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    lavio Coelho Edler

    I ' K

    oticas & PharmaciasA HISTRIA ILUSTRADA DA FARMCIA NO BRASIL

    SA D A l a P A L A V R A

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    lavio Coelho Edler

    ticas & Pharmacias

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    Flavio Coelho Edler

    Boticas & PharmaciasU M A H I S T R I A I L U S T R A D A D A F A R M C I A N O B R A S I L

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    Coordenao EditorialMa r t h a Ri b a s e j u u o S i l v e ir a

    Projeto Marketing CulturalMa is A r t e I Ja c q u e l i n e M e n a e i

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    Copyright 2006 desta edio Casa da PalavraCopyright 2006 do texto Flavio Coelho EdlerCopyrights individuais de fotografias asseguradosem conformidade com a Lei 9.610, dc 19.02.1988.E proibida a reproduo total ou parcialsem a expressa anuncia da editora.

    C a s a d a Pa l a v r aRua Joaquim Silva, 98, 4'- andar. Rio de Janeiro RJ20241-11021.2222*3167 21.2224-7461www.casadapaiavra.com.br

    Cl P-BRASI L. CATALOGAO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

    E25,b

    Edler. Flavio Coelho, 1960-Boticas e pharmcias : uma histria ilustrada da

    farmcia no Brasil / Flavio Coelho Edler - Rio deJaneiro : Casa da Palavra, 2006

    i6op.: il.

    Inclui bibliografiaISBN 8 $-7 7 3 4-0 0 4 -X

    1. Farmcia - Brasil Histria Obras ilustradas.2. Farmacuticos Brasil - Histr ia. 3. Industriafarmacutica Brasil Histr ia. 4. Medicamento sBrasil Histr ia. I. Ttulo.

    06-1292. CD D 613.0981CDU 615.1(09)

    13.04.06 18.04.06 014169

    m

    Pr o f a r m aIIIDli\o NmoA

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    Este livro dedicado ao mdico que, antes de tornar-se

    psiquiatra e pai do autor, fora, por curto perodo,

    representante de um laboratrio farmacutico ingls.Nessa ocasio, em meados da dcada de 1950, ele formulou

    um remdio - descongestionante nasal - 0 qual,

    comercializado pelo mesmo laboratrio, ganhou largo pblico

    pas afora. Alas a maior faanha do doutor Nikodem Edler

    fo i a de manter-se fiel aos seus ideais democrticos

    e igualitrios, li assim tem sido, como mdico e cidado,

    apesar de todos os pesares.

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    Sumrio

    8 Apresentao

    PARTE 1 .)

    B O T I C A S E B O T I C R I O S N O B R A S I L C O L O N I A L

    14 A sociedade luso-brasileira, suas doenas e condies sanitrias

    24 A mata a botica dos ndios

    30 As ordens religiosas: a assistncia mdica como caridade

    34 Sob o imprio de Galeno: as doenas e seus tratamentos

    na tradio mdica europia

    42 As farmacopias portuguesas e os tratados de naturalistas,

    mdicos e cirurgies do Brasil colonial

    48 O cozinheiro do mdico e sua botica

    F A R M C I A S E F A R M A C U T I C O S N O O I T O C E N T O S

    56 Panorama da medicina e da farmcia no sculo xix

    62 A formao mdica e farmacutica

    66 Boticrios ou farmacuticos?

    68 Velhas boticas: comrcio e segredos

    72 Da fase herica ao ceticismo teraputico

    76 Farmacopias, medicamentos, remdios e plantas medicinais brasileiras

    80 Remdios da moda e distino social

    82 Associaes farmacuticas na cidade imperial do Rio de Janeiro

    86 Da matria mdica farmacologia

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    D E S E N V O L V I M E N T O S D A F A R M C I A C O N T E M P O R N E A

    94 O crepsculo da farmcia oficinal e da arte de formular

    too Os sucessos da nova teraputica

    Origens e evoluo dos medicamentos industrializados no Brasil

    110 A formao do farmacutico na Repblica

    114 Farmcias e prticas farmacuticas

    120 rgos de classe e sociedades farmacuticas

    ]2 1 Novas respostas aos antigos desafios: tendncias atuais

    122 Referncias bibliogrficas

    12 ~ Referncias iconogrficos

    12 s Englis/i Version ' \

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    P A R T E

    Boticas e boticrios

    no Brasil Colonial A sociedade luso-brasileira,

    suas doenas e a

    legislao sanitria

    >) Medicamentos e teraputica

    entre ndios e escravosM j

    As ordens religiosas e a

    assistncia mdica na Colnia

    )) Tratados mdicos e

    farmacopias portuguesas

    >) O boticrio: suas origens e seu

    ofcio; sua relao com os

    demais terapeutas; as diferentesformas de insero social e

    sua atuao poltica antes da

    vinda da corte portuguesa

    >) A medicina jesutica e a

    triaga braslica

    )) As doenas e seus tratamentos

    na tradio medica europia

    e em Portugal

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    1.)

    A sociedade luso-brasileiraSUAS d o e n a s e c o n d i e s s a n i t r i a s

    i RIBEIRO, Lourival. Medicina ,

    no Brasil colonial.Rio de Janeiro: PP- 74-89 -

    Com os seus saberes sobre a natureza, os ndios indiearam aos

    colonizadores as novas plantas que poderiam servir para alimento e remdio.

    Como afirmou Srgio Buarque dc Holanda, o conhecimento de quase todos

    esses produtos foi apropriado pelos bandeirantes paulistas.6Jesutas e

    bandeirantes foram, assim, os primeiros grupos que aprenderam o valor

    teraputico de ervas indgenas. Com o avano da colonizao, mdicos,

    mezinheiros, jesutas, barbeiros sahgradores, cirurgies e boticrios

    incorporaram dos amerndios o uso da botica da

    natureza : Dava-se a fruta do caj aos doentes com febre.

    O sumo do caju era usado nas febres e fazia bem ao _

    estmago. Da imbaba, o leo era cicatrizante e as folhas

    agiam como purgante, tal como a noz do and. Com o

    mesmo fim, porm mais popular, era empregado o leo

    de copaba. A parreira-brava e o malvisco eramantipeonhentos. No caso de chagas ou doenas de pele,

    a lngua de vaca e o camar eram indicados. A casca e

    b suco da maaranduba, as folhas do camar e os olhos

    da salsaparrilha, eram usados para as boubas, mas

    tinham bons resultados para os corrimentos, diarrias

    c doenas venreas. O anans dissolvia as pedras, o

    Ing teria virtude para o ligado, o maracuj, por ser fruta

    fria, era boa para as febres. A erva santa ou tabaco

    servia para os doentes de cabea, estmago e asmticos.

    O sumo matava os vermes tal como a erva de santa maria ou mastruo.

    A fruta do jenipapo e a ipecacuanha ou poaia eram excelentes mezinhas

    para deter as cmaras (diarrias).

    Esses remdios s lentamcnte foram se incorporando s boticas.

    Eram inicialmente remdios de pobres ou mesmo de desbravadores como os

    bandeirantes paulistas e os mineradores, no contexto do ciclo do ouro na

    regio das Gerais, que aprendiam com os carijs a localizar ervas e improvisar

    mezinhas. Como relatou, em 1735, o cirurgio Lus Gomes Ferreira, autor do

    famoso Errio mineral,

    7ApudDIAS, Maria Odila

    da Silva Dias. Sertes doRio das Velhas e das Gerais:

    vida social numa frente de

    povoamento - 1710-1733 .

    In: FERREIRA, Luis Gomes,

    Errio mineral(Org. Jnia

    Ferreira Furtado). Belo

    Horizonte: Fundao Joo

    Pinheiro; Rio de Janeiro:

    Fundao Oswaldo Cruz,

    2002. p. 53.

    os homens bons preocupavam-se em conservar os matos prximos dos

    arraiais, onde muitos eram vistos e experimentados cm raizes, ervas, plantas, rvores e frutos, por andarem pelos sertes anos e anos, no se

    curando de suas enfermidades, (sic) seno com as tais coisas e por terem

    muita comunicao com os carijs, de quem tm se alcanado coisas boas.7

    O naturalista Von Martius (1794-1868), que esteve no Brasil no

    perodo joanino e interessou-se vivamente pela medicina c teraputica

    indgenas, comentou o efeito dc certas ervas frescas que um paj empregou

    numa lcera maligna no p de um escravo negro de sua comitiva, que se

    a c i m a : Na imagem de Chambcrlan

    nota-se o mtodo do emplastroaplicado perna no negro que andaapoiado por um cajal. Trata-se de

    imagem rara que mostra um escravo

    machucado com curativo.

    PCINA a o l a d o : A imagem de Hans

    Staden descreve a preparao e o usodo cauim. bebida feita a partir da

    fermentao de alimentos, de carter

    entorpecente. Poucos mtodos de curados indgenas foram incorporados

    s boticas da cidade.

