Download - Trab Dissert Roberta Barboza
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ PÓS-GRADUAÇÃO EM BIOLOGIA AMBIENTAL
INTERFACE CONHECIMENTO TRADICIONAL-CONHECIMENTO CIENTÍFICO: UM OLHAR INTERDISCIPLINAR DA ETNOBIOLOGIA NA
PESCA ARTESANAL EM AJURUTEUA, BRAGANÇA-PARÁ.
ROBERTA SÁ LEITÃO BARBOZA
Bragança 2006
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ PÓS-GRADUAÇÃO EM BIOLOGIA AMBIENTAL
INTERFACE CONHECIMENTO TRADICIONAL-CONHECIMENTO CIENTÍFICO: UM OLHAR INTERDISCIPLINAR DA ETNOBIOLOGIA NA PESCA ARTESANAL
EM AJURUTEUA, BRAGANÇA-PARÁ.
Dissertação apresentada a Universidade Federal do Pará, Campus de Bragança, pós-graduação em Ecologia de Ecossistemas Costeiros e Estuarinos.
Aluna: Roberta Sá Leitão Barboza
Orientadora: Profª. Drª. Maria Cristina Maneschy
Co-Orientador: Prof. Dr. Juarez Carlos Brito Pezzuti
Bragança 2006
BANCA EXAMINADORA DATA DA DEFESA 17/06/2006
Prof. Dr. Juarez Carlos Brito Pezzuti Universidade Federal do Pará Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA)
Prf. Dr. Eraldo Medeiros Costa Neto Universidade Estadual de Feira de Santana Departamento de Ciências Biológicas
Prof. Drª. Victoria Judith Isaac Nahum Universidade Federal do Pará Centro de Ciências Biológicas
Prof. Drª. Flavia Lucena Frédou Universidade Federal do Pará Centro de Geociências
Prof. Dr. Keid Nolan Silva Sousa Universidade Federal do Pará Colegiado de Engenharia de Pesca do Campus de Bragança
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“A 15 metros do arco-íris o sol é cheiroso. Nas brisas vem sempre um silêncio de garças. Mais alto que o escuro é o rumor dos peixes.
Uma árvore bem gorjeada, com poucos segundos, passa a fazer parte dos pássaros que a gorjeiam.
Todas estas informações têm uma soberba desimportância científica - como andar de costas“.
Manoel de Barros
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Esta dissertação é dedicada aos pescadores artesanais de
Ajuruteua, a minha mana miroca e aos meus queridos painho e
mainha.
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AGRADECIMENTOS
Aos pescadores e moradores de Ajuruteua pelos dias especiais de convívio ao longo de todo o desenvolvimento da pesquisa, principalmente aos entrevistados por toda paciência comigo e verdadeiras aulas de ecologia! Ao Instituto Internacional de Educação do Brasil (IIEB), pelo auxílio concedido, através do programa BECA, em especial a Henyo, Janilda e Nurit. Á Fundação Gordon e Betty Moore, pelo financiamento junto ao IIEB. Á Coordenação de aperfeiçoamento de pessoal de nível superior (CAPES), pela bolsa de mestrado concedida. Á Universidade Federal do Pará pela oportunidade de participar do mestrado. Aos cidadãos brasileiros, pela oportunidade de estudar em uma Universidade pública. Á professora Cristina Maneschy, por ter aceitado a orientação no mestrado. Ao amigo Juca, por toda confiança, ajuda, orientação e amizade conquistada. Ao amigo Robertão, por toda ajuda com a identificação dos peixes. Á professora Zélia por toda preocupação e empenho. Ao amigo e professor Soutinho por todo empenho nas análises estatísticas e serviço de pronta entrega de encomendas direto de Recife. Ao professor Collin por toda dedicação e ajuda na identificação dos moluscos. Ao amigo e professor Marquinhos pelas olhadinhas nos dados e sugestões de análises estatísticas. Ao professor Pedro Walfir e a Francisco Ribeiro pela confecção dos mapas no arcview. Á professora e querida amiga Sigrid Leitão pelas conversas e preocupação com o trabalho. À professora Victoria Isaac pelas sugestões na qualificação e empenho em participar da banca. Ao professor Eraldo Neto por toda atenção e vontade de marcar presença na banca. À professora Flávia Frédou pelo interesse em ser membro da banca e ricas sugestões. Ao professor Keid Sousa por ter aceitado participar da banca e pelas dicas valiosas. Á pesquisadora Luciana Matos pelas orientações via e-mail. Ao pesquisador Tommazo pelas sugestões e conversas etnoictiológicas. A Seu Purisso por toda animação e alegria de nos ajudar! Ao pesquisador Ulf Meling por não medir esforços em arranjar um transporte até Ajuruteua. Aos biólogos Elmary Fraga e Simone Santos pelo material bibliográfico fornecido. Ao pesquisador Paulinho pela ajuda a escolher a área de estudo. Á pesquisadora Marcilene pelas informações sociais sobre Ajuruteua e pela amizade. A Vanda pela confecção do banco de dados. Ao artista Hugo Peres pelo desenho do mapa. Aos etnobiólogos Geraldo Marques, Angelo Chaves, Jussara Dias, Guy Nishida e Ulisses Albuquerque por toda ajuda virtual no fornecimento de artigos. A Christie Lucas e Seu Augusto pela “olhadinha no abstract”. Aos amigos queridos, Zeca, Ângela, Jonatan e Júlia, pelo carinho recebido de uma verdadeira família praiana. Ao amigo Joel e toda sua família pelo acolhimento em sua casa nas tardes quentes de Ajuruteua. A Helena do Bonifácio e seus filhos por toda atenção e acolhida. Aos queridos Vitor e Paulo pelo companheirismo nas andadas em Ajuruteua A Angélica e família por todo carinho e conversas amigáveis.
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A Jonatan, Jaime e Anderson (pescador parrudo) por todo apoio na coleta dos peixes e amizade. Ao padre Nelson por toda atenção. Aos professores, alunos, mães, à secretária e ao diretor da escola do Bonifácio e da escolinha da vila dos Pescadores pela oportunidade de retribuir todo carinho recebido nas vilas por meio de atividades lúdico-educativas. Aos funcionários do posto de saúde do Bonifácio pelas informações nos cadastros de saúde. Ao pastor do Bonifácio pela reunião na Igreja. A liga extraordinária do mestrado pela convivência animada com menas-menas (Luciano), porque a vida está escafoda (Soraya): B1 e B2, Piolho, Alfaia, Dayane, Nadir, Clebson, Norma, Denis, Elaine, Eduardo, Tubão. A ala dos casais Marivana e Valcir, Cesito e Vivi. Cida, Fernanda, Rosivan, Giovany (Oxaia) e Nelane pelo apoio nas atividades desenvolvidas em Ajuruteua. Kely COB e Felipe pela convivência festiva em nosso lar. Danizinha, Dani Doida, Andréa e Sergio pelas palhaçadas que ‘desestressavam’ qualquer um. As irmãs do coração pela convivência pai d’égua em nossas casitas: Nessinha e Lilica. Junior (vizinho) e seu irmão pela inocência de criança e distrações promovidas nas tardes em que não agüentava mais ver um computador. Francinete pelos cuidados de “babá”. A dona Célia pelo dengo de mãe. A galerinha da ‘informática’ que me emprestou seus computadores nas diversas vezes que o pc de miroca quebrava: Buchuchu (anormal), Dieguito, Dani e Juquinha. E a quase tentativa de empréstimo do laptop de Zé Cangaia (Ary). A Rossano pelos artigos e conversas sobre etnobiologia. Peruquinha pela valiosa ajuda nas entrevistas e no mapa, além do carinho de cunhadinho. A Renatinha, tio Jorge, Tia Neusa e Lino por terem me adotado com muito carinho. A minha mais nova família, Reis do Nascimento, pelo carinho em me receberem na patota. A dani, minha cunhadinha predileta, e Ronaldinho pelos cuidados fornecidos. Marinona e Clari pelo esforço em me ajudarem no abstract e carinho dedicado. Marininha pela atenção e artigos Carol mineira pela leitura da conclusão e convivência. Toda família Barboza e Sá Leitão pelos animados encontros e aconchego. Solange minha irmã mais velha e babá forever. Mainha e Painho por serem tão fofos e especiais para mim. Meus manos, o gordo e o magro, pelo companheirismo, risadas e alegria em Recife. Minha alma gêmula por ter agüentado minhas crises nervosas e me incentivado nos momentos mais difíceis. Meu chico tripa por todo companheirismo, meiguice e alegria que tornam minha vida no Pará ainda mais felizes. Enfim, a todos amigos conquistados em Bragança da Universidade, Movimento dos Pescadores, Marujada e cidadãos bragantinos, pela vida maravilhosa que vivi nesta cidade.
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SUMÁRIO Introdução Geral
pág. 1
Resumo 2 Abstract 3 Referências Bibliográficas
8
Capítulo 1- “Sardina é a farinha dos peixes”: Estudo etnoictiológico sobre a alimentação de peixes segundo os pescadores artesanais do nordeste paraense.
12
Resumo/Abstract 13 1.1. Introdução 14 1.2. Descrição da área de estudo 16 1.3. Metodologia 18 1.4. Resultados e Discussão 21 1.5. Conclusões 41 1.6. Referências Bibliográficas
42
Capítulo 2- Etnoictiologia dos pescadores artesanais de Ajuruteua (PA): aspectos relacionados a etologia, usos de hábitat, migração e reprodução de peixes da família Sciaenidae.
49
Resumo/Abstract 50 2.1. Introdução 51 2.2. Descrição da área de estudo 52 2.3. Metodologia 54 2.4. Resultados e Discussão 57 2.5. Conclusões 70 2.6. Referências Bibliográficas
72
Capítulo 3- Zooterapia, preferências e tabus alimentares entre pescadores artesanais do litoral paraense.
79
Resumo/Abstract 80 3.1. Introdução 81 3.2. Descrição da área de estudo 83 3.3. Metodologia 86 3.4. Resultados e Discussão 87 3.5. Conclusões 103 3.6. Referências Bibliográficas
104
Considerações Finais 108 Apêndice 109
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LISTA DE FIGURAS Capítulo 1- “Sardina é a farinha dos peixes”: Estudo etnoictiológico sobre a alimentação de peixes segundo os pescadores artesanais do nordeste paraense.
pág.
Figura 1-Localização da área de estudo (Imagem cedida: PedroWalfir e Francisco Cost, 2006).
17
Figura 2- Foto dos assistentes realizando a separação das vísceras dos peixes. (Fotos de Roberta Barboza, 2006).
20
Figura 3- Principais itens alimentares citados pelos entrevistados para dieta da corvina (A= adultos; J=Jovens).
24
Figura 4- Principais itens alimentares citados pelos entrevistados para dieta da cururuca (A= adultos; J=Jovens).
25
Figura 5- Principais itens alimentares citados pelos entrevistados para dieta da gó (A= adultos; J=Jovens).
25
Figura 6- Principais itens alimentares citados pelos entrevistados para dieta da pescada amarela (A= adultos; J=jovens).
26
Figura 7– Análise de ordenação (MDS) para os itens alimentares consumidos pelos peixes corvina (A), cururuca(B), gó (C) e pescada-amarela (D) nas fases juvenil e adulta (J= jovem; A= adulto)(Stress:0.01).
27
Figura 8-Proporções da freqüência de ocorrência dos itens alimentares consumidos pela corvina citados pelos pescadores nas entrevistas (E) e encontrados nos conteúdos estomacais analisados (CE): 1- Bagre (Ariidae); 2- Peixe Não Identificado; 3- Corvina, Cururuca, Gó e Pescada-amarela (Sciaenidae); 4- Camarão (Xiphopenaeus kroyeri); 5- Sardinha (Lycengraulis sp., Cetengraulis edentulus, Pterengraulis sp.); 6- Outros itens alimentares.
28
Figura 9- Proporções da freqüência de ocorrência dos itens alimentares consumidos pela cururuca citados pelos pescadores nas entrevistas (E) e encontrados nos conteúdos estomacais analisados (CE): 1- Sardinha; 2- Outros itens alimentares; 3- Mexilhão (Mytella sp.); 4- Camarão (Acetes americanus); 5- Minhoca (Oligoqueta); 6- Ostra (Crassostrea sp.); 7- Caranguejo; 8- Mariscos ( Bivalves); 9- Peixes não identificados.
29
Figura 10- Proporções da freqüência de ocorrência dos itens alimentares consumidos pela gó citados pelos pescadores nas entrevistas (E) e encontrados nos conteúdos estomacais analisados (CE): 1- Peixe Não Identificado; 2- Camarão (Penaeidae); 3- Crustáceos não identificados; 4- Corvina, Cururuca, Gó e Pescada-amarela (Sciaenidae); 5- Sardinha (Anchoa spinifer, Cetengraulis edentulus); 6- Outros itens alimentares.
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Figura 11- Proporções da freqüência de ocorrência dos itens alimentares consumidos pela pescada amarela citados pelos pescadores nas entrevistas (E) e encontrados nos conteúdos estomacais analisados (CE): 1- Sardinha (Engraulidae); 2- Corvina, Cururuca, Gó e Pescada-amarela (Sciaenidae); 3- Bagre (Ariidae); 4- Peixe Não Identificado; 5- Camarão (Xiphopenaeus kroyeri, Penaeidae); 6- Siri (Callinectes sp.); 7- Outros itens alimentares
30
Figura 12- Comparação entre os itens alimentares da Gó (Macrodon ancylodon) citados pelos entrevistados (A) e descritos na literatura (B): 1Camargo (1999), 2Fernandes (1981/1982), 3Presente estudo (ver Figura 10).
32
Figura 13- Viveiros utilizados pelos pescadores para conservação de uricicas-amarelas (Cathorops spixii) vivas, para emprego como isca na pesca da pescada-amarela (Fotos de Roberta Barboza, 2006).
37
Figura 14– Principais predadores da corvina (A), cururuca (B), gó (C) e pescada-amarela (D) sugeridos pelos entrevistados.
39
Figura 15– Análise de ordenação (MDS) para os predadores apontados para a corvina (CO), cururuca (CU), go (GO) e pescada-amarela (PA) (Stress:0.01).
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Capítulo 2- Etnoictiologia dos pescadores artesanais de Ajuruteua (PA): aspectos relacionados a etologia, usos de hábitat, migração e reprodução de peixes da família Sciaenidae.
Figura 1- Localização das áreas de estudo (Adaptado de Lara & Dittmar, 1999).
53
Figura 2- Realização dos formulários em Ajuruteua, Bragança-PA (Fotos de Myrian Barboza, 2006).
55
Figura 3- Croqui adaptado de um mapa confeccionado por um pescador de Ajuruteua com os principais pesqueiros, micro-habitats e pontos de referência utilizados na pesca artesanal em Ajuruteua-PA: 1- Furo Grande; 2- Ilha do Guará; 3- Emburateua da Pata; 4- Igarapé do Poço Grande; 5- Emburateua do Braço; 6- Portinho; 7- Maguari; 8- Porto da vila dos Pescadores e 9- Pontinha (Arte: Hugo Peres, 2006).
60
Figura 4- Mapa georreferenciado com as coordenadas geográficas dos principais pesqueiros, microhábitats e pontos de referência apontados no croqui da Figura 3 (Imagem: Francisco Costa e Pedro Walfir, 2006).
61
Capítulo 3- Zooterapia, preferências e tabus alimentares entre pescadores artesanais do litoral paraense.
Figura 1- Localização da área de estudo, vila dos Pescadores e vila Bonifácio, norte do Brasil.
83
Figura 2-Vila dos Pescadores, Ajuruteua-PA (Fotos de Roberta Barboza, 2006).
84
Figura 3-Vila Bonifácio, Ajuruteua-PA (Fotos de Roberta Barboza, 2006). 85 Figura 4-Animais empregados na medicina popular entre os pescadores artesanais de Ajuruteua, PA (Brasil).
90
Figura 5- Matérias-primas extraídas dos animais que são usados na medicina popular entre os pescadores artesanais de Ajuruteua, PA (Brasil).
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LISTA DE TABELAS Capítulo 1- “Sardina é a farinha dos peixes”: Estudo etnoictiológico sobre a alimentação de peixes segundo os pescadores artesanais do nordeste paraense.
pág.
Tabela 1 – Freqüência de ocorrência dos itens alimentares consumidos por quatro espécies de peixe de Ajuruteua, PA (Brasil), de acordo com os pescadores artesanais entrevistados.
21
Tabela 2- Percepção popular de fenômenos relacionados com a alimentação de peixes de Ajuruteua, PA- Brasil, segundo os pescadores artesanais locais.
33
Tabela 3- Tabela de cognição comparada entre informações dos pescadores artesanais de Ajuruteua, PA (Brasil) e da literatura sobre ecologia trófica.
33
Tabela 4- Descrição das categorias de hábito alimentar de alguns representantes da ictiofauna de Ajuruteua, PA- Brasil, segundo os pescadores artesanais locais.
35
Tabela 5- Freqüência de citações dos pescadores artesanais de Ajuruteua, PA (Brasil) para os predadores de corvina, cururuca, gó e pescada-amarela.
37
Capítulo 2- Etnoictiologia dos pescadores artesanais de Ajuruteua (PA): aspectos relacionados a etologia, usos de hábitat, migração e reprodução de peixes da família Sciaenidae.
Tabela 1- Comportamento de alguns representantes da ictiofauna de Ajuruteua, PA- Brasil, segundo os pescadores artesanais locais.
57
Tabela 2- Informações dos pescadores artesanais de Ajuruteua, PA (Brasil) sobre a distribuição espacial e temporal dos peixes.
62
Tabela 3- Locais de desova da corvina, cururuca, gó e pescada-amarela apontados pelos pescadores artesanais de Ajuruteua, PA (Brasil).
65
Tabela 4- Períodos de desova da corvina, cururuca, gó e pescada-amarela apontados pelos pescadores artesanais de Ajuruteua, PA (Brasil).
66
Tabela 5- Períodos de desova da corvina, cururuca, gó e pescada-amarela registrados na literatura científica
67
Tabela 6- Tabela de cognição comparada entre informações dos pescadores artesanais de Ajuruteua, PA (Brasil) e da literatura sobre reprodução de peixes.
68
Tabela 7- Calendário econômico-ecológico (safras) dos principais recursos pesqueiros na pesca artesanal de Ajuruteua-PA, segundo os pescadores locais.
69
Capítulo 3- Zooterapia, preferências e tabus alimentares entre pescadores artesanais do litoral paraense.
Tabela 1-Animais medicinais citados pelos pescadores artesanais de Ajuruteua, PA (Brasil).
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Tabela 2-Doenças e simpatias “curadas” através do uso de animais por pescadores artesanais de Ajuruteua, PA (Brasil).
93
Tabela 3- “Peixes” preferidos pelos pescadores artesanais de Ajuruteua, PA (Brasil).
94
Tabela 4- “Peixes” rejeitados pelos pescadores artesanais de Ajuruteua, PA (Brasil).
95
Tabela 5- Situação em que os peixes são rejeitados pelos pescadores artesanais de Ajuruteua, PA (Brasil).
96
Tabela 6- “Peixes” considerados remosos pelos pescadores artesanais de Ajuruteua, PA (Brasil).
98
Tabela 7– Hábito alimentar dos peixes considerados remosos e preferidos pelos pescadores de Ajuruteua-PA.
100
Tabela 8 – Possíveis padrões sobre peixes sujeitos a tabus 102
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INTRODUÇÃO GERAL
"O pescador é lunar"
“Minha convivência é com o peixe, é na água, vivo na maré”.
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Resumo
O uso racional dos recursos pesqueiros com vistas à sua conservação depende de um manejo bem estruturado e apoiado em informações sobre a biologia das espécies, que podem ser obtidas através de estudos etnobiológicos. Assume-se ainda como de caráter fundamental o registro da utilização de recursos animais entre populações humanas. Nesse contexto, é realizado um levantamento do conhecimento de pescadores artesanais da vila dos Pescadores e vila Bonifácio (Ajuruteua- Pará) acerca de informações de padrões alimentares, comportamento, usos de hábitat, migração e reprodução dos peixes da família Sciaenidae corvina (Cynoscion microlepidotus), cururuca (Micropogonias furnieri), gó (Macrodon ancylodon) e pescada-amarela (Cynoscion acoupa). O presente estudo também aborda o uso terapêutico de peixes entre os pescadores artesanais dessas comunidades, além de identificar as preferências, restrições e tabus alimentares relacionados ao consumo de peixes. A metodologia consistiu na aplicação de formulários semi-estruturados, observação direta, marcação dos principais pontos de pesca apontados pelos pescadores, coleta e análise do conteúdo estomacal dos peixes. Os dados obtidos foram armazenados em um banco de dados, organizados em tabelas de cognição comparada, em esquemas de cadeia alimentar, e quanto a diferenças ontogenéticas, recebendo ainda tratamento estatístico (Análise de ordenação MDS e correlação de Spearman). Os resultados apresentados revelam o saber acurado e detalhado dos pescadores de Ajuruteua. De acordo com os pescadores entrevistados a dieta alimentar dos peixes corvina, cururuca, gó e pescada-amarela esteve baseada principalmente no consumo de sardinha e camarão. Há similaridade nos relatos sobre o conhecimento do hábito alimentar dos peixes fornecidos pelos pescadores, das informações disponíveis na literatura e nas análises de conteúdo estomacal. Foram relatados fenômenos etológicos relacionados à alimentação, fisiologia, reprodução e parasitismo. Os pescadores indicaram também as principais unidades espaciais ocupadas pelos peixes e prováveis razões para o deslocamento entre essas unidades. De um modo geral verificou-se que os pescadores de Ajuruteua não fazem o uso de peixes na medicina popular. Vinte e seis animais, incluindo um crustáceo, foram considerados os peixes preferidos para os entrevistados. A rejeição ao consumo de alguns peixes esteve relacionada a aspectos como morfologia, gosto, cheiro, veneno e ocorrência dos peixes. Padrões encontrados em outros estudos para peixes sujeitos a tabus (peixes sujeitos a tabus X peixes medicinais/ posição na cadeia alimentar/ peixes de couro) não apareceram no presente trabalho. Desta forma, é destacado neste estudo o papel fundamental da etnobiologia na obtenção de dados plausíveis para o manejo da pesca a partir do conhecimento de pescadores. Palavras-chave: Etnoictiologia, Pescadores artesanais, Sciaenidae, Tabus alimentares e Zooterapia.
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Abstract
The rational use of fishing resources depends upon well-structured management, based on species biology obtained through ethnobiology studies. The purpose of this study is to describe fishermen knowledge of trophic ecology, behavior, habitat use, migration and reproduction of fishes from the Sciaenidae family - smallscale weakfish (Cynoscion microlepidotus), whitemouth croaker (Micropogonias furnieri), king weakfish (Macrodon ancylodon) and acoupa weakfish (Cynoscion acoupa) in the villages of Pescadores and Bonifacio (Ajuruteua-PA). Medicinal use of fishing resources by inhabitants, fish preference, restrictions and taboos were also investigated. Data were obtained trough semi-structured interviews, analysis of stomach contents, “Participant study” and Global Position System (GPS) was used to mark the main fishing locations. Information was stored in a database and checked trough “compared cognition tables”, non metric multidimensional scaling (MDS) and Spearman correlation. Results show a detailed and accurate knowledge from the fishermen. Results reveal sardinha and shrimp as main food for smallscale weakfish , whitemouth croaker, king weakfish and acoupa weakfish. Fishermen’s description of fish diets were consistent with scientific findings from diet analysis of the study species and stomach contents examined. Fishermen indicated some aspects of fish’s behavior about physiology, reproduction and parasites attack. They also predicted the area of occupancy by fishes and indicated probable reasons for fishes migration within a given spatial unit. Fishermen did not demonstrate frequent use of fishes in folk medicine. Twenty six fishes, including one crustacean were mentioned as preferred fishes for eating. Altough taboo fishes are commonly reported in other studies, they were not reported in the present study (taboo fish X medicinal fish/fish’s diet/ “leather’s fishes”). In conclusion, this study demonstrates the fundamental role of ethnobiology in collecting data on the popular knowledge among fishermen for fisheries management. Key words: Ethno-ichthyology, traditional fishermen, Sciaenidae, food taboos and zoo-therapy.
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Introdução Geral
A região amazônica brasileira apresenta um contexto bastante peculiar
relacionado à atividade pesqueira. Segundo Barthem & Fabré (2004), aspectos como
riqueza de espécies exploradas, quantidade de pescado capturado e dependência das
populações tradicionais fazem da Amazônia uma região de alto potencial pesqueiro,
com mobilização de U$ 200 milhões ano-1.
Todavia, os modelos de gerenciamento pesqueiro são, em geral, formulados pelo
governo com base em informações ecológicas dos recursos e desconsideram a dimensão
humana sobre a atividade (Castro, 2004). Desta forma, a crise da pesca nas últimas
décadas e a sobre-exploração de grande número dos estoques em todo o mundo
caracterizam sistemas de manejo pesqueiro inadequado (Freire & García-Allut, 1999).
Como os sistemas de manejo são socialmente construídos, é bom estar ciente de que
regras ecologicamente adequadas não são suficientes para controlar o acesso e o uso de
recursos (Castro, 2004)
Nesse contexto, novas propostas de manejo de recursos são assumidas como
eficazes à medida que partem do envolvimento dos principais usuários dos recursos em
seu gerenciamento. O co-manejo dos recursos surge então como um acordo de divisão
de poderes entre o Estado e a comunidade usuária dos recursos (Carlsson & Berkes,
2005; Sen & Nielsen, 1996), onde o Estado deve reconhecer as regras e os direitos dos
pescadores artesanais locais (Begossi, 2006). Crampton et al. (2004a) acreditam que
alianças deste tipo são necessárias à formulação de planos de manejo, melhoria na
eficácia da produção e geração de alternativas econômicas através do suporte legal, da
cooperação técnica e dos fundos fornecidos.
