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A Filosofia do Karate-Do no Pensamento de Gichin Funakoshi e a Influência Psicoemocional sobre o Praticante Contemporâneo Yuri Dittrich Pereira da Silva Universidade Positivo Resumo O Karatê é uma prática originária da Índia e da China que se estruturou na ilha de Okinawa, Japão e cujo fundamento basilar é o desenvolvimento de métodos específicos de defesa pessoal e autodesenvolvimento. (evolução do caráter e personalidade). Suas características filosóficas, culturais, históricas e psicológicas são peças-chave para a compreensão da espiritualidade presente nesta prática, que foi codificada por Gichin Funakoshi (1868-1957) no início do século XX e que acabou sendo difundida no mundo inteiro. Tais princípios são considerados fundamentais para que o praticante do Karate-do atinja os objetivos que norteiam esta filosofia prática. Perante a atual presença das artes marciais orientais no contexto ocidental, onde estão largamente difundidas como defesa pessoal e como esporte, questiona-se até que ponto o ideal e os princípios de Funakoshi permanecem presentes. Além disso, também se questiona sobre quais as contribuições do Karatê-Dô para a qualidade e modo de vida dos indivíduos que praticam esta arte marcial. Para tanto foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com praticantes de Karatê-Dô de três gerações diferentes, investigando a qualidade e a forma pela qual se deu tal influência sobre os indivíduos. A análise dos dados foi feita à luz da filosofia espiritual do Karate-do e da Análise Bioenergética de Alexander Lowen, compreendendo como se dão as modificações de consciência de caráter físico, espiritual, mental e emocional do sujeito. De acordo com os resultados há aspectos que a prática do Karatê trabalha, como a perseverança e o respeito, além de ser considerado um método de vida. Quanto à Filosofia, os resultados levam a crer que os fundamentos propostos por Gichin Funakoshi estão ainda presentes, embasando a prática contemporânea. Palavras-chave: Karatê-Dô; espiritualidade; filosofia; psicologia; corpo; saúde. Abstract Karate is a practice originated in India and China that was structured on the island of Okinawa, Japan, and whose basic foundation lies in the development of specific methods of self defense and self-development. (Evolution of the character and personality). Its philosophical, cultural, historical and psychological characteristics are key to understanding the spirituality present in this practice, which was codified by Gichin Funakoshi (1868-1957) at the beginning of the twentieth century and that ended up being spread worldwide. These principles are considered essential in order to meet the goals that guide this practical philosophy. Given the current presence of oriental martial arts in the Western context, where they are widely promoted as self-defense and sport, one wonders to what extent the ideal and principles of Funakoshi remain present. It also raise questions about the contributions of Karate-Do for quality and way of life of individuals who practice this martial art. To do so we conducted semi-structured interviews with practitioners of Karate-Do from three different generations, investigating the quality and manner that this influence happened on each one. Data analysis was made upon the spiritual philosophy of Karate-do and Bioenergetics Analysis Theory, by Alexander Lowen, understanding how the changes in awareness, physical, spiritual, mental and emotional happens on the practicer. According to the results, there are aspects of karate practice that are very present, such as perseverance and respect, and is usually considered a method of life. As for philosophy, the results suggest that the principles proposed by Gichin Funakoshi are still present, Providing the foundation for contemporary practice. Keywords: Karate-Do; spirituality, philosophy; psychology; body; health.

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A Filosofia do Karate-Do no Pensamento de Gichin Funakoshi

e a Influência Psicoemocional sobre o Praticante Contemporâneo

Yuri Dittrich Pereira da Silva

Universidade Positivo

Resumo

O Karatê é uma prática originária da Índia e da China que se estruturou na ilha de Okinawa, Japão e cujo

fundamento basilar é o desenvolvimento de métodos específicos de defesa pessoal e autodesenvolvimento.

(evolução do caráter e personalidade). Suas características filosóficas, culturais, históricas e psicológicas são

peças-chave para a compreensão da espiritualidade presente nesta prática, que foi codificada por Gichin

Funakoshi (1868-1957) no início do século XX e que acabou sendo difundida no mundo inteiro. Tais

princípios são considerados fundamentais para que o praticante do Karate-do atinja os objetivos que

norteiam esta filosofia prática. Perante a atual presença das artes marciais orientais no contexto ocidental,

onde estão largamente difundidas como defesa pessoal e como esporte, questiona-se até que ponto o ideal e

os princípios de Funakoshi permanecem presentes. Além disso, também se questiona sobre quais as

contribuições do Karatê-Dô para a qualidade e modo de vida dos indivíduos que praticam esta arte marcial.

Para tanto foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com praticantes de Karatê-Dô de três gerações

diferentes, investigando a qualidade e a forma pela qual se deu tal influência sobre os indivíduos. A análise

dos dados foi feita à luz da filosofia espiritual do Karate-do e da Análise Bioenergética de Alexander Lowen,

compreendendo como se dão as modificações de consciência de caráter físico, espiritual, mental e

emocional do sujeito. De acordo com os resultados há aspectos que a prática do Karatê trabalha, como a

perseverança e o respeito, além de ser considerado um método de vida. Quanto à Filosofia, os resultados

levam a crer que os fundamentos propostos por Gichin Funakoshi estão ainda presentes, embasando a

prática contemporânea.

Palavras-chave: Karatê-Dô; espiritualidade; filosofia; psicologia; corpo; saúde.

Abstract

Karate is a practice originated in India and China that was structured on the island of Okinawa, Japan, and

whose basic foundation lies in the development of specific methods of self defense and self-development.

(Evolution of the character and personality). Its philosophical, cultural, historical and psychological

characteristics are key to understanding the spirituality present in this practice, which was codified by Gichin

Funakoshi (1868-1957) at the beginning of the twentieth century and that ended up being spread worldwide.

These principles are considered essential in order to meet the goals that guide this practical philosophy.

Given the current presence of oriental martial arts in the Western context, where they are widely promoted as

self-defense and sport, one wonders to what extent the ideal and principles of Funakoshi remain present. It

also raise questions about the contributions of Karate-Do for quality and way of life of individuals who practice

this martial art. To do so we conducted semi-structured interviews with practitioners of Karate-Do from three

different generations, investigating the quality and manner that this influence happened on each one. Data

analysis was made upon the spiritual philosophy of Karate-do and Bioenergetics Analysis Theory, by

Alexander Lowen, understanding how the changes in awareness, physical, spiritual, mental and emotional

happens on the practicer. According to the results, there are aspects of karate practice that are very present,

such as perseverance and respect, and is usually considered a method of life. As for philosophy, the results

suggest that the principles proposed by Gichin Funakoshi are still present, Providing the foundation for

contemporary practice.

Keywords: Karate-Do; spirituality, philosophy; psychology; body; health.

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Introdução - O Karatê

Introduzido no Brasil na década de 50 por imigrantes

japoneses, o Karatê (空手) tem galgado seu caminho

através da cultura brasileira, influenciando desde então

seus praticantes em diversos aspectos. Segundo a

Federação Brasileira de Karatê (FBK, 2009) atualmente

há centenas de milhares de praticantes no Brasil e mais

de três mil Dojos1 espalhados pelo território nacional. Sua

Filosofia e Prática, organizadas e difundidas inicialmente

por Gichin Funakoshi, baseiam-se não somente na prática

física e aperfeiçoamento da técnica, mas principalmente

na evolução do caráter e a percepção formativa e

educativa do indivíduo que vereda pelo caminho (道-Do)

das mãos (手-Te) vazias (空-Kara). Tal característica se

dá pelos princípios da arte, influenciada por diversas

doutrinas de cunho oriental como o zen-budismo

(Hironishi in Funakoshi, 1984, p. vii- xi) e o confucionismo

(Funakoshi, 1984, p. 3, 13,-15), que Funakoshi

preocupou-se em manter intacta ao difundi-la. Essa era

uma – se não a sua maior – preocupação com as

gerações posteriores de praticantes; que a filosofia do

Karate-do continuasse a ser um caminho para a

ampliação de virtudes e melhora da qualidade de vida,

uma vez que o verdadeiro Karatê instruiria tanto mente

quanto corpo (Funakoshi & Nakasone, 2003, p. 16).

