Comunicaes
e Psteres
Anais
XVIII Congresso Nacional da Associao Brasileira de Educao Musical15 Simpsio Paranaense de Educao MusicalLondrina - 6 a 9 de outubro de 2009
O ensino de msica na escola:compromissos e possibilidades
ISBN 978-85-7745-428-0
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Solange BatiglianaVanda Moraes
O XVIII Congresso Nacional da Associao Brasileira de Educao Musical
acontece em um momento poltico de grande importncia para a educao musical
no Brasil, tendo em vista a aprovao da Lei 11796/08 e os distintos
desdobramentos, aes e discusses que vm marcando a insero da msica nas
escolas de educao bsica do pas. Contemplando essa realidade, mas tambm
abrangendo as demais demandas de educao musical existentes, este Congresso
retrata um panorama de consolidao e de fortalecimento da rea, que conta na
atualidade com professores, pesquisadores e estudantes de msica engajados nas
conquistas polticas, educativas e sociais que marcam o ensino e aprendizagem da
msica. Os trabalhos apresentados nestes Anais demonstram a diversidade que
caracteriza a rea de educao musical no Brasil e evidenciam a amplitude das
pesquisas e das experincias de ensino que vm sendo realizadas no pas. Assim,
as 186 comunicaes e os 20 psteres apresentados trazem reflexes e debates
acerca de mltiplas realidades de ensino musical de diversos estados brasileiros,
evidenciando aspectos fundamentais que caracterizam esse campo de abordagem
e atuao. Os textos aqui publicados so sem dvidas importantes documentos da
educao musical brasileira e podero promover o debate e a troca de experincias
entre profissionais e estudantes de diferentes contextos educacionais,
fortalecendo, ainda mais, as dimenses prticas e reflexivas relacionadas
educao musical no cenrio nacional na contemporaneidade.
Prof. Dr. Luis Ricardo Silva Queiroz
Presidente do Comit Cientfico do XVIII Congresso Nacional daAssociao Brasileira de Educao Musical
Apresentao
Comunicaes
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A apreciao ativa no processo de ensino e aprendizagem musical
Larissa Rosa Antunes UnB
Camila de Oliveira Passos UnB
Resumo: Na presente comunicao trazemos o relato de uma experincia docente vivenciada na disciplina de Estgio Supervisionado em Msica II, no 2 semestre de 2008. A disciplina faz parte do currculo de Licenciatura em Educao Artstica com Habilitao em Msica da Universidade de Braslia e tem como objetivo a reflexo sobre a prtica docente em diferentes espaos de ensino e aprendizagem do Distrito Federal. A prtica foi realizada em uma escola pblica de ensino fundamental especfica para atividades artsticas e esportivas: Escola Parque de Braslia. O projeto de estgio foi desenvolvido em uma turma de prtica de conjunto com crianas de 10 anos. O foco do trabalho foi a prtica musical na Fanfarra sob a pespectiva terica do modelo C(L)A(S)P (Swanwick, 2003). Neste relato fao uma reflexo sobre umas das situaes pedaggicas vivenciadas em sala de aula, a audio ativa no processo de ensino e aprendizagem. Para isso questiono o que os alunos escutam em uma atividade de apreciao de uma nova msica e a apreciao enquanto avaliao do que eles fizeram. Na minha reflexo dialogo com autores que discutem a apreciao e sua avaliao no processo de ensino e aprendizagem (DEL BEN, 1996/1997; FRANA; SWANWICK, 2002; GREEN, 1997; HARGREAVES, 2005; HUMMES, 2004; OLIVEIRA, 2001; SOUZA, 2000; SWANWICK, 1993).
Palavras chave: Fanfarra; Modelo C(L)A(S)P; apreciao musical
Contexto
Este artigo relata uma experincia vivenciada no Estgio Supervisionado em Msica
II, disciplina do curso de Licenciatura em Educao Artstica com Habilitao em Msica, da
Universidade de Braslia (UnB). A disciplina oferece projetos para a educao bsica, visando
a vivncia de uma experincia musical real e concreta. Durante o semestre houve
oportunidade do contato direto com o mercado de trabalho e situao de sala de aula em
alunos formandos, favorecendo seu desenvolvimento docente e integrando a escola e a
Universidade.
O projeto estava inserido no contexto da Escola Parque, escola especfica para artes
baseado nos ideais de Ansio Teixeira, como disciplinas relacionadas msica, artes cnicas,
entre outras. O aluno freqenta a Escola Parque uma vez por semana, no mesmo turno ou em
horrio contrrio ao da escola regular. A Escola Parque contempla alunos da 1 a 4 srie do
Ensino Fundamental das Escolas Classes da proximidade e oferece opes de atuao como a
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musicalizao e a prtica de conjunto: teclado, flauta doce, violo e fanfarra. A escolha do
projeto Fanfarra foi uma grande possibilidade de aprendizagem e crescimento profissional.
O projeto Fanfarra foi criado para utilizar os instrumentos, como tarol, prato
bumbo, caixa, corneta, corneto, tubinha, que a escola possua, mas estavam sendo pouco
utilizados. O objetivo do trabalho foi contemplar diferentes estilos e modalidades do fazer
musical (Frana; Swanwick, 2002), ampliar e propiciar aos alunos a experincia musical,
abordando a contextualizao scio-cultural. Especificamente: 1) interagir musicalmente em
conjunto e como solistas; 2) adquirir conhecimentos tcnicos bsicos para executar os
instrumentos (percusso: caixa, bumbo, prato, tarol; e sopros: corneto, corneta, tubinha); 3)
discutir os arranjos das msicas e 4) conhecerem os instrumentos explorando timbre, ritmo,
dinmica, aggica, entre outros.
A equipe de trabalho contava com trs estagirios, com experincia em saxofone,
teclado, canto erudito e flauta. Os instrumentistas de sopro ficavam frente da parte meldica,
enquanto o outro estagirio com a parte rtmica. A participao da professora regente da
Escola Parque foi fundamental, porque os alunos possuem um contato maior com ela. A
atuao foi em duas turmas, com 12 alunos da 3 srie do Ensino Fundamental, com mdia de
10 anos. Uma das turmas teve experincia musical fanfarristca no semestre anterior. Fora da
sala de aula, os alunos no tinham nenhuma aula formal de msica, exceto um.
Buscou-se conhecer o perfil e o interesse musical dos alunos, visando a escolha do
repertrio a ser trabalhado no semestre, baseado no cotidiano deles, facilitando o processo
dialgico entre a msica prpria e interna do aluno e a msica do ambiente formal da escola
(HARGREAVES, 2005).
Para isso foram feitos questionamentos na primeira aula, como por exemplo: Que
msicas vocs ouvem? Qual estilo musical que vocs preferem? Quais msicas gostariam que
fossem feitas na fanfarra? E por meio dessas respostas, escolhemos o repertrio e os estilos
musicais, adaptando-os para a fanfarra.
Mills (1991, apud Frana; Swanwick, 2002) relata que, aps um programa de
composio, seus alunos demonstraram habilidades como performers e ouvintes:
Em uma abordagem integrada e coerente da educao musical na qual as crianas compem, tocam e ouvem msica, as fronteiras entre os processos musicais desaparecem. Quando elas compem, por exemplo, no h como deixarem de aprender enquanto performers e ouvintes, tanto quanto como compositores. Isso a interdependncia. (MILLS, 1991, apud FRANA; SWANWICK, 2002, p. 16)
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Uma aula musical completa deve ter esses trs aspectos, um completando o outro e o
aprendizado pode ser otimizado se for potencializada a integrao entre eles.
Contudo, a qualidade no aprendizado envolve outros princpios: 1) professor como
modelo, negativo ou positivo; 2) sentimento de realizao; 3) abertura de espao para
discusses, gerando envolvimento no que est sendo feito; e 4) escuta ativa. Esses
pressupostos visam a superao do sentimento de fracasso, fazendo despertar mais a
curiosidade. (Swanwick, 1993)
Atuao
Esta experincia docente se prope a refletir sobre a relevncia da audio ativa nas
aulas de msica, a partir da questo principal: Como a atividade de apreciao pode ser
explorada no processo de ensino e aprendizagem musical? O que os alunos percebem na
apreciao de uma nova msica? De que forma o professor avalia a apreciao dos alunos?
Como a audio auxilia na performance dos conjunto?
O conceito de apreciao na Educao Musical:
A apreciao ato de apreciar, a percepo dos sons pelo ouvido. Nas prticas
musicais, a apreciao apresenta dificuldades de sistematizao e avaliao. Esse tipo de
experincia subjetiva e vai ao encontro das vivncias pessoais do ser humano, envolvendo
comportamentos, valores e identidades scio-culturais. (Del Ben 1996/1997)
Considerando que a msica um fenmeno sonoro, a forma mais fundamental de
abord-la atravs do ouvir (Leonard; House, 1972, apud Frana; Swanwick, 2002, p.12),
devemos promover a escuta ativa.
Nessa perspectiva, a apreciao pode ser caracterizada como uma apreenso
contextualizada da teoria. Neste momento, os alunos podem observar aspectos histrico-
culturais e tericos, bem como os materiais da msica (ritmo, timbre, dinmica, entre outros).
Para Frana e Swanwick, O ouvir permeia toda experincia musical ativa, sendo um meio
essencial para o desenvolvimento musical. (Frana; Swanwick, 2002, p.12). Por meio da
apreciao podemos expandir nossos horizontes musicais e nossa compreenso musical.