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    B O T I C A S B B O T I C R I O S N O B R A S I L C O L O N I A L 1 *7

    achava invlido h meses, e havia resistido a muitos medicamentos .Alexandre Rodrigues Ferreira (1 756-1 815 ), em sua Viagem filosfica,recolhia

    e descrevia tudo o que achasse interessante sobre a natureza do Brasil;

    desenhou e nomeou diversas plantas, e freiVeloso (17421811), com o

    mesmo propsito, escrevia:

    Animais que curam

    Nestas Minas h uns macacos a que chamam

    de barbados, outros lhe chamam bugios, e so

    uns que tm papo e so pretos pelo corpo, e

    pelo fio do lombo tm 0 seu cabelo a modo de

    ruivo e so conhecidos pelo nome de barbados,

    e pelo papo, de muita gente: destes, estando

    ainda vivos, se lhes tira aquela noz redonda a

    modo de bolazinha, que encaixa no quadril na

    cova onde joga a perna e h de ser 0 da perna

    esquerda: esta bolazinha, chamada por

    algumas pessoas "conta de macaco", (sic) se

    aperfeioa efura para trazer atada no brao

    esquerdo, de modo que toque na carne:

    bastante para se acabarem as queixas de quem

    for perseguido de almorreimas; a mim me

    certificou um parente meu. amante da verdade,

    que s de trazer na algibeira uma conta das ditas acima que lhe deram por ele dizer que

    padecia suas queixas do tal achaque e a no

    atara no brao por no ter queixa naquela

    ocasio, mas que, correndo os tempos, nunca

    mais sentira molstia alguma: c indo em

    uma ocasio dita algibeira, dera nela com a

    tal conta efeara na certeza de que estava livre

    das graves molstias (...)

    Errio mineral.

    FERREIRA. Lufs Comes (org. Jnia

    Ferreira Furtado). Errio mineral. Belo

    Horizonte: Fundao Joo Pinheiro: Rio de

    Janeiro: Fundao Oswaldo Cruz, 2002

    No h vegetal algum que no merea ocupar a ateno de um

    verdadeiro sbio; nenhum h, por mais desprezvel que parea, de que se

    no possa esperar alguma utilidade. Eles so estimveis por suas virtudes

    medicinais e requerem um particular estudo de todos os que se destinem

    ao curativo dos enfermos; eles fazem que no haja terreno algum que se

    possa verdadeiramente chamar estril, ou incapaz de se aproveitar;

    fornecem uma grande parte dos nossos alimentos, servem-nos em infinitos

    usos econmicos e merecem por conseguinte de ser estudados

    relativamente agricultura e comrcio.

    Bernardino Antnio G omes (176 8-18 23), notvel mdico

    portugus, residente na Bahia, aprovou o emprego de emplastros de mastruo y Q N m a r t IUS, Karl

    no tratamento de hrnias.8 Friedr. Phil., op.cit. p. 234.

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    B O T I C A S & P H A R M A C I A S2 8

    Calundus e curandeiros africanos

    o o O

    Apesar de todo o controle e submisso cultural impostos pelas leis cexercidos pelas autoridades civis e eclesisticas contra suas crenas e ritos,

    era talvez na rea das curas que as tradies das diversas etnias negras se

    mantinham com maior intensidade, sobretudo quando se tratava de curar

    outros negros. Entre os brancos das camadas populares, gozavam os

    curandeiros negros de grande prestgio, os quais eram procurados sem

    hesitao. Qsjxmdios das boticas disputavam com

    ([benzeduras. relquias e amuletos. A angolana Luzia PintE

    muito conhecida na freguesia de Sabar no incio do

    sculo xviii, era bem-sucedida como calunduzeira,

    curandeira e adivinheira. Isso significa que, alm deoficiar cultos religiosos, ela sabia preparar tisanas,

    cataplasmas c ungentos que aliviavam as dores e

    curavam doenas, usando como recursos ervas e

    encantamentos. No Maranho, um escravo foi chamado

    para curar a mulher de um barqueiro que se encontrava

    muito doente. O Diabo foi vencido por meio de' i.

    invocaes em lngua natal e portugus, alm do uso de

    poes com gua, ervas e uma pedra que se achava na

    cabea de um peixe. Na regio mineradora, alguns

    escravos foram denunciados Inquisio por praticar a

    feitiaria. Um deles tirava ossos e outras drogas doscorpos daqueles a quem curava, chupando-os pela boca.

    Os brancos atribuam aos africanos grande

    conhecimento dos venenos c seus antidotos. Tambm

    sabiam curar distrbios mentais e espirituais. No interior

    da Bahia, o Santo Oficio identificou um senhor que

    pagou caro por duas escravas curandeiras: com elas

    montou uma espcie de clnica, onde se praticavam vrios tipos de cura.

    Uma das formas de aculturar o escravo consistia em enquadr-lo na religio

    vigente, por meio dos sacramentos do batismo, casamento e extrema-uno.

    Por intermdio das irmandades, como a de Nossa Senhora do Rosrio,puderam os negros recriar suas crenas e tingir o culto aos santos catlicos

    de significados profanos emprestados dos calundus.

    qm a incorporao das culturas ioruba, nag, daometana, jeje,

    mina, mal e banto no meio urbano e rural da Colnia, as prticas mgicas e

    certas noes de doena e cura encontraram fcil assimilao no repertrio

    sobrenatural popular de origem lusitana. preciso ter em mente que a

    populao de origem africana que alcanara grande concentrao em torno

    do Brasil aucareiro, no sculo xvn, atingiu o mximo de intensidade por voltr

    de 1750, com a expanso do Rio de Janeiro e o povoamento das Minas, graa

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    B O T I C A S E B O T I C R I O S N O B R A S I L C O L O N I A L 2 P

    minerao. Personagem fundamental na perpetuao de tradies

    teraputicas africanas, o barbeiro, geralmente mulato ou negro, escravo ou

    livre, munia-se de uma trouxa ou pequeno ba onde acondicionava osapetrechos indispensveis ao seu mister: navalha, pente, tesoura, lanceta,

    ventosa de chifre, sanguessugas, ungentos, sabo e bacia de eobre.

    A influncia dos curandeiros perante a populao se estendeu a ponto de

    o fisico-mor do Reino, numa proviso de 1744, ter proibido aos boticrios

    aviar suas receitas, ordenando que seus delegados no Brasil fiscalizassem

    periodicamente essa prtica. A relao dos boticrios com os remdios da

    terra no era, porm, das melhores. Em 1796, o vice-rei, conde de Resende

    enviou s autoridades metropolitanas uma carta na qual reclamava dos

    boticrios, afirmando que, embora

    houvesse nesta terra infinidade de ervas e raizes conhecidas pelo mesmo

    nome e atributos das que mandam vir de fora, des so os primeiros em

    desacredit-las, no porque assim seja, como todos persuadem, mas

    porque acham grande conta em fazer misteriosa a sua ocupao, c muito

    maior em reputar a vinda de ervas importadas, que ver-se-iam obrigados

    a vender por baixo preo, havendo outras do mesmo pas, no deixando,

    porm, de as plantar, e comprar quase de graa, para as tornarem a

    vender na estimao das que de fora lhe so remetidas,9

    MARQUES, Vera Regina Beltro.

    Natureza em boies; medicinas e boticrios no

    Brasil setecentista.Campinas: Editora da

    Unicamp/ Centro de Memria-Unicamp,

    1999, P- 197-

    PGINA AO LADO, ACIMA: Os africanos PGINA AO LADO, ABAIXO:tinham grande conhecimento de Amuleto africano.venenos e seus antdotos e exerciam nacolnia muitas vezes o papel decurandeiro, lanando mo de suastradies, principalmente para curaroutros negros. Na imagem, um escravosofre de bouba.

    a c i m a : Na rara imagem do sculoxvn v-se um ritual de calundu.Atravs da religio e tambm dosritos de cura, os negros mantinhamvivas, do lado de c do Atlntico,as crenas africanas.

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    3 .)

    As ordens religiosasA A S S I S T N C I A M D I C A C O M O C A R I D A D E

    i^utra poderosa tradio que atuou na conformao da cultura mdica

    heterclita que marcou o perodo colonial proveio do catolicismo portugus,

    por intermdio do clero regular e das ordens e confrarias religiosas.

    Como j observamos, no eram poucas as doenas e epidemias que

    atacavam os colonos e o restante da populao indgena e negra. Varola,disenteria, malria, febres tifides e paratifides, boubas, maculo (fstula anal),

    sfilis, lepra, elefantase-dos-rabes (filariose) e opilao (ancilostomase) eram

    as mais presentes. A imensa maioria dos doentes recebia tratamento em casa.

    Assim, os que caam doentes e seus familiares mantinham o controle da

    situao, ao contrrio do que aconteceria num hospital. Em suas casas, eles

    podiam decidir sobre o tipo de terapia que estariam dispostos a pagar e

    escolher livremente dentre os vrios tipos de agentes teraputicos. No eram

    apenas os pobres que faziam tal opo; as pessoas de posse cuidavam de suas

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    B O T I C A S E B O T I C R I O S N O B R A S I L C O L O N I A L 3 1

    doenas em casa, com mdicos e cirurgies, ou ento com

    curiosos c curandeiros, ao passo que as ordens religiosas

    ou laicas tratavam de seus prprios irmos. Os brancos

    pobres, a gente dc cor, escrava ou forra, soldados,

    marinheiros, forasteiros em geral, quando em estado dc

    indigncia, recebiam assistncia espiritual e mdica nos

    hospitais da Ordem da Misericrdia.