Aplicações práticas do co-manejo da pesca são encontradas na própria região
amazônica. A alocação de áreas e/ou recursos para comunidades ribeirinhas amazônicas
teve início na década de 1990 nos Estados do Pará e Amazonas, através de diversas
portarias- n°8 de 02/02/1996, n°10 e n°14 de 14/08/1997 (Batista et al., 2004). Ainda
conforme estes autores, os acordos surgiram dos anseios da própria comunidade em
desenvolver instrumentos para ordenar o uso e o acesso ao recurso pesqueiro na
ausência do Estado nas ações de fiscalização, tendo no Amazonas um caráter
preservacionista com vistas à subsistência e no Pará um pressuposto comercial de uso
dos recursos. Na várzea brasileira há atualmente três projetos baseados na participação
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comunitária: Projeto Várzea, Instituto Iara e as Reservas de Desenvolvimento
Sustentável Mamirauá e Amanã (Crampton et al., 2004a, 2004b).
Os acordos de pesca devem estar fundamentados nas experiências locais,
considerando o contexto das comunidades inseridas, e apresentar alicerces nas táticas de
manejo dos recursos, como limitações de época, área, apetrechos, espécies e/ou
quantidade de pescado capturado (Batista et al., 2004). Begossi (2006) acredita que o
controle dos espaços pelos pescadores é um dos aspectos cruciais no mecanismo de
conservação dos recursos naturais.
A continuidade desses sistemas de manejo comunitário, bem como o design de
novas práticas, dependem do conhecimento local dos usuários dos recursos (Ruddle,
1994). Conhecimento este baseado em informações empíricas, orientado na prática e no
caso das populações costeiras engloba saberes sobre o comportamento dos peixes, o
ambiente marinho e as interações neste ecossistema (Thé et al., 2003; Hanazaki, 2002;
Ruddle, 1994).
Contudo, combinar o saber local com o conhecimento científico não é tarefa
simples. Requer o delineamento de metodologias que integrem os dados e informações
de cada tipo de conhecimento, os quais no conhecimento tradicional são geralmente
qualitativos e já nas ciências naturais são muitas vezes quantitativos (Freire & García-
Allut, 1999; Valbo-Jorgensen & Poulsen, 2000). Para Batista et al. (2004) as
etnociências1 representam a forma atual de incorporação destes saberes no conjunto de
conhecimentos técnico-científicos para subsidiar as políticas públicas no manejo
pesqueiro regional. Quando estes saberes locais se referem à percepção do ambiente
com ênfase nos aspectos biológicos se fala em etnobiologia.
O termo etnobiologia2 foi utilizado pela primeira vez em 1935 nos Estados
Unidos (Castetter, 1935, apud Clément, 1998). A etnobiologia apresenta origem
fundamentada na antropologia cognitiva (Begossi, 1993; Posey, 1997). Os estudos
etnobiológicos em geral incluem o levantamento de espécies e “etnoespécies” e têm
contribuído para planos de manejo e conservação de ecossistemas (Begossi, 1993),
através de modelos de gerenciamento de recursos naturais por povos nativos (Aswani &
Hamilton, 2004; Begossi et al., 1999; Ruddle, 1994; Posey, 1990). Begossi (2004)
atribui como principal objetivo desta ciência a compreensão da percepção humana sobre
1 As etnociências analisam as percepções e classificações das comunidades humanas sobre a natureza (Begossi, 1993). 2Albuquerque (2005) faz uma reflexão dos principais termos empregados em etnobiologia.
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os recursos naturais, ou seja, os processos empregados na classificação dos elementos
presentes nos ecossistemas.
Tais processos classificatórios refletem o modelo organizacional social de uma
comunidade (Ellen, 1986), uma vez que a taxonomia popular está geralmente
relacionada aos aspectos naturais mais notáveis aos humanos (cor, tamanho, forma do
corpo, odor) ou aos aspectos culturais de grande significado (Brown, 1986). Begossi &
Garavelho (1990) sugerem que peixes de maior utilidade são classificados mais
detalhadamente e mais rapidamente reconhecidos entre os pescadores. Outras pesquisas
revelaram ainda uma relação próxima entre nomes populares binomiais (exemplo:
pescada-branca, pescada-amarela) e peixes de importância comercial (Begossi &
Figueiredo, 1995). Berlin et al. (1966) recomendam a coleta sistemática dos dados de
taxonomia popular a fim de evitar deficiências que tendem a obscurecer as relações
entre classificação biológica e popular.
Dessa forma, a etnobiologia apresenta-se como um amplo campo de estudo
formado por vários ramos, com destaque para a etnoictiologia, que trata das inter-
relações entre homens e peixes (Marques, 1991, apud Silvano 2004).
No Brasil, as pesquisas etnoictiológicas envolvem conhecimento tradicional
acerca de hábitos alimentares dos peixes (Batistella et al., 2005; Mourão & Nordi,
2003; Silvano & Begossi, 2002; Costa-Neto, 2001; Costa-Neto & Marques, 2000b, Paz
& Begossi, 1996; Marques, 1995), movimentos migratórios (Mourão & Nordi, 2003;
Silvano & Begossi, 2002; Costa-Neto et al., 2002; Costa-Neto & Marques, 2000a), uso
de hábitats (Pinheiro, 2004; Thé et al., 2003; Costa-Neto et al., 2002; Silvano &
Begossi, 2002; Costa-Neto, 2001; Costa-Neto & Marques, 2000a; Paz & Begossi,
1996), etologia (Mourão & Nordi, 2003; Costa-Neto, 2001; Costa-Neto & Marques,
2000a; Costa-Neto & Marques, 2000b; Silva & Montag, 2003) e reprodução (Mourão
& Nordi, 2003; Costa-Neto et al., 2002; Costa-Neto, 2001; Costa-Neto & Marques,
2000a). Os pescadores também empregam o uso dos conhecimentos sobre peixes como
indicadores de mudanças ecológicas nos sistemas aquáticos (Almeida & Pinheiro,
2005).
Esta dissertação constitui um estudo de caráter etnoictiológico entre pescadores
artesanais de Ajuruteua, comunidade litorânea localizada no nordeste paraense, na
região norte do Brasil. Apresenta-se dividida em três capítulos. No primeiro capítulo o
estudo etnoictiológico realizado aborda aspectos da ecologia trófica de peixes segundo
os pescadores artesanais de Ajuruteua. No segundo capítulo são apresentadas
BARBOZA, R. S. L. Interface conhecimento tradicional...
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informações do comportamento, uso de hábitats, migração e reprodução de peixes a
partir da percepção dos pescadores locais. Em ambos os capítulos é dada uma ênfase
nos peixes da família Sciaenidae corvina (Cynoscion microlepidotus), cururuca
(Micropogonias furnieri), gó (Macrodon ancylodon) e pescada-amarela (Cynoscion
acoupa), pela importância econômico-social que apresentam nas comunidades
estudadas e pela necessidade de manejar seus estoques incluindo a dimensão humana. O
terceiro capítulo faz um diagnóstico das formas de uso de peixes com fins medicinais,
além de avaliar as preferências, restrições e tabus alimentares verificados entre os
pescadores artesanais de Ajuruteua.
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Capítulo 1
“Sardina é a farinha dos peixes”: Estudo etnoictiológico sobre a
alimentação de peixes segundo os pescadores artesanais do nordeste
paraense.
“Sardina é a farinha dos peixes".
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RESUMO- É apresentado nesse trabalho um estudo etnoictiológico acerca de padrões alimentares dos peixes corvina (Cynoscion microlepidotus), cururuca (Micropogonias furnieri), gó (Macrodon ancylodon) e pescada-amarela (Cynoscion acoupa) entre os pescadores artesanais das vilas dos Pescadores e vila Bonifácio, Bragança-PA. Os dados foram coletados através de entrevistas semi-estruturadas com aplicação de formulários individuais em cerca de 40% das famílias das vilas estudadas. Foram coletados ainda espécimes dos peixes corvina (n=20), cururuca (n=18), gó (n=26) e pescada-amarela (n=18) durante o desembarque pesqueiro na vila dos Pescadores para análise de seus conteúdos estomacais. Os dados obtidos no estudo foram armazenados em um banco de dados, organizados em tabelas de cognição comparada, em esquemas de cadeia alimentar, e quanto a diferenças ontogenéticas. De acordo com os pescadores entrevistados a dieta alimentar dos peixes corvina, cururuca, gó e pescada-amarela esteve baseada principalmente no consumo de sardinha e camarão. Na análise de ordenação MDS não foram encontradas diferenças na composição das dietas nas fases juvenis e adultas. Há similaridade nos relatos sobre o conhecimento do hábito alimentar dos peixes fornecidos pelos pescadores, das informações disponíveis na literatura e nas análises de conteúdo estomacal. Foram mencionados 35 predadores para a corvina, cururuca, gó e pescada-amarela, destacando-se tubarão, mero e cação como predadores da corvina, cururuca e pescada amarela. Os principais predadores da gó foram pescada-amarela, corvina, arraia, cação e mero. A análise de ordenação MDS reconheceu um grupo principal de predadores comuns para a corvina, cururuca, gó e pescada-amarela, e mais 2 outros grupos de predadores, uma para a pescada-amarela e outro para a gó. Não foram encontradas correspondências entre o número de perguntas não respondidas pelos pescadores e suas respectivas idades (p= 0.2846). Desta forma, sugere-se que o conhecimento acerca de ecologia trófica dos peixes apresentado pelos pescadores seja empregado no manejo dos recursos pesqueiros em Ajuruteua. Palavras-chave:Etnoictiologia, Ecologia trófica, Pescadores artesanais. ABSTRACT- “Sardina is the fish’s flour”: An ethno-icthyology study with traditional fishermen from northeastern Pará. This study describes the trophic ecology of the fishes smallscale weakfish (Cynoscion microlepidotus), whitemouth croaker (Micropogonias furnieri), king weakfish (Macrodon ancylodon) and acoupa weakfish (Cynoscion acoupa) as perceived by traditional fishermen from the villages of Pescadores and Bonifacio of Bragança (PA). Semi-structured interviews were conducted with 74 fishermen representing 40% of the families in the study area. Individuals of smallscale weakfish (n=20), whitemouth croaker (n=18), king weakfish (n=26) and acoupa weakfish (n=18) were collected at fish landings in Pescadores, and fish stomach contents were examined. Information was stored in a database and checked trough “compared cognition tables”, non metric multidimensional scaling (MDS) and Spearman correlation. Results reveal that anchovy and shrimp are the main food source for weakfish, whitemouth croaker, king weakfish and acoupa weakfish. Differences in the diet composition of juveniles and adults fishes were not found by the MDS analysis. Fishermen knowledge of fish diets was consistent with digestive tract contents and information available in the literature. Thirty-five predators of the four study species were indicated by fishermen. Shark, “mero” and “cacao” were cited by fishermen as the main predators of smallscale weakfish, whitemouth croaker and acoupa weakfish. The main predators of king weakfish were acoupa weakfish, smallscale weakfish , ray, and mero. Non metric multidimensional scaling (MDS) analysis recognized a common predator group for smallscale weakfish, whitemouth croaker, king weakfish and acoupa weakfish, and two other predator groups, one for acoupa weakfish and another for king weakfish. Correspondence between the number of unanswered questions and fisherman’s age was not significant (p=0.285). Traditional knowledge of fish feeding habitats should be taken into account for resource management of fishing in northeastern Pará. Key words: Ethno-ichthyology, trophic ecology, traditional fishermen.
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1.1. INTRODUÇÃO
“Pescador, pescador, por que é que no mar não tem jacaré? Pescador, pescador,
por que foi que no mar não tem peixe-boi? Eu quero saber a razão de no mar não ter
tubarão...”. O famoso Carimbó (estilo musical paraense) de mestre Lucindo ilustra a
importância da figura do pescador como detentor de conhecimentos acerca do ambiente
marinho e sua biota.
A valorização do saber local sobre a natureza pelos cientistas é relativamente
recente. Dessa forma, predomina ainda no meio acadêmico e científico a existência de
um atenuado etnocentrismo, o qual, conforme Albuquerque (2002), por vezes, não nos
permite reconhecer os sistemas de conhecimentos organizados de outras culturas. Estes
conhecimentos vêm sendo denominados TEK3 (Conhecimento Ecológico Tradicional) e
se referem ao conjunto de saberes e práticas a respeito do mundo natural e sobrenatural
(Diegues & Arruda, 2001). São adquiridos através de observações extensivas de uma
área ou de uma espécie e transmitidos especialmente por via oral, de geração em
geração, entre sociedades tradicionais4 (Berkes et al., 2000; Huntington, 2000).
O resgate desses saberes empíricos depende em grande parte de uma Ciência
voltada aos conhecimentos científicos e tradicionais (Diegues & Arruda, 2001;
Albuquerque, 2005). Contudo, apesar de diversas pesquisas antropológicas e
etnográficas documentarem o saber de povos locais, poucos estudos revelam claramente
a conexão entre conhecimento ecológico local, conhecimento acadêmico, conservação e
manejo (Hanazaki, 2003). Nesse sentido, é válido ressaltar o papel da etnobiologia
como ponte entre as disciplinas tradicionais da academia e as diversas culturas, através
de um enfoque prático na implicação e aplicação dos conhecimentos ecológicos
tradicionais nas estratégias de desenvolvimento ecológico-social sustentável (Posey,
1990).
Na tentativa de analisar a classificação das comunidades humanas sobre a
natureza, os etnobiólogos buscaram laços com diversas disciplinas, como Botânica,
Ecologia e Zoologia (Begossi, 1993), introduzindo neologismos para designar as
divisões da etnobiologia – a etnozoologia e a etnobotânica, por exemplo são
3 Do inglês: Traditional Ecological Knowledge (Huntington, 2000). 4 No presente estudo será adotado o conceito de Diegues & Arruda (2001) para ‘sociedades tradicionais’ (Grupos humanos diferenciados sob o ponto de vista cultural, que reproduzem historicamente seu modo de vida, de forma mais ou menos isolada, com base na cooperação social e relações próprias com a natureza), assim como para as palavras ‘povos locais’ e ‘povos nativos’.
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consideradas as mais antigas (Clément, 1998). A etnoictiologia aparece como um dos
ramos mais difundidos na etnozoologia, provavelmente em virtude da ampla utilização
de peixes como fonte de alimento por numerosas populações humanas (Begossi, 1993).
A etnoictiologia pode ser aplicada na orientação do gerenciamento pesqueiro,
visto que os pescadores combinam informações empíricas do comportamento de peixes,
meio físico marinho e interações entre os componentes do ecossistema (Ruddle, 1994),
como alterações sazonais climáticas e aquáticas (Maneschy, 1990) e mudanças
decorrentes de variações da salinidade no estuário, afetando a atividade pesqueira
através de flutuações na abundância do pescado (Hanazaki, 2002).
Silvano (2004) cita diversos trabalhos onde as informações etnoictiológicas
analisadas e interpretadas com base na literatura em ictiologia têm contribuído para o
estudo da ecologia dos recursos pesqueiros, e apresenta ainda um panorama das
pesquisas realizadas no Brasil enfatizando aspectos metodológicos. Hanazaki (2003)
apresenta exemplos do conhecimento caiçara sobre o manejo de áreas de pesca e
recursos naturais.
Faulkner & Silvano (2002) realizaram uma revisão de trabalhos australianos e
brasileiros sobre conhecimento tradicional pesqueiro e verificaram na Austrália a
concentração de estudos com tartarugas marinhas, enquanto no Brasil há mais estudos
com peixes. Há ainda estudos comparando o conhecimento sobre a espécie de peixe
Pomatomus saltatrix entre pescadores brasileiros e australianos (Silvano & Begossi,
2005) e sobre a percepção do cavalo-marinho entre comunidades pesqueiras de alguns
estados do norte e nordeste do Brasil (Rosa et al., 2005).
A etnoictiologia representa uma “ferramenta metodológica prática” de custo
acessível e de duração relativamente curta no levantamento de informações ictiológicas
importantes (Valbo-Jorgensen & Poulsen, 2000). Apresenta especial destaque na região
amazônica, devido à riqueza de espécies exploradas e ao grande volume de pescado
produzido, com alto valor na subsistência de sua população (Barthem & Fabré, 2004). A
produção pesqueira extrativista no Estado do Pará, por exemplo, foi a maior do Brasil
no ano de 2002, com 172.000 toneladas, de acordo com o IBAMA (Isaac et al., 2006).
Entretanto, em geral as pesquisas de caráter etnoictiológico se concentram nas
regiões sudeste (Netto et al., 2002; Silvano & Begossi, 2002; Seixas & Begossi, 2001;
Paz & Begossi, 1996; Begossi & Figueiredo, 1995) e nordeste (Almeida & Pinheiro,
2005; Souto, 2004; Mourão & Nordi, 2003; Costa-Neto et al., 2002; Costa-Neto, 2001;
Costa-Neto & Marques, 2001; Costa-Neto & Marques, 2000a; Costa-Neto & Marques,
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2000b; Marques, 1995). No norte, destacam-se os estudos de Batistella et al. (2005),
Cabalzar (2005), Giarizzo (1999), Begossi & Garavelho (1990) e Silva & Montag
(2003).
Nestes estudos etnoictiológicos têm-se destaque para as pesquisas sobre
interações tróficas, considerado um dos aspectos da biologia dos peixes mais bem
conhecidos pelos pescadores (Silvano, 2004). No Brasil há estudos comparando a dieta
alimentar de peixes encontrada na literatura e citada por ribeirinhos da comunidade
Boas Novas (Amazonas) (Batistella et al., 2005), por comunidades ribeirinhas do
município de Melgaço (Pará) (Silva & Montag, 2004), por pescadores do rio Piracicaba
(São Paulo) (Silvano & Begossi, 2002), por pescadores artesanais do estuário do rio
Mamanguape (Paraíba) (Mourão & Nordi, 2003), por pescadores artesanais de Siribinha
(Bahia) (Costa-Neto, 2001; Costa-Neto & Marques, 2000b), por pescadores da baía de
Sepetiba (Rio de Janeiro) (Paz & Begossi, 1996) e por pescadores da várzea da
Marituba (Alagoas) (Marques, 1995).
Nesse contexto, considerando a aplicabilidade do saber local dos pescadores no
manejo pesqueiro foi desenvolvido um estudo etnoictiológico acerca de padrões
alimentares da corvina (Cynoscion microlepidotus), cururuca (Micropogonias furnieri),
gó (Macrodon ancylodon) e pescada-amarela (Cynoscion acoupa) entre os pescadores
artesanais das vilas dos Pescadores e vila Bonifácio, Bragança-PA.
1.2. DESCRIÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO
O estudo foi desenvolvido na vila dos Pescadores (00°51’07.0”S,
046°36’02.5”W) e vila Bonifácio (00°50’58.9”S, 046°36’28.7”W) (Figura 1),
localizadas em Ajuruteua, no município de Bragança- Nordeste do Pará (Região Norte
do Brasil). A área foi escolhida em virtude da facilidade de acesso ao local e da
possibilidade de utilizar estudos científicos ictiológicos já desenvolvidos na área para
devidas comparações.
A área de estudo pertence à planície costeira bragantina, a qual apresenta 40km
de linha de costa estendendo-se desde a Ponta do Maiaú até a foz do rio Caeté (Souza-
Filho, 2001). O Estuário do rio Caeté apresenta cerca de 30km de comprimento - desde
a cidade de Bragança até a desembocadura do rio - e extensão de 10km na porção
próxima ao oceano (Camargo & Isaac, 1998).
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Figura 1-Localização da área de estudo (Imagem cedida por Pedro Walfir e Francisco, 2006).
É uma costa dominada por macromarés semidiurnas com amplitude de 3 a 5 m
(Wolff et al., 2000; Bastos, et al., 2001). O clima é quente e úmido (temperatura média
do ar 25,7°C), com período seco de agosto a dezembro e período chuvoso de janeiro a
julho. A precipitação anual excede 2,545mm (Barletta et al., 2005).
A região é representada por vegetação de terra firme, planície herbácea,
manguezal, manguezal degradado e restinga (Cohen et al., 2001). Os mangues ocupam
95% de toda área costeira, cujos gêneros dominantes são Rhizophora, Avicennia e
Laguncularia, associados com Spartina e Conocarpus (Souza-Filho & El-Robrini,
1996, apud Souza-Filho, 2001).
Ajuruteua compreende três seções espacialmente separadas com hidrodinâmicas
próprias: praia de Ajuruteua, vila dos Pescadores (vila de Ajuruteua) e vila Bonifácio.
A praia de Ajuruteua está localizada na costa e apresenta considerável desenvolvimento
turístico liderado por empresários de outras regiões. A vila dos Pescadores situa-se no
extremo da península e está propensa à erosão e a vila Bonifácio localiza-se em um
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canal de maré povoado mais recentemente por imigrantes da vila dos Pescadores
(Krause et al., 2005). Tanto a vila dos Pescadores como a vila Bonifácio são
eminentemente pesqueiras. A população masculina se ocupa com a pesca e manutenção
dos instrumentos de pesca, enquanto as mulheres dividem o tempo entre os afazeres
domésticos e o beneficiamento de moluscos para alimentação (Gomes, 2005).
O processo de formação e transformação das três seções tem sido impulsionado
pela construção da estrada de acesso Bragança-Ajuruteua (PA-458) em meados da
década de 1970 (Krause et al., 2005; Krause & Glaser, 2003; Souza-Filho, 2001;
Maneschy, 1995a).
1.3. METODOLOGIA
Os dados foram coletados através de entrevistas semi-estruturadas (Viertler,
2002) com aplicação de formulários (ver apêndice) adotando-se um pescador por
domicílio, em cerca de 40% das famílias5 da vila Bonifácio (N= 48) e vila dos
Pescadores (N=26).
Em virtude da dificuldade de encontrar os pescadores em casa e da importância
de conquistar a confiança dos mesmos - técnica conhecida como “rapport”
(Albuquerque & Lucena, 2004) - foi adotada a amostragem do tipo “snow ball” (Bailey,
1994 apud Albuquerque & Lucena, 2004), que consiste na indicação dos novos
informantes pelos próprios entrevistados.
Os formulários continham perguntas sobre a dieta dos peixes corvina, gó,
cururuca e pescada-amarela em suas fases juvenil e adulta, além do levantamento de
seus predadores:
a) Qual a comedia (alimentação) do peixe quando pequeno?
b) Qual a comedia (alimentação) do peixe quando está grande?
c) Quem o persegue? (Que animal se alimenta deste peixe?)
Estabeleceram-se as fases juvenis e adultas para facilitar comparações na
literatura. Tais fases foram categorizadas arbitrariamente e encontram-se envolvidas na
percepção dos pescadores quando os peixes estão “pequenos” e “grandes”, pois não era
5 De acordo com dados da Secretaria Municipal de Saúde de Bragança há 121 famílias cadastradas na vila Bonifácio e 62 famílias na vila dos Pescadores (Bragança, 2005); Segundo censo realizado na região Bragantina há 210 famílias em toda a área de estudo (MADAM, 2000 apud Gomes, 2004).
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intenção do estudo direcionar aos entrevistados o critério utilizado cientificamente, o
qual poderia não ser percebido por estes na diferenciação dos estágios de vida dos
peixes.
A relação entre nomes locais e científicos dos peixes (ver apêndice: relação dos
nomes populares e científicos) foi baseada em Espirito-Santo & Isaac (2005) e Barletta
et al. (1998). Como na literatura científica o termo ‘cururuca’ é empregado na região
bragantina para mais de uma espécie, preferiu-se coletar exemplares de peixes
conhecidos localmente como cururuca e encaminhá-los para identificação pelo
pesquisador Roberto Vilhena do Espirito-Santo (Laboratório de Biologia Pesqueira,
UFPA, Belém).
Em dezembro de 2005 e janeiro de 2006 com a ajuda de moradores locais6
foram coletados 82 espécimens dos peixes: corvina (Cynoscion microlepidotus) (n=20),
cururuca (Micropogonias furnieri) (n=18), gó (Macrodon ancylodon) (n=26) e pescada-
amarela (Cynoscion acoupa) (n=18) para análise de seus conteúdos estomacais. Dois
jovens das comunidades estudadas foram treinados para coletar os peixes, durante o
desembarque pesqueiro na vila dos Pescadores, medir o comprimento (focinho até a
nadadeira caudal) e separar suas vísceras (Figura 2). Em seguida, os conteúdos do
estômago foram armazenados em álcool (70%). O material coletado foi analisado e
identificado no Laboratório de Biologia Pesqueira da UFPA, com apoio do pesquisador
Roberto Vilhena Espírito-Santo e uso de guias de identificação de peixes (Espirito-
Santo & Isaac, 2005); os moluscos encontrados foram identificados pelo professor
Collin Beasley (Laboratório de Malacologia e Biologia Evolutiva, Bragança, UFPA) e
os anelídeos pelo biólogo Josinaldo Reis do Nascimento (Laboratório de Ecologia de
Manguezais, Bragança, UFPA). Por fim, foi comparado o hábito alimentar dos peixes,
adotando-se os conteúdos estomacais analisados (freqüência de ocorrência), dados das
entrevistas e informações na literatura científica para a área de estudo (Espírito-Santo &
Isaac, 2005; Krumme et al., 2004; Camargo, 1999).
Os dados obtidos no estudo foram armazenados em um banco de dados (Access
2000), e organizados em uma tabela de cognição comparada7 (Marques, 1995) e em
esquemas de cadeia alimentar.
6Voluntários são um importante recurso científico, apesar do ceticismo entre alguns cientistas na credibilidade dos dados coletados por eles (Foster-Smith & Evans, 2003). 7 Nas tabelas de cognição comparada trechos das entrevistas registradas são comparados com trechos da literatura cientifica (Costa-Neto & Marques, 2000a).
BARBOZA, R. S. L. Interface conhecimento tradicional...
