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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ___ __ VARA DA
FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE PONTA GROSSA - PARANÁ
“O cuidado como modo-de-ser perpassa toda existência humana e possui ressonâncias em diversas atitudes importantes. Através dele as dimensões de céu (transcendência) e as dimensões de terra (imanência) buscam seu equilíbrio e co-existência. Realiza-se também no reino dos seres vivos, pois toda vida precisa de cuidado, caso contrário adoece e morre” (Leonardo Boff. Saber Cuidar: ética do humano - compaixão pela Terra. Petrópolis: Vozes, 1999)
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ ,
por seu Promotor de Justiça signatário, em exercício na Promotoria de Justiça de Defesa da
Saúde Pública da Comarca de Ponta Grossa, vem respeitosamente, perante Vossa
Excelência, com base nos artigos 127, ‘caput’, 129, inciso II e III, 196 e 197, todos da
Constituição Federal; art. 1º, II e IV, art. 5º, § 5º e 21, todos da Lei 7.347/85, art. 25, IV,
“a”, da Lei nº 8625/93 no exercício de suas atribuições constitucionais e, combinados com
o artigo 282, do Código de Processo Civil e demais legislações aplicáveis ao caso, propor a
presente:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
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em face do ESTADO DO PARANÁ, pessoa jurídica de direito público, ente representado,
para fins judiciais, pelo Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral do Estado, a ser citado na
Rua Conselheiro Laurindo, nº 561, Centro, no Município de Curitiba; e do MUNICIPIO
DE PONTA GROSSA, pessoa jurídica de direito público, representado, para fins judiciais,
pelo Excelentíssimo Senhor Prefeito Municipal, a ser citado na Avenida Visconde de
Taunay 950, Bairro Ronda, no município de Ponta Grossa, pelos seguintes fundamentos
fáticos e jurídicos.
1. DOS FATOS
No curso do Inquérito Civil MPPR nº 0113.02.000012-2,
apurou-se que pessoas portadoras de transtornos mentais residentes no Município de Ponta
Grossa, não vem recebendo do Poder Público a assistência médica devida.
Tal procedimento teve seu início em 11 de abril de 2002 a
partir da juntada de relatórios da instituição Recanto Maria Dolores, acolhedora de pessoas
com distúrbios mentais de 0 a 18 anos, a qual estava com grande número de jovens com
mais de 18 (dezoito) anos, sem ter estrutura para mantê-los. Porém, esforçando-se em
abriga-los, tendo em vista a ausência de convívio com a família.
Oficiada a responsável pela Fundação Promover acerca do
número de pessoas necessitando de eventual institucionalização, esta respondeu que
embora seja procurada diariamente por pessoas e familiares para este fim, não possuíam os
referidos dados, tendo em vista que na medida que surge a procura, tenta encaminhar as
pessoas as instituições.
Insta mencionar, que os relatórios apresentados pelas
entidades sociais, relatam a situação caótica do tratamento de saúde mental na cidade de
Ponta Grossa, inclusive solicitando medidas para resolver a questão, tais como implantação
do Programa Residência Terapêutica.
O Ministério Público na tentativa de solucionar a questão de
modo cordial, reportou a situação precária ao Prefeito Municipal, expondo a dificuldade
pela qual as pessoas portadoras de transtornos mentais, com idade igual ou maior de18
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(dezoito) anos, encontram no que tange a falta de instituições com estruturas próprias para
recebê-los, conforme fls. 38/40.
O referido pedido de providências desta Promotoria de
Justiça possuiu a finalidade de juntos, Ministério Público e Prefeitura Municipal, através de
esforços mútuos, buscar um modelo mais humano e garantidor dos direitos fundamentais
das pessoas portadores de transtorno mental a partir de programas como residências
terapêuticas, onde os pacientes poderiam desenvolver suas atividades, consoante determina
a Lei 10.216\2001.
Cumpre destacar que o oficio oriundo do Ministério Público,
solicitando providências para a implementação de uma politica adequada de saúde mental,
onde uma das medidas eficazes diz respeito a criação de residências terapêuticas foi
enviado em 25 de junho de 2005. Ocorre que somente foi respondido pelo Prefeito
Municipal em 02 de abril de 2008, após várias reiterações, demonstrando assim o descaso
com a saúde mental dos pacientes residentes no Município de Ponta Grossa.
É sabido que com o fechamento do Hospital Psiquiátrico
Franco da Rocha, em 2004, o atendimento médico psiquiátrico passou a ser realizado junto
ao Pronto Socorro Municipal, o qual presta tal atendimento em desacordo com o que
apregoa a política nacional de saúde mental.
Vale dizer, que o atendimento prestado pelo Pronto Socorro é
deficiente por falta de estrutura e atendimento técnico, visto que não se trata de um hospital
psiquiátrico, muito menos possui corpo clinico especializado em psiquiatria. Aliás, não
possui nem ala psiquiátrica em sua estrutura física.
O artigo 3º da lei 10.216\01, apregoa o atendimento de
pessoas portadoras de doença mental em hospital adequado para bem atende-los, o que não
se verifica na região de Ponta Grossa, pois todos os pacientes com surtos acabam sendo
internados no próprio Pronto Socorro, o qual é o único capaz de junto a Central de Leitos
solicitar vaga em local adequado, os quais se situam na cidade de Curitiba. Dessa forma, os
atendimentos prestados neste Município não são feitos em estabelecimento de saúde
mental:
Art. 3º. É responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental, a assistência e a promoção de ações
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de saúde aos portadores de transtornos mentais, com a devida participação da sociedade e da família, a qual será prestada em estabelecimento de saúde mental, assim entendidas as instituições ou unidades que ofereçam assistência em saúde aos portadores de transtornos mentais.
O presente inquérito civil foi instaurado no ano de 2002,
verifica-se assim, que mais de 10 (dez) anos se passaram e a situação continua a mesma, se
não mais precária, pois durante todo esse tempo, o Ministério Público diligenciou no
sentido de conseguir de forma acordada a implantação do Programa Residência
Terapêutica, com a estrutura completa para regular e desenvolvimento de todas as suas
atividades.
Contudo, todas as formas de buscar solucionar a questão de
forma conjunta e harmoniosa com os gestores municipal e estadual, restou-se insatisfatória,
uma vez que ambos em nenhum momento trouxeram medidas concretas para fazer
funcionar o programa residência terapêutica.
Verifica-se que na data de 02 de abril de 2008, conforme fls.
