vazias (空-Kara). Tal característica se
dá pelos princípios da arte, influenciada por diversas
doutrinas de cunho oriental como o zen-budismo
(Hironishi in Funakoshi, 1984, p. vii- xi) e o confucionismo
(Funakoshi, 1984, p. 3, 13,-15), que Funakoshi
preocupou-se em manter intacta ao difundi-la. Essa era
uma – se não a sua maior – preocupação com as
gerações posteriores de praticantes; que a filosofia do
Karate-do continuasse a ser um caminho para a
ampliação de virtudes e melhora da qualidade de vida,
uma vez que o verdadeiro Karatê instruiria tanto mente
quanto corpo (Funakoshi & Nakasone, 2003, p. 16).
Professor de escola primária desde a adolescência,
Funakoshi era descendente de alta nobreza e viveu no
conturbado último ano da era Meiji japonesa. A época
polêmica de quebra de regras tradicionais, como a do
corte de cabelo que simbolizava a maturidade e o porte
de espadas, acabou sendo também a época que
Funakoshi utilizou como alavanca para apresentar o
Karatê ao Japão (Funakoshi, 1984, p. 13-17, 37). Passou
a lecionar a arte-marcial em suas aulas e para os
interessados, acabando por ir morar em Shuri e Naha
durante mais de 30 anos, treinando todos os dias (Ibid, p.
5). Sem negar sua educação confucionista, Funakoshi
ainda dedicou-se a reproduzir a filosofia do Karatê
empregada pelo seu mestre Itosu Anko, tornando-a
“Karate-do”, ou o caminho das mãos vazias (Ibid.). Tal
filosofia foi condensada em Vinte Princípios
Fundamentais, são eles:
1: "Não se esqueça que o Karatê-do começa e
termina com Rei". Rei é uma palavra japonesa que
traduzida exprime "respeito", mas pode ser interpretada
também como "cortesia" ou "auto-estima" ou seja:
respeito próprio, podendo a partir dele respeitar os outros
(Funakoshi & Nakasone, 2003, p. 19-20). Todas as artes
marciais japonesas começam e terminam com Rei, pois
se não forem praticadas com um sentimento de
reverência e respeito, serão simplesmente outras formas
de violência (Ibid. p. 20).
1 “Dojo” é uma palavra de origem japonesa cujo significado é
“lugar do caminho”. É o ambiente de treinamento formal dos praticantes de artes-marciais.
2: "Não existe primeiro golpe no Karatê". Através da
influência Zen e dos princípios Confucionistas no Budo e
no Bushido, o Karatê assume uma postura não-agressiva
demonstrada pela temperança, prudência e sabedoria
frente a uma situação perigosa (Funakoshi & Nakasone,
2003, p. 24-25). De acordo com Anko Itosu, o verdadeiro
sentido do Karatê é sempre evitar um desfecho violento e
evitar a todo custo um golpe mortal, a não ser que não
haja outra saída a não ser que não haja outra saída, onde
aí será uma situação de vida-ou-morte e deverá portanto
lutar com todo o espírito, técnica e corpo (Funakoshi &
Nakasone, 2003, p. 25-26).
3: "O Karatê permanece do lado da Justiça". As
mãos, braços e pernas do karateka são como espadas,
portanto não devem ser utilizadas para propósitos
errados, egoístas ou injustos (Funakoshi, 1984, p. 15).
Leva-se em conta também a vertente confucionista que
comenta que ser Justo é: ser gentil sem ser corruptível,
ter ambições sem ser avarento, ter dignidade sem orgulho
indevido e inspirar respeito sem ser cruel (Strathern,
1998, p. 45-52)
4: "Primeiro conheça a si mesmo, depois conheça os
outros". Funakoshi dizia que entrar em uma batalha sem
conhecimento próprio e sem conhecimento do adversário,
é como lutar com os olhos vendados (Funakoshi &
Nakasone, 2003, p. 34). Sun Tzu, célebre filósofo da arte
da guerra, dizia "Quando se conhece o inimigo e a si
mesmo, não se corre perigo nem em uma centena de
batalhas" (Bushido, 2005, p. 45). Dizia também que saber
das habilidades do seu inimigo é metade do caminho para
a vitória (Funakoshi, 1984, p.15) Por esses ensinamentos
deduz-se que a função do auto-conhecimento em seus
diversos níveis é fundamental para que possa obter
sucesso em qualquer objetivo que se tenha em mente.
5: "O pensamento acima da técnica". Anterior ao uso
da técnica e seu aprimoramento, há a capacidade do
espírito e reflexão interior. Antes da capacidade de ser
técnicamente hábil, deve haver a capacidade de previsão
e contemplação, pois uma atitude descuidade não há
técnica que corrija (Bokuden in Funakoshi & Nakasone,
2003, p.40)
6: "A mente deve ficar livre". A partir do momento que
a mente fica livre para ir e vir, há uma natureza para que
ela siga o caminho que lhe foi necessário ao momento,
sem que haja a necessidade de controlá-la com firmeza e
acabe por afugentando sua liberdade (Funakoshi e
Nakasone, 2003, p. 45)
7: "O Infortúnio resulta de um descuido". Esse
fundamente demonstra a responsabilidade da atitude do
karateka, das causas e efeitos das suas vidas não como
infortúnios casuais - mas sim resultados diretos de nossos
descuidos. Para tanto não há fortuna ou infortúnio, mas
sim resultados de sua atitude ou falta dela.
8: "O Karatê vai além do Dojo". A prática do Karatê é
mais do que mero exercício físico, é uma filosofia e uma
forma de viver (Funakoshi, 1984, p. 45-68, 106) pos crê
que para devidamente se conhecer a prática, deve-se
vivê-la com corpo e alma (Ibid.).
3 | P á g i n a
9. "O Karatê é uma atividade vitalícia". Com a mesma
linha de raciocínio do fundamento anterior, entende-se
que a prática é constante e aplicável a toda uma vida, já
que não existe momento em que a prática chega a um
ápice e nada mais se aprenderá daquele assunto
(Funakoshi & Nakasone, 2003, p. 57-59).
10. "Aplique o sentindo do Karatê a todas as coisas.
Isso é o que ele tem de belo". Um golpe ou chute, dado
ou recebido, podem significar vida ou morte (Funakoshi &
Nakasone, 2003, p. 63), enfrenta-se portanto todos
aspectos da vida como se eles tivessem tal seriedade
como a vida ou a morte.
11. "O Karatê é como água fervente: sem calor,
retorna ao estado tépido". Somente com um treinamento
contínuo se pode realmente entrar em contato com o
Caminho do Karatê, caso não seja levado com seriedade
não haverá real benefício (Funakoshi & Nakasone, 2003,
p. 68)
12. "Não pense em vencer, em vez disso pense em
não perder". O otimismo excessivo causa impaciência e
mau-humor, não preparando o indivíduo para as situações
adversas da derrota (Funakoshi & Nakasone, 2003, p. 72)
portanto deve-se estar sempre preparado para qualquer
situação, e aprender a despertar as possibilidades (Ibid. p.
73)
13: "Mude de posição de acordo com o adversário".
Sun Tzu dizia que os soldados e tropas devem ser como
água corrente: adaptarem-se ao terreno e ao inimigo,
dominando o espaço plano e sem resistência ao passo de
habilmente achar o caminho entre as grandes pedras de
um rio, evitando seus pontos fortes (Bushido, 2005, p. 72).
Deve-se portanto manter uma postura adaptável de
acordo com a necessidade.