O projeto buscou dar oportunidades para os alunos conhecerem variadas formas de
msica, despertando a curiosidade para vivenciar outras culturas musicais. Para Swanwick,
qualquer programa abrangente de educao musical e seus processos devem privilegiar a
qualidade do encontro musical.
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A escolha do repertrio foi feita 30% pelos alunos e 70% pelos professores, como
Eu me remexo muito - Tema de Madagascar, Tem Gato na Tuba, Misso Impossvel, Tema
da Famlia Addams, Sinfonia Surpresa de Haydn, Toques de alvorada, Querubim Ceclia
Cavalieri Frana, duas composies dos alunos.
Oliveira (2001) destaca que:
A educao musical pode tornar-se mais significativa se acontece de dentro para fora, do prximo para o distante, do familiar para o estranho, das experincias de vida para a conceitualizao terica, das msicas da tradio oral da infncia e das vilas para as msicas eruditas e mais sofisticadas do mundo. (OLIVEIRA, 2001, p.20)
Assim, a educao musical no deve excluir a bagagem cultural que a criana possui.
Segundo Campbell (1998, apud Hummes, 2004), o estilo musical dos jovens no ambiente
escolar possui uma heterogeneidade imensa. A autora enfatiza que importante que os jovens
conheam outros tipos de msica e a sensao que cada estilo ir remeter. Com base em
Oliveira (2001) e Campbell (1998), fez-se uma pr-seleo musical, para que, com essa
variedade de repertrio, os alunos alcanassem maior discernimento intelectual, tanto nos
aspectos musicais quanto nos extramusicais.
Na construo do projeto, analisou-se tambm os princpios pedaggicos
destacados por Souza (2000): 1) o professor deve considerar o ensino e a aprendizagem
de msica fora da sala de aula, nos seus diferentes contextos sociais; 2) tem como
objetivo promover experincias de expresso musical; e 3) introduzir contedos e
funes da msica na sociedade. Para a autora:
a aula deve possibilitar ao aluno sair da posio de simples consumidor passivo e se tornar um produtor e um transmissor. S assim o aluno pode sair de um consumo alienante, podendo ter uma opinio prpria sobre a msica. (SOUZA, 2000, p.178).
Nesse sentido, a apreciao ativa mobiliza os alunos a sairem da passividade, tendo
como foco a produo de uma conscincia verdadeira com a participao de cada um deles.
Mas at que ponto a audio ativa depende de um conhecimento prvio? Que elementos
extra-musicais so familiares sem uma apreciao prvia da msica?
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A situao de apreciao na sala de aula
Para que a msica seja significativa para o aluno preciso que tenha pontos de
contato com a sua realidade. A msica mais significativa quando utilizamos elementos
familiares e do contexto dos alunos. (Oliveira, 2001; Souza, 2000)
Segundo Green, a msica compreende significados inter-snicos (inerentes) e
delineados e a forma como respondemos a eles caracterizam nossas experincias musicais. Os
significados inter-snicos proporcionam a experimentao de materiais musicais e o estudo da
msica por suas caractersticas prprias (os materiais da msica): Significados inerentes no
so nem naturais, essenciais, nem no-histricos: pelo contrrio eles so artificiais,
histricos e aprendidos (Green, 1997, p.28). J os significados delineados compreendem
relaes scio-culturais e o estudo de elementos extrnsecos msica.
No projeto observou-se que a interao do aluno com a apreciao ativa ocorre
principalmente de maneira ldica. Em uma das aulas, propusemos a apreciao da msica
Famlia Addams, que dividida em duas partes: na parte A, o destaque para a preciso
rtmica. J a parte B, mais meldica, com letra e mais danante. Observando esses fatores:
Que elementos so necessrios para construir uma nova apreciao? Ser que uma nova
apreciao poderia transformar esses valores?
Numa segunda apreciao, criou-se uma dimenso imaginativa, em que os alunos
foram estimulados a visualizar as roupas e jeitos desta famlia. Foi feita uma relao com
Frankenstein e seu mundo de mistrios e suspense. Em crculo, as crianas danavam e
criavam movimentos que relacionassem a msica quela imaginao. Elas se divertiam e ao
mesmo tempo estavam concentradas e atentas s nuances da msica. Nessa reapreciao,
houve uma maior significao e eles transformaram seus valores com relao msica. A
atividade aproximou a msica realidade dos alunos, considerando o significado inter-snico
e o delineado. (Green, 1997)
Consideraes Finais
Com base nas reflexes sobre as aulas, percebeu-se que a apreciao ativa no
est necessariamente focada nos elementos musicais. Podemos alcanar os objetivos a partir
dos elementos extra-musicais. O extra musical aqui compreende-se como significados
delineados. (Green, 1997) Na experincia com a msica Famlia Addams considerou-se
alguns conhecimentos prvios ligados ao subjetivo e, mesmo com a construo do imaginrio,
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a apreciao trouxe esses elementos subjetivos que, juntamente com os objetivos, resultou na
construo do arranjo, envolvendo materiais sonoros.
O professor deve conhecer a criana e seu desenvolvimento musical, mas tambm
a forma como as crianas ouvem. Seu objetivo contribuir para esse desenvolvimento
musical (fluncia, pensamento e crtica musical) e a avaliao deve promover um dilogo
entre alunos e professor, para que ele seja o melhor possvel.
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Referncias
DEL BEN, Luciana M. A utilizao do Modelo Espiral de Desenvolvimento Musical como critrio de avaliao da apreciao musical em um contexto educacional brasileiro. Porto Alegre, UFRGS. Curso de Ps-Graduao em Msica, 1996/1997. FRANA, Ceclia; SWANWICK, Keith. Composio, apreciao e performance na educao musical: teoria, pesquisa e prtica. Em: Em Pauta. Porto Alegre: Curso de Ps-Graduao em Msica/UFRGS. V.13, n. 21, dez 2002, p. 5-41. GREEN, Lucy. Pesquisa em Sociologia da Educao Musical. Trad. Oscar Dourado. Em: Revista da ABEM. V. 4, Salvador, 1997., p. 25-35. HARGREAVES, David. Within you without you: msica, aprendizagem e identidade. Trad. Beatriz Ilari. In: SIMPSIO DE COGNIO E ARTES MUSICAIS, 1, 2005, Curitiba. Anais, Curitiba: Deartes-UFPR, 2005, p.27-37. HUMMES, Jlia M. Porque importante o ensino de msica? Consideraes sobre funes da msica na sociedade e na escola. Revista da ABEM, n 11. Porto Alegre: UFRGS, 2004. p. 17-25. OLIVEIRA, Alda. Prefcio. Msica na escola Brasileira (Srie Teses da ABEM). Salvador: UFBA, 2001. p. 15-30. SOUZA, Jusamara. Caminhos para a construo de uma outra didtica da msica. Em: SOUZA, Jusamara (Org). Msica, cotidiano e educao. Porto, UFRGS, Programa de Ps-Graduao em Msica, 2000, p. 173-185. SWANWICK, Keith. Permanecendo Fiel Msica na Educao Musical. Em: Anais do II Encontro Anual da ABEM. Porto Alegre, 1993. p. 19-32
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A aprendizagem de instrumentos musicais em um projeto social de Cuiab: a msica para todos
Patricia de Sousa Andrade Universidade Federal de Mato - Grosso
Resumo: Este artigo um recorte da monografia Reflexes sobre o ensino de violino em Cuiab realizada para o Curso de Educao Artstica Habilitao em Msica da Universidade Federal de Mato Grosso em 2002. O texto aborda o ensino e aprendizagem de instrumentos musicais como o violino, voltados ao estudo de tcnicas com objetivo de aquisio do virtuosismo, sendo, muitas vezes, essa habilidade, vista como sinnimo de talento musical/musicalidade. Essa concepo de ensino, contudo, acaba por frustrar as expectativas de muitas pessoas que acreditam no ter dom para a msica. Trata tambm de abordagens terico - prticas e metodolgicas que contrapem - se a esse ensino tradicional, e as quais, norteadas pelo ensino coletivo, tem sido aplicadas no ensino de instrumentos no Projeto Dunga Rodrigues Msica para todos realizado no bairro jardim Vitria em Cuiab.
Palavras chave: ensino tradicional, formao musical, talento, virtuosismo, ensino em grupo.
A sndrome do virtuosismo na formao musical/ensino musical
Percebe-se que muito dos pensamentos que permeiam a formao musical e a
concepo de ensino de msica atual, surgem a partir do sculo XIX. A idia mstica em se
ver o artista enquanto um ser superior aos homens normais, a leitura musical extremamente
matemtica, o ensino musical focado no desenvolvimento tcnico e sistematizado em um
programa curricular, so alguns reflexos desse tempo.
No perodo da Revoluo Francesa, sob o ideal de igualdade (egalit,) o ensino
musical foi uniformizado, passando a ser realizado pelo sistema de conservatrio, que poderia
ser qualificado de educao poltico musical (HARNONCOURT, 1998, p. 29).
A formao musical que at final do sculo XVIII acontecia atravs da relao
mestre-aprendiz, na qual se ensinava tanto a executar o instrumento, ou cantar, quanto
interpretar a msica, desse sculo em diante, criado e consolidado um sistemtico programa
pedaggico essencialmente tcnico, sob os quais ainda se apiam currculos de escolas
superiores, ou profissionalizantes em msica, incidem na concepo do ensino musical em
geral, que ali se petrificou.
