JULIÃO COELHO – ADVOGADO
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PARECER
O Decreto nº 5.911/06 e o direito à prorrogação dos contratos de concessão de uso de bem público para fins
de geração de energia elétrica
Brasília Janeiro de 2007
JULIÃO COELHO – ADVOGADO
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ÍNDICE
I. Consulta ............................................................................................................... 5
II. FUNDAMENTAÇÃO DA RESPOSTA À PRIMEIRA QUESTÃO: SIGNIFICADO DA EXPRESSÃO “DESTINAR ENERGIA AO ACR” ..... 6
II.1. Requisitos para a aquisição do direito à prorrogação das concessões de uso de bem público ........................................................................................ 6
II.2. Procedimento para a prorrogação das concessões de uso de bem Público ........................................................................................................... 7
II.3. O artigo 3º, § 2º, inciso I, alínea “a”, do Decreto nº 5.911/06 e os empreendimentos enquadrados no artigo 17 da Lei nº 10.848/04 .............. 9
II.4. Ambiente de Contratação Regulada – ACR ................................................. 11
II.4.1. Instituição do ACR ............................................................................... 11
II.4.2. Definição de ACR no Decreto nº 5.163/04 ........................................... 13
II.4.3. Destinação de energia ao ACR ............................................................ 16
II.5. Análise da interpretação de que somente seria destinada ao ACR a energia comercializada via CCEAR .......................................................... 18
II.5.1. Inadequada compreensão do disposto no artigo 3º, § 2º, inciso I, alínea “a”, do Decreto nº 5.163/04 ..................................................... 18
II.5.2. Do brocardo jurídico de que a lei não contém palavras inúteis ......... 19
II.5.3. Do brocardo jurídico segundo o qual “não é lícito ao intérprete distinguir onde o legislador não distinguiu” ....................................... 20
II.5.4. Interpretação de atos infralegais conforme as leis e a Constituição ......................................................................................... 21
II.5.5. Impossibilidade de classificação da energia contratada pelos agentes de distribuição antes da Lei nº 10.848/04 ............................... 22
II.6. Destinar energia ao ACR significa vender energia às distribuidoras, independentemente do procedimento observado para a contratação ........... 23
III. FUNDAMENTAÇÃO DA RESPOSTA À SEGUNDA QUESTÃO:
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SINCRONIZAÇÃO ENTRE O INÍCIO DO PAGAMENTO DO UBP E O INÍCIO DA EXECUÇÃO DO CCEAR ...................................... 25
III.1 Licitação para outorga de concessão de uso de bem público antes
do advento da Lei nº 10.848/04 ..................................................................... 25
III.2. Comercialização de energia elétrica antes do advento da Lei nº 10.848/04 ......................................................................................................... 27
III.3. Licitação para outorga de concessão de uso de bem público após o advento da Lei nº 10.848/04 ............................................................................ 27
III.4. Comercialização de energia elétrica após o advento da Lei nº 10.848/04 ......................................................................................................... 28
III.5. Do § 6º do artigo 4º da minuta de resolução submetida à Audiência Pública nº
019/2006........................................................................................................... 31
III.6. O princípio da segurança jurídica e a equação econômico-financeira do contrato de concessão ................................................................................ 34
IV. FUNDAMENTAÇÃO DA RESPOSTA À TERCEIRA QUESTÃO: DESLOCAMENTO OU MANUTENÇÃO DO TERMO FINAL DOPAGAMENTO DO UBP ........................................................................ 38 IV.1. Elementos explícitos da equação econômico-financeira do contrato de concessão de uso de bem público ............................................................... 38
IV.2. O fluxo de caixa proporcionado pelo empreendimento ................................. 41
IV.3. Impossibilidade de alteração unilateral das cláusulas econômico- financeiras dos contratos de concessão ......................................................... 44
IV.4. Isonomia no leilão de novos empreendimentos ............................................. 46
IV.5. Justificativas apresentadas na Nota Técnica nº 88/2006 SCG/SEM/SRG/ANEEL ................................................................................. 49
V. FUNDAMENTAÇÃO DA RESPOSTA À QUARTA QUESTÃO: VALOR DO PAGAMENTO DO UBP DEVIDO PELO CONCESSIONÁRIO EM RAZÃO DA PRORROGAÇÃO DA CONCESSÃO ................................................................................................. 52 V.1. Enfrentamento da questão na Nota Técnica nº 88/2006 SCG/SEM/SRG/ANEEL ................................................................................. 52
V.2. Os dois períodos da concessão de uso de bem público .................................. 53
V.2.1. O valor do pagamento do UBP relativo a cada período da concessão .............................................................................................. 54
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V.3. Pagamento do UBP de referência pelo período correspondente à prorrogação ..................................................................................................... 55
V.4. Prorrogação efetivada com base no contrato de concessão e prorrogação efetivada com base no Decreto nº 5.199/06 .............................. 57
V.4.1. A prorrogação prevista nos contratos de concessão ........................... 57
V.4.2. A prorrogação prevista pelo Decreto nº 5.911/06 ............................... 59
V.5. Razões apontadas pela ANEEL para que fosse utilizado o valor fixado na lici tação original ............................................................................ 61
VI. CONCLUSÃO ................................................................................................ 64
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I. CONSULTA
1. À vista do Decreto nº 5.911, de 27 de setembro de 2006, que
“estabelece procedimentos para prorrogação das concessões de uso de bem
público dos empreendimentos de geração de energia elétrica de que trata o artigo
17 da Lei nº 10.848, de 15 de março de 2004”, a Associação Brasileira dos
Produtores Independentes de Energia Elétrica – APINE – formula consulta sobre as
seguintes questões:
“a) Tem direito à prorrogação de seu contrato de concessão um
concessionário de uso de bem público para geração de energia
elétrica que, embora esteja enquadrado no artigo 17 da Lei nº 10.848,
de 15 de março de 2004, e comercialize no mínimo 60% (sessenta por
cento) da energia assegurada de seu empreendimento com
distribuidoras de energia elétrica, não tenha vendido ou não venha a
vender 60% (sessenta por cento) de sua energia assegurada por
intermédio de Contrato de Comercialização de Energia no Ambiente
Regulado – CCEAR?
b) Para os concessionários enquadrados no artigo 17 da Lei nº
10.848/04 e que ainda não iniciaram o pagamento do UBP, é possível
que o termo inicial de pagamento do UBP seja deslocado de maneira
a coincidir com o início da comercialização de energia via CCEAR?
c) No caso de adiamento do início do pagamento do UBP, qual
alternativa é mais consentânea com a legislação: a manutenção do
termo final do pagamento com o conseqüente aumento do valor anual
ou o deslocamento do termo final de maneira a evitar que o valor
anual seja majorado?
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d) Qual deve ser o valor do pagamento do UBP devido pelo
concessionário em razão da prorrogação da concessão?”
II. FUNDAMENTAÇÃO DA RESPOSTA À PRIMEIRA QUESTÃO:
SIGNIFICADO DA EXPRESSÃO “DESTINAR ENERGIA AO ACR”
II.1. Requisitos para a aquisição do direito à prorrogação das concessões de uso
de bem público
2. O artigo 1º do Decreto nº 5.911/06 proclama que os titulares de
concessão de uso de bem público para geração de energia elétrica que estejam
enquadrados no artigo 17 da Lei nº 10.848/04 poderão solicitar a prorrogação de
seus respectivos contratos de concessão:
“Art. 1o Os titulares de concessão de uso do bem público para geração de energia elétrica que estejam enquadrados no art. 17 da Lei no 10.848, de 15 de março de 2004, poderão solicitar à Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL a prorrogação do respectivo contrato de concessão, na forma prevista nos arts. 1o a 5o deste Decreto. Parágrafo único. A prorrogação de que trata o caput poderá ser realizada apenas uma vez e será efetivada mediante portaria do Ministro de Estado de Minas e Energia, a ser publicada de acordo com o prazo previsto no respectivo contrato de concessão.”
3. Ao assim dispor, o artigo 1º estabelece o primeiro requisito para a
aquisição do direito à prorrogação do contrato de concessão de uso de bem público,
qual seja, o enquadramento do concessionário no artigo 17 da Lei nº 10.848/04.
4. A propósito, vale conferir a redação do artigo 17 da Lei nº 10.848/04:
“Art. 17. Nas licitações para contratação de energia previstas nos incisos I e II do § 5o do art. 2o desta Lei, poderá ser ofertada a energia elétrica proveniente de empreendimentos de geração existentes ou de projetos de ampliação, que atendam cumulativamente aos seguintes requisitos:
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I – que tenham obtido outorga de concessão ou autorização até a data de publicação desta Lei; II – que tenham iniciado a operação comercial a partir de 1o de janeiro de 2000; e III – cuja energia não tenha sido contratada até a data de publicação desta Lei.”
5. O artigo 2º do Decreto nº 5.911/06 fixa um requisito adicional para a
aquisição do direito à prorrogação do contrato de concessão ao estabelecer que o
disposto nos artigos 1º a 5º “aplica-se exclusivamente aos empreendimentos que
celebram ou venham celebrar Contrato de Comercialização de Energia no
Ambiente Regulado – CCEAR, decorrente dos leilões de compra de energia
proveniente de novos empreendimentos de geração promovidos nos anos de 2005 a
2007”.
6. Percebe-se que o artigo 2º do Decreto nº 5.911/06, ao fixar o segundo
requisito para a aquisição do direito à prorrogação do contrato de concessão de uso
de bem público, exige apenas que o empreendimento tenha celebrado ou venha a
celebrar CCEAR decorrente dos leilões de compra de energia proveniente de novos
empreendimentos de geração promovidos nos anos de 2005 a 2007.
7. Cumpre reter, pois, que não consta do artigo 2º do Decreto nº 5.911/06
qualquer exigência relativa à quantidade de energia que deva ser objeto de CCEAR
já celebrado ou a ser celebrado.
II.2. Procedimento para a prorrogação das concessões de uso de bem público
8. Após fixar, nos seus artigos 1º e 2º, os requisitos para a aquisição do
direito à prorrogação do contrato de concessão, o Decreto nº 5.911/06 passa a dispor,
em seus artigos 3º e 4º, sobre os procedimentos a serem observados para a aludida
prorrogação.
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9. O artigo 3º, caput, do Decreto nº 5.911/06 revela que, preenchidos os
requisitos elencados nos artigos 1º e 2º – concernentes às exigências de
enquadramento no artigo 17 da Lei nº 10.848/04 e de celebração de CCEAR –, os
concessionários de uso de bem público “deverão solicitar o aditamento do contrato
de concessão em até noventa dias após a celebração dos CCEAR decorrentes dos
leilões de compra de energia proveniente de novos empreendimentos de geração a
serem promovidos até 31 de dezembro de 2007”.
10. Para a hipótese de o concessionário ter celebrado CCEAR decorrente
do leilão promovido em 2005, o Decreto nº 5.911/06 prevê, em seu artigo 4º, que,
no prazo de 90 (noventa) dias contado da data de sua publicação, o agente poderá
solicitar o aditamento do contrato de concessão de uso de bem público.
11. Por sua vez, o § 1º do artigo 3º do Decreto nº 5.911/06 estabelece que,
no prazo de até 90 (noventa) dias após a solicitação do agente, a ANEEL deverá
promover o aditamento dos contratos.
12. Além de estabelecer os prazos para que os agentes solicitem o
aditamento dos contratos de concessão e para que a ANEEL promova aludidos
aditamentos, o artigo 3º do Decreto nº 5.911/06 relaciona, em seu § 2º, as cláusulas
que deverão estar presentes no aditamento:
“2o O aditamento de que trata o § 1o deverá prever: I - que a prorrogação dos contratos de uso do bem público somente será efetivada se forem atendidas as seguintes condições: a) destinação pelo empreendimento de, no mínimo, sessenta por cento da respectiva energia assegurada para o Ambiente de Contratação Regulada - ACR; e b) cumprimento das cláusulas contratuais de prestação dos serviços, de acordo com as normas regulamentares aplicáveis;
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II - que o prazo de prorrogação estará limitado, em qualquer hipótese, ao prazo de comercialização previsto no respectivo CCEAR, inclusive para os efeitos do disposto no § 2º do art. 4º da Lei no 9.074, de 1995.”
II.3. O artigo 3º, § 2º, inciso I, alínea “a”, do Decreto nº 5.911/06 e os
empreendimentos enquadrados no artigo 17 da Lei nº 10.848/04
13. O artigo 3º, § 2º, inciso I, alínea “a”, do Decreto nº 5.911/06 é que
desperta a dúvida quanto à existência do direito à prorrogação do contrato de
concessão de um concessionário de uso de bem público que, conquanto esteja
enquadrado no artigo 17 da Lei nº 10.848/04 e comercialize no mínimo 60%
(sessenta por cento) de sua energia assegurada com distribuidoras de energia
elétrica, não vende 60% (sessenta por cento) de sua energia assegurada por
intermédio de CCEAR.
14. É de ter presente, no ponto, que, ainda que não tenha vendido 60%
(sessenta por cento) da energia assegurada de seu empreendimento por intermédio
de CCEAR, é possível que um concessionário de uso de bem público tenha mais de
60% (sessenta por cento) de sua energia assegurada destinada a agentes de
distribuição de energia elétrica.
15. Para comprovar essa possibilidade, deve-se ter em perspectiva que os
agentes contemplados com o direito à prorrogação do contrato de concessão de uso
de bem público precisam estar enquadrados no artigo 17 da Lei nº 10.848/04, o qual
faz alusão aos empreendimentos de geração existentes ou aos projetos de ampliação:
(i) que tenham obtido outorga de concessão ou autorização até a data
de publicação da Lei nº 10.848/04;
(ii) que tenham iniciado a operação comercial a partir de 1º de janeiro
de 2000; e
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(iii) cuja energia não tenha sido contratada até a data de publicação da
Lei nº 10.848/04.
16. Densificando o disposto no artigo 17 da Lei nº 10.848/04, o Decreto nº
5.163/04 assim estabeleceu em seu artigo 22:
“Art. 22. Até 31 de dezembro de 2007, excepcionalmente, nos leilões para contratação de energia previstos no inciso I do § 1o do art. 19, poderá ser ofertada a energia elétrica proveniente de empreendimentos de geração existentes ou de projetos de ampliação, que atendam cumulativamente aos seguintes requisitos: I - que tenham obtido outorga de concessão ou autorização até 16 de março de 2004; II - que tenham iniciado a operação comercial a partir de 1º de janeiro de 2000; e
III - cuja energia não tenha sido contratada até 16 de março de 2004.
§ 1º Poderá ser ofertada nos leilões de energia proveniente de novos empreendimentos, nos termos do inciso III do caput, a parcela de energia que não esteja contratada para atendimento a consumidores finais, por meio de agente de distribuição ou agente vendedor.”
17. Constata-se, assim, que os agentes enquadrados no artigo 17 da Lei nº
10.848/04 podem ter iniciado operação comercial antes da previsão legal segundo a
qual a compra de energia por distribuidoras passaria a ser feita mediante licitação.
Vale dizer, os agentes enquadrados no artigo 17 em tela podem ter iniciado suas
operações comerciais quando ainda era possível celebrar contratos bilaterais com as
distribuidoras de energia elétrica.
18. Dessa forma, ainda que não tenha vendido 60% (sessenta por cento)
da energia assegurada de seu empreendimento por intermédio de CCEAR, um
concessionário de uso de bem público terá mais de 60% (sessenta por cento) de sua
energia assegurada destinada a distribuidoras de energia elétrica caso:
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(i) tenha celebrado, antes do advento da Lei nº 10.848/04, contratos
bilaterais de venda de energia a distribuidoras; e
(ii) a soma da energia vendida a distribuidoras por intermédio de
contratos bilaterais com a energia vendida por intermédio de CCEAR supere 60%
(sessenta por cento) da energia assegurada do empreendimento.