14: "O resultado de uma batalha depende de como
encaramos o vazio e o cheio". Muito semelhante ao
fundamento anterior, versa-se aqui sobre a atitude mental
em batalha e adaptabilidade técnica e mental a diversas
situações da vida.
15: "Considere as mãos e os pés do adversário como
espadas". Ensinamento passado para Funakoshi pelo
mestre Azato, onde deve em todos os sentidos considerar
durante o combate todos os golpes desferidos como
mortais (Funakoshi, 1984, p. 15) e acompanhando o
sentido de seriedade que se encara os aspectos do
caminho, sendo sempre uma arte defensiva e não deve
ser usada com propósitos ofensivos (Ibid. p. 93).
16: "Ao sair pelo seu portão você se depara com um
milhão de inimigos". O descuido é grande inimigo ao sair
da segurança de casa pois se não se está da melhor
forma, atraímos encrenqueiros e problemas (Funakoshi &
Nakasone, 2003, p. 87-88). Portanto deve-se manter
prontidão e alerta ao sair de qualquer situação segura e já
conhecida (Ibid.).
17: "A Kamae é para os iniciantes; com o tempo
adota-se a Shizentai". Kamae é a postura de atenção,
prontidão e até certo ponto, intenção de ação (Funakoshi,
1998, p. 59) já a Shizentai assume uma postura mental e
corporal sem necessidade de assumir postura de combate
específica (Funakoshi & Nakasone, 2003, p. 94) sendo
assim portanto após certo nível, se assume uma postura
natural de atenção em todos os momentos, porém nem
sempre com intenção combativa.
18: "Execute o Kata corretamente: o combate real é
outra questão" Kata são sequências de golpes pré-
estabelecidos que simulam um combate, que segundo
Funakoshi devem sempre ser polidas corretamente em
busca da perfeição (Funakoshi, 1984, p. 6, 41, 106). Em
combate não deve-se limitar ao Kata, mas através da
prática fluente pode-se utilizá-lo corretamente (Ibid.)
19: "Não se esqueça de imprimir ou subtrair a força,
de distender ou contrair o corpo, de aplicar a técnica com
rapidez ou lentamente". Unindo esse fundamento aos de
aplicabilidade do vazio/cheio e adaptabilidade de acordo
com o adversário chega-se a uma postura de combate
plena, onde sabe-se como aplicar cada movimento em
prol de evitar a derrota (Funakoshi & Nakasone, 2003, p.
106)
20: "Mantenha-se sempre atento, diligente e capaz na
sua busca pelo Caminho". O vigésimo fundamento
compreende o sentido dos outros dezenove. Do ponto de
vista tanto psicológico quando físico o praticante deve
estar sempre atento (Funakoshi & Nakasone, 2003, p.
109) em prol de atingir sabedoria e entendimento do
verdadeiro Caminho (Musashi, 2010, p. 45-46).
A prática do Karatê conta com, além dos
fundamentos brevemente explicados acima, diversas
estruturas de treinamento e focos específicos de
importância. Existem diversos pontos característicos para
tal, como repetição de golpes tanto de membros
superiores quanto inferiores, preocupação específica com
a respiração e extensivo treinamento de séries pré-
estabelecidas de golpes. Resumidamente pode-se definir
a prática do Karatê com três grandes núcleos: o Kihon, o
Kata e o Kumite.
Kihon pode ser traduzido como “básico” ou
“fundamental” e é nas artes marciais o ato constante de
treinar golpes e posturas básicas que são fundamentais
para o resto da prática. Tais treinamentos são tão
importantes quanto qualquer técnica avançada, sua
prática intensiva é obrigatória a qualquer karateka2 que
busque atingir elevados níveis de proficiência (Funakoshi,
1984, p.41). O objetivo de tal importância é fazer os
músculos trabalharem especificamente para os golpes do
Karatê, e adquirir uma espécie de “memória muscular”
para usar o corpo com eficácia e precisão.
Kata significa “postura” ou “forma”, caracteriza-se
pela seqüência estabelecida de golpes e posturas
baseadas em simulações de combate, visando
treinamento específico dos aprendizados do Kihon.
Posturas abertas e baixas são muitas vezes utilizadas
para fortalecer a musculatura das pernas, assim como os
constantes golpes servem para aprimorar a capacidade
cardiovascular e respiratória do praticante.
2 “Karateka” é uma palavra de origem japonesa cujo significado é
“praticante de karatê”, sendo usada mundialmente para definir o adepto de tal arte-marcial.
4 | P á g i n a
Já o Kumite ou “encontro de mãos” é o confronto entre
dois praticantes, considerado essencial como prática
contra um oponente (Funakoshi, 1984, p.113). Varia muito
de nível de contato, possibilitando tanto uma experiência
aprimorada de Kata quanto de um embate espontâneo
entre os praticantes (Grill & Nakamura, 2001, p. 37-45).
Introdução - A Análise Bioenergética
Para compreender a perspectiva psicológica no
âmbito das artes-marciais, neste artigo será utilizado o
corpo teórico da Análise Bioenergética. A principal
característica de tal é a constante atenção sobre a ligação
dos estados corporais com emocionais, trabalhos
respiratórios e sua influência no metabolismo orgânico e
por conseqüência nas emoções (Lowen, 1982, 33-34).
Compreende-se que a personalidade é determinada pela
a quantidade de energia que o individuo tem, como ele a
usa ou a retém, estas características são determinadas
pela sua história pessoal tanto psicológica quanto corporal
(Ibid.). Essa energia é compreendida como biológica,
cujas características são fluidez, pulsatibilidade e
dinamismo, movimentos os quais uma vez equilibrados
proporcionam bem-estar e prazer ao indivíduo (Lowen,
1982, 1986; Pierrakos, 1987). São essas as
características observadas pela análise bioenergética,
admitindo-se que é a dinâmica funcional entre o caráter
psíquico e a estrutura corporal que possibilita o
entendimento da personalidade (Pierrakos, 1987 p. 69-
72).
Como „energia‟ compreende-se uma pulsão vital
envolvida em todas as atividades da vida, sendo sua
dinâmica variável e vibrante, pulsando na forma de cargas
e descargas, desejo e satisfação ou contração e
relaxamento. O pensamento religioso do oriente,
diferentemente do ocidente, caracteriza-se por associar o
espírito ou a espiritualidade com uma perspectiva
energética do corpo (Lowen, 1990, p. 31) enquanto no
ocidente a energia está inserida em um conceito onde
pode ser mensurável, de caráter muito mais mecanicista
(Ibid. p. 32). Dessa forma a energia manifesta-se
pulsante, alterando-se entre o prazer (expressões de
satisfação e relaxamento ou descarga) e a dor
(expressões de retraimento e não-satisfação) (Lowen,
1982, p. 43).
A mente e o corpo mantêm conexão direta e assim
sendo, qualquer alteração na forma de pensar, sentir ou
comportar-se de uma pessoa afetam seu corpo e o
inverso é verdadeiro, acabando por influenciarem-se
mutuamente (Lowen, 1990 p. 35). Essas alterações
podem surgir e influenciar o corpo do indivíduo, ou seja,
componentes psicológicos em conflito podem se
manifestar corporalmente caso não tenham sido
expressados. Essa tensão psicológica será traduzida em
uma tensão e retração musculares, sendo portanto ela o
componente físico dos conflitos (Lowen, 1982, p. 75-76).