Ainda conforme Harnoncourt (1998), mesmo ao executar uma obra musical, acaba-
se preocupando somente com o que est escrito na sua partitura, sem considerar outros
elementos intrnsecos na obra musical como o compositor, o estilo, a poca em que esta foi
escrita e suas caractersticas interpretativas. Entretanto, ainda que a partitura seja uma forma
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de se chegar msica de outras pocas, deve-se considerar que a grafia musical limitada,
incompleta e, em alguns casos, imprecisa. As monodias no incio da Idade Mdia que podiam
ser executadas de acordo com o temperamento do executante, assim, em andamento tanto
lento quanto mais rpido, um exemplo dessa impreciso, e, portanto, ater-se somente a
escrita musical, mostra um pensamento reducionista, tanto da interpretao quanto do ensino
musical mera reproduo.
Tal petrificao do ensino ocorre, sobretudo, quando se trata do aprendizado de
instrumentos musicais, trato aqui especificamente do violino, ao observar a tendncia em
restringir o ensino desse instrumento simples transmisso e reproduo de contedos, que
apoiada no estudo de mtodos, objetivam, em grande parte, o desenvolvimento da habilidade
tcnica, preocupando-se em formar virtuoses. A aplicao de mtodos para escalas, afinao
da posio fixa, mudana de posio, tcnicas de arco, cordas duplas, torna o aprendizado
demasiadamente complexo e sistemtico, por consequncia, pode-se criar uma barreira, quase
que intransponvel, no alcance desse aprendizado.
Pode-se dizer que h um senso comum, mesmo na rea musical ou principalmente
nesta, em ver o virtuosismo como sinnimo de talento musical. Essa concepo tambm
remanescente da imagem do artista surgida no sculo XIX, e tal como o vemos hoje, naquele
momento, se tornou uma espcie de super-homem ou semideus capaz de extrapolar, com
a ajuda da intuio, os limites dos homens normais (HARNONCOURT, 1998, p. 28). E
segundo Schoroeder (2004, p.109)
Essa viso um tanto estereotipada, contudo, no exclusiva, como se poderia pensar, das pessoas que esto fora do campo musical (os chamados leigos em msica). Ao contrrio, no prprio campo que as idias mistificadoras do msico vm sendo reforadas a todo momento, seja atravs da critica especializada, dos prprios msico ou mesmo de muitos educadores (nesse caso, sobretudo pela adoo de procedimentos pedaggicos fundamentados em determinadas perspectivas de desenvolvimento musical. (SCHROEDER, 2004, p.109)
De certa forma, o ensino tradicional contribui para a manuteno dessa viso do
artista (msico virtuose) quando, por exemplo, se demonstra predileo por alunos que
apresentam certa facilidade, considerados mais talentosos, portanto, sendo mais encorajados
em seu aprendizado que outros. Ainda, o reforo dessa concepo, pode ser percebido no
ensino do violino, por vezes, mistificado, talvez, pela repercusso da imagem de Paganini,
que tambm data do sculo XIX.
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Nesse sentido, depreende-se dessas vises que a aprendizagem musical em um
instrumento, sinnimo de habilidade tcnica, torna-se algo que no pode ser almejado ou
possvel para maioria das pessoas, pela crena de que no possuem o talento inato.
Contudo, essas concepes que permeiam o nosso tradicional ensino musical, no
ficaram livres dos questionamentos de Educadores musicais, compositores e maestros.
Schafer (1991, p.280) diz a respeito desse ensino que o problema com a especializao da
velocidade digital em um instrumento que a mente tende a ficar fora do processo. E
Harnoncourt (1998, p. 31) afirma que
(...) Essa formao no deveria se restringir apenas onde colocar o dedo para produzir determinado som, ou de adquirir velocidade. Uma formao demasiado tcnica no produz msicos, mas acrobatas insignificantes. Brahms dizia que para tornar-se um bom msico era preciso empregar tanto tempo lendo quanto estudando piano. Ainda hoje, isto o essencial (HARNONCOURT, 1998, p. 31).
O violinista e professor Larcio Diniz da FAAM (Faculdade de Arte Alcntara
Machado) de So Paulo, em entrevista concedida para a realizao da monografia, afirma que
os casos de extremo talento, como de Menuhin que aos sete anos tocou um concerto de
Mendelsson, so raros e diz que na maioria dos casos as pessoas apresentam talentos
limitados especficos, isto , uma facilidade com o arco ou em fazer uma quantidade x de
movimento. Em sua teoria prpria, denominada analogia dos movimentos naturais, que
vinha aplicando em suas aulas, o Professor Diniz compara os movimentos do violino com
movimentos naturais do corpo. Ele afirma que atravs dessa teoria possvel desenvolver
talentos de acordo com a natureza da cada pessoa. O importante tornar o aluno
fantstico para si, atingindo o seu mximo.
De forma significante esses questionamentos, no apenas sinalizam a necessidade de
reflexo sobre as concepes engessadas h dois sculos, mas, a possibilidade de
flexibilizao do ensino musical tradicional em Cuiab.
O ensino coletivo e o aprendizado musical democratizado em Cuiab
Baseando-me na experincia de ensinar violino para alunos de um bairro carente de
Cuiab ao qual o Projeto Dunga Rodrigues - Msica para Todos atende, apresento aqui um
breve relato de como as concepes filosficas e metodolgicas do ensino coletivo tm
norteado o processo de ensino e aprendizagem realizado com os participantes desse projeto
social.
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Em principio, aponto rapidamente alguns aspectos do ensino coletivo. O termo
coletivo, no ensino de cordas e metais, refere-se a grupos heterogneos de instrumentos e
difere-se nos casos de instrumentos como o violo e o piano. Um das premissas dessa
metodologia que o aprendizado musical acelerado pela interao com os outros.
O ensino coletivo desenvolve algumas caractersticas na personalidade do individuo. Na medida em que as experincias e dinmicas de grupo vo amadurecendo, elas vo se tornando extremamente ricas para o individuo, devido s relaes interpessoais desenvolvidas pelos sujeitos desse grupo. O ensino em grupo possibilita uma maior interao do individuo com o meio e com o outro, estimula e desenvolve a independncia, a liberdade, a responsabilidade, a autocompreenso, o senso critico, a desinibio, a sociabilidade, a cooperao, a segurana e, no caso especifico de ensino da msica, um maior desenvolvimento musical como um todo. (CRUVINEL, 2005, p. 80).
Cruvinel (2005, p. 81) destaca, ainda, que nessa metodologia de ensino o
conhecimento assimilado de forma prazerosa, e na medida em que o aluno vai aprendendo
tem a sua autoestima elevada, da mesma forma que sua produo e rendimento, e ele se sente
realizado por fazer parte daquele grupo.
O ensino coletivo ou em grupo tem sido frequentemente adotado, sobretudo, em
projetos de cunho social, nos quais a msica o meio de promoo da cidadania e a
reintegrao de crianas e adolescentes em situao de risco sociedade. Explica Hikiji
(2006, p. 76) que nos projetos atuais, ao coletivo so associadas s ideias de sociabilidade,
cidadania, conscincia de direitos, critica e protagonismo.
Como muitos outros, o Projeto Dunga Rodrigues - msica para todos, tem tambm
como objetivo principal o de promover a incluso social e o resgate da cidadania. Este foi
implantado em Cuiab h sete anos e vem sendo realizado no Bairro Jd. Vitria. No ncleo
(sede) instalado nesse bairro, os alunos, com faixa etria entre 7 e 17 anos, podem optar por
aprender violino, contrabaixo, violo, flauta doce, teclado, instrumentos que so
disponibilizados pelo projeto.
Partindo de sua configurao e objetivos, e, ainda, compactuando com as idias do
ensino coletivo, o aprendizado instrumental nesse projeto tem se apoiado na prtica musical
em grupo, tanto especfico de cada instrumento quanto formado por instrumentos variados,
com a prtica de conjunto.
Tal prtica realizada de forma que alunos iniciantes possam executar seus
instrumentos junto a outros participantes - mais adiantados ou em mesmo nvel em seus
estudos. Entre os objetivos dessa atividade est o de possibilitar ao aluno principiante - ou
no, a interao social com os demais colegas, j que desde o primeiro momento ele
17
membro da orquestra*. E pode-se perceber que esse processo de socializao ocorre
gradativamente, na medida em que os participantes do grupo vo perdendo a inibio perante
os outros alunos.
Nessa atividade d-se nfase aos elementos musicais: afinao, percepo das
melodias e cadncias harmnicas executadas pelos demais instrumentos, incentivando a
ateno ao naipe que est com o solo e aquele que responsvel pela harmonia da msica no
momento; dinmicas, frases, sonoridades, tempo, etc. A aquisio dessa gama de
conhecimento acontece ao mesmo tempo em que o repertorio musical est sendo aprendido e
ampliado. O repertrio tem-se voltado, em grande, Msica Popular Brasileira, mas, tambm,
constitudo por pequenas peas eruditas, e duas msicas de gneros internacionais: Fix you
e Let it Be, das bandas inglesas Coldplay e Beatles respectivamente, algumas sugestes de
alunos que foram arranjadas e adaptadas de acordo com nvel de seus executantes.