48, o Prefeito Municipal à época dos fatos, afirmou que não existia financiamento do
Ministério da Saúde para manutenção do programa Residência Terapêutica. Ainda aduziu
que a implantação do programa CAPS III estava em tramite no Ministério da Saúde para
autorização, porém até a presente data não foi implantado no Município de Ponta Grossa.
Também, foi apresentado pelo Prefeito Municipal o relatório
de atividades no que tange o tratamento de saúde mental em Ponta Grossa, consoante fls.
50\170, não havendo em nenhuma das atividades trazidas, o projeto para criação das
Residências Terapêuticas.
O Ministério Público em 26 de novembro de 2010, solicitou
informações atualizadas acerca do programa Residência Terapêutica, obtendo como
resposta a ausência de implantação pelo referido Município.
Oficiado o Secretário de Estado de Saúde, este informou às
fls. 207, o interesse do Estado do Paraná em implantar o programa Residência Terapêutica
no Município de Ponta Grossa. Todavia, passados mais de 02 (anos) do oficio, nada foi
implantado.
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Na oportunidade, renovamos que desde o mês de abril de
2002 até o mês de fevereiro de 2013, absolutamente nada foi realizado por parte do
Município de Ponta Grossa e pelo Estado no Paraná em relação a implantação do Programa
Residência Terapêutica.
Além de vários ofícios no sentido de encontrar motivos
razoáveis que justificassem a ausência de implantação do programa residência terapêutica
em Ponta Grossa, preocupou-se esta Promotoria de Justiça acerca da destinação das verbas
repassadas pelo Estado do Paraná aos hospitais psiquiátricos, no caso o antigo Franco da
Rocha.
Dessa forma, por várias vezes tentou-se saber se o Município
de Ponta Grossa estava recebendo verba estadual, antes repassada ao Hospital Franco da
Rocha, a fim de manter o tratamento de saúde mental dos pacientes do Município de Ponta
Grossa.
Todavia, todas as respostas da Secretaria de Estado de Saúde
foram insuficientes, pois em nenhum momento apresentou a destinação de tal verba ao
Município, apenas ressaltava o interesse na manutenção de políticas que abranjam a saúde
mental.
Apesar, do interesse demonstrado pelo Secretário de Estado
de Saúde, nada foi feito para mudar o contexto, pois pessoas continuam sofrendo pela falta
de instituição adequada aos pacientes com transtornos mentais no Município de Ponta
Grossa e região.
Importante frisar que Ponta Grossa possui mais de
300.000,00 (trezentos mil) habitantes, sendo que a região dos Campos Gerais abrange além
do citado Município, muito outros, quais sejam: Castro, Palmeira, Lapa, Arapoti, Campo do
Tenente, Cândido de Abreu, Ipiranga, Jaguariaíva, Ortigueira, Piraí do Sul, Porto
Amazonas, Reserva, Telêmaco Borba, Tibagi, Carambeí, Imbaú, Ivaí, Imbituva, Teixeira
Soares, Sengés, Ventania e Prudentópolis. Assim, mais de 10 (dez) municípios dependem
do sistema de saúde do Município de Ponta Grossa, o qual é um polo regional.
Mais uma vez, indagou-se o Secretário Municipal de Saúde
às fls. 261, com relação aos incentivos financeiros dados ao CAPS AD pelo Estado do
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Paraná, sendo que em resposta, este informou que até a data de 28 de janeiro de 2013, não
houve repasse de verbas estaduais.
Assim sendo, a partir de toda documentação juntada,
igualmente analisando a realidade dos fatos através do número relevante de pessoas que
procuram esta Promotoria de Justiça, relatando casos de familiares ou terceiros com algum
distúrbio mental e causando algum tipo de risco próprio ou a terceiros, se evidencia a
precariedade de atendimento de saúde mental junto ao Pronto Socorro e aos CAPS – Centro
de atendimento Psicossocial.
.Ainda, com relação ao CAPS, recebemos a informação
através de ofícios da Coordenadoria, que este não realiza busca ativa para realização de
tratamento em pacientes avessos a desintoxicação, estando em desacordo com a Portaria
GM 336/2002.
Oficiado a Coordenadora do CAPS AD, no Procedimento
Preparatório nº 0113.12.000804-41, esta informa que não é atribuição do CAPS AD
realizar busca ativa em pacientes que não fazem tratamento no citado serviço, ou seja, o
portador de doença mental ou toxicômano no Município de Ponta Grossa que se encontra
desassistido continuará sem tratamento adequado, situação esta que se não fosse tão
preocupante seria até hilária por parte do gestor municipal.
Por fim, durante o longo caminho de averiguação quanto ao
tratamento de saúde mental na cidade de Ponta Grossa, meros 11 (onze) anos, ainda não
houve a implantação do Programa Residência Terapêutica, embora se tenha apurado a
insuficiência do CAPS no atendimento à pessoas portadoras de doença mental e a falta de
implantação do CAPS III.
Diante do exposto, observa-se que os atendimentos de saúde
mental não estão sendo prestados de forma integral e suficiente pelo Município de Ponta
Grossa, pois é fato notório que os CAPS não estão prestando satisfatoriamente os serviços,
uma vez que não possuem capacidade para atender às necessidades de moradia de pessoas
portadoras de transtornos mentais graves, institucionalizadas ou não, fazendo-se necessária
a propositura da presente Ação Civil Pública a fim de resguardar a aplicação da
Constituição Federal de 1988, especificamente no que tange à dignidade da pessoa humana,
fundamento do Estado Democrático Brasileiro e do Direito à Vida e à Saúde.
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2. A LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO
A vida e a saúde são os direitos mais fundamentais do ser
humano e pressupostos de existência dos demais direitos, adequando-se na categoria de
direitos individuais indisponíveis, pelos quais zela o Ministério Público e devem ser
garantidos pelo Estado através de adequada prestação de serviços.
A Magna carta em vigor, ampliando o campo de atuação do
Ministério Público, em seu art. 127 prevê que “O Ministério Público é instituição
permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da
ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis”, ao mesmo tempo que, de acordo com seu art.129, inciso II, dita que uma
das funções institucionais do Ministério Público é “zelar pelo efetivo respeito dos
Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta
Constituição, e de promover as medidas necessárias à sua garantia” .
Ora, sendo a saúde um dos serviços de maior relevância pública
prestados pelo Estado, como bem destaca o art. 197 da CF, e não estando o gestor
municipal e estadual da saúde prestando tal serviço, fica claro que o Ministério Público ao
pleitear a implantação do Programa Residência Terapêutica no Município de Ponta Grossa,
está cumprindo com sua função institucional e constitucional.