20
Figura 2- Foto dos assistentes realizando a separação das vísceras dos peixes. (Fotos de Roberta Barboza, 2006).
Realizou-se a análise estatística de ordenação MDS (Multi Dimensional Scaling
analysis) através do programa PRIMER 5.0 com os dados de freqüência de citação da
alimentação de cada peixe (corvina, cururuca, gó e pescada-amarela) apontado pelos
pescadores nas entrevistas, com o intuito de verificar se a composição da dieta dos
peixes apontada pelos pescadores se modificava nos diferentes estágios de vida dos
peixes (“grandes” ou adultos e “pequenos” ou jovens). Utilizou-se esta análise para
verificar se estas dietas estariam ordenadas em grupos próximos, indicando não haver
distinção entre o conhecimento dos pescadores para a dieta destes peixes quando juvenis
e adultos, ou estariam ordenadas em grupos distintos, indicando o reconhecimento pelos
pescadores de diferenças na composição da dieta destes peixes em seus estágios juvenil
e adulto. Para realizar esta análise foi confeccionada uma planilha para cada peixe
(corvina, cururuca, gó e pescada-amarela) em cada fase (juvenil e adulto), onde foi
estabelecido o critério presença ou ausência quando o item alimentar (Ex. camarão,
sururu, etc.) foi citado ou não pelos entrevistados. Foi empregada transformação
presença/ausência para gerar a matriz de similaridade de Bray Curtis. A mesma análise
multivariada foi empregada para analisar a composição dos predadores destes peixes,
considerando a presença e ausência dos predadores citada pelos pescadores.
Foi verificada a relação entre o número de perguntas não respondidas pelos
BARBOZA, R. S. L. Interface conhecimento tradicional...
21
pescadores (“não sei”=NS) e a idade dos entrevistados através da correlação de
Spearman (Bioestat 4.0), com o propósito de analisar se os pescadores mais velhos
detêm maior conhecimento sobre os peixes, admitindo-se que o menor número de
perguntas não respondidas pelos pescadores indica maior conhecimento sobre a biologia
de peixes. Como os dados não apresentaram distribuição normal (p<0.01), verificada
através do teste de Lilliefors (Ayres et al., 2005), foi escolhido este tipo de correlação.
1.4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
a) Hábito alimentar
Os pescadores artesanais de Ajuruteua citaram 50 diferentes itens alimentares
para a dieta da corvina, cururuca, gó e pescada-amarela. Entre as espécies selecionadas
a cururuca apresentou maior espectro alimentar, com 30 categorias alimentares. A
pescada-amarela obteve 27 tipos de alimentos relacionados à sua dieta, enquanto a
corvina apresentou 23 itens e a gó recebeu 21 (Tabela 1). Apesar do amplo espectro
alimentar sugerido na alimentação desses peixes, verifica-se a concentração das citações
em alguns itens principais, como a sardinha e o camarão (Tabela 1).
Tabela 1 – Freqüência de ocorrência dos itens alimentares consumidos por quatro espécies de peixe de Ajuruteua, PA (Brasil), de acordo com os pescadores artesanais entrevistados.
Consumidores Corvina
(Cynoscion microlepidotus)
Cururuca (Micropogonias
furnieri)
Gó (Macrodon ancylodon)
Pescada- amarela(Cynoscion
acoupa) Item alimentar
J A J A J A J A Areia, Cascalho - - 2 4 - - - - Babuja - - - - - - 1 - Baiacu 1 1 - - - - - - Bagre - - - - - - 1 - Bandeirado - 1 - 2 - 2 3 7 Bico-doce - - - - - - 1 - Cabeçudo 3 3 1 1 2 3 1 2 Caíca 4 9 1 - 3 3 7 9 Camarão 33 22 25 18 30 24 21 11 Cangatã - - - - - - 1 3 Caraca - - 6 6 - - 1 1
BARBOZA, R. S. L. Interface conhecimento tradicional...
22
Corvina (Cynoscion
microlepidotus)
Cururuca (Micropogonias
furnieri)
Gó (Macrodon ancylodon)
Pescada- amarela(Cynoscion
acoupa)
Item alimentar
J A J A J A J A
Caranguejo - - - 1 - - - - Caraoca 1 7 - - 4 8 6 9 Carrapato - - 2 - - - - - Coral - - 1 - - - - - Corvina 1 1 - 1 - 1 3 7 Cururuca - - - - 1 1 - - Cutuca - - - - 1 1 1 1 Favueiro 1 1 - - 1 1 - - Flor das pedras - - 1 1 - - - - Guraravilha (Cinturão) - - 1 1 1 1 1 2 Gó 2 17 3 12 - 4 17 35 Jiquiri - - - - - - 1 4 João Duro - - - - - 1 - - Lama, Lodo 3 1 6 6 2 1 1 1 Larva 1 - - - - - - - Lula - 1 - 1 - 1 - - Marisco (Bivalve) 1 - 4 5 - - 3 1 Mero - 1 - - - - - - Minhoca - - 4 2 - - - - Ostra - - 4 3 1 - - - Panum (Água-viva) 1 2 - - - - - - Pedra - - 6 6 - - - - Peixinho 6 3 2 2 4 1 - 1 Pescada-amarela - - - - - - 1 1 Piaba - - 1 - - - - - Pititinga 3 1 3 2 3 2 2 1 Planta, Folha - - 1 3 - 1 1 1 Pratiqueira 1 3 - - - - 1 - Sapequara (molusco) - - - 2 - - - - Sardina 60 71 35 48 67 74 53 61 Sarnambi - - 1 1 - - - - Sururu, Mexilhão - - 16 16 - - - - Vovozinho-da- pescada - 1 - - - - - - Tainha - 1 - - - - - 2 Tamaru - - 1 1 - - - - Tralhoto - - - - - - 1 2 Tudo do fundo 1 - 2 - - - - - Uricica-branca - - - - - - 1 1 Uricica-amarela 7 16 4 4 2 3 32 59 NS
2
1
4
3
1
2
3
2
Nota: *Os valores acima correspondem ao número de entrevistas onde a respectiva interação trófica foi citada; *J = Indivíduos Jovens dos peixes selecionados (“pequeno”), A=Indivíduos Adultos dos peixes selecionados (“grande”);*Caíca, tainha e pratiqueira se referem ao mesmo peixe, porém em diferentes fases de seu desenvolvimento; *Caraca= craca (cirrípedes- Crustacea), * NS se refere às questões que os entrevistados não sabiam responder, *Ver apêndice para maiores detalhes da correspondência científica dos nomes populares dos itens alimentares acima apontados.
Continua...
BARBOZA, R. S. L. Interface conhecimento tradicional...
23
Nota-se que para as espécies estudadas, em ambas as fases (juvenil e adulta), a
sardinha (“sardina”) correspondeu ao item alimentar com maior número de citações
pelos pescadores, tendo sido apontada por 100% (N=74) dos entrevistados como peixe
consumido pela gó em fase adulta (Tabela 1 e Figuras 3, 4, 5 e 6). Inclusive, durante a
aplicação dos questionários a importância da sardinha foi enfatizada várias vezes como
base alimentar para os peixes da região:
“Sardina é a farinha dos peixes”. “Peixe vai atrás da sardina, quando dá o peixe dela come que se empapuza”.
“No verão a sardina entra no rio, vêm os peixes gó, cururuca, corvina e pescada”.
“A gente reza pra que a sardina entre no rio, porque a sardina entrando vem muito peixe em cima dela; a sardina sai, os peixes vai embora”.
“Todo peixe vem junto com a força da sardina”.
Mourão & Nordi (2003) ao realizarem estudos de etnoictiologia no estuário do
Rio Mamanguape, Paraíba, também verificaram que a sardinha se comporta como
importante elo basal da teia alimentar estuarina de acordo com a percepção dos
pescadores artesanais locais.
Segundo Krumme et al. (2004), poucas presas alimentares se comportam como
principais itens alimentares dos peixes predadores no estuário do Rio Caeté.
Correspondem apenas às sardinhas (Rhinosardinia amazonica e Anchoa spinifer),
tainhas (Mugilidae) e camarões (Farfantepenaeus subtilis), corroborando então as
informações fornecidas pelos pescadores de Ajuruteua. Ainda conforme os autores, os
camarões são presas de importância especial em virtude de sua abundância numérica e
amplo espectro de tamanhos disponíveis.
A percepção da dieta alimentar baseada em apenas alguns itens como principais
foi verificada ainda entre as esposas dos pescadores, como constatado na frase logo
abaixo:
“Sempre vem camarão, sardina e uricica quando trato peixe” (esposa de um pescador entrevistado na vila dos Pescadores).
As mulheres, em geral, também detêm amplo conhecimento do hábito alimentar
dos peixes (Lucas, submetido), adquirido geralmente através de observação direta
durante o preparo dos peixes para consumo, ao serem retiradas as vísceras dos animais e
seus respectivos conteúdos.
Batistella et al. (2005) observaram que há diferenças na forma de aprendizagem
entre homens e mulheres da comunidade Boas Novas, Amazonas. A origem do
BARBOZA, R. S. L. Interface conhecimento tradicional...
24
conhecimento da dieta alimentar dos peixes entre os homens é adquirido através de
observação comportamental desses animais e dos ensinamentos dos mais velhos;
enquanto para as mulheres, é obtido por meio de observação ao tratarem os peixes e
informação dos maridos, além do tipo de isca utilizado e observação comportamental.
Alguns estudos apontam ainda a importância do conhecimento das mulheres na
confecção de redes de pesca e coleta de caranguejos e mexilhões, entretanto, a divisão
sexual do trabalho ainda é marcante entre as comunidades pesqueiras do litoral paraense
(Almeida, 2002; Barbosa et al., 2000; Maneschy & Escallier, 2002; Maneschy, 1995b).
Este fato possivelmente tem reflexo no conhecimento empírico acumulado por homens
e mulheres, no quotidiano de trabalho de cada um.
A dieta alimentar dos peixes, sugerida pelos pescadores, aponta para a corvina o
consumo de dez principais categorias alimentares: sardinha, camarão, gó, uricica-
amarela, caíca, caraoca, peixinhos, cabeçudo, pititinga, e lama (Figura 3).
Corvina
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Lama
Pititinga
Cabeçudo
Peixinho
Caraoca
Caíca
Outros
Uricica amarela
Gó
Camarão
Sardina
Frequência de citações (%)
A J
Figura 3- Principais itens alimentares citados pelos entrevistados para dieta da corvina (A= adultos; J=Jovens).
Os itens alimentares mais citados para a cururuca foram sardinha, camarão,
sururu, pedra, lama, craca (“caraca”), uricica-amarela, ostra, “minhoca”, marisco,
pititinga, gó e areia (Figura 4).
BARBOZA, R. S. L. Interface conhecimento tradicional...
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Cururuca
0 20 40 60 80 100
Areia
Gó
Pititinga
Marisco
Minhoca
Ostra
Uricica amarela
Caraca
Lama
Pedra
Sururu
Outros
Camarão
Sardina
Frequência de citações (%)
A J
Figura 4- Principais itens alimentares citados pelos entrevistados para dieta da cururuca (A= adultos; J=Jovens).
Sardinha, camarão, peixinho, caraoca, pititinga, caíca, cabeçudo, uricica-amarela
e gó são as principais categorias alimentares sugeridas para a gó (Figura 5).
Gó
0 20 40 60 80 100
Gó
Uricica amarela
Cabeçudo
Caíca
Pititinga
Caraoca
Peixinho
Outros
Camarão
Sardina
Frequência de citações (%)
A J
Figura 5- Principais itens alimentares citados pelos entrevistados para dieta da gó (A= adultos; J=Jovens).
BARBOZA, R. S. L. Interface conhecimento tradicional...
26
Segundo os entrevistados, a dieta da pescada-amarela esteve constituída
principalmente por sardinha, uricica-amarela, camarão, gó, caíca, caraoca, corvina e
bandeirado (Figura 6).
Pescada amarela
0 20 40 60 80 100
Bandeirado
Corvina
Caraoca
Caíca
Gó
Camarão
Outros
Uricica amarela
Sardina
Frequência de citações (%)
A J
Figura 6- Principais itens alimentares citados pelos entrevistados para dieta da pescada amarela (A= adultos; J=jovens).
Considerando-se a dieta alimentar dos peixes corvina, cururuca, gó e pescada-
amarela na fase juvenil (peixe quando ainda é pequeno, segundo os pescadores) e na
fase adulta (peixe quando está grande, segundo os pescadores), temos uma diferença
discreta no número de citações para o consumo de camarão (13,4% e 25% para a
corvina, 11,8% e 18,2% para a cururuca, 17,8% e 24,4% para a gó e 4,9% e 12,7%
para a pescada-amarela, nas fases juvenil e adulta, respectivamente) e gó (10,4% e
1,5% para a corvina, 7,9% e 2,2% para a cururuca, 3% e 0% para a gó e 15,6% e 10,3%
para a pescada-amarela, nas fases juvenil e adulta, respectivamente) (Figuras 3, 4, 5 e
6). Na interpretação estatística, a análise multivariada MDS sugere que os itens
alimentares indicados pelos entrevistados na dieta das diferentes fases de vida dos
peixes corvina, cururuca, gó e pescada-amarela estão ordenados em grupos próximos,
indicando não haver distinção entre o conhecimento dos pescadores para a dieta destes
peixes quando são juvenis e adultos (Figura 7).
BARBOZA, R. S. L. Interface conhecimento tradicional...
27
Corvina
JJJJJJJ
J
JJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJ
J
JJ
J
JJJ
J
JJJJJ
J
JJJ
J
JJJJJJJJJJJJJJAAAAAAA
A
AAAAAAAAAAA
A
AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA
A
AAAAAAAAAAAAAAAAAA
Cururuca
JJJ
J
J JJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJ
JJJJJ
JJJJJJJJJ
JJ
JJJJJJJJJ JJ
J
JJAAAAAAAAAAAAAAAAAAA
A
AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA
A
AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA
AAAAA
Gó
JJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJ JJJ
JJJJJJ
JJJJJJJJJAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA AAAAAAAAAAAAAAAAAA
Pescada amarela
JJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJ
JJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJ
J
JJJ
JJJJJJJJJJJJJJJAAAAAAAAAAAAAAAAAAA
A
AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA
A
AAAAAAAAAAAAAAAAAA
Figura 7– Análise de ordenação (MDS) para os itens alimentares consumidos pelos peixes corvina (A), cururuca(B), gó (C) e pescada-amarela (D) nas fases juvenil e adulta (J= jovem; A= adulto)(Stress:0.01).
A)
B)
C)
D)
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28
Camargo (1999), ao realizar estudos de consumo alimentar entre peixes da
família Sciaenidae no estuário do rio Caeté, Bragança, verificou variação na
composição da dieta da gó durante os diferentes estágios de seu ciclo de vida, com
supressão de camarões por peixes na dieta dos indivíduos maiores. Os pescadores de
Ajuruteua revelaram o consumo de camarão principalmente na fase juvenil da gó,
entretanto o consumo de peixes, como a sardinha, é importante tanto nas fases juvenil
como adulta, segundo os pescadores (Figura 5).
Segundo Campos (1998), a dieta alimentar de adultos de cururuca no complexo
estuarino-lagunar de Cananéia (SP) é formada por presas de maiores tamanhos como
peixes e caranguejos, enquanto a dieta de indivíduos jovens apresenta predomínio de
poliquetas. Este padrão não foi relatado pelos pescadores (Figura 4). Ao investigar a
ecologia trófica de juvenis de cururuca na Bahia Blanca (Argentina), Sardiña & Cazorla
(2005b) indicam a predominância de quetognatos na dieta de juvenis de tamanho
menor; camarões e poliquetas na dieta dos juvenis de tamanho médio e crustáceos
epibênticos na dieta dos juvenis maiores.
Os resultados referentes aos conteúdos estomacais coletados em Ajuruteua
demonstram consumo de camarão (Xiphopenaeus kroyeri), sardinha (Cetengraulis
edentulus, Lycengraulis sp., Pterengraulis sp.), bagre (Ariidae) e peixes da família
Sciaenidae pela corvina (Figura 8).
Corvina
0% 20% 40% 60% 80% 100%
CE
E
1 2 3 4 5 6
Figura 8-Proporções da freqüência de ocorrência dos itens alimentares consumidos pela corvina citados pelos pescadores nas entrevistas (E) e encontrados nos conteúdos estomacais analisados (CE): 1- Bagre (Ariidae); 2- Peixe Não Identificado; 3- Corvina, Cururuca, Gó e Pescada-amarela (Sciaenidae); 4- Camarão (Xiphopenaeus kroyeri); 5- Sardinha (Lycengraulis sp., Cetengraulis edentulus, Pterengraulis sp.); 6- Outros itens alimentares.
BARBOZA, R. S. L. Interface conhecimento tradicional...
29
Observa-se então afinidade nas citações dos pescadores para o hábito alimentar
da corvina (E) e os conteúdos estomacais analisados (CE), com altas porcentagens de
ocorrência de camarão (CE=23,53%; E=18,7%), sardinha (CE=41,1%; E=44,7%) e
Cianídeos (CE=17,7%; E=7,1%) na dieta deste peixe. Os pescadores não sugeriram o
consumo de bagres pela corvina, os quais foram registrados na análise de conteúdo
estomacal, porém com a menor freqüência de ocorrência (CE=5,9%).
Na análise de conteúdo estomacal da cururuca foram encontrados camarão
(Acetes americanus), caranguejo, oligoquetas, ostras (Crassostrea sp.), mariscos,
mexilhão (Mytella sp.) e peixes (Figura 9).
Cururuca
0% 20% 40% 60% 80% 100%
CE
E
1 2 3 4 5 6 7 8 9
Figura 9- Proporções da freqüência de ocorrência dos itens alimentares consumidos pela cururuca citados pelos pescadores nas entrevistas (E) e encontrados nos conteúdos estomacais analisados (CE): 1- Sardinha; 2- Outros itens alimentares; 3- Mexilhão (Mytella sp.); 4- Camarão (Acetes americanus); 5- Minhoca (Oligoqueta); 6- Ostra (Crassostrea sp.); 7- Caranguejo; 8- Mariscos ( Bivalves); 9- Peixes não identificados.
Embora os pescadores as tenham citado como item alimentar, não foram
encontradas sardinhas nos conteúdos estomacais da cururuca. Caranguejos (CE=31,5%)
apresentaram alta proporção de ocorrência nos conteúdos estomacais examinados,
entretanto apenas um pescador (Tabela 1) citou o consumo de caranguejos por este
peixe. Por outro lado, os pescadores citaram ocorrência de mexilhão (10,26%) e
camarão (13,7%) na dieta da cururuca, também encontrados na análise de conteúdo
estomacal (10,5% e 10,5%).
Com relação à gó, camarão (Penaeidae), sardinha (Anchoa spinifer, Cetengraulis
edentulus) e peixes da família Sciaenidae foram encontrados nos conteúdos estomacais
analisados (Figura 10).
BARBOZA, R. S. L. Interface conhecimento tradicional...
30
Gó
0% 20% 40% 60% 80% 100%
CE
E
1 2 3 4 5 6
Figura 10- Proporções da freqüência de ocorrência dos itens alimentares consumidos pela gó citados pelos pescadores nas entrevistas (E) e encontrados nos conteúdos estomacais analisados (CE): 1- Peixe Não Identificado; 2- Camarão (Penaeidae); 3- Crustáceos não identificados; 4- Corvina, Cururuca, Gó e Pescada-amarela (Sciaenidae); 5- Sardinha (Anchoa spinifer, Cetengraulis edentulus); 6- Outros itens alimentares.
Todos os itens alimentares encontrados na análise de conteúdo estomacal da gó
foram citados pelos pescadores, sendo a sardinha e o camarão os principais itens
encontrados tanto nas citações dos pescadores (54,5% e 20,93%, respectivamente) como
nas análises do conteúdo estomacal da gó (35,7% e 14,2%).
A pescada-amarela apresentou bagres (Ariidae), peixes da família Sciaenidae,
camarão (Xiphopenaeus kroyeri), siri (Callinectes sp.) e sardinhas (Engraulidae) em sua
dieta alimentar (Figura 11).
Pescada amarela
0% 20% 40% 60% 80% 100%
CE
E
1 2 3 4 5 6 7
Figura 11- Proporções da freqüência de ocorrência dos itens alimentares consumidos pela pescada amarela citados pelos pescadores nas entrevistas (E) e encontrados nos conteúdos estomacais analisados (CE): 1- Sardinha (Engraulidae); 2- Corvina, Cururuca, Gó e Pescada-amarela (Sciaenidae); 3- Bagre (Ariidae); 4- Peixe Não Identificado; 5- Camarão (Xiphopenaeus kroyeri, Penaeidae); 6- Siri (Callinectes sp.); 7- Outros itens alimentares.
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31
A indicação dos pescadores do consumo de sardinha (29,6%), peixes da família
Sciaenidae(16,6%) e camarão (8,3%) pela pescada-amarela também foi encontrada na
análise de conteúdo estomacal (8,3%, 8,3% e 41,6%, respectivamente).
Apenas um entrevistado indicou a presença de bagres na dieta da pescada-
amarela; o consumo de siri não foi relatado pelos pescadores (Tabela 1). Nos conteúdos
analisados, as porcentagens de ocorrência do siri e do bagre foram de 8,3% e 16,7%,
respectivamente.
Apenas em 3 eventos (bagre na dieta alimentar indicada para a corvina; sardinha
para a cururuca e siri para a pescada-amarela), entre os 18 eventos citados pelos
entrevistados e comparados com as análises de conteúdo estomacal, não foi encontrada
congruência entre as citações e freqüência de ocorrência dos itens alimentares nos
peixes examinados. Desta forma, observa-se de um modo geral um amplo conhecimento
sobre o hábito alimentar destes peixes, revelado pelos pescadores artesanais de
Ajuruteua e corroborado pelas análises de conteúdo estomacal realizadas neste mesmo
estudo.
O fato de alguns itens citados pelos entrevistados (bagre, sardinha e pescada-
amarela), não serem encontrados nas análises de conteúdo estomacal dos peixes
estudados (corvina, cururuca e pescada-amarela, respectivamente) pode estar
relacionado à reduzida amostragem de indivíduos para cada espécie submetida à análise
(o número de indivíduos coletados variou de 18 a 26 por espécie), além disso, alguns
indivíduos não continham alimento em seu estômago (corvina = 4, cururuca = 5, gó =
11 e pescada amarela = 8). Outro fator importante que deve ser considerado é a
sazonalidade, visto que as coletas de conteúdo estomacal só foram realizadas nos meses
de dezembro e janeiro, entretanto a composição da dieta de peixes deve se modificar de
acordo com a época do ano.
Deve-se estar atento ainda para a categoria “sardina”, que abarca uma série de
espécies (Anchoa spinifer, Cetengraulis edentulus, Lycengraulis sp., Pterengraulis sp.)
e provavelmente por este motivo, sua participação nas citações das dietas dos
pescadores seja tão freqüente.
Os conhecimentos demonstrados pelos pescadores sobre a composição da dieta
alimentar da corvina, cururuca, gó e pescada-amarela encontram ainda correspondência
na literatura científica:
Camargo (1999) analisou a diversidade alimentar de alguns peixes cianídeos do
estuário do rio Caeté e revelou que a gó consome camarões (Acetes americanus,
BARBOZA, R. S. L. Interface conhecimento tradicional...
32
Xiphopenaeus sp.) e peixes como uricica (Cathorops sp.), sardinhas (Anchoa sp.),
cianídeos (Sciaenidae) e a própria gó (Macrodon ancylodon).
A cururuca alimenta-se de organismos do fundo como anelídeos, crustáceos e
pequenos peixes (Bernardes et al., 2005; Espírito-Santo & Isaac, 2005; Camargo, 1999).
A pescada-amarela é descrita como espécie carnívora que se alimenta
principalmente de camarões (Penaeus schmitti) e vários peixes, como sardinhas
(Engraulidae e Clupeidae), bagre (Hexanematichthys couma) e cururuca (Micropogonias
furnieri) (Cervigón, 1994).
No caso particular da dieta da gó, foi encontrada correspondência na literatura de
vários itens alimentares mencionados pelos entrevistados, como plantas, camarão,
uricica e sardinha (Figura 12).
Figura 12- Comparação entre os itens alimentares da Gó (Macrodon ancylodon) citados pelos entrevistados (A) e descritos na literatura (B): 1Camargo (1999), 2Fernandes (1981/1982), 3Presente estudo (ver Figura 10).
De acordo com Costa-Neto (2001) o conhecimento etnoictiológico dos
pescadores do litoral norte da Bahia é compatível com as informações acadêmicas. O
autor menciona ainda diversos trabalhos de etnoictiologia realizados com populações
pesqueiras e respaldados pela literatura científica. Outros estudos de caráter
etnoecológico também constatam a consistência das informações de pescadores sobre
hábitos alimentares de peixes (Mourão & Nordi, 2003; Silvano & Begossi, 2002; Costa-
Neto & Marques, 2000b; Paz & Begossi, 1996).
Gó
Folha, planta
Sardina
Camarão
UricicaGó
A B
Macrodon ancylodon 1
Algas, vegetais
superiores 2
Anchoa sp.1 Anchovia clupeoides 2
Cetengraulis edentulus3
Anchoa spinifer3
Xiphopenaeus kroyeri 2
Cathorops sp. 1 M. ancylodon
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33
Com base na percepção dos pescadores de Ajuruteua sobre comportamento
alimentar dos peixes foi possível construir uma tabela com fenômenos tróficos, como
base da cadeia alimentar8, fisiologia alimentar e canibalismo (Tabela 2).
Tabela 2- Percepção popular de fenômenos relacionados com a alimentação de peixes de Ajuruteua, PA- Brasil, segundo os pescadores artesanais locais.