Professor de escola primária desde a adolescência,

Funakoshi era descendente de alta nobreza e viveu no

conturbado último ano da era Meiji japonesa. A época

polêmica de quebra de regras tradicionais, como a do

corte de cabelo que simbolizava a maturidade e o porte

de espadas, acabou sendo também a época que

Funakoshi utilizou como alavanca para apresentar o

Karatê ao Japão (Funakoshi, 1984, p. 13-17, 37). Passou

a lecionar a arte-marcial em suas aulas e para os

interessados, acabando por ir morar em Shuri e Naha

durante mais de 30 anos, treinando todos os dias (Ibid, p.

5). Sem negar sua educação confucionista, Funakoshi

ainda dedicou-se a reproduzir a filosofia do Karatê

empregada pelo seu mestre Itosu Anko, tornando-a

“Karate-do”, ou o caminho das mãos vazias (Ibid.). Tal

filosofia foi condensada em Vinte Princípios

Fundamentais, são eles:

1: "Não se esqueça que o Karatê-do começa e

termina com Rei". Rei é uma palavra japonesa que

traduzida exprime "respeito", mas pode ser interpretada

também como "cortesia" ou "auto-estima" ou seja:

respeito próprio, podendo a partir dele respeitar os outros

(Funakoshi & Nakasone, 2003, p. 19-20). Todas as artes

marciais japonesas começam e terminam com Rei, pois

se não forem praticadas com um sentimento de

reverência e respeito, serão simplesmente outras formas

de violência (Ibid. p. 20).

1 “Dojo” é uma palavra de origem japonesa cujo significado é

“lugar do caminho”. É o ambiente de treinamento formal dos praticantes de artes-marciais.

2: "Não existe primeiro golpe no Karatê". Através da

influência Zen e dos princípios Confucionistas no Budo e

no Bushido, o Karatê assume uma postura não-agressiva

demonstrada pela temperança, prudência e sabedoria

frente a uma situação perigosa (Funakoshi & Nakasone,

2003, p. 24-25). De acordo com Anko Itosu, o verdadeiro

sentido do Karatê é sempre evitar um desfecho violento e

evitar a todo custo um golpe mortal, a não ser que não

haja outra saída a não ser que não haja outra saída, onde

aí será uma situação de vida-ou-morte e deverá portanto

lutar com todo o espírito, técnica e corpo (Funakoshi &

Nakasone, 2003, p. 25-26).

3: "O Karatê permanece do lado da Justiça". As

mãos, braços e pernas do karateka são como espadas,

portanto não devem ser utilizadas para propósitos

errados, egoístas ou injustos (Funakoshi, 1984, p. 15).

Leva-se em conta também a vertente confucionista que

comenta que ser Justo é: ser gentil sem ser corruptível,

ter ambições sem ser avarento, ter dignidade sem orgulho

indevido e inspirar respeito sem ser cruel (Strathern,

1998, p. 45-52)

4: "Primeiro conheça a si mesmo, depois conheça os

outros". Funakoshi dizia que entrar em uma batalha sem

conhecimento próprio e sem conhecimento do adversário,

é como lutar com os olhos vendados (Funakoshi &

Nakasone, 2003, p. 34). Sun Tzu, célebre filósofo da arte

da guerra, dizia "Quando se conhece o inimigo e a si

mesmo, não se corre perigo nem em uma centena de

batalhas" (Bushido, 2005, p. 45). Dizia também que saber

das habilidades do seu inimigo é metade do caminho para

a vitória (Funakoshi, 1984, p.15) Por esses ensinamentos

deduz-se que a função do auto-conhecimento em seus

diversos níveis é fundamental para que possa obter

sucesso em qualquer objetivo que se tenha em mente.

5: "O pensamento acima da técnica". Anterior ao uso

da técnica e seu aprimoramento, há a capacidade do

espírito e reflexão interior. Antes da capacidade de ser

técnicamente hábil, deve haver a capacidade de previsão

e contemplação, pois uma atitude descuidade não há

técnica que corrija (Bokuden in Funakoshi & Nakasone,

2003, p.40)

6: "A mente deve ficar livre". A partir do momento que

a mente fica livre para ir e vir, há uma natureza para que

ela siga o caminho que lhe foi necessário ao momento,

sem que haja a necessidade de controlá-la com firmeza e

acabe por afugentando sua liberdade (Funakoshi e

Nakasone, 2003, p. 45)

7: "O Infortúnio resulta de um descuido". Esse

fundamente demonstra a responsabilidade da atitude do

karateka, das causas e efeitos das suas vidas não como

infortúnios casuais - mas sim resultados diretos de nossos

descuidos. Para tanto não há fortuna ou infortúnio, mas

sim resultados de sua atitude ou falta dela.

8: "O Karatê vai além do Dojo". A prática do Karatê é

mais do que mero exercício físico, é uma filosofia e uma

forma de viver (Funakoshi, 1984, p. 45-68, 106) pos crê

que para devidamente se conhecer a prática, deve-se

vivê-la com corpo e alma (Ibid.).

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9. "O Karatê é uma atividade vitalícia". Com a mesma

linha de raciocínio do fundamento anterior, entende-se

que a prática é constante e aplicável a toda uma vida, já

que não existe momento em que a prática chega a um

ápice e nada mais se aprenderá daquele assunto

(Funakoshi & Nakasone, 2003, p. 57-59).

10. "Aplique o sentindo do Karatê a todas as coisas.

Isso é o que ele tem de belo". Um golpe ou chute, dado

ou recebido, podem significar vida ou morte (Funakoshi &

Nakasone, 2003, p. 63), enfrenta-se portanto todos

aspectos da vida como se eles tivessem tal seriedade

como a vida ou a morte.

11. "O Karatê é como água fervente: sem calor,

retorna ao estado tépido". Somente com um treinamento

contínuo se pode realmente entrar em contato com o

Caminho do Karatê, caso não seja levado com seriedade

não haverá real benefício (Funakoshi & Nakasone, 2003,

p. 68)

12. "Não pense em vencer, em vez disso pense em

não perder". O otimismo excessivo causa impaciência e

mau-humor, não preparando o indivíduo para as situações

adversas da derrota (Funakoshi & Nakasone, 2003, p. 72)

portanto deve-se estar sempre preparado para qualquer

situação, e aprender a despertar as possibilidades (Ibid. p.

73)

13: "Mude de posição de acordo com o adversário".

Sun Tzu dizia que os soldados e tropas devem ser como

água corrente: adaptarem-se ao terreno e ao inimigo,

dominando o espaço plano e sem resistência ao passo de

habilmente achar o caminho entre as grandes pedras de

um rio, evitando seus pontos fortes (Bushido, 2005, p. 72).

Deve-se portanto manter uma postura adaptável de

acordo com a necessidade.

14: "O resultado de uma batalha depende de como

encaramos o vazio e o cheio". Muito semelhante ao

fundamento anterior, versa-se aqui sobre a atitude mental

em batalha e adaptabilidade técnica e mental a diversas

situações da vida.

15: "Considere as mãos e os pés do adversário como

espadas". Ensinamento passado para Funakoshi pelo

mestre Azato, onde deve em todos os sentidos considerar

durante o combate todos os golpes desferidos como

mortais (Funakoshi, 1984, p. 15) e acompanhando o

sentido de seriedade que se encara os aspectos do

caminho, sendo sempre uma arte defensiva e não deve

ser usada com propósitos ofensivos (Ibid. p. 93).