Dentro desse contexto, extrai-se que o Parquet através do
manejo desta ação civil pública está promovendo as medidas necessárias para restaurar o
respeito dos Poderes Públicos aos direitos constitucionalmente assegurados.
Ademais, com base exclusivamente nas regras constitucionais
afetas ao Ministério Público, pode-se concluir que há legitimidade ativa ad causam, pois a
pretensão é voltada à defesa de um direito de todos os cidadãos, com espeque
constitucional, é de natureza indisponível, visto que se trata da vida e da saúde do
interessado.
Em caso análogo, já decidiu os Egrégios Tribunais:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CABIMENTO. DIREITO COLETIVO. RELEVÂNCIA SOCIAL. LEGITIMIDADE. MINISTÉRIO PÚBLICO.
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COMPETÊNCIA. JUSTIÇA ESTADUAL. A saúde de acordo com preceitos constitucionais é direito de todos e dever do Estado, tendo a Carta Maior conferido às instituições privadas a possibilidade de participar deste serviço. Há interesse coletivo quando da prestação de serviços de grande relevância social, público, permanente e gratuito, sem destinação de clientela por entidade beneficente, sem fins lucrativos. O Ministério Público tem a função e o dever de ajuizar Ação Civil Pública no intuito de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, promovendo medidas necessárias a sua garantia, bem como para a proteção de interesses difusos e coletivos. Agravo não provido.Carta Maior Constituição. (100240442759640011 MG 1.0024.04.427596-4/001(1), Relator: PEREIRA DA SILVA, Data de Julgamento: 26/09/2006, Data de Publicação: 20/10/2006) AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE. MINISTÉRIO PÚBLICO. DEFESA DE DIREITOS COLETIVOS. POSSIBILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. I -A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que o Ministério Público tem legitimidade para ajuizar ação civil pública na defesa de direitos coletivos, relativos a pessoas determináveis, e individuais homogêneos socialmente relevantes. Precedentes. II -Agravo regimental improvido. (781029 RJ , Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 23/08/2011, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-171 DIVULG 05-09-2011 PUBLIC 06-09-2011 EMENT VOL-02581-03 PP-00441)
Assim, extrai-se que o Ministério Público possui
indiscutivelmente legitimação outorgada pela própria Constituição Federal para zelar pelas
funções institucionais a ele atribuídas, inclusive promovendo ações que visem a proteção
dos direitos individuais indisponíveis e coletivos, como o direito à saúde e à vida.
O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. (STF – AGRG. 271.286-8/RS. DJU, 24/11/2000)
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3. A LEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO DO PARANÁ E DO MUNICÍPIO DE
PONTA GROSSA
A Lei da Ação Civil Pública não especifica nenhuma condição
especial para que alguém, seja pessoa física ou jurídica, se encontre na posição de
legitimado passivo, bastando para isso que lese ou ameace causar lesão a algum interesse
metaindividual: meio-ambiente, consumidor, patrimônio cultural, ou qualquer outro
interesse difuso ou individual homogêneo. In casu, na polaridade passiva deve figurar o
Estado do Paraná e o Município de Ponta Grossa.
O Poder Público é obrigado a efetivar o direito à saúde, não
importando tratar-se de ente federal, estadual ou municipal, já que se trata de competência
comum e nesta esteira a tutela judicial é cabível em face de qualquer um dos entes
federados.
Dessa forma, é necessário estabelecer o dever estatal em garantir
o direito à saúde a todos e ainda esclarecer a peculiaridade deste direto, pois o direito à vida
e, em sua conseqüência, o direito à saúde antecedem qualquer outro.
A Constituição garante o direito à saúde e traz a incumbência de
torná-lo efetivo ao Estado, pois veja-se: “Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do
Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação”. (grifo nosso)
A propósito, a relevância da demanda deve também ser
destacada, pois o que se observa é a omissão do Poder Público em garantir o acesso
universal à saúde, haja vista que limita a entrada de pacientes de forma espontânea,
demonstrando a precariedade no sistema e a desídia estatal no que tange a efetividade dos
direitos fundamentais.
O direito à saúde é inquestionavelmente reconhecido como
Direito Humano Fundamental e dentre as suas características destacamos a efetividade, pois
como bem observa ALEXANDRE DE MORAES, na sua obra DIREITOS HUMANOS
FUNDAMENTAIS, Atlas Editora, 5º Ed., pag. 41, “... a atuação do Poder Público deve
ser no sentido de garantir a efetivação dos direitos e garantias previstos, com mecanismos
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coercitivos para tanto, uma vez que a Constituição Federal não se satisfaz com o simples
reconhecimento abstrato”.
Ainda, este pensamento nos faz lembrar saudosamente dos
ensinamentos do Jusfilósofo NORBERTO BOBBIO, in A ERA DOS DIREITOS, que em
uma das suas brilhantes reflexões sobre o presente e futuro dos Direitos do Homem,
consignou que “... o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e,
num sentido mais amplo, político. Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos,
qual é sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou
relativos, mas sim qual é o modo mais seguro de garanti-los, para impedir que, apesar das
solenes declarações, eles sejam continuamente violados”.
A pessoa humana, sujeito de direitos e dotado de dignidade, tem
nos direitos sociais aparato de significativa importância, pois é dentre eles que a garantia da
dignidade humana se sobressai, com destaque o Direito à Saúde.
Atualmente, é dado um novo enfoque as normas que visam
efetivar direitos individuais, pois em sendo normas garantidoras da dignidade da pessoa
humana, não necessitam de legislação regulamentar para se tornarem eficazes. De outro
giro, a Carta Magna é clara ao determinar que os direitos e garantias fundamentais tem
aplicação imediata.
O Estado do Paraná, juntamente com o Município de Ponta
Grossa não estão atendendo seus cidadãos da forma esperada, de maneira satisfatória em
relação aos seus direitos individuais e sociais, principalmente no que tange as politicas de
saúde mental. E falando em saúde, esta deve ser prestada na sua forma global e não
parcialmente, onde o Estado prestaciona somente parte do Direito, como se as
peculiaridades humanas não tivessem condições de permear as necessidades de cada ser
como sói o presente caso. Por sorte o cidadão pode se socorrer ao Poder Judiciário para
buscar ser realizado o seu direito, pois além de garantir direitos, hoje se faz necessário
efetivá-los.