19. Para solucionar a questão de saber se em tal situação há, ou não,
direito à prorrogação do contrato de concessão de uso de bem público, é necessário
identificar o significado da expressão “destinar energia ao ACR”, presente no
artigo 3º, § 2º, inciso I, alínea “a”, do Decreto nº 5.911/06.
II.4. Ambiente de Contratação Regulada – ACR
II.4.1. Instituição do ACR
20. Na tentativa de identificar o significado da expressão “destinar
energia ao ACR”, cumpre discorrer sobre o contexto em que o ACR foi instituído e
analisar a sua definição legal.
21. Até o advento da Lei nº 10.848/04, a compra e venda de energia
elétrica entre agentes do setor elétrico ocorria basicamente mediante:
(i) os chamados contratos bilaterais, celebrados sob a égide do regime
de livre negociação introduzido pelo artigo 10 da Lei nº 9.648, de 27 de maio de
1998; ou
(ii) os chamados contratos iniciais, celebrados dentro de um período
de transição de 4 (quatro) anos contados da data da edição da Lei nº 9.648/98,
transição destinada a atenuar o impacto da introdução da livre negociação no setor
elétrico.
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22. Conformando um novo regime jurídico aplicável à compra e venda de
energia, a Lei nº 10.848/04 proclamou, no caput de seu artigo 1º, que a
comercialização de energia elétrica ocorreria mediante contratação regulada ou livre:
“Art. 1o A comercialização de energia elétrica entre concessionários, permissionários e autorizados de serviços e instalações de energia elétrica, bem como destes com seus consumidores, no Sistema Interligado Nacional - SIN, dar-se-á mediante contratação regulada ou livre, nos termos desta Lei e do seu regulamento, o qual, observadas as diretrizes estabelecidas nos parágrafos deste artigo, deverá dispor sobre: [...]”1
23. Nesse sentido, os §§ 1º a 3º do artigo 1º da Lei nº 10.848/04
instituíram os ambientes de contratação regulada e de contratação livre, bem como
apontaram os agentes envolvidos nas operações de compra e venda de energia
realizadas em cada qual desses ambientes:
“§ 1o A comercialização de que trata este artigo será realizada nos ambientes de contratação regulada e de contratação livre. § 2o Submeter-se-ão à contratação regulada a compra de energia elétrica por concessionárias, permissionárias e autorizadas do serviço público de distribuição de energia elétrica, nos termos do art. 2o desta Lei, e o fornecimento de energia elétrica para o mercado regulado. § 3o A contratação livre dar-se-á nos termos do art. 10 da Lei no 9.648, de 27 de maio de 1998, mediante operações de compra e venda de energia elétrica envolvendo os agentes concessionários e autorizados de geração, comercializadores e importadores de energia elétrica e os consumidores que atendam às condições previstas nos arts. 15 e 16 da Lei no 9.074, de 7 de julho de 1995, com a redação dada por esta Lei.”
24. Diante dos §§ 1º a 3º do seu artigo 1º, percebe-se que a Lei nº
10.848/04 distingue os ambientes de contratação regulada e livre a partir dos
agentes atuantes em cada qual.
1 Original sem destaques.
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25. A nota distintiva e identificadora do ambiente de contratação regulada
está na circunstância de nele os agentes de distribuição figurarem como
compradores de energia ou como fornecedores de energia para o mercado regulado.
26. Já no ambiente de contratação livre – ACL – figuram geradores,
comercializadores, importadores e consumidores livres.
II.4.2. Definição de ACR no Decreto nº 5.163/04
27. Embora os transcritos §§ 1º a 3º já permitissem identificar o que
seriam os ambientes de contratação regulada e de contratação livre, o Decreto nº
5.163, de 15 de março de 2004, apresentou as seguintes definições desses ambientes:
“Art. 1o A comercialização de energia elétrica entre concessionários, permissionários e autorizados de serviços e instalações de energia elétrica, bem como destes com seus consumidores no Sistema Interligado Nacional - SIN, dar-se-á nos Ambientes de Contratação Regulada ou Livre, nos termos da legislação, deste Decreto e de atos complementares. [...]
§ 2o Para fins de comercialização de energia elétrica, entende-se como:
I - Ambiente de Contratação Regulada - ACR o segmento do mercado no qual se realizam as operações de compra e venda de energia elétrica entre agentes vendedores e agentes de distribuição, precedidas de licitação, ressalvados os casos previstos em lei, conforme regras e procedimentos de comercialização específicos; II - Ambiente de Contratação Livre - ACL o segmento do mercado no qual se realizam as operações de compra e venda de energia elétrica, objeto de contratos bilaterais livremente negociados, conforme regras e procedimentos de comercialização específicos; [...]”
28. Observa-se que o Decreto nº 5.163/04, em compasso com a Lei nº
10.848/04, define o ACR utilizando, como critério distintivo e identificador, os
participantes das operações de compra e venda de energia.
29. O artigo 1º, § 2º, inciso I, do Decreto nº 5.163/04 reforça que a nota
distintiva das operações realizadas no ACR está na circunstância de nelas figurarem,
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como destinatários da energia vendida, ou seja, como parte compradora, os agentes
de distribuição.
30. Vê-se que, após definir o ACR como “o segmento do mercado no qual
se realizam as operações de compra e venda de energia elétrica entre agentes
vendedores e agentes de distribuição”, o inciso I do §2° do artigo 1º do Decreto nº
5.163/04 apresenta uma vírgula. Esse sinal de pontuação prenuncia que, na segunda
parte do dispositivo , segue uma oração explicativa – oração essa a revelar que, a
não ser em hipóteses ressalvadas expressamente em lei, as operações realizadas no
ACR deverão ser precedidas de licitação.
31. Para confirmar a assertiva de que a segunda parte da disposição
contida no artigo 1º, § 2º, inciso I, do Decreto nº 5.163/04 configura uma oração
explicativa, bem como para ilustrar o que vem a ser oração explicativa, é de
proveito transcrever a lição de Celso Cunha e Lindley Cintra:
“1. As [orações] restritivas, como o nome indica, restringem, limitam, precisam a significação do substantivo (ou pronome) antecedente. São, por conseguinte, indispensáveis ao sentido da frase; e, como se ligam ao antecedente sem pausa, dele não se separam, na escrita, por vírgula. [...] 2. As explicativas acrescentam ao antecedente uma qualidade acessória, isto é, esclarecem melhor sua significação, á semelhança de um aposto. Mas, por isso mesmo, não são indispensáveis ao sentido essencial da frase. Na fala, separam-se do antecedente por uma pausa, indicada na escrita por vírgula: [...]”2
32. Nota-se, portanto, que a própria natureza da oração constante da
segunda parte do artigo 1º, § 2º, inciso I, do Decreto nº 5.163/04 revela não estar ela
a definir o ACR, mas apenas a explicar – ou estabelecer – como serão realizadas,
em regra, as operações de compra e venda de energia no ACR.
2 Nova Gramática do Português Conte mporâneo – 3ª ed. – Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2001, p. 604. Original sem destaques.
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33. Com efeito, a segunda parte do artigo 1º, § 2º, inciso I, do Decreto nº
5.163/04 não traz uma definição do ACR ou elementos de definição do ACR, mas a
prescrição do procedimento de realização das operações em tal ambiente de
contratação.
34. Caso se entendesse que a segunda parte do referido artigo 1º, § 2º,
inciso I conteria elementos de definição do ACR, o Decreto nº 5.163/04 estaria, em
afronta ao princípio da legalidade, restringindo a noção de ACR preconizada pela
Lei nº 10.848/04.
35. Isso porque, nos termos da Lei nº 10.848/04, ACR seria aquele em que
ocorre a compra de energia por distribuidoras e o fornecimento de energia para o
mercado regulado. Vale dizer: ao fixar a noção de ACR, a Lei nº 10.848/04 não
relacionou, como critério definidor desse ambiente, o procedimento mediante o qual
são realizadas as operações de compra e venda de energia.
36. Portanto, o entendimento de que a segunda parte do artigo 1º, § 2º,
inciso I, do Decreto nº 5.163/04 apresenta elementos de definição do ACR – ou seja,
o entendimento de que o procedimento de realização das operações de compra e
venda de energia constitui elemento definidor do ACR – implicaria assumir que o
Decreto nº 5.163/04 teria definido o ACR não apenas a partir dos destinatários da
energia vendida – como fez a Lei nº 10.848/04 –, mas também a partir do
procedimento de celebração dos contratos de compra e venda de energia.
37. Nessa hipótese, o Decreto nº 5.163/04 teria restringido a noção de
ACR estabelecida pela Lei nº 10.848/04, o que configuraria uma hipótese de
violação ao princípio da legalidade.
38. Afastada a possibilidade de o procedimento por meio do qual são
realizadas as operações de compra e venda de energia compor o conceito de ACR, é
possível precisar o significado da expressão “destinar energia ao ACR”.
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II.4.3. Destinação de energia ao ACR
39. Considerando que a Lei nº 10.848/04 e o Decreto nº 5.163/04
caracterizam o ACR a partir dos destinatários da energia nele comercializada,
“destinar energia ao ACR” significa vender energia às distribuidoras ou ao
mercado regulado, ou seja, toda a energia vendida às distribuidoras ou ao mercado
regulado seria energia destinada ao ACR.
40. Destarte, na acepção de ACR constante dos Diplomas acima referidos,
a energia vendida às distribuidoras mediante contratos bilaterais celebrados antes do
advento da Lei nº 10.848/04 é considerada “energia destinada ao ACR”.
41. Nesse ponto, impende salientar que a oração explicativa constante da
segunda parte do artigo 1º, § 2º, inciso I, do Decreto nº 5.163/04 confirma o
entendimento de que a energia vendida às distribuidoras mediante contratos
bilaterais celebrados antes do advento da Lei nº 10.848/04 deve ser considerada
“energia destinada ao ACR”.
42. Com efeito, de acordo com a segunda parte do artigo 1º, § 2º, inciso I,
do Decreto nº 5.163/04, as operações realizadas no ACR são precedidas de licitação,
ressalvados os casos previstos em lei.
43. As ressalvas previstas em lei estão relacionadas no artigo 2º, § 8º, da
Lei nº 10.848/04, o qual se encontra vazado nos seguintes termos:
“Art. 2º As concessionárias, as permissionárias e as autorizadas de serviço público de distribuição de energia elétrica do Sistema Interligado Nacional – SIN deverão garantir o atendimento à totalidade de seu mercado, mediante contratação regulada, por meio de licitação, conforme regulamento, o qual, observadas as diretrizes estabelecidas nos parágrafos deste artigo, disporá sobre: [...]
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§ 8o No atendimento à obrigação referida no caput deste artigo de contratação da totalidade do mercado dos agentes, deverá ser considerada a energia elétrica: I - contratada pelas concessionárias, pelas permissionárias e pelas autorizadas de distribuição de energia elétrica até a data de publicação desta Lei; e II - proveniente de: a) geração distribuída, observados os limites de contratação e de repasse às tarifas, baseados no valor de referência do mercado regulado e nas respectivas condições técnicas; b) usinas que produzam energia elétrica a partir de fontes eólicas, pequenas centrais hidrelétricas e biomassa, enquadradas na primeira etapa do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica - PROINFA; ou c) Itaipu Binacional.”3
44. Considerando que:
(i) o ACR é o segmento do mercado no qual se realizam as operações
de compra e venda de energia elétrica entre agentes vendedores e agentes de
distribuição;
(ii) essas operações entre agentes vendedores e agentes de distribuição
são (a) aquelas precedidas de licitação ou (b) aquelas para as quais a lei dispensa a
necessidade de licitação por parte das distribuidoras; e
(iii) a energia contratada até a data de publicação da Lei nº 10.848/04 é
uma hipótese para a qual a lei dispensa que a aquisição de energia, por parte da
distribuidora, seja precedida de licitação,
alcança-se a conclusão de que a oração explicativa, constante da
segunda parte do artigo 1º, § 2º, inciso I, do Decreto nº 5.163/04, confirma o
3 Original sem destaques.
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entendimento de que a energia vendida às distribuidoras mediante contratos
bilaterais celebrados antes do advento da Lei nº 10.848/04 deve ser considerada
“energia destinada ao ACR”.
II.5. Análise da interpretação de que somente seria destinada ao ACR a energia
comercializada via CCEAR
II.5.1. Inadequada compreensão do disposto no artigo 3º, § 2º, inciso I, alínea “a”,
do Decreto nº 5.163/04
45. A energia vendida às distribuidoras mediante contratos bilaterais
celebrados antes da Lei nº 10.848/04 não seria considerada “energia destinada ao
ACR” somente na hipótese de se entender que “destinar energia ao ACR” consiste
em vender energia às distribuidoras mediante licitação, venda que, conforme
estabelecido pelo artigo 27 do Decreto nº 5.163/044, é formalizada pela assinatura
do CCEAR.
46. A única disposição normativa que se poderia cogitar como base para a
construção desse entendimento é a constante do artigo 3º, § 2º, inciso I, alínea “a”,
do Decreto nº 5.163/04.
47. Ocorre que a segunda parte do artigo 3º, § 2º, inciso I, alínea “a”, do
Decreto nº 5.163/04, ao estabelecer que as operações realizadas no ACR serão
precedidas de licitação, ressalva as hipóteses de aquisição de energia para as quais a
lei dispensa a necessidade de ser – ou ter sido – promovida licitação por parte dos
agentes de distribuição.
4 “Art. 27. Os vencedores dos leilões de energia proveniente de empreendimentos de geração novos ou existentes deverão formalizar contrato bilateral denominado Contrato de Comercialização de Energia Elétrica no Ambiente Regulado - CCEAR, celebrado entre cada agente vendedor e todos os agentes de distribuição compradores.”
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48. Constata-se, pois, que o entendimento de que somente a energia
adquirida mediante licitação seria considerada energia destinada ao ACR nem
sequer pode ser tomado como resultado interpretativo do artigo 3º, § 2º, inciso I,
alínea “a”, do Decreto nº 5.163/04, pois o teor literal desse dispositivo afasta tal
interpretação ao ressalvar os casos para os quais há previsão legal de dispensa de
licitação.
49. Com efeito, ainda que se entendesse que a segunda parte do artigo 1º,
§ 2º, inciso I, do Decreto nº 5.163/04 apresenta elementos de definição do ACR, a
energia vendida às distribuidoras por meio de contratos bilaterais celebrados antes
do advento da Lei nº 10.848/04 seria considerada “energia destinada ao ACR”.
II.5.2. Do brocardo jurídico de que a lei não contém palavras inúteis
50. A interpretação de que destinar energia ao ACR significaria
comercializar energia via CCEAR produz, ainda, o grave resultado de eliminar por
completo a função do disposto no artigo 2º do Decreto nº 5.163/04.
51. Isso porque, consoante já verificado, o artigo 2º do Decreto nº
5.911/06 prevê, como requisito para a aquisição do direito à prorrogação do
contrato de concessão de uso de bem público, que o titular do ato de outorga de
empreendimento enquadrado no artigo 17 da Lei nº 10.848/04 tenha celebrado ou
venha a celebrar CCEAR, sem fazer menção à quantidade de energia vendida via
CCEAR.
