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Gestão da volatilidade dos preços das commodities
Mensagens principais: os choques de preços de commodities geram fortes
ondas de efeitos sobre a atividade econômica em geral e sobre as receitas
fiscais. Essa situação é exacerbada pela dependência do governo a receitas
oriundas de commodities, em consequência tanto dos efeitos da doença ho-
landesa quanto da negligência em relação a outras formas menos voláteis de
tributação. A dependência de receitas de commodities tem aumentado na
ALC. O rápido crescimento das receitas de commodities durante as bonan-
ças impulsiona expansões fiscais, com os gastos, em alguns casos, subindo
mais que as receitas. Esse padrão se manteve durante a última bonança na
ALC, com as exceções notáveis da Bolívia e do Chile.
Para lidar com a instabilidade da receita – e com a preservação da riqueza
a longo prazo –, os países recorrem a fundos soberanos e de estabilização,
às normas fiscais e a leis de responsabilidade fiscal, com diferentes graus de
sucesso. Essas medidas, não raro, são abandonadas quando se acumulam
pressões públicas para gastar os produtos do período de bonança, conforme
ocorreu no Equador e na República Bolivariana de Venezuela, no ciclo re-
cente. Os choques de preços de commodities se transmitem para a taxa de
câmbio. O ajuste da taxa de câmbio real é mais lento sob um regime cambial
menos flexível, pois o ajuste ocorre por meio de mudança no nível geral de
preços, e não mediante rápida mudança na taxa de câmbio nominal. Evi-
68 R E C U R S O S N A T U R A I S N A A M É R I C A L A T I N A
dentemente, regimes mais flexíveis podem estar sujeitos a maior volatilidade
da taxa de câmbio real. É possível atenuar o ônus dessa volatilidade por in-
termédio de um bem concebido fundo de estabilização de recursos naturais
ou de um fundo de poupança a longo prazo.
A má gestão da volatilidade a curto prazo, associada à dependência de com-
modities, pode retardar o crescimento a longo prazo, através de vários canais
(ver Capítulo 3). Três canais são sobremodo importantes para os países da
ALC: volatilidade da renda das exportações (acentuada pela concentração das
exportações), instabilidade do gasto fiscal (especialmente os investimentos
públicos em saúde, educação e infraestrutura) ou sistemática insuficiência de
poupança (ou excesso de consumo) das receitas dos recursos naturais. Esses
canais de transmissão podem resultar em volatilidade de curto prazo na de-
manda agregada e no produto, assim como na depleção de riquezas, desace-
lerando o crescimento a longo prazo. Portanto, esses efeitos adversos sobre o
crescimento, em grande parte, se materializam na medida em que os governos
não poupam o suficiente da renda de commodities ou não atenuam a trans-
missão da volatilidade inerente às commodities para a economia interna.
Esta seção se concentra nos desafios que a volatilidade dos preços das com-
modities impõe à política macroeconômica, em especial à política de estabi-
lização fiscal, mas também à política cambial. A insuficiência de poupança
da renda oriunda de recursos naturais é abordada sucintamente na análise
das implicações fiscais. Começamos nossa discussão considerando as relações
entre choques de exportação e choques ao produto da economia real.
Volatilidade dos preços das commodities, concentração de exportações e volatilidade do produto são fatores interligados
Os países exportadores de commodities, ricos, de renda média ou pobres,
estão expostos à volatilidade dos preços das commodities. Porém, seu impac-
to sobre a demanda agregada, sobre os níveis de poupança e investimento e
sobre o produto aumenta com o grau de concentração das exportações. Esse
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é um aspecto básico que diferencia os países de alta renda, ricos em recursos
naturais, dos países da ALC exportadores de commodities: nos países de alta
renda, a concentração na exportação de commodities é muito mais baixa (ver
Figura 2.3.). Embora o “risco” (a probabilidade de mudanças nos preços das
commodities) seja o mesmo para ambas as classes de países, o “valor em risco”
(o grau de dependência do total da renda de exportações à exportação de com-
modities) é substancialmente mais baixo para os exportadores de commodities
de alta renda.
Por meio de fortes efeitos do tipo doença holandesa, produzidos pelas des-
cobertas de recursos naturais e por bonanças de exportações, a abundância
de commodities pode redundar em cestas de exportações concentradas (ou
diversificadas). Sem volatilidade de preços, a concentração das exportações
pode não ser incompatível com a maximização do bem-estar social, pois pode
refletir forte vantagem comparativa. Mas a volatilidade pode reduzir o bem-
estar, truncando o crescimento econômico a longo prazo. Embora seja difícil
estabelecer empiricamente as ligações diretas entre volatilidade dos preços das
commodities e crescimento econômico a longo prazo, trabalhos econométri-
cos constataram forte associação positiva entre concentração de exportações
e volatilidade de preços nas relações de troca e no crescimento do produ-
to (Lederman e Xu, 2009). Além disso, a ligação positiva entre volatilidade
dos preços das commodities e variabilidade do produto parece ser não linear:
grandes choques de preços resultam em flutuações de curto prazo no produto,
desproporcionalmente maiores que as decorrentes de choques menos intensos
(Camacho e Pérez, 2010).
Além disso, os efeitos das flutuações dos preços das commodities sobre a
estabilidade da taxa de crescimento parecem ser assimétricos e variar com a
situação cíclica da economia (Camacho e Pérez, 2010). Choques de preços
positivos exercem efeitos mais intensos durante as recessões que durante as
bonanças, enquanto os choques negativos produzem efeitos mais intensos nos
bons tempos que nos maus tempos. Evidentemente, o efeito sobre a volatili-
dade do produto, decorrente de um choque de preços único, se extingue com
o tempo, como mostra a Figura 5.1, referente à Colômbia.
Essas descobertas salientam a importância da diversificação das expor-
tações para imunizar os países fartos em recursos naturais contra os efeitos
adversos da volatilidade dos preços das commodities. No entanto, os países
70 R E C U R S O S N A T U R A I S N A A M É R I C A L A T I N A
ricos em commodities tendem a experimentar efeitos da doença holandesa,
que desestimulam a diversificação para exportações de não commodities.
Esses efeitos podem ser atenuados por meio da blindagem da economia
interna contra choques às exportações. Boa parte do ônus de criar esses
amortecedores de choques recai sobre a política macroeconômica, para a
qual nos voltaremos agora.