16: "Ao sair pelo seu portão você se depara com um

milhão de inimigos". O descuido é grande inimigo ao sair

da segurança de casa pois se não se está da melhor

forma, atraímos encrenqueiros e problemas (Funakoshi &

Nakasone, 2003, p. 87-88). Portanto deve-se manter

prontidão e alerta ao sair de qualquer situação segura e já

conhecida (Ibid.).

17: "A Kamae é para os iniciantes; com o tempo

adota-se a Shizentai". Kamae é a postura de atenção,

prontidão e até certo ponto, intenção de ação (Funakoshi,

1998, p. 59) já a Shizentai assume uma postura mental e

corporal sem necessidade de assumir postura de combate

específica (Funakoshi & Nakasone, 2003, p. 94) sendo

assim portanto após certo nível, se assume uma postura

natural de atenção em todos os momentos, porém nem

sempre com intenção combativa.

18: "Execute o Kata corretamente: o combate real é

outra questão" Kata são sequências de golpes pré-

estabelecidos que simulam um combate, que segundo

Funakoshi devem sempre ser polidas corretamente em

busca da perfeição (Funakoshi, 1984, p. 6, 41, 106). Em

combate não deve-se limitar ao Kata, mas através da

prática fluente pode-se utilizá-lo corretamente (Ibid.)

19: "Não se esqueça de imprimir ou subtrair a força,

de distender ou contrair o corpo, de aplicar a técnica com

rapidez ou lentamente". Unindo esse fundamento aos de

aplicabilidade do vazio/cheio e adaptabilidade de acordo

com o adversário chega-se a uma postura de combate

plena, onde sabe-se como aplicar cada movimento em

prol de evitar a derrota (Funakoshi & Nakasone, 2003, p.

106)

20: "Mantenha-se sempre atento, diligente e capaz na

sua busca pelo Caminho". O vigésimo fundamento

compreende o sentido dos outros dezenove. Do ponto de

vista tanto psicológico quando físico o praticante deve

estar sempre atento (Funakoshi & Nakasone, 2003, p.

109) em prol de atingir sabedoria e entendimento do

verdadeiro Caminho (Musashi, 2010, p. 45-46).

A prática do Karatê conta com, além dos

fundamentos brevemente explicados acima, diversas

estruturas de treinamento e focos específicos de

importância. Existem diversos pontos característicos para

tal, como repetição de golpes tanto de membros

superiores quanto inferiores, preocupação específica com

a respiração e extensivo treinamento de séries pré-

estabelecidas de golpes. Resumidamente pode-se definir

a prática do Karatê com três grandes núcleos: o Kihon, o

Kata e o Kumite.

Kihon pode ser traduzido como “básico” ou

“fundamental” e é nas artes marciais o ato constante de

treinar golpes e posturas básicas que são fundamentais

para o resto da prática. Tais treinamentos são tão

importantes quanto qualquer técnica avançada, sua

prática intensiva é obrigatória a qualquer karateka2 que

busque atingir elevados níveis de proficiência (Funakoshi,

1984, p.41). O objetivo de tal importância é fazer os

músculos trabalharem especificamente para os golpes do

Karatê, e adquirir uma espécie de “memória muscular”

para usar o corpo com eficácia e precisão.

Kata significa “postura” ou “forma”, caracteriza-se

pela seqüência estabelecida de golpes e posturas

baseadas em simulações de combate, visando

treinamento específico dos aprendizados do Kihon.

Posturas abertas e baixas são muitas vezes utilizadas

para fortalecer a musculatura das pernas, assim como os

constantes golpes servem para aprimorar a capacidade

cardiovascular e respiratória do praticante.

2 “Karateka” é uma palavra de origem japonesa cujo significado é

“praticante de karatê”, sendo usada mundialmente para definir o adepto de tal arte-marcial.

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Já o Kumite ou “encontro de mãos” é o confronto entre

dois praticantes, considerado essencial como prática

contra um oponente (Funakoshi, 1984, p.113). Varia muito

de nível de contato, possibilitando tanto uma experiência

aprimorada de Kata quanto de um embate espontâneo

entre os praticantes (Grill & Nakamura, 2001, p. 37-45).

Introdução - A Análise Bioenergética

Para compreender a perspectiva psicológica no

âmbito das artes-marciais, neste artigo será utilizado o

corpo teórico da Análise Bioenergética. A principal

característica de tal é a constante atenção sobre a ligação

dos estados corporais com emocionais, trabalhos

respiratórios e sua influência no metabolismo orgânico e

por conseqüência nas emoções (Lowen, 1982, 33-34).

Compreende-se que a personalidade é determinada pela

a quantidade de energia que o individuo tem, como ele a

usa ou a retém, estas características são determinadas

pela sua história pessoal tanto psicológica quanto corporal

(Ibid.). Essa energia é compreendida como biológica,

cujas características são fluidez, pulsatibilidade e

dinamismo, movimentos os quais uma vez equilibrados

proporcionam bem-estar e prazer ao indivíduo (Lowen,

1982, 1986; Pierrakos, 1987). São essas as

características observadas pela análise bioenergética,

admitindo-se que é a dinâmica funcional entre o caráter

psíquico e a estrutura corporal que possibilita o

entendimento da personalidade (Pierrakos, 1987 p. 69-

72).

Como „energia‟ compreende-se uma pulsão vital

envolvida em todas as atividades da vida, sendo sua

dinâmica variável e vibrante, pulsando na forma de cargas

e descargas, desejo e satisfação ou contração e

relaxamento. O pensamento religioso do oriente,

diferentemente do ocidente, caracteriza-se por associar o

espírito ou a espiritualidade com uma perspectiva

energética do corpo (Lowen, 1990, p. 31) enquanto no

ocidente a energia está inserida em um conceito onde

pode ser mensurável, de caráter muito mais mecanicista

(Ibid. p. 32). Dessa forma a energia manifesta-se

pulsante, alterando-se entre o prazer (expressões de

satisfação e relaxamento ou descarga) e a dor

(expressões de retraimento e não-satisfação) (Lowen,

1982, p. 43).

A mente e o corpo mantêm conexão direta e assim

sendo, qualquer alteração na forma de pensar, sentir ou

comportar-se de uma pessoa afetam seu corpo e o

inverso é verdadeiro, acabando por influenciarem-se

mutuamente (Lowen, 1990 p. 35). Essas alterações

podem surgir e influenciar o corpo do indivíduo, ou seja,

componentes psicológicos em conflito podem se

manifestar corporalmente caso não tenham sido

expressados. Essa tensão psicológica será traduzida em

uma tensão e retração musculares, sendo portanto ela o

componente físico dos conflitos (Lowen, 1982, p. 75-76).

O trabalho com essas tensões musculares pode auxiliar a

pessoa a entender como é que suas atitudes psicológicas

são condicionadas pela couraça ou rigidez do corpo

(Lowen, 1982, p. 106). As áreas comumente atingidas são

a respiração (expressa por dificuldade e falta de

movimento ao respirar) e a movimentação (alterações no

caminhar e tensão das pernas e braços) (Ibid.). Dessa

forma constituem-se as defesas chamadas de “Couraças

Musculares”, nos protegendo daqueles significados tanto

externos quanto internos que nos são eliciadores de

angústia. (Ibid.).

Tendo em vista esses conceitos que embasam a

teoria, a proposta da Análise Bioenergética é portanto

conseguir identificar tais tensões crônicas (ou couraças)

que são geradas pelas retenções de energia, liberando-as

através de exercícios corporais tanto quanto verbalização

dos traumas vividos pelo cliente. A verbalização ocorre

após a liberação da tensão no corpo, já que a tensão era

a porção física da censura. Uma vez liberada, pode

portanto ocorrer o relaxamento mental e a energia

novamente fluir livre (Lowen, 1982, 1984, 1986).