Bem como não cabe aos gestores, seja estadual ou municipal alegarem o
Principio da Reserva do Possível para se eximir da responsabilidade com relação à saúde de
qualquer pessoa, bem como sustentar sobreposição do Judiciário em relação ao Executivo,
mas apenas de tornar verdadeiramente eficaz os fundamentos e princípios da própria
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Constituição da República. Acrescente-se que, se restringindo a prestação da saúde, se
restringe também os direitos à saúde e à vida, violando-se o Princípio da Dignidade da
Pessoa Humana.
Nesse sentido, é o entendimento do Supremo:
Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da ‘reserva do possível’ - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade. (STF – ADPF nº 45 – Relator: Min. Celso de Mello. Informativo do STF 345) o Judiciário não desconhece o rigorismo da Constituição ao vedar a realização de despesas pelos órgãos públicos além daqueles em que há previsão orçamentária; este Poder, todavia, sempre consciente de sua importância como integrante de um dos Poderes do Estado, como pacificador dos conflitos sociais e defensor da Justiça e do bem comum, tem agido com maior justeza optando pela defesa do bem maior, veementemente defendido pela Constituição – A VIDA – interpretando a lei de acordo com as necessidades sociais imediatas que ela se propõe a satisfazer. (Apel. Cível nº 98.006204-7, Santa Catarina, Rel. Nilton Macedo Machado, 08/09/98).
Isso posto, imprescindível se faz a promoção de políticas
públicas que assegurem o acesso integral aos serviços públicos de saúde a qualquer pessoa
humana, bem como dever da família, da sociedade e do Estado em amparar as pessoas
enfermas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-
estar e garantindo-lhes o direito à vida.
Não obstante, pode-se concluir que é opção do autor promover
ação judicial em face de qualquer dos entes federados de forma separada ou conjuntamente
visando ao tratamento de saúde imediato e adequado aos pacientes que dele necessitem.
Caso o ente federado que figura na qualidade de réu se sinta prejudicado com a obrigação, é
possível que o mesmo intente ação regressiva contra o ente que entenda ser o responsável
pela efetivação do direito à saúde a todos os cidadãos.
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4.DA FALTA DE IMPLEMENTAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE MENT AL
INEXISTÊNCIA DE RESIDÊNCIAS TERAPÊUTICAS NO MUNICÍP IO DE
PONTA GROSSA
A saúde é direito de todos e dever do Estado, devendo ser
garantido mediante a implementação de políticas públicas sociais e econômicas que
visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação, conforme
artigos 6º e 196, ambos da Constituição Federal:
Art. 6º- São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Art. 196 – A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Ainda, a Magna Carta assegura proteção especial as pessoas
portadoras de deficiência, seja mental ou física, garantindo proteção integral à saúde:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: IV- a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária.. Os serviços e ações de saúde integram uma rede regionalizada e
hierarquizada e um sistema único, organizado a partir de diretrizes de descentralização,
com direção única em cada esfera de governo, atendimento integral, com prioridade
para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais e participação
da comunidade.
É grande o número de procedimentos autuados nesta Promotoria
de Justiça para requisição de tratamento de pessoas portadoras de algum tipo de doença
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mental no Munícipio de Ponta Grossa, contudo quando estes necessitam de tratamento em
regime fechado, estes são orientados a procurar o Pronto Socorro, o qual funciona como
“porta aberta”, sendo o único hospital no Município a solicitar através da Central de Leitos
vaga em hospital psiquiátrico para tais pessoas.
Vale dizer, que muitas delas não necessitariam de internamento,
mas sim de um tratamento digno através das residências terapêuticas, impedindo assim que
entrassem em surtos, pois muitas vezes pacientes em crise passam perambulando pela rua,
haja vista não possuir na cidade hospital adequado para atendê-los.
Ainda, enfrentamos a falta de vaga do gênero, pois apesar do
Pronto Socorro solicitar atendimento especializado através da Central de Leitos, a espera é
enorme, fazendo com que muitos doentes mentais se evadam do local, dessa forma sequer
recebam tratamento extra-hospitalar, em regime de residência.
Denota-se, que o número de pacientes doentes mentais em Ponta
Grossa é relevante, analisando os casos individuais que chegam até esta Promotoria, bem
como os demais relatados pelas entidades, o que demonstra a criação de serviço de
Residência Terapêutica.
As instituições que atendem tais pacientes de modo recluso não
possuem a estrutura devida. Contudo, se viram obrigadas a recolher pessoas portadoras de
doença mental oriundas do Hospital Franco da Rocha, por necessidade, sem vinculo
familiar acabaram ficando em locais não especializados, tais como Associação Vila Velha,
Recanto Espirita Maria Dolores e até mesmo asilos como São Vicente de Paulo.
Com a falta das residências terapêuticas, muitos pacientes
portadores de doença mental seguem sem o tratamento de que necessitam e, portanto,
encontram-se absolutamente desassistidos, o que viola frontalmente a Constituição Federal.
A ausência de residência terapêutica em Ponta Grossa é fato
explicito do descumprimento da Lei Federal nº 10.216/2001, que dispõem sobre a proteção
e os direitos das pessoas portadoras de doença mental, pois quando nossos pacientes
conseguem vaga para tratamento, o que não é fácil, estes são inseridos em residências
terapêuticas ou até mesmo em hospitais psiquiátricos fora do Município, permanecendo
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distantes de sua família, dessa forma o vinculo familiar que é tão essencial acaba se
perdendo.
Ademais, além da dificuldade na obtenção da vaga fora do
Munícipio de Ponta Grossa, o sistema é moroso, tornando-se na maioria das vezes ineficaz,
uma vez que quando o paciente inicia o tratamento, de regra, já cometeu tantos atos
insanos, que a família sem poder dar a assistência que o mesmo precisa, acaba se
ausentando, fazendo com que a reabilitação seja ainda mais difícil.
Caso o serviço existisse em Ponta Grossa, a inserção de muitos
doentes mentais no sistema de tratamento, dar-se-ia tão logo a deficiência mental fosse
constatada, gerando maiores chances de recuperação.
Segundo informações do próprio Município de Ponta Grossa, há
apenas um neurologista no Município para prestar atendimento no SUS, dessa forma muitas
pessoas com familiares portadores de algum tipo de doença mental, procuram esta
Promotoria de Justiça desesperados, pois sequer tem consulta com data próxima ao
paciente, que já vem apresentando sinais acentuados da doença mental diante da falta de
medicamentos, pois os fármacos somente são prescritos por médico especialistas, uma vez
que se trata de medicação controlada.