O trabalho com essas tensões musculares pode auxiliar a
pessoa a entender como é que suas atitudes psicológicas
são condicionadas pela couraça ou rigidez do corpo
(Lowen, 1982, p. 106). As áreas comumente atingidas são
a respiração (expressa por dificuldade e falta de
movimento ao respirar) e a movimentação (alterações no
caminhar e tensão das pernas e braços) (Ibid.). Dessa
forma constituem-se as defesas chamadas de “Couraças
Musculares”, nos protegendo daqueles significados tanto
externos quanto internos que nos são eliciadores de
angústia. (Ibid.).
Tendo em vista esses conceitos que embasam a
teoria, a proposta da Análise Bioenergética é portanto
conseguir identificar tais tensões crônicas (ou couraças)
que são geradas pelas retenções de energia, liberando-as
através de exercícios corporais tanto quanto verbalização
dos traumas vividos pelo cliente. A verbalização ocorre
após a liberação da tensão no corpo, já que a tensão era
a porção física da censura. Uma vez liberada, pode
portanto ocorrer o relaxamento mental e a energia
novamente fluir livre (Lowen, 1982, 1984, 1986).
Optou-se por analisar os resultados através do
prisma teórico da Análise Bioenergética pelo esforço dos
teóricos desta abordagem em compreender o papel do
corpo no contingente mental e espiritual, aproximando a
perspectiva energética oriental com o homem ocidental,
uma vez que estudam a personalidade humana em
termos de processos energéticos do corpo (Lowen, 1990,
p 31-32). Uma vez que no Karatê utiliza-se uma série de
treinamentos de posturas, golpes, condicionamento físico
e importância da energia e do caráter, dando grande
importância à respiração e ao espírito, tais abordagens
servirão para aproximar o entendimento do paradigma
oriental na psicologia ocidental, explorando suas
contribuições de maneira mais próxima ao paradigma
original.
Pesquisando e analisando os fundamentos do Karatê
e a referente bibliografia, pretende-se portanto investigar
quais são as influências de tal filosofia sobre seus
praticantes. Levando em conta o diferente paradigma
espiritual e energético do oriente frente ao ocidente,
pretende-se não só identificar, mas também analisar a
qualidade de sua influência, uma vez que foi inserida em
contexto diferente do seu original.
Na nossa cultura várias práticas estão difundidas em
diversos graus. A influência oriental pode ser observada
em algumas delas, como o zen-budismo e a acupuntura –
recentemente aceita pela Organização Mundial de Saúde
(OMS, 2009) como uma prática complementar. Cada vez
mais se sente a necessidade de compreender o
funcionamento de um paradigma que ainda nos é externo
mas que está presente no nosso cotidiano.
5 | P á g i n a
Objetivos
O objetivo desta pesquisa é identificar as influências
psicológicas, físicas e espirituais advindas da prática do
Karatê. Pretende-se também investigar como as idéias e
os princípios desenvolvidos por Gichin Funakoshi estão
sendo entendidos e transmitidos através das gerações de
karatekas.
Método
Essa pesquisa tem como base os parâmetros
específicos dos métodos qualitativos exploratórios,
oferecendo uma investigação aprofundada e baseada no
discurso do participante, priorizando a subjetividade do
indivíduo e suas experiências acerca de um dado evento
que se deseja explorar. Recorre-se a esse método a fim
de valorizar o processo interativo entre pesquisador e
participante, deixando de embasar-se em uma postura
crítica fixa para adquirir um caráter subjetivista e
valorizador do papel do investigador (Coutinho,
janeiro/abril 2008, Educação Unisinos, 12(1): p. 5-15). Na
pesquisa qualitativa não há possibilidade de uma
investigação neutra ou seja, onde o investigador não
tenha participação e mantenha distância do fenômeno a
ser observado (Bortoni-Ricardo, 2009, p.17). A partir
desse modelo, frente a uma lógica indutiva presume-se
que o conhecimento profundo de um fenômeno assim
como seus resultados só poderão ser obtidos com
“insights” sobre as experiências pessoais dos
participantes.
Este objeto da pesquisa qualitativa é, portanto, um
sujeito interativo, motivado e intencional, que adota uma
posição em face às tarefas que enfrenta, não sendo
possível isolar suas características de seu contexto (Rey,
2002, p. 37-42), assim como o pesquisador. Isso se dá
pelo fato de que as relações de análise das informações
também acabam sendo influenciadas pelo pesquisador,
porém buscando significação e compreensão, procurando
se aprofundar e realmente compreender o mundo pessoal
do sujeito entrevistado (Coutinho, janeiro/abril 2008,
Educação Unisinos, 12(1): p. 5-15).
Já a pesquisa exploratória procura gerar uma visão
ampla sobre um fato ou objeto de pesquisa específico,
aprimorando nosso conhecimento sobre tal uma vez que
não foi ainda muito explorado (Beuren, 2003, p.80). A
partir de tal iniciativa, é possível que haja maior
compreensão sobre dado fato investigado, abrindo novos
enfoques sobre o assunto e possibilitando formulação de
novas hipóteses (Ibid).
Para a pesquisa foram entrevistados 9 indivíduos
praticantes de Karatê Tradicional estilo Shotokan, de
nacionalidades diversas, divididos em 3 grupos de acordo
com a idade e tempo de prática, a citar: Primeira Geração,
com praticantes de mais de 60 anos e graduação maior
que sétimo dan; Segunda Geração, com praticantes de 45
a 60 anos e graduação superior a sexto dan; Terceira
Geração, com praticantes com menos de 45 anos de
idade, atletas e com graduação superior a primeiro Dan3.
(Tabela 1)
Tabela 1: Caracterização da Amostra de População de Pesquisa
Participante
Sexo
Idade
(anos)
Tempo de
Prática
Graduação
1-A M 70 58 anos 8 Dan
1-B M 74 57 anos 8 Dan
1-C M 72 48 anos 7 Dan
2-A M 57 40 anos 7 Dan
2-B M 55 39 anos 7 Dan
2-C M 57 39 anos 7 Dan
3-A F 41 31 anos 5 Dan
3-B M 29 27 anos 4 Dan
3-C F 26 9 anos 1 Dan
As entrevistas foram feitas em lugares variados, nas
cidades de Curitiba, no Paraná e Guarapari, no Espírito
Santo. Todas foram gravadas com o mesmo aparelho
(Sony IC Recorder, ICD PX720) e submetidas ao mesmo
roteiro de entrevista semi-estruturada construído pelo
entrevistador, sendo transcritas e revisadas. Essa é uma
técnica de coleta de informações que se pauta na
interação entre pesquisador e pesquisado, buscando
compreender o que o sujeito pensa, sabe, representa, faz
e argumenta sobre o assunto especificamente discutido
(Severino, 2007, p. 123).
A análise dos dados foi feita através do processo de
análise de conteúdo, utilizando matrizes analíticas,
categorização das unidades de texto e posterior
identificação das frequências de respostas e seus
significados. A partir das perguntas contidas no relatório
de entrevista (categorias) e os resultados obtidos nas
respostas dos entrevistados (sub-categorias) construiu-se
uma tabela de análise e categorização das entrevistas, a
fim de melhor compreender e observar os dados (Tabela
2).