    A Igreja catlica era o suporte da vida cultural

    da Colnia, e as ordens religiosas constituam a ponta dc

    lana da Igreja na propagao da f e da cultura crists,

    para as quais o bem-estar fsico era secundrio em face da

    salvao espiritual. Alm do mais, a doena podia ser

    percebida alternadamente como uma expresso do

    pecado ou da graa divina. O corpo como o repositrio

    da alma imortal permaneceu como um legtimo objeto de

    cuidado. Os ensinamentos bblicos e o exemplo de Jesus apontavam a devoo

    aos doentes como uma bno divina, no restrita apenas a praticantestreinados. A f crist enfatizava que o cuidado e a cura deveriam ser uma

    vocao popular, um ato de humildade consciente, portanto, um componente

    vital da caritascrist. A evangelizao e a catequese sistemticas iniciaram-se

    em 1549 com a vinda do primeiro governador-geral, Tom de Sousa

    (4503-79),e de um pequeno grupo de jesutas. Nos finais do sculo xvi, foi a

    IMlho -ItflE I D E A S NCI.V !>KIJ> IIENIA lNAM Omni/ E 1(00 K ?60TADll IA DE";vr lh rSiT KNW .' DEVIDA roM AC iIL ME A DEMEMCO F. VTU.Klii / e l e u i t -

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    tuast/SP* SvW-TtANO N h * IIEI.HEUAH VA if f E R m . Hi r 17I V -

    Botica de ordem religiosa

    O boticrio ser um religioso sacerdote demuita caridade e curiosidade, e que tenha

    alguma cincia da botica ou experincia dela.ao qual se dar religiosos, ou seculares que o

    ajudem; procurando sempre haver pessoa quesaiba bem da botica pelo que importa sade

    dos religiosos, credito e bom servio da botica, e

    assim deve estar o boticrio presente visita

    pela manh, e tarde, para notar bem as

    mezinhas que se mandem dar a cada um, no

    se fiando nun ca na sua mem ria, pois coisa

    de tanta importncia a sade dos enfermos,

    procurando sempre estar a botica muito provida

    dos simplices, e mais mezinhas necessrias s

    necessidades c enfermidades que sobrevivem aos

    religiosos, fazendo e m andando fazer as guas

    destiladas, xaropes, plulas e mais compostos de

    que se usa, pedindo para isso ao Prelado quem

    o saiba bem fazer, quando em casa o no

    houver para tudo ser perfeito; e pedir aoPrelado todo o acar necessrio, que ter por

    rol para dele dar conta por inteiro. No dar

    para fora Mezinha alguma sem licena do

    Prelado, excepto ps comuns, unguentos, e

    outras coisas semelhantes, de pouco porte, mas

    nunca xaropes, nem purga, sem o Prelado

    assinar as receitas do mdico constando ser de

    pobres. No comprar drogas, nem outras

    mezinhas sem licena do Prelado, nem sem as

    ver quem disso bem entenda, assim para a

    bondade delas, como para o preo. Dc todosossimplices. c compostos da botica ter muito

    cuidado, para que no se corrompam, e quando

    houver de faze r algum as coisas daquelas, que se

    costumam fazer de noite, dar conta sempredisso ao Prelado para que saiba a ocasio de

    sua falta e o que passa naquelas horas, e

    tempo, e procurar sempre assistir nessa oficina.

    Cdice existente no Arquivo Nacional daTorre do Tombo, intitulado Uzos das

    Ceremonias e Louvveis costumes do Ordem de

    Christo reformados no anno de rjoz.

    p g i n a a o l a d o : A fora da influnciado catolicismo portugus na culturamdica do perodo colonial ficaexpressa no uso dos ex-votos, emagradecimento cura de enfermidadegrave, como este dedicado NossaSenhora do Carmo.

    a c i m a : Ex-voto em nome de milagredo Bom Jesus do Matosinhos aCipnano Ribeiro Dias. Em 1745, estedoente sangrou pelo nariz durantehoras seguidas c ficou curadomilagrosamente com a f.

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    3 2 B O T I C A S &1 HA KM A C IA S

    vez de os beneditinos, carmelitas e franciscanos se

    estabelecerem no Brasil. Alm dos seminrios e das

    pastorais, o trabalho caritativo, em especial otratamento dos doentes, era parte essencial de suas

    aes. Q culto dos santos servia tambm de escude

    contra os perigos da vida ou proteo contratos

    demnios. Muitos eram invocados pela sua

    .qualidade de'curar. Nas procisses organizadas

    pelas confrarias, nas igrejas ou no refgio do lar,

    oraes e preces solicitavam a interveno dos santos.

    ada qual segundo sua especialidade. So Sebastio era

    invocado para proteger das epidemias. Santa I aicia, contra as

    dores dllnies. Contra a peste e quebradura, santo Adrio. Contra

    possesses, santo Alberto. Santa Agueda, contra dores dos peitos e Santo

    Amaro, contra os achaques das pernas e braos. Santa Ana, contra a

    esterilidade e santo Anastcio, contra qualquer doena. Uma procisso diria

    nas cidades coloniais era a do vitico levado aos moribundos e doentes. Um

    -sem-nmero de devotos compunha o cortejo, entoando ladainhas. Todas as

    .igrejas repicavam sinos sua passagem.

    Perante as dificuldades e precariedade da vida, a Igreja incentivou

    os fiis brasileiros a agrupar-se em confrarias, formadas segundo categorias

    sociais, para encontrar solues que abrissem as portas salvao eterna.

    Refgio na vida, segurana em face da morte, gosto da ostentao e exibio

    de uma posio social numa sociedade rigidamente estratificada, asconfrarias foram tambm garantia de cuidados aos doentes e missas

    pstumas para o conforto da alma. A confraria mais antiga do Brasil era

    a da Misericrdia, que, inspirada nos compromissos corporais, realizava

    obras voltadas alimentao dos presos e famintos, remia os cativos, curava

    os doentes, cobria os nus, dava repouso aos peregrinos e enterrava os

    mortos. Mantida por figures de grande prestgio social, a ordem se

    beneficiava dos legados deixados por seus associados e de eventuais recursos

    diretos da Coroa. Os quatro hospitais abertos no sculo x v i i i pelas ordens

    terceiras de So Francisco e do Carmo voltavam-se ao acolhimento

    exclusivo dos confrades. Os hospitais da Santa Casa da Misericrdia,

    quase todos modestos e em permanente estado de penria, assistiam

    a uma populao de indigentes e moribundos, desde o sculo xvi, em

    quinze cidades brasileiras.

    Como a Misericrdia gastava menos com seus hospitais do que corr

    as festividades religiosas, a instituio vivia na pobreza. Isso pode ser estimado

    pelo exemplo da mais importante dentre as Santas Casas do sculo xvn, a

    da Bahia, onde, durante uma epidemia ocorrida em 1694, 180 doentes foram

    internados nas seguintes enfermarias: enfermaria das febres, dispondo de

    16 catres com colches rotos, 18 camas de esteira no cho, sem travesseiros,

    es q u e r d a , a c i m a : Santa Casa de

    Misericrdia do Rio de Janeiro,inaugurada em 1582 pela mais antiga

    confraria do Brasil, era mantida por

    figures de grande prestgio social e

    eventuais recursos da Coroa.

    e sq u e r d a , a b a i x o : Pote de teriaga 01

    triaga. A triaga braslica era um remdiccomposto de extratos, gomas, leos

    e sais qumicos extrados de 78 tipos

    de plantas, e que se tornou objeto de

    cobia no imprio portugus e

    a segunda maior fonte de renda da

    Companhia de Jesus no Brasil.

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    B O T I C A S E B O T I C R I O S NO B R A S I L C O L O N I A L 3 3

    sem colcho c com lenol; enfermaria de a/ougue, com seis catres para os

    que estavam em tratamento com unturas; enfermaria das chagas, com vinte

    catres e 23 camas de esteira no cho, sem travesseiro e sem colcho, com um

    lenol; enfermaria dos convalescentes, com 18 catres c 24 camas de esteira

    no cho; enfermaria das mulheres, com 17 catres com colches velhos;

    enfermaria dos incurveis, com vinte catres sem colches.10A teraputica

    se resumia a uma alimentao base de canja de galinha, sangrias e purgas

    realizadas por barbeiros, sangradores e, quando em aperto financeiro,

    por escravos. Um mdico e um cirurgio davam conta do trabalho,

    comparecendo pela manh e tarde.

    i< RIBEIRO, Lourival.

    Medicina no lirasil colonial,

    Rio de Janeiro: Editora Sul-

    americana, 1971, pp. 40-1.

    As boticas dos jesutas c a triaga braslica

    A medicina em Portugal, nos sculos xn e xni, era exercida pelos eclesisticos.

    Os jesutas, ao chegarem no Brasil, mantiveram essa tradio de aliar a

    assistncia espiritual e corporal ao trabalho de catequese. Alm de receitar,

    sangrar, operar e partejar, criaram enfermarias e farmcias. Como as drogas

    de origem europia e asitica eram raras e tinham um preo exorbitante,

    valeram-se dos recursos medicinais dos indgenas. Foi assim que a Europa

    conheceu as virtudes da quina, proveniente do Peru e da ipecacuanha, que

    tambm encontrou enorme sucesso. As boticas dos jesutas eram, quase

    sempre, as nicas existentes em cidades ou vilas.Treze boticrios jesutas se

    instalaram no Brasil nos anos 1600 e outros trinta no sculo xvin. As

    farmcias dos conventos teriam contribudo para a penria dos boticrios1 alaicos. A botica dos jesutas do Rio de Janeiro, que funcionava no morro do

    Castelo, provia as boticas da cidade.