A partir dessa experincia de ensino, pude perceber que o aprendizado musical do
violino, assim como dos outros instrumentos, tornou-se mais motivador e prazeroso para os
alunos. medida que o repertrio foi sendo estudado e ampliado, tambm habilidades
tcnicas especificas desse instrumento, como arcos detach e stacatto e, ligaduras, foram
adquiridas, ainda que essas habilidades no tivessem constitudo o foco do ensino.
Pode-se dizer que ao contrrio da forma tradicional de ensinar, a qual, por vezes,
distancia o aluno do fazer musical, na metodolgica centrada no principio coletivo e
colaborativo, a aprendizagem musical do violino, aproximou mais os participantes do projeto
do fazer musical. medida que os alunos percebem suas prprias capacidades e dificuldades,
as quais so compartilhadas tambm por outros, o aprendizado do violino despe-se aos poucos
das concepes msticas que, como dito acima, vem rondando o campo musical.
Sem pretender julgar tais mtodos como errados ou certos, desmerec-los ou
mistific-los, concluo que a aprendizagem musical de instrumentos como violino, no
possvel apenas a uns poucos privilegiados com a herana do talento. To pouco o papel do
ensino musical seria o de formar super-homens, mas antes em propiciar um desenvolvimento
mais amplo, envolvendo aspectos sensitivos, cognitivos, culturais e sociais, o qual a msica
certamente o faz com eficincia.
Por fim, penso que a msica no existe para diferenciar as pessoas comuns das
superdotadas ou talentosas. E uma vez que ela est presente em qualquer agrupamento
humano, se fosse esse o caso, sua existncia no seria relegada apenas s comunidades de
* Aqui a apresenta uma formao experimental sendo constituda por 1 e 2 violino, viola, violo e flauta doce soprano e contralto.
18
gnios? Schafer diz que A msica existe porque nos eleva, transportando-nos de um estado
vegetativo para uma vida vibrante (1991 p. 295). Acredito que essa mxima nos possibilita
um norte para o pensarmos o ensino musical.
19
Referncias
CRUVINEL, Flavia Maria. Educao musical e transformao social: uma experincia com ensino coletivo de cordas. Goinia: Instituto Centro -Brasileiro de Cultura, 2005. HARNONCOURT, N. Compreenso da Msica e da Formao Musical. In: O Discurso dos sons: para uma nova compreenso musical. Traduo Marcelo Fagerlande. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. cap.3 p.23-33. HIKIJI, Rose Satiko Gitirana. A msica e o Risco: etnografia da performance de crianas e jovens participantes de um projeto de ensino musical. So Paulo: Editora da Universidade de So Paulo, 2006. SCHAFER, R. Murray. O Ouvido Pensante. Trad. Marisa Trench de O. Fonterrana, Magda R. Gomes da Silva, Maria Lcia Pascoal. So Paulo: UNESP,1991. SCHROEDER, Silvia Cordeiro Nassif. O msico: desconstruindo mitos. Revista da ABEM, Porto Alegre, V. 10, 109-118, mar 2004.
20
A aquisio da escrita musical na criana em fase de alfabetizao
Maria Kyoko Arai Watanabe Universidade Estadual de Londrina
Resumo: Este artigo apresenta a fundamentao terico-metodolgica de uma pesquisa qualitativa, na modalidade pesquisa-ao, em andamento. Esta pesquisa tem como base um estudo preliminar que analisou e descreveu as relaes existentes entre a forma de aquisio da escrita alfabtica, segundo os estudos de Emlia Ferreiro, e as estratgias utilizadas por crianas pr-escolares na representao do fenmeno musical. O resultado deste estudo preliminar demonstrou que a criana que recebe estmulos nas duas linguagens apresenta estratgias de representao grfica do fenmeno musical e as fases da aquisio da escrita alfabtica com caractersticas construtivas semelhantes. Tais crianas, que esto sendo acompanhadas ao longo de 4 anos, desde a educao infantil e hoje nos anos iniciais do ensino fundamental, encontram-se em outros estgios cognitivos, e ao vivenciarem as atividades musicais so estimuladas tambm na leitura e escrita desta linguagem. Para verificar de que modo as regras ortogrficas vo sendo incorporadas na escrita, bem como a forma que as regras da grafia musical vo sendo utilizadas para grafar os sons, a presente pesquisa prope uma anlise comparativa entre as estratgias utilizadas por crianas entre 6 e 7 anos, tanto para grafar os sons como a escrita alfabtica. Prope tambm, a mesma anlise entre os registros grficos de crianas de mesma faixa etria e classe social, sendo que umas so sistematicamente estimuladas na leitura e escrita musical, e outras que no tm o trabalho de educao musical sistematizado em escola regular.
Palavras chave: representao; alfabetizao; alfabetizao musical; notao musical.
I Consideraes Iniciais
Todos os seres vivos organizam-se em sociedades hierrquicas, constroem moradias e
abrigos que demonstram um profundo entendimento de sua relao com o ambiente em que vivem;
expressam sentimentos diversos, como a curiosidade e, tambm, apresentam alteraes
comportamentais quando submetidos a situaes de confinamento.
Para o ser vivo denominado Humano no basta que o ambiente seja funcional. O meio deve
estar impregnado de significados e valores. O Ser Humano tem uma exigncia em relao a este
ambiente no que se refere qualidade de vida cotidiana, que permeia suas relaes com outros seres
e com o ambiente. A sua relao com a realidade tem uma exigncia vital, que a vivncia esttica
(FORQUIM, 1982, p.25). Nessa relao, o Ser Humano lana mo de vrias formas de linguagem,
inclusive a Msica, para estabelecer uma conexo vital com o ambiente.
A Msica, enquanto linguagem, tem um sistema de cdigos de grafia. O processo de
codificao e decodificao desta linguagem torna necessria a sua alfabetizao, cujo incio se d nos
primeiro contatos que a criana tem com a linguagem musical atravs das cantigas de ninar ou escutas
descompromissadas de obras mais complexas e seus sistemas de codificao. O mesmo ocorre com a
alfabetizao na lngua materna, adquirida inicialmente na modalidade falada num ambiente em que a
21
criana visualiza constantemente os cdigos de escrita desta linguagem.
O termo alfabetizao tem sado das dimenses da lngua para ser incorporada a outras reas
do conhecimento como alfabetizao esttica (FORQUIM, 1982), alfabetizao musical
(MRSICO,1987) ou mais recentemente como alfabetizao ecolgica (CAPRA, 2006). Tambm
nessas reas, a alfabetizao concebida como um processo de apropriao de instrumentos de
interpretao de significantes por meio da utilizao de mtodos pedaggicos especficos e
progressivos (FORQUIM, 1982, p.25), para possibilitar a interao mais aprofundada e consciente
com a realidade.
Segundo Sinclair (1990), o interesse da criana pelos registros que os movimentos
eventualmente deixam, comea muito cedo: no mundo todo, as crianas garatujam, desde a idade de
dois anos, interessando-se tanto pelo ato de garatujar como pelos rabiscos resultantes (p.14). As
crianas tentam produzir formas semelhantes quelas percebidas no ambiente que so formas do
domnio da escrita (SINCLAIR, 1990, p.14). Desse modo, as crianas vo aos poucos construindo
estratgias para registrar os fenmenos que vivenciam, aproximando-se das formas convencionais de
escrita. Ao estudar essas estratgias, a pesquisadora Emlia Ferreiro (2001) identificou a existncia de
estgios evolutivos independentes da idade cronolgica, mas relacionados ao ritmo, diferenas
individuais e condies scio-culturais de cada criana.
Tais estgios so similares em diferentes lnguas, pois a representao inicia-se por
desenhos, passando por imitao de signos conhecidos, culminando em formao de hipteses e
apropriao do cdigo convencionado socialmente para a representao grfica de suas expresses
lingsticas. Ao estudar os processos de alfabetizao, Emlia Ferreiro desloca o foco dessa dinmica,
centrado no processo de ensino, para as estratgias utilizadas pelo aluno enquanto sujeito, que constri
o sistema de representao. Nesse contexto, a escrita da criana no resultante da cpia de um
modelo, mas de um processo de construo pessoal.
Tambm a Msica, enquanto expresso artstica uma rica forma de discurso, um meio de
expresso, dotado de um complexo sistema de signos, com o objetivo de representar, dar forma a uma
vivncia humana e de compartilhar esta experincia pessoal de modo que possa alcanar e tambm ser
compreendido por outras pessoas (SWANWICK, 2003).
Estudos realizados por pesquisadores da rea, como o de Abraho (2005), concluem que o
desenvolvimento da linguagem musical e da sua notao, muito semelhante ao da lngua falada. Em
termos gerais, passam pelas mesmas etapas at a gradual aquisio dos cdigos convencionais de
notao tanto alfabtica como musical.
Para que o som, tanto da palavra quanto musical, ficasse registrado, elaboraram-se sistemas de significaes que permitissem a sua perpetuao [...]. Com a inveno da escrita grfica e musical os signos vieram substituir os desenhos e assim, iniciou-se toda a teorizao para a sua aprendizagem. [...] A gnese da grafia sonora comparativamente semelhante gnese dos vocbulos, das funes classificatrias e da imitao (ABRAHO, 2005, p.91).