Citações dos pescadores locais Fenômenos relacionados à alimentação “Sardina é a farinha dos peixes”. Base da cadeia alimentar
"Gó (Macrodon ancylodon) come muito e vomita as sardinhas".
Fisiologia alimentar
"Gó (M. ancylodon) come ela mesma”. Canibalismo
A freqüente citação da sardinha como base alimentar foi constatada a partir da
própria análise de conteúdo estomacal realizada (ver Figuras 8, 10 e 11) e informações
da literatura sobre a dieta alimentar de peixes do estuário do rio Caeté (Krumme et al.,
2004).
O fenômeno fisiológico indicado na segunda frase (“vômito de peixe”) é
conhecido pelos pescadores de Marudá, região do nordeste paraense, como lizeira e
serve como sinal empregado por estes na localização de um pesqueiro (Furtado, 1987).
Outro aspecto citado pelos entrevistados, a prática de canibalismo entre
indivíduos de Macrodon ancylodon, encontra-se também registrado na literatura
científica (Camargo, 1999; Cordo, 1986; Juras &Yamaguti, 1985).
Durante a aplicação dos formulários os entrevistados forneceram ainda
informações sobre o hábito alimentar de outros peixes, como bagre, caíca (tainha) e
peixe-pedra. Estes conhecimentos foram reunidos em uma tabela de cognição
comparada junto a informações disponíveis na literatura (Tabela 3).
Tabela 3- Tabela de cognição comparada entre informações dos pescadores artesanais de Ajuruteua, PA (Brasil) e da literatura sobre ecologia trófica.
Citações das entrevistas dos pescadores Citações da literatura
“Bagre come caranguejo”. “Arius herzbergii (Hexanematichthys couma) se alimenta principalmente de pequenos caranguejos braquiúras como Uca sp” (Krumme et al., 2004).
8 Conforme verificado anteriormente, a sardinha funciona como importante elo basal para a rede trófica do ambiente estudado, pois vários peixes funcionam como seus predadores, daí o termo predação basal, utilizado por Marques (1995).
BARBOZA, R. S. L. Interface conhecimento tradicional...
34
Continua...
“Caica (Tainha) e sardina se alimentam de água”.
“(Mugil curema) alimenta-se de detritos e plâncton” (Espirito-Santo & Isaac, 2005).
“(Cetengraulis edentulus) alimenta-se de zooplâncton e certas algas” (Espírito-Santo & Isaac, 2005).
“Caíca (Tainha) é peixe de cabeceira, come lodo”.
“(Mugil curema) alimenta-se de detritos e plâncton” (Espírito-Santo & Isaac, 2005).
“Todas as tainhas examinadas apresentaram intestino escurecido por substâncias ingeridas, indicando hábito iliofago” (Krumme et al., 2004).
“(Mugil liza) alimenta-se principalmente de detritos orgânicos e também algas filamentosas” (Cervigón, 1994).
“As tainhas subsistem largamente de detritos e pequenas células de algas (...), muito do material ingerido é areia e outros materiais não digeríveis” (Moyle & Cech-Junior, 1996, apud Costa-Neto & Marques, 2000b).
“Peixe-pedra come sururu e ostra”.
“Peixe-pedra fica no lameiro, no fundo, come sururu”.
“Peixe-pedra (Genyatremus luteus) se alimenta principalmente de Mytella falcata quando há bancos deste Bivalvia” (Fernandes (1981/82) apud Almeida et al., 2005)
Krumme et al. (2004) registraram o consumo de caranguejos por bagres, fato
também percebido entre os pescadores entrevistados.
Os pescadores mencionaram a “água” como importante alimento para os peixes
caíca e sardinha. A percepção de “comer água” tem relação direta com o hábito filtrador
desses peixes, reportado por Espírito-Santo & Isaac (2005). Desta forma, pelo fato de
alguns organismos planctônicos apresentarem tamanho microscópico e estarem emersos
em águas marinhas e estuarinas, os mesmos devem ter sido relacionados à água ingerida
pelos peixes na obtenção de plâncton. O plâncton é constituído por organismos de
tamanho reduzido com poder limitado de locomoção, sendo transportados pela corrente
de água, incluindo algas microscópicas, larvas de moluscos, crustáceos e peixes, além
de pequenos animais (Bonecker et al., 2002).
A categoria alimentar “lodo” também foi atribuída pelos entrevistados na dieta
da caíca. De acordo com Costa-Neto (2001), “lodo” e “lama” fazem referência a
detritos, tais como grãos de areia, lama, pedaços de tecidos, fragmentos vegetais, entre
outros. Tal hábito detritívoro é documentado para algumas espécies de caíca (Espírito-
Santo & Isaac, 2005; Krumme et al., 2004; Moyle & Cech-Junior, 1996, apud Costa-
Neto & Marques, 2000b; Cervigón, 1994).
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Estudos realizados por Fernandes (1981/82) apud Almeida et al. (2005)
corroboram a afirmação dos pescadores de que moluscos, como sururu, fazem parte da
dieta alimentar do peixe-pedra.
As variações no padrão alimentar de alguns peixes sugeridas pelos entrevistados
foram organizadas em categorias de hábito alimentar utilizadas por ictiólogos, a saber:
planctófagos, piscívoros, carnívoros, herbívoros e detritívoros. Estas categorias foram
adotadas a fim de facilitar a compreensão e relacionamento entre o conhecimento dos
pescadores, formado por categorias êmicas, e o conhecimento descrito por
pesquisadores, as categorias éticas (Viertler, 2002).
Assim, os peixes caíca e sardina foram considerados planctófagos e detritívoros;
a arraia, piscívora; corvina e gó, piscívoras, carnívoras e detritívoras; o peixe-pedra,
carnívoro e detritívoro; a cururuca, piscívora, carnívora, herbívora e detritívora; a
pescada-amarela, piscívora, carnívora, herbívora e detritívora; o tralhoto, detritívoro
(Tabela 4).
Tabela 4- Descrição das categorias de hábito alimentar de alguns representantes da ictiofauna de Ajuruteua, PA- Brasil, segundo os pescadores artesanais locais. Categorias êmicas Categoria ética Peixes citados Peixes que se alimentam da água Planctófagos caíca, sardina
Peixes que comem peixes Piscívoros arraia, corvina, cururuca, gó, pescada- amarela
Peixes que comem sururu e camarão Carnívoros corvina, cururuca, gó, peixe-pedra e pescada-amarela
Peixes que comem folha, pedaço de pau Herbívoros cururuca, pescada-amarela
Peixes que comem lama, lodo Detritívoros caíca, corvina, cururuca, gó, pescada- amarela, peixe-pedra, sardina, tralhoto
Batistella et al. (2005) estudaram os aspectos etnoictiológicos de moradores da
comunidade de Boas Novas, Amazonas, enquadrando as espécies citadas pelos
pescadores em seis categorias de hábitos alimentares (píscivoros, carnívoros, onívoros,
herbívoros, iliófagos e planctívoros) e verificaram uma correlação de 83% entre as
informações dos entrevistados e aquelas encontradas na literatura.
Mourão & Nordi (2003) realizaram estudos etnobiológicos semelhantes entre
pescadores artesanais da Paraíba e obtiveram maior número de peixes na categoria
iliófagos (peixes que comem lama e lodo) que nas demais categorias (oportunistas,
carnívoros, piscívoros, planctófagos e insetívoros).
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Entre as 10 espécies incluídas em estudo etnoictiológico na Floresta Nacional de
Caxiuanã (Pará), quatro foram categorizadas como detritívoras (Silva & Montag, 2003).
No presente estudo, foram registrados oito peixes detritívoros (sardinha, caíca,
peixe-pedra, tralhoto, corvina, cururuca, gó e pescada-amarela) pelos pescadores de
Ajuruteua. Inclusive, pesquisas desenvolvidas na área de estudo enfatizam a
importância de cadeias alimentares estuarinas baseadas em detrito, visto que 77% do
peso total de peixes capturados para a realização de um estudo ecológico no estuário do
rio Caeté corresponderam a 15 espécies detritívoras (Krumme et al., 2004).
Wolff et al. (2000) construíram um modelo de fluxo trófico no estuário do rio
Caeté e verificaram que uma parte significante da produção dos mangues não é utilizada
diretamente pelo sistema, fazendo parte da reserva de detrito, a qual é usada novamente
por vários grupos.
De acordo com os pescadores de Piracicaba, São Paulo, os detritos são o
principal alimento para consumidores primários e ainda complementam a dieta de
outros peixes (Silvano & Begossi, 2002). Para Lowe McConnel (1987, apud Mourão &
Nordi, 2003) a base das cadeias tróficas tropicais é composta por peixes detritívoros.
Os pescadores de Ajuruteua lançam mão de seu conhecimento acurado sobre os
hábitos alimentares de peixes na realização de suas atividades pesqueiras, sendo
observado na área de estudo o extenso emprego de iscas vivas de uricica-amarela
(Cathorops spixii) na pescaria da pescada-amarela (Figura 13). Na cidade de Barra,
Bahia, os pescadores costumam armar suas redes de pesca principalmente no período de
frutificação das plantas, em virtude da maior concentração de peixes frugívoros nesse
período (Costa-Neto et al., 2002). Marques (1995) sugere que o conhecimento
detalhado das cadeias tróficas peixes/presas adquire caráter utilitário, pois a inserção
correta do item alimentar/isca otimizará o esforço de pesca. As iscas maximizam ainda a
produção dos pescadores com a coleta de recursos de maior valor econômico ou de
melhor aceitação estético/gustativa (Costa-Neto, 2001; Costa-Neto, 2000).
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Figura 13- Viveiros utilizados pelos pescadores para conservação de uricicas-amarelas (Cathorops spixii) vivas, para emprego como isca na pesca da pescada-amarela (Fotos de Roberta Barboza, 2006).
b)Predadores
Em relação aos predadores da corvina, cururuca, gó e pescada-amarela, foram
mencionados 35 tipos, correspondendo a peixes (n=33), crustáceo (n=1) e mamífero
(n=1). Dentre os quatro peixes selecionados no presente estudo, a gó apresentou maior
variação no número de predadores, com 27 tipos de predadores citados, seguida da
corvina (n=21) e da cururuca (n=18), enquanto para a pescada-amarela apenas 10
predadores foram listados. As citações dos pescadores apontam a gó como importante
elo basal na dieta de outros peixes (Tabela 5).
Tabela 5- Freqüência de citações dos pescadores artesanais de Ajuruteua, PA (Brasil) para os predadores de corvina, cururuca, gó e pescada-amarela.
Predadores
Corvina (Cynoscion
microlepidotus)
Cururuca (Micropogonias
furnieri)
Gó (Macrodon ancylodon)
Pescada (Cynoscion
acoupa) n % n % n % n % Arraia 7 4,9 8 6,8 28 14,3 - - Baiacu 1 0,7 1 0,9 8 4,1 1 0,9 Bagralhão - - - - 3 1,5 - - Bagre 1 0,7 1 0,9 3 1,5 - - Bandeirado 1 0,7 1 0,9 10 5,1 - - Bejupira - - 1 0,9 2 1,0 - - Boto 1 0,7 4 3,4 - - 3 2,8 Cabeção 1 0,7 - - - - - - Cação 21 14,6 15 12,8 13 6,6 11 10,4 Camurim 1 0,7 1 0,9 2 1,0 1 0,9
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Continua...
Em estudos semelhantes, Silvano & Begossi (2002) registraram 23 espécies de
predadores para as 10 espécies de peixes utilizadas na pesquisa com os pescadores de
Piracicaba, SP.
O tubarão aparece como principal predador apontado pelos pescadores de
Ajuruteua para a corvina e pescada-amarela, neste último caso alcançando quase 50%
das citações. O mero alcança o ranking de segundo predador mais citado para a corvina
(20,1%), cururuca (17,9%) e pescada-amarela (17%). O cação também se apresentou
como predador de destaque, correspondendo a 14,6% das citações para a corvina;
Predadores
Corvina (Cynoscion
microlepidotus)
Cururuca (Micropogonias
furnieri)
Gó (Macrodon ancylodon)
Pescada (Cynoscion
acoupa) n % n % n % n % Cangatã - - - - 1 0,5 - - Carapema 1 0,7 - - - - - - Corvina 2 1,4 1 0,9 29 14,8 - - Cururuca - - - - 2 1,0 - - Espardarte 4 2,8 2 1,7 - - 7 6,6 Gó 3 2,1 - - 2 1,0 - - Gorajeira - - - - 1 0,5 - - Guaravilha - - - - 5 2,7 - - Gurijuba 1 0,7 1 0,9 9 4,6 - - Jiquiri - - 2 1,7 2 1,0 - - Jurupiranga - - - - 1 0,5 - - Mero 29 20,1 21 17,9 12 6,1 18 17,0 Pacamon - - 1 0,9 1 0,5 - - Peixe grande - - - - - - 1 0,9 Pescada amarela 12 8,3 8 6,8 42 21,4 - - Pirapema 4 2,8 - - 2 1,0 - - Sacuri 1 0,7 - - - - - - Serra 1 0,7 - - 3 1,5 - - Siri - - - - 4 2,0 - - Tintureira 4 2,8 2 1,7 - - 7 6,6 Tubarão 40 27,8 20 17,1 3 1,5 50 47,2 Uricica - - - - - - 1 0,9 Uritinga - - - - 3 1,5 - - Xaréu 1 0,7 1 0,9 4 2,0 - - Qualquer peixe - - - - 1 0,5 - - NS 7 4,9 26 22,2 - - 6 5,7
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12,8% para a cururuca e 10,4% para a pescada-amarela. A pescada-amarela foi indicada
como importante predador da corvina (8,3%) e da cururuca (6,8%) (Figura 14).
A-Corvina
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50
Outros
Corvina
Gó
Espardarte
Pirapema
Tintureira
Arraia
NS
Pescada amarela
Cação
Mero
Tubarão
%
B- Cururuca
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50
Outros
Jiquiri
Tintureira
Boto
Arraia
Pescada amarela
Cação
Tubarão
Mero
NS
%
C- Gó
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50
Outros
Guaravilha
Siri
Xareu
Baiacu
Gurijuba
Bandeirado
Cação
Arraia
Corvina
Pescada amarela
%
D- Pescada amarela
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50
Baiacu
Camurim
Peixe Grande
Uricica
Boto
NS
Espardarte
Tintureira
Cação
Mero
Tubarão
%
Figura 14– Principais predadores da corvina (A), cururuca (B), gó (C) e pescada-amarela (D) sugeridos pelos entrevistados.
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Vale destacar ainda que 22,2% dos entrevistados não souberam apontar nenhum
predador para a cururuca, enquanto para a corvina esta porcentagem foi de 4,9%; já para
pescada-amarela o número foi de 5,7%. Os principais predadores sugeridos para a gó
seguem um padrão um pouco diferente daquele sugerido para os demais peixes. Todos
os entrevistados indicaram predadores da gó, sendo os mais citados a pescada-amarela
(21,4%), corvina (14,8%), arraia (14,3%), cação (6,6%) e mero (6,1%) (Figura 14).
Os resultados da análise multivariada MDS sugerem a ordenação de um grupo
principal de predadores comuns a corvina, cururuca, gó e pescada-amarela, e de outros
dois grupos de predadores, um para a gó e outro para a pescada-amarela. No caso da
pescada-amarela essa formação de um grupo diferente deve estar relacionada à ausência
de predadores para este peixe, os quais são comuns aos demais peixes. Em relação à gó
ocorre o inverso, pois este peixe apresentou alguns predadores que não ocorrem nos
outros grupos (Figura 15).
COCOCOCOCOCOCOCOCOCOCOCOCOCOCOCOCOCOCOCOCOCOCO
COCOCOCOCOCOCOCOCOCOCO
COCOCO
COCOCOCOCOCOCOCOCOCO
COCOCOCO
COCOCOCOCOCOCOCO
COCOCOCOCOCOCO
COCOCOCOCOCOCOCUCUCU
CUCU
CUCUCUCUCUCUCUCU
CUCUCUCUCU
CUCU
CUCUCUCUCUCUCUCUCUCU
CUCUCU
CUCUCUCU
CUCUCU
CUCUCUCU
CUCU
CUCUCUCUCU
CUCU
CUCUCU
CUCUCU
CUCUCUCU
CUCUCUCUCUCUCUCUCUCUGOGOGOGOGOGOGOGOGOGOGOGOGOGOGOGOGOGOGOGOGOGOGOGOGOGOGOGOGOGOGOGOGOGOGO
GO
GOGOGOGOGOGOGOGOGOGOGOGOGOGOGOGO
GOGOGOGOGOGOGOGOGOGOGOGOGOGOGOGOGOGOGOGOGOPAPAPAPA
PAPAPAPAPAPAPAPAPAPAPAPAPAPAPA
PA
PAPAPAPAPAPAPAPAPAPAPA
PAPAPAPAPAPAPAPAPAPA
PAPAPAPA
PAPAPAPAPAPAPA
PAPAPAPAPAPAPAPA
PAPAPAPA
PAPAPAPAPAPAPAPAPA
Figura 15– Análise de ordenação (MDS) para os predadores apontados para a corvina (CO), cururuca (CU), go (GO) e pescada-amarela (PA) (Stress:0.01).
Em relação à análise de correlação Spearman não foi encontrada associação
entre a idade dos entrevistados e o número de perguntas sobre alimentação (dieta e
predadores) em que o entrevistado informou não saber responder a pergunta (respostas
= “não sei”) (p= 0.284613). Este resultado nos remete a conclusão de que os pescadores
apresentaram dúvidas sobre a ecologia trófica de peixes independente de suas idades,
entretanto no presente estudo não foram analisadas outras variáveis como o tempo de
trabalho na pescaria ou tipo de pescaria (tipo de artes de pesca usadas, bem como
espécies capturadas) que podem influenciar no padrão de respostas dos pescadores.
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Além disso, o parâmetro “não sei” (perguntas não respondidas), foi o único adotado na
averiguação da relação idade x conhecimento dos pescadores.
Silvano & Begossi (2002) afirmam que o saber popular sobre peixes está ligado
ao número de observações de eventos biológicos, sendo sua difusão e manutenção
dependentes do uso direto destes conhecimentos. No caso da predação, o conhecimento
é adquirido através de observações de peixes se alimentando de outros peixes presos nas
redes e de verificação de conteúdos estomacais, e podem ser bastante úteis na pesca,
pois os pescadores devem evitar colocar suas redes em locais de ocorrência de
predadores.
1.5. CONCLUSÕES
Os pescadores artesanais de Ajuruteua possuem conhecimento detalhado acerca
dos hábitos alimentares dos seguintes peixes: corvina, cururuca, gó e pescada-amarela.
No entanto, parecem não perceber diferenças nas dietas destes peixes em suas diferentes
fases de vida.
As citações dos pescadores acerca dos hábitos alimentares da ictiofauna
oferecem indícios que os peixes estudados apresentam comportamento
predominantemente oportunista, pois além de se alimentarem principalmente de
camarão e sardinha, além de gó (no caso da corvina, cururuca e pescada-amarela),
mexilhão (no caso da cururuca) e uricica-amarela (no caso da corvina e pescada-
amarela), consomem outros itens, provavelmente quando da escassez dos itens
principais ou disponibilidade desses outros itens.
Verificou-se compatibilidade entre os principais itens alimentares indicados
pelos pescadores, fornecidos pela literatura científica e analisados a partir dos conteúdos
estomacais coletados.
Os pescadores demonstraram ter conhecimento da existência de diferenças na
composição dos grupos de predadores dos peixes corvina, cururuca, gó e pescada-
amarela.
Os entrevistados apresentaram dúvidas, independente de suas idades, sobre a
dieta alimentar e predadores dos peixes: corvina, cururuca, gó e pescada-amarela.
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1.6. REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS
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Capítulo 2
Etnoictiologia dos pescadores artesanais de Ajuruteua (PA):
aspectos relacionados com etologia, usos de hábitat, migração e
reprodução de peixes da família Sciaenidae.
“Peixe na água não tem paradeiro certo, a maré baixa, a maré traz”
“Antes o caranguejo tinha época de andada, antes a sardina entrava para
desovar, como a mulher que só se casava depois dos 20, hoje não tem idade...”
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RESUMO- O uso racional dos recursos pesqueiros com vistas à sua conservação depende de um manejo bem estruturado e apoiado em informações sobre a biologia das espécies, que podem ser obtidas através do uso de ferramentas etnobiológicas. Nesse contexto, foi realizado um levantamento do conhecimento de pescadores artesanais da vila dos Pescadores e vila Bonifácio (Ajuruteua- Pará) acerca do comportamento, usos de hábitat, migração e reprodução dos peixes da família Sciaenidae: corvina (Cynoscion microlepidotus), cururuca (Micropogonias furnieri), gó (Macrodon ancylodon) e pescada-amarela (Cynoscion acoupa). A metodologia consistiu na aplicação de formulários semi-estruturados em 40% das famílias nas duas comunidades estudadas (N=74). Os principais pontos de pesca apontados pelos pescadores foram marcados com receptores de GPS (Global Position System). O grau de associação entre o número de perguntas sobre reprodução não respondidas pelos pescadores e suas respectivas idades foi verificado através da Correlação de Spearman. Os resultados apresentados revelam o saber acurado e detalhado dos pescadores de Ajuruteua. Foram relatados fenômenos etológicos relacionados com fisiologia, reprodução e parasitismo. Os pescadores indicaram também as principais unidades espaciais ocupadas pelos peixes e prováveis razões (bióticas e abióticas) para o deslocamento entre essas unidades. Revelaram ainda dados compatíveis com a literatura em termos de local e período de desova. Não houve associação entre a idade atual dos pescadores e o conhecimento sobre aspectos reprodutivos dos peixes (p=0.406). Desta forma, é destacado no presente trabalho o papel fundamental da etnobiologia na obtenção de dados plausíveis para o manejo da pesca a partir do conhecimento de pescadores. Palavras-chaves: Recursos pesqueiros, Etnobiologia, Sciaenidae, Sustentabilidade, Brasil.
ABSTRACT- Ethno-ichthyology of fishes from Sciaenidae family perceived by traditional fishermen from Ajuruteua, PA. The responsible use of fishing resources depends upon well-structured management informed by species biology, which can be obtained trough ethnobiology studies. In this context, the purpose of this study is to describe the traditional knowledge of fishermen regarding the behavior, habitat use, migration and reproduction of fishes from Sciaenidae family - smallscale weakfish (Cynoscion microlepidotus), whitemouth croaker (Micropogonias furnieri), king weakfish (Macrodon ancylodon) and acoupa weakfish (Cynoscion acoupa) in the villages of Pescadores and Bonifacio (Ajuruteua-PA). Data were obtained trough semi-structured interviews with fishermen from 40% of the families in the villages studied (N=74). Global Position System (GPS) was used to mark the main fishing spots. Association between the knowledge of fishermen regarding fish reproduction and fishermen age were verified through Spearman Correlation. Results show a detailed and accurate knowledge from the fishermen regarding aspects of fish behavior, physiology, reproduction and parasite attack. They also identified the main spatial units occupied by fishes and indicated probable reasons for fish migration within these spatial units. Fishermen also cited the period and location of spawning of study fishes in concordance with scientific literature. Correspondence between fishermen’s knowledge of fishes reproduction and fishermen ages were not found (p=0.406). As such, the fundamental role of ethnobiology in the collection of data that incorporates the popular knowledge of fishermen for fisheries management is recognized in this study. Key words: Fishing resources, Ethnobiology, Sciaenidae, Sustainability, Brazil.
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2.1.INTRODUÇÃO
O uso racional dos recursos pesqueiros com vistas à sua conservação depende de
um manejo bem estruturado e apoiado em informações sobre a biologia das espécies,
tais como crescimento, fecundidade, hábitos alimentares, época e local de desova,
comprimento e idade da primeira maturação (Yamaguti, 1967). Quando se fala em
manejo de recursos estuarinos é necessário considerar toda a complexidade físico-
química do ecossistema sobre sua biota, cujas estratégias adaptativas à alta variabilidade
diária e sazonal das condições ambientais e estresse fisiológico vão desde mecanismos
de regularização osmótica à realização de deslocamentos (Miranda et al., 2002;
Camargo & Isaac, 2001).
O gerenciamento desses sistemas é de grande relevância em virtude do papel
ecológico, econômico e social que desempenham. O sistema estuarino do rio Caeté
(PA), por exemplo, apresenta-se como área de reprodução e criadouro de várias espécies
de peixes, camarões e caranguejos (Camargo, 1999), além de funcionar como
importante fonte de alimento e renda para as populações humanas ribeirinhas (Glaser &
Grasso, 1998; Glaser et al., 1997). Segundo Glaser (2003), há uma forte ligação das
populações humanas em torno do estuário do rio Caeté com o manguezal, o qual
promove geração de renda através da extração e comercialização de seus produtos para
68% das unidades domésticas locais.
Entretanto, o manejo dos recursos naturais deve ser baseado não apenas nas
características ecológicas do sistema manejado, mas também deve ser contextualizado
dentro da realidade social na qual os usuários se inserem (Begossi et al., 2004). Nishida
(2005) realça a importância do saber êmico de comunidades ribeirinhas em áreas
estuarinas nas propostas de manejo e regulamentação pelos órgãos ambientais. A
decodificação dos conhecimentos locais, por meio de abordagem etnoecológica, coloca
à disposição dos estudiosos informações valiosas sobre aspectos de funcionamento e
estruturação dos ecossistemas aquáticos, sobre a ecologia e comportamento dos peixes,
diversidade das espécies e interações ecológicas (Valbo-Jorgensen & Poulsen, 2000;
Thé et al., 2003; Hanazaki, 2002; Ruddle, 1994; Warner, 1997; Seixas & Begossi,
2001).