Hidrocarbonetos e mineração fornecem fatia substancial – e crescente – das receitas fiscais na região
A forte dependência a commodities como fonte de receitas fiscais contribui
para a volatilidade das receitas e para a adoção de políticas pró-cíclicas na exe-
cução orçamentária na ALC. Conforme se verifica na literatura sobre a proci-
clicalidade da política fiscal na região (Gavin e Perotti, 1997), daí resultaram
níveis de endividamento crescentes e gastos públicos ineficientes durante as
bonanças, com efeitos econômicos deletérios. Os países expandem os gastos
durante as bonanças de preços de commodities, desencadeando grande apre-
ciação da taxa de câmbio real, para, em seguida, durante a recessão, ser obriga-
dos a reduzir gastos e a permitir fortes desvalorizações da taxa de câmbio real.
Em seguida, discutimos a reação da receita à recente bonança dos preços das
commodities e examinamos seu impacto sobre os gastos fiscais em economias
latino-americanas dependentes de commodities.
A grande proporção das receitas fiscais derivadas de commodities em países
da ALC ricos em commodities exacerba a volatilidade das receitas fiscais. Pior,
a fatia das receitas decorrente de commodities parece estar aumentando em
países da ALC ricos em minerais e em hidrocarbonetos. As receitas de recursos
naturais são muito mais voláteis que outras receitas (Figura 5.2). Os países da
ALC dependem mais dessa fonte de receitas voláteis em sua base tributária
que os produtores de commodities de alta renda. Embora as receitas fiscais da
LC, oriundas de commodities, como proporção do PIB, fossem semelhantes
às do Canadá e da Noruega, em 2004, um quarto dessa receita, no caso da
ALC, provinha da produção e exportação de commodities, em comparação
com 2,5%, no Canadá, e 14,6% na Noruega, pois os produtores de com-
modities de alta renda arrecadavam mais receitas tributárias provenientes de
G E S T Ã O D A V O L A T I L I D A D E D O S P R E Ç O S D A S C O M M O D I T I E S 71
outras fontes. O excesso de dependência às receitas de commodities lança
grandes desafios para os governos da ALC, em termos de moderação do im-
pacto dos ciclos de receitas de commodities sobre a economia.
Altas rendas econômicas oriundas de hidrocarbonetos podem reduzir outras formas de tributação
Para piorar a situação, a dependência a recursos naturais pode refrear os esfor-
ços para a geração de novas receitas e exacerbar a concentração e a volatilidade
das receitas fiscais. A tributação dos recursos naturais facilita a vida para os
F IGURA 5.1
Função de impulso-resposta, no caso de choques nos preços de commodities na Colômbia
Fonte: Camacho e Pérez (2010).Nota: Os gráfi cos plotam a função impulso-resposta do crescimento do PIB a diferentes choques de preços de commodities para a Colômbia. Usa-se aqui o índice de preços de commodities específi co para as exportações do país, de Cunha, Prada e Sinnott (2009a). Os choques que atingem o país são estabelecidos em d vezes o desvio-padrão dos resíduos de preços de commodities, com d sendo ± 1, ± 3 e ± 6. Os gráfi cos mostram respostas não lineares avaliadas no período t, onde t é a probabilidade mais alta (esquerda) e a probabilidade mais baixa (direita) de recessão. A primeira fi leira representa choques positivos e a segunda fi leira representa choques negativos.
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d = –6 d = –1d = –3d = –6 d = –1d = –3
Probabilidade de recessão com a filtragem mais alta
Probabilidade de recessão com a filtragem mais alta
Probabilidade de recessão com a filtragem mais baixa
Probabilidade de recessão com a filtragem mais baixa
Horizonte depois do choque hHorizonte depois do choque h
Horizonte depois do choque hHorizonte depois do choque h
72 R E C U R S O S N A T U R A I S N A A M É R I C A L A T I N A
políticos – eles podem distribuir recursos sem tributar a maioria dos residen-
tes e das empresas. Como a pronta disponibilidade de rendas fiscais oriundas
de commodities pode aumentar os custos políticos de arrecadar os tributos
tradicionais, os políticos também contam com a opção de reduzir as alíquotas
tributárias vigentes, como maneira de distribuir rendas econômicas (Dun-
ning, 2009). Assim, a alta dependência a commodities pode constituir-se em
equilíbrio autorreforçador.
Há evidências empíricas desse efeito e da maior volatilidade por ele provo-
cada nas receitas gerais. Bornhorst, Gupta e Thornton (2009), em estudo de
30 países produtores de hidrocarbonetos – inclusive Equador, México, Trini-
dad e Tobago e República Bolivariana da Venezuela –, no período de 1992-
2005, constataram que países beneficiários de grandes receitas produzidas
por hidrocarbonetos geram menos receitas provenientes de outros tributos.
Análise de uma amostra diversificada entre países, de Knack (2008), fornece
evidências de que o esforço de tributação – medido por classificação do grau
de eficiência da mobilização da receita, pelo Country Policy and Institutional
F IGURA 5.2
A volatilidade das receitas de commodities é muito mais alta que a das receitas de outras fontes
Fontes: Autoridades nacionais, FMI e cálculos do staff do Banco MundialNota: A fi gura compara o desvio padrão (percentual) das mudanças anuais nas receitas, referentes aos anos para os quais se dispõe de dados sobre receitas de commodities nos respectivos países. As receitas de commodities estão disponíveis para os seguintes países e anos: Argentina 1996-2008 (exclui-se a volatilidade em 2001-2002, como excrescência ou ati-picidade, pois o país registrou aumento de 9.498% nas receitas de commodities nesse período); Bolívia 2004-08; Colômbia 2005-08; Chile 1990-2008; Equador 1990-2008; México 1990-2008; Peru 1998-2008; Trinidad e Tobago 1991-2008; e República Bolivariana da Venezuela 1998-2008.
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Bolívia
receitas de recursos naturais receitas de não recursos naturais
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Assessments, do Banco Mundial – é mais baixo no caso de grandes exporta-
dores de hidrocarbonetos. E evidências proporcionadas por estudos de casos
sugerem enfaticamente que as bonanças de recursos erodem a base tributária
não oriunda de recursos na América Latina e em outros lugares (Soifer, 2006;
Dunning, 2008).