3 Dan é um sistema de progressão para a prática do Karatê,
originalmente criado por Jigoro Kano, fundador do Judo (Stevens, 2007, p. 25, 72)
6 | P á g i n a
Tabela 2: Matriz Analítica das Entrevistas
Dimensões
Categorias
Sub-categorias
Dimensão Psicoemocional
Motivações para o início da prática do
Karatê
Influência
Expectativa
Sensações após a prática do Karatê
Sensações físicas
Sensações mentais
Objetivos com a
prática
Objetivos intrapsíquicos
Objetivos psicossociais
Mudanças ocasionadas pela prática do Karatê
Mudanças Físicas
Mudanças Mentais
Mudanças de Paradigma
Dificuldade na comparação
Dimensão referente à prática do Karatê-Do
Definição de Karatê
Definição Pessoal
Fundamentos que a prática do Karatê
trabalha
Fundamentos Éticos e Morais
Fundamentos Espirituais e Filosóficos
Os resultados foram classificados e agrupados por
afinidade de significado de resposta, incluídos portanto
nas sub-categorias em classificação progressiva, de
acordo com a apresentação dos elementos ou unidades
temáticas (Bardin, 2004, p.32). Foram obedecidas as
seguintes regras: exclusão mútua, em cada elemento é
impossibilitado de pertencer a mais de uma categoria;
homogeneidade, em que só é possível o funcionamento
com um registro e uma dimensão/nível de análise;
pertinência, em que se está adaptada ao material de
análise escolhido; objetividade e fidelidade, em que as
diferentes partes de um material devem ser codificadas da
mesma maneira, mesmo quando submetidas a diferentes
análises; e produtividade, com a obtenção resultados
férteis em dados exatos, hipóteses novas e índices de
inferências (Ibid).
Agrupados, os dados puderam ser analisados em
forma de freqüência, com o respaldo de serem tratados
como subjetivos. Cada pergunta pôde ser respondida
diversas vezes ao longo da entrevista, não se tratando
portanto de uma frequência com valor estatístico frente às
outras respostas.
As limitações de pesquisa são referentes à
interpretação e análise de dados frente ao resultado
obtido nas entrevistas. Foram usados somente os
recortes dos discursos que de alguma forma fizeram-se
relevantes ao tema de pesquisa, ou seja, que de alguma
forma respondiam as perguntas efetuadas na entrevista e
consequentemente enquadravam-se nas categorias
apresentadas. Todas as entrevistas foram transcritas e
analisadas, a fim de aproveitar todas as informações
referentes às perguntas de pesquisa. Além disso, o
conteúdo das entrevistas é exclusivamente referente ao
desenvolvimento pessoal ocorrido ao longo da vida dos
participantes, assim como as influências das práticas e a
sua relação com suas vidas e, portanto, de cunho
subjetivo.
Resultados, Discussão e Análise
Os resultados obtidos através da pesquisa foram
submetidos ao processo de categorização em unidades
temáticas, como previamente explicado no método. A fim
de organização, os dados dos resultados serão
apresentados em ordem descendente de acordo com a
Tabela 2: Matriz Analítica das Entrevistas. A partir dos
dados apresentados pode-se iniciar o processo de sua
interpretação e discussão, trabalhando as inter-relações
entre eles e suas representações.
Motivações para o inicio da prática do Karatê
Nessa categoria foi perguntado aos participantes
quais as motivações que os levaram a escolher ou iniciar
a prática do Karatê. Dentro dela apareceram duas sub-
categorias: Influência e Expectativa. Enquanto a Influência
surgiu com o sub-item Familiar, a Expectativa devido aos
resultados apresentados nas entrevistas foi dividida entre
Quanto à Técnica Marcial e Quanto à Técnica Mental,
como mostrado na Tabela 3.
Tabela 3: Matriz Analítica da Categoria "Motivações para o início
da prática do Karatê"
Categoria
Sub-categoria
Sub-Item
Motivações para
o início da
prática do
Karatê
Influência
Familiar
Expectativa
Quanto à Técnica
Marcial
Quanto à técnica
Mental
Como se pode ver pela Figura 1 contendo o gráfico
com os resultados da respectiva categoria, houve em sua
maioria respostas que consideram a Influência Familiar
como motivo do início da prática. Houve também
respostas referentes à técnica marcial e técnica mental. O
ambiente familiar proporciona o espaço para criação de
valores de moral e ética, que são base para a convivência
em sociedade (Palacios, 2002, p.181-186) e sendo assim,
são grandes influenciadores da opinião do indivíduo,
principalmente nos estágios iniciais do desenvolvimento
(Ibid.) como pode-se observar nos resultados da Figura 1.
Diz o participante 3-A - "6 irmãos, e eu sou a caçula e
única mulher (...), todos treinaram, meu pai também
inclusive, só minha mãe que não treinou" sobre o início de
sua prática com o Karatê, mostrando o valor da prática
comum trazida pela família em determinado momento da
vida. - "Primeiro meu irmão já estava praticando Karatê, aí
7 | P á g i n a
foi a influência dele" diz 1-A sobre a importância do seu
irmão para ter o conhecimento e interesse para início do
Karatê.
Figura 1: Resultados para a Categoria" Motivações para o início
da prática do Karatê"
Houve números semelhantes de respostas em
Expectativa quanto a Técnica Marcial e Expectativa
quanto à Técnica Mental e ambos são semelhantes em
significado, diferenciando-se no objetivo. O termo
Expectativa é usualmente definido como um estado de
quem espera um bem que se deseja e cuja realização se
julga provável. Geralmente está ligada a um Ideal
proposto como positivo e diferentemente da Influência,
exige um papel maior do julgamento do indivíduo para
que seja aceito ou não.
A Expectativa portanto sugere uma crítica mais
avançada não somente quanto à experiência mas
também quanto a interesses pessoais. - "Eu não gosto de
correr muito, então pra não apanhar, pô, tem que
aprender alguma coisa, só isso. Comecei por isso, não
gosto de correr, tem que encarar, não tem jeito" comenta
1-A sobre sua expectativa quanto à técnica marcial, que
precisava aprender para poder parar de correr e enfrentar
situações. Já 2-B fala sobre a técnica mental - "Eu vim
treinar o Karatê porque a minha parte animal aflorava
muito, e dentro de uma sociedade há um conflito muito
grande. Então eu tinha que achar uma forma de ajustar
essas duas coisas, por isso eu comecei a treinar”.
Procurava portanto, um método para lidar com sua
impulsividade, caminho encontrado através dos
ensinamentos do Karatê.
Muitos entrevistados disseram que eram muito novos
para que pudessem ter um senso crítico sobre as suas
decisões e como dito anteriormente, o papel da família é
muito decisivo em todas as fases da vida, sendo muito
mais influente no período da adolescência e infância
(Palacios, 2002, p.184, 348). - período de início da prática
para a maioria dos participantes.
Sensações após a prática do Karatê
Neste setor estão os resultados referentes à questões
sobre as sensações logo após a prática. Sensações
físicas foram aquelas que foram relacionadas pelos
participantes a eventos puramente físicos, enquanto as
mentais ligadas ao processo psicológico e/ou emocional.
Como observado na Tabela 4, as respostas que
surgiram no âmbito físico foram Exaustão e
Rejuvenescência. Enquanto nas sensações mentais
surgiram Calma, Agitação e Sem sensações.
Tabela 4: Matriz Analítica da Categoria "Sensações após a
Prática do Karatê"
Categoria
Sub-categoria
Sub-Item
Sensações após
a prática do
Karatê
Sensações
Físicas
Exaustão
Rejuvenescência
(Recarregado)
Sensações
Mentais
Calma ou
Plenitude
Agitação ou
Euforia
Sem sensações
Na Figura 2 pode-se observar os resultados
referentes a essa categoria.