Estudos etnoictiológicos demonstram a correspondência entre o conhecimento
dos pescadores e as informações disponíveis na literatura científica, sendo fundamental
a participação dos pescadores em decisões de manejo de recursos pesqueiros (Mourão &
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Nordi, 2003; Costa-Neto et al., 2002; Poizat & Baran, 1997; Paz & Begossi, 1996). O
uso do conhecimento local nos trópicos tem potencial de grande valor devido à escassez
de dados, carência de investimentos em pesquisas (Ruddle, 1994; Johannes, 1998;
Silvano & Begossi, 2002) e relação custo-benefício do método, considerado barato, de
fácil treinamento e fornecedor de informações valiosas acumuladas durante gerações
(Valbo-Jorgensen & Poulsen, 2000).
Silvano (2004) sugere ainda a aplicação da etnobiologia na compreensão dos
movimentos migratórios dos peixes, um tópico de difícil investigação científica, pois
exige pesquisas de ampla escala espacial e temporal. Todavia, o conhecimento local
deve ser coletado sistematicamente, organizado e verificado cientificamente antes de ser
combinado com informações geradas segundo a tradição científica-academicista
(Ruddle, 1994).
Voltando a atenção para o sistema estuarino do rio Caeté, tem-se uma
composição de cerca de 100 espécies de peixes, com destaque para a família Sciaenidae
(Camargo & Isaac, 2001; Camargo, 1999), cujas informações ecológicas poderiam estar
sendo resgatadas por meio de instrumentos etnobiológicos, adotando-se para tal o saber
popular dos pescadores locais.
Desta forma, o presente estudo pretende investigar o conhecimento de
pescadores artesanais da vila dos Pescadores e vila Bonifácio, localizadas em Ajuruteua,
no litoral nordeste do Estado do Pará, acerca de informações do comportamento, usos
de hábitat, migração e reprodução dos peixes da família Sciaenidae: corvina (Cynoscion
microlepidotus), cururuca (Micropogonias furnieri), gó (Macrodon ancylodon) e
pescada amarela (Cynoscion acoupa).
2.1. DESCRIÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO
A vila dos Pescadores (00°51’07.0”S, 046°36’02.5”W) e vila Bonifácio
(00°50’58.9”S, 046°36’28.7”W) se localizam em Ajuruteua, no município de Bragança,
situado no nordeste paraense, região norte do Brasil (Figura 1). Ajuruteua é formada por
três vilas: a)Bonifácio; b) vila dos Pescadores, conhecida também como Ajuruteua; c)
Praia de Ajuruteua ou Campo.
Em virtude do fácil acesso às vilas e, principalmente, da possibilidade de
utilização dos estudos ictiológicos e ecológicos desenvolvidos em Bragança para
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verificação das correspondências com o saber local dos pescadores, é que a região foi
escolhida para a realização da pesquisa.
Figura 1- Localização das áreas de estudo (Adaptado de Lara & Dittmar, 1999).
a) Aspectos Naturais
A área de estudo pertence à Planície Costeira Bragantina, a qual apresenta 40 km
de linha de costa estendendo-se desde a Ponta do Maiaú até a Foz do rio Caeté (Souza-
Filho, 2001). O Estuário do rio Caeté apresenta cerca de 30 km de comprimento - desde
a cidade de Bragança até a desembocadura do rio - e extensão de 10 km na porção
próxima ao oceano (Camargo & Isaac, 1998).
É uma costa dominada por macromarés semidiurnas com amplitude de 3 a 5 m
(Wolff et al., 2000; Bastos et al., 2001) e com 3 domínios geomorfológicos: Planície
Aluvial (canal fluvial), Planície Estuarina (canal estuarino) e Planície Costeira
(ambientes de pântano salino, dunas costeiras, praias e planície de maré-manguezais)
(Souza-Filho, 1995, apud Souza-Filho, 2001).
Possui dois períodos pluviométricos distintos, um de maior e outro de menor
intensidade: 1) de janeiro a junho, sendo o mês de março o mais chuvoso, com média de
705 mm; 2) de julho a dezembro, sendo outubro o mês de menor incidência de chuvas,
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em média 1,9mm (Bastos et al., 2001).
A temperatura do ar na região varia pouco durante o ano (25 a 28°C), com
menores valores ocorrendo na estação mais chuvosa. A temperatura da água varia entre
27 a 30°C (Koch & Wolff, 2002).
A região é representada por vegetações de terra firme, planície herbácea,
manguezal, manguezal degradado e restinga (Cohen et al., 2001). Os mangues ocupam
95% de toda área costeira, cujos gêneros dominantes são Rhizophora, Avicennia e
Laguncularia, associados com Spartina e Conocarpus (Souza-Filho & El-Robrini,
1996, apud Souza-Filho, 2001).
b)Aspectos Sócio-econômicos
A região de Bragança apresenta baixo desenvolvimento industrial e práticas
moderadas de pecuária bovina e de agricultura. Esta última é voltada principalmente
para o cultivo de arroz, feijão e mandioca (Lara, 2003).
De acordo com estudos de Glaser (2003), a estrutura do sistema de manguezais
local caracterizado por padrões de flutuações determinados pela combinação de um
regime de macro-marés e topografia de planície, dominância de três espécies de árvores
na composição florística e abundância do caranguejo Ucides cordatus está intimamente
relacionada às principais atividades sócio-econômicas do município. A diversidade
ofertada pelo ecossistema e aproveitada pelos moradores da região é representada por
19 tipos de produtos listados por Glaser et al. (1997). O caranguejo U. cordatus é
considerado a espécie comercial mais importante (vendido por 42% das famílias), mas o
uso de madeira também é expressivo, bem como a pesca artesanal (Glaser et al., 1997;
Glaser & Berger, 1999; Barros, 2001).
É importante destacar, conforme Glaser et al. (1997), que há diferenças quanto
ao padrão de uso dos recursos oferecidos pelo manguezal entre as 21 comunidades
analisadas por Glaser & Berger (1999) e Glaser (2003), dentre as quais a vila dos
Pescadores e a vila Bonifácio.
2.3.METODOLOGIA
a) Coleta dos dados
Adotou-se a amostragem do tipo “snow ball” (Bailey, 1994 apud Albuquerque
& Lucena, 2004), que consiste na indicação dos novos informantes pelos próprios
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entrevistados, para aplicação de formulários entre os pescadores da vila dos Pescadores
e vila Bonifácio, considerando um pescador por domicílio.
Inicialmente, foi utilizado um formulário piloto (Albero et al., 1997) junto a uma
amostra pequena de pescadores (N=5), onde as perguntas foram testadas e
posteriormente reestruturadas, empregando-se termos locais. Na aplicação dos
formulários semi-estruturados (ver apêndice) foram realizadas quatro excursões de
campo, totalizando 12 dias de pesquisas na área de estudo no período de julho a agosto
de 2005, que resultou em 74 entrevistas semi-estruturadas (Viertler, 2002) em 40% das
famílias nas comunidades estudadas. As entrevistas foram realizadas nas casas dos
pescadores, tabernas, portos e barracões (espaços utilizados pelos pescadores para o
conserto de suas redes) (Figura 2). A média de idade dos entrevistados foi de 39,5 anos
(SD=13,4).
Figura 2- Realização dos formulários em Ajuruteua, Bragança-PA (Fotos de Myrian Barboza, 2006).
O formulário incluiu perguntas sobre hábitats utilizados, movimentos
migratórios e reprodução dos peixes corvina (Cynoscion microlepidotus), cururuca
(Micropogonias furnieri), gó (Macrodon ancylodon) e pescada-amarela (Cynoscion
acoupa). Tais espécies foram selecionadas com base em dois critérios:
1-Verificação da existência de informações ecológicas na literatura científica
para essas espécies na área de estudo;
2-Importância do ponto de vista sócio-econômico destas espécies para os
pescadores das vilas estudadas. Entendem-se aqui as principais espécies capturadas,
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comercializadas e consumidas, a partir das quais, portanto, os pescadores organizam
suas atividades e estratégias produtivas. Segundo Silvano & Begossi (2002) o
conhecimento popular dos pescadores é mais detalhado para espécies abundantes e
úteis, especialmente aquelas de valor comercial.
Durante a aplicação dos formulários tomou-se nota ainda de frases e explicações
citadas pelos pescadores acerca de padrões comportamentais dos peixes selecionados,
além de aspectos reprodutivos e etológicos de outros peixes.
A partir da dificuldade constatada em obter dados relacionados com padrões
migratórios dos peixes, optou-se em utilizar apenas as informações sobre as prováveis
razões apontadas para deslocamentos realizados pelos peixes. Acredita-se que tal
dificuldade tenha se originado do fato de alguns entrevistados não perceberem padrões
migratórios entre peixes, no entanto, as perguntas dos formulários já partiam do
pressuposto que os pescadores compreendiam tais padrões, ou que os padrões de fato
existiam. Sugere-se o emprego da metodologia história oral junto com mapas cognitivos
(mapeamento comunitário) (Albuquerque & Lucena, 2004; Viertler, 2002) e mapas da
área de estudo para a coleta de dados deste tipo.
Os dados referentes aos habitats ocupados pelos peixes foram complementados
por um mapa (Figura 3), elaborado por um pescador experiente – informante-chave
(Albuquerque & Lucena, 2004), contendo os pesqueiros9 citados pelos pescadores
durante as entrevistas10.
Em dezembro de 2005 foram realizadas excursões embarcadas a fim de obter as
coordenadas geográficas de alguns pesqueiros e pontos de referência para a pesca
descritos neste mapa. Apesar dos pescadores também utilizarem pesqueiros distantes da
costa (“mar aberto”), as viagens apenas foram realizadas em áreas próximas à costa.
Durante estas excursões embarcadas, um pescador experiente indicou in loco os
pesqueiros apontados no mapa, além de outros pontos importantes, os quais foram
registrados em um aparelho receptor de GPS- Global Position System (Close & Hall,
2005).
9 O termo “pesqueiros” compreende uma denominação própria reconhecida entre os pescadores de Ajuruteua para definir os principais pontos de pesca utilizados. Furtado (1987) registrou o uso deste termo entre os pescadores de Marudá (PA). A autora documentou ainda o uso do termo desde a época colonial. 10 De acordo com Davis & Wagner (2003), as pessoas da comunidade detêm o conhecimento dos fatores ecológicos e pontos mais pertinentes para o sucesso da pesca, adquiridos através do tempo, como conseqüência da necessidade e experiência.
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b)Armazenamento e tratamento dos dados.
Empregou-se um banco de dados para o armazenamento dos dados. Para tal, foi
utilizado o programa Acess, 2000. Os resultados relacionados a aspectos reprodutivos
dos peixes foram organizados em uma tabela de cognição comparada (Marques, 1995),
onde, segundo Costa-Neto & Marques (2000a), trechos das entrevistas registradas são
comparados com trechos da literatura científica.
As coordenadas geográficas dos principais pontos pesqueiros e alguns pontos de
referência para a pesca local foram plotados em um mapa georreferenciado de Bragança
com uso do programa Arcview 8 no Laboratório de Análises de Imagens do Trópico
Úmido (LAIT-UFPA) .
Com o intuito de verificar o grau de associação entre o número de perguntas
sobre reprodução não respondidas pelos pescadores e suas respectivas idades (idade
atual e idade que começou a pescar), com o propósito de analisar se os pescadores mais
velhos detêm maior conhecimento sobre aspectos reprodutivos dos peixes, admitindo-se
que o menor número de perguntas não respondidas pelos pescadores indica maior
conhecimento, foi realizada a Correlação de Spearman através do programa de
Estatística Bioestat 4.0. Optou-se por este tipo de correlação porque os dados não
apresentaram distribuição normal (p<0.01), cuja verificação se deu através do teste de
Lilliefors (Ayres et al., 2005).
2.4.RESULTADOS E DISCUSSÃO
a) Etologia
Fenômenos etológicos percebidos pelos pescadores foram organizados em uma
tabela que segue logo abaixo (Tabela 1).
Tabela 1- Comportamento de alguns representantes da ictiofauna de Ajuruteua, PA- Brasil, segundo os pescadores artesanais locais.
Citações dos pescadores locais Fenômenos percebidos "Pesco a noite, o peixe fica mais burro". Período de atividade
"Piolho: peixe que chupa sangue e mata. Fica pregado na aba, no lombo da pescada”.
Parasitismo
“Piolho de cação só sai quando tá grande” Comensalismo
“Peixe de ferrão (bagre, cangatã) cria o peixe na boca”. Cuidado parental
"No barco escuto o ronco da cururuca (Micropogonias furnieri) no fundo".
Fisiologia
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A frase “Pesco à noite, o peixe fica mais burro” se refere ao padrão de atividade
de peixes observado pelos pescadores de Ajuruteua. Krumme et al. (2004) em estudos
sobre mudanças em comunidades de peixes (Cathorops sp., Colomesus psittacus,
Hexanematichthys couma, Anchovia clupeoides, Mugil spp., Anableps anableps) do
estuário do rio Caeté verificou uma combinação de dois fatores (maré e período do dia)
na estruturação dos cardumes. C. psittacus, por exemplo, apresentou padrões de
atividade diurno. É interessante também destacar os resultados de Krumme & Saint-
Paul (1993) sobre a migração de peixes no estuário do rio Caeté. O pesquisador
observou diferenças no padrão de movimento horizontal dos cardumes durante o dia e a
noite.
O termo “piolho”, neste caso, (“Piolho: peixe que chupa sangue e mata. Fica,
pregado na aba, no lombo da pescada”) pode se referir a crustáceos isópodas. Segundo
Barnes (1974), há vários grupos de isópodas parasitários, sendo alguns ectoparasitas da
pele de peixes. Thatcher & Boeger (1993) e Thatcher & Souza-Conceição (2003)
descreveram alguns parasitas de peixes. Alves (2001) realizou estudos sobre a
comunidade parasitária de Micropogonias furnieri no litoral do Rio de Janeiro e entre os
metazoários analisados encontrou uma espécie de isópode. Sabas (2004) encontrou
nematódeos parasitando indivíduos de gó (Macrodon ancylodon) coletados no Rio de
Janeiro.
Em relação à terceira frase (“Piolho de cação só sai quando tá grande”), há na
literatura informações acerca de rêmoras (Echeneis naucrates) que se encontram
aderidas a algumas espécies de tubarões e outros peixes (Cervigón, 1994), entretanto,
tais interações não são parasitárias e se referem ao aproveitamento de restos alimentares
não ingeridos pelos tubarões.
O comportamento de cuidado parental através da incubação de ovos na cavidade
bucal (“Peixe de ferrão cria o peixe na boca”) encontra-se documentado para alguns
bagres da região bragantina (Krumme et al., 2004).
O “ronco” da cururuca relatado por pescadores de Ajuruteua pode estar
relacionado às vibrações produzidas por músculos especiais ligados à bexiga natatória
que funciona como órgão de ressonância, produzindo sons característicos entre os
peixes da família Sciaenidae (Menezes & Figueiredo, 1985). É interessante destacar
ainda os sons produzidos por alguns peixes da família Haemulidae, conhecidos como
roncadores, devido à capacidade de amplificação dos sons promovida pela bexiga
natatória ao moerem os alimentos (Espirito-Santo & Isaac, 2005). Costa-Neto (2001)
BARBOZA, R. S. L. Interface conhecimento tradicional...
59
reuniu alguns caracteres etológicos de peixes reconhecidos pelos pescadores de
Siribinha (Bahia) em 18 etnocategorias comportamentais, entre elas “peixes que fazem
zoada”, “peixes que têm cantiga” e “peixes que roncam”. No estuário do rio
Mamanguape (Paraíba), Mourão & Nordi (2003) subcategorizaram em “peixes que
roncam” oito espécies de peixes apontadas pelos pescadores locais, incluindo a
cururuca, mencionada pelos pescadores que participaram do presente estudo.
b)Uso de habitats
Entre os pescadores artesanais de Ajuruteua foram registradas 10 unidades
espaciais gerais (ponta, boca, fora, canal, furo, lajeiro, cabeceira, quebrada, emburateua
e poço). Destas, algumas são subcategorizadas e reconhecidas como importantes
pesqueiros, micro-habitats- ecozonas ou etnohabitats (Mourão & Nordi, 2003; Thé et
al., 2003)- e pontos de referência comuns e utilizados em suas atividades pesqueiras
(Figura 3 e 4). Costa-Neto (2001) identificou 22 unidades espaciais percebidas,
nomeadas e utilizadas pelos pescadores de Siribinha (BA).
O termo científico micro-habitat se refere a lugares ocupados pelos peixes por
fornecerem abrigo, alimentação e/ou locais de reprodução (Figuras 3 e 4). Posey (1997)
define ecozonas como áreas ecológicas reconhecidas em outros sistemas culturais que
podem ou não coincidir com as tipologias científicas. Estudos etnoictiológicos vêm
revelando o conhecimento detalhado de pescadores sobre habitat de peixes (Paz &
Begossi, 1996).
O termo “emburateua”, por exemplo, é bastante utilizado em Ajuruteua para
definir os pontos na margem do estuário onde há grande quantidade de peixes devido ao
abrigo originado por troncos de árvores de manguezais caídos no rio. São naturais ou
podem ser criados artificialmente através da derrubada de árvores. Alguns emburateuas
recebem nomes próprios (emburateua da pata, do braço) e são citados como áreas de
desenvolvimento dos peixes juvenis em Ajuruteua:
“Emburateua é onde o pau cai”. “... (Emburateua) é o criadouro dos peixes”.
“O peixe se cria nos emburateua, depois sai pra fora”.
Maneschy (1995) também documentou o uso do termo emburateua, de origem
indígena, entre os pescadores de Ajuruteua para designar os trechos nos rios onde se
concentravam pedaços de galhos de árvores e eram próprios para a captura de peixes.
Segundo Costa-Neto & Marques (2000a), os pescadores do Conde (BA) manejam
BARBOZA, R. S. L. Interface conhecimento tradicional...
60
ambientes artificiais através da derrubada de galhos de árvores de manguezais na água,
de maneira a propiciar abrigo e alimento aos peixes.
Figura 3- Croqui adaptado de um mapa confeccionado por um pescador de Ajuruteua com os principais pesqueiros, micro-habitats e pontos de referência utilizados na pesca artesanal em Ajuruteua-PA: 1- Furo Grande; 2- Ilha do Guará; 3- Emburateua da Pata; 4- Igarapé do Poço Grande; 5- Emburateua do Braço; 6- Portinho; 7- Maguari; 8- Porto da vila dos Pescadores e 9- Pontinha (Arte: Hugo Peres, 2006).
6
Praia
1
2
5
3
Bragança
8 Vila dos
Pescadores
Vila Bonifácio
PA- 458
7
BARBOZA, R. S. L. Interface conhecimento tradicional...
61
Figura 4- Mapa georreferenciado com as coordenadas geográficas dos principais pesqueiros, microhábitats e pontos de referência apontados no croqui da Figura 3 (Imagem: Pedro Walfir e Francisco Costa, 2006).
Os “lajeiros” são substratos rochosos situados em lugares fundos que fornecem
alimento e proteção para peixes maiores ou em fase adulta. A cururuca foi amplamente
associada aos lajeiros por utilizar esse espaço para mariscar sururu. Os “poços” estão
situados no estuário e junto com os lajeiros são considerados área de desova:
“A pescada desova no lajeiro e os filhos vêm pro igarapé” “Os peixes desovam no poço, pode ser por causa do sossego com outros peixes”
Maneschy (1995) definiu poços como áreas fundas próximas à praia.
Alguns micro-habitats também são considerados importantes pontos de pesca
(pesqueiros). Os emburateua, por exemplo, concentram pescadores de linha e anzol.
Contudo, de acordo com os pescadores locais, a pesca do tipo bate-pau vem
afugentando os peixes dessas áreas e, conseqüentemente, afasta os pescadores que usam
linha e anzol. O bate-pau consiste em deslocar os peixes de seus refúgios através da
produção de barulho na água provocado por “batidas” repetitivas de pedaços de madeira
nos emburateua:
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62
“.. depois que bate não dá mais peixe”. “Bate-pau coloca a rede e bate o pau”.
“Não dá muito peixe por causa do batimento de pau, tem muito rumo pro cara viver, não precisa bater pau nos emburateua”.
“Primeiro apoita a rede, depois cerca com a rede, aí mete a vara no buraco e depois afugenta os peixes, pescador de linha não pega mais nada”.
Este tipo de pesca já foi mencionado por Maneschy (1995) entre os pescadores
de Ajuruteua. Segundo a autora, nesta pescaria havia a participação dos “bulheiros”:
pescadores munidos de uma vara que batiam na água para deslocar os peixes em direção
a uma rede levada por outros pescadores. O bate-pau é conhecido também como
“batição” e “bate-vara” e é utilizado nas pescarias de quelônios no Parque Nacional do
Jaú (AM) (Pezzuti et al., 2004) e de pirarucu (Arapaima gigas) na Reserva de
Desenvolvimento Sustentável Mamiruá (AM) (Crampton et al., 2004).
c)Movimentos migratórios
Constatou-se entre alguns pescadores de Ajuruteua a percepção da influência
sazonal nos deslocamentos realizados pelos peixes, cuja abundância na região é
atribuída ao período chuvoso. Outros aspectos reconhecidos pelos pescadores, como
movimento das marés, reprodução, busca por alimento (comedia), fuga de predadores e
proteção contra alguns tipos de pescarias, também desempenham importante papel na
distribuição espacial e temporal dos peixes (Tabela 2).
Tabela 2- Informações dos pescadores artesanais de Ajuruteua, PA (Brasil) sobre a distribuição espacial e temporal dos peixes.
Citações dos pescadores Razões apontadas pelos
pescadores
Correspondência na literatura
“No inverno dá muito peixe, o preço cai”. “Época que dá mais peixe é abril e maio”. “Os peixes aparecem mais em maio, tanto pequeno e grande”. “Todo peixe é por época, no inverno se deslocam mais da moradia”. “No inverno todo tempo dá muito, todo tempo pega, na safra11 pega mais”. “Esses peixes (corvina, gó, cururuca, pescada amarela) aparecem mais em maio, tanto pequeno e graúdo”. “As pescaria ocorrem mais no inverno; sardinas correm atrás da chuva e os peixes atrás da sardina”. “A gó desaparece no verão, chega no inverno de todo tamanho”. “Gó na descida da chuva (começo do inverno) entra no rio de todo tamanho”. “Cururuca: em dezembro com as chuvas as graúdas saem pra fora por causa da água doce e no rio só fica as miúdas”.
Inverno e Chuva
Influência sazonal e pluviosidade
(regime hidrológico)
11O período de maior abundância dos peixes é conhecido pelos pescadores se Ajuruteua como safra, tendo cada peixe sua safra.
BARBOZA, R. S. L. Interface conhecimento tradicional...
63
Continua...
Citações dos pescadores
Razões apontadas pelos
pescadores
Correspondência na literatura
“Quando vem a água preta da Amazônia, vem muito peixe”. “A gó entra no rio quando a água está doce de qualquer tamanho”.
Água preta e Água doce
Aporte de nutrientes
“Maré enche, peixe entra atrás de comedia”. “Maré enche, os peixes entra, corvininha, pescadinha, gó,cururuca”. “Peixe na água não tem paradeiro certo, a maré baixa, a maré traz (tainha, corvina, gó, cururuca)”.
Maré
Fenômeno da maré (Influência gravitacional
da lua)
“A pescada desova no lajeiro e os filhos vêm pro igarapé, quando cresce volta”. “No verão a gó tá pouca, tá desovando na cabeceira”. “A gó dá na cabeceira em agosto e setembro, quando sobe pra desovar no verão, no inverno a miúda desce”.
Desova
Reprodução
“Em fevereiro a gó se muda para fora para pegar a comedia e não pega no curral”.
Comedia Alimentação
“O peixe fica na cabeceira pequeno, sai pra fora quando tá maior, se não o graúdo come ele”. “A pescada pequena só aparece no rio; pescam de rede no lajeiro e não pega pequena, e não acha pescada grande nos igarapés por isso acho que pequena dá nos igarapés, cresce e sai pros lajeiros”. “Cururuca: sai do mar pequena e entra no rio”. “Curvina cresce e sai do rio pra fora”.
Fuga de predadores
Tamanho do peixe e mudança
no local onde vive
Ciclo de vida
(variação ontogenética no padrão migratório)
“O peixe sente a rede apoitada12, timbó13e sai pra fora”. “Se fica na cabeceira, matam de tapagem14”.
Fuga de pescarias Artes de pesca
Silvano & Begossi (2002) verificaram entre os pescadores do rio Piracicaba o
uso de pistas climáticas na previsão dos períodos de abundância de peixes e o
reconhecimento de espécies de peixes migratórias e sedentárias, bem como dos padrões
de movimentos migratórios entre alguns peixes. Os pescadores do rio Piracicaba
também associaram o período chuvoso à abundância de peixes migratórios. Em estudo
realizado sobre as mudanças sazonais na composição das espécies de peixes do estuário
do rio Caeté, Barletta et al. (2005) registraram as flutuações sazonais da salinidade
12 Redes apoitadas ou ferreadas são redes que ficam presas no fundo, não são levadas pela maré, conforme aponta a fala dos próprios pescadores de Ajuruteua: "Rede apoitada, coloca pedra na rede que fica escorada, ferreada no fundo", "Apoitar é colocar pedra na rede”,"Pesca ferreada: ancora no fundo (200m), fica presa contra maré, pega peixe miúdo de ferrão.” 13 Timbó são venenos de origem vegetal utilizados na pesca de igarapés (Cabalzar, 2005). 14 A tapagem é uma armadilha usada por pescadores nos braços de mar e em foz de pequenos rios e igarapés que sofrem influência dos fluxos e refluxos da maré (Barletta et al., 1998; Nery, 1995). Maneschy (1995) descreveu a tapagem de igarapés em Ajuruteua: estacas são colocadas na entrada de um igarapé durante as marés baixas, quando a maré enche a rede é estendida sobre as varas, prendendo os peixes que vão entrando no igarapé durante a maré cheia.