A resposta fiscal à bonança recente foi desuniforme
As posições fiscais reagiram com mais intensidade a choques positivos de com-
modities na ALC que em exportadores de alta renda (Medina, 2010). E assim
continuou sendo durante a recente bonança de preços de commodities para
muitos produtores de commodities da ALC, à exceção do Chile, que se com-
portou de maneira semelhante aos países de alta renda. As despesas primárias
reais aumentaram em todos os países com dependência fiscal às commodities
durante a bonança.1 O uso do aumento das receitas fiscais para financiar des-
pesas primárias cresceu aos poucos, com resposta mais lenta nos primeiros
anos da bonança (Figura 5.3). Contudo, a variabilidade foi considerável. A
poupança dos ganhos extraordinários com commodities foi maior na Bolívia
e no Chile, onde o crescimento das despesas primárias foi muito mais lento
que o das receitas totais, equivalendo mais ou menos à contribuição das não
commodities para o crescimento da receita total. Em contraste, Colômbia,
Equador, Peru, Trinidad e Tobago e República Bolivariana da Venezuela re-
gistraram crescimento das despesas primárias mais acelerado que o da receita
total, em especial na segunda metade da bonança.2 No caso desses produtores
de petróleo, os gastos cresceram com muito mais rapidez que a contribuição
das receitas de não commodities para o aumento das receitas gerais.
O FMI (2009a) encontra padrão semelhante entre os países, ao comparar
o crescimento das despesas primárias com o do PIB tendencial. As despesas
primárias cresceram muito mais que o PIB tendencial no auge dos anos de bo-
nança no grupo dos países da ALC, classificados como “outros países expor-
tadores de commodities” (Argentina, Bolívia, Equador, Paraguai, Suriname,
Trinidad e Tobago e República Bolivariana de Venezuela). Para esses países, a
implicação daí resultante é uma vigorosa resposta fiscal nos anos de bonança.
Boa parte dos gastos favoreceu os investimentos públicos. Portanto, o pa-
74 R E C U R S O S N A T U R A I S N A A M É R I C A L A T I N A
drão Gelb (1990), observado durante o choque de preços do petróleo de 1974-
78 – crescimento mais acelerado dos investimentos públicos que o de outros
gastos, no caso de seis exportadores de petróleo –, manifestou-se de novo na
bonança recente, na medida em que o crescimento das receitas de capital su-
perou o das despesas correntes. Os orçamentos de capital da ALC cresceram
com mais rapidez, mas em consequência da base mais baixa. E o crescimento
das despesas correntes se inclinou em favor de grandes aumentos nos subsí-
dios e nas transferências. Alguns países, como Chile e República Bolivariana
da Venezuela, usaram parte dos produtos para financiar aumentos em saúde,
habitação, educação social e programas de proteção social, embora com estilos
muito diferentes de gestão fiscal e de prudência fiscal intertemporal.
Muitos países produtores de commodities da ALC enfrentaram a crise glo-
bal – em especial, a recessão que precipitou o colapso do Lehman Brothers em
setembro de 2008 – em condições fiscais muito mais vigorosas e com dívida
pública muito mais baixa que durante as crises anteriores. A situação do se-
F IGURA 5.3
Em muitos países, os aumentos nos gastos se aproximaram dos – ou superaram os – aumentos nas receitas durante a bonança recente
Fontes: Fundo Monetário Internacional, World Economic Outlook Database, e cálculos do staff do Banco Mundial.Nota: Os dados se referem ao governo geral.
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tor público vinha melhorando na ALC mais ou menos nos últimos 10 anos.
Calderon e Fajnzylber (2009) fornecem evidências econométricas de que os
processos fiscais na ALC se tornaram mais viáveis, ainda que se mantenham
pró-cíclicos. A bonança de preços de commodities anterior à crise não se asso-
ciou a grandes aumentos no endividamento, como no passado. Em vez disso,
muitos países usaram os ganhos extraordinários para reduzir a dívida pública
e aumentar as reservas internacionais.
Contudo, a vulnerabilidade à queda nos preços das commodities aumen-
tou entre os países produtores de minerais e de petróleo da ALC, exceto Chile
e Peru, como demonstram suas posições fiscais, com exclusão das receitas de
commodities. Em média, o saldo primário, sem commodities, de grandes ex-
portadores de petróleo (em relação às exportações totais) piorou significativa-
mente a cada ano, no período 2005-08, enquanto o de países dependentes de
commodities melhorou. As economias dependentes de commodities, como
Equador, México, Trinidad e Tobago e República Bolivariana de Venezuela
acumularam grandes déficits fiscais, fora o petróleo, enquanto os produtores
de minerais – Chile e Peru – conseguiram gerar superávits primários, fora
commodities, no fim do período (Figura 5.4).
Ao emergirem da bonança de commodities, os exportadores de commo-
dities demonstraram grandes diferenças no espaço fiscal para políticas fiscais
contracíclicas. O Chile havia acumulado vastos recursos fiscais em seu fundo
de estabilização, o Fondo de Estabilizacion Economica y Social, durante a
bonança do cobre anterior à crise, que possibilitou ao país seguir ambiciosa
agenda contracíclica, depois do início da recessão. O Chile mantinha US$20
bilhões, equivalente a cerca de 12% do PIB, em seu fundo de estabilização,
em fins de 2008. Cerca de metade das reservas foi usada para financiar parcela
substancial de um aumento de 14,5% nos gastos públicos em termos reais
(FMI, 2009b). Bolívia, Peru e, em menor extensão, o México também acu-
mularam poupanças fiscais, com base nos ganhos extraordinários anteriores à
crise, e as usaram – em diferentes graus – para financiar gastos contracíclicos.
Em contraste, Equador e República Bolivariana da Venezuela não consegui-
ram juntar grandes poupanças com os ganhos extraordinários anteriores à cri-
se e tiveram de reduzir as despesas primárias em 2009, por causa da queda das
receitas das commodities na segunda metade de 2008 e no primeiro trimestre
de 2009 (FMI, 2009a).