22
Assim, antes de saber ler ou escrever, um beb que escuta a leitura de uma histria
vendo as gravuras e os signos que codificam esses sons da fala, j iniciou o seu processo de
alfabetizao. Da mesma forma, uma criana que tem suas canes ilustradas por imagens,
que estimulam a representao grfica e que estejam enriquecidas com os signos musicais, j
est iniciando o seu processo de alfabetizao na linguagem musical.
A importncia da notao musical se faz presente, no somente diante da necessidade
de registrar os eventos sonoros, mas porque a capacidade de codificar e decodificar tais
eventos possibilita uma compreenso mais aprofundada e contextualizada dos mesmos. A
interao plena com a msica perpassa pela possibilidade do ouvinte atribuir significado ao
signo musical, seja ele sonoro ou grfico, pois
[...] ler msica antes de tudo ouvir msica. [...] Ao interpretarmos os signos musicais, evocamos as imagens sonoras mentais sons do ouvido interno, aqueles com as quais j tivemos contato e para os quais atribumos um significado, exercitamos a nossa abstrao e o pensamento formal. Mais que codificao e decodificao, passa a ser uma escrita de comunicao (SOUZA, 2006, p. 121-122).
Portanto, a notao musical tambm um recurso pedaggico que possibilita a
antecipao dos eventos sonoros atravs da coordenao das imagens mentais evocadas. Ao
mesmo tempo, um elemento que enriquece a tomada de conscincia dos diferentes
elementos musicais aps um momento de apreciao. Relacionar a informao grfica aos
movimentos sonoros apreciados, proporciona uma nova escuta atravs da coordenao de
informaes auditivas e visuais.
Ao estudar as relaes entre a alfabetizao musical e a alfabetizao na lngua
materna, luz das pesquisas da alfabetizadora Emlia Ferreiro, conclumos que crianas pr-
escolares (de 2 a 6 anos), inseridas num ambiente em que so dinamicamente trabalhadas as
informaes sonoras e visuais de diferentes linguagens (fig.1), apresentam nveis evolutivos
semelhantes entre a aquisio da escrita alfabtica e as estratgias utilizadas para grafar os
fenmenos musicais, transferindo o mecanismo de apreenso das letras para os signos da
notao tradicional da Msica.
23
Figura 1 Cantinho de leitura do Jardim III da educao infantil
Segundo as pesquisas de Ferreiro (2001), podem ser distinguidos trs perodos no
interior dos quais cabem mltiplas subdivises precedidas pelo perodo das garatujas:
Garatuja 1: Neste perodo as grafias so resultantes da explorao do espao, do
gesto motor e da experimentao do espao e do lpis, tanto para escrever o nome dos
instrumentos (fig. 2)1 como para escrever o som dos instrumentos. (fig. 3)
Figura 2 Escrita de ANT (3:7), para o Figura 3 Representao musical de ANT. nome dos instrumentos.
Garatuja 2: Garatujas com inteno de escrita, respeito ao espao da escrita (fig.4). O mesmo elemento (crculos) aparece na representao musical (setas na fig. 5).
1 Entre parnteses indicado a idade da criana (ano:meses).
24
Figura 4 Escrita de CAE (3:6), Figura 5 Representao musical de CAE para o nome dos instrumentos
Pr-silbico 1: Diferencia o que desenho e o que escrita(fig.6). Diferencia o icnico do
noicnico (fig.7).
Figura 6 Escrita de DAN (5:7), para o nome Figura 7 Representao musical de DAN dos instrumentos.
25
Figura 8 Escrita de DRO (5:6), Figura 9 Representao musical de DRO.
para o nome dos instrumentos
Pr-silbico 2: Atribui valor sonoro nas letras mais conhecidas pela criana (fig.8). Na
escrita musical utiliza signos observados especificamente para sons, usando letras e nmeros para o
texto da msica (fig9).
Silbico 1: A quantidade de letras corresponde quantidade de slabas (fig. 10) e comea a
compreender que as grafias correspondem aos sons (fig.11)
Figura 10 Escrita de LUC (6:4), para Figura 11 Representao musical de LUC. o nome dos instrumentos.
26
Figura 12 Escrita de CIS (6:0), Figura 13 Representao musical de CIS.
para o nome dos instrumentos
Silbico 2: Comea a estabilidade do valor sonoro (fig. 12). As letras correspondem ao som
da slaba que representam. Na grafia musical (fig. 13), observamos a preocupao com a pauta e a
tentativa de grafar uma clave.
Figura 14 Escrita de AME (7:3), Figura 15 Representao musical de AME.
para o nome dos instrumentos.
Nvel Alfabtico: A criana entende que a slaba pode ser separada em unidades sonoras
menores (fig.14). Nessa fase, inicia-se a compreenso da existncia de regras e convenes para
construir o sistema de signos utilizado para a representao grfica de diferentes slabas e palavras que
possibilitar a expresso escrita das idias e conceitos para ser compreendido por outras pessoas
(FERREIRO, 2001). Na grafia musical observa-se a preocupao com as alturas que ainda, no tem
definio (fig.15).
Na anlise comparativa, observamos que: da mesma forma que a criana se apropria das
27
letras mais significativas para escrever o nome dos objetos, ela tambm utiliza os signos musicais,
com os quais tem contato, para escrever os sons que vivencia. Observamos tambm que o tempo de
insero, num ambiente rico em informaes musicais, diretamente proporcional qualidade e
detalhamento das representaes musicais, independentemente da idade ou da fase de aquisio da
escrita em que se encontra a criana.
II - O Ensino de Msica na Educao Bsica
A partir da Lei n 11769 (BRASIL, 2008), que prev o ensino de Msica na
educao bsica notrio o reconhecimento da Msica como rea especfica do conhecimento
humano e uma das formas mais complexas de linguagem que somadas s outras formas de
comunicao, proporciona ao indivduo uma relao mais genuna com o ambiente que o rodeia.
Como linguagem, a Msica tem um sistema de signos com organizao prpria, e para ser acessvel
pressupe-se a necessidade da alfabetizao musical para que o indivduo seja portador de
instrumentos de decodificao e codificao desta forma de linguagem. A aquisio da escrita
musical, paralela e concomitante escrita alfabtica, proporcionar s crianas uma nova relao com
a cultura musical a qual ter acesso. Acesso esse que promover uma forma muito mais consciente de
ler e compreender os fenmenos sociocultural a que elas tm direito de usufruir.
Dada a complexidade do assunto tratado, acreditamos na necessidade de acompanhar essas
crianas no perodo em que as regras so compreendidas como um sistema de organizao social, para
identificar como se dar o paralelismo da efetiva aquisio do registro grfico dessas duas formas de
linguagem. Na linguagem musical, especificamente, reconhecemos a necessidade de investigar quais
sero as estratgias a serem criadas por essas crianas, que tiveram esse precedente, para ler as
partituras e grafar suas composies e criaes, conhecendo outras formas de grafia musical que
atendam s especificidades dos diferentes tipos de msica (tnica ou contempornea, por exemplo).
III - Objetivos da Pesquisa
- Identificar e categorizar as estratgias utilizadas pelas crianas alfabetizadas ao grafar e
registrar os eventos sonoros;
- Estabelecer o paralelismo entre a aquisio da escrita alfabtica e a escrita musical pelas
crianas nos anos iniciais do Ensino Fundamental;
- Identificar a efetiva relao entre o tempo de insero num ambiente que d acesso a
diferentes formas de linguagem e seus cdigos de registro.
28
IV - Metodologia e Procedimentos
Este estudo se caracteriza como uma pesquisa qualitativa, na modalidade pesquisa-
ao, uma vez que o pesquisador, enquanto observador participante compartilha com o grupo
observado a tomada de decises em diferentes momentos (BODGAN; BIKLEN, 1994;
THIOLLENT, 1996).
Os dados sero coletados no Instituto de Educao Infantil e Juvenil, escola
particular de educao infantil e ensino fundamental, onde a Msica disciplina curricular a
todos os seus alunos. Ser realizado um recorte no plano de unidade das aulas de Msica, que
so realizadas duas vezes na semana, para crianas entre 6 e 8 anos. Essas aulas consistem em
atividades de exerccios de escuta, explorao de objetos e instrumentos sonoros, vivncia e
manipulao dos elementos da linguagem musical, representao grfica das atividades, dos
objetos e dos sons, grafia do nome dos instrumentos e das letras das canes. Essas aulas
sero registradas em fotos e vdeos. As representaes escritas das atividades sero coletadas
para posterior anlise comparativa.
Com os registros das diferentes linguagens realizadas pelas crianas, ser feita a
anlise comparativa das duas formas de representao, considerando as estratgias da escrita
alfabtica segundo FERREIRO (2001) e as da escrita musical de acordo com MARSICO
(1987) e SALLES (1998).
V - Resultados Esperados
Ao efetuar a anlise comparativa, pretendemos ter os paralelos entre a forma como a
criana, que j est de posse da funo semitica, vai aos poucos inserindo as regras
ortogrficas nas suas escritas e, ao mesmo tempo, compreendendo a dinmica da grafia
musical e suas regras de escrita, utilizando-se gradativamente de signos cada vez mais
complexos para grafar os eventos sonoros que vivencia. A anlise servir tambm para
verificar a relao entre o tempo de vivncia dessas diferentes linguagens e o nvel de
complexidade expresso nos registros dos eventos musicais.