52. Com efeito, a prevalecer o entendimento de que a aquisição do direito
à prorrogação está condicionada a que 60% (sessenta por cento) da energia
proveniente do empreendimento tenha sido ou venha a ser comercializada via
CCEAR, o disposto no artigo 2º do Decreto nº 5.163/04 seria absolutamente inócuo,
pois o requisito por ele estabelecido estaria contido no artigo 3º, § 2º, inciso I, alínea
“a” do mesmo Decreto.
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53. Convém ter presente, no ponto, o brocardo de que “não se presumem,
na lei, palavras inúteis”, sobre o qual assim pontifica Carlos Maximiliano em sua
clássica obra “Hermenêutica e aplicação do direito”:
“‘Não se presumem, na lei, palavras inúteis.’ Literalmente: ‘Devem-se compreender as palavras como tendo alguma eficácia.’ As expressões do Direito interpretam-se de modo que não resultem frases sem significação real, vocábulos supérfluos, ociosos, inúteis. Pode uma palavra ter mais de um sentido e ser apurado o adaptável à espécie, por meio do exame do contexto ou por outro processo; porém a verdade é que sempre se deve atribuir a cada uma a sua razão de ser, o seu papel, o seu significado, a sua contribuição para precisar o alcance da regra positiva. Este conceito tanto se aplica ao Direito escrito, como aos atos jurídicos em geral, sobretudo aos contratos, que são leis entre as partes. Dá-se valor a todos os vocábulos e, principalmente, a todas as frases, para achar o verdadeiro sentido de um texto; porque este deve ser entendido de modo que tenham efeito todas as suas provisões, nenhuma parte resulte inoperativa ou supérflua, nula ou sem significação alguma.”5
54. Ainda que se possa afirmar não ser absoluto o referido brocardo
jurídico, não é razoável sugerir que um dispositivo inteiro de um dado ato
normativo seja inócuo, o que, na espécie, ocorreria com o artigo 2º do Decreto nº
5.911/06 caso prevalecesse a interpretação de que apenas a energia comercializada
via CCEAR seria destinada ao ACR.
II.5.3. Do brocardo jurídico segundo o qual “não é lícito ao intérprete distinguir
onde o legislador não distinguiu”
55. Cumpre ter presente, ainda, que o Decreto nº 5.911/06, em seu artigo
2º, faz menção à celebração de CCEAR. Já no seu artigo 3º, § 2º, inciso I, alínea “a”,
o Decreto nº 5.911/06 faz alusão à destinação de energia ao ACR.
5 Maximiliano, CARLOS. Hermenêutica e aplicação do direito. – 19ª ed. – São Paulo: Forense, 2006, p. 204.
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56. Ora, assim como “não é lícito ao intérprete distinguir onde o
legislador não distinguiu”6 , não é dado ao intérprete uniformizar o que a lei
distinguiu.
57. Na espécie, entender que destinar energia ao ACR é sinônimo de
vender energia mediante CCEAR implicaria uniformizar o que o Decreto nº
5.911/06 explicitamente distinguiu.
II.5.4. Interpretação de atos infralegais conforme as leis e a Constituição
58. Outra impropriedade dessa interpretação, segundo a qual apenas a
energia adquirida mediante licitação seria destinada ao ACR, reside no desrespeito à
hierarquia normativa.
59. Para alcançar tal interpretação, seria necessário admitir que uma
inadequada compreensão de uma disposição do Decreto nº 5.163/04 – compreensão
essa de que destinar energia ao ACR consiste em vender energia mediante CCEAR
– prevalece sobre a noção de ACR preconizada pela Lei nº 10.848/04, a qual dispõe
sobre os ambientes de contratação regulada e livre e indica os agentes participantes
de cada qual, sem atrelar a caracterização desses ambientes a uma determinada
forma de comercialização.
60. Impende observar que, assim como a legislação infraconstitucional se
subordina ao texto constitucional e deve ser interpretada conforme a Constituição,
os atos infralegais estão subordinados às leis em sentido formal e à Constituição,
razão pela qual devem ser interpretados conforme as leis e a Constituição.
6 STF, Primeira Turma, RE 71.284/SP, relator Ministro Aliomar Baleeiro, DJ de 28.9.1973, trecho da ementa. Essa assertiva corresponde ao brocardo jurídico assim enunciado pelo Ministro Carlos Maximiliano:
“Onde a lei não distingue, não pode o intérprete distinguir.” (Ob. cit. p. 201).
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61. Na espécie, o ato objeto de interpretação é um decreto – o Decreto nº
5.911/06. Logo, em atenção ao princípio da preferência legal7, deve ser interpretado
de acordo com a lei, e não o contrário.
II.5.5. Impossibilidade de classificação da energia contratada pelos agentes de
distribuição antes da Lei nº 10.848/04
62. Afora essas 4 (quatro) incongruências já examinadas, a interpretação
em comento ainda faz com que não haja como classificar a energia vendida antes do
advento da Lei nº 10.848/04 a distribuidoras.
63. A Lei nº 10.848/04, conforme visto, distinguiu, a partir dos
destinatários da energia vendida, dois ambientes de comercialização de energia. No
ACL, não há participação dos distribuidores, mas apenas de concessionários e
autorizados de geração, comercializadores e importadores de energia elétrica, além
de consumidores que atendam às condições previstas nos artigos 15 e 16 da Lei nº
9.074/95.
64. A partir, então, da concepção de ACL trazida pela Lei nº 10.848/04, a
energia vendida a distribuidoras mediante contratos bilaterais celebrados sob a
égide do artigo 10 da Lei nº 9.648/98 não pode considerada como energia destinada
ao ACL, pois dele não participam as distribuidoras.
65. Já a interpretação em exame também não permite que seja considerada
como energia destinada ao ACR a energia contratada pelos agentes de distribuição
antes da Lei nº 10.848/04, porquanto concebe, como energia destinada ao ACR,
apenas a energia comercializada via CCEAR.
7 “A função normativa se submete ao princípio da legalidade administrativa, não podendo inovar (naquilo que a Constituição reservou à lei) no ordenamento jurídico (princípio da reserva legal - só a lei cria direitos e obrigações); assim, ressalvada a hipótese cabimento de decreto (EC nº 32/2001) no conflito entre a lei e o regulamento ou qualquer outro ato administrativo dá-se preferência à lei, que é norma de hierarquia superior aos demais atos administrativos (princípio da preferência legal).” (SOUTO, Marcos Juruena. Direito administrativo regulatório. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 27).
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66. Em razão da existência de apenas dois ambientes de comercialização
de energia no setor elétrico nacional, a energia objeto de um contrato em execução
tem de ser considerada como destinada a um desses dois ambientes. Resultado que
não permita a classificação da destinação dessa energia revela-se desarrazoado, pois,
se a energia está sendo comercializada, para um dos dois ambientes – ACR ou ACL
– ela está sendo destinada.
II.6. Destinar energia ao ACR significa vender energia às distribuidoras,
independentemente do procedimento observado para a contratação
67. Já a interpretação de que a energia contratada pelos agentes de
distribuição antes do advento da Lei nº 10.848/04 deve ser considerada energia
destinada ao ACR, além de ser compatível com a definição de ACR traçada pela Lei
nº 10.848/04 e pelo Decreto nº 5.163/04, tem o condão de afastar essas
impropriedades resultantes da equivocada leitura segundo a qual a energia destinada
ao ACR seria somente aquela adquirida mediante licitação.
68. No particular, vale ressaltar que o entendimento de que a energia
contratada pelos agentes de distribuição antes da Lei nº 10.848/04 deve ser
considerada energia destinada ao ACR preserva a utilidade do disposto no artigo 2º
do Decreto nº 5.911/06, em sintonia com o brocardo jurídico de que é preferível “a
inteligência dos textos que torne viável o seu objetivo, ao invés da que os reduza à
inutilidade”8.
69. O entendimento de que destinar energia ao ACR significa vender
energia para agentes de distribuição também é mais condizente com a circunstância
de “a destinação pelo empreendimento de, no mínimo, sessenta por cento da
respectiva energia assegurada para o Ambiente de Contratação Regulada” ser uma
obrigação contratual, e não um requisito para a prorrogação. 8 Maximiliano, Carlos. Ob. cit. p. 203.
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70. Consoante salientado, o Decreto nº 5.911/06 fixa dois requisitos –
enquadramento no artigo 17 da Lei nº 10.848/04 e celebração de CCEAR – que,
preenchidos, conferem ao concessionário o direito de prorrogar seu contrato de
concessão.
71. A destinação de 60% (sessenta por cento) da energia assegurada do
empreendimento ao ACR não é requisito para a prorrogação do contrato de
concessão, mas um dever que o concessionário assume ao assinar o aditamento
contratual que formalizará a prorrogação.
72. Por constituir um dever a ser observado no curso da concessão, a
destinação de 60% (sessenta por cento) da energia assegurada do empreendimento
ao ACR deve ser aferível a todo instante durante a execução do contrato de
concessão.
73. Para que seja possível, a todo e qualquer momento durante a execução
do contrato, aferir o cumprimento do dever de destinar 60% (sessenta por cento) da
energia assegurada do empreendimento ao ACR, faz-se necessário examinar o mix
de contratos de venda de energia do concessionário no momento em que é feita a
aferição, para, assim, verificar a destinação da energia.
74. Cumpre ressaltar que deve ser enfocado o exato momento em que é
realizada a aferição, examinando-se o mix de contratos e a destinação da energia.
75. Com efeito, não se afere o procedimento utilizado para a
comercialização da energia, mas sim a destinação da energia. Isso pela circunstância
de que se trata de um dever relativo à destinação da energia, e não de um dever a
respeito do procedimento de venda da energia.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DA RESPOSTA À SEGUNDA QUESTÃO:
SINCRONIZAÇÃO ENTRE O INÍCIO DO PAGAMENTO DO UBP E O
INÍCIO DA EXECUÇÃO DO CCEAR
III.1. Licitação para outorga de concessão de uso de bem público antes do
advento da Lei nº 10.848/04
76. Para saber se é possível deslocar o marco inicial do pagamento do
UBP – uso de bem público –, de maneira a fazê-lo coincidir com o início da
comercialização de energia via CCEAR, faz-se necessário analisar (i) como ocorria
o procedimento licitatório para outorga de uso de bem público antes de a Lei nº
10.848/04 entrar em vigor e (ii) como ocorria a recuperação dos custos associados à
exploração de empreendimentos hidrelétricos.
77. Antes do advento da Lei nº 10.848/04, a licitação precedente à outorga
de concessão de uso de bem público observava o critério do maior pagamento pelo
uso do bem público9, nos termos do artigo 15, inciso II, da Lei nº 8.987/95, o qual,
embora trate das licitações relativas à concessão de serviços públicos, aplicava-se às
licitações pelo uso de bem público em razão do disposto no artigo 4º da Lei nº
9.074/95.
78. Vale conferir a redação de ambos os dispositivos:
“Art. 15. No julgamento da licitação será considerado um dos seguintes critérios: [...] II - a maior oferta, nos casos de pagamento ao poder concedente pela outorga da concessão; [...]"
“Art. 4º As concessões, permissões e autorizações de exploração de serviços e instalações de energia elétrica e de aproveitamento energético dos cursos
9 A título de exemplo, vale transcrever o item 3.2.1 do Edital de Leilão nº 002/2001-ANEEL:
“3.2.1 A concessão de uso de bem público para cada um dos GRUPOS A a G será outorgada à Proponente que ofertar o maior pagamento pelo uso do bem público no Leilão.”
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de água serão contratadas, prorrogadas ou outorgadas nos termos desta e da Lei nº 8.987, e das demais.”10
79. De acordo com essa sistemática de seleção, o pagamento do UBP
alcançava valores significativos, decorrentes da incorporação de um ágio. Os
licitantes formulavam propostas – lances – de pagamento pelo uso do bem público,
e o valor do lance vencedor passava a ser o valor da obrigação de pagamento pelo
uso do bem público, constituindo uma obrigação fixada no contrato de concessão.
80. No “Contrato de Concessão nº 128/2001-ANEEL-AHE Foz do
Chapecó”, por exemplo, a cláusula sexta assim estabelece:
“CLÁUSULA SEXTA - PAGAMENTO PELO USO DO BEM PÚBLICO
Como pagamento pelo uso do bem público objeto deste Contrato as Concessionárias recolherão à UNIÃO, do 8º ao 35º ano de concessão, inclusive, contados da data de assinatura deste contrato, ou enquanto estiver na exploração do Aproveitamento Hidrelétrico, parcelas mensais equivalentes a 1/12 (um doze avos) do pagamento anual proposto de R$ 18.000.000,00 (dezoito milhões de reais), conforme Termo de Ratificação do Lance.”11
81. Assim, a cada MW de energia assegurada do empreendimento, está
associado um valor a ser pago pelo uso do bem público explorado para fins de
geração de energia elétrica.
82. Convém reter que o início do pagamento do UBP era associado à
projeção de uma data em que a usina já estaria em operação comercial, de maneira a
evitar que houvesse custo sem concomitante receita que permitisse sua recuperação.
83. Em compasso com o princípio da regulação econômica por incentivos,
essa projeção também tinha o condão de estimular o empreendedor a adiantar o
10 Original sem destaques. 11 Destaques do original.
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início da operação comercial. Com a antecipação, perceberiam benefícios tanto o
concessionário – que, entre o início da operação e o início do pagamento do UBP,
poderia auferir receita sem necessidade de pagamento pelo UBP – quanto a
sociedade, favorecida com a antecipação da ampliação do parque gerador nacional.
III.2. Comercialização de energia elétrica antes do advento da Lei nº 10.848/04
84. Já a comercialização de energia elétrica ocorria (i) sob a égide da Lei
nº 9.648/98, cujo artigo 10 estabeleceu que passaria a ser de livre negociação a
compra e venda de energia elétrica entre concessionários, permissionários e
autorizados, bem como (ii) sob a égide da Lei nº 9.074/95, cujos artigos 15 e 16
flexibilizaram o monopólio das distribuidoras ao preverem que determinados
consumidores poderiam contratar todo ou parte de seu fornecimento com agente
outro que não a distribuidora local.
85. Destarte, o preço livremente negociado de venda de energia, seja para
outro agente do setor ou para consumidores livres, é que permitiria a recuperação do
custo incorrido com o pagamento do uso do bem público.
III.3. Licitação para outorga de concessão de uso de bem público após o advento
da Lei nº 10.848/04
86. Com o advento da Lei nº 10.848/04, que conformou a base legislativa
do mais novo modelo do setor elétrico, foram alteradas tanto a sistemática de
seleção para outorga de concessão de uso de bem público quanto a forma de
comercialização de energia elétrica.
87. No lugar do critério do maior pagamento pelo uso do bem público,
passou a vigorar critério marcado pela combinação entre (i) o menor preço pelo qual
o licitante se dispõe a vender energia proveniente do empreendimento a ser
JULIÃO COELHO – ADVOGADO
28
explorado e (ii) a quantidade de energia que o licitante se dispõe a vender pelo
preço ofertado12.
88. Logo, o valor de pagamento do UBP, que antes dependeria das
propostas feitas durante a licitação e corresponderia ao valor da proposta vencedora
– a qual incorporava um significativo valor a título de ágio –, passou a ser
preestabelecido pelo Poder Concedente13, que fixa o chamado “UBP de referência”.