Optou-se por analisar os resultados através do

prisma teórico da Análise Bioenergética pelo esforço dos

teóricos desta abordagem em compreender o papel do

corpo no contingente mental e espiritual, aproximando a

perspectiva energética oriental com o homem ocidental,

uma vez que estudam a personalidade humana em

termos de processos energéticos do corpo (Lowen, 1990,

p 31-32). Uma vez que no Karatê utiliza-se uma série de

treinamentos de posturas, golpes, condicionamento físico

e importância da energia e do caráter, dando grande

importância à respiração e ao espírito, tais abordagens

servirão para aproximar o entendimento do paradigma

oriental na psicologia ocidental, explorando suas

contribuições de maneira mais próxima ao paradigma

original.

Pesquisando e analisando os fundamentos do Karatê

e a referente bibliografia, pretende-se portanto investigar

quais são as influências de tal filosofia sobre seus

praticantes. Levando em conta o diferente paradigma

espiritual e energético do oriente frente ao ocidente,

pretende-se não só identificar, mas também analisar a

qualidade de sua influência, uma vez que foi inserida em

contexto diferente do seu original.

Na nossa cultura várias práticas estão difundidas em

diversos graus. A influência oriental pode ser observada

em algumas delas, como o zen-budismo e a acupuntura –

recentemente aceita pela Organização Mundial de Saúde

(OMS, 2009) como uma prática complementar. Cada vez

mais se sente a necessidade de compreender o

funcionamento de um paradigma que ainda nos é externo

mas que está presente no nosso cotidiano.

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5 | P á g i n a

Objetivos

O objetivo desta pesquisa é identificar as influências

psicológicas, físicas e espirituais advindas da prática do

Karatê. Pretende-se também investigar como as idéias e

os princípios desenvolvidos por Gichin Funakoshi estão

sendo entendidos e transmitidos através das gerações de

karatekas.

Método

Essa pesquisa tem como base os parâmetros

específicos dos métodos qualitativos exploratórios,

oferecendo uma investigação aprofundada e baseada no

discurso do participante, priorizando a subjetividade do

indivíduo e suas experiências acerca de um dado evento

que se deseja explorar. Recorre-se a esse método a fim

de valorizar o processo interativo entre pesquisador e

participante, deixando de embasar-se em uma postura

crítica fixa para adquirir um caráter subjetivista e

valorizador do papel do investigador (Coutinho,

janeiro/abril 2008, Educação Unisinos, 12(1): p. 5-15). Na

pesquisa qualitativa não há possibilidade de uma

investigação neutra ou seja, onde o investigador não

tenha participação e mantenha distância do fenômeno a

ser observado (Bortoni-Ricardo, 2009, p.17). A partir

desse modelo, frente a uma lógica indutiva presume-se

que o conhecimento profundo de um fenômeno assim

como seus resultados só poderão ser obtidos com

“insights” sobre as experiências pessoais dos

participantes.

Este objeto da pesquisa qualitativa é, portanto, um

sujeito interativo, motivado e intencional, que adota uma

posição em face às tarefas que enfrenta, não sendo

possível isolar suas características de seu contexto (Rey,

2002, p. 37-42), assim como o pesquisador. Isso se dá

pelo fato de que as relações de análise das informações

também acabam sendo influenciadas pelo pesquisador,

porém buscando significação e compreensão, procurando

se aprofundar e realmente compreender o mundo pessoal

do sujeito entrevistado (Coutinho, janeiro/abril 2008,

Educação Unisinos, 12(1): p. 5-15).

Já a pesquisa exploratória procura gerar uma visão

ampla sobre um fato ou objeto de pesquisa específico,

aprimorando nosso conhecimento sobre tal uma vez que

não foi ainda muito explorado (Beuren, 2003, p.80). A

partir de tal iniciativa, é possível que haja maior

compreensão sobre dado fato investigado, abrindo novos

enfoques sobre o assunto e possibilitando formulação de

novas hipóteses (Ibid).

Para a pesquisa foram entrevistados 9 indivíduos

praticantes de Karatê Tradicional estilo Shotokan, de

nacionalidades diversas, divididos em 3 grupos de acordo

com a idade e tempo de prática, a citar: Primeira Geração,

com praticantes de mais de 60 anos e graduação maior

que sétimo dan; Segunda Geração, com praticantes de 45

a 60 anos e graduação superior a sexto dan; Terceira

Geração, com praticantes com menos de 45 anos de

idade, atletas e com graduação superior a primeiro Dan3.

(Tabela 1)

Tabela 1: Caracterização da Amostra de População de Pesquisa

Participante

Sexo

Idade

(anos)

Tempo de

Prática

Graduação

1-A M 70 58 anos 8 Dan

1-B M 74 57 anos 8 Dan

1-C M 72 48 anos 7 Dan

2-A M 57 40 anos 7 Dan

2-B M 55 39 anos 7 Dan

2-C M 57 39 anos 7 Dan

3-A F 41 31 anos 5 Dan

3-B M 29 27 anos 4 Dan

3-C F 26 9 anos 1 Dan

As entrevistas foram feitas em lugares variados, nas

cidades de Curitiba, no Paraná e Guarapari, no Espírito

Santo. Todas foram gravadas com o mesmo aparelho

(Sony IC Recorder, ICD PX720) e submetidas ao mesmo

roteiro de entrevista semi-estruturada construído pelo

entrevistador, sendo transcritas e revisadas. Essa é uma

técnica de coleta de informações que se pauta na

interação entre pesquisador e pesquisado, buscando

compreender o que o sujeito pensa, sabe, representa, faz

e argumenta sobre o assunto especificamente discutido

(Severino, 2007, p. 123).

A análise dos dados foi feita através do processo de

análise de conteúdo, utilizando matrizes analíticas,

categorização das unidades de texto e posterior

identificação das frequências de respostas e seus

significados. A partir das perguntas contidas no relatório

de entrevista (categorias) e os resultados obtidos nas

respostas dos entrevistados (sub-categorias) construiu-se

uma tabela de análise e categorização das entrevistas, a

fim de melhor compreender e observar os dados (Tabela

2).

3 Dan é um sistema de progressão para a prática do Karatê,

originalmente criado por Jigoro Kano, fundador do Judo (Stevens, 2007, p. 25, 72)

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6 | P á g i n a

Tabela 2: Matriz Analítica das Entrevistas

Dimensões

Categorias

Sub-categorias

Dimensão Psicoemocional

Motivações para o início da prática do

Karatê

Influência

Expectativa

Sensações após a prática do Karatê

Sensações físicas

Sensações mentais

Objetivos com a

prática

Objetivos intrapsíquicos

Objetivos psicossociais

Mudanças ocasionadas pela prática do Karatê

Mudanças Físicas

Mudanças Mentais

Mudanças de Paradigma

Dificuldade na comparação

Dimensão referente à prática do Karatê-Do

Definição de Karatê

Definição Pessoal

Fundamentos que a prática do Karatê

trabalha

Fundamentos Éticos e Morais

Fundamentos Espirituais e Filosóficos

Os resultados foram classificados e agrupados por

afinidade de significado de resposta, incluídos portanto

nas sub-categorias em classificação progressiva, de

acordo com a apresentação dos elementos ou unidades

temáticas (Bardin, 2004, p.32). Foram obedecidas as

seguintes regras: exclusão mútua, em cada elemento é

impossibilitado de pertencer a mais de uma categoria;

homogeneidade, em que só é possível o funcionamento

com um registro e uma dimensão/nível de análise;

pertinência, em que se está adaptada ao material de

análise escolhido; objetividade e fidelidade, em que as

diferentes partes de um material devem ser codificadas da

mesma maneira, mesmo quando submetidas a diferentes

análises; e produtividade, com a obtenção resultados

férteis em dados exatos, hipóteses novas e índices de

inferências (Ibid).

Agrupados, os dados puderam ser analisados em

forma de freqüência, com o respaldo de serem tratados

como subjetivos. Cada pergunta pôde ser respondida

diversas vezes ao longo da entrevista, não se tratando

portanto de uma frequência com valor estatístico frente às

outras respostas.