76 R E C U R S O S N A T U R A I S N A A M É R I C A L A T I N A
Os países passaram por experiências mistas, usando diferentes instrumentos fiscais para gerenciar a volatilidade
Muitos países dependentes de commodities, sob o ponto de vista fiscal, da
América Latina e de todo o mundo, adotaram políticas fiscais, constituíram
fundos de estabilização de recursos naturais e promulgaram leis de respon-
sabilidade fiscal para lidar com receitas fiscais voláteis, oriundas de rendas
econômicas de recursos naturais.3 A situação se aplica principalmente a hidro-
carbonetos e a minerais, em virtude da tendência de extinção dos impostos de
exportação sobre commodities agrícolas, com a consequente redução de sua
importância como receita fiscal. Alguns governos de países da ALC ricos em
recursos (por exemplo, Bolívia e Peru) promoveram o autosseguro, simples-
mente acumulando depósitos regulares em seus bancos centrais. Para con-
verter em realidade esse tipo de prudência, alguns países também adotaram
premissas conservadoras – ou seja, abaixo do esperado – quanto aos preços
das commodities, na elaboração dos orçamentos. Evidentemente, os mecanis-
mos menos formais de poupança fiscal para a estabilização enfrentam grandes
F IGURA 5.4
Situação fiscal dos exportadores de commodities da ALC durante a bonança recente
Fonte: autoridades nacionais, World Economic Outlook Database (FMI) e Article IV Staff Reports (FMI).Nota: Os números mostram o saldo primário anual e o saldo fora commodities como proporção do PIB, de 2005 a 2008, para países da ALC que extraem de impostos sobre a produção de commodities proporção signifi cativa de suas receitas fi scais. Os dados referentes à Argentina não incluem as receitas fi scais oriundas de hidrocarbonetos e de minerais, que não estão disponíveis para esse período.
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riscos de transgressões e inobservâncias. Muitos são os exemplos em que as
receitas fiscais oriundas de commodities, acima das previstas no orçamento,
foram absorvidas por gastos extraorçamentários, induzidos por considerações
clientelistas.
Outros países adotaram soluções mais formais. O Chile e o México, por
exemplo, recorreram a fundos de estabilização para reduzir o impacto da vo-
latilidade dos preços sobre os gastos fiscais. Na prática, as políticas fiscais e os
fundos de estabilização almejam vários objetivos, além do de ajustar os gastos
fiscais em face da volatilidade e imprevisibilidade das receitas de recursos na-
turais, ao longo do ciclo (propósito básico, por exemplo, do Fondo de Esta-
bilizacion Economica y Social – FEES – do Chile). Outros objetivos, alguns
dos quais analisaremos a seguir, incluem a distribuição equitativa da renda
econômica dos recursos naturais ao longo de gerações (objetivo central, por
exemplo, do Fundo de Pensão Governamental da Noruega); a proteção dos
pobres e de outros grupos vulneráveis em tempos de recessões cíclicas (ver En-
gel, Nielsen e Valdés, 2010, para quem os ganhos decorrentes dessa política
fiscal com propósitos sociais são sobremodo altos onde é maior a desigualdade
de renda); a atenuação da apreciação da taxa de câmbio real (uma das razões
para o fato de os dos fundos soberanos do Chile investirem no exterior); e
a diversificação de ativos (motivação explícita do Heritage and Stabilization
Fund – HSF – de Trinidad e Tobago). Além disso, as políticas fiscais e os
fundos dedicados tipicamente almejam o aumento da transparência e da pres-
tação de contas no gasto das receitas de recursos naturais, em consonância,
por exemplo, com a Extractive Industries Transparency Iniciative (EITI).
A decisão sobre o uso ótimo das rendas econômicas de recursos naturais é,
portanto, muito complexa4, e os mecanismos institucionais para poupar re-
cursos refletem essa complexidade, frequentemente combinando numerosos
objetivos diversos. A maioria dos fundos de recursos naturais se baseia em dois
objetivos políticos conjugados, de estabilização e poupança. Por exemplo, os
juros e dividendos do fundo soberano da Noruega são usados para equilibrar
o déficit estrutural, sem petróleo, nos maus tempos, enquanto o principal
se destina, exclusivamente, a cobrir passivos futuros das pensões. O ponto
mais relevante é que a inclusão de poupança de longo prazo na política fiscal
é essencial para enfrentar os desafios impostos por recursos naturais não re-
nováveis. Para tanto, o instrumento político típico são os chamados fundos
78 R E C U R S O S N A T U R A I S N A A M É R I C A L A T I N A
soberanos. Em geral, a acumulação de poupanças de longo prazo oriundas
de rendas econômicas extraordinárias nesse tipo de fundo se sujeita a regras
e esquemas especiais de governança, assim como a diferentes critérios de in-
vestimentos, em comparação com os fundos de estabilização. Estes últimos
tendem a investir em títulos mobiliários estrangeiros, que atendam aos requi-
sitos de segurança e de alta liquidez, enquanto aqueles são mais propensos a
investir em portfólios diversificados, sob uma abordagem de longo prazo, com
participação não desprezível de ativos menos líquidos e mais arriscados.
Dos cinco países que entraram na bonança recente, em 2002, com fundo
de estabilização ou com outros arranjos fiscais, para gerenciar ganhos extraor-
dinários oriundos de hidrocarbonetos ou de minerais, apenas dois alcançaram
resultados expressivos em termos de poupanças extraordinárias significativas
no fim da bonança: o Chile, com o FEES, e Trinidad e Tobago, com o HSF.
Ambos os fundos resistiram, com cada país acumulando poupanças equiva-
lentes a 12% do PIB, em fins de 2008. Equador e República Bolivariana da
Venezuela abandonaram seus arranjos. O Equador transgrediu suas normas
sobre déficits e despesas fiscais, que não conseguiram sobreviver às pressões
políticas e sociais, levando, em última instância, à revisão da lei de responsa-
bilidade fiscal, em 2005, em prol de gastos mais elevados, e à sua revogação,
em 2008. A República Bolivariana da Venezuela deixou de contribuir para
seu Fondo de Estabilización Macroeconómica (FEM), pouco depois de sua
criação, em 2003. De fato, a República Bolivariana de Venezuela optou por
gastar boa parte do aumento de suas receitas de petróleo fora do orçamento.
Embora, no caso do México, o arcabouço de responsabilidade fiscal tenha
sido duradouro, gerando superávits primários consistentes durante o período
de bonança, ele não gerou poupanças suficientes para financiar vigoroso paco-
te contracíclico. A acumulação de fundos decorrentes de poupanças relaciona-
das com o petróleo foi limitada a 1,5% do PIB (FMI, 2010a).