BARBOZA, R. S. L. Interface conhecimento tradicional...
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como principal fator que estrutura a assembléia de peixes nesse sistema estuarino. De
acordo com Camargo & Isaac (2003), a tolerância e preferência por certos teores de
salinidade é o fator ambiental mais relevante na distribuição da fauna estuarina. Batista
et al. (2004) apontam o inverno como principal período de safra da pesca artesanal
estuarina litorânea, quando a forte descarga do rio Amazonas desloca a água salobra
para leste do Estado do Pará.
A “água preta” citada pelos pescadores pode ser considerada como uma
referência ao grande aporte de matéria orgânica trazida pela descarga fluvial, cuja
intensidade apresenta-se maior no período chuvoso. De fato, Dittmar (1999, apud Wolff
et al., 2000) registrou maior concentração de nutrientes no estuário do rio Caeté durante
o período chuvoso. A incidência de espécies de água doce e salobra também se eleva
durante a estação chuvosa nas zonas estuarinas tropicais, de acordo com Barletta et al.
(1998). Diversos autores (Whitfield, 1999, apud Barletta-Bergan et al., 2002; Grimes &
Kongsford, 1996, apud Barletta-Bergan et al., 2002) sugerem que a descarga fluvial nos
estuários tem grande importância no recrutamento de peixes. Ainda, as informações
científicas para a pescada-amarela apontam uma certa tolerância a baixos níveis de
salinidades, com pico de abundância na estação chuvosa (Gomes, 2003; Barletta-
Bergan, et al., 2002; Camargo, 1999).
Em Siribinha, Bahia, fenômenos meteorológicos como tempestades e o período
de surgimento do “verdete” (provável boom fitozooplanctônico) são fatores
reconhecidos entre os pescadores como significativos na distribuição dos peixes (Costa-
Neto, 2001).
Em relação à influência da maré sobre os padrões migratórios de peixes,
Krumme (submetido) verificou que no estuário do rio Caeté os peixes geralmente se
deslocam junto com a maré.
Já os estudos de estrutura populacional realizados no estuário do rio Caeté
revelam que os peixes gó (Macrodon ancylodon), curuca (Stellifer rastrifer), curuca
(Stellifer naso), uricica-amarela (Cathorops spixii) e rebeca (Aspredo aspredo)
apresentam diferentes estratégias biológicas quanto à distribuição espacial e abundância
relativa durante seus respectivos ciclos de vida (Camargo & Isaac, 1998).
Camargo (1999) estudou a biologia e estrutura populacional de alguns peixes da
família Sciaenidae e conclui que a gó se desloca entre as áreas mais externas e internas
do estuário, de acordo com as fases do seu ciclo de vida e com as mudanças nas
condições ambientais, em especial a entrada e saída das águas do mar, em virtude dos
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movimentos das marés. Os pequenos recrutas toleraram a baixa salinidade da área do
rio, já os grandes indivíduos demonstraram uma marcante preferência pela baía e
habitats costeiros (Camargo & Isaac, 2005; Camargo & Isaac, 1998).
Os jovens de cururuca são freqüentes nas regiões internas dos estuários, os
adultos nas regiões costeiras (Sanyo, 1998, apud Camargo & Isaac, 2003) e suas larvas
são dependentes de baixa salinidade (Barletta-Bergan, et al., 2002), e portanto também
associadas ao estuário. Somente exemplares jovens de corvina habitam a parte mais
interna das regiões estuarinas (Camargo, 1999).
Barletta et al. (2005) revelam que as mudanças sazonais nas assembléias de
peixes estuarinos podem ser determinadas pela combinação de flutuações temporais da
abundância de espécies de peixes induzida pela chuva, reprodução e recrutamento de
espécies estuarinas, marinhas e de água doce.
d) Reprodução
Os pescadores de Ajuruteua apresentaram grande número de citações “não sei”
para o item reprodução (inclui aspectos relacionados ao local e período de desova),
principalmente para o peixe cururuca (cerca de 40% das citações). O ambiente marinho
foi apontado como principal local de desova para os peixes estudados (Tabela 3). Os
termos “costa”, “fora”, “canal”, “lajeiro” e “quebradas” foram considerados “mar”
(ambiente marinho), enquanto “cabeçeira”, “emburateua” e “poço” foram relacionados
ao “rio” (ambiente fluvial-estuarino) (Figuras 3 e 4).
Tabela 3- Locais de desova da corvina, cururuca, gó e pescada-amarela apontados pelos pescadores artesanais de Ajuruteua, PA (Brasil).
Peixes
Corvina Cururuca Gó Pescada
amarela
Locais de
desova
n % n % n % n
%
Rio 9 12,9 6 9,2 18 24,7 12 17,4
Mar 39 55,7 32 49,2 34 46,6 41 59,4
Rio e Mar 8 11,4 3 4,6 4 5,5 5 7,2
NS 14 20 24 36,9 17 23,5 11 15,9 Nota: ¹Os valores acima correspondem ao número de citações e porcentagens para cada local de desova dos respectivos peixes; ²NS se refere ao número de citações que os pescadores não souberam responder.
BARBOZA, R. S. L. Interface conhecimento tradicional...
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Pesquisas de biologia reprodutiva no estuário do rio Caeté indicam que a gó
alcança maturação gonadal nas áreas mais costeiras (Camargo, 1999) e sugerem a
desova da pescada-amarela em regiões próximas à costa (Krumme et al., 2004; Barletta-
Bergan, 1999). Há registros de dispersão de ovos de cururuca nos substratos de mar
aberto (FAO, 2005) e desova próxima a desembocadura de rios (Sánchez, 2001). Assim,
existe estreita correspondência entre as informações fornecidas pelos informantes e as
disponíveis na literatura sobre o tema.
No que concerne ao período de desova, a gó recebeu menor número de citações
“não sei” em relação aos demais peixes (Tabela 4). O número mínimo de citações sobre o
período reprodutivo da corvina foi 8 nos meses de março e abril, o máximo foi 17 em
setembro e outubro; para a cururuca o mínimo de citações foi 10 no mês de abril e o
máximo 17 em setembro e dezembro; para a gó o mínimo foi 5 no mês de fevereiro e o
máximo 15 no mês de junho; para a pescada amarela o mínimo foi 17 no mês de abril e o
máximo 25 no mês de dezembro (Tabela 4).
Tabela 4- Períodos de desova da corvina, cururuca, gó e pescada-amarela apontados pelos pescadores artesanais de Ajuruteua, PA (Brasil).
Os intervalos de junho a setembro e novembro a dezembro corresponderam ao
período com maior número de citações para desova da gó (Tabela 4). Na literatura, há
vários estudos sobre a biologia reprodutiva da gó (Macrodon ancylodon) (Tabela 5), mas
para efeitos comparativos é preferível neste caso considerar as informações disponíveis
para o estuário do rio Caeté (Camargo & Isaac, 2005; Camargo, 1999). Isto porque alguns
estudos genéticos consideram o grupo Macrodon tropical (Venezuela a Pernambuco) e
subtropical (São Paulo a Buenos Aires) como espécies diferentes. Fatores como diferenças
na temperatura do mar, na circulação oceânica de correntes marinhas e nos períodos
Atividade/Mês NS jan fev mar abr mai jun jul ago set out nov dez
Corvina 23
Cururuca 31
Gó 9 x x x x x
Pescada amarela 17 Notas: 1NS significa “não sei” e se refere às perguntas não respondidas pelos pescadores. 2Os quadrados em branco representam os meses com menor número de citações, enquanto os tons de cinza indicam os meses que receberam maior número de citação, sendo os tons mais escuros os meses mais citados. 3Os quadros preenchidos com um “x” representam o período de desova para área de estudo encontrado na literatura (Camargo, 1999; Camargo & Isaac, 2005).
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reprodutivos podem contribuir nesta diferenciação genética (Santos et al., 2003). Desta
forma, considera-se plausível as informações dos pescadores acerca de dois picos anuais
no período de desova da gó, cuja correspondência científica foi constatada nas pesquisas
de Camargo & Isaac (2005) e Camargo (1999) (Tabelas 4 e 5).
Tabela 5- Períodos de desova da corvina, cururuca, gó e pescada-amarela registrados na literatura científica. Peixe Período de Desova Local Literatura
Corvina - - - Dezembro-Janeiro-Fevereiro Sul do Chile Valdebenito et al. (1995)
Fevereiro a Agosto Trindad Manickhand-Heileman &Kenny (1990)
Todo o ano com picos de setembro a dezembro
Rio Prata Isaac (1988 apud Sánchez, 2001)
Cururuca
Abril- Maio Lagoa dos Patos (RS) Castelho (1986) Desova parcelada: Julho-Agosto e Outubro-Novembro- Dezembro
Estuário rio Caeté (Bragança)
Camargo & Isaac( 2005) Camargo (1999)
Ano todo com 2 picos: Julho-Agosto Dezembro-Janeiro-Fevereiro
Costa Norte do Brasil Ikeda (2003)
Maio –Junho e Novembro-Dezembro
Salinópolis (PA) e São João Pirabas (PA)
Santana (1998)
Dezembro e Fevereiro Rio Grande do Sul Juras & Yamaguti (1989) Outubro a maio com 2 picos: Dezembro e Março-Abril
Rio Grande do Sul e Santa Catarina Buenos Aires
Yamaguti (1967) Cardo (1986)
Gó
Outubro a Maio Estuário do rio Del Pata (Argentina e Uruguai)
Militelli & Macaé (2004)
Pescada- amarela
Durante todo o ano com período de máxima intensidade de janeiro a abril
Lago de Maracaibo Cervigón (1994)
Em geral, os pescadores apontam os meses de julho a dezembro como período
de desova para a corvina, enquanto que para a cururuca o período é de junho a janeiro.
A pescada-amarela recebeu alto número de citações para o ano todo como período de
desova, destacando-se os meses de julho a janeiro (Tabela 4).
Estudos de biologia reprodutiva para cururuca e pescada-amarela foram
realizados no sul do Brasil e em outros países. Não foram encontrados estudos para a
corvina (Tabela 5).
Em síntese, apesar dos entrevistados terem apresentado maior número de
respostas “não sei” para o item “aspectos reprodutivos” dos peixes, ainda assim,
revelaram dados compatíveis com a literatura em termos de local de desova para a
cururuca, gó e pescada amarela, e período de desova para a gó. As demais relações
com a literatura (local de desova para a corvina e época de desova para a corvina,
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cururuca e pescada-amarela) não foram estabelecidas pela falta de informações na
literatura ou existência de dados apenas para outras áreas. Destaca-se então a
importância da etnobiologia no registro de informações biológicas inéditas no meio
científico. Sugerem-se ainda estudos de biologia reprodutiva para a corvina, cururuca
e pescada-amarela em Ajuruteua a fim de averiguar a compatibilidade com os
resultados apresentados nesse estudo.
Yamaguti (1967) alertava o papel fundamental de informações deste tipo no
manejo de recursos pesqueiros, uma vez que a determinação da época e local de
desova pode explicar variações sazonais na distribuição e disponibilidade dos adultos
e sobrevivência dos embriões e larvas.
Outras informações sobre aspectos reprodutivos que foram citadas pelos
pescadores de Ajuruteua demonstraram consistência com a literatura científica e
incluíram também conhecimentos detalhados do comportamento reprodutivo, como
incubação de ovos na cavidade bucal de bagres (Tabela 6).
Tabela 6- Tabela de cognição comparada entre informações dos pescadores artesanais de Ajuruteua, PA (Brasil) e da literatura sobre reprodução de peixes.
Citações das entrevistas dos pescadores Citações da literatura
“Bagre quando desova sai pela cabeça e come a guelra e as abas da mãe”.
“Peixe-de-ferrão (uricica) cria o peixe na boca”.
Ariu herzbergii (Hexanematichthys couma) foi coletado incubando 24 embriões (Krumme et al., 2004).
... mais de 17 embriões foram encontrados na boca de um macho (Cathorops sp.) (Krumme et al., 2004).
“Gó reproduz em alto-mar e vem na safra com os filhotes”.
Macrodon ancylodon: assim que crescem, os recrutas vão se deslocando para áreas mais externas e salobras dentro do estuário, até o início de sua maturação gonadal que ocorre nas áreas mais costeiras (Camargo, 1999).
“A gó dá na cabeçeira em agosto e setembro, quando sobe pra desovar no verão, no inverno a miúda desce”.
“No verão a gó tá pouca, tá desovando na cabeceira”.
Macrodon ancylodon: há dois períodos de desova na área de estudo (Rio Caeté), um em junho-agosto e outro durante o período de outubro-dezembro (Camargo, 1999).
“A pescada-amarela desova no lajeiro e os filhos vêm pro igarapé, quando cresce volta; a pescada pequena só aparece no rio, pescam de rede no lajeiro e não pega pequena, e não acha pescada grande nos igarapés por isso acho que pequena dá nos igarapés, cresce e sai pros lajeiros”.
“Pescada-amarela: cresce na cabeceira vai pra fora e desova fora”.
Cynoscion acoupa provavelmente desova no “baixo estuário” ou próximo à costa (Krumme et al., 2004).
As larvas de C. acoupa recrutam predominantemente nos furos dos manguezais durante os estágios de pós-flexão, sugerindo que as áreas de desova estão localizadas em águas costeiras (Barletta-Bergan, 1999).
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A etnocategoria “peixes que chocam ou desovam na boca” é relatada para os
bagres em diversos trabalhos de etnoictiologia entre pescadores do nordeste brasileiro
(Mourão & Nordi, 2003; Costa-Neto, 2001; Costa-Neto & Marques, 2000b). Um
aspecto interessante citado pelos pescadores de Ajuruteua é o fato dos filhotes de bagres
comerem as guelras (brânquias) do adulto após terem sido incubados, tal fato já foi
relatado em outros estudos etnoictiológicos e considerado pouco consistente no meio
científico (Costa-Neto, 2001).
Aspectos relacionados à reprodução da gó e pescada-amarela percebidos pelos
pescadores, como local e época de desova, e migração em distintos estágios de vida
apresentam alguns correspondentes na literatura discutidos anteriormente neste mesmo
capítulo (ver páginas 65, 66 e 67).
Os pescadores de Ajuruteua empregam seu conhecimento ictiológico acurado
acerca dos movimentos migratórios, hábitat, comportamento, aspectos reprodutivos e
sazonalidade na realização de suas atividades pesqueiras. Assim, a partir de informações
dos períodos de pesca foi organizado um calendário dos principais recursos pesqueiros
extraídos em Ajuruteua, com destaque para a influência pluvial (Tabela 7).
Tabela 7- Calendário econômico-ecológico (safras) dos principais recursos pesqueiros na pesca artesanal de Ajuruteua-PA, segundo os pescadores locais.
Isaac et al. (2006) descrevem que no Pará a pesca apresenta um padrão sazonal
com períodos de safra ou maior produtividade para algumas espécies, no caso da gó o
Atividade/Mês jan fev mar abr mai jun jul ago set Out nov Dez
Camarão-piré X X X X
Camarão-graúdo X X X X
Gó X X X X X X
Sardina X X X X X X X X
Pescada-amarela X X X X X X X
Corvina X X X X X X X
Peixe-pedra X X X X X
Serra X
Bandeirado X As colunas em branco representam os períodos de estiagem, enquanto os tons de cinza indicam os períodos de chuva (tons mais escuros se referem aos períodos de maior intensidade chuvosa, enquanto os tons mais claros são períodos de chuvas de menor intensidade).
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período de maior abundancia é apontado entre os meses de abril e agosto; para o serra o
período de maior captura compreende os meses de janeiro a junho. Os pescadores de
Ajuruteua ressaltam que o período de safra varia com a pluviosidade, assim apresenta
um determinado padrão de ocorrência, porém definido segundo um contexto espacial e
temporal dinâmico, ou seja, varia em cada localidade e ano, dependendo da intensidade
e sazonalidade das chuvas.
Os resultados da correlação de Spearman entre a idade atual dos entrevistados e
as respostas “não sei” acerca da biologia reprodutiva dos peixes corvina, cururuca, gó e
pescada-amarela demonstram que não há associação entre estes fatores (p=0.406).
Entretanto, considerando-se a idade em que o entrevistado aprendeu a pescar tem-se um
valor (p= 0.086) muito próximo ao considerado significativo (p<0,05). Ainda assim,
tanto a idade dos pescadores como o tempo de exercício da pesca não indicam relação
com o número de perguntas sobre aspectos reprodutivos dos peixes não respondidas
pelos pescadores artesanais de Ajuruteua. Em outras palavras, os pescadores de
Ajuruteua apresentaram dúvidas sobre a biologia reprodutiva destes peixes
independente de suas idades ou iniciação na profissão. Todavia, é válido ressaltar que
um único parâmetro, o número de respostas não respondidas (respostas = “não sei”)
para época e local de desova, foi empregado neste estudo para avaliar o conhecimento
sobre aspectos reprodutivos de peixes entre os pescadores.
2.5. CONCLUSÕES
Os resultados apresentados revelam o detalhamento incutido nas observações
dos pescadores de Ajuruteua sobre aspectos comportamentais dos peixes. Foram
relatados fenômenos etológicos relacionados com fisiologia, reprodução, parasitismo e
comensalismo, inclusive com respaldo na literatura científica.
Os pescadores indicaram ainda as principais unidades espaciais ocupadas pelos
peixes e prováveis razões (bióticas e abióticas) para o deslocamento entre essas
unidades. O reconhecimento desses micro-habitats tem fundamental importância na
realização de suas atividades pesqueiras.
Tem-se no presente estudo a descrição de conhecimentos detalhados de aspectos
reprodutivos de peixes (corvina, cururuca e pescada-amarela) ainda não estudados por
ictiólogos na região de Bragança e até mesmo em outras áreas.
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Não houve associação estatisticamente significativa entre a idade dos pescadores
atual e idade que iniciaram a profissão, com as perguntas não respondidas acerca de
aspectos reprodutivos dos peixes.
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2.6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBERO, T.; ALBARÉZ, J., BALBÁS, A.; OLMEDA, J. A.; ALVAJAR, J. A. P.; REQUENA, M. Métodos de investigación sociológica. In: GIDDENS, A. Sociología. 3. ed. Espanha: Alianza editorial, 1997. cap. 20, p.677-703. ALBUQUERQUE, U. P.; LUCENA, R. F. P. Métodos e técnicas para coleta de dados. In: ALBUQUERQUE, U. P.; LUCENA, R. F. P. (Org.). Métodos e técnicas na pesquisa etnobotânica. Recife: editora Livro Rápido /NUPEEA, 2004. p.37-62. ALVES, D. R. Sistemática e estrutura da comunidade parasitária da corvina Micropogonias furnieri Desmarest (Osteichthyes: Sciaenidae) do litoral do Estado do Rio de Janeiro. 2001. 106p. Dissertação (Mestrado em Ciências Veterinárias) - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. AYRES, M.; AYRES-JR, M.; AYRES, D. L.; SANTOS, A. S. BioEstat 4.0: aplicações estatísticas nas áreas das ciências biológicas e médicas. Belém: Sociedade Civil Mamiraúa/MCT/ IOP, 2005. BARLETTA-BERGAN, A. Structure and seasonal dynamics of larval and juvenile fish in the mangrove-fringed estuary of the rio Caeté in North Brazil. 1999. 220 f. Tese (Doutorado) – Zentrun für Marine Tropenökologie, University of Bremen, Alemanha. BARLETTA-BERGAN, A.; BARLETTA, M.; SAINT-PAUL, U. Structure and seasonal dynamics of larval fish in the Caeté River estuary in North Brazil. Estuarine Coastal and Shelf Science. v.54, p.193-206, 2002. BARLETTA, M.; BARLETTA-BERGAN, A.; SAINT-PAUL, U.; HUBOLD, G. The role of salinity in structuring the fish assemblages in a tropical estuary. Journal of Fish Biology, v.66, p.45-72, 2005. BARLETTA, M.; BARLETTA-BERGAN, A.; SAINT-PAUL, U. Description of the fisheries structure in the mangrove-dominated region of Bragança (State of Pará, Norte, Brazil). Ecotropica, v. 4, n.1-2, p. 41-53, 1998. BARNES, R. Zoologia de los invertebrados. 3º ed. México: Nueva Editorial, 1974. BARROS, H. Estuarine communities of the Amazonian coast: mangroves for life and living. In: PROST, M. T.; MENDES, A. C. (Org.). Ecossistemas Costeiros: Impactos e Gestão Ambiental. Belém: FUNTEC, 2001. BASTOS, M. N. C.; SANTOS, J. U. M.; AMARAL, D. D.; COSTA-NETO, S. V. Alterações ambientais na vegetação litorânea do nordeste do Pará. In: PROST, M. T.; MENDES, A. C. (Org.). Ecossistemas costeiros: impactos e gestão ambiental. Belém: Museu Paraense Emilio Goeldi, 2001. BATISTA, V. S.; ISAAC, V. J.; VIANA, J. P. Exploração e manejo dos recursos pesqueiros da Amazônia. In: RUFFINO, M. L. (Coord.). A pesca e os recursos pesqueiros na Amazônia brasileira. Manaus: Ibama/ProVárzea, 2004. p. 63-151.
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Capítulo 3
Zooterapia, preferências e tabus alimentares entre pescadores
artesanais do litoral paraense.
“Pirapema e tacuré são peixes remosos, colocam a doença pra fora”.
“Óleo de boto serve pra reumatismo e puxado, é pitiú, mas quando é remédio
passa no corpo”.
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RESUMO- O presente estudo aborda o uso terapêutico de peixes entre os pescadores artesanais da vila dos Pescadores e vila Bonifácio localizadas em Ajuruteua-PA, além de identificar as preferências, restrições e tabus alimentares relacionados ao consumo de peixes. Para tal, foram realizadas pesquisa participativa e aplicação de formulários semi-estruturados. De um modo geral, verificou-se que os pescadores de Ajuruteua não fazem o uso de peixes na medicina popular. Revelaram um conhecimento não muito detalhado utilizado outrora por seus antecedentes. Os animais mais utilizados com propósito medicinal foram boto (classificado popularmente como peixe), cavalo-marinho e cangulo. Os entrevistados apontaram 22 doenças/simpatias que são tratadas com zooterápicos, destacando-se a asma. No preparo dos remédios são utilizados desde o animal inteiro como também seu couro, escama, óleo ou “azeite”, gordura, esporão, fígado, olho, osso, carne e “fel”. Vinte e seis animais, incluindo um crustáceo, foram considerados os peixes preferidos para os entrevistados, entre estes, a pescada-amarela e tainha receberam maior número de citações (24,4%). A rejeição ao consumo de alguns peixes esteve relacionada a aspectos como morfologia, gosto, cheiro, veneno e ocorrência dos peixes. Padrões encontrados em outros estudos para peixes sujeitos a tabus (peixes sujeitos a tabus X peixes medicinais/ posição na cadeia alimentar/ peixes de couro) não apareceram no presente trabalho. Os tabus parecem assumir um caráter mais simbólico que funcional entre os pescadores de Ajuruteua. Palavras-chave: Zooterapia, Tabus alimentares, Peixes, Dieta, Pescadores ABSTRACT- Zoo-therapy, preference and food taboos among traditional fishermen from the Amazon coast. This article deals with the medicinal use of fishing resources by inhabitants of the villages of Pescadores and Bonifacio in Ajuruteua, Pará State. Fish preference, restrictions and taboos were also investigated. Semi-structured interviews and “participatory studies” were conducted. Fishermen did not demonstrate frequent use of fishes in folk medicine, nor did they reveal detailed knowledge about this topic. Dolphin (classified locally as a “fish”), seahorse and “cangulo” were the medicinal animals mentioned most frequently. Twenty-two diseases or “simpatias” (beliefs) treated by medicinal animals were recorded, principally asthma. The whole animal or their parts (leather, scale, oil, fat, liver, eyes, bone, meat and “fel”) are used to prepare medicinal curatives. Twenty-six fishes, including one crustacean, were mentioned as preferred fishes for eating. Acoupa weakfish and mullet were the most preferred fishes (24.4%) for eating. Avoidance of certain fishes was related to their morphology, taste, smell, poisonous properties and occurrence. Patterns common in other studies for taboo fishes (taboo fish X medicinal fish/ fish’s diet/ “leather fishes”) were not found in the present study. Among fishermen of Ajuruteua taboos seem to have a role that is more symbolic than functional. Key words: Zoo-therapy, Food Taboos, Fishes, Diet, Fishermen.
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3.1. INTRODUÇÃO
A cura de doenças humanas através do uso de terápicos animais é definida por
Costa-Neto (2005) como zooterapia. Os remédios neste caso são elaborados a partir do
animal inteiro, partes do corpo, produtos metabólicos ou produtos elaborados por eles,
como ninhos ou casulos de animais (Costa-Neto, 2005). A zooterapia é marcada por
ampla distribuição geográfica com origem bastante antiga (Alves & Rosa, 2005).
Informações valiosas acerca do emprego remoto de animais medicinais podem
ser fornecidas a partir de arquivos e papiros sobre a história da medicina (Lev, 2006). A
leitura dos médicos e filósofos da época clássica greco-romana, por exemplo, já revela
um sistema zooterápico naturalmente aceito e desenvolvido para a época (Almeida,
2005). O papiro de Ebers documenta o uso de peixes no tratamento de cefaléias no
antigo Egito (Baptista et al., 2003). A medicina romana também é marcada pelo uso de
animais, como atesta Souza (2005) ao analisar a obra “DE MEDICINA” de Aulus
Cornelius Celsus (1478). O livro prescreve a ingestão de fígado cru de pombas nas
doenças hepáticas, ingestão de pulmão assado de raposa na cura de doenças
respiratórias, uso de galinha no tratamento de mordidas de serpentes e em casos de
derrame ocular recomenda banhar os olhos com sangue de pomba ou andorinha (Souza,
2005).