As limitações de pesquisa são referentes à

interpretação e análise de dados frente ao resultado

obtido nas entrevistas. Foram usados somente os

recortes dos discursos que de alguma forma fizeram-se

relevantes ao tema de pesquisa, ou seja, que de alguma

forma respondiam as perguntas efetuadas na entrevista e

consequentemente enquadravam-se nas categorias

apresentadas. Todas as entrevistas foram transcritas e

analisadas, a fim de aproveitar todas as informações

referentes às perguntas de pesquisa. Além disso, o

conteúdo das entrevistas é exclusivamente referente ao

desenvolvimento pessoal ocorrido ao longo da vida dos

participantes, assim como as influências das práticas e a

sua relação com suas vidas e, portanto, de cunho

subjetivo.

Resultados, Discussão e Análise

Os resultados obtidos através da pesquisa foram

submetidos ao processo de categorização em unidades

temáticas, como previamente explicado no método. A fim

de organização, os dados dos resultados serão

apresentados em ordem descendente de acordo com a

Tabela 2: Matriz Analítica das Entrevistas. A partir dos

dados apresentados pode-se iniciar o processo de sua

interpretação e discussão, trabalhando as inter-relações

entre eles e suas representações.

Motivações para o inicio da prática do Karatê

Nessa categoria foi perguntado aos participantes

quais as motivações que os levaram a escolher ou iniciar

a prática do Karatê. Dentro dela apareceram duas sub-

categorias: Influência e Expectativa. Enquanto a Influência

surgiu com o sub-item Familiar, a Expectativa devido aos

resultados apresentados nas entrevistas foi dividida entre

Quanto à Técnica Marcial e Quanto à Técnica Mental,

como mostrado na Tabela 3.

Tabela 3: Matriz Analítica da Categoria "Motivações para o início

da prática do Karatê"

Categoria

Sub-categoria

Sub-Item

Motivações para

o início da

prática do

Karatê

Influência

Familiar

Expectativa

Quanto à Técnica

Marcial

Quanto à técnica

Mental

Como se pode ver pela Figura 1 contendo o gráfico

com os resultados da respectiva categoria, houve em sua

maioria respostas que consideram a Influência Familiar

como motivo do início da prática. Houve também

respostas referentes à técnica marcial e técnica mental. O

ambiente familiar proporciona o espaço para criação de

valores de moral e ética, que são base para a convivência

em sociedade (Palacios, 2002, p.181-186) e sendo assim,

são grandes influenciadores da opinião do indivíduo,

principalmente nos estágios iniciais do desenvolvimento

(Ibid.) como pode-se observar nos resultados da Figura 1.

Diz o participante 3-A - "6 irmãos, e eu sou a caçula e

única mulher (...), todos treinaram, meu pai também

inclusive, só minha mãe que não treinou" sobre o início de

sua prática com o Karatê, mostrando o valor da prática

comum trazida pela família em determinado momento da

vida. - "Primeiro meu irmão já estava praticando Karatê, aí

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7 | P á g i n a

foi a influência dele" diz 1-A sobre a importância do seu

irmão para ter o conhecimento e interesse para início do

Karatê.

Figura 1: Resultados para a Categoria" Motivações para o início

da prática do Karatê"

Houve números semelhantes de respostas em

Expectativa quanto a Técnica Marcial e Expectativa

quanto à Técnica Mental e ambos são semelhantes em

significado, diferenciando-se no objetivo. O termo

Expectativa é usualmente definido como um estado de

quem espera um bem que se deseja e cuja realização se

julga provável. Geralmente está ligada a um Ideal

proposto como positivo e diferentemente da Influência,

exige um papel maior do julgamento do indivíduo para

que seja aceito ou não.

A Expectativa portanto sugere uma crítica mais

avançada não somente quanto à experiência mas

também quanto a interesses pessoais. - "Eu não gosto de

correr muito, então pra não apanhar, pô, tem que

aprender alguma coisa, só isso. Comecei por isso, não

gosto de correr, tem que encarar, não tem jeito" comenta

1-A sobre sua expectativa quanto à técnica marcial, que

precisava aprender para poder parar de correr e enfrentar

situações. Já 2-B fala sobre a técnica mental - "Eu vim

treinar o Karatê porque a minha parte animal aflorava

muito, e dentro de uma sociedade há um conflito muito

grande. Então eu tinha que achar uma forma de ajustar

essas duas coisas, por isso eu comecei a treinar”.

Procurava portanto, um método para lidar com sua

impulsividade, caminho encontrado através dos

ensinamentos do Karatê.

Muitos entrevistados disseram que eram muito novos

para que pudessem ter um senso crítico sobre as suas

decisões e como dito anteriormente, o papel da família é

muito decisivo em todas as fases da vida, sendo muito

mais influente no período da adolescência e infância

(Palacios, 2002, p.184, 348). - período de início da prática

para a maioria dos participantes.

Sensações após a prática do Karatê

Neste setor estão os resultados referentes à questões

sobre as sensações logo após a prática. Sensações

físicas foram aquelas que foram relacionadas pelos

participantes a eventos puramente físicos, enquanto as

mentais ligadas ao processo psicológico e/ou emocional.

Como observado na Tabela 4, as respostas que

surgiram no âmbito físico foram Exaustão e

Rejuvenescência. Enquanto nas sensações mentais

surgiram Calma, Agitação e Sem sensações.

Tabela 4: Matriz Analítica da Categoria "Sensações após a

Prática do Karatê"

Categoria

Sub-categoria

Sub-Item

Sensações após

a prática do

Karatê

Sensações

Físicas

Exaustão

Rejuvenescência

(Recarregado)

Sensações

Mentais

Calma ou

Plenitude

Agitação ou

Euforia

Sem sensações

Na Figura 2 pode-se observar os resultados

referentes a essa categoria.

Figura 2 Resultados para a categoria "Sensações após a prática

do Karatê"

De acordo com o gráfico, chega-se a conclusão que

após a prática do Karatê a maioria dos participantes

sente-se fisicamente cansada e mentalmente calma ou

plena.

Por Exaustão entende-se o processo físico de ficar

cansado, exaurido das energias, muscularmente fadigado.

- "Bem, com essa idade fica cansado né, fisicamente" diz

1-B contando sobre sua experiência após a prática.

Já a Rejuvenescência é uma sensação física oposta

à exaustão, uma forma de recarga das energias - "Eu me

sinto energizado e rejuvenescido, me sinto muito bem" diz

2-B, estando pronto para mais atividades.

O item Calma foi agrupado ao item Plenitude pela

frequência em que os sentidos se juntaram - "É a hora

que eu me acalmo" diz 3-A. Já 3-B comenta sobre a

função do Karatê na sua vida "É, completo (...) mexe

muito com a cabeça, não é só a parte física (...) quando

eu faço um Kata, aquilo me realiza". É comum segundo a

análise Bioenergética que um processo corporal

caracterizado por aumento na respiração e frequência

cardíaca altere a psiquê do indivíduo, pois há uma

correlação tênue entre mente e corpo (Pierrakos, 1987)

explicando portanto o teor de auto-realização presente

após a prática intensiva e imersiva do Karatê. A

0 1 2 3 4 5 6

Expectativa quanto à Técnica Mental

Expectativa quanto à Técnica Marcial

Influência Familiar

0 1 2 3 4 5 6 7

Sem sensações

Agitação, Euforia

Calma, Plenitude

Rejuvenecência …

Exaustão

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8 | P á g i n a

respiração está ligada diretamente ao estado de excitação

do corpo (Lowen, 1990) e na realização de um Kata,

preza-se pelo movimento respiratório sincronizado ao

movimento corporal, evidenciado pela necessidade do

vigoroso Kiai4 que é gerado no abdômen inferior,

expandindo-se para todo o corpo. Interessante notar que

nesse trecho de descrição do Kiai há também menção à

energia que é expandida ao corpo inteiro (ibid.) energia

esta que envolvida com todas as questões relacionadas à

vida e que aliado à respiração e auto-expressão,

promovem prazer e satisfação (Lowen, 1982, p. 40, 42-

43).