89. A essa circunstância fez-se alusão na Nota Técnica nº 88/2006-
SCG/SEM/SRG/ANEEL, a qual instrui a Audiência Pública nº 019/2006:
“27. No modelo anterior, previa-se, tanto as novas concessões de UHEs como para as concessões vencidas, licitações pelo maior valor oferecido pelo UBP. Nesse modelo, o poder concedente estabelecia o valor mínimo do UBP, deixando por conta dos participantes do leilão avaliar o seu valor final, mediante aplicação de ágio. 28. No atual modelo do setor elétrico, instituído pela Lei no 10.848, de 2004, cabe ao MME definir o valor do UBP antes da realização dos leilões, valor este denominado de UBP de referência, a ser incluído nos editais dos leilões de energia. No entanto, o critério de escolha da proposta vencedora no processo licitatório para outorga de nova concessão foi alterado. O critério do máximo pagamento pelo UBP foi substituído pelo critério do menor preço ofertado.”14
III.4. Comercialização de energia elétrica após o advento da Lei nº 10.848/04
90. No que diz respeito à comercialização de energia elétrica, com o
advento da Lei n° 10.848/04, os agentes de distribuição foram excluídos do regime
12 É o que se verifica da Portaria nº 242, de 5 de setembro de 2006, cujo anexo versa sobre a “sistemática para os leilões de energia proveniente de novos empreendimentos de geração”. 13 O artigo 20, inciso IX, do Decreto nº 5.163/04 estabelece o seguinte:
“Art. 20. Os editais dos leilões previstos no art. 19 serão elaborados pela ANEEL, observadas as normas gerais de licitações e de concessões e as diretrizes do Ministério de Minas e Energia, e conterão, no que couber, o seguinte: [...]
IX - valor anual do pagamento pelo Uso do Bem Público - UBP, a ser definido pelo poder concedente; [...]” 14 P. 5 da referida Nota Técnica. Destaques do original. Grifos daqui.
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de livre negociação e passaram a estar obrigados a comprar energia mediante
licitação na modalidade de leilão15.
91. Com a mudança verificada tanto no regime de comercialização de
energia elétrica quanto no regime de licitação para outorga de uso de bem público
destinado a geração de energia elétrica, os empreendimentos com as características
descritas no artigo 17 da Lei nº 10.848/04 foram afetados de maneira mais intensa.
92. Isso porque, além de terem o dever contratual de pagar o UBP com
ágio – cujo valor é superior ao valor de referência pago pelos concessionários dos
empreendimentos licitados sob o pálio da Lei nº 10.848/04 –, poderiam estar com
toda ou parte de sua energia assegurada descontratada no momento da edição da Lei
nº 10.848/04.
93. Em virtude de não mais poder haver livre negociação de contratos de
venda de energia com agentes de distribuição, bem como em virtude de haver um
intervalo entre a realização dos leilões de compra de energia pelas distribuidoras e o 15 O artigo 1º, §§ 2º e 3º, e o artigo 2º, caput e § 2º, da Lei nº 10.848/04 revelam a exclusão dos agentes de distribuição do regime de livre negociação:
“Art. 1o A comercialização de energia elétrica entre concessionários, permissionários e autorizados de serviços e instalações de energia elétrica, bem como destes com seus consumidores, no Sistema Interligado Nacional - SIN, dar-se-á mediante contratação regulada ou livre, nos termos desta Lei e do seu regulamento, o qual, observadas as diretrizes estabelecidas nos parágrafos deste artigo, deverá dispor sobre: [...]
§ 1o A comercialização de que trata este artigo será realizada nos ambientes de contratação regulada e de contratação livre.
§ 2o Submeter-se-ão à contratação regulada a compra de energia elétrica por concessionárias, permissionárias e autorizadas do serviço público de distribuição de energia elétrica, nos termos do art. 2o desta Lei, e o fornecimento de energia elétrica para o mercado regulado.
§ 3o A contratação livre dar-se-á nos termos do art. 10 da Lei no 9.648, de 27 de maio de 1998, mediante operações de compra e venda de energia elétrica envolvendo os agentes concessionários e autorizados de geração, comercializadores e importadores de energia elétrica e os consumidores que atendam às condições previstas nos arts. 15 e 16 da Lei no 9.074, de 7 de julho de 1995, com a redação dada por esta Lei. [...]”
“Art. 2o As concessionárias, as permissionárias e as autorizadas de serviço público de distribuição de energia elétrica do Sistema Interligado Nacional – SIN deverão garantir o atendimento à totalidade de seu mercado, mediante contratação regulada, por meio de licitação, conforme regulamento, o qual, observadas as diretrizes estabelecidas nos parágrafos deste artigo, disporá sobre: [...]
§ 2o A contratação regulada de que trata o caput deste artigo deverá ser formalizada por meio de contratos bilaterais denominados Contrato de Comercialização de Energia no Ambiente Regulado – CCEAR, celebrados entre cada concessionária ou autorizada de geração e todas as concessionárias, permissionárias e autorizadas do serviço público de distribuição, devendo ser observado o seguinte: [...]”
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início da execução do respectivo CCEAR 16 , os agentes com as características
descritas no artigo 17 da Lei nº 10.848/04 experimentaram a redução – ou o
adiamento – das possibilidades de venda de energia, as quais haviam sido
vislumbradas quando da realização das licitações em que saíram vencedores.
94. É certo que a possibilidade de comercialização de energia com
consumidores livres não sofreu alteração. Ocorre que o ambiente relativo ao maior
mercado comprador de energia17 – formado pelos agentes de distribuição – foi alvo
de profunda alteração legislativa.
95. Assim, além do alto valor do UBP pago pelos titulares de outorgas
relativas aos empreendimentos descritos no artigo 17 da Lei nº 10.848/04, restaram
frustradas as expectativas de venda de energia e de receita vislumbradas pelos
empreendedores quando da realização das licitações para outorga de uso de bem
público.
96. À vista desse cenário, verifica-se que adiar o início do pagamento pelo
UBP é medida destinada:
16 Há sempre um intervalo – de 1 (um), 3 (três) ou 5 (cinco) anos – entre a realização do leilão e o início da entrega da energia nele adquirida, conforme denota o § 2º do artigo 2º da Lei nº 10.848/04:
“§ 2o A contratação regulada de que trata o caput deste artigo deverá ser formalizada por meio de contratos bilaterais denominados Contrato de Comercialização de Energia no Ambiente Regulado – CCEAR, celebrados entre cada concessionária ou autorizada de geração e todas as concessionárias, permissionárias e autorizadas do serviço público de distribuição, devendo ser observado o seguinte:
[...]
II - para a energia elétrica proveniente de empreendimentos de geração existentes, início de entrega no ano subseqüente ao da licitação e prazo de suprimento de no mínimo 3 (três) e no máximo 15 (quinze) anos;
III - para a energia elétrica proveniente de novos empreendimentos de geração, início de entrega no 3o (terceiro) ou no 5o (quinto) ano após a licitação e prazo de suprimento de no mínimo 15 (quinze) e no máximo 35 (trinta e cinco) anos.” 17 Em entrevista divulgada no site da Associação Brasileira dos Pequenos e Médios Produtores de Energia Elétrica – APMPE – em julho de 2006, o Presidente do Conselho de Administração da CCEE, Antônio Carlos Fraga Machado, afirmou ter “estatísticas que mostram que o mercado livre hoje está em torno de 25% do mercado de energia do país”. Esse dado revela que, no mercado regulado, em que os agentes de distribuição figuram como compradores de energia, come rcializa-se 75% (setenta e cinco por cento) da energia do país.
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31
(i) à redução dos efeitos que a instituição de um novo regime
legislativo provoca sobre os empreendimentos de características descritas no artigo
17 da Lei nº 10.848/04; e
(ii) a permitir que o custo relativo ao pagamento do UBP seja
verificado somente a partir do momento em que o concessionário tiver receita
proveniente dos CCEARs, os quais, em razão do volume de energia de que
necessitam os agentes de distribuição, tendem a ser a mais significativa fonte de
receita dos geradores de energia.
III.5. Do § 6º do artigo 4º da minuta de resolução submetida à Audiência Pública
nº 019/2006
97. Nesse ponto, cumpre observar que o § 6º do artigo 4º da minuta de
resolução oferecida à discussão na Audiência Pública nº 019/2006, ao estabelecer
que não será adiado o termo inicial do “pagamento pelo UBP referente à energia
não comercializada nos leilões de compra de energia nova ou utilizada para fins de
autoprodução”, rende ensejo à possibilidade de o concessionário ter de efetuar o
pagamento do UBP sem ter receita.
98. Isso porque houve concessionários que venderam, antes da introdução
do mais novo modelo do setor elétrico, apenas parte da energia assegurada do
empreendimento. Como a venda de apenas parte da energia pode não ser suficiente
para viabilizar financeira e economicamente a construção de empreendimentos
hidrelétricos, alguns empreendimentos enquadrados no artigo 17 da Lei nº
10.848/04 não terão condições de entrar em operação comercial na data fixada nos
contratos de concessão.
99. Destarte, o § 6º do artigo 4º da minuta de resolução, ao permitir o
adiamento somente do início de pagamento do que seria o UBP referente à energia
comercializada nos leilões de compra de energia nova, ignora a circunstância de que
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32
algumas usinas enquadradas no artigo 17 da Lei nº 10.848/04 entrarão em operação
comercial apenas no início de vigência do CCEAR.
100. Nesse contexto, o § 6º do artigo 4º da minuta de resolução faz com que
não seja alcançado o propósito almejado com o adiamento do início de pagamento
do UBP, qual seja esse propósito, minorar os efeitos provocados pela mudança de
modelo legislativo setorial.
101. Se isso não bastasse, a possibilidade de haver pagamento do UBP sem
a concomitante receita de venda da energia do empreendimento causa uma grave
perturbação na equação econômico-financeira do contrato de concessão, que,
consoante salientado, foi arquitetada de maneira que o pagamento do UBP tivesse
início somente quando a usina já estivesse em operação comercial.
102. Existem precedentes em que a ANEEL deslocou o termo inicial de
pagamento do UBP justamente para evitar que houvesse pagamento de UBP sem
receita proveniente da venda de energia. É o que revela o Parecer nº 065/2004-
PF/ANEEL:
“A SCG pretende, conforme consta da Nota Técnica acima mencionada, proceder à alteração da Cláusula Sexta do contrato em questão, a fim de postergar o início do prazo para pagamento do uso de bem público, que se daria a partir da data de entrada em operação comercial da 1ª unidade geradora. [...] Sem mencionada licença [Licença de Operação junto ao IBAMA] não há como colocar a usina em operação, o que acarreta o desequilíbrio econômico-financeiro do contrato, uma vez que a concessionária teria que começar a pagar pelo uso de bem público sem ainda ter entrado em operação comercial.”
103. Considerando que os empreendimentos de geração são intensivos em
capital, permitir que haja pagamento de UBP sem receita de venda da energia
significa fadar o empreendimento à inviabilidade econômico-financeira.
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33
104. Faz-se necessário reiterar que os contratos de concessão assinados
antes da vigência do novo modelo previam que o pagamento do UBP teria início
quando a usina já estivesse em operação comercial, momento em que o
concessionário (i) teria acesso a todas as alternativas de venda da energia produzida,
bem como (ii) poderia perceber a receita proveniente das operações de venda.
105. Logo, para manter a equação econômico-financeira desses contratos, é
necessário que o pagamento do UBP somente se inicie quando o concessionário
tiver acesso a todas as novas alternativas de receita de venda de energia, o que, no
modelo instituído pela Lei nº 10.848/04, somente ocorre com o início do suprimento
do CCEAR.
106. Ademais, a cisão do pagamento de UBP em dois – um relativo à
energia comercializada no leilão de energia nova e outro relativo à energia
comercializada mediante outros procedimentos – não cabe no artigo 15, inciso II, da
Lei nº 8.987/95, que fundamentou (i) o critério de seleção da licitação original e (ii)
a própria cobrança do UBP.
107. O artigo 15, inciso II, da Lei nº 8.987/95 estabelece que no julgamento
da licitação poderá ser adotado o critério da maior oferta nos casos de pagamento ao
poder concedente pela outorga da concessão.
108. Com efeito, o fundamento legal para se exigir o pagamento do UBP
evidencia que esse pagamento é exigido como contrapartida da outorga da
concessão, e não como contrapartida da exploração de parte ou de todo o
empreendimento, motivo pelo qual não é possível haver a cisão do valor pago pela
outorga da concessão.
109. Convém ter em perspectiva, também, que os novos empreendimentos
somente iniciam o pagamento do UBP no início de vigência do CCEAR, ainda que
antes venham a comercializar a parcela de energia não vinculada ao CCEAR.
JULIÃO COELHO – ADVOGADO
34
110. Afigura-se inequívoco, portanto, que o § 5º do artigo 4º da minuta de
resolução, além de não guardar compatibilidade com o dispositivo legal que
fundamenta a cobrança do UBP, dispensa aos empreendimentos enquadrados no
artigo 17 da Lei nº 10.848/04 tratamento distinto do oferecido aos novos
empreendimentos, o que viola o princípio da isonomia, cuja aplicação aos leilões de
novos empreendimentos foi expressamente determinada pelo artigo 18 da Lei nº
10.848/04.
III.6. O princípio da segurança jurídica e a equação econômico-financeira do
contrato de concessão
111. Poder-se-ia questionar se, com base na alegação de ofensa à isonomia
no procedimento licitatório, os licitantes vencidos nas licitações de outorga de uso
de bem público realizadas antes da Lei nº 10.848/04 teriam razão caso se
insurgissem contra o adiamento do início do pagamento do UBP.
112. Nesse ponto, cumpre observar que as condições isonômicas devem
estar presentes no curso do procedimento licitatório, para que todos os licitantes
disputem em igualdade de condições. É o que se depreende das lições de Hely
Lopes Meirelles e Diogo de Figueiredo Moreira Neto:
“... a igualdade entre os licitantes é princípio impeditivo da discriminação entre os participantes do certame, quer através de cláusulas que, no edital ou convite, favoreçam uns em detrimento de outros, quer mediante julgamento faccioso, que desiguale os iguais ou iguale os desiguais (Estatuto, art. 3º, § 1º).”18 “... enquanto nas fases iniciais do processo licitatório predomina o princípio da igualdade, com o intuito de ampliar ao máximo o universo licitatório, nas fases finais, prevalece o princípio da competição, com a
18 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. – 18ª ed. – São Paulo: Malheiros, 1993, p. 249.
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intenção de reduzi-lo à pessoa do licitante que oferecer as melhores vantagens na contratação pretendida.”19
113. Com efeito, o princípio da isonomia na licitação não impede que o
contrato de concessão celebrado pelo licitante vencedor seja modificado em razão
de alterações fáticas ou legislativas supervenientes.
114. Caso impusesse a manutenção das cláusulas contratuais, a despeito de
alterações fáticas ou legislativas supervenientes, o princípio da isonomia na
licitação estaria em confronto com a básica noção de que os contratos
administrativos podem ser objeto de modificação, desde que respeitada a equação
econômico-financeira inicial:
“... ao contratante privado é defeso pretender evadir-se, seja por que meios for, ao completo, regular e fiel cumprimento das obrigações assumidas. E entre elas - é bem de ver - incluem-se os encargos suplementares que lhe sejam irrogados pela Administração, aí compreendidas as alterações contratuais resultantes de imposição unilateral do contratante público - desde que respeitado o objeto da avença. A contrapartida delas é a restauração do equilíbrio econômico-financeiro [...].
Não vai demasia alguma em recordar que o ato constitutivo do liame entre as partes traz consigo submissão do contraente particular não apenas ao especificamente ajustado naquele instante, mas acarreta assujeitamento às subseqüentes imposições que venham a ser feitas pelo Poder Público quanto às prestações e à fiscalização de seu integral cumprimento.” 20
115. Assim como pode sujeitar os contratados ao cumprimento de deveres
impostos após a celebração do contrato administrativo, a Administração pode
promover alterações contratuais destinadas a minorar os efeitos de mudança de
regime jurídico.