Figura 2 Resultados para a categoria "Sensações após a prática
do Karatê"
De acordo com o gráfico, chega-se a conclusão que
após a prática do Karatê a maioria dos participantes
sente-se fisicamente cansada e mentalmente calma ou
plena.
Por Exaustão entende-se o processo físico de ficar
cansado, exaurido das energias, muscularmente fadigado.
- "Bem, com essa idade fica cansado né, fisicamente" diz
1-B contando sobre sua experiência após a prática.
Já a Rejuvenescência é uma sensação física oposta
à exaustão, uma forma de recarga das energias - "Eu me
sinto energizado e rejuvenescido, me sinto muito bem" diz
2-B, estando pronto para mais atividades.
O item Calma foi agrupado ao item Plenitude pela
frequência em que os sentidos se juntaram - "É a hora
que eu me acalmo" diz 3-A. Já 3-B comenta sobre a
função do Karatê na sua vida "É, completo (...) mexe
muito com a cabeça, não é só a parte física (...) quando
eu faço um Kata, aquilo me realiza". É comum segundo a
análise Bioenergética que um processo corporal
caracterizado por aumento na respiração e frequência
cardíaca altere a psiquê do indivíduo, pois há uma
correlação tênue entre mente e corpo (Pierrakos, 1987)
explicando portanto o teor de auto-realização presente
após a prática intensiva e imersiva do Karatê. A
0 1 2 3 4 5 6
Expectativa quanto à Técnica Mental
Expectativa quanto à Técnica Marcial
Influência Familiar
0 1 2 3 4 5 6 7
Sem sensações
Agitação, Euforia
Calma, Plenitude
Rejuvenecência …
Exaustão
8 | P á g i n a
respiração está ligada diretamente ao estado de excitação
do corpo (Lowen, 1990) e na realização de um Kata,
preza-se pelo movimento respiratório sincronizado ao
movimento corporal, evidenciado pela necessidade do
vigoroso Kiai4 que é gerado no abdômen inferior,
expandindo-se para todo o corpo. Interessante notar que
nesse trecho de descrição do Kiai há também menção à
energia que é expandida ao corpo inteiro (ibid.) energia
esta que envolvida com todas as questões relacionadas à
vida e que aliado à respiração e auto-expressão,
promovem prazer e satisfação (Lowen, 1982, p. 40, 42-
43).
Já a Agitação e a Euforia, surgiu como exceção à
regra, como comenta 3-A - "Tem professor que dá aula
que você chega agitada em casa" não sendo portanto, o
resultado usual segundo essa amostra de pesquisa.
Enquanto 1-A diz não sentir nada "No Japão é assim,
ensino é normal, não é novidade (...) eu não sentia nada,
era vida normal" mostrando provavelmente um traço
cultural particular a esse participante.
Objetivos com a Prática
Nessa categoria estão os assuntos referentes aos
objetivos atuais com a prática do Karatê. Eles foram
divididos em Intrapsíquicos - relativos ao próprio indivíduo
e Psicossociais - relativos ao ambiente que o cerca, sem
deixar de estar ligado à sua dinâmica.
As respostas mais comuns foram Aprimoramento
Pessoal, Sucesso nas Disputas, Viver e Sem Objetivos
quanto à sub-categoria Intrapsíquica. Já na Psicossocial
surgiram os pontos de interesse Aprimorar os alunos e
Aprimorar a Sociedade, como pode ser visto na Tabela 5.
Tabela 5: Matriz Analítica da Categoria: "Objetivos com a Prática"
Categoria
Sub-categoria
Sub-Item
Objetivos com a
Prática
Objetivos
Intrapsíquicos
Aprimoramento
pessoal
Sucesso nas
Disputas
Viver
Sem Objetivos
Atuais
Objetivos Psicossociais
Aprimorar os
Alunos
Aprimorar a
Sociedade
Por Aprimoramento Pessoal entende-se a vontade de
melhorar e lapidar-se, produzindo uma evolução da noção
particular de indivíduo. Ela é bastante relacionada ao sub-
item Viver porém diferenciada melhor utilizando-se de
4 Kiai é a palavra japonesa para “união da energia”, largamente
utilizado como um “grito de força” concentrado, aumentando a eficácia do golpe. (Gaertner, janeiro de 1989, Revista Bodhidharma 1: p. 11)
exemplos literais. O entrevistado 3-C por exemplo,
comenta que os "Objetivos com a prática do Karatê
sempre foram a Vida" , diferentemente de um discurso de
aprimoramento como o de 3-B "Eu tinha como meta
alcançar um nível, digamos assim, da pontinha da unha
do Sensei Nishiyama5" objetivando um certo nível a ser
alcançado. Sem Objetivos Atuais denota que os objetivos
foram alcançados e não há nenhum no momento.
Figura 3: Resultados para a categoria "Objetivos com a Prática"
A noção de aprimoramento é comum no discurso
psicológico e Lowen (1982, p. 20-23) coloca que o
individuo para atingir os relacionamentos sadios e a vida
em si, deve abrir-se para si mesmo e entrar em contato
com o seu próprio corpo. A forma de fazer isso é
retomando a sua graciosidade natural, que seria atingida
por meio de movimentos com menor grau de interferência
da vontade (Lowen, 1990, p. 75-79). Onde entraria então
o processo de treinamento de uma prática como o Karatê,
regida por Katas, em um processo de auto-conhecimento
e de procurar a espontaneidade do movimento?
Segundo Lowen (1990, p. 51-59) a respiração não
deveria ser algo da qual precisamos ter consciência,
porém com a dificuldade de realizá-la plenamente, esta
acaba sendo necessária para que ocorra uma percepção
de tal condição e o reestabelecimento de um fluxo
respiratório relaxado e natural. Ou seja, o estado de
respiração retido e limitado ao qual estamos acostumados
não é natural - mas sim a versão encouraçada (Ibid, 1990,
p. 52). Diversos exercícios da Análise Bioenergética
trabalham a retomada dessa respiração livre, porém
partindo do ponto da conscientização sobre a mesma e
trabalho constante de sua abertura(Ibid, p. 58-61) Os
movimentos dos Katas segundo Funakoshi (1984, p. 39-
41) devem depois de longa prática, tornarem-se fluídos ao
ponto de serem movimentos naturais do corpo. Dois dos
vinte fundamentos do Karatê incluem deixar a mente livre
e ter o pensamento acima da técnica (Funakoshi &
Nakasone, 2003, 38, 48) portanto ambas as práticas
partem do princípio de que a partir da consciência atinge-
se um estado de graciosidade onde movimentos que não
exigem a vontade consciente podem ocorrer. E isso é
5 Hidetaka Nishiyama, mestre décimo Dan de Karatê Tradicional
que estudou sob a tutela de Gichin Funakoshi e foi durante muitos anos presidente da IFTK (Federação Internacional de Karatê Tradicional, 2010).
0 1 2 3 4 5 6
Aprimorar a Sociedade
Aprimorar os Alunos
Sem Objetivos Atuais
Viver
Sucesso nas Disputas
Aprimoramento Pessoal
9 | P á g i n a
uma auto-realização e aprimoramento pessoal, uma
viagem de auto-descoberta, devendo servir como
propulsor do processo pessoal de auto-conhecimento,
estendendo-se para a vida (Lowen, 1982, p. 95-98).