A volatilidade de preços também é problema no nível das famílias, principalmente em relação a alimentos e combustíveis
Embora o foco desta sessão se concentre mais nos efeitos agregados sobre a
economia, sobre o governo e sobre a sociedade como um todo, a volatilidade
G E S T Ã O D A V O L A T I L I D A D E D O S P R E Ç O S D A S C O M M O D I T I E S 79
dos preços das commodities também é problema no nível das famílias, no
qual parcela significativa da renda se destina à compra de commodities ou
deriva da produção de commodities, seja por meio da produção e venda, seja
mediante o mercado de trabalho. Os choques de preços de commodities tam-
bém podem impactar os pobres e os vulneráveis, em consequência da redução
do espaço fiscal que limita os gastos sociais em tempos de necessidade. Para
enfrentar os riscos de preços, sob as restrições a que estão sujeitas, as famílias
podem adotar estratégias ex ante (por exemplo, diversificação de safras, diver-
sificação de atividades geradoras de renda, poupanças preventivas para ajustar
o consumo)5 e estratégias ex post (crédito de curto prazo para o consumo
ou esquemas de remuneração entre membros de um grupo ou vilarejo) (ver
Deaton, 1991; Alderman e Paxxon, 1992; Dercon, 2004). Evidentemente, a
escolha de atividades de baixo risco para enfrentar choques de preços pode en-
volver opções excludentes (trade-offs), na forma de retorno médio mais baixo.
As evidências sugerem que, não obstante todas as estratégias de ajuste adota-
das voluntariamente pelas famílias, ainda restam riscos de consumo residuais
substanciais (Jalan e Ravallion, 1999).
Embora os gastos sociais devam ser contracíclicos, sob uma perspectiva
histórica, eles tendem a ser acíclicos ou pró-cíclicos (embora, possivelmente,
tenha ocorrido reversão dessa tendência na atual recessão global). Em geral,
essa situação resulta da incapacidade dos países de contrair empréstimos a
custos razoáveis nos maus tempos, razão pela qual, quando o espaço fiscal se
contrai, também os gastos sociais se encolhem. Na última crise global, contu-
do, os países da ALC se mostraram mais capazes de reagir aos choques exter-
nos (que também incluíram queda temporária, mas acentuada, nos preços das
commodities), e os gastos sociais foram mantidos e até aumentados em vários
países. A capacidade do processo fiscal de contribuir para o amortecimento do
choque na última crise é sinal claro de que a região fez avanços significativos
rumo ao aprimoramento de seus fundamentos macroeconômicos, conforme
enfatizado em recentes relatórios semestrais do Banco Mundial para a região
da América Latina. A necessidade de ajustar os gastos sociais ao longo do
tempo e, tanto quanto possível, torná-los contracíclicos requer a postergação
de parte dessas despesas, até os “maus tempos”. Essa providência, por seu
turno, demandará a inclusão de algumas cláusulas especiais nos fundos de
macroestabilização relacionados com commodities, complementadas por uma
80 R E C U R S O S N A T U R A I S N A A M É R I C A L A T I N A
estrutura de redes sociais eficazes, que possibilitem a expansão da assistência
social durante as crises.
Os choques de preços de commodities, especialmente os que afetam bens
com maior potencial de impacto social, como alimentos e combustíveis co-
mercializáveis em âmbito internacional, tendem a ter implicações distributi-
vas complexas, não apenas nos países importadores dessas commodities, mas
também até nos que são exportadores líquidos. Neste último caso, embora um
aumento nos preços internacionais da commodity beneficie o país como um
todo, o repasse do aumento dos preços internacionais para os preços no merca-
do interno pode agravar as tensões sociais, pois alguns grupos sociais perdem,
enquanto outros ganham. Essa situação foi ilustrada com clareza na Argentina,
durante o recente espigão (2007-09) nos preços internacionais de alimentos e
combustíveis, quando, ao se defrontar com protestos dos pobres urbanos e da
classe média, as autoridades introduziram controles de preços internos e im-
puseram limites às exportações de commodities, cujo consumo pelas famílias
também é significativo. Uma das lições é que, na ausência de estrutura de redes
de segurança social eficazes, a política ótima (permitir que os preços domésticos
reflitam os preços internacionais e usar transferências fiscais para compensar os
prejudicados) é, politicamente, de difícil implementação.
Política Cambial
A natureza volátil dos fluxos de receita oriundos de commodities também tem
implicações para a política cambial. Evidentemente, o ônus dessa volatilidade
da taxa de câmbio será maior na ausência dos tipos de fundos bem concebi-
dos, para a promoção da estabilização e da poupança a longo prazo, já analisa-
dos. O regime cambial mais capaz de lidar com essa volatilidade residual não
independe das condições específicas do país.
No entanto, seja qual for o regime cambial, qualquer choque nas relações
de troca exigirá, em condições de equilíbrio, alguma mudança na taxa de
câmbio real (definida como o preço relativo dos “tradables” [comercializá-
veis] e “nontradables” [não comercializáveis]) – desvalorização real, no caso de
choque negativo, ou valorização real, no caso de choque positivo. Em regimes
de taxa de câmbio flutuante, o ajuste ocorrerá por meio de mudança na taxa
G E S T Ã O D A V O L A T I L I D A D E D O S P R E Ç O S D A S C O M M O D I T I E S 81
nominal, o que pode acontecer com muita rapidez. Quando a taxa de câmbio
é fixa, o ajuste se realizará por intermédio de variações nos preços internos:
inflação, no caso de depreciação real, e deflação, no caso de apreciação real.
Esse processo pode ser muito mais longo que os ajustes na taxa de câmbio
flexível. Evidentemente, entre os extremos de taxa de câmbio flutuante e de
taxa de câmbio fixo, existe ampla gama de regimes intermediários, tanto “de
jure” como “de facto”. Poucos países mantêm flutuação pura; mesmo entre os
países da ALC com os regimes cambiais mais flexíveis, as intervenções foram
comuns durante o recente ciclo de preços de commodities (Kiguel e Okse-
niuk, 2010).
Embora se trate de questão controversa, sujeita a debates calorosos, pode-
se sustentar o argumento vigoroso de que o regime de taxa de câmbio flexível
é mais adequado para lidar com a volatilidade dos preços de commodities em
países com setor de “nontradables” relativamente grandes, que experimentem
choques reais assimétricos em relação aos de seus principais parceiros comer-
ciais e que estejam bem integrados nos mercados financeiros internacionais.