116. Vale observar que, na situação sob apreço, a ausência de alteração
contratual é que poderia ensejar a invalidade do ajuste, por “omissão 19 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial . Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 175. 20 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 14ª edição, p. 583-585.
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inconstitucional”, pois, consoante adverte o Ministro Gilmar Ferreira Mendes, a
previsão de cláusulas de transição é medida exigida pelo princípio da segurança
jurídica nos casos de mudança de regime jurídico:
“A idéia de segurança jurídica tornaria imperativa a adoção de cláusulas de transição nos casos de mudança radical de um dado instituto ou estatuto jurídico. Daí porque se considera, em muitos sistemas jurídicos, que, em casos de mudança de regime jurídico, a ausência de cláusulas de transição configura uma omissão inconstitucional.”21
117. Na espécie, foram alterados tanto o regime jurídico concernente à
comercialização de energia elétrica – o que determinou a frustração das expectativas
de venda e receita dos empreendedores –, quanto o regime jurídico aplicável à
licitação de uso de bens públicos para geração de energia elétrica, com a adoção de
novo critério de seleção – o qual reduziu o valor do pagamento do UBP e, por
conseguinte, tornou menos onerosas as concessões outorgadas sob a égide do novo
regime.
118. Em razão dessa dupla modificação, o adiamento do início do
pagamento pelo UBP é medida reclamada (i) pelo princípio da segurança jurídica,
pois minora a repercussão da mudança sobre aqueles que mais sofrem seus
impactos, e (ii) pelo disposto nos artigos 58, inciso I e §§ 1º e 2º, e 65, inciso II,
alínea “d”, da Lei nº 8.666/93, pois, restabelecendo o previsto no contrato de
concessão e evitando que seja afetada sua equação econômico-financeira, faz com
que o custo relativo ao pagamento do UBP somente tenha início no momento em
que o concessionário tiver receita proveniente das fontes – distribuidoras e
consumidores livres – vislumbradas no momento da formulação da proposta na
licitação e da celebração do contrato de concessão:
“Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:
21 MENDES, Gilmar Ferreira. Anotações sobre o princípio do direito adquirido tendo em vista a aplicação do novo código civil. In : Revista de direito público, Editora Síntese, ano 1, nº 1, jul-ago-set de 2003, p. 42.
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I - modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado; [...] § 1o As cláusulas econômico-financeiras e monetárias dos contratos administrativos não poderão ser alteradas sem prévia concordância do contratado. § 2o Na hipótese do inciso I deste artigo, as cláusulas econômico-financeiras do contrato deverão ser revistas para que se mantenha o equilíbrio contratual.” “Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos: [...] II - por acordo das partes: [...] d) para restabelecer a relação que as parte pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da Administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilibrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevierem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.”
119. Convém destacar que a possibilidade de a ANEEL alterar o marco
inicial do pagamento de UBP já foi reconhecida pela Procuradoria Federal, que,
para tanto, apontou, no já citado Parecer nº 065/2004-PF/ANEEL, os seguintes
fundamentos legais:
“14. Aos contratos de concessão, firmados com base na Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, aplica-se, subsidiariamente, a Lei 8.666/93, que trata das Licitações e dos Contratos Administrativos. Como a Lei 8.987/95 não disciplina as alterações contratuais, analisaremos a possibilidade de alteração do contrato em questão a partir da Lei 8.666/93. Seu art. 65, inciso II, alínea ‘d’, assim prevê: [...] 15. Observe-se que as modificações apresentadas têm por objetivo adequar o contrato nº 093/2000 às situações imprevisíveis vivenciadas pela concessionária, principalmente no que se refere à Ação Civil Pública nº 2002.35.00.008929-9, ajuizada pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público do Estado de Goiás, que vem impedindo a Corumbá Concessões S.A. de conseguir a Licença de Operação junto ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA. Sem mencionada licença não há como colocar a usina em
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operação, o que acarreta o desequilíbrio econômico-financeiro do contrato, uma vez que a concessionária teria que começar a pagar pelo uso de bem público sem ainda ter entrado em operação comercial.”
120. Com base no referido parecer, a Superintendência de Fiscalização
Econômica e Financeira – SFF – proferiu o Despacho nº 460, de 12 de abril de 2005,
mediante o qual aprovou o Terceiro Termo Aditivo ao Contrato de Concessão nº
93/2000, que “ajustou o instrumento contratual, de modo a contemplar o novo
período para início do pagamento do uso do bem público”.
IV. FUNDAMENTAÇÃO DA RESPOSTA À TERCEIRA QUESTÃO:
DESLOCAMENTO OU MANUTENÇÃO DO TERMO FINAL DO
PAGAMENTO DO UBP
121. Constatado que o adiamento do início do pagamento pelo UBP é
medida necessária para evitar que seja afetada a equação econômico-financeira do
contrato de concessão e reduzir os efeitos provocados pela mudança dos regimes de
comercialização de energia elétrica e de licitação da outorga de uso de bem público,
impõe-se avançar para o exame da questão de saber qual a medida mais consentânea
com a legislação:
(i) a manutenção do termo final do pagamento do UBP, com o
conseqüente aumento do valor anual ; ou
(ii) o deslocamento também do termo final, de maneira a evitar que
haja majoração do valor anual.
IV.1. Elementos explícitos da equação econômico-financeira do contrato de
concessão de uso de bem público
122. A primeira alternativa, por implicar aumento do valor anual pago a
título de uso de bem público, encontra dois óbices.
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39
123. O primeiro reside na circunstância de o concessionário de uso de bem
público ter considerado, ao mensurar o valor do lance vencedor da licitação, o
intervalo de tempo que dispunha para o pagamento do UBP, o que lhe permitiu (i)
calcular o custo mensal e anual do UBP e (ii) estimar o fluxo de caixa mensal do
empreendimento.
124. Cabe ter em perspectiva , inclusive, que os contratos de concessão de
uso de bem público nem sequer indicavam o valor total a ser pago pelo UBP, mas
apenas o valor anual a ser pago, em parcelas mensais equivalentes, dentro de um
determinado intervalo de tempo, conforme se constata, por exemplo, da já transcrita
cláusula sexta do “Contrato de Concessão nº 128/2001-ANEEL-AHE Foz do
Chapecó” e das cláusulas sextas dos Contratos de Concessão nºs 17/2002-ANEEL-
AHE São Salvador, 185/98-UHE Cana Brava, 94/2002-ANEEL-AHE Estreito e
129/2001-ANEEL-AHE Serra do Facão, respectivamente:
“CLÁUSULA SEXTA - PAGAMENTO PELO USO DO BEM PÚBLICO Como pagamento pelo uso do bem público objeto deste Contrato a Concessionária recolherá à UNIÃO, do 6º ao 35º ano de concessão, inclusive, contados da data de assinatura deste contrato, ou enquanto estiver na exploração do Aproveitamento Hidrelétrico, parcelas mensais equivalentes a 1/12 (um doze avos) do pagamento anual proposto de R$18.500.000,00 ( dezoito milhões e quinhentos mil reais), conforme Termo de Ratificação do Lance.” “CLÁUSULA SEXTA - PAGAMENTO PELA CONCESSÃO Como retribuição pela outorga da concessão objeto deste Contrato, o Concessionário pagará à UNIÃO, ao longo do prazo de vigência fixado na Cláusula Décima e enquanto estiver na exploração do Aproveitamento Hidrelétrico, parcelas mensais equivalentes a 1/12 (um doze avos) dos respectivos valores de pagamento anual indicados na sua Proposta Financeira e abaixo transcritos: [...]” “CLÁUSULA SEXTA - PAGAMENTO PELO USO DO BEM PÚBLICO Como pagamento pelo uso do bem público objeto deste Contrato as Concessionárias recolherão à UNIÃO, do 7º ao 35º ano de concessão, inclusive, contados da data de assinatura deste contrato, ou enquanto
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estiverem na exploração do Aproveitamento Hidrelétrico, parcelas mensais equivalentes a 1/12 (um doze avos) do pagamento anual proposto de R$ 4.130.000,00 (quatro milhões, cento e trinta mil reais), conforme Termo de Ratificação do Lance.” “CLÁUSULA SEXTA - PAGAMENTO PELO USO DO BEM PÚBLICO Como pagamento pelo uso do bem público objeto deste Contrato as Concessionárias recolherão à UNIÃO, do 7º ao 35º ano de concessão, inclusive, contados da data de assinatura deste contrato, ou enquanto estiverem na exploração do Aproveitamento Hidrelétrico, parcelas mensais equivalentes a 1/12 (um doze avos) do pagamento anual proposto de R$ 37.000.000,00 (trinta e sete milhões de reais), conforme Termo de Ratificação do Lance.”
125. Os contratos de concessão revelam que a equação econômico-
financeira correspondente ao pagamento do UBP é estabelecida pela indicação (i)
do valor correspondente ao pagamento anual e (ii) do intervalo de tempo para o
respectivo pagamento.
126. A divisão do valor de pagamento anual pelo número de meses
compreendidos em um ano permite identificar o valor das parcelas mensais, ao
passo que a multiplicação do valor de pagamento anual pelo número de anos
compreendidos no intervalo de tempo em que se efetivará o pagamento permite
identificar o valor total a ser pago pelo UBP.
127. Assim, a partir dos próprios contratos de concessão, é possível
verificar que tanto o valor anual a ser pago pelo uso do bem público quanto o
número de anos em que se dará o pagamento constituem elementos da equação
econômico-financeira, a qual foi (i) vislumbrada quando da formulação da proposta
pelo licitante e (ii) fixada quando da celebração do contrato.
128. Com efeito, a redução do intervalo de tempo em que se dará o
pagamento e o conseqüente aumento do valor anual pago pelo uso do bem público
representam modificações nos elementos explícitos da equação econômico-
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financeira do contrato de concessão, que foi determinada pelo lance feito na
licitação e fixada no momento da celebração do contrato.
IV.2. O fluxo de caixa proporcionado pelo empreendimento
129. O aumento do valor anual aumenta o fluxo do pagamento do UBP, o
que, por sua vez, reduz o fluxo de caixa mensal proporcionado pela venda da
energia do aproveitamento, fluxo esse com base no qual o concessionário estimou
os compromissos financeiros que poderia assumir.
130. Como exemplo, vale citar os compromissos financeiros alusivos ao
pagamento da dívida relativa ao financiamento que viabilizou a construção dos
empreendimentos.
131. É consabido que o porte dos empreendimentos de geração determina a
busca de fórmulas destinadas a permitir sua execução. Nesse sentido, além da
reunião de pessoas jurídicas, o desenvolvimento de projetos de capital intensivo ,
como são os de infra-estrutura, exige também a captação de recursos junto a
instituições do setor financeiro, conforme observam, respectivamente, Luiz
Leonardo Cantidiano, ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários – CVM –,
e Luiz Ferreira Xavier Borges, advogado do Departamento de Telecomunicações do
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES –, e Viviana
Cardoso de Sá e Faria, economista do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura:
“Os projetos de infra-estrutura, especialmente aqueles que envolvem a construção, reforma ou ampliação de obras públicas, bem como a prestação de serviços públicos (como o tratamento de água e esgoto, a produção e distribuição de energia elétrica, a construção e manutenção de estradas e a prestação de serviços de telecomunicações e de transporte), sempre demandam grande volume de recursos, que não estão disponíveis para o Estado, nem para a iniciativa particular, quando a ela é concedida, através de licitação, a realização da obra e/ou a exploração dos serviços. Há necessidade, portanto, para que se viabilize a execução do projeto, de que sejam obtidos recursos no mercado, seja como investimento de risco,
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através da oferta de participação acionária, ou por empréstimo, que deve ser contratado junto ao sistema bancário.”22 “Os investimentos no setor de infra-estrutura demandam alto volume de recursos, sendo necessário envolver diferentes fontes de financiamento a fim de levantar os recursos necessários para a implementação do projeto.”23
132. Nesse cenário, marcado principalmente pelo comprometimento das
garantias tradicionais24, adota-se, como alternativa para o financiamento de projetos
de infra-estrutura, o arranjo financeiro denominado project finance 25 , em que o
fluxo de caixa do projeto constitui a garantia do financiamento que viabiliza a
construção da usina, conforme denota a definição apresentada por Luiz Ferreira
Xavier Borges:
22 CANTIDIANO. Luiz Leonardo. Introdução ao project finance. Revista de Direito Renovar, nº 12, 1998, p. 159. 23 BORGES, Luiz Ferreira Xavier; FARIA, Viviana Cardoso de Sá e. Project Finance: considerações sobre a aplicação em infra-estrutura no Brasil. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v. 9, nº 18, dez. 2002, p. 264. 24 A atração de instituições financeiras dispostas a colaborar com projetos de infra-estrutura esbarra em três fatores:
(i) comprometimento da eficácia das garantias tradicionais, o qual decorre da dificuldade de recuperação do crédito;
(ii) impossibilidade de bens vinculados a serviços públicos ou reversíveis ao poder público serem recebidos em garantia; e
(iii) longo prazo de maturação dos projetos, o que impede retorno imediato aos investidores e faz com que as empresas executoras dos empreendimentos tenham dificuldade de oferecer garantia pelo tempo necessário. 25 A adoção do project finance como instrumento adequado para propiciar a captação de recursos destinados a projetos de infra-estrutura é amplamente destacada pela doutrina:
“O consenso da comunidade financeira internacional parece ver no uso do project finance o novo instrumento que permitirá conseguir investimentos em infra-estrutura para países do terceiro mundo, onde não há oferta, ou otimizar esses recursos onde ela existir.” (BORGES, Luiz Ferreira Xavier. Project Finance e infra-estrutura: descrição e críticas . Revista de direito bancário e do mercado de capitais, ano 2, nº 6, set-dez de 1999, p. 124.)
“Os exemplos mais comuns de operações de project finance que vêm sendo executados no mundo estão na área de infra-estrutura, envolvendo reservatórios de petróleo, refinarias, plataformas, campos petrolíferos, oleodutos convencionais, indústria petroquímica, hidroelétricas, termoelétricas (energia em geral), transportes, sistemas de transporte de massa, plantas de manufatura industrial, mineração, siderurgia e saneamento básico.” (BORGES, Luiz Ferreira Xavier. Project Finance e infra-estrutura: descrição e críticas . Revista de direito bancário e do mercado de capitais, ano 2, nº 6, set-dez de 1999, p. 127).
“É num ambiente de crises econômicas e de racionamento de crédito que o co-financiamento, através do project finance, tem se apresentado como uma das principais opções para os projetos de infra-estrutura.” (BONE, Rosemarie Bröker. Ob. cit. p. 168).
“O financiamento de projetos de infra-estrutura de grande porte são frequentemente desenvolvidos através da estrutura de project finance designada por BUILD-OPERATE-TRANSFER.” (MORAES, Luiza Rangel de. Ob. cit. p. 138).