O descaso chega a um limite insuportável, pois desassistidos na
sua medicação e sem poder ter um tratamento adequado, os pacientes acabam não raras
vezes, tendo suas crises sem nenhum amparo médico.
Muito se discutiu acerca da necessidade do programa de
residência terapêutica, mas é imprescindível esclarecer o conceito e no que consiste tal
serviço, para assim entender o tamanho de sua importância.
Primeiramente as residências terapêuticas são alternativas de
moradia terapêutica para pessoas que ficaram muito tempo internadas em hospital
psiquiátricos ou não possuem amparo ou estrutura familiar para recebê-los.
Podemos conceituar o serviço de Residência Terapêutica não
apenas como moradia urbana a doentes mentais, mas também um serviço que atenda a
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necessidade de cada individuo, buscando sempre a reabilitação, conforme disposto no
programa do Ministério da Saúde (http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/120.pdf):
O Serviço Residencial Terapêutico (SRT) – ou residência terapêutica ou simplesmente "moradia" – são casas localizadas no espaço urbano, constituídas para responder às necessidades de moradia de pessoas portadoras de transtornos mentais graves, institucionalizadas ou não. O número de usuários pode variar desde 1 indivíduo até um pequeno grupo de no máximo 8 pessoas, que deverão contar sempre com suporte profissional sensível às demandas e necessidades de cada um. O suporte de caráter interdisciplinar (seja o CAPS de referência, seja uma equipe da atenção básica, sejam outros profissionais) deverá considerar a singularidade de cada um dos moradores, e não apenas projetos e ações baseadas no coletivo de moradores. O acompanhamento a um morador deve prosseguir, mesmo que ele mude de endereço ou eventualmente seja hospitalizado. O processo de reabilitação psicossocial deve buscar de modo especial a inserção do usuário na rede de serviços, organizações e relações sociais da comunidade. Ou seja, a inserção em um SRT é o início de longo processo de reabilitação que deverá buscar a progressiva inclusão social do morador.
O programa Residência Terapêutica em saúde mental foi
previsto pela Portaria GM/MS nº 106, de 11 de fevereiro de 2000, tendo em vista a Lei
antimanicomial, prevendo assim moradias urbanas destinadas a cuidar dos portadores de
transtornos mentais, egressos de internações psiquiátricas de longa permanência, que não
possuem suporte social e laços familiares e que viabilizem sua inserção social, consoante
art. 1º, parágrafo único, a fim de substituir a internação psiquiátrica prolongada:
ART.2º Definir que os Serviços Residenciais Terapêuticos em Saúde mental constituem uma modalidade Assistencial substitutiva da internação psiquiátrica prolongada, de maneira que, a cada transferência de paciente do Hospital Especializado para o Serviço de Residência Terapêutica, deve-se reduzir ou descredenciar do SUS igual N.º de leitos naquele hospital, realçando o recurso da AIH corresponde para os tetos orçamentários do estado ou município que se responsabilizará pela assistência ao paciente e pela rede substitutiva de cuidados em saúde mental.
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ART.3º Definir que aos Serviços Residenciais Terapêuticos e Saúde Mental cabe: a) garantir assistência aos portadores de transtornos mentais com grave dependência institucional que não tenham possibilidade de desfrutar de inteira autonomia social e não possuam vínculos familiares e de moradia: b)atuar como unidade de suporte destinada, prioridade aos portadores de transtornos mentais submetidos tratamento psiquiátrico em regime hospitalar prolongado: c)promover a reinserção desta clientela á vida comunitária. ART. 4º Estabelecer que os Serviços Residenciais Terapêuticos em Saúde Mental deverão ter projeto terapêutico baseado nos seguintes princípios e diretrizes: a) ser centrado nas necessidades dos usuários, visando à construção progressiva de sua autonomia nas atividades da vida cotidiana e à ampliação da inserção social; b) ter como objetivo central contemplar os princípios da reabilitação psicossocial, oferecendo ao usuário um amplo projeto de reintegração social, por meio de programas de alfabetização, de reinserção social, no trabalho, de mobilização de recursos comunitários de autonomia para as atividades domesticas e pessoais e de estimulo à formação de associações de usuários, familiares e voluntários. c) respeitar os direitos do usuário como o do cidadão e como sujeito em condição de desenvolver uma vida com qualidade e integrada ao ambiente comunitário.
Também, para diferenciarmos as atribuições do CAPS (Centro
de Assistência Psicossocial), que não se confunde com o programa pleiteado, temos as
Portarias 339 e 189, ambas de 2002, que regulam o citado serviço como ações de saúde
mental do tipo aberto e comunitário do Sistema Único de Saúde (SUS), consistente no
atendimento diário às pessoas com transtornos mentais severos e persistentes, realizando o
acompanhamento clínico e a reinserção social destas pessoas através de ações intersetoriais
que visam facilitar o acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento
dos laços familiares e comunitários.
Todavia há pacientes que somente atendimentos diários não
surtem efeito, pois a doença vai além de ações do tipo aberto, sendo que muitos devido a
própria doença são incapazes de buscar sozinhos ou mesmo através da família, apoio em tal
serviço.
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Ressalta-se que durante vários procedimentos para tentarmos
fornecer atendimento a pacientes portadores de doença mental, oficiando o CAPS para
prestação de atendimento, recebemos por parte de sua Coordenação a resposta que em
Ponta Grossa não se é realizado busca ativa, consoante oficio em anexo, indagamos acerca
da Portaria GM/336 do Ministério da Saúde, a mesma Coordenadora afirma que somente
realiza busca ativa em pacientes que frequentam o referido serviço. Assim, concluímos que
pacientes que não procuram auxilio diante do quadro mental e relutância, acabam ficando
desprotegidos e sem assistência alguma por parte do gestor municipal e estadual.
Logo, os Centros de Assistência Psicossocial em Ponta Grossa,
funcionam de maneira insuficiente e como única referência de tratamento de saúde mental,
o que torna imprescindível a implementação do serviço de residência terapêutica, o qual
funcionará vinculado ao CAPS, pois ambos juntos formarão uma rede integrada de auxilio.