Já a Agitação e a Euforia, surgiu como exceção à

regra, como comenta 3-A - "Tem professor que dá aula

que você chega agitada em casa" não sendo portanto, o

resultado usual segundo essa amostra de pesquisa.

Enquanto 1-A diz não sentir nada "No Japão é assim,

ensino é normal, não é novidade (...) eu não sentia nada,

era vida normal" mostrando provavelmente um traço

cultural particular a esse participante.

Objetivos com a Prática

Nessa categoria estão os assuntos referentes aos

objetivos atuais com a prática do Karatê. Eles foram

divididos em Intrapsíquicos - relativos ao próprio indivíduo

e Psicossociais - relativos ao ambiente que o cerca, sem

deixar de estar ligado à sua dinâmica.

As respostas mais comuns foram Aprimoramento

Pessoal, Sucesso nas Disputas, Viver e Sem Objetivos

quanto à sub-categoria Intrapsíquica. Já na Psicossocial

surgiram os pontos de interesse Aprimorar os alunos e

Aprimorar a Sociedade, como pode ser visto na Tabela 5.

Tabela 5: Matriz Analítica da Categoria: "Objetivos com a Prática"

Categoria

Sub-categoria

Sub-Item

Objetivos com a

Prática

Objetivos

Intrapsíquicos

Aprimoramento

pessoal

Sucesso nas

Disputas

Viver

Sem Objetivos

Atuais

Objetivos Psicossociais

Aprimorar os

Alunos

Aprimorar a

Sociedade

Por Aprimoramento Pessoal entende-se a vontade de

melhorar e lapidar-se, produzindo uma evolução da noção

particular de indivíduo. Ela é bastante relacionada ao sub-

item Viver porém diferenciada melhor utilizando-se de

4 Kiai é a palavra japonesa para “união da energia”, largamente

utilizado como um “grito de força” concentrado, aumentando a eficácia do golpe. (Gaertner, janeiro de 1989, Revista Bodhidharma 1: p. 11)

exemplos literais. O entrevistado 3-C por exemplo,

comenta que os "Objetivos com a prática do Karatê

sempre foram a Vida" , diferentemente de um discurso de

aprimoramento como o de 3-B "Eu tinha como meta

alcançar um nível, digamos assim, da pontinha da unha

do Sensei Nishiyama5" objetivando um certo nível a ser

alcançado. Sem Objetivos Atuais denota que os objetivos

foram alcançados e não há nenhum no momento.

Figura 3: Resultados para a categoria "Objetivos com a Prática"

A noção de aprimoramento é comum no discurso

psicológico e Lowen (1982, p. 20-23) coloca que o

individuo para atingir os relacionamentos sadios e a vida

em si, deve abrir-se para si mesmo e entrar em contato

com o seu próprio corpo. A forma de fazer isso é

retomando a sua graciosidade natural, que seria atingida

por meio de movimentos com menor grau de interferência

da vontade (Lowen, 1990, p. 75-79). Onde entraria então

o processo de treinamento de uma prática como o Karatê,

regida por Katas, em um processo de auto-conhecimento

e de procurar a espontaneidade do movimento?

Segundo Lowen (1990, p. 51-59) a respiração não

deveria ser algo da qual precisamos ter consciência,

porém com a dificuldade de realizá-la plenamente, esta

acaba sendo necessária para que ocorra uma percepção

de tal condição e o reestabelecimento de um fluxo

respiratório relaxado e natural. Ou seja, o estado de

respiração retido e limitado ao qual estamos acostumados

não é natural - mas sim a versão encouraçada (Ibid, 1990,

p. 52). Diversos exercícios da Análise Bioenergética

trabalham a retomada dessa respiração livre, porém

partindo do ponto da conscientização sobre a mesma e

trabalho constante de sua abertura(Ibid, p. 58-61) Os

movimentos dos Katas segundo Funakoshi (1984, p. 39-

41) devem depois de longa prática, tornarem-se fluídos ao

ponto de serem movimentos naturais do corpo. Dois dos

vinte fundamentos do Karatê incluem deixar a mente livre

e ter o pensamento acima da técnica (Funakoshi &

Nakasone, 2003, 38, 48) portanto ambas as práticas

partem do princípio de que a partir da consciência atinge-

se um estado de graciosidade onde movimentos que não

exigem a vontade consciente podem ocorrer. E isso é

5 Hidetaka Nishiyama, mestre décimo Dan de Karatê Tradicional

que estudou sob a tutela de Gichin Funakoshi e foi durante muitos anos presidente da IFTK (Federação Internacional de Karatê Tradicional, 2010).

0 1 2 3 4 5 6

Aprimorar a Sociedade

Aprimorar os Alunos

Sem Objetivos Atuais

Viver

Sucesso nas Disputas

Aprimoramento Pessoal

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9 | P á g i n a

uma auto-realização e aprimoramento pessoal, uma

viagem de auto-descoberta, devendo servir como

propulsor do processo pessoal de auto-conhecimento,

estendendo-se para a vida (Lowen, 1982, p. 95-98).

A segunda resposta com maior frequência foi a de

Sucesso nas Disputas, uma vez que três dos participantes

são atletas ativos e havia no período de realização das

entrevistas, apreensão quanto a um evento de grande

porte aproximando-se.

Já nos Objetivos Psicossociais por Aprimorar os

Alunos surgiu uma vontade de promover evolução

pessoal semelhante a do indivíduo, porém direcionada

aos seus alunos, segundo 2-A "O objetivo é tentar achar

uma forma para que possamos garantir o Karatê

Tradicional para as futuras gerações". Diferente de 2-C,

que diz "Minha preocupação hoje é que eu uso o Karatê

porque eu quero um País melhor para meus filhos, netos

e amigos, esse é o objetivo maior do Karatê"

diferenciando portanto Alunos de Sociedade.

Figura 4: Resultados para a categoria "Objetivos com a Prática"

divididos em frequência de resposta entre os grupos

Como se pode ver na Figura 4, as respostas da

primeira geração dos praticantes condensou-se no

Aprimoramento Pessoal e/ou Sem objetivos, refletindo

sua idade e maturidade perante a função atual do Karatê

em suas vidas. Na segunda geração se pode ver uma

consciência de Aprimoramento mas não pessoal e sim de

seus alunos ou da sociedade como um todo. Essa

responsabilidade é provavelmente advinda da sua

posição como mestres ainda ativos, atuando como

protagonistas em Dojos e federações. Já a terceira

geração concentrou-se no Aprimoramento Pessoal e foi a

única a salientar o Sucesso nas Disputas, uma vez que é

o único grupo ativo esportivamente.

Transformações ocasionadas pela prática do Karatê

Aqui temos a matriz analítica da categoria

Transformações ocasionadas pela prática do Karatê. Nela

observamos vários tipos de mudança, dentre elas Físicas,

Mentais e de Paradigma.

Tabela 6: Matriz Analítica da categoria: "Transformações

ocasionadas pela prática do Karatê"

Categoria

Sub-categoria

Sub-Item

Transformações

Ocasionadas

pela prática do

Karatê

Mudanças Físicas Saúde

Mudanças Mentais

Força Interior

Auto-Controle

Auto-Confiança

Respeito

Educação

Mudança de Paradigma

Forma de lidar com

a Vida

Dificuldade na

comparação

Não saber como

Comparar

Figura 5: Resultados para a categoria "Transformações

ocasionadas pela prática do Karatê"

O termo Saúde foi contextualizado como mudanças

físicas de ordem relativa à preparação do organismo

como diz 3-C "Agora a questão física eu me sinto bem pra

idade que tenho" completada por 2-A "Em primeiro lugar

melhorou muito a saúde". O próprio fundador do Karatê

Tradicional iniciou sua prática com o objetivo de melhorar

sua saúde física (Funakoshi, 1984, p. 4) e como atividade

física aeróbica, promove aumento da circulação periférica

assim como capacidade respiratória. A saúde física não

pode ser dissociada da saúde mental (Lowen, 1990, p.