No Brasil, o saber erudito se misturava ao saber popular na medicina colonial,
que empregava partes dos corpos dos animais como medicamentos e amuletos (Edler &
Fonseca, 2005). Durante o período imperial foram elaborados manuais de medicina
popular como o de Chernoviz (“Dicionário de Medicina Popular” e “Guia Médico”), o
qual recomendava maceração de insetos no tratamento de afecções gangrenosas ou
mordidas de animais peçonhentos (Guimarães, 2005). Nas obras “História Natural do
Brasil” (1948) e ‘História Natural e Médica nas Índias Ocidentais” do médico e
naturalista Guilherme Piso, são encontradas algumas prescrições zooterápicas ainda
hoje utilizadas na medicina popular brasileira (Almeida, 2005).
Atualmente, a zooterapia vem resgatando a história oral de tradições culturais e
reforçando o elo entre o homem e o meio ambiente (Alves & Rosa, 2005). Estudada por
etnobiólogos, proporcionou o acesso a medicamentos vitais ao bem-estar da
humanidade, como analgésicos, anestésicos e antifúngicos (Gorinsky, 1990). Costa-
Neto (2005) e Costa-Neto & Oliveira (2000) listam uma série de estudos
farmacológicos que comprovam os efeitos medicinais de compostos extraídos de
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animais e de amplo uso popular. O levantamento de animais considerados como
recursos medicinais vem ganhando espaço cada vez maior nas pesquisas de caráter
etnobiológico no Brasil (Andrade & Costa-Neto, 2005; Costa-Neto, 2005; Costa-Neto,
2001; Costa-Neto & Marques, 2000c; Costa-Neto & Oliveira, 2000; Costa-Neto, 1998;
Begossi et al., 2005; Begossi & Braga, 1992; Figueiredo, 1994; Santos-Pessoa et al.,
2002; Seixas & Begossi, 2001; Silva et al., 2004).
Há ainda estudos de etnobiologia e ecologia humana que verificaram a
associação entre animais medicinais e animais sujeitos a tabus alimentares, ancorada na
hipótese da drogaria da natureza ou “drugstore hypothesis”: tabus alimentares acerca da
rejeição do consumo de algumas espécies podem ajudar a mantê-las disponíveis na
natureza, em caso de necessidade (Begossi, 1992).
Os tabus representam regras sociais não escritas que regulam o comportamento
humano (Colding & Folke, 1997). Simoons (1978) acredita que diversos fatores
(históricos, sócio-culturais e ecológicos) direcionam as restrições alimentares e operam
em diferentes lugares e épocas. Tabus alimentares podem ser estudados sob a
perspectiva emicista, onde são demonstrados os critérios para estabelecer preferências e
rejeições, e a perspectiva eticista, onde são estabelecidas ligações entre estas
informações etnográficas e aspectos ecológicos, químicos e toxicológicos (Pezzuti,
2004), conforme verificado na associação acima.
Outros tipos de ligações para os tabus alimentares também foram averiguados,
como sua relação com a posição na cadeia alimentar do animal sujeito ao tabu,
conteúdo de gordura deste, toxicidade, presença de parasitas e seu estado de
conservação (Begossi et al., 2005; Begossi et al., 2004; Seixas & Begossi, 2001;
Begossi et al., 1999; Begossi, 1992; Begossi & Braga, 1992).
O estudo dos tabus fornece peculiaridades do conhecimento local sobre as
espécies (Pezzuti, 2004; Hanazaki, 2002). Nesse contexto, Andrade & Costa-Neto
(2005) assumem como fundamental o registro da utilização de recursos animais, cujas
implicações se apresentam na conservação da cultura local e da própria espécie, além da
“descoberta” de compostos bioativos com valor farmacológico de origem animal.
Propôs-se no presente estudo analisar o uso de peixes, incluindo fins medicinais,
preferências e restrições alimentares entre os pescadores artesanais de Ajuruteua na
cidade de Bragança, Nordeste da costa do Estado do Pará.
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3.2. DESCRIÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO
A cidade de Bragança surgiu de núcleos populacionais do século XVII a partir
da divisão do Pará em capitanias (Maneschy, 1995), quando foi dada por Carta Régia de
maio de 1622 a Gaspar de Souza passando a ser conhecida neste tempo como possessão
de Souza do Caeté (Furtado, 2001). Ajuruteua é a comunidade mais distante da sede de
Bragança e está dividida em três áreas: a praia, a vila dos Pescadores, também
conhecida como vila de Ajuruteua, e a vila Bonifácio (Figura 1) (Gomes, 2005).
Figura 1- Localização da área de estudo, vila dos Pescadores e vila Bonifácio,
norte do Brasil.
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• Vila dos Pescadores
Os moradores da vila dos Pescadores (00°51’07.0”S, 046°36’02.5”W) (Figura 2)
apontam sua origem entre 1913 e 1915 com a chegada de imigrantes nordestinos
(Maneschy, 1995). Este autor analisou dados da Superintendência de Campanhas de
Saúde Pública (SUCAM) de 1986 e verificou que a população girava em torno de 900
habitantes distribuídos em cerca de 200 casas. Dados recentes da Secretaria Municipal
de Saúde de Bragança apontam o cadastro de 62 famílias na vila dos pescadores
(Bragança, 2005).
É considerada uma comunidade voltada para a pesca artesanal comercial,
realizada por 73% das famílias, sendo a atividade de ‘catação’ de caranguejos menos
freqüente (Glaser et al., 1997). Localizada em frente à praia, vem sofrendo fortes
processos erosivos (Souza-Filho, 2001), acarretando um contínuo êxodo da população
em direção à vila Bonifácio (Krause & Glaser, 2003). De acordo com esses autores, o
impacto humano através da formação de clareiras nos mangues é o principal fator
responsável pelo aumento da erosão na área. Eles também citaram a presença de casas
de madeira de baixa qualidade, degradação parcial da escola e carência de água doce
devido à intrusão de água salgada nos rasos poços da vila.
Figura 2-Vila dos Pescadores, Ajuruteua-PA (Fotos de Roberta Barboza, 2006).
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• Vila Bonifácio
A vila Bonifácio (00°50’58.9”S, 046°36’28.7”W) (Figura 3) localiza-se próximo
a um canal de maré e tem a pesca artesanal comercial presente em 81% de suas famílias.
Possui formação recente, a partir de 1995, e em 1997 apresentava somente 74 casas,
porém, este número vem crescendo com a construção de novas casas de madeira e
concreto, acompanhadas de remoção de grande área de manguezal. A forte migração de
ex-residentes da vila dos Pescadores trouxe a mudança de associações e clubes para a
vila Bonifácio, bem como a criação de um novo posto de saúde e escola (Krause &
Glaser, 2003). Dados recentes da Secretaria Municipal de Saúde de Bragança apontam o
cadastro de 121 famílias na vila Bonifácio (Bragança, 2005).
Ambas as vilas sofreram grande processo de transformação em decorrência da
construção da rodovia PA-458 que liga a cidade de Bragança à praia de Ajuruteua em
meados de 1970. A estrada trouxe como conseqüência imediata a facilidade de acesso a
estas áreas costeiras (Maneschy, 1995; Souza-Filho, 2001; Krause & Glaser, 2003).
Figura 3-Vila Bonifácio, Ajuruteua-PA (Fotos de Roberta Barboza, 2006).
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3.3. METODOLOGIA
Foi realizada observação participante15 (Albero et al., 1997; Viertler, 2002;
Gaskell, 2002) nas comunidades estudadas e aplicação de formulários semi-estruturados
(ver apêndice) (Viertler, 2002). A confiança mútua entre entrevistados e pesquisadora –
“rapport” (Albuquerque & Lucena, 2004) foi obtida por meio da realização de reuniões
e visitas prévias à aplicação dos formulários, além de estadias prolongadas16 na
comunidade.
Os formulários foram aplicados a 73 pescadores, abrangendo cerca de 40% das
famílias das vilas estudadas. Na aplicação dos formulários foram realizadas quatro
excursões de campo, totalizando 12 dias de pesquisas na área de estudo no período de
julho a agosto de 2005. Empregou-se a amostragem conhecida como “snow ball”, ou
“bola de neve” (Bailey, 1994 apud Albuquerque & Lucena, 2004), onde os novos
informantes são indicados pelos próprios entrevistados, adotando-se um pescador por
domicílio.
Os formulários consistiam dos seguintes questionamentos:
-Tem algum peixe que você não come? Caso sim, qual?
-Por que você não come estes peixes?
-Quais os peixes que você prefere?
-Que peixes são remosos?
-Há algum peixe que você utiliza para fazer remédios? Caso sim, quais?
-Servem para tratar quais doenças?
-Como é feito o remédio?
-Que parte do peixe é utilizada?
Empregou-se um banco de dados (Acess 2000) para o armazenamento dos
dados.
Baseando-se nas tendências gerais encontradas em estudos etnoictiológicos
foram verificadas as seguintes relações: peixes sujeitos a tabus e peixes medicinais
15 Segundo Gaskell (2002), a observação participante é caracterizada por uma conversação continuada menos estruturada onde a ênfase é mais em observar o conhecimento local e a cultura por um período de tempo mais longo do que fazer perguntas dentro de um período relativamente limitado. Ainda segundo o autor, na observação participante o pesquisador está aberto a uma maior amplitude e profundidade de informações, é capaz de triangular diferentes impressões e observações e consegue conferir discrepâncias emergentes no decurso do trabalho de campo. 16 Viertler (2002) sugere que estadias mais numerosas e prolongadas na comunidade aumentam em muito a “familiaridade” do pesquisador com os pesquisados, além de lhe mostrar as alterações na comunidade estudada, em virtude da complexidade do processo de comunicação intercultural.
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(Seixas & Begossi, 2001; Begossi et al., 1999; Begossi, 1992; Begossi & Braga, 1992),
peixes sujeitos a tabus e peixes de couro (Seixas & Begossi, 2001; Costa-Neto, 2000;
Begossi et al., 1999; Begossi & Braga, 1992) e peixes sujeitos a tabus e sua posição na
cadeia alimentar (Begossi et al., 2005; Begossi et al., 2004; Seixas & Begossi, 2001;
Begossi, et al., 1999; Begossi & Braga, 1992). Através do programa de Estatística
Bioestat 4.0. realizou-se a Análise de Correlação não-paramétrica Spearman entre os
peixes considerados remosos (sujeitos a tabus) e peixes medicinais com intuito de
determinar a associação entre estes tipos de peixes. Optou-se por este tipo de correlação,
pois os dados não apresentaram distribuição normal (p<0.01) cuja verificação se deu
através do teste de Lilliefors (Ayres et al, 2005).
3.4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
a) Medicina popular
Entre os 74 pescadores entrevistados, 27 não citaram nenhum animal no preparo
de remédios, 36 citaram apenas um animal, 7 citaram dois animais, 3 citaram três
animais e 1 pescador citou quatro animais. Verificou-se ainda que alguns pescadores
reconheciam o peixe utilizado na zooterapia, entretanto, não detinham o conhecimento
do modo de preparo do remédio e/ou da doença cujo tratamento deveria ser aplicado
(Tabela 1). Cerca de 52% dos entrevistados, ou seja, mais da metade, desconheciam o
tratamento requisitado.
De modo geral, os pescadores de Ajuruteua revelaram um conhecimento não
muito detalhado utilizado outrora por seus antecedentes:
“..isso eu não uso não, mas minha avó disse que é bom pra puchamento”. “Só sei que poraquê serve pra reumatismo, mas não sei como faz pra
usar”.
Begossi & Braga (1992) sugerem que em populações humanas isoladas a
natureza funciona como suas “farmácias”. Desta forma, acredita-se que o processo de
globalização atual pode contribuir para perdas de hábitos e costumes tradicionais, como
é o caso da difusão da zooterapia em Ajuruteua, através do fácil acesso a medicamentos
em farmácias e hospitais na sede de Bragança ou no próprio centro de saúde localizado
na vila do Bonifácio.
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Tabela 1-Animais medicinais citados pelos pescadores artesanais de Ajuruteua, PA (Brasil).
PEIXES Animal Parte utilizada Tratamento Doença/Simpatia Acari Inteiro Torra e faz o chá Asma Cação Fígado Óleo Reumatismo Osso NS Câncer Canguira NS Chá Asma Cangulo Escama; couro Torra, côa e faz chá Asma Carne Faz o bife da carne salgada, torra no óleo e faz chá NS Cavalo-marinho Inteiro Seca na areia, torra e faz o chá Puxado, cansaço Corvina Inteiro Comer Mulher de resguardo;quando tá doente Espadarte Osso Torra e coloca o pó em cima da frieira Frieira Gó Inteiro Comer Fraqueza, quando tá doente, Gurijuba Esporão Chá Asma Esporão;Óleo Torra o esporão e pinga no óleo ou na água Caroço no olho Ferrão da costa Torra, coloca o pó na água e pinga no olho Inflamação no olho Pacamun Fel (bile) Coloca o fel para secar, torra e faz chá Cansaço Peixe-agulha Bico NS Asma
Peixe-cavalo Inteiro Coloca no sereno, torra no fogo e faz chá (coloca o pó na água)
Asma, ameba, canseira, câncer, hemorróidas, problema no rins, diminui umbigo de recém-nascido
Peixe-morcego Fígado NS Asma Pescada-amarela Escama Faz defumação Dá sorte pescaria, mas só pescador de pescada Escama Chá Asma Gordura NS Fraqueza Pirapema Escama Torra e coloca no chá ou no mel de abelha Asma
Poraquê Óleo NS Rim, reumatismo, puchamento, picada de cobra, ferrada de peixe violento (arraia)
Tacuré Banha Retira a banha, derrete e coloca no dente Dente furado
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MAMÍFEROS Animal Parte utilizada Tratamento Doença/Simpatia Boto Azeite NS Baque (queda) Banha NS Asma, dor no peito, reumatismo, puchamento Couro Defumado Espanta mosquito/Mau olhado Couro Passar o azeite na ferida Ferida; Asma Óleo Defumação Asma, Impinge Olho Chá NS Olho esquerdo NS Para chamar mulher CRUSTÁCEOS Animal Parte utilizada Tratamento Doença/Simpatia Siribóia (Camarão) Inteiro Coloca na cachaça ou álcool Ferroada de peixe ou cobra venenosa MOLUSCOS Animal Parte utilizada Tratamento Doença/Simpatia Turu Inteiro Comer Fortificante
Nota: NS= “Não sei” (Quando o informante não sabia responder o item perguntado, seja em relação ao tratamento utilizado ou a própria doença em que o animal poderia ser empregado como recurso medicinal).
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É bom destacar aqui que a hipótese da universalidade zooterápica17 (Marques,
1994, apud Andrade & Costa-Neto, 2005) não está sendo negada, pois, embora pouco
difuso, o uso de peixes na medicina popular foi citado por alguns pescadores
entrevistados.
Além dos peixes (16 etnoespécies mencionadas), foram citados um molusco
(turu), um crustáceo (siri-bóia) e um mamífero (boto) como tendo algum uso
terapêutico. Os animais mais utilizados com propósito medicinal foram boto, cavalo-
marinho e o peixe cangulo, correspondendo a 57,5% das citações (Figura 4).
0
5
10
15
20
25
Bot
o
Cav
alo-
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Gur
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Turu
Animais utilizados na zooterapia
Freq
uênc
ia d
e ci
taçõ
es (%
)
Figura 4-Animais empregados na medicina popular entre os pescadores artesanais de Ajuruteua, PA (Brasil).
Costa-Neto & Marques (2000) registraram o uso de 39 animais entre os
pescadores de Siribinha (BA), incluindo peixes, crustáceos, répteis, equinodermas,
moluscos e mamíferos. No mercado Ver-o-peso em Belém foi levantado o uso de 73
animais na medicina popular, incluindo 3 peixes: cação, poraquê e pirarucu (Figueiredo,
1994). Em estudo semelhante realizado nos mercados públicos de Recife, Silva et al.
(2004) encontraram 19 etnocategorias taxonômicas de animais zooterapêuticos, com
destaque para o emprego de cavalo-marinho. Outros estudos também revelam a
importância do cavalo-marinho no tratamento popular de doenças (Begossi et al., 2005;
17 Segundo a hipótese da universalidade zooterápica toda comunidade humana que apresenta um sistema médico utiliza animais como fonte de medicamentos (Marques, 1994, apud Andrade & Costa-Neto, 2005).
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Marques, 1995; Begossi, 1992). Costa-Neto (2005) e Costa-Neto & Marques (2000)
chamam a atenção para o uso extensivo do cavalo-marinho em todo o mundo, tornando-
o raro.
O cavalo-marinho é usado em Ajuruteua para o tratamento de diversas doenças
(asma, câncer, hemorróida, etc.) através da ingestão de chás feito com o animal (torra-se
o animal inteiro, em seguida o pó é dissolvido em água e ingerido) (Tabela 1).
Estudos realizados em comunidades pesqueiras da Bahia também apontam o
cavalo-marinho torrado como recurso terapêutico popular no tratamento de asma e
cansaço (Costa-Neto, 2001; Costa-Neto & Marques, 2000).
O boto é utilizado pelos pescadores de Ajuruteua para realização de simpatias
(mau olhado e “chamar mulher”) e tratamento de doenças como asma e reumatismo,
além de quedas, feridas, impinge, dor no peito e como repelente. Para tais fins, os
pescadores de Ajuruteua fazem uso de algumas partes do corpo do boto, como couro,
banha, olho e óleo (Tabela 1).
Acerca desta etnoespécie há um forte simbolismo na região amazônica expresso
por simpatias populares. Figueiredo (2004) também registrou o boto como recurso
medicinal, além de ser figurado em várias “simpatias” para atrair homens e mulheres.
Segundo o autor, do boto-tucuxi (Sotalia fluviatilis, Sotalia guianensis) e do boto-
vermelho (Inia geoffrensis) são retirados banha, olho e genitálias que são empregados
no tratamento da coqueluche, e como amuleto para sorte nos negócios e no amor. E para
atrair homens e mulheres, respectivamente.
Os entrevistados citaram ainda o preparo de chá com a escama torrada do peixe
cangulo no tratamento de asma (Tabela 1).
Em Ajururuteua os pescadores não fazem uso terapêutico da arraia, em contraste
com outras regiões, onde a arraia é o peixe mais citado na medicina popular local
(Costa-Neto, 2001; Begossi & Braga, 1992).
Por outro lado, os peixes morcego (empregado no tratamento de asma), poraquê
(usado contra reumatismo, asma, picada de cobra e ferrada de peixe) e cação (utilizado
no tratamento de reumatismo e câncer) são reconhecidos tanto na medicina popular de
Ajuruteua (Tabela 1) como em outras comunidades do Brasil (Begossi et al., 2005;
Figueiredo, 1994; Begossi, 1992; Begossi & Braga, 1992). O uso medicinal do cação já
é verificado na história do Brasil desde 1948 (Piso, 1948, apud Almeida, 2005).
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O consumo dos peixes corvina, gó e pescada-amarela foi indicado para pessoas
debilitadas por alguma doença e a corvina também foi recomendada para mulheres após
o parto (“resguardo”) (Tabela 1).
Begossi et al. (2005) realizaram um levantamento de peixes consumidos na dieta
alimentar de pessoas doentes e de mulheres menstruadas ou após o parto nas regiões
costeiras do sudeste brasileiro e na região amazônica. Esta pesquisa registrou em uma
ilha do Rio de Janeiro o consumo de peixes do mesmo gênero da pescada-amarela
(Cynoscion), corvina (Cynoscion) e gó (Macrodon). De acordo com Seixas & Begossi
(2001), os peixes recomendados em casos de doenças ou após o parto são conhecidos
como mansos, em contraposição aos peixes considerados carregados. Thé et al. (2003)
atestaram a recomendação do consumo de peixes, inclusive por médicos, para pessoas
doentes.
No preparo dos remédios são utilizados desde o animal inteiro (26,7%) como
também seu couro (15,6%), escama (13,3%), banha ou gordura (8,9%), óleo ou “azeite”
(8,9%), esporão (6,7%), fígado (4,4%), olho (4,4%), osso (4,4%), carne (2,2%) e “fel”
(2,2%). O animal inteiro é a matéria-prima comumente mais utilizada, seguida de partes
do corpo, como couro, escama, gordura e óleo (Figura 5).
0
5
10
15
20
25
30
Inte
iro
Cou
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a
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Oss
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Partes dos animais utilizadas na zooterapia
Freq
uênc
ia d
e ci
taçõ
es (%
)
Figura 5- Matérias-primas extraídas dos animais que são usados na medicina popular entre os pescadores artesanais de Ajuruteua, PA (Brasil).
A banha é uma das partes mais utilizadas entre pescadores de outras regiões
(Silva et al., 2004; Seixas & Begossi, 2001; Costa-Neto & Marques, 2000; Marques,
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1995; Begossi & Braga, 1992). O fel se refere à bílis dos peixes (Thé et al., 2003) e no
caso do baiacu apresenta uso popular no tratamento de dor de dente pelos pescadores de
Conde, Bahia (Costa-Neto, 2001).
Os entrevistados apontaram 22 doenças/simpatias com tratamento zooterapêutico,
destacando-se a asma (Tabela 2).
Tabela 2-Doenças e simpatias “curadas” através do uso de animais por pescadores artesanais de Ajuruteua, PA (Brasil).
Doenças e simpatias Freqüência de citações (%) Asma (cansaço ou “puchamento”) 49,3 Fraqueza 7,5 Ferrada de peixe 4,5 Reumatismo 4,5 Câncer 3,0 Ferida 3,0 Doença no rim 3,0 Picada de cobra 3,0 Ameba 1,5 Caroço no olho 1,5 “Chama mulher” 1,5 Dente furado 1,5 Diminui umbigo de recém- nascido 1,5 Dor no peito 1,5 Frieira 1,5 Hemorróida 1,5 Impinge 1,5 “Mau olhado” 1,5 Olho inflamado 1,5 Pessoa doente ou operada 1,5 Repelente 1,5 Resguardo 1,5 “Sorte na pescaria” 1,5
O cansaço/asma também é bastante referenciado nos mercados públicos de Recife
(Silva et al., 2004) e entre ribeirinhos amazônicos (Begossi et al., 2005) no sentido da
aplicação de animais em seu tratamento.
Begossi & Braga (1992) aludem para a possibilidade de peixes de uso medicinal
servirem como indicadores biológicos de doenças comuns nas regiões onde são
empregados. Os autores citam o uso freqüente do surubim no tratamento da
Leishmaniose entre pescadores do rio Tocantins no Maranhão, onde a doença é bastante
comum. Entretanto revelam a dificuldade de estudos deste tipo em virtude da falta de
informações sobre doenças tropicais locais.
Percebeu-se ainda certo simbolismo cultural nas receitas prescritas. Alguns
pescadores revelaram que em certos casos o doente não poderia saber o conteúdo dos
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remédios, pois do contrário os mesmos não representariam efeito no tratamento da
doença. Regras culturais semelhantes foram encontradas em Recife por Silva et al.
(2004) e na Bahia por Costa-Neto (2005).
b)Preferências alimentares
Vinte e seis animais, incluindo um crustáceo, foram considerados os “peixes”
preferidos para os entrevistados. Entre estes, a pescada-amarela e a tainha receberam
maior número de citações (27,4%) (Tabela3). Apesar de ser considerado um peixe
bastante apreciado, a pescada-amarela não é muito consumida nas comunidades
estudadas devido ao alto valor de mercado do produto, destinando-se em geral à venda.
Tabela 3- “Peixes” preferidos pelos pescadores artesanais de Ajuruteua, PA (Brasil). Peixes preferidos Freqüência de citações (%)
Pescada-amarela 13,7 Tainha (Pratiqueira ou caíca) 13,7 Bandeirado 12,4 Corvina 9,2 Enchova 7,2 Gurijuba, 5,9 Gó 5,2 Mero 4,6 Bagre 3,9 Cação 3,9 Peixe-pedra 3,9 Xareu 2,6 Pirapema 2,0 Serra 2,0 Bagralhão 1,3 Camarão 1,3 Dourada 1,3 Pacamon 1,3 Arraia 0,7 Cambeu 0,7 Cangatã 0,7 Pargo 0,7 Qualquer peixe que esteja gordo 0,7 Timbira 0,7 Uritinga 0,7 Uricica 0,7
Hanazaki (2002) observou que entre os pescadores do litoral paulista a tainha
(Mugil platanus) também é mencionada como um dos pescados mais preferidos para o
consumo.
Hanazaki & Begossi (2000) também constataram que os pescados de valor
econômico mais alto são destinados à venda e não são consumidos em Ponta do
Almada (SP). Begossi & Richerson (1992) investigaram os elementos presentes na
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escolha de alimentos para serem consumidos e/ou vendidos entre moradores da Ilha de
Búzios, levando em consideração vários fatores, como a maximização do retorno
energético, a ausência de ossos nos peixes, as preferências individuais e o valor de
mercado. Os autores encontraram grande importância do fator valor de mercado na
seleção de peixes para consumo ou venda, e do quanto pode ser comprado, em alimento
(farinha, jabá), com a venda de peixes de alto valor.
No que concerne aos “peixes” não consumidos (rejeitados) pelos pescadores de
Ajuruteua, foram citados 27 peixes e um mamífero. O baiacu aparece como peixe mais
rejeitado, envolvendo cerca de 30% das citações (Tabela 4) e sendo descrito como um
peixe venenoso (Tabela 5).