A segunda resposta com maior frequência foi a de
Sucesso nas Disputas, uma vez que três dos participantes
são atletas ativos e havia no período de realização das
entrevistas, apreensão quanto a um evento de grande
porte aproximando-se.
Já nos Objetivos Psicossociais por Aprimorar os
Alunos surgiu uma vontade de promover evolução
pessoal semelhante a do indivíduo, porém direcionada
aos seus alunos, segundo 2-A "O objetivo é tentar achar
uma forma para que possamos garantir o Karatê
Tradicional para as futuras gerações". Diferente de 2-C,
que diz "Minha preocupação hoje é que eu uso o Karatê
porque eu quero um País melhor para meus filhos, netos
e amigos, esse é o objetivo maior do Karatê"
diferenciando portanto Alunos de Sociedade.
Figura 4: Resultados para a categoria "Objetivos com a Prática"
divididos em frequência de resposta entre os grupos
Como se pode ver na Figura 4, as respostas da
primeira geração dos praticantes condensou-se no
Aprimoramento Pessoal e/ou Sem objetivos, refletindo
sua idade e maturidade perante a função atual do Karatê
em suas vidas. Na segunda geração se pode ver uma
consciência de Aprimoramento mas não pessoal e sim de
seus alunos ou da sociedade como um todo. Essa
responsabilidade é provavelmente advinda da sua
posição como mestres ainda ativos, atuando como
protagonistas em Dojos e federações. Já a terceira
geração concentrou-se no Aprimoramento Pessoal e foi a
única a salientar o Sucesso nas Disputas, uma vez que é
o único grupo ativo esportivamente.
Transformações ocasionadas pela prática do Karatê
Aqui temos a matriz analítica da categoria
Transformações ocasionadas pela prática do Karatê. Nela
observamos vários tipos de mudança, dentre elas Físicas,
Mentais e de Paradigma.
Tabela 6: Matriz Analítica da categoria: "Transformações
ocasionadas pela prática do Karatê"
Categoria
Sub-categoria
Sub-Item
Transformações
Ocasionadas
pela prática do
Karatê
Mudanças Físicas Saúde
Mudanças Mentais
Força Interior
Auto-Controle
Auto-Confiança
Respeito
Educação
Mudança de Paradigma
Forma de lidar com
a Vida
Dificuldade na
comparação
Não saber como
Comparar
Figura 5: Resultados para a categoria "Transformações
ocasionadas pela prática do Karatê"
O termo Saúde foi contextualizado como mudanças
físicas de ordem relativa à preparação do organismo
como diz 3-C "Agora a questão física eu me sinto bem pra
idade que tenho" completada por 2-A "Em primeiro lugar
melhorou muito a saúde". O próprio fundador do Karatê
Tradicional iniciou sua prática com o objetivo de melhorar
sua saúde física (Funakoshi, 1984, p. 4) e como atividade
física aeróbica, promove aumento da circulação periférica
assim como capacidade respiratória. A saúde física não
pode ser dissociada da saúde mental (Lowen, 1990, p.
20-27) e assim o trabalhar o corpo auxilia no processo de
melhora na espontaneidade das emoções e sentimentos
(Ibid.) e consequentemente, a qualidade de vida do
indivíduo. É mais fácil para a sociedade ocidental
reconhecer o aprimoramento da saúde no corpo em
consequência de um exercício corporal, pelo caráter
performático como a tratamos (Ibid.) mas mais
complicado adquirir um conceito holístico e integrado de
saúde (Lowen, 1985, p. 132-141). Sendo assim em
virtude de uma prática como o Karatê, espera-se que seja
012345
1 Geração
2 Geração
3 Geração
0 1 2 3 4 5 6
Não saber como comparar
Forma de lidar com a Vida
Educação
Respeito
Auto-Confiança
Auto-Controle
Força Interior
Saúde
10 | P á g i n a
mais fácil de ser reconhecido o aprimoramento da saúde
física do que de todo o sistema do indivíduo, que acaba
transparecendo nos sub-itens seguintes como
ramificações de saúde mental.
Força interior é um conceito que surgiu muito
provavelmente referido à energia psíquica, porém sem
maiores explicações por parte dos entrevistados, fazendo-
se portanto um sub-item separado "Não somente força
física como também força interna, a moral né" segundo 1-
C. O Karatê é descrito por Funakoshi (Teramoto in
Funakoshi & Nakasone, 2003, p. 10) como acima de tudo
um caminho para construção do caráter.
Auto-Controle é o controle dos impulsos, como por
exemplo 3-C "Eu era muito estressada (...) fazia coisa
errada eu brigava, ficava braba mesmo. E isso você vai
aprendendo a se controlar". Esse é um dos princípios que
Funakoshi descreveu e diz embasar as técnicas do Karatê
(Funakoshi, 1984, p. 16-17)
Auto-Confiança é um item referente à assertividade e
confiança nas próprias atitudes, como diz 3-B "Mas o
Karatê me fez me soltar, conseguir falar em público,
conseguir dar aulas, enfim, conseguir me expor melhor.".
Também constando no texto de Funakoshi, a auto-
confiança é necessária para o praticante de longo prazo
para que possa utilizar de toda sua técnica, quando ela for
requerida (Funakoshi, 1984, p. 62-64,106-109).
Respeito surgiu como um fundamento filosófico assim
como algo que é melhorada com a prática "Se eu não
praticasse, eu não seria uma pessoa tão respeitosa"
segundo 2-B. Retornando aos conceitos básicos do
Karatê, tudo começa e termina com o respeito (Funakoshi
& Nakasone, 2003, p. 19-21).
Educação foi um item separado de Respeito, que
surgiu também como algo que foi lapidado pela prática do
Karatê.
O sentido de Forma de lidar com a Vida veio com
uma frase de 3-A, que disse que "ele me deu tudo, tudo
na minha vida é em volta do Karatê" assim como 2-A
"Acredito que passei a acreditar em algo maior que isso,
no conceito de Ki ou Chi6 e sua importância e significância
nas técnicas do Karatê". A partir da experiência do Karatê
é possível que algumas mudanças filosóficas e de
maneira de lidar com a vida mudem, pois como dito
anteriormente é uma atividade física que promove
mudança para um ritmo respiratório profundo e isso por sí
já possibilita uma melhora da dinâmica psicológica do
indivíduo (Lowen, 1990, p. 51-52).
A Impossibilidade de Comparação foi
surpreendentemente comum por um fator simples: muitos
dos praticantes começaram muito jovens, e tiveram um
longo período de treinamento. "Eu treino desde criança"
diz 3-A, assim como 1-B "Se mudou ou não outra terceira
pessoa pode saber, mas pra mim normal. Pode ser que
6 Ki (japonês) ou Chi (chinês) é uma palavra que expressa
“energia vital”, “energia do ar” ou “energia pré-natal” inerente ao universo. É usada para definir a energia que dispomos, que atua em todos os organismos vivos (Gaertner, janeiro de 1989, Revista Bodhidharma 1: p. 8-9)
tenha mudado, mas não sei" exemplificando a dificuldade
em se comparar o período antes ao Karatê e após o
Karatê.
Definição de Karatê
No quesito Definição de Karatê foi perguntado qual a
definição pessoal de Karatê, ou seja o que era Karatê
para o participante, que segundo os dados das entrevistas
separou-se em Karatê como Vida e Karatê como Prática,
como pode ser visto na Tabela 7.