Não obstante o tempo decorrido das normas e portarias citadas e
as diligências pelo Ministério Público no sentido de garantir a implementação do serviço de
residência terapêutica no Munícipio de Ponta Grossa e região, bem como as respostas
emanadas tanto pelo gestor municipal como estadual, não houveram ações por parte do
Estado do Paraná ou do Município para implantar as residências terapêuticas, a fim de que
os pacientes psiquiátricos com longa permanência hospitalar pudessem ser direcionados.
Nesse mesmo diapasão, não criou de maneira suficiente e satisfatória
os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) no Município de Ponta Grossa, sendo que o Ministério
da Saúde recomenda que localidades com mais de 200 mil habitantes tenham pelo menos três CAPS
em funcionamento. Entretanto, o Munícipio de Ponta Grossa com mais de trezentos mil habitantes
não possui todos os CAPS dispostos na Portaria GM 336/00, faltando o CAPS III, bem como tendo
o CAPS AD e II que não conseguem fornecer tratamento adequado a todos os pacientes com doença
mental, recusando-se, inclusive a fazer busca ativa.
Isso posto, os fatos mencionados aliado a documentação em anexo,
demonstram a omissão do Estado do Paraná e do Município de Ponta grossa Por fim, os fatos
noticiados demonstram a inação do Estado na assistência e a promoção de ações de saúde aos
portadores de transtornos mentais.
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Nesse sentido, é a Jurisprudência reconhecedora do dever do
Estado em prover o direito a assistência de pacientes portadores de doença mental por meio
de implantação de residências terapêuticas:
A Lei Federal 10.216/2001 impõe aos poderes públicos, em complemento ao art. 196 da Constituição da República, a proteção e a tutela dos direitos dos portadores de sofrimento psíquico,sabidamente vulneráveis socialmente. A Portaria nº 106/2000 do Ministério da Saúde organiza e estrutura os Serviços Residenciais Terapêuticos, na forma e com os fins que devem ser perseguidos pelos Municípios. As provas, colhidas no inquérito civil público preparatório da presente ação civil, indiciam que o Município de Canoas não dispõe de instituição adequada para o acolhimento e tratamento dosportadores de sofrimento psíquico, que estão sendo atendidos em instituições inadequadas, ou, simplesmente estão desatendidos, o que demonstra o perigo de dano, se houver demora no provimento. O princípio da reserva do possível não pode justificar o descumprimento de políticas públicas que contemplem o atendimento à saúde em seu grau mínimo de proteção. Procede a antecipação de tutela recursal para obrigar o Município à implementação do Serviço Residencial Terapêutico - SRT, nos moldes da legislação nacional, sob pena de multa de R$ 10.000,00, devendo ser apresentado, em 20 dias, cronograma do projeto para implementação do SRT, pelo Município. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. UNÂNIME. (Agravo de Instrumento Nº 70024042095, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Denise Oliveira Cezar, Julgado em 13/08/2008)
5. DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS DO PEDIDO
A Constituição Federal estabelece que a saúde é direito
fundamental, sendo assegurando a todos o acesso universal, igualitário e integral às ações
e serviços de saúde. Ainda, deixa claro que cabe ao Estado, em qualquer uma de suas
esferas, promover ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
A Lei Orgânica da Saúde, 8.080/90, que regulamenta as ações e
serviços de saúde estabeleceu que a atuação do Estado, no que tange à Saúde, se efetivaria
através do Sistema Único de Saúde – SUS, e também salienta em seu art. 2º que:
Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
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§ 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. § 2º O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade.
Resulta do exposto que o Poder Público deve prestar
atendimento integral e gratuito à saúde, fornecendo todas as condições para tanto, não
podendo impedir que pessoas portadoras de transtornos mentais fiquem desassistidas. Por
este motivo, a Administração Pública, ao se omitir da obrigação de implantar serviços
especializados como Residência Terapêutica para atender doentes mentais, age de maneira
ilegal, restringindo o acesso aos atendimentos de saúde, bem como fornece serviço público
ineficiente, fazendo-se essencial a tutela jurisdicional destes direitos difusos e coletivos.
Logo, deve o Estado do Paraná e o Município de Ponta Grossa,
com a máxima urgência, providenciar a implantação do Programa Residência Terapêutica
no Munícipio de Ponta Grossa, visando a garantir o acesso universal e célere àqueles que
necessitam de atendimento médico especializado, assegurando o direito à saúde e a uma
vida digna, pois não é possível manter a atual situação em que se encontra. Deste modo, os
pacientes que necessitam de tais cuidados médicos devem ser encaminhados pelos órgãos
referenciados ou ao Pronto Socorro – Hospital Amadeu Puppi, o qual possui limitações
físicas e clínicas diante de sua estrutura ser insuficiente para atender pacientes portadores
de doença mental, bem como a ineficiência do serviço CAPS AD, que não consegue dar
conta de toda demanda de pacientes com distúrbios mentais, deixando assim vários deles
totalmente desassistidos.
Embora já alegado, a previsão do Programa Residência
Terapêutica se encontra na Portaria/GM nº 106, de 11/02/2000, cujo Ministro de Estado da
Saúde visualiza a importância de tal serviço no âmbito dos Municípios:
Portaria/GM Nº 106/200: O Ministro de Estado da Saúde, no uso de suas atribuições, considerando: a necessidade da reestruturação do modelo de atenção ao portador de transtornos mentais, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS; a necessidade de garantir uma assistência integral em saúde mental e eficaz para a reabilitação psicossocial; a necessidade da humanização do
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atendimento psiquiátrico no âmbito do SUS, visando à reintegração social do usuário; a necessidade da implementação de políticas de melhoria de qualidade da assistência à saúde mental, objetivando à redução das internações em hospitais psiquiátricos, resolve:
Art. 1.º Criar os Serviços Residenciais Terapêuticos em Saúde Mental, no âmbito do Sistema Único de Saúde, para o atendimento ao portador de transtornos mentais. (grifo nosso)
O conceito de Residência Terapêutica é previsto pelo artigo
parágrafo único da mesma Portaria, afirmando ser “moradias ou casas inseridas,
preferencialmente, na comunidade, destinadas a cuidar dos portadores de transtornos
mentais, egressos de internações psiquiátricas de longa permanência, que não possuam
suporte social e laços familiares e, que viabilizem sua inserção social”. e pelo artigo
Conforme já supramencionado, os destinatários do serviço,
portanto, são pessoas com transtornos mentais severos, privadas do contato e cuidado da
família.