    A triaga braslica, produzida na botica que os inacianos mantinham

    em Salvador, alcanou enorme prestgio em todo o Imprio portugus e

    era a segunda fonte de renda da Companhia de Jesus no Brasil. Tal como a

    triaga optimado Colgio Romano, era um antdoto universal e uma panacia

    para todos os males. Antes de entrar em decadncia, no sculo xix, esse

    remdio, composto de extratos, gomas, leos e sais qumicos extrados de

    78 tipos diferentes de plantas encontradas nas mais diferentes regies

    do Imprio luso-brasileiro, foi objeto da cobia das autoridades pombalinas.

    Durante o seqestro dos bens dos jesutas da Bahia, em 1760, o

    desembargador responsvel afirmou que haveria na cidade quem desse trs

    ou quatro mil cruzados por ela.

    Se a histria da medicina colonial, e da sua farmcia em particular,

    no pode ser contada sem referncia s religies indgenas e africanas e s

    instituies catlicas, na cultura mdica europia, em especial na longa

    uadio legada pela medicina hipocrtica c galnica, que devemos encontrar

    seu lastro principal.

    Frmulas secretas

    No Arquivo da Companhia de Jesus, em

    Roma, h um documento que j no prlogo

    revela a conscincia que os jesutas possuam

    do valor simblico dos remdios secretos.

    Amigo e c arssim o leitor, no fi z esta Coleo de

    Receitas particulares de nossa Boticas, seno

    para que se no perdessem to bons segredos, e

    estes no andassem espalhados por todas as

    mos; pois bem sabes, que revelados estes,

    ainda que seja de uma Botica para outra,

    perdem toda a estimao: e que pelo contrrio

    0 mesmo estar em segredo qualquer Receita

    experimentada, que faze rem dela todos um

    grande apreo, e estima com fa ma, e lucro

    considervel da Botica a que pertence. Pelo

    que peo-te, que sejas muito acautelado e

    escrupuloso em no revelar algum destes

    segredos: pois em conscincia se no pode

    fazer, advertindo que so cousas estas da

    Religio, e no tuas.

    Manuscrito Coleo de vrias receitas

    particulares das principais boticas da nossa

    Companhia de Portugal, da India, de Macau, e

    do Brasil...de autor desconhecido, datado de

    1766, apud Lourival Ribeiro, op. cit., pp. 174-5.

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    Sob o imprio de GalenoA S D O E N A S E S E U S T R A T A M E N T O S

    N A T R A D I A O M E D I C A E U R O P E I A vO

    Galeno (130-20 0 d .C.) foi, juntamente com Hipcrates (460-? a .C.), a m

    figura da medicina antiga. Sua imensa obra exerceu uma influncia

    considervel at o sculo xvu, tanto no mundo rabe quando no Ocidente

    cristo. De acordo com a tradio hipocrtico-galnica, transformada em

    dogma pelo ensino escolstico professado nas universidades medievais des

    o sculo xiii, o corpo humanoseria constitudo por sangue, pituta, bile

    amarela tTbile negra. Existiria sade quando esses princpios estivessem en

    justa relao de equilibrio (crase), de fora e de quantidade, em perfeita

    mistura. Existiria a doena quando um desses princpios estivesse, seja em

    menor quantidade, seja em excesso, ou, isolando-se no corpo por uma esp

    de obstruo, no se combinasse harmonicamente com o resto.

    Eis o grande princpio hipcrtico que os jovens doutores cm

    medicina, formados nas universidades europias, deviam ter em mente

    enquanto examinavam seus doentes. As doenas seriam causadas por falta

    (caquexia), excesso (pletora) ou corrupo de um ou mais humores.

    'Tratava-se, ento, de restaurar o dficit ou, ao contrrio, suprimir o excedipodiam taml

    A febremo seria nem um sintoma nem uma doena em si, mas a

    expresso do esforo curativo da natureza (vix medicatnx miturae).Provenk

    do corao, o calor atuaria no cozimento dos humores corrompidos. A

    capacidade de discriminar entre os diferentes tipos de febre e atuar no mon

    certo em auxlio da natureza distinguiriam o talento dos mdicos. Em caso 1

    febre maligna ou pestilencial, o que compreendia a varola, a rubola, a prj

    c a peste - todas causadas por humores corrompidos que exalavam um fort

    odor -, impunha-se, alm do recurso das ventosas e vesicatrios, o emprege

    principais drogas: a triaga, o mitridato ou a pedra de bezoar. A varola, com

    peste, matava no estado endmico. O mdico nada podia contra esses lagel

    O melhor era deixar a natureza fazer o seu trabalho. Suas sangrias, purgas t

    clisteres apenas faziam agravar o estado de sade do enfermo. 1

    O crebro tambm tinha suas doenas. O resfriado, considerado

    afeco cerebral, devia-se ao excesso de frio ou de calor. O mdico usava ci

    a coriza toda uma estratgia. Primeiramente era preciso retirar toda a pitut

    com a ajuda de poes e plulas doces. Isso feito, usavam-se os purgativos.!

    igualmente recomendvel o uso de purgantes, seguidos de ventosas, vesicat

    Mas convinha, antes, evacuar os maus humores. Os humor

    se desviar, sendo fundamental rep-los em seus caminhos.

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    B O T I C A S E B O T I C R I O S N O B R A S I L C O L O N I A L

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    B O T I C A S E B O T I C R I O S N O B R A S I L C O L O N I A L

    Nos casos em que dores estomacais eram seguidas por vmitos com sangue,

    anunciados pelas cleras midas, acalmava-se a dor com extrato de opiatos,

    As cleras secas , assinaladas pelas flatulncias, eram tratadas com a ajuda

    de extratos de cochonilha. O intestino era menos secreto. O exame das fezes,

    de visu et odoram,permitia um diagnstico mais seguro, pois se determinava

    mais facilmente o humor em causa.

    Teorias mdicas

    Iatroquimica Doutrina mdica originada da alquimia

    Paracelso (1493-1541) foi contemporneo de Coprnico, Martinho Lutero,

    Leonardo da Vinci e outras figuras associadas com a crtica ao pensamento

    medieval e o nascimento do mundo moderno. Seguindo a tradio hermtica,

    ele propunha estudar o homem - o microcosmo - por meio do estudo do

    macrocosmo, j que o primeiro era a perfeita representao do segundo.

    Alguns mdicos entenderam que ali estava uma nova chave para o seu

    trabalho. O apelo a novas observaes foi entendido como um ato dc devoo.

    0 cristo no deveria mais se limitar a estudar as Sagradas Escrituras, mas

    tambm 0 livro da natureza, repleto de revelaes divinas. Na tradio

    alqumica, o trabalho de purificao dos metais era entendido como uma ajuda

    natureza no seu processo natural de aperfeioamento. Transposto para o

    plano do microcosmo (o homem), o trabalho do mdico seria o de recuperar a

    sade, buscando substncias medicinais existentes na natureza que agiriam por

    simpatiasobre os rgos e humores afetados. Paracelso, que queimou em praa

    pblica os livros de Galeno, rejeitava os humores e em seu lugar ps trs novos

    p g i n a a o l a d o , a c i m a : Farmacutico p g i n a a o l a d o . ABAIXO: Pinturada Basilea macera ervas. Esta era a a leo representando a figuraetapa inicia l do processo de produo de Hipocrates .de muitos remdios. Aqui, odesenvolvimento de artefatosmecnicos se combinava muitas vezescom mtodos mais tradicionais.

    n o a l t o : Paracelso props o estudo domacrocosmo como forma de entendero homem (microcosmo). Grandedefensor dos remdios mineraise metlicos, sua nova leiturada medicina influenciou diversosmdicos da poca.

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    elementos: o enxofre, o mercrio e o sal. Cada doena teria uma teraputica

    especifica. ParaVan Helmont (1577-1644), seu seguidor, os processos

    qumicos seriam dirigidos por um espirito denominado blas,equivalente aoarcheusde Paracelso. Para essa e outras vertentes da iatroqumica, os estados

    patolgicos deveriam ser tratados quimicamente, valorizando os remdios

    qumicos. Podemos citar: o trtaro sdico potssico (sal de Rochelle), com

    propriedades laxantes; o sulfato sdico e o sulfato de amnio; o sulfato de

    potssio (sal policrcsto); o sulfato de magnsio; o carbonato de magnsio (ps

    do conde de Palma). Os iatroqumicos encontraram rpida acolhida entre os

    prticos sem diplomas. Nos tempos em que o teatro de Molicre ridicularizava

    os mdicos hipocrticos, cresceu fortemente seu prestgio nas cortes inglesa e

    francesa, entre reis, nobres e burgueses, a despeito da forte oposio da

    Faculdade de Medicina de Paris e do Real Colgio Mdico de Londres.

    Iatromecnica ou iatrofisica - O organismo equiparado a uma mquina

    A revoluo cientfica do sculo xvn no se limitou a acrescentar novos

    fenmenos ainda no observados - mudou o quadro do pensamento. O

    Universo seria, ento, concebido como o modelo do relgio, em que as partes

    que compem o todo esto submetidas s mesmas leis do movimento. Tal

    noo pressupe a concepo de uma matria-puramente passiva c composta

    de corpsculos submetidos apenas s leis do movimento. A fsica das

    qualidades cede lugar a uma viso puramente quantitativa da matria, e a

    explicao dos fenmenos fsicos fica restrita causa eficiente. A natureza

    seria submetida s mesmas leis, uniformes. Na Frana, Descartes(1596-1650) denunciava a ineficcia da medicina contempornea, propondo

    um conhecimento causal do corpo com base em princpios mecanicistas.