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“... uma forma de engenharia/colaboração financeira suportada contratualmente pelo fluxo de caixa de um projeto, servindo como garantia à referida colaboração, os ativos desse projeto a serem adquiridos e os valores recebíveis ao longo do tempo.”26
133. Ainda sobre a noção do que seja project finance, vale conferir as
definições apresentadas por Luiz Leonardo Cantidiano, Rosemarie Bröker Bone e
Luiza Rangel de Moraes:
“O project finance deve ser entendido como o mecanismo que permite que o desenvolvimento de um projeto ocorra mediante a obtenção de um financiamento especialmente contratado, que será amortizado com a receita gerada pelo próprio projeto, segregando-se os riscos inerentes à exploração daquela atividade.”27 “O project finance define-se como a captação de recursos para financiar projetos de investimento separadamente ao capital dos parceiros, onde os leaders percebem a viabilidade do projeto através do estudo de viabilidade (due diligence), mas concretamente através do fluxo de caixa como fonte primária para atender ao pagamento do empréstimo e como retorno do capital investido através do lucro (Finnerty, 1999).”28 “O conceito de project finance tem por base para a sua estruturação o fluxo de rendimento avaliado para o projeto, com o que serão quitados os empréstimos contraídos e remunerados os investidores. Trata-se, portanto, de uma modalidade de financiamento que se baseia nos méritos do projeto e não da credibilidade ou qualidade do crédito dos patrocinadores e investidores principais.”29
134. Em razão de o fluxo de caixa do projeto constituir a “fonte primária
de recursos para atender ao serviço da dívida (juros)”30, é necessário que a geração
de energia propicie a receita a ser destinada à amortização da dívida contraída
mediante o project finance, a qual, vi a de regra, é paga mensalmente.
26 BORGES, Luiz Ferreira Xavier. Project Finance e infra-estrutura: descrição e críticas . Revista de direito bancário e do mercado de capitais, ano 2, nº 6, set-dez de 1999, p. 123. 27 Ob. cit. p. 160. 28 BONE, Rosemarie Bröker. O Brasil no caminho do project finance. Indicadores Econômicos FEE, Porto Alegre, v. 29, nº 2, agosto de 2001, p. 168-169. 29 MORAES, Luiza Rangel de. Considerações sobre bot – project finance e suas aplicações em concessões de serviços públicos . Revista de direito administrativo, nº 212, abril-junho de 1998, p. 136. 30 BORGES, Luiz Ferreira Xavier; FARIA, Viviana Cardoso de Sá e. Project Finance: considerações sobre a aplicação em infra-estrutura no Brasil. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v. 9, nº 18, dez. 2002, p. 244.
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135. Resta evidente, assim, que a redução do fluxo de caixa, provocada
pelo aumento do valor anual da UBP, pode afetar, entre outros compromissos
assumidos, o pagamento da dívida relativa ao apoio financeiro que viabiliza a
construção do empreendimento.
IV.3. Impossibilidade de alteração unilateral das cláusulas econômico-
financeiras dos contratos de concessão
136. Nesse ponto, é necessário reiterar que a Administração, embora possa
alterar unilateralmente os contratos de concessão, não pode alterar unilateralmente
as cláusulas econômico-financeiras de tais contratos, conforme denotam os artigos
37, inciso XXI, da Constituição Federal, 58 da Lei nº 8.666/93 e 10 da Lei nº
8.987/95:
“XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.”31 “Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de: I - modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado; II - rescindi-los, unilateralmente, nos casos especificados no inciso I do art. 79 desta Lei; III - fiscalizar-lhes a execução; IV - aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou parcial do ajuste; V - nos casos de serviços essenciais, ocupar provisoriamente bens móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, na hipótese da
31 Original sem destaques.
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necessidade de acautelar apuração administrativa de faltas contratuais pelo contratado, bem como na hipótese de rescisão do contrato administrativo. § 1o As cláusulas econômico-financeiras e monetárias dos contratos administrativos não poderão ser alteradas sem prévia concordância do contratado. § 2o Na hipótese do inciso I deste artigo, as cláusulas econômico-financeiras do contrato deverão ser revistas para que se mantenha o equilíbrio contratual.”32 “Art. 10. Sempre que forem atendidas as condições do contrato, considera-se mantido seu equilíbrio econômico-financeiro.”
137. Tanto a doutrina quanto a jurisprudência nacionais são pacíficas
quanto ao entendimento de que a equação econômico-financeira de contratos
administrativos não pode ser afetada. Destacando especificamente a importância de
ser respeitada a equação econômico-financeira de contratos administrativos
celebrados no âmbito do setor elétrico, a Corte Especial do Superior Tribunal de
Justiça prolatou decisão de cuja ementa se extrai:
“[...] 2. A substituição aleatória da fórmula de reajuste previamente pactuada, desconsiderando critérios técnicos indispensáveis à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, interfere nos mecanismos de política tarifária aprovados pelo Conselho Nacional de Desestatização e ofende a ordem pública administrativa. 3. Necessária a manutenção do equilíbrio-financeiro dos contratos celebrados com o Poder Concedente, porque o interesse público não se resume à contenção de tarifas, sendo evidenciado, também, na continuidade e qualidade do fornecimento de energia, na manutenção do contrato, de modo a viabilizar investimentos no setor, para que o país não volte à escuridão. [...] 5. Caracterizado o risco inverso, refletido no cenário de insegurança jurídica que pode se instalar com a manutenção da liminar, que, em princípio, admite a quebra do equilíbrio dos contratos firmados com o Poder Público, lesando a ordem pública administrativa e econômica e agravando o risco Brasil, impõe-se o deferimento do pedido de suspensão.”33
32 Original sem destaques. 33 STJ, Corte Especial, AgRg na SLS 162/PE, relator Ministro Edson Vidigal, DJ de 1.8.2006, p. 293.
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138. Com efeito, considerando que a redução do intervalo de tempo em que
se dará o pagamento do UBP e o conseqüente aumento do valor anual de pagamento
são elementos explícitos da equação econômico-financeira dos contratos de
concessão de uso de bem público, não é possível a alteração unilateral desses
elementos do contrato.
139. Ademais, a alteração desses elementos, por afetar o fluxo de caixa do
empreendimento, afetará, em conseqüência, a equação econômico-financeira do
contrato de concessão, o que, de acordo com o disposto no artigo 58, § 1º, da Lei nº
8.666/93, não pode ser feito sem a prévia concordância do concessionário.
IV.4. Isonomia no leilão de novos empreendimentos
140. O outro óbice à manutenção do termo final do pagamento pelo UBP
reside na circunstância de o aumento do respectivo custo anual tornar ainda mais
anti-isonômica a participação dos empreendimentos em tela no leilão de novos
empreendimentos.
141. A propósito, vale conferir o disposto nos artigos 18 da Lei nº
10.848/04 e 23 do Decreto nº 5.163/04:
“Art. 18. Observado o disposto no art. 17, na licitação prevista no inciso II do § 5o do art. 2o desta Lei, a oferta de energia proveniente de empreendimentos em cuja licitação tenha sido observado o critério do pagamento de máximo Uso de Bem Público - UBP terá o seguinte tratamento: I – concorrerá nas mesmas condições dos demais participantes do certame, inclusive quanto ao valor de referência do UBP, relativo ao empreendimento licitado, a ser definido pelo Poder Concedente; II – a diferença entre o UBP efetivamente pago, resultante da licitação original, da qual resultou a concessão ou autorização dos empreendimentos de que trata o caput deste artigo, e o UBP de referência, referido no inciso I deste artigo, deverá ser incorporada à receita do gerador.
JULIÃO COELHO – ADVOGADO
47
Parágrafo único. O valor de que trata o inciso II do caput deste artigo, somado ao lance vencedor do empreendimento licitado, não poderá ultrapassar o custo marginal da energia resultante desse processo, conforme regulamentação.” “Art. 23. Nos leilões de energia proveniente de novos empreendimentos de geração, no caso de participação de empreendimentos que já possuam concessões resultantes de licitação em que tenha sido observado critério do máximo pagamento pelo UBP, a oferta de energia terá o seguinte tratamento: I - concorrerá nas mesmas condições das ofertas dos demais participantes do certame, inclusive quanto ao valor de referência do UBP, relativo ao empreendimento licitado, a ser definido pelo poder concedente; e II - a diferença entre o UBP efetivamente pago, decorrente da licitação original, da qual resultou a concessão ou autorização dos empreendimentos de que trata o caput, e o UBP de referência, previsto no inciso I, deverá ser incorporada à receita do gerador nos CCEAR. § 1o O valor de que trata o inciso II do caput, somado ao lance vencedor do empreendimento licitado, não poderá ultrapassar o custo marginal resultante do processo de licitação. § 2o O custo marginal resultante do processo de licitação corresponderá ao maior valor da energia elétrica, expresso em Reais por MWh, dentre as propostas vencedoras do certame.”
142. Os referidos dispositivos estabelecem que os empreendimentos em
cuja licitação tenha sido observado o critério de pagamento máximo do UBP
concorrerão, na oferta de energia, nas mesmas condições dos demais participantes.
143. Para propiciar igualdade de condições, o artigo 18 da Lei nº 10.848/04
estabeleceu que a diferença entre o valor do UBP fixado nas licitações realizadas no
antigo regime – pago somente pelos licitantes enquadrados no artigo 17 da Lei nº
10.848/04 – e o “UBP de referência” – pago por todos os licitantes dos leilões de
novos empreendimentos, inclusive os enquadrados no referido artigo 17 – seria
incorporada à receita do gerador enquadrado no artigo 17.
JULIÃO COELHO – ADVOGADO
48
144. No entanto, o artigo 18 da Lei nº 10.848/04 previu uma restrição à
incorporação da diferença entre o UBP decorrente da licitação original e o UBP de
referência.
145. Nos termos do inciso II do artigo 23 do Decreto nº 5.163/04, editado
com fundamento no parágrafo único do artigo 18 da Lei nº 10.848/04, a diferença
entre o UBP decorrente da licitação original e o UBP de referência deverá ser
incorporada à receita do gerador nos CCEAR, mas a soma dessa diferença com o
preço de venda ofertado no leilão não poderá ultrapassar o custo marginal resultante
do processo de licitação, custo esse correspondente ao maior valor da energia
elétrica, expresso em Reais por MWh, entre as propostas vencedoras do certame.
146. Em razão do disposto no artigo 23 do Decreto nº 5.163/04, para
neutralizar o pagamento do UBP relativo à licitação original, ao empreendimento
enquadrado no artigo 17 da Lei nº 10.848/04 não basta propor o menor valor de
venda de energia elétrica. É necessário que a soma desse valor com a diferença
entre o valor do UBP original e o UBP de referência não ultrapasse o maior valor da
energia elétrica dentre as propostas vencedoras do certame.
147. Logo, se houver o aumento do valor anual do UBP original, o lance do
empreendimento enquadrado no artigo 17 da Lei nº 10.848/04, para não esbarrar no
disposto no § 1º do artigo 23 do Decreto nº 5.163/04, terá de ser ainda menor, o que
torna as condições de sua participação ainda mais desfavoráveis em relação aos
demais participantes.
148. É inevitável concluir, portanto, que o aumento do valor anual do UBP
original agrava a restrição estabelecida pelo artigo 18 da Lei nº 10.848/04, ou seja, o
aumento do valor anual diminui a margem para a recuperação do valor de UBP
original, o que acaba por violar o referido artigo 18, pois cria uma restrição por ele
não contemplada.
JULIÃO COELHO – ADVOGADO
49
149. Considerando que o artigo 18 da Lei nº 10.848/04 estabelece que o
empreendimento enquadrado no artigo 17 concorrerá em igualdade de condições
com os demais licitantes, a medida adequada para assegurar a isonomia está
justamente em permitir que o termo final de pagamento de UBP seja deslocado de
maneira a otimizar a possibilidade de neutralização do pagamento do UBP original,
o que se obtém não com o aumento do valor anual, mas sim com a sua diminuição,
capaz de ser viabilizada pela coincidência entre o termo final e o fim de vigência do
CCEAR, o que favorece a neutralização sem alterar o valor total de pagamento do
UBP original.
IV.5. Justificativas apresentadas na Nota Técnica nº 88/2006-
SCG/SEM/SRG/ANEEL
150. Para amparar a medida de manutenção do termo final do pagamento
pelo UBP – com a majoração do respectivo valor anual –, a Nota Técnica nº
88/2006-SCG/SEM/SRG/ANEEL apresenta as seguintes justificativas:
“III.4.4. Da Alteração dos Períodos para Pagamento do UBP 45. Um questionamento importante refere-se à possibilidade de adiar o início de pagamento do UBP para coincidir com o início do período de suprimento dos respectivos CCEARs. Nestes casos, o prazo de carência para o pagamento do UBP ainda não terminou, sendo, portanto, possível ajustar o início do pagamento do UBP ao início do período de receita oriunda do CCEARs. 46. Adicionalmente, importa determinar se tal adiamento seria feito: a) mantendo-se a data final de pagamento do UBP (com conseqüente alteração do valor do pagamento anual para que o montante total da UBP seja mantido constante); ou b) prorrogando-se a data final pelo mesmo tempo que a data inicial (com conseqüente manutenção do valor anual de pagamento do UBP). 47. É nosso entendimento que o caso (a) acima é o mais recomendável, pois tem o benefício de não contaminar o pagamento pelo UBP ao longo do período de prorrogação da concessão. Além disto, ele mantém a data final
JULIÃO COELHO – ADVOGADO
50
de pagamento, conforme estabelecida no contrato de concessão original. Ademais, no caso (b) podemos nos deparar com o caso de pagamento por menos de 30 anos. Ressalta-se que o PV não será agora modificado, com a alteração do valor anual de pagamento do UBP. 48. Neste caso, valor total constante do contrato de concessão não poderá ser alterado, sendo recalculado o valor anual conforme o novo período de pagamento, limitado ao prazo final da concessão original, de acordo com Parecer nº 065/2004-PF/ANEEL, de 23/02/2005.”34
151. Duas são as justificativas apresentadas na referida Nota Técnica, quais
sejam:
(i) a manutenção do termo final do pagamento do UBP original teria o
condão de não contaminar o pagamento pelo UBP no período de prorrogação da
concessão; e
(ii) a manutenção da data final conservaria o estabelecido no contrato
de concessão.
152. A propósito da afirmação de que a manutenção do termo final de
pagamento do UBP teria o condão de (i) evitar a contaminação do período de
prorrogação e (ii) manter a data final estabelecida no contrato de concessão, cumpre
observar, inicialmente, que a prorrogação da concessão não significa a criação de
uma nova concessão, mas apenas a dilação do prazo originalmente previsto para sua
duração 35.
153. Em virtude de a prorrogação não configurar a outorga de uma nova
concessão, não há óbice legal a que o pagamento da obrigação assumida quando da
outorga da concessão estenda-se para o período correspondente à prorrogação.
34 P. 9 da referida Nota Técnica. 35 Conforme consignado pelo Eminente Ministro Moreira Alves na ementa do RE nº 201.634/BA, “prorrogar é estender prazo ainda existente para além de seu termo final” (STF, Primeira Turma, redator p/ acórdão Ministro Moreira Alves, DJ de 17.5.2002, p. 66).
JULIÃO COELHO – ADVOGADO
51
154. Cumpre ter presente que os mesmos dispositivos legais que permitem
o deslocamento do termo inicial de pagamento do UBP servem de fundamento para
o deslocamento do termo final.
155. A circunstância de serem os mesmos os dispositivos que autorizam
tanto o adiamento do início quanto o do término do pagamento do UBP foi
sinalizada na própria Nota Técnica nº 88/2006-SCG/SEM/SRG/ANEEL, que, ao
delimitar as questões a serem abordadas, formulou uma única questão para saber se
poderiam ser alterados o início e o término do pagamento:
“33. As questões a serem abordadas são as seguintes: (i) o início e o término do pagamento do UBP podem ser alterados de forma a respeitar o período de suprimento do CCEAR?”36
156. É certo afirmar, inclusive, que o adiamento do termo final é
indispensável para que (i) não haja diminuição do intervalo de tempo em que se
dará o pagamento e, assim, (ii) não seja majorado o valor anual a ser pago.