Diante da riqueza de informaes visuais a que estamos expostos, observamos que
contrariamente escrita alfabtica, os signos do sistema de notao musical so quase
inexistentes. Por outro lado, todo indivduo relaciona-se com o evento sonoro de forma
espontnea: cantarola, bate palmas ou marcha ao som de uma msica familiar, apropriando-se
29
desta forma de linguagem e dando-lhe o valor vital para a sua relao com o ambiente onde
est inserido.
30
Referncias
ABRAHO, A.M.C. Estudo sobre os registros grficos do som de crianas de 3 a 6 anos: o som significante. In PONTES, Aldo. Construindo saberes em educao. Porto Alegre: Zouk, 2005. p.83-96. BOGDAN R.; BIKLEN S. Investigao cualitativa em educao. Porto: Porto Editora, 1994. BRASIL. Ministrio da Educao. Lei 11769, de 18 de agosto de 2008. Estabelece o ensino de msica na educao bsica. Dirio Oficial [da] Unio, Braslia, 19 ago. 2008. CAPRA, F. et al. Alfabetizao ecolgica: a educao das crianas para um mundo sustentvel. So Paulo: Cultrix, 2006. FERREIRO, E. Reflexes sobre alfabetizao. 24. ed. So Paulo: Cortez, 2001. FORQUIM, J.C. A educao artstica - para qu? In: PORCHER, L. (org). Educao artstica .Luxo ou necessidade? So Paulo: Summus, 1982. p.25 - 48. MRCISO, L.O. Introduo leitura e grafia musical. Porto Alegre: Escola superior de teologia e espiritualidade franciscana, 1987. NEVES, I. (org). Ler e escrever:compromisso de todas as reas. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2006. SALLES, P. P. Ensaio sobre a gnese da notao musical na criana. Revista Plural, Rio de Janeiro, n. 1, p. 21-45, dez.1998. SINCLAIR, H. (org). A produo de notaes na criana: linguagem, nmero, ritmo e melodias. So Paulo: Cortez, 1990. SOUZA, J. Sobre as mltiplas formas de ler e escrever msica. In: NEVES, I. (org). Ler e escrever:compromisso de todas as reas. Porto Alegre:Editora da UFRGS, 2006. p. 207-216. SWANWICK, K. Ensinando msica musicalmente. So Paulo:Moderna, 2003. THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ao. 7.ed. So Paulo: Cortez, 1996.
31
A avaliao da individualidade e do pertencimento sociocultural dos candidatos s vagas dos cursos do Conservatrio Estadual de Msica
Lorenzo Fernndez - CELF
Fbio Henrique Ribeiro UFPB
Mrio Andr Wanderley Oliveira UFPB
Tiago de Quadros Maia Carvalho UFBA
Resumo: Este trabalho tem como objetivo discutir questes de ordem metodolgica presentes em procedimentos avaliativos. Aqui, especificamente, discorreremos sobre uma das faces do Processo de Levantamento de Aptido Artstico Musical (PLAAM) do Conservatrio Estadual de Msica Lorenzo Fernndez (CELF), da cidade de Montes Claros MG. luz de produes cientificas contemporneas em educao/avaliao musical e atravs de uma pesquisa documental, entrevistas semi-estruturadas e questionrios realizados junto a avaliados e avaliadores do PLAAM, buscamos compreender a individualidade do candidato, bem como o contexto sociocultural que lhe originrio, como fatores a serem contemplados nesse complexo procedimento. A discusso aqui apresentada faz parte dos resultados de um trabalho de concluso de curso de ps-graduao lato-sensu (especializao) em Educao Musical.
Palavras chave: Avaliao; individualidade; pertencimento sociocultural; Processo de Levantamento de Aptido-Artstico Musical do Conservatrio Estadual de Msica Lorenzo Fernndez.
Introduo:
O conservatrio Estadual de Msica Lorenzo Fernndez (CELF) uma instituio
pblica de ensino situada na cidade de Montes Claros e vista como uma das grandes
iniciativas em educao musical na regio do norte de Minas Gerais. Atravs da sua atuao,
pessoas de diversas faixas etrias e classes sociais tm a oportunidade de estudar msica, em
cursos de formao bsica e de nvel tcnico em instrumento e canto. Devido notvel
desproporo entre o nmero de vagas oferecidas pela escola e a vasta quantidade de
interessados em ingressar nos cursos, observamos a configurao de algo delicado: para que
haja um procedimento visto como o mais justo possvel, a instituio realiza todos os anos o
Processo de Levantamento de Aptido Artstico-Musical (PLAAM) que tem como objetivo
selecionar os candidatos mais bem preparados para o ingresso no CELF.
32
A forma com que o PLAAM realizado fomenta algumas discusses concernentes
sua coerncia e, neste trabalho, discorreremos sobre uma das importantes dimenses dessa
avaliao: a individualidade do candidato bem como o seu contexto sociocultural como
fatores a serem contemplados. A discusso aqui apresentada faz parte dos resultados de um
trabalho de concluso de curso de ps-graduao lato-sensu (especializao) em Educao
Musical ministrado nas Faculdades Santo Agostinho de Montes Claros MG.
Fundamentao Terica
As prticas avaliativas geralmente carecem de mecanismos que diagnostiquem a
eficcia do planejamento pedaggico. Avaliaes que empreguem ferramentas adequadas so
essenciais, j que subsidiam a identificao de problemas e, subseqentemente a depender
das circunstncias intervenes pontuais no processo de ensino e aprendizagem. Swanwick
(2003) refere-se prtica avaliativa como uma atividade comum ao ser humano e que ocorre
em vrias instncias. Avaliamos em todos os momentos da vida, desde situaes ordinrias
at circunstncias em que nos exigido um maior grau de formalidade. A natureza do
fenmeno abordado e a funo/utilidade da avaliao no contexto em que se aplica devem
definir os parmetros a serem considerados. A efetividade da avaliao, portanto, deve estar
profundamente ligada ao plano pedaggico ou ao programa que a fundamente (LUKESI,
2003).
Se a avaliao se prope a analisar um processo de ensino/aprendizagem, ou mesmo
o levantamento de aptides, as estratgias que cada indivduo utiliza e manifesta implcita
ou explicitamente tambm necessitam de considerao analtica. Mendz (2002) argumenta
que a avaliao um processo no qual devemos reconhecer a forma como as pessoas
constroem o seu prprio conhecimento. Assim, sabendo que a prtica avaliativa deve levar em
considerao caractersticas mais amplas dos avaliados, como proceder em situaes em que
aspectos musicais esto em foco?
Ainda que seja o alvo da avaliao, o fazer musical um processo complexo e uma
anlise pontual deste ato verdadeiramente complicada. Comumente, processos avaliativos
relacionados performance apresentam resultados insatisfatrios, principalmente no que
concerne percepo de elementos subjacentes porm intrnsecos atividade musical: as
caractersticas subjetivas e socioculturais do avaliado. Segundo Blacking (1995), o fazer
musical est ligado s bases cognitivas da concepo musical e os valores e percepes
inerentes a ele so oriundos de concepes socialmente definidas. Nessa perspectiva, o
msico visto como um indivduo que reflete em sua prtica musical valoraes peculiares
33
no tocante sua expresso. Tais reflexes de cunho cognitivo e social expressos em sua
prtica musical no podem ser deixadas de lado, uma vez que tais processos so os
verdadeiros condicionadores do produto musical.
Marques (2009) acredita que somente os dados provenientes de testes e
mensuraes no asseguram por si informaes completas quanto s decises a serem
tomadas. Para Hoffman (1995), citado por Rabelo (1998), a quantificao de resultados no
absolutamente indispensvel e muito menos essencial avaliao. Portanto, mais do que
atribuir notas a elementos estritamente musicas, so necessrias ferramentas que busquem
diagnosticar facetas mltiplas dos atos de fazer e perceber msica: devem ser contemplados
aspectos extra-musicais como a manifestao de subjetividades e caractersticas socioculturais
do avaliado. A partir da juno dessas distintas dimenses configura-se o indivduo que faz
msica e que merece de fato ser avaliado como um ser nico, como um indivduo.
A Investigao acerca do PLAAM do CELF
Em 2008, como trabalho conclusivo de um curso de ps-graduao, realizamos uma
pesquisa buscando compreender os principais problemas recorrentes no PLAAM do CELF.
luz de produes cientficas contemporneas em educao/avaliao musical e atravs de
pesquisa documental, entrevistas semi-estruturadas e questionrios realizados junto a
avaliados e avaliadores, buscamos, dentre outras questes, compreender a individualidade do
candidato bem como o seu contexto sociocultural como aspectos a serem apreciados nesse
complexo processo.
A organizao dos dados baseou-se essencialmente no cruzamento de informaes
referentes relao entre os respondentes, o edital e a maneira pela qual a avaliao foi
realizada. Para a interpretao dos dados, buscamos analisar o edital que continha as normas e
os norteamentos estabelecidos pela instituio; verificamos se os professores/avaliadores e os
candidatos/avaliados tinham cincia dos critrios utilizados pela escola e se os seguiram;
analisamos ainda a inteligibilidade e a coerncia do edital em relao ao perfil apresentado
pelos candidatos.