    Excluiu os princpios oufaculdades (vegetativa, sensitiva, motora) e passou a

    explicai-mecanicamente todas as funes do corpo. Ele acreditava na

    possibilidade de eliminar todas as doenas do corpo e da mente e at as

    enfermidades da idade, investigando-se suas causas mecnicas. Tal concepo

    favorecia as pesquisas anatmicas. Posto que tudo era feito de formas

    geomtricas e movimentos, tornou-se essencial conhecer a forma dos rgos,

    e os,anatomistas se maravilhavam de reconhecer a cada instante no corpo

    humano algumas dessas mquinas semelhantes s que os homens fabricavam.

    Para Boerhaave (1668-1738), o mais prestigioso dos iatromecnicos, o

    organismo seria formado por apoios, colunas, traves, vigas, bastes,

    -tegumentos, ngulos, alavancas, roldanas, cordas, lagares [tanques para

    espremer sucos], foles, peneiras, filtros, canais, reservatrios .Tud o se faz

    mecanicamente nos corpos vivos, e a fisiologia, utilizando e ultrapassando as

    descobertas anatmicas, percebe na digesto um fenmeno de triturao, e na

    secreo glandular, a peneirao de partculas. Mesmo quando a fisiologia faz

    apelo qumica, ela permanece mecnica, posto que interpreta os fenmenos

    qumicos como conseqncia do mecanismo dos corpsculos.

    e sq u e r d a , a c i m a : Na segundametade do sculo xvm, surgiu ahomeopatia, um sistema teraputicode inspirao vitalista criado porSamuel Hahnemann.

    e sq u e r d a , a b a i x o : O naturalistaAlexandre Rodrigues Ferreira, cm suaviajem Filosfica amricaPortuguesa do sculo xvm, registrauma ndia inalando paric, num ritual.

    P c i N A a o l a d o : Um laboratriomoderno: nesta cena vemos o avanoda diviso de trabalho no processo deproduo de remdios na EuropaModerna. Enquanto o mestrese atm receita da farmacopia,ajudantes e aprendizes utilizamdiferentes tcnicas.

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    B O T I C A S E B O T I C R I O S S O B R A S H . C O L O N I A L > 9

    A partir do sculo xvni, exceo tios alquimistas, cada vez maisraros, dos sbios galnicos, ainda influentes, e de alguns precursores do

    vitalismo, a hegemonia era dos adeptos do mecanicismo.

    VitalismoPrincipio vital distinto das foras fisico-quitnicas

    Georg Ernest Stahl ( 16 6 o -1 734), qumico e professor de medicina, props .

    que os fenmenos da vida seriam irredutveis s leis da fsica. Para ele haveria

    lim princpio vital que explicaria os fenmenos orgnicos o animaseria

    responsvel por todas as funes vitais. Alm de defender uma fisiologia

    vitalista, cr iou a influente teoria do flogsticq para explicar a combusto,

    combatida posteriormente por Lavoisier (1743-94).

    Na segunda metade do sculo xvm, surgiu a homeopatia, um

    sistema teraputico de inspirao vitalista, criado por Samuel Hahnemann .

    (1755-1843), que ainda goza de amplo prestgio em muitos pases. Para

    "Hahnemann, toda substncia que originasse no organismo sinais semelhantes

    aos sintomas de uma doena era suscetvel de cur-la. Trata-se de antiga

    concepo hermtica, j presente em Paracelso: a cura pelo semelhante - _

    similia siinilibtts curantnr. A idia de que o tratamento se alcanaria pela

    administrao de doses nfimas de substncias que, de outro modo,

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    4 0 B O T I C A S & P I I A R M A C I A S

    causariam os sintomas patolgicos, tornou-sc a base de sua teraputica.

    Assim , se a qina (chinchona) - remdio usado contra algumas febres -

    provocava sintomas das doenas contra as quais.agia, ela teria,comprovadamente, propriedades teraputicas. \

    A superao da medicina humoral

    e as inovaes teraputicas

    Durante o perodo da chamada revoluo cientfica, em que se destacam os

    avanos na astronomia, na fsica e nas cincias naturais, a medicina tambm

    conheceu grandes inovaes tericas e prticas. Andr Veslio (151 4-64 ), em

    seu excelente livro De hmnani corporis fabrica,de 1543, deplorava a separao

    entre a cirurgia - na poca uma tradio artesanal e a medicina. Veslio teria

    descoberto mais de duzentos erros nos escritos de Galeno. Em seu De moto

    cordis et sanguinis (1628), Willam Harvey (157 8- 16 57 ) descreveu a circulao

    sangunea. Seria de esperar que o sucesso dessa e outras descobertas

    associadas s novas correntes do pensamento mdico, como a iatroqumica, a

    iatrofisica e o vitalismo, acarretassem um colapso no sistema galnico de

    teraputica, que era intimamente ligado 'fisiologia humoral, mas isso no

    aconteceu. O sistema galnico de teraputica, em razo de seu sucesso prtico

    no tratamento das doenas ( preciso ter em mente que vinha proporcionando

    uma boa vida aos clnicos havia sculos), sofreu seu maior revs com a

    introduo dos remdios de origem qumica.Numa poca em que todos os remdios eram smplices, isto ,

    derivados de plantas, o rebelde Paracelso (1493-1541) foi um defensor dos

    remdios minerais e metlicos, pregando a doutrina dos remdios especficos

    para cada doena - o mercrio tornou-se um especfico para a sfilis ou mal

    glico. Sydenham (1624-89), o chamado Hipcrates ingls, tambm defendia

    a idia dc que toda doena teria seu medicamento especfico. Com a

    descoberta do Novo Mundo, uma droga utilizada pelos indios, a cinchona -

    tambm conhecida como casca peruana ou casca dos jesutas - foi

    incorporada teraputica mdica como antdoto para as maleitas. No sculo

    x v i i i , o reverendo Edmund Stone anunciou a casca do salgueiro como um

    poderoso febrfugo (remdio contra a febre), o que foi um primeiro passo

    no caminho para a aspirina.

    A exceo de algumas drogas, os medicamentos que os doutores de

    Coimbra usavam no se distinguiam muito da farmacopeia galnica, ainda

    que eles possussem um punhado de especficos e tpicos. Aos mdicos no

    faltavam respostas para os diferentes casos que se apresentavam no curso de

    suas consultas. Convm lembrar que na medicina humoral no se esperava

    que as drogas desempenhassem um papel decisivo na cura. O que se esperava

    de uma boa droga no era tanto que curasse diretamente uma doena, mas

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    B O T I C A S E B O T I C R I O S NO B R A S I L C O L O N I A L 4 *

    r2ftu*& gad/ni mt c/ni rjarso im r ourij inrrffT pc 'rcrflKfrn yOtg

    cUuKtbituli iiitItii(Tfiiomm$ nr mnu Ufttt $aijfa! wimuni Dcmtofe-meulHunimgp

    lr>aotrmn Gxnti aucrni qtrt trpr auqimmrnrm tiif ifinhnim mcDMft lnttttl

    que, por meio de sua ao ou faculdade vomitiva, purgativa ou sudorfera,

    ajudasse a natureza a restaurar o equilbrio entre os humores. Entretanto, com

    a fixao de qumicos e destiladores provenientes do estrangeiro que

    comercializavam medicamentos qumicos e, principalmente, com a publicao

    da farmacopeia elaborada pelo mdico Joo Curvo Semedo (1635-1719),

    Polianteia medicinal(1695) - tornado uma espcie de evangelho dos mdicos

    portugueses a comunidade mdica incorporou a nova teraputica. Outra

    obra influente, a Pharmacopeia ulyssiponense, escrita pelo francs Jean Vigier(1662-1723), comerciante de drogas estabelecido em Portugal, foi a primeira

    farmacopia escrita em portugus a tratar organizadamente a preparao de

    medicamentos qumicos."

    Com a incluso das obras de Paracelso no Index, a Inquisio

    portuguesa perseguiu os remdios alquimicos. Do ponto de vista doutrinal,

    a farmcia galnica se opunha s drogas secretas de ampla difuso, pois estas

    ignoravam as particularidades do paciente: sua constituio, seu

    temperamento, sua idade e seus hbitos alimentares e higinicos. O fsico

    galenista, tendo de escolher freqentemente entre vrias indicaes

    teraputicas, devia levar em conta no apenas a causa da doena, mas

    tambm todos os aspectos do paciente e de seu meio. Em Portugal, as

    medicinas (mezinhas) da farmcia galnica, caracterizada pela produo

    pelo boticrio, mediante a receita do fsico, e indicadas para determinado

    Uocnte, iam de encontro aos remdios secretos e s panacias, vendidos

    em larga escala e consumidos como automedicao (gua da Inglaterra,

    gua celeste). Condenados pela Reforma pombalina do ensino mdico, em

    1772, os remdios secretos foram mais perseguidos a partir da criao da

    Junta do Protomedicato, em 1782.