Tabela 7: Matriz Analítica da categoria: "Definição de Karatê"
Categoria
Sub-categoria
Sub-Item
Definição de
Karatê
Definição Pessoal
Vida
Prática
Figura 6: Resultados para a categoria "Definição de Karatê"
Vida foi o resultado mais comum como pode ser visto
pela Figura 6, variando entre - "O Karatê é minha vida"
para 2-C,"É um estilo de vida, eu não consigo mais viver
sem o Karatê" para 3-A e - "Karatê pra mim é um modo
de vida né (...) uma forma de estar melhor com o mundo"
para 1-B. Segundo Funakoshi & Nakasone (2003, p. 15-
16) aqueles que preocupam-se em praticar o Karatê não
devem ater-se apenas à técnica, mas precisam também
cultivar os aspectos espirituais do Caminho, uma vez que
o Karatê instrui tanto mente quanto corpo. O Karatê é
também considerado uma atividade vitalícia, devendo
seus fundamentos serem aplicados às mais diversas
situações (Ibid. p. 57-59). Isso parece bem difundido de
acordo com os resultados das entrevistas, uma vez que
grande parte definiu a prática como não integrante de sua
vida pessoal, mas sim a própria vida pessoal, que é
também um fundamento de Funakoshi: aplicar o sentido
do Karatê a todas as coisas da vida (Ibid. p. 59)
Funakoshi também dizia que deve-se pensar o Karatê
como um treinamento para a vida inteira, aplicado a todos
os dias dela (Funakoshi, 1988, p. 46)
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9
Prática
Vida
11 | P á g i n a
Prática surgiu na definição mais digital do termo, como diz
3-B - "É uma arte pessoal desenvolvida no japão como
Budo7 (...) o principal do Karatê é a formação do caráter
do ser humano". Ela demonstra uma análise um pouco
mais concreta do termo e da atividade envolvida, até
porque o verdadeiro treino do Karatê não se faz somente
com palavras (Funakoshi, 1984, p. 106).
Fundamentos que a prática do Karatê Trabalha
Os entrevistados puderam aqui expressar suas
opiniões sobre o que eles concluem que o Karatê tem
para dar para seu praticante e quais seus fundamentos
trabalhados. Dentre os Fundamentos Éticos e Morais
surgiram diversos sub-itens como pode-se observar na
Tabela 8. Já os Filosóficos e Espirituais dividiram-se em
somente dois: Modelo de Vida e Equilíbrio.
Tabela 8: Matriz Analítica da categoria: "Fundamentos que a
prática do Karatê trabalha"
Categoria
Sub-categoria
Sub-Item
Fundamentos
que a pratica do
Karatê Trabalha
Fundamentos
Èticos e Morais
Persistência
Disciplina
Caráter
Respeito
Modéstia,
Humildade
Capacidade
Confiança
Fundamentos Filosóficos e Espirituais
Karatê como Modo de Vida
Equilíbrio
Retomando brevemente os vinte princípios
norteadores da prática do Karatê-Do, todos foram
pensados a fim de serem utilizados em qualquer hora da
vida dos praticantes, constituindo uma espécie de conduta
comum de reflexão acerca dos conflitos das nossas vidas
e uma postura sempre atenta aos processos mentais
(Funakoshi, 1984, p. 8-9, 86-93).
Os princípios refletem alguns pontos recorrentes,
como a extrema necessidade de respeito, promoção e
importância do auto-conhecimento. O Karatê como sendo
muito além de uma prática meramente física e também a
postura subtrativa e nunca agressiva da arte-marcial. É
dito que o Karatê é na verdade a arte de não entrar em,
combate e usar de todos os artifícios necessários para um
desfecho pacífico (Funakoshi e Nakasone, 2003, p. 25-
26).
Baseado nesses fundamentos pode-se ter uma
estrutura de comparação dos elementos trazidos pelos
7 Budo é uma palavra japonesa para “caminho marcial”,
compreendendo uma determinada filosofia para uma arte-marcial específica. Compreende depois o Bushi-do ou “caminho do guerreiro, em virtude de uma fusão cultural Budo-Xintoísta (Gaertner, janeiro de 1989, Revista Bodhidharma 1: p. 7-8)
entrevistados, a fim de ver quão semelhante está ao ideal
trazido por Gichin Funakoshi à realidade atual dos
praticantes brasileiros.
Figura 7: Resultados para a categoria "Fundamentos que a
prática do Karatê trabalha"
Os resultados apontam a grande importância na
Persistência para o praticante, como diz 2-A "Por
tenacidade eu quero dizer a idéia de nunca desistir, como
perseverança". A idéia de que o Karatê é uma arte que
requer muito do praticante. Nunca desistir e superar
dificuldades foi comum, como para 3-C - "Tem que passar
por muitos obstáculos (...) ter muita persistência" e para
1-C - "Qualquer situação que tenha, qualquer dificuldade,
tem que aguentar (...) é aguentar dificuldade". Parte desse
princípio é tratado nos 20 Fundamentos, com a idéia de
que o Karatê é como água fervente: sem calor, retorna ao
estado tépido (Funakoshi & Nakasone, 2003, p. 67-68)
onde se o praticante não "manter a chama acesa" de
acordo com 3-C, rapidamente perderá seu propósito.
Perseverança pode também dizer respeito ao propósito
de Funakoshi em que o treinamento de Karatê deve ser
sério, e não baseado em somente meio-esforço, onde o
certo é o treinamento com ambos coração e alma
(Funakoshi, 1984, p. 105-106).
Caráter, Respeito e Humildade foram outros itens
mencionados com maior frequência; - "Respeito é uma
coisa que se aprende bastante" diz 3-C. Mais uma vez
vemos a influência direta dos princípios norteadores da
prática, descritos por Funakoshi como inerentes à prática
e por conseqüência, ao praticante.
0 1 2 3 4 5 6 7 8
Equilíbrio
Karate como modo de Vida
Confiança
Capacidade
Modéstia, Humildade
Respeito
Caráter
Disciplina
Persistência
12 | P á g i n a
Conclusão
De acordo com os resultados observados aliados
com sua devida análise e discussão, chega-se a algumas
conclusões acerca da natureza do Karatê e dos seus
praticantes.
Inicialmente aborda-se o problema de pesquisa: quais
as influências psicoemocionais do Karatê sobre o
praticante? A partir dos resultados discutidos, vemos que
a filosofia e a prática do Karatê Tradicional da forma que
foram propostos pelo seu organizador – Gichin Funakoshi
– influenciam na construção do caráter, proporcionando o
desenvolvimento de principalmente persistência, caráter,
respeito e modéstia. Todavia ao comentarem sobre as
transformações com influência direta do Karatê, citam,
sobretudo, a saúde, a força interior e o auto-controle. A
primeira vista pode-se concluir que o Karatê trabalha com
fundamentos específicos, porém altera o caráter em
outros níveis e itens, uma vez que houve resultados
distintos para ambos.
No oriente, a saúde é vista como um estado de
equilíbrio ou harmonia entre o indivíduo e universo
(Lowen, 1990, p. 22) e seus resultados são observáveis
nos humores do indivíduo. A força interior é nada mais
senão a ética, moral e sentimentos harmonizados,
juntamente com a união mente/corpo (Ibid, p. 23). Para
tanto o conceito de saúde, força interior e auto-controle
refletem essa harmonia e bem-estar, que dependem
diretamente da aceitação e vivência dos fundamentos
praticados por essa ética. Ou seja: ao falar de força
interior e saúde, fala-se dos fundamentos éticos e
filosóficos trabalhados, uma vez que não há mais divisão
entre o ético ideal e o ético pessoal, mas sim a vivência
harmônica do ideal.