A finalidade e os princípios que regem esta forma de terapia aos
doentes mentais, vêm cautelosamente dispostos nos seguintes artigos da Portaria 106/200
do Ministério da Saúde:
Art. 3.º Definir que aos Serviços Residenciais Terapêuticos em Saúde Mental cabe: garantir assistência aos portadores de transtornos mentais com grave dependência institucional que não tenham possibilidade de desfrutar de inteira autonomia social e não possuam vínculos familiares e de moradia; atuar como unidade de suporte destinada, prioritariamente, aos portadores de transtornos mentais submetidos a tratamento psiquiátrico em regime hospitalar prolongado; promover a reinserção desta clientela à vida comunitária.
Art. 4º Estabelecer que os Serviços Residenciais Terapêuticos em Saúde Mental deverão ter um Projeto Terapêutico baseado nos seguintes princípios e diretrizes:
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ser centrado nas necessidades dos usuários, visando à construção progressiva da sua autonomia nas atividades da vida cotidiana e à ampliação da inserção social; ter como objetivo central contemplar os princípios da reabilitação psicossocial, oferecendo ao usuário um amplo projeto de reintegração social, por meio de programas de alfabetização, de reinserção no trabalho, de mobilização de recursos comunitários, de autonomia para as atividades domésticas e pessoais e de estímulo à formação de associações de usuários, familiares e voluntários. respeitar os direitos do usuário como cidadão e como sujeito em condição
Assim, além da obrigação legal de criar serviços para atender
doentes mentais, disponibilizando várias formas de terapias, também é dever constitucional
por parte da Administração Publica, já que a Magna Carta, no artigo 23, II, determina que
se trata de competência comum da União, Estados e Municípios, cuidar da saúde.
Ademais, a implantação do serviço de Residência Terapêutica
deve ser efetivo, devendo a Prefeitura Municipal de Ponta Grossa adequar um local para
moradia que leve em consideração, sobretudo, o interesse das pessoas com transtornos
mentais, buscando a reinserção social desses pacientes, pois não se pode mais “arrastar” por
mais 10 (dez) anos a precária situação em tela.
6. DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
É um verdadeiro descaso deixar a Administração Pública de
fornecer tratamento adequado a pacientes portadores de doença mental, deixando-os
desassistidos ou a mercê de um atendimento sem técnica compatível acerca dos cuidados
que necessita, como é o caso do Pronto Socorro. Ora, o Pronto Socorro tem condições de
atender em caráter de urgência e emergência somente os casos de baixa e media
complexidade, tendo em vista sua estrutura.
Porém, apesar do referido nosocômio apresentar condições
técnicas para atender a unidade de emergência e urgência, insta mencionar que conforme
verificado em vistoria realizada no dia 27 de setembro de 2012 pelo Conselho Regional de
Medicina do Estado do Paraná (fls. 110/219 do Inquérito Civil MPPR 0113.11.000634-4),
o Hospital Municipal Amadeu Puppi, não é capaz de atender integralmente a demanda da
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população do município de Ponta Grossa, deixando milhares de pacientes desassistidos,
tornando, da mesma forma, o atendimento precário. Ora, quem dirá então, o atendimento
ESPECIALIZADO A PORTADORES DE DOENÇA MENTAL?
Resta evidente que o tratamento dispensado pelo Pronto Socorro
Municipal aos portadores de doença mental durante seus surtos não é condizente com as
normas da Politica Nacional de Saúde Mental, ou seja, seria praticamente o caso de um
paciente com leucemia ser tratado pela Unidade Básica de Saúde, a qual jamais poderia
realizar procedimentos de quimioterapia.
Portanto, os portadores de doença mental no Município de Ponta
Grossa não estão recebendo tratamento adequado no que tange a sua patologia, pois ao
doente somente resta receber doses de medicamentos e manda-lo embora para seu seio
familiar, cuja família quando não é inexistente, como é o caso de pessoas moradoras em
instituições, acabam não possuindo estrutura para mantê-lo.
É mister mencionar, que o Hospital São Camilo possui ala
psiquiátrica, contudo este não trabalha no sistema “porta aberta”, assim já informou via
oficio a esta Promotoria de Justiça que cabe ao Pronto Socorro Municipal solicitar vaga em
hospital adequado através da Central de Leitos. Ainda, se trata de um hospital, cujo local é
apenas de tratamento paliativo, logo recebe a medicação e recebe alta hospitalar.
Destarte, nenhum hospital de Ponta Grossa possui o tratamento
adequado para doentes mentais, assim passada a crise, momento em que o paciente se torna
agressivo, acaba retornando ao seu estado desassistido, o que piora ainda mais sua saúde
mental, dessa forma com o serviço de Residências Terapêuticas, vários doentes mentais
iriam ter atenção integral e consequentemente melhor no quadro clinico e ressocialização.
Diante do todo apresentado, é nítido que os portadores de doença
mental no Município de Ponta Grossa estão tendo sua dignidade violada, na medida que o
Estado e o Município, que deveriam garantir seu bem-estar, não vem protegendo seu
direito a saúde de forma eficiente.
Segundo Alexandre de Moraes, a dignidade da pessoa humana é
um valor espiritual e moral inerente à pessoa:
Um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao
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respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.
A dignidade da pessoa humana engloba a saúde, bem como sua
integridade física e emocional, Principio este consagrado pela Constituição Federal no
artigo 1.º, item III, que assim estabelece:
A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I- a soberania; II- a cidadania; III- a dignidade da pessoa humana;
Destarte, que alegar a ausência de implantação do serviço de
Residência Terapêutica em Ponta Grossa por falta de incentivo financeiro, é o mesmo que
admitir que o Estado tem poder de vida e morte sobre as pessoas, ficando a vida de alguém
a mercê da vontade da Administração Pública, o que fere de modo expresso os direitos
fundamentais e o Princípio da Dignidade Humana
Vale dizer, que negar os meios para o adequado tratamento de
qualquer cidadão é regredir para o Estado Absolutista Monárquico, onde o Estado “faz
viver e deixa morrer”, conforme expressão de Michel Foucault, negando-lhes direitos
fundamentais.
6. DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA COM PEDIDO DE LIMINAR
Os requisitos necessários para que se conceda a antecipação de
tutela são: o fumus boni iuris e o periculum in mora.