20-27) e assim o trabalhar o corpo auxilia no processo de

melhora na espontaneidade das emoções e sentimentos

(Ibid.) e consequentemente, a qualidade de vida do

indivíduo. É mais fácil para a sociedade ocidental

reconhecer o aprimoramento da saúde no corpo em

consequência de um exercício corporal, pelo caráter

performático como a tratamos (Ibid.) mas mais

complicado adquirir um conceito holístico e integrado de

saúde (Lowen, 1985, p. 132-141). Sendo assim em

virtude de uma prática como o Karatê, espera-se que seja

012345

1 Geração

2 Geração

3 Geração

0 1 2 3 4 5 6

Não saber como comparar

Forma de lidar com a Vida

Educação

Respeito

Auto-Confiança

Auto-Controle

Força Interior

Saúde

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10 | P á g i n a

mais fácil de ser reconhecido o aprimoramento da saúde

física do que de todo o sistema do indivíduo, que acaba

transparecendo nos sub-itens seguintes como

ramificações de saúde mental.

Força interior é um conceito que surgiu muito

provavelmente referido à energia psíquica, porém sem

maiores explicações por parte dos entrevistados, fazendo-

se portanto um sub-item separado "Não somente força

física como também força interna, a moral né" segundo 1-

C. O Karatê é descrito por Funakoshi (Teramoto in

Funakoshi & Nakasone, 2003, p. 10) como acima de tudo

um caminho para construção do caráter.

Auto-Controle é o controle dos impulsos, como por

exemplo 3-C "Eu era muito estressada (...) fazia coisa

errada eu brigava, ficava braba mesmo. E isso você vai

aprendendo a se controlar". Esse é um dos princípios que

Funakoshi descreveu e diz embasar as técnicas do Karatê

(Funakoshi, 1984, p. 16-17)

Auto-Confiança é um item referente à assertividade e

confiança nas próprias atitudes, como diz 3-B "Mas o

Karatê me fez me soltar, conseguir falar em público,

conseguir dar aulas, enfim, conseguir me expor melhor.".

Também constando no texto de Funakoshi, a auto-

confiança é necessária para o praticante de longo prazo

para que possa utilizar de toda sua técnica, quando ela for

requerida (Funakoshi, 1984, p. 62-64,106-109).

Respeito surgiu como um fundamento filosófico assim

como algo que é melhorada com a prática "Se eu não

praticasse, eu não seria uma pessoa tão respeitosa"

segundo 2-B. Retornando aos conceitos básicos do

Karatê, tudo começa e termina com o respeito (Funakoshi

& Nakasone, 2003, p. 19-21).

Educação foi um item separado de Respeito, que

surgiu também como algo que foi lapidado pela prática do

Karatê.

O sentido de Forma de lidar com a Vida veio com

uma frase de 3-A, que disse que "ele me deu tudo, tudo

na minha vida é em volta do Karatê" assim como 2-A

"Acredito que passei a acreditar em algo maior que isso,

no conceito de Ki ou Chi6 e sua importância e significância

nas técnicas do Karatê". A partir da experiência do Karatê

é possível que algumas mudanças filosóficas e de

maneira de lidar com a vida mudem, pois como dito

anteriormente é uma atividade física que promove

mudança para um ritmo respiratório profundo e isso por sí

já possibilita uma melhora da dinâmica psicológica do

indivíduo (Lowen, 1990, p. 51-52).

A Impossibilidade de Comparação foi

surpreendentemente comum por um fator simples: muitos

dos praticantes começaram muito jovens, e tiveram um

longo período de treinamento. "Eu treino desde criança"

diz 3-A, assim como 1-B "Se mudou ou não outra terceira

pessoa pode saber, mas pra mim normal. Pode ser que

6 Ki (japonês) ou Chi (chinês) é uma palavra que expressa

“energia vital”, “energia do ar” ou “energia pré-natal” inerente ao universo. É usada para definir a energia que dispomos, que atua em todos os organismos vivos (Gaertner, janeiro de 1989, Revista Bodhidharma 1: p. 8-9)

tenha mudado, mas não sei" exemplificando a dificuldade

em se comparar o período antes ao Karatê e após o

Karatê.

Definição de Karatê

No quesito Definição de Karatê foi perguntado qual a

definição pessoal de Karatê, ou seja o que era Karatê

para o participante, que segundo os dados das entrevistas

separou-se em Karatê como Vida e Karatê como Prática,

como pode ser visto na Tabela 7.

Tabela 7: Matriz Analítica da categoria: "Definição de Karatê"

Categoria

Sub-categoria

Sub-Item

Definição de

Karatê

Definição Pessoal

Vida

Prática

Figura 6: Resultados para a categoria "Definição de Karatê"

Vida foi o resultado mais comum como pode ser visto

pela Figura 6, variando entre - "O Karatê é minha vida"

para 2-C,"É um estilo de vida, eu não consigo mais viver

sem o Karatê" para 3-A e - "Karatê pra mim é um modo

de vida né (...) uma forma de estar melhor com o mundo"

para 1-B. Segundo Funakoshi & Nakasone (2003, p. 15-

16) aqueles que preocupam-se em praticar o Karatê não

devem ater-se apenas à técnica, mas precisam também

cultivar os aspectos espirituais do Caminho, uma vez que

o Karatê instrui tanto mente quanto corpo. O Karatê é

também considerado uma atividade vitalícia, devendo

seus fundamentos serem aplicados às mais diversas

situações (Ibid. p. 57-59). Isso parece bem difundido de

acordo com os resultados das entrevistas, uma vez que

grande parte definiu a prática como não integrante de sua

vida pessoal, mas sim a própria vida pessoal, que é

também um fundamento de Funakoshi: aplicar o sentido

do Karatê a todas as coisas da vida (Ibid. p. 59)

Funakoshi também dizia que deve-se pensar o Karatê

como um treinamento para a vida inteira, aplicado a todos

os dias dela (Funakoshi, 1988, p. 46)

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9

Prática

Vida

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11 | P á g i n a

Prática surgiu na definição mais digital do termo, como diz

3-B - "É uma arte pessoal desenvolvida no japão como

Budo7 (...) o principal do Karatê é a formação do caráter

do ser humano". Ela demonstra uma análise um pouco

mais concreta do termo e da atividade envolvida, até

porque o verdadeiro treino do Karatê não se faz somente

com palavras (Funakoshi, 1984, p. 106).

Fundamentos que a prática do Karatê Trabalha

Os entrevistados puderam aqui expressar suas

opiniões sobre o que eles concluem que o Karatê tem

para dar para seu praticante e quais seus fundamentos

trabalhados. Dentre os Fundamentos Éticos e Morais

surgiram diversos sub-itens como pode-se observar na

Tabela 8. Já os Filosóficos e Espirituais dividiram-se em

somente dois: Modelo de Vida e Equilíbrio.

Tabela 8: Matriz Analítica da categoria: "Fundamentos que a

prática do Karatê trabalha"

Categoria

Sub-categoria

Sub-Item

Fundamentos

que a pratica do

Karatê Trabalha

Fundamentos

Èticos e Morais

Persistência

Disciplina

Caráter

Respeito

Modéstia,

Humildade

Capacidade

Confiança

Fundamentos Filosóficos e Espirituais

Karatê como Modo de Vida

Equilíbrio

Retomando brevemente os vinte princípios

norteadores da prática do Karatê-Do, todos foram

pensados a fim de serem utilizados em qualquer hora da

vida dos praticantes, constituindo uma espécie de conduta

comum de reflexão acerca dos conflitos das nossas vidas

e uma postura sempre atenta aos processos mentais

(Funakoshi, 1984, p. 8-9, 86-93).