    1 1 As principais referencias

    histria da farmcia em

    Portugal foram extradas de

    PITA, Joo Rui. Histria da

    farmcia,Coimbra: Minerva

    Editora, 2 ed., 2000.

    p g i n a a o l a d o : Andr Veslioapontou mais de duzentos erroscontidos nos escritos de Galenoe deplorou em sua obra Dc humanicorporisfabrica (1543) a separaoentre cirurgia e medicina.

    a c i m a : Para a latroqumica. cada rgohumano mantinha uma correspondnciacom um signo zodiacal. Isto explicava apreponderncia dc certas doenas emdeterminadas estaes. Para realizarsangrias era preciso reconhecer, emcada ponto, sua relao zodiacal.

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    5 .)

    As farmacopias portuguesasH O S T R A T A D O S D E N A T U R A L I S T A S , M D I C O SE C I R U R G I E S D O B R A S I L C O L O N I A L

    12 SHAPIN, Steven./) revoluo cientifica. Lisboa:Difel, 1999.

    A medicina domstica, com o a profissional, baseava-se,

    principalmente, em folhas, razes, sementes ou

    cascas, denominados simples.As ervas eram modas,

    maceradas e diludas em infuses. Entre os antigos,

    Celso (sculo 1 d.C .), Dioscrides (sculo 1 d.C.) e

    Galeno (sculo 11, d.C.) compilaram receitas sobre ervasem tratados de matria mdica. Suas obras, muito

    apreciadas desde a Idade Mdia, divulgavam o emprego

    medicinal de substncias aromticas como o aafro, alm

    de leos e ungentos. A medicina rabe acrescentou

    novos preparados de origem persa, indiana e oriental.

    Dentre as drogas desconhecidas pelos autores gregos

    que foram absorvidas pela medicina medieval

    destacam-se a cnfora, a cssia, a sena, a noz-moscada,

    o tamarindo, a canela e o cravo.

    O impulso humanista para a observao direta,

    valorizando a experincia individual com o forma de

    conferir a autenticidade de textos antigos, teve sua

    expresso mais impressionante na histria natural do sculo xvi. Nesse

    dominio do conhecimento, entendia-se que as cpias dos textos anteriormente

    referidos tinham um carter duvidoso. Admitindo-se que as formas das

    plantas e animais no se alteraram ao longo do tempo, a observao podia

    ajudar a decidir quais haviam sido, na verdade, as descries originais. Dessa

    forma, os autores humanistas seguiam as recomendaes prescritas pelos

    antigos. Galeno recomendara aos praticantes da medicina que se tornassem

    especialistas em toda a matria mdica, examinando pessoalmente a ao

    teraputica dos remdios. Tendo realizado a observao direta, mdicos,boticrios e cirurgies aproxim avam-se de suas fontes antigas mais bem

    preparados.12A busca pelo realismo em ilustraes botnicas, em oposio

    ao significado alegrico e funo decorativa, reforava a mensagem, explcita

    nos textos, de que a experincia pessoal era um guia mais confivel que

    a autoridade.

    Outro impulso em direo ao livro da natureza veio das tradies

    hermtica e alqumica j mencionadas. Subjacente a essas crenas havia a

    convico de que todas as criaturas tinham uma infinidade de significados e

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    B O T I C A S E B O T I C R I O S N O B R A S I L C O L O N I AL 4 }

    p c i N A a o l a d o : Na imagem, v-se

    a preparao de uma teriaga.Esta panacia universal contra todosos venenos e diversos males eraelaborada por boticrios sobsuperviso mdica.

    a c i m a : A aplicao de clisteres era

    usual na teraputica galmca. Nestaimagem, que integra o conjunto depainis de azulejos oitocentistas daReitoria da Universidade Federal daBahia, percebe-se a ambiguidade deintenes dos personagens.

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    4 4 B O T I C A S & P H A R M A C I A S

    I HENRY, John.A revoluo

    cientifica. Rio de Janeiro: Jorge

    Zahar, 1998.

    I -I Sobre a farmcia nos

    perodos do barroco, do

    iluminismo e do romantismo,

    servimo-nos de PITA, Joo Rui,

    op. cit.

    Transformaes no sculo da RazoNo sculo da Razo, cuja obra mais famosa,a Enciclopdia de Diderot e D'Alembert, louvaas cincias e a tcnica, dois campos do saber

    sofreram profundas transformaes comimplicaes diretas para a arte farmacutica:a histria natural e a qumica. Cari Lineu(1707-78), em Systema naturae (1735),apresentou uma classificao binominalbaseada nos rgos reprodutores de animaisou vegetais, que tornou possvel organizarum catlogo coerente do gigantescoinventrio de ambos os reinos. No campo da

    qumica, Lavoisier (1743-94) o nome maisnotvel de toda uma gerao que, ao criar o

    a c i m a : Cari Lineu criou a base declassificao binomial usada aindahoje na sistemtica.

    incontveis conexes de simpatia c antipatia com outras coisas, fossem

    animais, plantas, corpos celestes, nmeros ou artefatos humanos, como

    amuletos e moedas. Isso explicava a ao curativa de certas plantas. Aqui ahistria natural era vista como um meio de exibir as maravilhosas sabedorias,

    arte e benevolncia do Criador.13

    A descrio de espcies botnicas engendrou uma vasta rede de

    cooperao internacional. No Novo Mundo, mdicos, farmacuticos,

    botnicos, diplomatas, viajantes, com ertiantcs c clrigos foram em busca de

    ouro e prata, mas tambm de novas drogas. A matria mdica j tinha os

    novos produtos exticos vindos da ndia. Garcia da Orta (1501 -68), autor do

    -Colquio dos simples e drogas c cousas medicinais da ndia,editado em Goa, em

    1563, era fiel ao esprito da tradio renascentista. Ao contradizer os antigos e

    manifestar sua predileo pelos rabes, ele afirmava ter sido testemunha direta

    de tudo o que relata, ao contrrio de Galeno, que se utilizava muitas vezes de

    informaes de segunda mo. Escrito em portugus, cada um dos 58

    colquios, ou partes em que se divide sua obra, se dedica a uma ou mais

    drogas, partindo de uma apresentao etimolgica, antes de passar sua

    aparncia, origens, preparao e uso teraputico. Dentre suas descries

    encontram-se as da cnfora, da palma, do sndalo, da assa-ftida, do gengibre

    e da babosa (aloe vera).Como continuao ao trabalho de Orta, deve-se

    mencionar o de Cristvo da Costa, com seu tratado sobre as drogas orientais.

    Tratado de las drogas e medicinas de las ndias Orientais (1568). A prioridade na

    descrio de vrios simples da Amrica coube aos portugueses. Basta citarmos

    os viajantes Pero de Magalhes Gandavo (?-i57), Gabriel Soares de Sousa,autor do famoso Tratado descritivo do Brasil,os missionrios Jos de Anchieta

    ( I534- 97) e Ferno Cardim (1549-1625), que do notcias sobre doenas,

    rvores e ervas medicinais do Brasil.Todos participam do mesmo influxo

    cultural. Com exceo da obra dos fsicos holandeses vindos com Maurcio de

    Nassau (160 4-75), Guilherme Piso (1611 -78) e George Marcgraf

    (1611-48), Histria natural e mdica da ndia Ocidental,os primeiros tratados

    novo conceito de elemento qumico, ajudariaa enterrar a milenar teoria dos quatro

    elementos fundamentais da natureza: terra,fogo, gua e ar. Como salienta o historiador

    joo Rui Pita,Mum momento crucial de todaessa revoluo foi quando Cavendish(1731-1810) combinou o ar inflamvel" como ar desflogisticado para obter gua. Apsse debruar sobre o problema da combustoe apresentar o oxignio, como elementofundamental nas reaes de combusto,afastando a teoria do flogisto, Lavoisier abriu

    espao para a reviso de toda a

    nomenclatura qumica. Com Fourcroy(1755-1809) e Bertholet (1748-1822), as

    denominaes antigas, como o cidovitrilico" e as "flores de zinco", setransformaram em cido sulfrico e xido dezinco sublimado, respectivamente.

    No final do sculo xviu e no seguinte, a novanomenclatura qumica freqentaria todo o

    saber farmacolgico. Contudo, os trabalhosqumicos no seriam, inicialmente, toanimadores, j que no dariam respostasmais adequadas que aquelas alcanadas pelafarmcia galnica. O isolamento de

    princpios ativos a partir de drogas vegetaiscomea no incio do Oitocentos.

    PGINA AO LADO, AChMA: Em SCUErrio mineral,publicado cm 1735,o cirurgio portugus Luis ComesFerreira faz um relato de 35 anosde experincia teraputica na regiodas Minas, sintetizando os sabereserudito e popular.

    PGINA AO LADO, ABAIXO: Em I772,Marqus de Pombal promoveuimportantes reformas na Universidadede Coimbra.

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    B O T I C A S E B O T I C R I O S NO B R A S I L C O L O N I A L 4 5

    M I N L R A Ld i v i d i d o e m d o z e

    T K A I' A D O S.DLDlCMHr. f. OFFERECIOO

    A PURSSIMA, E SERENSSIMA VIRGEM

    N O SS A S E N H O R A ^DA CONCEYCAO.a u t o r

    L i : i s G O M H S F E R R F Y R A ,Gntrgh apprcrjado, ruturalJa VilU de S. Tcdro dc

    Jiu lc, e j/fittentc rut iWinjl dccuro pjrdijcurj' dc vinte jtwCjI.