O requisito do fumus boni juris está demonstrado pelos
relatórios das entidades sociais, pela ausência de projeto efetivo por parte do Estado e do
Munícipio de Ponta Grossa em implantar o serviço pleiteado, pelas várias tentativas do
Ministério Público em solucionar administrativamente a questão, pela grande procura de
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doentes mentais nesta Promotoria de Justiça, os quais se encontram desassistidos de
tratamento de saúde mental e, principalmente pelo lapso temporal de mais de 10 (dez) anos,
sem nenhuma ação governamental para efetivar o programa Residência Terapêutica,
documentação comprobatória acostada ao Inquérito Civil MPPR 0113.02.000012-2, que de
modo inequívoco, mostram a necessidade do Poder Público atender seus pacientes,
portadores de doença mental, de forma universal, não restringindo o acesso destes na
obtenção de cuidados médicos, permitindo o direito à saúde como direito público e
subjetivo e do dever do poder público estadual e municipal de prover o devido atendimento
especializado e adequado.
Portanto, a problemática em questão merece ser amparado pela
tutela jurisdicional, pois respaldada nos dispositivos presentes no texto constitucional e
infraconstitucional, detém o direito à prestação integral da saúde por parte do Estado do
Paraná, conforme art. 5º, inciso III, da Lei nº 8.080/90: “ a assistência às pessoas por
intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização
integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas”.
Quanto à existência do periculum in mora, este se caracteriza
pela urgência da concessão da antecipação dos efeitos da tutela, em virtude da falta de
assistência adequada de pacientes portadores de doença mental, os quais não possuem
mais vinculo com sua família ou possuidores de vínculos frágeis, que desassistidos
aguardam atendimento por meio do Hospital Municipal ou através de ações judiciais
para internamento em hospital psiquiátrico, quando conseguem, mas que por muitas
vezes vêem seu direito à saúde ser restringido devido as normas operacionais do Sistema
Único de Saúde.
Ainda se tratando do periculum in mora, a necessidade de
implantação do serviço Residência Terapêutica se impõem inadiável para o atendimento
adequado às pessoas portadoras de transtornos mentais domiciliadas no Município de
Ponta Grossa e região, sendo que a falta do atendimento em epigrafe prevê risco para a
saúde e para a vida dessas pessoas. Igualmente a colocam à margem do processo de
ressocialização.
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Deste modo, a importância da causa de pedir advém da visível
discrepância entre a conduta omissiva do Estado do Paraná e do Município de Ponta
Grossa e as normas legais e constitucionais mencionadas.
Outrossim, o medo da ineficácia do provimento pleiteado
também resta configurado, tendo em vista que os pacientes doentes mentais não estão
obtendo do Estado e do Município de Ponta Grossa a assistência médica, psiquiátrica e
psicológica necessária no que tange a saúde mental.
Portanto, de tudo o que já foi demonstrado até o momento,
pode-se constatar sem dificuldades que este pressuposto não só se faz presente como é
intrínseco à propositura da ação com pedido de antecipação dos efeitos da tutela, a fim de
evitar que maiores perigos de lesão aos direitos à vida e a saúde de diversos pacientes com
doença mental que ainda não possuem tratamento adequado e de acordo com as Portarias
do Ministério da Saúde.
Assim sendo, a concessão da liminar para determinar que o
Estado do Paraná juntamente com o Munícipio de Ponta Grossa implante o Programa de
Residência Terapêutica no Município de Ponta Grossa com a finalidade de atender
pacientes portadores de doença mental, egressos de internações psiquiátricas de longa
permanência, que não possuam suporte social e laços familiares e, que viabilizem sua
inserção social.
Logo, com fundamento no art. 273, I do CPC, e diante das
conseqüências irreversíveis que podem acometer aos portadores de transtornos mentais,
enquanto o serviço pretendido não começar a funcionar, estará em permanente estado de
risco social, é que se pleiteia a antecipação dos efeitos da tutela no sentido de
determinar que o Estado do Paraná e o Munícipio de Ponta Grossa promovam a
implantação e execução do Programa Residência Terapêutica para atendimento a
pacientes portadores de doença mental que não possuam suporte social e laços
familiares, em sistema de residência prolongada, com proposta terapêutica adequada
e equipe multiprofissional, em ambiente protegido, nos moldes da Portaria 106/00 do
Ministério da Saúde, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, tudo sob pena de multa
diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais) pelo descumprimento de quaisquer dos itens do
pedido antecipatório que venham a ser deferidos pelo Juízo.
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6. DOS PEDIDOS
Ante o exposto requer o Ministério Público do Estado do Paraná:
a concessão da tutela antecipada, tendo em vista a gravidade e urgência do caso,
inaudita altera pars, determinando ao Estado do Paraná e ao Município de
Ponta Grossa, por meio de suas Secretarias, promovam a implantação e
execução do Programa Residência Terapêutica para atendimento a pacientes
portadores de doença mental que não possuam suporte social e laços familiares,
em sistema de residência prolongada, com proposta terapêutica adequada e equipe
multiprofissional, em ambiente protegido, nos moldes da Portaria 106/00 do
Ministério da Saúde, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, tudo sob pena de multa
diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais) pelo descumprimento de quaisquer dos itens
do pedido antecipatório que venham a ser deferidos pelo Juízo.
b) a citação do ESTADO DO PARANÁ, na pessoa do Excelentíssimo Procurador-
Geral do Estado e do MUNICÍPIO DE PONTA GROSSA, na pessoa do
Excelentíssimo Prefeito Municipal para, querendo, contestar no prazo legal a
presente ação, sob pena de suportar os efeitos da revelia;
c) ao final, a condenação definitiva do Estado do Paraná e do Município de Ponta
Grossa, determinando-lhe por meio de suas Secretarias de Saúde a implantação
e execução do Programa Residência Terapêutica para atendimento a pacientes
portadores de doença mental que não possuam suporte social e laços familiares,
em sistema de residência prolongada, com proposta terapêutica adequada e equipe
multiprofissional, em ambiente protegido, nos moldes da Portaria 106/00 do
Ministério da Saúde, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias . Na hipótese de
descumprimento de tais medidas que eventualmente forem determinadas, requer-se
a aplicação de multa diária no valor de R$10.000,00 (dez mil reais.
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d) a produção de todos os meios de prova admitidos em direito, em especial o
depoimento pessoal e provas documentais, testemunhais, periciais, inclusive pela
juntada do Inquérito Civil MPPR – 0113.02.000012-2, que segue em anexo;
e) a condenação do Estado do Paraná e do Município de Ponta Grossa ao pagamento
das despesas processuais.
Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais), para efeitos
fiscais.
Nestes termos,
Pede deferimento.
Ponta Grossa, 05 de fevereiro de 2013.
FUAD FARAJ
Promotor de Justiça
L.C