Importante razão por trás desse argumento é que, nesses países, a própria taxa
de câmbio real de equilíbrio tenderá a ser volátil, em razão da volatilidade das
relações de troca. Em contraste, o regime de taxa de câmbio fixa poderá ser
melhor opção para os países exportadores de commodities, que sejam muito
abertos, que apresentem setor de “nontradables” relativamente pequenos e
que experimentem choques simétricos em relação aos de seus principais par-
ceiros comerciais (ou seja, países que atendem às condições de “área cambial
ótima”). Mais uma vez, isso ocorre porque, em parte, neste último tipo de
países, a taxa de câmbio real de equilíbrio não precisa de grandes ajustes em
resposta aos choques nas relações de troca. Consequência importante dessa
distinção é que países que se incluem no primeiro grupo e que, no entan-
to, adotam âncoras cambiais ou regimes cambiais menos flexíveis precisam
compensar essa rigidez com maior flexibilidade nos salários nominais e nas
políticas fiscais, para promover ajustes na taxa de câmbio real, sem mudanças
excessivas nas quantidades (produto, emprego), em especial durante períodos
de deterioração nas relações de troca.
Sem dúvida, ao escolherem seus regimes cambiais, os países, em geral, não
consideram apenas se são exportadores de commodities ou não, levando em
conta, também, muitos outros fatores, como volume de comércio, abertura
82 R E C U R S O S N A T U R A I S N A A M É R I C A L A T I N A
financeira, além de considerações institucionais. Com efeito, nos últimos 30
anos, na ALC, até se constata certa tendência ampla para o aumento da flexi-
bilidade na taxa de câmbio. Esse processo se intensificou desde a crise cambial
que atingiu muitos países de mercados emergentes em fins da década de 1990
e depois do colapso do regime de “currency board” na Argentina, em 2002.
As vantagens e desvantagens de diferentes regimes cambiais no contexto do
mais recente ciclo de preços de commodities (com foco no período 2004-09)
foram avaliadas empiricamente por Kiguel e Okseniuk (2010), em trabalho
preparado para este relatório. Os autores comparam os caminhos de ajuste
das taxas de câmbio reais para três grupos de países da ALC, confirmando
que aqueles com regimes cambiais flexíveis se ajustaram com mais rapidez,
enquanto aqueles com taxas de câmbio fixas se adaptaram com mais lentidão,
com os regimes intermediários se situando no meio-termo (Figura 5.5).
De um lado, a maior flexibilidade da taxa de câmbio implica menos infla-
ção durante os anos de bonança dos preços das commodities e maior capaci-
dade de aplicar políticas monetárias contracíclicas na recessão. Os países com
sistemas de taxa de câmbio flutuante, portanto, alcançaram maior sucesso na
limitação do impacto do fenômeno “agflação” em 2007 e 2008. A principal
F IGURA 5.5
Valorização real e inflação durante a bonança recente
Fonte: Kiguel e Okseniuk (2010)Nota: A taxa de câmbio real é bilateral com os Estados Unidos, defl acionada pelos preços ao consumidor. Uma redução indica apreciação em relação ao dólar americano. Ancoradas são as economias dos PAC que se dolarizaram: Equador, El Salvador e Panamá. Os seguintes países foram classifi cados como adotantes de regimes intermediários: Argentina, Bolívia, Costa Rica, Honduras, Jamaica, Nicarágua, Paraguai, Peru, Uruguai e República Bolivariana da Venezuela. Os fl utuantes são Brasil, Chile, Colômbia, República Dominicana, Guatemala e México.
0,65
0,70
0,75
0,80
0,85
0,90
0,95
1,00
1,05
0
2
4
6
8
10
12
14
16
18
20
Jan.
2004
Jun.
2004
Set. 2
005
Nov. 2
004
Jul. 2
006
Dez. 2
006
Mai.
200
7
Out. 2
007
Mar
. 200
8
Ago. 2
008
Jan.
2009
Jul. 2
009
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2006
Abr. 2
005
Jan.
2004
Mai.
200
4
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200
5
Set. 2
004
Jan.
2006
Mai.
200
6
Set. 2
006
Jan.
2007
Mai.
200
7
Set. 2
007
Jan.
2008
Mai.
200
8
Set. 2
008
Jan.
2009
Set. 2
005
Jan.
2005
Taxa de câmbio real
Núm
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ce, j
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004
= 1
00
flutuantes ancoradosregimes intermediáriosflutuantes ancoradosregimes intermediários
Var
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C
Inflação
G E S T Ã O D A V O L A T I L I D A D E D O S P R E Ç O S D A S C O M M O D I T I E S 83
razão desse êxito é terem compensado, em parte, o aumento nos preços in-
ternacionais de alimentos e energia por meio da apreciação nominal de suas
moedas. Durante a recessão nos preços, que começou em meados de 2008, os
flutuantes ajustaram com mais rapidez na taxa de câmbio real (embora tenha
ocorrido algum grau de sobrevalorização) e reduziram substancialmente as
taxas de juros nominais, como parte dos pacotes de estímulo para compensar
os choques externos adversos. Além disso, os países com regimes cambiais
menos flexíveis (inclusive aqueles com regimes formais de dolarização ou com
outras formas de ancoragem ou atrelagem) precisaram aumentar as taxas de
juros para defender a paridade e limitar as saídas de capital. Nos casos em que
houve necessidade de depreciação cambial real, promoveu-se difícil redução,
sob o ponto de vista político, nos preços e nos salários internos.
Por outro lado, a desvantagem dos regimes cambiais flexíveis é a maior
volatilidade da taxa de câmbio real (como se vê com clareza na Figura 5.5).
Daí decorrem dificuldades em casos de intervenção para atenuar o impacto da
volatilidade cambial temporária sobre os setores de exportação de não com-
modities. Nos países maiores, com setores “nontradable” mais substanciais, é
possível que daí resulte um problema muito controverso. Intervenções ina-
dequadas podem acarretar forte sobrevalorização cambial no curto prazo, em
relação aos fundamentos. A intervenção também se associa a problemas de
gestão da liquidez interna das reservas internacionais crescentes, em virtude da
esterilização, quando os preços das commmodities estão em alta.