Não só a filosofia moral e espiritual, mas também a
prática física do Karatê, com o aumento da respiração e
movimentação, contribuem então para a retomada do que
Lowen chama de “graciosidade do corpo”, que é a
harmonização da energia vital, da espiritualidade com a
mente e o corpo e que culmina portanto em um bem-estar
autêntico (Lowen, 1990, p.22, 23-24) refletido no conceito
de saúde. Assim sendo pode-se concluir que a prática do
Karatê-Do, nos moldes de Gichin Funakoshi, promove a
saúde como nos paradigmas orientais tanto física quanto
psicológica e espiritual.
O segundo objetivo era procurar identificar se haviam
diferenças entre os resultados das três categorias, a
saber: primeira, segunda e terceira geração. De acordo
com as freqüências não houve disparidade significativa,
senão no quesito objetivos com a prática, onde o item
“sucesso nas disputas” apareceu como resposta somente
na terceira geração, que ainda compete. Todavia foi onde
surgiram muitos objetivos de “aprimoramento pessoal”,
enquanto a segunda geração preocupava-se mais com o
aspecto de passar seus conhecimentos para os futuros
alunos. Nas outras categorias os resultados foram bem
distribuídos, levando à conclusão que a filosofia e ética do
Karatê-Do Tradicional está sendo homogeneamente
repassada através das gerações de praticantes
contemporâneos.
Ao adentrar na discussão sobre Karatê com os
entrevistados, percebe-se que a prática e a filosofia são
de fato muito imersivas: há no discurso dos participantes
verdadeira dedicação, respeito e crédito ao caminho das
mãos vazias. Tanto que grande parte da amostragem
definiu o Karatê como a própria vida. É interessante
discutir então o motivo pelo qual o Karatê consegue ser
bem-sucedido na sua meta de modificação do caráter.
Uma prática física aliada a uma filosofia densa e que
exige disciplina do praticante, em conjunto com uma
prática mental e respiratória contínuas, a longo prazo irão
eliciar modificação de caráter em virtude do
enfrentamento de certos sentimentos advindos dessa
mudança de respiração (Lowen, 1990, p. 52). O exercício
relacionado à modificação de posturas, fortalecimento do
corpo e principalmente retomada da mobilidade e
flexibilidade natural, eliciará um processo de maior
autoconhecimento e expressividade natural do corpo
(Lowen, 1982, p. 232) o que culminará com a acima
explicada “graciosidade do corpo”, consequentemente o
bem-estar. O Karatê passa a ser realmente, como
idealizou seu organizador, um caminho para que o
indivíduo possa obter auto-conhecimento, saúde e bem-
estar.
O Karatê-Do tem, portanto, várias características que
influenciam a construção e reflexão do caráter caso
praticada com afinco e seriedade, tendo em suas bases
filosóficas e práticas um conteúdo ético, moral e espiritual
passíveis de serem trabalhadas pelo indivíduo que por
essa trilha enveredar.
Pois assim como dizia o célebre samurai Miyamoto
Musashi:
“Existem vários caminhos. Existe o caminho
da salvação pela lei de Buda; o Caminho
de Confúcio no que diz respeito ao
aprendizado; o Caminho da cura pelos
médicos; e ao poeta cabe ensinar o
Caminho de Waka, a arte do chá, a arte de
mirar com arcos e muitas outras
habilidades. Cada homem pratica o que
mais lhe agrade”
Miyamoto Musashi, 2010, p. 31
13 | P á g i n a
Bibliografia
BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977. BEUREN, I. M. Como Elaborar Trabalhos Monográficos em Contabilidade. São Paulo: Atlas, 2003. BORTONI-RICARDO, S. M. O Professor Pesquisador. São Paulo: Parábola, 2009. BUSHIDO, N. Sun Tzu - A Arte da Guerra. São Paulo: Sapienza, 2005. CAPRA, F. O Tao da Física. São Paulo: Cultrix, 1983. CAPRA, F. Sabedoria Incomum. São Paulo: Cultrix: 1988. COUTINHO. C. P. A qualidade da investigação educativa de natureza qualitativa: questões relativas à fidelidade e validade. Porto Alegre: Educação Unisinos, 12(1):5-15, janeiro/abril 2008. COZBY, P. C. Métodos de Pesquisa em Ciências do Comportamento. São Paulo: Atlas, 2006. DYCHTWALD, K. Corpomente. São Paulo: Summus, 1977. FUNAKOSHI, G. Karate-do – My Way of Life. Tokyo: Kodansha International, 1984. FUNAKOSHI, G. Karate-do Nyumon. Nova Iorque: Kodansha International, 1988. FUNAKOSHI, G. & NAKASONE, G. Os Vinte Princípios Fundamentais do KARATÊ. São Paulo: Cultrix, 2003. GAIARSA, J.A. Couraça muscular do caráter: São Paulo: Agora, 1984. GAERTNER, G. Revista Bodhidharma – KARATE-DO. Curitiba: Bodhidharma, Janeiro de 1989. GRILL, T. & NAKAMURA. T. Karate – Technique and Spirit. Vermont: Tuttle, 2001. HOFF, R. Descrição da Terapia Reichiana. Rio de Janeiro: Revista Raízes. LISS, J. & STUPIGGIA, M. A terapia Biossistêmica. São Paulo: Summus: 1997. LOWEN, A. A Espiritualidade do Corpo. São Paulo: Summus, 1990. LOWEN, A. Bioenergética. São Paulo: Summus, 1982. LOWEN, A. Medo da Vida. São Paulo: Summus, 1986. LOWEN, A. Prazer. Uma Abordagem Criativa da Vida. São Paulo: Summus, 1984. LOWEN, A. & LOWEN, L. Exercícios de Bioenergética – o caminho para uma saúde vibrante. São Paulo: Agora, 1985. MAANEN, J. V. Qualitative Methodology. California: SAGE, 1983. MARCONI, M. A. & LAKATOS E. M. Técnicas de Pesquisa. São Paulo: Atlas,1999. MARTINS, R. A. Significado e Bases do Rãja-Yoga. Rio de Janeiro: Corifeu, 2007. MUSASHI, M. O Livro dos Cinco Anéis. São Paulo: Clio, 2010. PALACIOS, J; COLL C.; MARCHESI, A. & Colaboradores. Desenvolvimento psicológico e educação - Psicologia Evolutiva - Volume 1; São Paulo: Artmed, 2004 PIERRAKOS, J. C. M. D. Energética da Essência. São Paulo: Pensamento, 1987. RAKNES, O. Wilhelm Reich e a Orgonomia. São Paulo: Summus, 1988. REY, G. Pesquisa Qualitativa em Psicologia – caminhos e desafios. São Paulo: Thompson Learning, 2002. STEVENS, J. Três Mestres do Budo. São Paulo: Cultrix, 2007. STRATERN, P. Confúcio em 90 Minutos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. SEVERINO, A. J.Metodologia do trabalho científico. São Paulo: Cortez, 2007. WILBER, K. O espectro da Consciência. São Paulo: Cultrix, 1990. Federação Brasileira de Karatê. (s.d.). Acesso em 19 de outubro de 2009, disponível em www.fbk.com.br International Olympic Committee. (s.d). Acesso em 23 de
outubro de 2009, disponível em http://www.olympic.org/ Organização Mundial da Saúde. (s.d.) Acesso em 23 de outubro de 2009, disponível em http://www.who.int/en/