    " E R R I O

    L I S B O A O C C I D E N T A L .N Ciiu d c M I C U E L R O D R I G U E S , } '

    ImpfclTof doSenhor Parares . '

    m ;*x \\Y'

    tcd.uj iicenASlucefiaridi' J

    mdicos em lngua verncula sobre as patologias que afligiam os habitantes

    locais datam dc fins do sculo xvn e incio do xvin. Simo Pinheiro Mouro,

    mdico c cristo-novo, escreveu o Tratado nico das bexigas e do sarampo

    '(t 68J) . Joo Ferreira da Rosa descreveu uma epidemia de febre amarela - a

    qual denominou bexigas - no Tratado nico da constituio pestilencial de

    Pernambuco(1794). Miguel Dias Pimenta, cirurgio e mascate, estudou uma

    patologia ento muito disseminada e hoje desaparecida, o maculo ou mal deiv . t Wculo,na obra Noticia do que o achaque do bicho (1707).

    Os boticrios compulsaram, no Brasil colonial, alm de um grande

    nmero de transcries manuscritas de receiturios diversos, a obra impressa

    de Garcia da Orta e as j referidas Polianteia medicinalc Farmacopeia

    Ulissiponense,galnica e qumica. Outras farmacopias importantes, antes da

    Reforma pombalina, foram a Farmacopeia lusitana(1704), do cnego Don

    Caetano de Santo Antnio, que teve outras trs edies, ainda no sculo xvni,

    e a farmacopia Tubalense quimico-galncia (1736), do boticrio Manuel

    Rodrigues Coelho (1687-?). No sculo xvni, o verdadeiro sculo das

    farmacopias, o cirurgio portugus Lus Gomes Ferreira participou da

    grande corrente migratria que se dirigiu s Minas. Em sua obra, Erriomineral, publicada em 1735, rene, num estilo muito prximo ao de Curvo

    Semedo, o relato de todos os segredos dc sua longa experincia teraputica dc

    quase 35 anos, em que aparece vivamente uma sntese dos saberes popular e

    erudito. Em todas essas farmacopias encontramos inmeras frmulas

    medicamentosas, mais ou menos mgicas: ps de mmia, ps de vbora, pedra

    de bezoar (concreo extrada do estmago de certos animais), raspadura de

    unicrnio, triaga de esmeraldas. Todos tidos como poderosos remdios que

    O uso das galinhas no tratamento

    de doenas

    O Marquez de Pombal, do Conselho de Estado.

    Fao saber Junto de Administrao da Real

    Fazenda da Capitan ia do Rio de Janeiro que

    havendo assentado em conferncia dc Mdicos

    e Cirurgies no Hospital Militar desta Corte na

    conformidade do que se achava determinado no

    Hospital Real desta Cidade a respeito do

    alimento que se deve ministrar aos Enfermos

    depois de ser conhecido por srias reflexes e

    multiplicadas experincias e pela prtica de

    todas as naes civilizadas, que 0 uso das

    Callin hos para aquelle feito era huma

    preocupao quimrica insubsistente e ath

    contraditrio dos princpios cm que se fundava

    Pois que confessando-se que os enfermos e os

    febricitantes devio sustentar-se em

    mantimentos tnues e de digestam fcil se lhes

    ministrava na substancia mesma dagallinha 0

    fomento da me sma febre.

    El Rei Meo Senhor 0 mandou etc. Lisboa.19 de julh o de 1775.

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    P H A R M A C O P E A

    LUSITANAA U G M E N T A D A

    MTHODO PRATICOf

    D E P R E P A R A R OS M E D I C A M E N T O Sna fornia Galcnica, e Chimica

    *

    P O R

    D. CAETANO DE S.ANTONIO,C O N EG O R E G U L A R D E S. A G O S T IN H O ,

    Adminijlraorda Botica do Real Mo/lelro

    de S. VicentedeFra.

    Q U A R T A E D I A .

    A

    LISBOA: M.DC.LIV.

    No Moteiro de S. Vicente de FraCamara B.eal deSua Mageilade Fideliffima

    C o i T l t o d a s a s c e n r n s np rp .iT /irr/i o 0 T?

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    B O T I C A S E B O T I C R I O S N O B R A S I L C O L O N I A L

    obro por virtudes c qualidades ocultas e que obro por simpatia e

    antipatia. Nas caixas de botica do viajante naturalista Alexandre Rodrigues

    Ferreira (1756-1815), em misso cientfica ao Brasil, inclua-se o sal de

    vboras. Isto , j cm fins do sculo xviu se empregavam ps-viperinos obtidoscortando em pedaos midos, corpos, coraes, ligados de vboras, que

    depois eram secos e reduzidos a p sutil. Delas contavam tambm olhos de

    caranguejo, almscar oriental e triaga.

    No contexto da chamada ilustrao portuguesa, reforada com a

    chegada de d. Jos 1 (1 714 -7 7 ) ao trono c pela reforma da Universidade de

    Coimbra de 1772, promovida pelo marqus de Pombal (1699-1782), houve

    uma reviravolta na orientao dos estudos mdicos em Portugal. O galenismo

    cede terreno iatromecnica de Boerhaave c influncia do mdico ingls

    Tliomas Sydenham, partidrio do uso de ferro, quina, antimnio, mercrio,

    aafro, jalapa, assa-ftida, entre outros purgantes e diurticos. Em 1794,

    foi publicada a primeira farmacopia oficial portuguesa, denominada

    Pharmacopcia geral para 0 reino e domnios de Portugal. Dona Maria 1a

    promulgou em alvar que tornava obrigatrio haver um exemplar em cada

    botica ou drogaria. Seu autor, professor de matria mdica e farmcia

    Francisco Tavares (1750-1812), posteriormente fsico-mor, redigiu vrias

    obras cientficas. Manuel Joaquim Henriques de Paiva (1752-1828),

    boticrio, com carta desde 1770 e mdico pela Universidade de Coimbra,

    em 1781, um dos maiores divulgadores da cincia moderna em Portugal,

    membro da Sociedade Literria do Rio de Janeiro, publicou a Farmacopia

    lisbonense ou coleo dos smplices, preparaes e composies mais eficazes, e de

    maior uso (1785). Outra obra do perodo foi publicada pelo mesmoHenrique de Paiva, a partir das anotaes deixadas pelo primeiro professor

    de matria mdica e farmcia da faculdade de medicina de Coimbra aps

    a reforma, Francisco Leal (1744-86), denominava-se Instituies ou

    elementos de farmcia (1792).

    Bernardino Antnio G omes (176 8-18 23) , mdico e cirurgio da

    Armada Real, embarcou em Lisboa, para o Brasil, em 1797, onde permaneceu

    durante quatro anos e meio. Destacou-se por suas atividades em diversos

    ramos da medicina. Em farmacologia pesquisou no domnio da qumica

    analtica da poca. So exemplos de suas investigaes: a ao da romeira-

    brava e de outras plantas verm fugas e; a descoberta da cinchonina, o primeiro

    alcalide extrado da casca da quina. Ele comeou a dedicar-se ao estudo dabotnica em sua primeira estada no Brasil, onde realizou observaes

    teraputicas sobre 16 espcies de plantas brasileiras. Desses estudos

    resultaram as memrias Sobre a ipecacuanha fusca do Brasil(1801), Sobre a

    canella do Rio de Janeiro (1798) e Sobre a virtude tenifuga da romeira.

    \ - ' ' '

    A F A R M A C O P A. . L I S B O N E N S E

    o u

    n o t s i: \* MOLS TIAS EM OVE * \ o E MPR CO ADO*.

    AS PLANTAS MCDICIXAE6 INDGENAS DO RASIL.

    AS AOCAS MINERA BS.

    A ESCOLHA DAS MELHORES PORUCLAS,

    o STMPTOUA E O TRATAMENTO RESUMIDO DAS MOLSTIAS,

    i : MUITAS INSTRCCESPETEM*

    * P'R . *

    PEDRO LUIZ \ APOLE.tO BflERNOVIZI - " J1 j . El i Um Kl * . . 1 - ' * ; 1>' -* ' E l r u i . a . cas i .t a

    m 1883, que, ao contrrio dos homens louros e de olhos azuis, os

    egros e mestios no se queixavam nem do fgado, nem do bao, nem

    os pulmes, nem morriam dos nervos, nem de histeria. Com o

    brandamento da escravido, alm do uso do rap e de outros hbitos de

    rancos, acabaram se transferindo para as camadas populares e gente de

    or o direito dc ostentar doenas consideradas privativas da elite, como o

    direito de ser anm icos , o direito de sofrer de reumatismo , o direito

    e morrer do corao e de febre amarela . Direitos considerados biolgica

    u naturalmente superiores.

    Gilberto Freyre21 observou, ainda, que foram vrios os remdios

    c negro, de caboclo, de matuto, de caipira, ou sertanejo desprezados pelos

    civilizados como indignos de gente fina ou delicada. Nas reas mais

    equintadas em cultura europia, alimentos, bebidas e remdios caros,

    mportados da Europa, constituiam indcios que expressavam a ostentao

    enhorial. Para essa gente superior de raa fina , os remdios rsticos

    areciam produzir maior dano que as prprias doenas. Nos anncios de

    ornais eram freqentcs os remdios recomendados para pessoas delicadas , D *fidalgas ou nobres . Isso explica por que a dinmica da moda se instalou

    a teraputica, afetando o comrcio, o consumo e o preo dos remdios.