157. Nesse ponto, vale recordar que o número de anos em que se efetuará
o pagamento pelo UBP e o valor anual a ser pago são explicitados pelos contratos
de concessão de uso de bem público como elementos da equação econômico-
financeira estabelecida, motivo pelo qual não podem ser alterados unilateralmente.
158. Destarte, ao passo que o adiamento do início do pagamento do UBP é
medida necessária para evitar que seja afetada a equação econômico-financeira do
contrato de concessão e, em observância ao princípio da segurança jurídica, minorar
os efeitos da mudança dos regimes de comercialização de energia e de licitação de
uso de bem público, o deslocamento do termo final, além de encontrar apoio legal
nos mesmos dispositivos que determinam a mudança do marco inicial, é medida
necessária para que a alteração da data de início de pagamento não onere a equação
36 Fl. 6 da referida Nota Técnica.
JULIÃO COELHO – ADVOGADO
52
econômico-financeira de um concessionário já afetado pela mudança de modelo
setorial.
159. No Parecer nº 065/2005-PF/ANEEL, a Procuradoria Federal junto à
ANEEL não afirmou a impossibilidade de adiamento do termo final , mas apenas
advertiu para a necessidade de manutenção do valor total devido pela concessão de
uso de bem público.
160. Não há dúvida, portanto, de que, a hipóteses “a” cogitada na Nota
Técnica nº 88/2006-SCG/SEM/SRG/ANEEL afronta os artigos 58, inciso I e §§ 1º e
2º, e 65, inciso II, alínea “d”, da Lei nº 8.666/93.
V. FUNDAMENTAÇÃO DA RESPOSTA À QUARTA QUESTÃO:
VALOR DO PAGAMENTO DO UBP DEVIDO PELO CONCESSIONÁRIO
EM RAZÃO DA PRORROGAÇÃO DA CONCESSÃO
V.1. Enfrentamento da questão na Nota Técnica nº 88/2006-
SCG/SEM/SRG/ANEEL
161. No enfrentamento da questão de saber qual deve ser o valor do
pagamento do UBP devido pelo concessionário em razão da prorrogação da
concessão, a Nota Técnica nº 88/2006-SCG/SEM/SRG/ANEEL apresentou duas
alternativas – quais sejam, (i) pagamento igual ao do UBP de referência ou (ii)
pagamento igual ao do UBP original do contrato de concessão – e apontou um
argumento em defesa de cada qual:
“41. Um questionamento que demanda resposta refere-se ao critério para cálculo e pagamento do UBP ao longo do período de prorrogação dos contratos de concessão. Duas hipóteses podem ser consideradas: a) o pagamento do UBP ao longo período de prorrogação ( pro UBP ) deve ser igual ao do UBP de referência ( ref UBP ); ou
JULIÃO COELHO – ADVOGADO
53
b) o pagamento do UBP ao longo período de prorrogação deve ser igual ao do UBP original do contrato de concessão ( ori UBP ). 42. A hipótese (a) encontra amparo no argumento de que o pagamento pelo UBP das concessões outorgadas no novo modelo serão baseados na UBP de referência; e a hipótese (b) pode ser defendida pelo fato de que a prorrogação manteria as condições iniciais previstas no edital e no contrato de concessão.”37
162. Em seguida, foram declinadas razões contrárias à primeira alternativa
e, ao final, foi recomendado o pagamento do valor correspondente ao período
original da concessão:
“43. Como esses empreendimentos têm direito ao diferencial de UBP acrescido à receita dos CCEARs, caso seja adotado o valor de UBP de referência no período de prorrogação, o empreendedor auferirá uma vantagem econômica na medida que haverá redução de encargo de UBP, sem a correspondente redução da receita dos CCEARs. Isto pode ser encarado como uma alteração na condição de participação do empreendedor no leilão. Uma medida complementar seria reduzir a receita dos CCEARs ao longo do período de prorrogação. O preço da energia constante do CCEAR corresponde ao preço de lance adicionado do diferencial de UBP. A razão de ser do diferencial é a compensação feita ao concessionário que paga a título de UBP o valor pactuado na licitação original. Dessa forma, se no período de prorrogação passasse a cobrar o UBP de referência ao invés do UBP original, não há sentido em se acrescentar o diferencial de UBP ao preço de lance. Com efeito, o CCEAR passaria a vigorar com a seguinte estrutura de preços: durante o prazo original da concessão, preço de venda, composto pelo preço de lance acrescido do diferencial de UBP; durante a prorrogação, preço de venda igual ao preço de lance. Novamente, tal procedimento pode ser interpretado como modificação das condições de participação do empreendedor no leilão. 44. Nesse contexto, recomenda-se que o pagamento pelo UBP no período correspondente à prorrogação do prazo de concessão, nos termos do Decreto nº 5.911, de 2006, seja ao da UBPoriginal .”38
V.2. Os dois períodos da concessão de uso de bem público
163. Antes de examinar as razões declinadas pela ANEEL para
recomendar o pagamento do “UBP original”, cumpre examinar as normas que
37 Fl. 8 da referida Nota Técnica. 38 Fls. 8 e 9 da referida Nota Técnica.
JULIÃO COELHO – ADVOGADO
54
regem cada um dos períodos da concessão, quais sejam, o período relativo ao prazo
de duração originalmente previsto e o lapso atinente à prorrogação da concessão.
164. Consoante já salientado, a prorrogação do contrato de uso de bem
público não significa a instituição de uma nova concessão, mas apenas a dilação do
prazo de duração originalmente previsto para a concessão.
165. Embora não haja uma nova concessão, é possível dividir a concessão
em dois períodos:
(i) o primeiro correspondente ao prazo originalmente previsto para
durar a concessão; e
(ii) o segundo, o qual decorre da prorrogação, correspondente ao
intervalo de tempo entre o final do prazo de duração da concessão originalmente
previsto e o final do período de suprimento do CCEAR.
V.2.1. O valor do pagamento do UBP relativo a cada período da concessão
166. O primeiro período da concessão decorre de uma licitação cujo
critério de seleção foi o maior valor de pagamento oferecido pelo UBP.
167. Para ter direito àquele primeiro período de concessão, o
concessionário formulou uma proposta de pagamento pelo UBP.
168. Logo, o valor do pagamento do UBP pelo período de duração original
da concessão está atrelado ao lance apresentado em licitação e tem como base legal
os artigos 15, II, da Lei nº 8.987/95 e 4º da Lei nº 9.074/9539 , que previram a
39 Vale reproduzir, uma vez mais, a redação desses dispositivos:
“Art. 15. No julgamento da licitação será considerado um dos seguintes critérios: [...]
II - a maior oferta, nos casos de pagamento ao poder concedente pela outorga da concessão; [...]”
JULIÃO COELHO – ADVOGADO
55
possibilidade de as licitações de uso de bem público terem como critério a maior
oferta de pagamento pela outorga da concessão.
169. Já o segundo período decorre (i) de uma licitação, na modalidade de
leilão, cujo critério de seleção é o menor valor de venda da energia proveniente do
empreendimento e (ii) do disposto no Decreto nº 5.199/06, que confere a
determinados concessionários de uso de bem público o direito à prorrogação do
contrato de concessão.
170. Cumpre ter presente que o valor do pagamento do UBP relativo aos
leilões de energia é fixado pelo Poder Concedente, conforme previsto pelo artigo 20,
inciso IX, do Decreto nº 5.163/04:
“Art. 20. Os editais dos leilões previstos no art. 19 serão elaborados pela ANEEL, observadas as normas gerais de licitações e de concessões e as diretrizes do Ministério de Minas e Energia, e conterão, no que couber, o seguinte: [...] IX - valor anual do pagamento pelo Uso do Bem Público - UBP, a ser definido pelo poder concedente; [...]”
171. Com efeito, o valor de referência do UBP motivado pela participação
nos leilões de novos empreendimentos é fixado pelo Poder Concedente e tem base
legal no artigo 20, inciso IX, do Decreto nº 5.163/04.
V.3. Pagamento do UBP de referência pelo período correspondente à
prorrogação
172. Em virtude de o segundo período da concessão decorrer da venda de
energia no leilão, o valor do pagamento do UBP deve ser o associado ao leilão, e
“Art. 4º As concessões, permissões e autorizações de exploração de serviços e instalações de energia elétrica e de aproveitamento energético dos cursos de água serão contratadas, prorrogadas ou outorgadas nos termos desta e da Lei nº 8.987, e das demais.”
JULIÃO COELHO – ADVOGADO
56
não aquele relativo à licitação em que restou definido o primeiro período da
concessão.
173. Para o primeiro período da concessão, o concessionário se propôs a
pagar um determinado valor, por ele mesmo definido, a título do UBP. Para o
segundo período da concessão, o concessionário não se propôs a pagar – e nem a
legislação exige que ele se proponha a pagar – um valor correspondente ao fixado
para o primeiro período da concessão.
174. A obrigação de pagamento do UBP com base no valor originalmente
fixado no contrato de concessão é devida pelo primeiro período da concessão. Para
o segundo período, resultante da venda de energia nos leilões de novos
empreendimentos, não há base legal para exigir-se pagamento que reflita os valores
despendidos no primeiro período.
175. À venda de energia nos leilões de energia proveniente de novos
empreendimentos, a legislação associa, isto sim, o valor de referência do UBP, e
não um valor que possua relação com aqueles valores fixados nas licitações
realizadas antes do advento da Lei nº 10.848/04.
176. A própria Lei nº 10.848/04, em seu artigo 18, inciso II, revela que os
empreendimentos enquadrados no seu artigo 17 pagarão, em razão da venda de
energia nos leilões de novos empreendimentos, o UBP de referência:
“Art. 18. Observado o disposto no art. 17, na licitação prevista no inciso II do § 5o do art. 2o desta Lei, a oferta de energia proveniente de empreendimentos em cuja licitação tenha sido observado o critério do pagamento de máximo Uso de Bem Público - UBP terá o seguinte tratamento: I – concorrerá nas mesmas condições dos demais participantes do certame, inclusive quanto ao valor de referência do UBP, relativo ao empreendimento licitado, a ser definido pelo Poder Concedente;
JULIÃO COELHO – ADVOGADO
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II – a diferença entre o UBP efetivamente pago, resultante da licitação original, da qual resultou a concessão ou autorização dos empreendimentos de que trata o caput deste artigo, e o UBP de referência, referido no inciso I deste artigo, deverá ser incorporada à receita do gerador.”
177. É certo que, enquanto estiver, a um só tempo, vendendo energia via
CCEAR e pagando pelo direito de usar o bem público pelo prazo – normalmente, 35
(trinta e cinco) anos – originalmente previsto no contrato de concessão, o
concessionário pagará tanto o valor original do UBP quanto o valor de referência do
UBP.
178. Ocorre que, finda a obrigação de pagamento (i) assumida no
momento da formulação do lance na licitação original e (ii) formalizada no
momento da celebração do contrato de concessão, deixa de haver base legal para o
prosseguimento dessa obrigação.
V.4. Prorrogação efetivada com base no contrato de concessão e prorrogação
efetivada com base no Decreto nº 5.199/06
V.4.1. A prorrogação prevista nos contratos de concessão
179. Poderia ser defendida a existência de base legal para o
prosseguimento do pagamento do valor do UBP originalmente previsto caso a
prorrogação ocorresse com base em dispositivo do próprio contrato de concessão.
180. Os contratos de concessão de uso de bem público contêm cláusulas-
padrão sobre a possibilidade de prorrogação, as quais se encontram vazadas nos
seguintes termos:
“Cláusula Segunda – Prazo da Concessão e do Contrato Subcláusula Primeira - O prazo da concessão poderá ser prorrogado, com base nos relatórios técnicos específicos preparados pela fiscalização da ANEEL, nas condições que forem estabelecidas, a critério da ANEEL,
JULIÃO COELHO – ADVOGADO
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mediante requerimento das Concessionárias, desde que a exploração do Aproveitamento Hidrelétrico esteja nas condições estabelecidas neste Contrato, na legislação do setor, e atenda aos interesses dos consumidores. Subcláusula Segunda - O requerimento de prorrogação deverá ser apresentado até 36 (trinta e seis) meses antes do término do prazo deste Contrato, acompanhado dos comprovantes de regularidade e adimplemento das obrigações fiscais, previdenciárias e dos compromissos e encargos assumidos com os órgãos da Administração Pública, referentes à exploração de energia elétrica, inclusive o pagamento de que trata o § 1º do art. 20 da Constituição Federal, bem como de quaisquer outros encargos previstos nas normas legais e regulamentares então vigentes. Subcláusula Terceira - A ANEEL manifestar-se-á sobre o requerimento de prorrogação até o 18º (décimo oitavo) mês anterior ao término do prazo da concessão. Na análise do pedido da prorrogação, a ANEEL levará em consideração todas as informações sobre a exploração do Aproveitamento Hidrelétrico, devendo aprovar ou rejeitar o pleito dentro do prazo anteriormente previsto. O deferimento do pedido levará em consideração o cumprimento dos requisitos de exploração adequada, por parte das Concessionárias, conforme relatórios técnicos fundamentados, emitidos pela fiscalização da ANEEL.”40
181. Também prevêem que o concessionário pagará a título de UBP,
“enquanto estiver na exploração do Aproveitamento Hidrelétrico, parcelas
mensais equivalentes a 1/12 (um doze avos) do pagamento anual proposto”.
182. Considerando que os contratos prevêem que a concessão poderá ser
prorrogada nas condições que forem estabelecidas a critério da ANEEL e que o
concessionário pagará “parcelas mensais equivalentes a 1/12 (um doze avos) do
pagamento anual proposto” enquanto estiver na exploração do empreendimento,
poder-se-ia sustentar que a ANEEL, para as prorrogações realizadas com base na
previsão veiculada pelos próprios contratos, poderia fixar um valor de pagamento
do UBP que refletisse o valor pago pelo período originalmente previsto para a
duração da concessão.
40 Destaques do original; grifos daqui.
JULIÃO COELHO – ADVOGADO
59
183. No entanto, essas disposições dos contratos de concessão foram
previstas, no modelo legislativo setorial anterior, paras as hipóteses de prorrogação
efetivada com base nos próprios contratos de concessão.
184. É necessário ter presente que a prorrogação prevista nos contratos de
concessão observa rito específico, marcado pelas seguintes características:
(i) “o prazo da concessão poderá ser prorrogado”, ou seja, a
prorrogação é admitida, mas não chega a constituir um direito do concessionário,
pois a ANEEL tem a prerrogativa de “aprovar ou rejeitar o pleito” do interessado;
(ii) o requerimento de prorrogação deve ser apresentado até 36 (trinta
e seis) meses antes do término do prazo; e
(iii) “a ANEEL manifestar-se-á sobre o requerimento de prorrogação
até o 18º (décimo oitavo) mês anterior ao término do prazo da concessão”.
V.4.2. A prorrogação prevista pelo Decreto nº 5.911/06
185. Por sua vez, a prorrogação estabelecida no Decreto nº 5.911/06 segue
procedimento distinto do previsto no contrato de concessão e tem características
também distintas daquela prorrogação prevista no contrato de concessão.
186. A primeira distinção refere-se aos requisitos a serem preenchidos para
a prorrogação fundada no Decreto, os quais não são exigidos para a prorrogação
efetivada com base no contrato.
187. Com efeito, a prorrogação prevista no Decreto nº 5.911/06 depende
(i) do enquadramento do concessionário no artigo 17 da Lei nº 10.848/04 e (ii) da
celebração de CCEAR decorrente dos leilões de compra de energia proveniente de
novos empreendimentos de geração promovidos nos anos de 2005 a 2007. Tais
requisitos não são exigidos para a prorrogação fundada no contrato de concessão.