Tabela 4- “Peixes” rejeitados pelos pescadores artesanais de Ajuruteua, PA (Brasil). Peixes rejeitados Freqüência de citações (%)
Baiacu 30,7 Pacamon 14,7 Arraia 6,7 Peixe de água doce 5,3 Papista (carataí) 5,3 Peixe-espada (guaravilha) 4,0 Xaréu 2,7 Cara-açú 2,7 Bagre 1,3 Bicuda 1,3 Camurim 1,3 Cação 1,3 Cambeu 1,3 Cururuca 1,3 Dourada 1,3 Gó 1,3 Jurupiranga 1,3 Boto 1,3 Paru 1,3 Peixe-agulha 1,3 Peixe-morcego 1,3 Pescada-amarela 1,3 Piolho-de-cação 1,3 Piramutaba 1,3 Pirapema 1,3 Praieira 1,3 Sete-grude 1,3 Sarapó 1,3 Tralhoto 1,3
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Tabela 5- Situação em que os peixes são rejeitados pelos pescadores artesanais de Ajuruteua, PA (Brasil).
I- Peixes Rejeitados Motivo da rejeição
Arraia
“O sabor não agrada”. “Tem nervo”. “É feia”.
Baiacu
“Dizem que é envenenado”. “É venenoso (fígado)”. “Na época do caju é venenoso”. “Fica um mês envenenado”. “Não e peixe para comer”. “Tem época tá envenenado, cai cabelo”. “É difícil de comer no Pará, no Maranhão se come”. “Corta a linha e é perigoso, tem tempo que envenena”. “Tem peixe melhor”.
Boto “Não vou com a cara”.
Cação, guaravilha, sarapó, sete-grude “Não gostei do sabor”. “Falta de costume”.
Camurim, jurupiranga “Tem cheiro forte, me fez mal, vomitei”. Cara-açú, cururuca, dourada, pescada-amarela, piramutaba “Não gosto”. Pacamon “Não gosto”.
“A carne é aguada”. Papista (carataí)
“Come merda”. “Não faz bem”.
Peixe de água doce “Não gostei”. “Tem rosto de folha”. “Não tem por aqui”.
Peixe-espada “Tem melhor”. Peixe-morcego “É muito feio”. Piolho-de-cação “É feio e fede”. Tralhoto “Tem veneno”. Xaréu
"O sabor não agrada”. “Não simpatiza”.
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Costa-Neto (2001 e 2000) também verificou entre pescadores a rejeição ao consumo de
baiacu, o qual é classificado por estes como venenoso no litoral da Bahia. Haddad-Júnior (2003)
realizou um levantamento no Brasil dos principais animais aquáticos que causam acidentes e cita
envenenamentos graves provocados por baiacus, através do efeito paralisante na musculatura
provocado pela potente neurotoxina tetrodotoxina.
Embora o segundo peixe mais rejeitado em Ajuruteua, o pacamon (Batrachoides
surinamensis) (Tabela 4), não possua glândulas de veneno sob os espinhos de sua nadadeira
dorsal, uma espécie próxima (Thalassophryne maculosa) possui essas glândulas e apresenta
ocorrência em outras partes do litoral paraense (Espírito-Santo & Isaac, 2005).
As arraias receberam 6,7% das citações para peixes rejeitados (Tabela 4) e aparecem em
vários estudos como peixes evitados ou não apreciados (Hanazaki, 2002; Costa-Neto, 2001;
2000; Begossi & Braga, 1992; Begossi, 1992).
Por outro lado, os bagres estão entre os peixes menos rejeitados pelos entrevistados em
Ajuruteua (Tabela 4), enquanto que entre os pescadores do município do Conde (BA) são
apontados como os mais evitados (Costa-Neto, 2000). Hanazaki (2002), no entanto, chama
atenção para a peculiaridade observada na comunidade de São Paulo Bagre (SP): o consumo
preferencial de bagres. A preferência por bagres também foi constatada entre os pescadores de
Ajuruteua, embora a porcentagem de citações fosse apenas cerca de 4% (Tabela 3).
Aspectos como formato, aparência, gosto, cheiro, presença de veneno e ocorrência dos
peixes, bem como práticas culturais estão relacionados à rejeição no consumo dos peixes pelos
entrevistados (Tabela 5).
Costa-Neto (2000) percebeu, entre os pescadores do Conde (BA), restrições alimentares
por alguns peixes em virtude de aspectos comportamentais, quantidades de espinhas e
semelhança com cobras. Em Piracicaba (SP), as preferências por peixes são baseadas no
conteúdo de gordura, quantidade de espinhas, cheiro, gosto e morfologia (Madi & Begossi,
1997). Os pescadores do rio Tocantins consideram alguns peixes rejeitados como “sem gosto” e
de má aparência (Begossi & Braga, 1992). No trecho do alto-médio do rio São Francisco os
pescadores evitam comer peixes que apresentam pouca carne (Thé et al., 2003).
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c)Tabus alimentares
Nesse estudo tomou-se nota de 36 peixes, um mamífero e um camarão considerados
“peixes” remosos (Tabela 6).
Tabela 6- “Peixes” considerados remosos pelos pescadores artesanais de Ajuruteua, PA (Brasil).
Peixes remosos Freqüência de citações (%) Tacuré 12,7 Pirapema 11,8 Arraia 11 Cação 7,2 Mero 6,8 Bagre 4,2 Bandeirado 3,8 Cioba 3,8 Tainha 3,8 Bonito 3,4 Pescada-amarela 3,4 Peixe-pedra 3,0 Bagralhão 2,5 Cangatã 2,5 Enchova 2,1 Pacamon 2,1 Serra 1,7 Uritinga 1,7 Camarão 1,3 Camurim 1,3 Jurupiranga 1,3 Cavala 0,8 Cara-açú 0,8 Pargo 0,8 Timbira 0,8 Xaréu 0,8 Bicudo 0,4 Boto 0,4 Cambeu 0,4 Canguira 0,4 Cangulo 0,4 Cururuca 0,4 Gurijuba 0,4 Peixes de esporão 0,4 Tacaruína 0,4 Tucunaré 0,4 Tubarão 0,4
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Conforme descrito anteriormente na metodologia, a relação com tabus alimentares nos
formulários aplicados se deu através da pergunta sobre os peixes remosos conhecidos pelos
pescadores. O termo remoso é conceituado por Begossi et al. (1999) como os tipos de alimentos
proibidos durante qualquer doença ou por mulheres menstruadas ou no puerpério (resguardo).
Maués & Motta-Maués (1977) apresentam um estudo detalhado sobre o significado do termo
reima na região amazônica.
Além do termo remoso, os pescadores de Ajuruteua empregam o termo “carregado”
para indicar os alimentos evitados durante qualquer estado doentio, pós-operatório e por pessoas
com ferimentos e cortes. O termo carregado também é utilizado pelos pescadores caiçaras de
Búzios (SP) e caboclos da Amazônia, nos estudos de Begossi (1998, 1992).
Os “peixes de couro” (Siluriformes) são comumente considerados remosos (Seixas &
Begossi, 2001; Costa-Neto, 2000; Begossi et al., 1999; Begossi & Braga, 1992). Em Ajuruteua
os pescadores relataram tanto peixes de escamas como de couro na categoria de peixes remosos.
No caso das arraias e cações, confirma-se entre os pescadores de Ajuruteua o padrão
geral encontrado em pesquisas de ecologia humana relatando-os como peixes remosos
(Hanazaki, 2002; Begossi et al., 2004, 1999; Costa-Neto, 2000; Begossi, 1992; Begossi & Braga,
1992). Pezzuti (2004) sugere que para as restrições entre os elasmobrânquios como arraias e
cações há uma relação simbólico-materialista, explicada pelo “cheiro da urina” e altas
concentrações de amônia nestes peixes. Altas concentrações de amônia na carne significam
numa deterioração mais rápida da carne, aumentando a probabilidade de problemas digestivos e
de intoxicação alimentar (Begossi, 1998).
Observou-se entre os pescadores de Ajuruteua que 50% dos peixes mencionados
como medicinais estão também sujeitos a tabus. São eles: cangulo, gurijuba, pescada-amarela,
cação, pirapema, canguira, pacamon e tacuré. Destes peixes, apenas o cangulo apresenta
destaque nas recomendações de uso medicinal, apresentando cerca de 17% das citações para
animais zooterapêuticos (Figura 4). Verificou-se, entretanto, que os peixes gó, gurijuba, pescada-
amarela, corvina e pirapema apresentaram uso medicinal e estão entre os peixes preferidos no
consumo dos pescadores.
Como o uso de peixes na medicina popular em Ajuruteua não é muito freqüente, a
ausência de associação entre peixes medicinais e peixes sujeitos a tabus, pode indicar que não há
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uma “preocupação” na rejeição do consumo de peixes zooterapêuticos com vistas à conservação
de seus estoques para garantir sua disponibilidade como recursos medicinais.
De acordo com a análise de correlação Spearman entre os animais citados como
medicinais e os animais remosos não há associação entre estes (p= 0.437). Desta forma,
semelhante aos pescadores de Siribinha (Costa Neto, 2000), os pescadores de Ajuruteua não
fazem distinção entre os peixes de uso medicinal e os que constituem a base da sua alimentação.
Por outro lado, estudos em diversas regiões do Brasil revelam uma ligação entre peixes
medicinais e peixes sujeitos a tabus (Seixas & Begossi, 2001; Begossi et al., 1999; Begossi,
1992; Begossi & Braga, 1992), confirmando a hipótese da drogaria da natureza ou “drugstore
hyphothesis” (Begossi, 1992): tabus alimentares acerca da rejeição do consumo de algumas
espécies podem ajudar a mantê-las disponíveis na natureza, para que sua captura seja facilitada
pela relativamente alta abundância.
Os peixes mencionados como remosos em Ajuruteua apresentam em geral hábitos
piscívoros e invertívoros18, e também foram considerados preferidos pelos entrevistados. Os
peixes preferidos que não estiveram incluídos na categoria remosos também apresentam hábitos
piscívoros e invertívoros (Tabela 7).
Tabela 7– Hábito alimentar dos peixes considerados remosos e preferidos pelos pescadores de Ajuruteua-PA.
Peixes Hábito alimentar¹
Remosos Pirapema² Peixes, crustáceos e moluscos Arraia² Peixes, crustáceos, moluscos e detritos Mero² Peixes e crustáceos Bandeirado² Peixes, crustáceos, moluscos, poliquetos bentônicos e
detritos Cioba Peixes e camarões Pescada-amarela² Peixes e crustáceo Peixe-pedra² Peixes pequenos e crustáceos Pacamon² Peixes bentônicos Tainha² (Pratiqueira ou Caíca) Detritos e plâncton Serra² Peixes Uritinga² Peixes Jurupiranga Peixes e poliquetos Cavala Peixes
18 Peixes que apresentam invertebrados em sua dieta alimentar (Silvano et al., 2001).
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Continua... Pargo²
Peixes e camarões
Timbira² Peixes e crustáceos Xareu² Peixes, crustáceos e moluscos Canguira Peixes, crustáceos e moluscos Cururuca Crustáceos, poliquetos e anelídeos Gurijuba² Peixes e crustáceos
Preferidos Corvina Peixes e crustáceos Gó Peixes pequenos e camarões Dourada Peixes e camarões Uritinga Peixes Uricica Crustáceos, moluscos, zooplâncton e detritos Nota: ¹Dados de Espírito-Santo & Isaac, 2005; ²Estes peixes também foram citados como preferidos; ³O destaque em negrito é para o hábito piscívoro dos peixes.
Têm-se então na dieta dos pescadores de Ajuruteua peixes sujeitos a tabus cujos hábitos
alimentares incluem peixes, moluscos e crustáceos.
Há na literatura uma relação entre animais sujeitos a tabus e sua posição na cadeia
alimentar. Pesquisas indicam que a dieta alimentar dos peixes pode influenciar em sua
preferência ou rejeição, apontando os peixes piscívoros como alimentos rejeitados, enquanto
peixes detritívoros, onívoros e invertívoros são recomendados para pessoas doentes e
considerados preferidos (Begossi et al., 2005, 2004; Seixas & Begossi, 2001; Begossi et al.,
1999; Begossi & Braga, 1992). Begossi & Braga (1992) sugerem que a rejeição aos peixes
piscívoros pode representar um comportamento adaptativo, visto que toxinas tendem a se
concentrar nos níveis tróficos superiores. Outra perspectiva êmica/ética apontada acerca de
peixes sujeitos a tabus é a alusão que alguns pescadores fazem à rejeição ao consumo de peixes
de comportamento agressivo e que apresentam dentes, características descritas na literatura para
peixes carnívoros (Begossi, 1998).
Costa-Neto (2001, 2000) observou que em Siribinha as espécies carnívoras tanto são
consumidas e consideradas preferidas, quanto são evitadas como recursos alimentares. Verifica-
se, então, semelhança entre o padrão de consumo para as espécies que ocupam níveis tróficos
mais elevados apenas entre os pescadores de Ajuruteua e os de Siribinha (Costa-Neto 2001,
2000), indo contra os padrões percebidos em outros estudos (Begossi et al., 2005, 2004, 1999;
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Seixas & Begossi, 2001; Begossi & Braga, 1992). Ou seja, tanto os peixes preferidos como os
peixes rejeitados em Ajuruteua apresentam hábito alimentar carnívoro.
É necessário realizar ainda mais estudos sobre tabus alimentares para verificar se as
relações encontradas até então podem ser generalizadas ou constituem contextos localizados
(Pezzuti, 2004). Begossi & Braga (1992) sugerem que esses estudos incluam a análise de outros
usos dos itens alimentares sujeitos a tabus e do ambiente onde as pessoas estão inseridas.
Segue-se abaixo um resumo das relações encontradas ou refutadas sobre tabus
alimentares acerca de peixes, na literatura (Tabela 8).
Tabela 8 – Possíveis padrões sobre peixes sujeitos a tabus
Relação sugerida Significado ético da relação Averiguação1 da existência da
relação na literatura
Fonte 2
Ausente Costa-Neto, 2000, 2001.
Peixes medicinais X
Peixes sujeitos a tabu
Peixes medicinais estão sujeitos a tabus para estarem disponíveis na medicina popular.
Presente Seixas & Begossi, 2001; Begossi et al., 1999; Begossi, 1992; Begossi & Braga, 1992.
Dieta dos peixes (posição na cadeia
alimentar) X
Peixes sujeitos a tabu
Peixes carnívoros são sujeitos a tabu, pois acumulam toxinas em seus tecidos, devendo ter consumo evitado, enquanto os peixes invertívoros e os planctívoros são recomendados para pessoas doentes ou estão entre os preferidos.
Ausente
Presente
Costa-Neto, 2000; Costa-Neto, 2001. Begossi et al., 2005; Begossi et al., 2004; Seixas & Begossi, 2001; Begossi et al., 1999; Begossi, 1992; Begossi & Braga, 1992.
Conteúdo de gordura X
Peixes sujeitos a tabu
Peixes com alto teor de lipídeos são sujeitos a tabus.
Ausente Begossi et al., 2004; Begossi, 1992; Begossi & Braga, 1992.
Elasmobrânquios X
Peixes sujeitos a tabu
Elasmobrânquios estão sujeitos a tabus, pois apresentam altas concentrações de amônia em seus tecidos.
Presente Hanazaki, 2002; Begossi et al., 2004; Costa-Neto, 2001, 2000; Begossi et al., 1999; Begossi, 1992; Begossi & Braga, 1992.
Baiacu X
Peixes sujeitos a tabu
Baiacus são sujeitos a tabus por apresentarem toxinas
Presente Seixas & Begossi, 2001; Costa-Neto, 2001; Costa-Neto, 2000; Begossi, 1992.
Peixes de couro X
Peixes sujeitos a tabu
Relação desconhecida Presente Seixas & Begossi, 2001; Costa-Neto, 2000; Begossi et al., 1999; Begossi & Braga, 1992.
Peixes parasitados X
Peixes sujeitos a tabu
Peixes parasitados estão mais suscetíveis a doenças infecciosas
Presente Begossi & Braga, 1992.
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Ambiente poluído X
Peixes sujeitos a tabu
Tabus alimentares são mais fortes quando os níveis de poluição aumentam no ambiente
Presente Madi & Begossi, 1997
1Ausente significa que a relação em questão não foi encontrada no atual estudo, e presente se refere à existência da relação. 2Os estudos citados foram desenvolvidos em populações caiçaras do litoral de São Paulo (Hanazaki, 2002), pescadores da Floresta Atlântica e da Amazônia (Begossi et al., 2004), pescadores de Ilha Grande, RJ (Seixas & Begossi, 2001), pescadores do Conde, BA (Costa-Neto, 2000), uma comunidade urbana próxima do rio Piracicaba, SP (Madi & Begossi, 1997), moradores da reserva extrativista do Alto Juruá, AC (Begossi et al., 1999), pescadores de Búzios, RJ (Begossi, 1992) e pescadores do rio Tocantis, MA-TO (Begossi & Braga, 1992).
Em Ajuruteua, não foram encontradas relações entre peixes sujeitos a tabus e: a)peixes
medicinais, b)peixes carnívoros, c)peixes de couro. As relações entre peixes sujeitos a tabus e: a)
peixes com alto teor de lipídeos; b)peixes parasitados e c)ambientes poluídos não foram
estudadas nesta pesquisa. Neste estudo, apenas foi averiguada a indicação de baiacu e
elasmobrânquios como peixes sujeitos a tabus. Desta forma, pressupões-se que entre os
pescadores artesanais de Ajuruteua, os tabus assumem um caráter mais simbólico que funcional.
3.5. CONCLUSÕES
O boto foi um dos animais mais citado na zooterapia, tal resultado pode estar ligado ao
forte simbolismo que há na região amazônica acerca desta etnoespécie, expresso por meio de
simpatias populares. O cavalo-marinho, comum na medicina popular de outras regiões do Brasil,
surge como um dos recursos mais citados localmente na zooterapia, no entanto, de um modo
geral os pescadores de Ajuruteua não apresentaram no seu cotidiano o uso comum de peixes na
medicina popular. Sugere-se a realização de estudos farmacológicos com os animais citados
como medicinais a fim de descobrir possíveis compostos biologicamente ativos.
A rejeição ao consumo de alguns peixes esteve relacionada a aspectos como formato,
aparência, gosto, cheiro, veneno e ocorrência dos peixes.
Padrões encontrados em outros estudos para peixes sujeitos a tabus (peixes sujeitos a
tabus X peixes medicinais/ posição na cadeia alimentar/ peixes de couro) não apareceram no
presente trabalho.
Continua...
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3.6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do que foi exposto constata-se entre os pescadores artesanais de Ajuruteua um
conhecimento popular bastante relevante quanto às distintas faces da ecologia ictiológica:
alimentação, fisiologia, reprodução, parasitismo e predação. Todo o conjunto desses saberes
pode ser resultado de suas observações durante a realização das pescarias, o tratamento de
preparo dos peixes (retirada das vísceras) para o consumo e venda, e do próprio convívio com o
ambiente onde vivem. Acredita-se que todo este conhecimento sobre ecologia dos peixes seja
empregado no sucesso de suas pescarias, na medida em que adotam as iscas adequadas, usam o
artefato de pesca propício para captura de determinado peixe e colocam impecavelmente os
apetrechos de pesca no ambiente, considerando fatores como maré, correntes, migração de
peixes, áreas de alimentação de peixes e outros.
Por fim, é reconhecido no presente trabalho o papel fundamental da etnobiologia na
obtenção de dados plausíveis e inéditos que possam vir a serem empregados no manejo
participativo da pesca local a partir do conhecimento de pescadores.
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Apêndice-Relação dos nomes populares e científicos dos animais PEIXES
Nome popular Família Táxon Acari LORICARIIDAE Hypostomus plecostomus Arraia DASYATIDAE Dasyatis sp GYMNURIDAE Gymnura micrura Baiacu TETRAODONTIDAE
DIODONTIDAE Várias espécies
Bagralhão ARIIDAE Arius couma Bagre ARIIDAE Hexanematichthys couma Bandeirado ARIIDAE Bagre bagre Bejupirá RHACYCENTRIDAE Rachycentron sp Bico doce GERREIDAE Diapterus auratus
Eucinostomus sp Bicudo ? ? Cabeção ? ? Cabeçudo ? ? Cação Várias Várias espécies Caíca MUGILIDAE Mugil sp. Cambeu ARIIDAE Arius grandicassis Camurim CENTROPOMIDAE Centropomus sp. Cangatã ARIIDAE Aspitor quadriscutis Cangulo ? ? Canguira CARANGIDAE Trachinotus sp ou
Hemicarnx amblyrhynchus Caraoca SCIAENIDAE Stellifer sp Carapema ? ? Cara-açú LOBOTIDAE Lobotes surinamensis Carataí ou Papista AUCHENIPTERIDAE Pseudauchenipterus nodosus Cavala SCOMBRIDAE Acanthocybium solanderi Cavalo-Marinho ou Peixe cavalo ? ? Cioba LUTJANIDAE Lutjanus purpureus Cinturão (Guaravilha) TRICHIURIDAE Trichiurus lepturus Curvina SCIAENIDAE Cynoscion micolepidotus Cururuca SCIAENIDAE Micropogonias furnieri Cutuca ? ? Dourada PIMELODIDAE Brachyplatystoma flavicans Espardarte PRISTIDAE Pristis sp Gó SCIAENIDAE Macrodon ancylodon Gorajeira ? ? Gurijuba ARIIDAE Hexanematichthy parkeri Jiquiri HAEMULIDAE Conodon nobilis Joao Duro ENGRAULIDIDAE Anchoa lyolepis Jurupiranga ARIIDAE Arius rugispinis Mero SERRANIDAE Epinephelus itajara Pacamon BATRACHOIDUDAE Batracoides surinamensis Papista AUCHENIPTERIDAE Pseudauchenipterus nodosus
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Pargo LUTJANIDAE Lutjanus sp Paru EPHIPPIDAE Chaetodipterus faber Peixe agulha HEMIRHAMPHIDAE
BELONIDAE Várias espécies
Peixe morcego OGCOCEPHALIDAE Ogcocephalus nasutus Peixe-pedra HAEMULIDAE Genyatremus luteus Pirapema MEGALOPIDAE Megalops atlanticus Piramutaba PIMELODIDAE Brachyplatystoma vaillantii Pititinga ? ? Poraque GYMNOTIDAE Electrophotrus electricus Pratiqueira MUGILIDAE Mugil sp. Sacuri ? ? Sarapó GYMNOTIDAE Gymnotus sp. Sardina Várias Várias espécies Sete-grude SCIAENIDAE Nebris microps Serra SCOMBRIDAE Scomberomorus brasiliensis Surubim PIMELODIDAE Pseudoplatystoma sp. Tacaruína ? ? Tacuré ? ? Tainha MUGILIDAE Mugil sp. Timbira CARANGIDAE Oligoplites spp Tintureira Várias Várias espécies Tubarão Várias Várias espécies Tucunaré CICHLIDAE Cichla sp. Tralhoto ANABLEPIDAE Anableps anableps Uricica branca ARIIDAE Cathorops sp. Uricica amarela ARIIDAE Cathorops spixii Uritinga ARIIDAE Hexanematichthy proops Vovozinho da pescada SCIAENIDAE Stellifer rastrifer Xareu CARANGIDAE Caranx spp CRUSTÁCEOS Camarao-graúdo ? ? Camarão-Pire ? ? Caraca ? ? Caranguejo OCYPODIDAE Ucides cordatus Carrapato ? ? Tamaru ALPHEYDAE Alpheus sp. MOLUSCOS Ostra OSTREOIDAE Crassostrea rhizophorae Sapequara ? ? Sarnambi VENERIDAE Anomalocardia brasiliana Sururu, Mexilhão MYTILIDAE Mytella sp
ANELÍDEO Minhoca NEREDIDAE Namalycastis sp. MAMÍFEROS Boto DELPHINIDAE Sotalia guianensis
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QUESTIONÁRIOa No._____
DATA ____________LOCAL: __________________ (Ajuruteua), Coordenadora: Roberta Sá Leitão Barboza ENTREVISTADOR: ______________
1.1 NOME (Apelido) 1.2 Idade
1. 1.3 Local de Nascimento P 1.4 Endereço E 1.5 Tempo de Residência na Vila?
R 1.6 Escolaridade (última série concluída)
F 1.7 Sabe Ler?
( ) não ; ( ) sim
I 1.8 Recebe algum benefício*?
( ) não ; ( ) sim Qual?
L 1.9 Número de filhos?
1.10 Com que idade aprendeu a pescar?
*Benefícios previdenciário ou social: aposentadoria, pensão, seguro desemprego, auxílio doença, salário maternidade, bolsa escola...
2.1 Tem algum peixe que você não come? Caso sim, quais?
2.2 Por que você não come estes peixes?
2.3 Quais os peixes que você prefere?
2.4 Que peixes são remosos?
2.5 Há algum peixe que você utilizapara fazer remédio? Caso sim, quais?
2.6 Serve para tratar quais doenças?
2.7 Como é feito o rmedio?
2. T A B U S
2.8 Qual parte do peixe é utilizada?
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3.1 ETNOICTIOLOGIA PEIXES BIOECOLOGIA
A) Corvina
B) Cururuca C)Gó D)Pescada Amarela
Onde é pescado (Superfície, Meio ou Fundo)?
H A
II-
I T A
Profundidade em que se encontra?
Como se move ao longo do dia?
Onde é encontrado pequeno (jovem): Furos, Rio, Mar?
Em que época é encontrado jovem? Tamanho?
Onde é encontrado grande (adulto): Furos, Rio, Mar?
Em que época é encontrado adulto? Tamanho?
M I G R A Ç Ã O
Por que aparecem nessa época (Fatores Abióticos ou Bióticos)?
BARBOZA, R. S. L. Interface conhecimento tradicional...113
3.2 ETNOICTIOLOGIA
PEIXES BIOECOLOGIA
A) Corvina
B) Cururuca C)Gó D)Pescada Amarela
Alimenta-se (comedia) de que quando pequeno (jovem)?
Alimenta-se (comedia) de que
quando grande (adulto)?
A L I
M E N T A Ç A O
Quem o persegue (Predadores/ serve de isca pra quem)
Qual período de reprodução (fêmeas ovadas)?
R E P R O D U Ç A O
Onde desova?
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