Pudemos ento perceber que os critrios utilizados para a avaliao nas provas de
execuo vocal/instrumental so na maioria das vezes focados em elementos estritamente
tcnico-musicais. A boa execuo de peas previstas no edital, ou mesmo um bom
desempenho nos testes de percepo j dizem muito aos avaliadores. Entretanto, o
entendimento acerca das reaes diversas do candidato, expresses extra-musicais ou
qualquer outra subjetividade empregada na performance elementos que sem dvida a
34
enriquecem no eram levados em conta como deveriam. Essa desconsiderao talvez se d
pela pontualidade apresentada no modelo de avaliao empregado. Toda a performance
reduzida a notas (variando de 0 a 100) e as poucas observaes obtidas durante os testes so
omitidas dada a objetividade da avaliao.
Constatamos tambm uma falta de consenso entre os professores/avaliadores. Esse
problema atinge a prpria avaliao de elementos tcnico-musicais: no h uma clara
concepo a respeito do que seria boa execuo musical ou do que seria aptido artstico-
musical. Assim, a ausncia de definies prvias impede que o PLAAM se organize a ponto
de diagnosticar estruturas subjacentes performance musical. Dessa forma, o mximo de
subjetividade previsvel nos testes o nervosismo do candidato. Os elementos mais
complexos no vm a ser contemplados, pelo menos de forma consensual.
Em anlises perante a matrcula de alunos aprovados em processos anteriores,
pudemos observar uma grande taxa de trancamentos e desistncias. Isso acontecia na maioria
das vezes porque o aluno se dava conta de que o conservatrio no atendia s suas
expectativas. Tais atitudes so sem dvida o reflexo do desconhecimento da individualidade
dos candidatos pela escola. Durante o processo de seleo no h qualquer tipo de entrevista
ou levantamento que busque entender a realidade sociocultural do candidato, nem mesmo
seus objetivos em relao formao musical. Grande parte dos espaos dos quais os
candidatos so oriundos so negligenciados. Saber apenas a disponibilidade de horrios no
o suficiente. Pouco se busca saber a respeito dos gostos musicais, em que se baseiam suas
prticas em msica, as realidades nas quais eles esto inseridos, etc. Portanto, pouco se sabe
acerca de quem esse candidato, de onde ele vem, o que ele faz, o que ele pretende fazer. A
escola s se torna ciente dos perfis dos aprovados quando eles j se encontram matriculados, o
que no impede todo um movimento de desistncias posteriores.
Concluso
O processo de levantamento de aptido artstico-musical do Conservatrio Estadual
de Msica Lorenzo Fernndez apresenta um processo avaliativo razovel, uma vez que se
verificam em meio aos alunos bons msicos, pessoas com bom desempenho musical. Isto
seria indicador de que o levantamento seria capaz de selecionar bons alunos, em certo nvel.
Entretanto, pouco se busca saber acerca de quem esse candidato, e de que formas ele
condiciona sua performance musical. A falta deste conhecimento um fato que pode
desencadear desistncias escolares que muito custam s atividades do conservatrio.
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A avaliao baseada em uma quantificao rgida dos resultados tambm um fator
que impede que as subjetividades presentes nas execues dos candidatos sejam levadas em
conta. A prpria aplicao deste processo impede que os professores busquem observar tais
aspectos. Uma avaliao que, ainda que calcada na quantificao dos resultados, buscasse
levar em conta e avaliar as aptides extra-musicais dos candidatos poderia selecionar
indivduos mais aptos para os cursos oferecidos.
Enfim, h falta de observao de subjetividades musicais frente s performances dos
candidatos e ausncia de definio de critrios e consensos que busquem entender que a
performance musical est alm do musical sonoro. Tambm os problemas relacionados
escassez de conhecimento de suas realidades impedem que estes candidatos sejam avaliados
como indivduos. Ele deve ser visto como nico e suas potencialidades musicais devem
contribuir de maneira idiossincrtica para o andamento dos cursos oferecidos pelo
conservatrio, gerando assim uma situao de dilogo entre o aluno e a escola. Sem saber a
realidade na qual os candidatos se inserem e quais as preferncias e subjetividades que
formam suas concepes, estaramos de fato generalizando os resultados em um princpio
equivocado de que a msica seria uma linguagem universal.
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Referncias
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A construo da msica como uma disciplina escolar: um estudo a partir dos livros didticos
Jusamara Souza UFRGS
Maria Ceclia Torres UERGS/FUNDARTE
Lilia Neves Gonalves UFU
Fernanda de Assis Oliveira UFRGS
Resumo: Trata-se de um projeto que envolve a participao de professores e pesquisadores de 3 instituies de ensino superior: Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal de Uberlndia (UFU) e Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS/ FUNDARTE). O objetivo central discutir as bases que fundamentam a disciplina msica analisadas a partir das concepes de msica e de seu ensino veiculadas em livros didticos publicados no Brasil. Como corpus documental sero utilizadas colees de livros didticos de msica abrigados em arquivos da UFU e da UFRGS. Adotando como mtodo de pesquisa a anlise de contedo numa abordagem da histria cultural (Chartier) combinada com a teoria do campo (Bourdieu) os dados sero obtidos a partir de um corpus documental de mais de 400 obras. A realizao desta pesquisa apresenta um duplo desafio: o tema em si contribui para a realizao de uma anlise mais aprofundada da epistemologia da msica como uma disciplina presente nas escolas. Um outro a possibilidade de utilizar os seus resultados para a implantao de um Centro de Documentao especfico de materiais didticos de msica.
Palavras chave: msica; livros didticos; epistemologia; saberes escolares
1. Introduo
Nos ltimos anos, estudos sobre impressos e seus usos na educao vm se
constituindo como um importante campo de investigao para a cultura escolar
(BENCOSTTA, 2007). Vrios objetos como a imprensa peridica, bibliotecas escolares,
livros didticos, revistas especializadas tm contribudo para uma historiografia da educao.
Como suportes materiais que permitem a produo, circulao e apropriao de saberes
pedaggicos, esses objetos tm sido tambm interpretados como dispositivos que produzem
sentidos, permitindo uma anlise das epistemologias de ensino e aprendizagem dos contedos
que veiculam.
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Desde 1995 vimos realizando investigaes sobre o livro didtico e o ensino de
msica. A publicao da obra Livros de msica para a escola: uma bibliografia comentada
(SOUZA, 1997) foi resultado de um projeto realizado com estudantes do Curso de
Licenciatura em Msica da UFRGS quando catalogamos e analisamos 223 ttulos de livros de
msica destinados a escolas.
Tal proposta motivou o Grupo de Pesquisa do Departamento de Msica e Artes
Cnicas da UFU a desenvolver um projeto semelhante, intitulado Os contedos de msica nos
livros didticos: uma anlise de contedo (1997) com a catalogao e classificao do acervo
das bibliotecas de 101 escolas estaduais e municipais da cidade de Uberlndia-MG. Alm da
organizao do acervo, resultaram do projeto seis monografias de concluso de curso: Dias
(1998); Souza (1999); Franco (1999); Oliveira (2000); Alves (2001) e Nascimento (2002).
O presente projeto pretende analisar as bases que fundamentam a msica como uma
disciplina escolar a partir das concepes de msica e de seu ensino veiculadas em livros
didticos publicados no Brasil. Algumas questes que esto subjacentes: De que maneira os
acervos de livros ou manuais didticos abordam contedos de msica? Como desvelam
contextos institucionais e pedaggico-musicais que estariam constituindo a disciplina msica?
Quais contedos musicais (assuntos em geral, repertrio, procedimentos de ensino)
circulavam nos livros encontrados nos referidos acervos? De que forma os contedos so
selecionados, seqenciados e organizados? Quais so as concepes de msica e de ensino de
msica implcitas e/ou explcitas no seu contedo? Quais as caractersticas das ilustraes no
material encontrado? Que prticas de ensino de msica podem ser desveladas na apropriao
desses materiais? Quais as estratgias de adequao dos livros s polticas educacionais
federais e estaduais de cada poca?
2. Objetivos e justificativa
Esta pesquisa tem como objetivo geral analisar a construo da msica como uma
disciplina escolar a partir de livros didticos produzidos no Brasil no sculo XX. Como
objetivos especficos o estudo pretende; a) Identificar representaes de ensino de msica em
livros didticos escolares de msica; b) Compreender o papel dessas representaes na
constituio da msica como disciplina escolar; c) Analisar, a partir das representaes de
ensino de msica explcitas e implcitas no livro escolar, as concepes de msica e as
epistemologias de aprendizagem musical; d) Identificar saberes da educao musical escolar
no Brasil no sculo XX.; e e) Desvelar prticas de ensino de msica na apropriao desses
materiais.
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Uma caracterstica, geralmente, atribuda aos livros das vrias disciplinas que pode
conferir alguma dificuldade para o estudo dos livros de msica, consiste no aspecto da
"continuidade" de produo, j que no comum publicaes seriadas ou "aperfeioadas"
nessa rea a partir de mudanas nos contextos educacionais.
Se pensarmos o livro como um documento histrico abordado no s a partir do seu
contedo, o livro didtico de msica adquire outra dimenso. Justamente o no uso dos
acervos desses livros nas escolas dar um novo contexto ao seu "discurso" e a si prprio
enquanto fonte de pesquisa. Sob esta concepo, o livro didtico de msica pode tornar-se um
material que deve potencializar discusses bastante fecundas na rea da educao musical no
Brasil.
3. Referenciais tericos
Este trabalho situa-se no campo da Didtica e Epistemologia da Educao Musical,
sendo que o acervo de livros ser tratado tomando como referncia os estudos de Roger
Chartier e de Pierre Bourdieu.