Nos países com regimes cambiais flutuantes, o desempenho daqueles que
adotam metas de inflação demonstrou vantagem em comparação com os re-
gimes cambiais fixos para os produtores de commodities. A adoção de uma
âncora de inflação em muitos dos países da região proporcionou credibilidade
e transparência aos arcabouços de política monetária. O regime mais comum
é o de adotar como meta o índice de preços ao consumidor (IPC). Contudo,
Frankel (2009), em trabalho preparado para este relatório, argumenta que
os acontecimentos dos últimos anos, em especial a crise financeira global de
2007-09, podem ter, de alguma maneira, deformado os regimes de metas de
inflação. Em especial, durante esse período, o choque de preços foi de oferta,
ao passo que a adoção de metas de inflação é, em tese, mais adequada para
controlar pressões inflacionárias decorrentes de demanda agregada excessiva
(em relação ao produto potencial). Assim, a autoridade monetária de países da
84 R E C U R S O S N A T U R A I S N A A M É R I C A L A T I N A
ALC com metas de inflação teve de focar não só o IPC, mas também a taxa de
câmbio e os preços dos produtos agrícolas e minerais, assim como os efeitos de
segundo nível sobre as expectativas de inflação.6 Essa questão é problemática
não só por causa de questões referentes à credibilidade do regime, mas tam-
bém em razão do fato de que os preços das commodities não são ponderados
no IPC de maneira compatível com sua volatilidade. No entanto, a solução
para esse problema não é simples, sobretudo no caso de países dependentes
de commodities. Frankel (2009) argumenta que, com esse tipo de metas de
inflação, os países alcançariam volatilidade mais baixa nos preços internos,
adotando como meta de inflação o índice de preços ao produtor, em vez do
IPC, porquanto o primeiro reflete muito melhor os preços mais voláteis das
exportações do país ou de uma categoria mais ampla das exportações do país
(Quadro 5.1).
QUADRO 5.1
Possíveis âncoras para a política monetária de produtores e consumidores de commodities
As taxas de câmbio fixas e flutuantes apresentam, cada qual, suas van-
tagens. No entanto, tentativas econométricas de identificar o regime
cambial que proporciona melhor desempenho econômico em diferentes
países – fixo, flutuante ou intermediário – não foram bem-sucedidas. A
resposta depende das circunstâncias do país em questão. O IPC é a esco-
lha mais comum entre possíveis índices de preços que os bancos centrais
podem adotar como indicador de meta de inflação. Com efeito, o IPC é
o candidato natural a ser a medida do objetivo de inflação para o longo
prazo. Porém, talvez não seja a melhor escolha para metas intermediá-
rias, em bases anuais. Pode-se argumentar em favor de adotar como meta
seja o índice de preços ao produtor (IPP), seja um índice de preços de
exportações. Essa última ideia é versão moderada de regime monetário
mais exótico, proposto por Frankel e Saiki (2002) e Frankel (2003),
denominado “Peg the Export Price (PEP)” (Atrelagem ao Preço de Ex-
portação). Frankel (2009) examina possíveis variáveis nominais como
âncoras de política monetária. Três hipóteses são atrelagens cambiais,
ao dólar, ao euro e a DES; outro candidato é o regime de metas de in-
flação ortodoxo; e mais duas alternativas representam propostas em que
os preços de exportação recebem pesos substanciais, ao contrário dos
G E S T Ã O D A V O L A T I L I D A D E D O S P R E Ç O S D A S C O M M O D I T I E S 85
preços de importação: PEP e IPP. O argumento de venda desses índices
baseados em produção é que cada um é capaz de acomodar choques nas
relações de troca.
O regime PEP adota como meta a principal commodity do país em
questão. A proposta consiste em fixar o preço dessa commodity, na moeda
interna. Por exemplo, a Bolívia atrelaria a moeda ao gás natural; o Chile, ao
cobre; Equador, Trinidad e Tobago e a República Bolivariana da Venezue-
la, ao petróleo; Jamaica, ao alumínio; a República Dominicana, ao açúcar;
produtores de café da América Central, ao café; e a Argentina, à soja. Uma
vantagem da âncora PEP é proporcionar ajustes automáticos às flutuações
nos preços das exportações do país nos mercados mundiais. Quando os pre-
ços em dólar das exportações aumentam (ou diminuem), a moeda se valo-
riza (ou desvaloriza) em relação ao dólar. Essa acomodação aos choques nas
relações de troca é exatamente o que se pretende. O efeito colateral da ado-
ção do PEP é a desestabilização dos preços de outros bens comercializáveis
(tradables). Se commodities agrícolas ou minerais constituem praticamente
o total das exportações, a questão não é relevante. Contudo, na maioria dos
países da ALC, nenhuma commodity isoladamente representa mais da me-
tade das exportações. As exportações são dominadas por commodities agrí-
colas e minerais, mas trata-se de uma cesta diversificada de commodities.
Variável mais flexível e abrangente da atrelagem ao preço da commodity le-
varia em conta a diversificação das exportações, com o objetivo de estabilizar
índice mais amplo dos preços das exportações em termos da moeda local.
Finalmente, versão mais moderada é adotar como meta o índice de preços
ao produtor (IPP), que inclui componente substancial de commodities.
Frankel (2009) apresenta análise contrafactual de regimes monetários
alternativos, usando metas nominais diferentes, para simular sua capaci-
dade de minimizar a variabilidade tanto do preço real das exportações de
commodities quanto do preço real de outros bens comercializados. Frankel
segue a lógica de que a estabilização do preço relativo das exportações de
commodities não é proeza tão notável, se for feita à custa da correspondente
desestabilização do preço relativo de outros bens comercializados. O estudo
se concentra num conjunto de países da ALC e compara os caminhos histó-
ricos dos preços sob o regime monetário vigente com o que aconteceria sob
outros regimes monetários. A análise presume que, no caso de países pro-
dutores de commodities, como os da ALC, um regime de relações de troca
altamente voláteis seja, talvez, a questão mais importante a ser enfrentada
pela política cambial.
86 R E C U R S O S N A T U R A I S N A A M É R I C A L A T I N A
Desvio padrão do nível de preços reais
regime histórico
atrelagem ao dólar
Atrelagem a DES
Atrelagem ao euro
Atrelagem a comm.