Os princípios refletem alguns pontos recorrentes,

como a extrema necessidade de respeito, promoção e

importância do auto-conhecimento. O Karatê como sendo

muito além de uma prática meramente física e também a

postura subtrativa e nunca agressiva da arte-marcial. É

dito que o Karatê é na verdade a arte de não entrar em,

combate e usar de todos os artifícios necessários para um

desfecho pacífico (Funakoshi e Nakasone, 2003, p. 25-

26).

Baseado nesses fundamentos pode-se ter uma

estrutura de comparação dos elementos trazidos pelos

7 Budo é uma palavra japonesa para “caminho marcial”,

compreendendo uma determinada filosofia para uma arte-marcial específica. Compreende depois o Bushi-do ou “caminho do guerreiro, em virtude de uma fusão cultural Budo-Xintoísta (Gaertner, janeiro de 1989, Revista Bodhidharma 1: p. 7-8)

entrevistados, a fim de ver quão semelhante está ao ideal

trazido por Gichin Funakoshi à realidade atual dos

praticantes brasileiros.

Figura 7: Resultados para a categoria "Fundamentos que a

prática do Karatê trabalha"

Os resultados apontam a grande importância na

Persistência para o praticante, como diz 2-A "Por

tenacidade eu quero dizer a idéia de nunca desistir, como

perseverança". A idéia de que o Karatê é uma arte que

requer muito do praticante. Nunca desistir e superar

dificuldades foi comum, como para 3-C - "Tem que passar

por muitos obstáculos (...) ter muita persistência" e para

1-C - "Qualquer situação que tenha, qualquer dificuldade,

tem que aguentar (...) é aguentar dificuldade". Parte desse

princípio é tratado nos 20 Fundamentos, com a idéia de

que o Karatê é como água fervente: sem calor, retorna ao

estado tépido (Funakoshi & Nakasone, 2003, p. 67-68)

onde se o praticante não "manter a chama acesa" de

acordo com 3-C, rapidamente perderá seu propósito.

Perseverança pode também dizer respeito ao propósito

de Funakoshi em que o treinamento de Karatê deve ser

sério, e não baseado em somente meio-esforço, onde o

certo é o treinamento com ambos coração e alma

(Funakoshi, 1984, p. 105-106).

Caráter, Respeito e Humildade foram outros itens

mencionados com maior frequência; - "Respeito é uma

coisa que se aprende bastante" diz 3-C. Mais uma vez

vemos a influência direta dos princípios norteadores da

prática, descritos por Funakoshi como inerentes à prática

e por conseqüência, ao praticante.

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Equilíbrio

Karate como modo de Vida

Confiança

Capacidade

Modéstia, Humildade

Respeito

Caráter

Disciplina

Persistência

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Conclusão

De acordo com os resultados observados aliados

com sua devida análise e discussão, chega-se a algumas

conclusões acerca da natureza do Karatê e dos seus

praticantes.

Inicialmente aborda-se o problema de pesquisa: quais

as influências psicoemocionais do Karatê sobre o

praticante? A partir dos resultados discutidos, vemos que

a filosofia e a prática do Karatê Tradicional da forma que

foram propostos pelo seu organizador – Gichin Funakoshi

– influenciam na construção do caráter, proporcionando o

desenvolvimento de principalmente persistência, caráter,

respeito e modéstia. Todavia ao comentarem sobre as

transformações com influência direta do Karatê, citam,

sobretudo, a saúde, a força interior e o auto-controle. A

primeira vista pode-se concluir que o Karatê trabalha com

fundamentos específicos, porém altera o caráter em

outros níveis e itens, uma vez que houve resultados

distintos para ambos.

No oriente, a saúde é vista como um estado de

equilíbrio ou harmonia entre o indivíduo e universo

(Lowen, 1990, p. 22) e seus resultados são observáveis

nos humores do indivíduo. A força interior é nada mais

senão a ética, moral e sentimentos harmonizados,

juntamente com a união mente/corpo (Ibid, p. 23). Para

tanto o conceito de saúde, força interior e auto-controle

refletem essa harmonia e bem-estar, que dependem

diretamente da aceitação e vivência dos fundamentos

praticados por essa ética. Ou seja: ao falar de força

interior e saúde, fala-se dos fundamentos éticos e

filosóficos trabalhados, uma vez que não há mais divisão

entre o ético ideal e o ético pessoal, mas sim a vivência

harmônica do ideal.

Não só a filosofia moral e espiritual, mas também a

prática física do Karatê, com o aumento da respiração e

movimentação, contribuem então para a retomada do que

Lowen chama de “graciosidade do corpo”, que é a

harmonização da energia vital, da espiritualidade com a

mente e o corpo e que culmina portanto em um bem-estar

autêntico (Lowen, 1990, p.22, 23-24) refletido no conceito

de saúde. Assim sendo pode-se concluir que a prática do

Karatê-Do, nos moldes de Gichin Funakoshi, promove a

saúde como nos paradigmas orientais tanto física quanto

psicológica e espiritual.

O segundo objetivo era procurar identificar se haviam

diferenças entre os resultados das três categorias, a

saber: primeira, segunda e terceira geração. De acordo

com as freqüências não houve disparidade significativa,

senão no quesito objetivos com a prática, onde o item

“sucesso nas disputas” apareceu como resposta somente

na terceira geração, que ainda compete. Todavia foi onde

surgiram muitos objetivos de “aprimoramento pessoal”,

enquanto a segunda geração preocupava-se mais com o

aspecto de passar seus conhecimentos para os futuros

alunos. Nas outras categorias os resultados foram bem

distribuídos, levando à conclusão que a filosofia e ética do

Karatê-Do Tradicional está sendo homogeneamente

repassada através das gerações de praticantes

contemporâneos.

Ao adentrar na discussão sobre Karatê com os

entrevistados, percebe-se que a prática e a filosofia são

de fato muito imersivas: há no discurso dos participantes

verdadeira dedicação, respeito e crédito ao caminho das

mãos vazias. Tanto que grande parte da amostragem

definiu o Karatê como a própria vida. É interessante

discutir então o motivo pelo qual o Karatê consegue ser

bem-sucedido na sua meta de modificação do caráter.

Uma prática física aliada a uma filosofia densa e que

exige disciplina do praticante, em conjunto com uma

prática mental e respiratória contínuas, a longo prazo irão

eliciar modificação de caráter em virtude do

enfrentamento de certos sentimentos advindos dessa

mudança de respiração (Lowen, 1990, p. 52). O exercício

relacionado à modificação de posturas, fortalecimento do

corpo e principalmente retomada da mobilidade e

flexibilidade natural, eliciará um processo de maior

autoconhecimento e expressividade natural do corpo

(Lowen, 1982, p. 232) o que culminará com a acima

explicada “graciosidade do corpo”, consequentemente o

bem-estar. O Karatê passa a ser realmente, como

idealizou seu organizador, um caminho para que o

indivíduo possa obter auto-conhecimento, saúde e bem-

estar.

O Karatê-Do tem, portanto, várias características que

influenciam a construção e reflexão do caráter caso

praticada com afinco e seriedade, tendo em suas bases

filosóficas e práticas um conteúdo ético, moral e espiritual

passíveis de serem trabalhadas pelo indivíduo que por

essa trilha enveredar.

Pois assim como dizia o célebre samurai Miyamoto

Musashi:

“Existem vários caminhos. Existe o caminho

da salvação pela lei de Buda; o Caminho

de Confúcio no que diz respeito ao

aprendizado; o Caminho da cura pelos

médicos; e ao poeta cabe ensinar o

Caminho de Waka, a arte do chá, a arte de

mirar com arcos e muitas outras

habilidades. Cada homem pratica o que

mais lhe agrade”

Miyamoto Musashi, 2010, p. 31

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