3.1 A concepo de Roger Chartier
O desenvolvimento terico/metodolgico no campo da produo de livros didticos
ganhou flego com os estudos de Chartier (1999) sobre os objetos impressos, incluindo os
manuais escolares. Para o autor, toda cultura escrita, possui trs dimenses: o texto, o objeto
(o que suporta o texto, sua materialidade) e a leitura. Essas trs dimenses devem ser tratadas
de forma relacional e no separadas. Assim, o estudo e produo de materiais educativos
passaram a considerar as condies da produo (de que forma), circulao (pblico alvo) e
apropriao (usos do material).
A anlise construda por Chartier (1999; 2002) inclui o estudo crtico de textos,
decifrados em suas estruturas, motivos e objetos; a histria dos livros, dos objetos impressos,
sua distribuio, fabricao e de suas formas; a anlise das prticas que, ao tomar contato com
o escrito, concedem uma significao particular aos textos e imagens que estes carregam.
Nesses estudos, o autor procura analisar os processos que surgem do encontro do leitor com o
texto, isto , que idias e pensamentos so construdos a partir da relao entre esses dois
universos.
A obra de Chartier localizada no campo da Histria Cultural que tem como
objetivo principal "identificar o modo como em diferentes lugares e momentos de uma
40
determinada realidade social construda, pensada e dada a ler" (CHARTIER, 1990, p. 16-17)
e deve ser entendida como "o estudo dos processos com os quais se constri um sentido"
(CHARTIER, 1990, p. 27).
Observa-se que a nfase de estudo e anlise de Chartier se situa sobre o trip texto,
livro e leitura, sendo que so examinados no s em seu significado textual e material, mas
tambm em sua prtica social. Nesta perspectiva, Chartier (1990) concebe as representaes,
as prticas e as apropriaes culturais como formas simblicas diferenciadas de interpretao
que os diferentes grupos sociais elaboram deles mesmos. A representao, enquanto eixo de
abordagem da histria cultural constri-se a partir de prticas sociais concretas e diferenciadas
e so suscetveis de leituras plurais.
Nesta concepo as representaes no so neutras, expressam relaes de fora em
uma dada estrutura social, no so reflexos do real, nem uma anttese dele, mas, os modos
como os diferentes sujeitos sociais percebem a si prprios, a sua poca e ao mundo em que
vivem, construindo a partir dessa percepo sistemas de identidade, de crenas e de
conhecimento, sendo consideradas em sua essncia como as matrizes de discursos e de
prticas (CHARTIER, 1990, p. 2). Sendo entendidas, portanto, como discursos que
apreendem e estruturam o mundo. Sob esta concepo, conforme adverte Chartier, as
representaes supem um campo de concorrncias e competies, pois as "lutas de
representaes tm tanta importncia como as lutas econmicas para compreender os
mecanismos pelos quais um grupo impe, ou tenta impor, a sua concepo de mundo social,
os valores que so os seus, e o seu domnio" (CHARTIER, 1990, p. 2).
Diante dessas consideraes, este referencial poder ser bastante til para a
compreenso do acervo de livros que abordam contedos de msica em seus mltiplos
aspectos, inclusive, enquanto configurao de um campo pedaggico musical.
3.2 O campo de conhecimento
Pensar sobre o campo de conhecimento da Educao Musical uma iniciativa
bastante recente. No Brasil os primeiros trabalhos abordando este tema so os de Souza
(1996a, 1996b, 2001a, 2001b) e Del Ben (2001; 2003). Esta temtica tambm tem sido objeto
de reflexo em outros pases, como por exemplo: Capelli (1987), Albarea (1994), Piatti
(1994), Kramer (2000).
Alm de tomar como base essas discusses que j vem sendo realizadas na rea de
educao musical para entender a construo de uma disciplina escolar toma-se o conceito de
campo de Pierre Bourdieu. Depois de estudar empiricamente, ao longo de sua vida, os
41
campos escolar, cientfico, artstico, da moda, acadmico e universitrio na Frana, Bourdieu
"desenvolveu o que ele chama de 'teoria geral' dos campos" (GARCIA, 1996, p. 65).
Para Bourdieu (1983) um campo se define entre outras coisas: "atravs da definio
dos objetos de disputas e dos interesses especficos que so irredutveis aos objetos de
disputas e aos interesses prprios de outros campos" (p. 89). Nesta perspectiva para que um
campo funcione preciso que haja "objetos de disputas e pessoas prontas para disputar o jogo,
dotadas de habitus que impliquem no conhecimento e no reconhecimento das leis imanentes
do jogo, dos objetos de disputas, etc" (BOURDIEU, 1983, p. 89).
O habitus dos agentes que constituem os campos consiste de um "capital de tcnicas,
de referncias, um conjunto de 'crenas', como a propenso a dar tanta importncia s notas
quanto ao texto, propriedades que se devem histria (nacional e internacional da disciplina),
sua posio (intermediria) na hierarquia das disciplinas, e que so ao mesmo tempo a
condio de funcionamento do campo e o produto deste funcionamento" (BOURDIEU, 1983,
p. 89-90).
Todos estes aspectos so considerados formas de percepo, de pensamento e de
ao coletivas, que fazem parte de um campo nas suas mais variadas formas de interao
social. Esses princpios e conceitos que Bourdieu desenvolve em suas anlises fornecem
elementos significativos para uma anlise sociolgica do movimento e desenvolvimento de
determinados campos ou disciplinas do saber cientfico, bem como das obras a produzidas.
4. Metodologia
O livro tal como concebido neste trabalho uma fonte de pesquisa que supe ser
interrogado a partir, e do interior de si mesmo, com inteligibilidade prpria. Nesse sentido, a
questo compreender esses acervos de livros como uma estratgia de produo do campo e
dos contextos pedaggico-musicais. Sob essa perspectiva, para Faria Filho (1997, p. 113)
necessrio questionar a particularidade de cada corpus documental para que possa ser
utilizado de maneira mais profcua possvel.
Sero utilizados os acervos catalogados por Souza (1997) e Gonalves e Costa
(1998; 2002). O primeiro acervo consta de 223 ttulos para o ensino de msica encontrados
em Porto Alegre-RS, e o segundo com 209 ttulos de livros encontrados nas bibliotecas de
101 escolas estaduais e municipais da cidade de Uberlndia- MG. Os acervos incluem livros
publicados no incio do sculo XX (dcada de 10 e 20) at finais da dcada de 90, com o total
de 432 ttulos. Estes acervos constituem-se, portanto, por sua quantidade de material e pela
42
sua amplitude nas possibilidades do seu tratamento, em um importante corpus documental a
ser decodificado e desvelado.
Vrios autores como Oliveira, Guimares e Bomny (1984), Molina (1988), Lopes
(1987), Libneo (1994), Stray (1994), Becker (1996), Correa (2000), Piedrahita (1998; 1999),
Reis (2000), Batista (2002), Choppin (1992, 2002) tm tentado discutir o que um livro
didtico, livro escolar, manual escolar, compndio escolar, livro texto, paradidtico dentre
outros nomes atribudos a esse objeto utilizado nas escolas do mundo inteiro.
As discusses vo desde a tentativa de categorizao dos livros at definies mais
amplas que chegam a considerar qualquer "texto" e impresso como didtico, "desde que sejam
gerados tendo em vista finalidades escolares" (BATISTA, GALVO E KLINKE, 2002, p.
542) como, por exemplo: revistas cientficas ou no, jornais, o hipertexto, dentre outros.
No entanto, quando se trata de polticas pblicas para a aquisio do livro a ser
utilizado nas escolas pblicas brasileiras o Ministrio da Educao e Cultura (MEC) considera
como sendo livro didtico apenas "aquele sobre uma determinada matria, que traz uma
explanao do contedo e exerccios para alunos" (ROSSETI, 1997, p. 3) o que seria uma
viso bastante simplista e redutora do que seja livro didtico.
Ao tomar o acervo de livros de msica como objeto de estudo e como fonte
documental ao mesmo tempo, geralmente, outras fontes de pesquisa tm sido usadas, quando
possvel, "para diversific-lo, ampli-lo e cotej-lo" (BATISTA, GALVO E KLINKE, 2002,
p. 29) como, por exemplo: programas e relatrios de instruo pblica, legislao
educacional, revistas que circulavam entre os professores, dados censitrios, jornais,
almanaques, autobiografias, romances, entrevistas, alm de outras.
5. Metas
Alm da produo bibliogrfica, o projeto tem como meta disponibilizar um Web-
Catlogo com os acervos de livros que constituem a base documental e organizar um Centro
de Documentao de referncia para a rea de educao musical.
A primeira etapa, j em andamento, trata da organizao documental do material
didtico disponvel. As informaes so cadastradas em banco de dados com as informaes
registradas no acervo. Esse banco de dado servir para a divulgao da bibliografia e
documentao disponvel sobre materiais didticos em msica. Servir tambm de consulta
para as mais diversas instncias administrativas e pedaggicas visando formao de
professores de msica e futuras elaboraes de material de apoio.
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O Centro de Documentao dever proporcionar ao pblico o acesso a dados que
possibilitam o entendimento da msica na constituio de um saber escolar importante.
Espera-se que esse Centro possa estar conectado com outros semelhantes e que possa servir
de modelo para a constituio de outras unidades.
44
Referncias
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