JULIÃO COELHO – ADVOGADO
60
188. A segunda distinção reside na discricionariedade quanto ao
deferimento do pleito.
189. Na prorrogação efetivada com fulcro no Decreto n° 5.911/06,
preenchidos os requisitos, o concessionário tem direito à prorrogação, pois, de
acordo com o disposto no § 1º do artigo 3º do Decreto em referência, “a ANEEL
deverá promover o aditamento dos contratos de que trata o caput no prazo de até
noventa dias após a solicitação do agente”.
190. Vale dizer, na prorrogação fundada no Decreto n° 5.911/06,
preenchidos os requisitos, a ANEEL não tem discricionariedade para indeferir o
pleito, ao passo que, na prorrogação efetuada com base no contrato de concessão, a
ANEEL possui discricionariedade no acatamento do pleito.
191. Há, ainda, outras distinções. O prazo para o concessionário formular o
pedido de prorrogação com fundamento no Decreto em exame é de noventa dias
após a celebração do CCEAR ou, caso o CCEAR decorra de leilão promovido em
2005, de noventa dias após a publicação do próprio Decreto, conforme previsto nos
seus artigos 3º e 4º.
192. Deve, ainda, ser observada uma condição não exigível do
concessionário cuja prorrogação da concessão é feita com base no contrato, qual
seja, destinação pelo empreendimento de, no mínimo, sessenta por cento da
respectiva energia assegurada para o ACR, conforme previsto no artigo 3º, § 2º,
inciso I, alínea “a”, do Decreto nº 5.911/06.
193. Em face desse cenário, verifica-se que o próprio Decreto nº 5.911/06
cuidou de (i) prever as condições e os requisitos a serem observados para a
prorrogação por ele prevista, bem como (ii) determinar que a ANEEL promova os
aditamentos, sem conferir à agência reguladora a prerrogativa de fixar, pela
JULIÃO COELHO – ADVOGADO
61
prorrogação que está associada à venda de energia nos leilões de novos
empreendimentos – para os quais a Lei nº 10.848/04 estabeleceu que será pago o
UBP de referência –, valor de UBP que reflita o valor fixado para o primeiro
período da concessão.
194. Em reforço a essa conclusão, vale registrar que, por um período da
concessão relacionado à participação em leilão de novos empreendimentos, não
pode ser cobrado valor de UBP fixado nos moldes das regras previstas no regime de
licitação anterior à Lei nº 10.848/04, sob pena de se estabelecer uma confusão entre
distintos marcos regulatórios.
V.5. Razões apontadas pela ANEEL para que não fosse utilizado o valor de
UBP de referência
195. Para descartar a hipótese segundo a qual “o pagamento do UBP ao
longo do período de prorrogação (pro UBP) deve ser igual ao do UBP de
referência (ref UBP)”, a Nota Técnica nº 88/2006-SCG/SEM/SRG/ANEEL
apresenta, primeiro, o argumento de que, “caso seja adotado o valor de UBP de
referência no período de prorrogação, o empreendedor auferirá uma vantagem
econômica na medida que haverá redução de encargo de UBP, sem a
correspondente redução da receita dos CCEARs”.
196. Em seguida, a Nota Técnica nº 88/2006-SCG/SEM/SRG/ANEEL,
após aventar a possibilidade de o preço de venda equivaler ao preço de lance – sem
o diferencial do UBP – quando findar o pagamento original do UBP, afasta essa
possibilidade ao argumento de que “tal procedimento pode ser interpretado como
modificação das condições de participação do empreendedor no leilão”.
197. A conseqüência de o fim do pagamento original do UBP implicar
vantagem econômica não existe, pois não haverá redução de encargo de UBP sem a
correspondente redução de receita do CCEAR. De fato, finda a obrigação de
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pagamento do UBP originalmente previsto no contrato de concessão, deixa de
existir a diferença a ser incorporada à receita do gerador, vale dizer, deixa de haver
fundamento para que a diferença de UBP seja somada ao preço de lance formulado
no leilão. É o que deflui expressamente do disposto no artigo 18, inciso II, da Lei nº
10.848/04:
“Art. 18. Observado o disposto no art. 17, na licitação prevista no inciso II do § 5o do art. 2o desta Lei, a oferta de energia proveniente de empreendimentos em cuja licitação tenha sido observado o critério do pagamento de máximo Uso de Bem Público - UBP terá o seguinte tratamento: I – concorrerá nas mesmas condições dos demais participantes do certame, inclusive quanto ao valor de referência do UBP, relativo ao empreendimento licitado, a ser definido pelo Poder Concedente; II – a diferença entre o UBP efetivamente pago, resultante da licitação original, da qual resultou a concessão ou autorização dos empreendimentos de que trata o caput deste artigo, e o UBP de referência, referido no inciso I deste artigo, deverá ser incorporada à receita do gerador.”
198. Ante o artigo 18, inciso II, da Lei nº 10.848/04, verifica-se também
não haver espaço para que a redução do preço de venda para o valor do preço de
lance, quando findar o pagamento original do UBP, seja interpretada “como
modificação das condições de participação do empreendedor no leilão”.
199. O critério de seleção nos leilões de novos empreendimentos reside no
preço de lance, o qual, salvo atualizações monetárias, não muda caso finde a
obrigação de pagamento original do UBP. Muda, apenas, o preço de venda, que
passa a corresponder ao preço de lance quando finalizada a referida obrigação.
200. Caso houvesse a redução do preço de lance, seria alterada uma
condição de participação no leilão, pois haveria alteração do elemento alçado à
posição de critério de seleção na licitação.
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201. Ocorre que a redução do preço de venda no curso da execução do
CCEAR não constitui modificação nas condições de participação do empreendedor,
eis que decorre da normal observância do dispositivo legal que fixou uma condição
de participação específica para os empreendimentos enquadrados no artigo 17 da
Lei nº 10.848/04.
202. De acordo com o disposto no artigo 18, inciso II, da Lei nº 10.848/04,
o empreendimento em cuja licitação tenha sido observado o critério do pagamento
máximo pelo UBP, para concorrer nas mesmas condições dos demais participantes
do certame, incorporará à sua receita a diferença entre o valor de UBP resultante da
licitação original e o UBP de referência.
203. Nos leilões de novos empreendimentos, essa é, pois, uma das
condições de participação do empreendimento em cuja licitação tenha sido
observado o critério do pagamento máximo pelo UBP: a incorporação, à sua receita,
da diferença entre o valor de UBP resultante da licitação original e o UBP de
referência.
204. Essa condição seria modificada caso a diferença não fosse
incorporada à receita do gerador ou caso o preço de venda refletisse uma diferença
inexistente, ou seja, haveria modificação de condição de participação caso a regra
constante do artigo 18, inciso II, da Lei nº 10.848/04 não fosse devidamente
observada, seja em benefício ou em prejuízo do empreendedor.
205. Deixando de haver diferença de UBP, a circunstância de o preço de
venda passar a corresponder ao preço de lance não significa inobservância da regra
prevista no artigo 18, inciso II, Lei nº 10.848/04, mas, ao contrário, significa a sua
exata observância.
206. A incidência dessa regra pressupõe a existência de diferença de UBP.
Sem essa diferença, a regra não incide. Sua observância está, portanto, justamente
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em (i) aplicá-la quando verificada sua hipótese de incidência e (ii) não a aplicar a
hipóteses por ela não contempladas.
207. Considerando que o artigo 18, inciso II, da Lei nº 10.848/04 fixa uma
condição de participação, não há como vislumbrar modificação nessa condição de
participação caso a redução de receita do CCEAR corresponda à redução de
encargo de UBP, pois tal situação refletirá a devida observância do aludido
dispositivo de lei que fixa a específica condição de participação.
208. Cumpre observar, ainda, que o deslocamento do termo final do
pagamento do UBP original para o fim do CCEAR, além de guardar consonância
com o princípio da isonomia, encartado no artigo 18 da Lei nº 10.848/04, evita que
haja diminuição ou eliminação do UBP original, o que afastaria a necessidade de
redução do preço de venda. Não obstante, caso essa redução seja necessária, não
haverá óbice legal à sua implementação.
VI. CONCLUSÃO
209. Ao cabo de todo o exposto, alcançam-se as seguintes conclusões:
(i) em razão de a Lei nº 10.848/04 e o Decreto nº 5.163/04
caracterizarem o ACR a partir dos destinatários da energia nele comercializada, e
não a partir do procedimento utilizado para a comercialização, “destinar energia ao
ACR” significa vender energia aos agentes de distribuição;
(ii) ao indicar as operações de compra e venda de energia elétrica que
devem ser consideradas como realizadas no ACR, o artigo 1º, § 2º, inciso I, do
Decreto nº 5.163/04 alude às operações para cuja realização a lei dispensa o agente
de distribuição de realizar licitação, entre as quais se inclui a compra de energia
mediante contratos bilaterais celebrados antes do advento da Lei nº 10.848/04;
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(iii) a prevalecer o entendimento de que a aquisição do direito à
prorrogação está condicionada a que 60% (sessenta por cento) da energia
proveniente do empreendimento tenha sido ou venha a ser comercializada via
CCEAR, o disposto no artigo 2º do Decreto nº 5.163/04 seria absolutamente inócuo,
pois o requisito por ele estabelecido – mera celebração de CCEAR, sem menção ao
volume de energia comercializada – estaria contido no artigo 3º, § 2º, inciso I,
alínea “a” do mesmo Decreto;
(iv) considerando que o Decreto nº 5.911/06, em seu artigo 2º, faz
menção à celebração de CCEAR e, no seu artigo 3º, § 2º, inciso I, alínea “a”, faz
alusão à destinação de energia ao ACR, entender que destinar energia ao ACR é
sinônimo de vender energia mediante CCEAR implicaria uniformizar o que o
Decreto nº 5.911/06 explicitamente distinguiu;
(v) caso prevaleça o entendimento de que destinar energia ao ACR
significa comercializar energia via CCEAR, a energia vendida às distribuidoras
antes do advento da Lei nº 10.848/04 não poderá ser classificada nem como energia
destinada ao ACR nem como energia destinada ao ACL;
(vi) o entendimento de que a energia contratada pelos agentes de
distribuição antes da Lei nº 10.848/04 deve ser considerada energia destinada ao
ACR preserva a utilidade do disposto no artigo 2º do Decreto nº 5.911/06;
(vii) o entendimento de que destinar energia ao ACR significa vender
energia para agentes de distribuição também é mais condizente com a circunstância
de ser uma obrigação contratual, e não um requisito para a prorrogação da
concessão, “a destinação pelo empreendimento de, no mínimo, sessenta por cento
da respectiva energia assegurada para o Ambiente de Contratação Regulada”;
(viii) o adiamento do início do pagamento do UBP é medida destinada
à redução dos efeitos que a instituição de um novo regime legislativo provoca sobre
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os empreendimentos de características descritas no artigo 17 da Lei nº 10.848/04,
bem como a permitir que o custo relativo ao pagamento do UBP seja verificado
somente a partir do momento em que o concessionário tiver receita proveniente dos
CCEARs, os quais, em razão do volume de energia de que necessitam os agentes de
distribuição, tendem a ser a mais significativa fonte de receita dos geradores de
energia;
(ix) o adiamento do início do pagamento pelo UBP é medida
reclamada pelo princípio da segurança jurídica e pelo disposto nos artigos 58, inciso
I e §§ 1º e 2º, e 65, inciso II, alínea “d”, da Lei nº 8.666/93;
(x) a redução do intervalo de tempo em que se dará o pagamento e o
conseqüente aumento do valor anual pago pelo uso do bem público representam
modificações nos elementos explícitos da equação econômico-financeira dos
contratos de concessão de uso de bem público, os quais não podem ser alterados
unilateralmente;
(xi) a modificação do intervalo de tempo em que se dará o pagamento
pelo UBP e do valor anual de pagamento, por afetar o fluxo de caixa do
empreendimento, perturbará, em conseqüência, a equação econômico-financeira do
contrato de concessão, o que, de acordo com o disposto no artigo 58, § 1º, da Lei nº
8.666/93, não pode ser feito sem a prévia concordância do concessionário;
(xii) o aumento do valor anual de pagamento do UBP torna ainda mais
anti-isonômica a participação dos empreendimentos em tela no leilão de novos
empreendimentos e diminui a margem para a recuperação do valor de UBP original,
o que acaba por violar o artigo 18 da Lei nº 10.848/04, pois cria uma restrição por
ele não contemplada;
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(xiii) não há óbice legal a que o pagamento de uma obrigação
assumida quando da outorga da concessão estenda-se para o período correspondente
à prorrogação;
(xiv) os mesmos dispositivos legais que permitem o deslocamento do
termo inicial de pagamento do UBP servem de fundamento para o deslocamento do
termo final;
(xv) ao passo que o adiamento do início do pagamento do UBP é
medida necessária para evitar que seja afetada a equação econômico-financeira do
contrato de concessão e, em observância ao princípio da segurança jurídica, minorar
os efeitos da mudança dos regimes de comercialização de energia e de licitação de
uso de bem público, o deslocamento do termo final, além de encontrar apoio legal
nos mesmos dispositivos que determinam a mudança do marco inicial, é medida
necessária para que a alteração da data de início de pagamento não perturbe a
equação econômico-financeira do contrato de concessão de concessionário já
afetado pela mudança de regime;
(xvi) em virtude de o segundo período da concessão decorrer da venda
de energia no leilão, o valor do pagamento do UBP deve ser o associado ao leilão, e
não aquele relativo à licitação em que restou definido o primeiro período da
concessão;
(xvii) para o segundo período da concessão, resultante da venda de
energia nos leilões de novos empreendimentos, não há base legal para exigir-se
pagamento que reflita os valores despendidos no primeiro período;
(xviii) finda a obrigação de pagamento assumida no momento da
formulação do lance na licitação original e formalizada no momento da celebração
do contrato de concessão, deixa de haver base legal para o prosseguimento dessa
obrigação;
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(xix) o próprio Decreto nº 5.911/06 cuidou de prever as condições e os
requisitos a serem observados para a prorrogação por ele prevista, bem como
determinar que a ANEEL promova os aditamentos, sem conferir à agência
reguladora a prerrogativa de fixar, pela prorrogação que está associada à venda de
energia nos leilões de novos empreendimentos – para os quais a Lei nº 10.848/04
estabeleceu que será pago o UBP de referência –, valor de UBP que reflita o valor
fixado para o primeiro período da concessão;
(xx) por um período da concessão relacionado à participação em leilão
de novos empreendimentos, não pode ser cobrado valor de UBP fixado nos moldes
das regras previstas no regime de licitação anterior à Lei nº 10.848/04, sob pena de
se estabelecer uma confusão entre distintos marcos regulatórios;
(xxi) findando a obrigação de pagamento do UBP original e, em
conseqüência, deixando de haver diferença entre o valor original e o valor de
referência do UBP, a circunstância de o preço de venda passar a corresponder ao
preço de lance não significa inobservância da regra prevista no artigo 18, inciso II,
Lei nº 10.848/04, mas, ao contrário, significa a sua exata observância; e
(xxii) em virtude de o artigo 18, inciso II, da Lei nº 10.848/04 fixar
uma condição de participação, não há como vislumbrar modificação nessa condição
caso a redução de receita do CCEAR corresponda à redução de encargo de UBP,
pois tal situação refletirá a devida observância do aludido dispositivo de lei que fixa
a específica condição de participação.
É o parecer, s.m.j.
Brasília, 15 de janeiro de 2007.
Julião Silveira Coelho
OAB/DF nº 17.202