IPC como meta
IPP como meta
ARG 0,661 0,491 0,503 0,486 0,241 0,756 0,679BOL 0,538 0,443 0,457 0,486 0,138 0,488 0,448BRA 0,522 0,456 0,442 0,426 0,187 – –CHL 0,510 0,485 0,489 0,470 0,298 0,840 0,696COl 0,456 0,485 0,482 0,490 0,000 1,123 0,974CRI 0,420 0,368 0,383 0,385 0,242 – –ECU 0,456 0,485 0,482 0,490 0,000 – –GTM 0,510 0,588 0,600 0,585 0,383 – –GUY 0,922 0,581 0,579 0,557 0,383 – –HND 0,533 0,588 0,600 0,585 0,383 – –JAM 0,338 0,383 0,401 0,403 0,212 0,870 0,483MEX 0,479 0,485 0,482 0,490 0,000 0,975 1,030NIC 0,511 0,588 0,600 0,585 0,339 – –PAN 0,312 0,368 0,383 0,385 0,206 – –PER 0,444 0,485 0,489 0,470 0,171 0,420 0,429PRY 0,413 0,455 0,475 0,466 0,312 0,743 0,716SlV 0,750 0,588 0,600 0,585 0,383 – –TTO 0,383 0,443 0,457 0,486 0,179 – –URY 0,504 0,455 0,475 0,466 0,312 0,793 0,525VEN 0,429 0,485 0,482 0,490 0,000 –
Fonte: Frankel (2009).Nota: os números mostram a média dos desvios padrão dos preços das exportações e dos desvios padrão dos preços das importações
Com base nas simulações de Frankel, todas as âncoras nominais (pegs ou
atrelagens) proporcionam maior estabilidade total dos preços nominais que
as políticas monetárias antiinflacionárias tradicionais efetivamente adotadas
pelos países da ALC. Considera-se a proposta PEP (coluna “atrelagem a
comm”) a melhor âncora para reduzir a variabilidade dos preços relativos.
Além disso, as âncoras alternativas PEP e IPP de metas de inflação predomi-
nam em políticas monetárias que almejam o IPC nos choques nas relações
de troca. O PEP e o IPP têm a propriedade desejável de que a moeda valo-
riza (ou desvaloriza) quando os preços das exportações sobem (ou descem)
nos mercados mundiais; o IPC não tem essa propriedade. Além disso, se a
meta de inflação for interpretada estritamente como compromisso com o
IPC, ela se caracterizará pela propriedade indesejável de que a moeda valo-
riza (ou desvaloriza) quando os preços das importações sobem (ou descem)
G E S T Ã O D A V O L A T I L I D A D E D O S P R E Ç O S D A S C O M M O D I T I E S 87
nos mercados mundiais; a adoção do PEP ou do IPP como meta não apre-
senta essa propriedade indesejável.
Descoberta interessante é a comparação da meta de IPC com a meta de
IPP como interpretações alternativas das metas de inflação. Os resultados
mostram que a meta de IPP geralmente produz mais estabilidade nos preços
dos bens comercializados, sobretudo no caso da commodity de exportação,
o que é consequência natural do maior peso atribuído às exportações de
commodities no IPP que no IPC. Talvez surpreendentemente, tanto a meta
de IPC quanto a meta de PPI geram mais variabilidade dos preços relativos
que qualquer uma das três atrelagens da taxa de câmbio (dólar, euro e DES).
Frankel sugere que se precisa de mais pesquisa para esclarecer essa questão.
Estimam-se os pesos que o IPC e o IPP dos países atribuem a cada um dos
três setores seguintes: bens não comercializáveis (nontradables), a principal
commodity de exportação e outros bens comercializáveis (tradables). Por-
tanto, talvez seja necessário verificar se a adoção de uma faixa de variação
do IPC e do IPP, em vez de exigir que o banco central atinja a meta com
exatidão, possibilitaria o aprimoramento da estimativa desses pesos e das
séries de preços e tornaria a comparação mais realista.
No entanto, essa proposta provavelmente será inaceitável para os bancos
centrais, em parte porque a inflação de manchete (headline inflation), medida
pelo IPC, em oposição à inflação básica ou núcleo da inflação (core inflation),
ainda é a variação de preços mais visível e mais relevante para as sociedades.
Notas de fim de capítulo
1. Adota-se o período 2005-07 para examinar a resposta à bonança, considerando
que só se dispõe de dados fiscais confiáveis de vários países em bases anuais e que os pre-
ços das commodities mergulharam de cabeça na segunda metade de 2008.
2. Os dados sobre receitas da República Bolivariana da Venezuela, apresentados na
Figura 5.3, não refletem a verdadeira magnitude dos gastos durante a bonança recente.
Boa parte dos gastos foi realizada por meio de mecanismos extraorçamentários. Como
exemplo, Manzano et al. (2010) estimam o custo dos programas de despesas sociais e de
infraestrutura da PVDSA em US$66,2 bilhões no período 2003-8.
3. Os trabalhos de Davis, Ossowski e Fedelino (2003) e de Ossowski et al. (2008)
proporcionam visão geral útil da literatura e das experiências de diferentes países sobre
88 R E C U R S O S N A T U R A I S N A A M É R I C A L A T I N A
instituições fiscais especiais para gerenciar receitas de commodities e de petróleo e foram
muito usados como fundamentos para esta seção. Uma análise das normas fiscais pelo
FMI (2009c) também fornece análise abrangente de sua evolução, concepção, imple-
mentação e impacto sobre o desempenho fiscal.
4. Para uma visão geral e para algumas ideias a respeito das escolhas difíceis com
que se defrontam as instituições oficiais na gestão de sua riqueza soberana, ver Johnson-
Calari e Rietveld (2007).
5. Há evidências conflitantes sobre se essas estratégias são eficazes no ajuste do con-
sumo (ver, por exemplo, Rosenzweig e Binswanger, 1993; Fafchamps, Udry e Czukas,
1998; Dercon, 2004).
6. Cada um dos adotantes de metas de inflação na região apresentou correlações
positivas entre os preços de importação em dólar e o valor em dólar de suas moedas no
período 2000-08. Com efeito, essas correlações foram mais estreitas que as anteriores à
adoção de metas de inflação. A implicação parece ser de que a meta de IPC, na prática,
não exclui totalmente os choques de preços de petróleo.