    O Elixir tnico anti-cholrico de Guilhi, o remdio Le Roy, indicados

    nicialmente para as senhoras e os fidalgos, acabariam, depois de certo tempo,

    esprezados por ambos e vendidos em garrafas s para as roas e para os

    egros . J em 1835, Xavier Sigaud (17 96 -18 56 ), no artigo A moda dos

    emdios ou os remdios da moda, publicado no Dirio de sade, comentava

    obre o trmino do longo reinado das sanguessugas, que chegaram a ser

    mportadas aos milhares por ano, e poca j no gozavam de ampla adeso.

    No apenas os remdios e drogas entravam e saam de moda. O famoso

    ormulrio e guia mdicodo doutor Chernoviz, que gozou de amplo prestgio

    as farmcias do Imprio e era apreciado pelos mdicos dc ento, j na

    rimeira Repblica foi duramente criticado como repositrio de crendices

    ntegrado ao universo popular de cura.

    O I T A V A E D I O'fora-UufinAi oix>r>M.r) fiuKTli) dIW, Nutlirartlnsit

    PAIUZE M C A S A D O A U T O R

    RU A RA T NO U A A I , t i

    a* a rM t|

    1808

    FREY RE, Gilberto.Sobradose mticambos: decadncia do

    patriarcado rural cdesenvolvimento urbano. Rio deJaneiro: Livraria Jos Olympio,

    I977>PP-379' 420-

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    8 .)

    Associaes farmacuticasNA C I D A D E I M P E R I A L D O R I O DE J A N E I R O

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    F A R M C I A E F A R M A C U T I C O S N O O I T O C E N T O S 8 3

    i l l i PERlODICO DA SOCIKDADi: PHARMACEUT1CA

    UIUS1LKIR.I

    Redigido j*lo ocio contribuinte iIj omnu

    IGNACIO JOS MALTA

    Plurnuccutko pela Phjricatura Mr do Reino, Gvalleiro1 da liM|xriil Ordem da nos, Membro do Instituto ,j llon.mopatl.ico do Prasil, da Sociedade Ycliosiana, da (

    Sociedade AusiKadora da Industria Nacional,J da Socicdadedo Mcdicba-Homoeopatliica dc Paris, dl Scciedadc Auiilii dora da Agricultura, Commcrcio e 'v Artes da Proriocia dc S. Paulo,J d CoogregaJo Medica-lIomceopatLica Flumiacnse.

    clc., etc., etc.

    2/ Addo. % \. 1.

    E.RIO DE JAAEIRO

    TTPOGRAPniA - PAULA UBITOTRAA DA CO.XSTtTCIO

    186S

    Em 1861, era formalizado o acordo entre a congregao da Faculdade de

    Medicina do Rio dc Janeiro e o presidente Ezequiel Correia dos Santos para

    cesso do laboratrio qumico-farmacutico de sua propriedade, onde era

    ministrada a cadeira de farmcia prtica. A reivindicao dc criao de uma

    cadeira de farmcia prtica nas faculdades de medicina, dirigida pela

    associao Sua Majestade Imperial em abril de 1852 e prevista pela reformado ensino de 1854, agora se concretizava tendo frente da cadeira Ezequiel

    Corra dos Santos Jnior. Todavia, essas conquistas foram provisrias, pois

    dependiam de acertos polticos.

    O Instituto Farmacutico do Rio de Janeiro, criado estrategicamente

    no dia do aniversrio da princesa Isabel, em 29 de julho de 1858, conseguiria

    alguns patrocnios do governo por intermdio das figuras do imperador e da

    princesa. Ele mobilizou a elite farmacutica e mdica em torno de suas

    iniciativas, principalmente as voltadas para o ensino farmacutico. A partir

    dos anos 1870, terminada a Guerra do Paraguai, sobressaiam, entre seus

    scios, alguns farmacuticos militares, como o alferes Augusto Csar Diogo,

    que a partir de 1877 ficaria encarregado do Laboratrio Qumico-

    farmacutico, rgo do Servio de Sade do Exrcito. Como na Sociedade

    Farmacutica, cujo perodo ureo correspondeu gesto do boticrio

    Ezequiel, que a presidiu at o seu falecimento, em 1864, a histria do Instituto

    foi marcada pela trajetria de seus dois mais importantes gestores (ver

    anncios dos seus estabelecimentos - Almanaque Laemmeri).

    O primeiro, que exerceu o cargo durante 24 anos, o francs

    Eduardo Jlio Janvrot, veio ainda criana para o Brasil, diplomando-se

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    S 4 B O T I C A S St P H A R MA C I A S

    Dulcamara: personagem e remdio

    Em 1844, a pera italiana Elixir de amor, de

    Caetano Donizetti (1797-1848), estreava nacapital do Imprio, no teatro So Pedro da

    Alcntara, localizado na praa da

    Constituio, atual praa Tiradentes. O

    libreto da pera de autoria de Felice Romani

    (1788-1865) contava uma histria de amor

    cujo principal personagem Dulcamara. Ele

    vendedor de um elixir do amor e convence

    o apaixonado Nemorino a compr-lo para

    conquistar a mulher amada, Adina. Crdulo

    nas propriedades milagrosas da poo,

    Nemorino no desconfia que a herana que

    recebera era a verdadeira causa da sbita

    ateno de Adina. Essa stira figura do

    charlato foi explorada pela elite

    farmacutica e mdica reunida na Academia

    Imperial de Medicina, em suas denncias

    prtica dos homeopatas.

    farmacutico em 1854 pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.

    Proprietrio de botica, depois transformada em farmcia e drogaria, preparava

    e importava diversas especialidades farmacuticas. Eugnio Marques de

    Holanda, natural do Piau, ocupou a presidncia do Instituto de 1882 at seu

    trmino, em 1887. Era farmacutico, tambm formado pela Faculdade de

    Medicina do Rio de Janeiro em 1860, e proprietrio de botica emTeresina e

    no Rio de Janeiro, sendo que em 1881 inaugurou o Laboratrio da Flora

    Brasileira com a presena do imperador Pedro 11. Ambos foram farmacuticos

    da Casa Imperial e pertenceram Academia Imperial de Adedicina e a vrias

    associaes nacionais e estrangeiras.

    Entre 1858 e 1874, as aes do Instituto Farmacutico, tal como

    as da Sociedade Farmacutica Brasileira que o precedeu, voltaram-se,

    principalmente, para a elaborao de representaes dirigidas ao governo

    imperial, denunciando as irregularidades cometidas no exerccio da

    farmcia na corte. Nessas iniciativas agiam juntamente com os mdicos

    filiados Academia.

    Durante o ano de 1874, quando a cidade carioca foi acometida

    novamente por uma epidemia de febre amarela, o Instituto conseguiu criar

    uma escola preparatria para o ingresso no curso de farmcia das faculdades

    de medicina - a Escola de Humanidades e Cincias Farmacuticas. Quando

    escasseavam as verbas provindas do Instituto e do governo imperial, lanava-

    se mo do beneficio teatral que consistia na apresentao de peas, cujo valor

    recolhido era revertido para a Escola. Embora de curta durao, a Escola

    chegou a reunir 193 alunos em 1875 no seu curso de humanidades, tendoincio no ano seguinte o curso de cincias farmacuticas.

    O Congresso Farmacutico de 1877

    Entre maio e junho de 1877, a Tribuna Phamiaceulicae alguns jornais de

    maior circulao noticiavam o 1 Congresso Farm acutico realizado no Brasil,

    nos dias 17 e 27 de maio. Entre os motivos apresentados pelo Instituto

    Farmacutico para a sua realizao, destacavam-se:

    O desnimo a que essa infeliz classe se tem deixado chegar, em

    detrimento de seus prprios interesses, de cincia e de sade pblica; a facilidade

    com que se contrariam direitos adquiridos; a opresso que leva essa mesma classe

    a abandonar seus arraiais para filiar-se em outras profisses. (Jornal do commercio,

    Rio de Janeiro, 21/05/1877)

    Os farmacuticos do Instituto depositavam naquele evento a

    esperana de alcanar os seus propsitos de conquistar a autonomia

    profissional do farmacutico principalmente com relao aos mdicos. Estes

    tinham exclusividade no ensino farmacutico ministrado pelas faculdades de

    medicina e eram apontados como infratores das leis, pois compravam

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    F A R M C I A E F A R M A C U T I C O S NO O I T O C E N T O S '''>5

    REVISTA* '%,S O C I E D A D E h l A R M A O E U T I C A B R A S I L E I R A

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    9.)

    Da matria mdica farmacologia

    Velepbone \"4 .)/

    ^ua do 'Passeio

    - m S S n * aixado(orreio!

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    ua do Passeio,;-

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    F A R M CI A E F A R M A C U T I C O S N O O I T O C E N T O S 8 7

    a c i m a : Farmcia homeoptica dosculo xix. montada com frascos cinstrumentos de poca, no MuseuHistrico Nacional.

    dc drogas industrializadas foi resultadodireto da aproximao entre afarmcia e a qumica no ambienteuniversitrio europeu.

    PCINA AO LADO. ACIMAPropaganda da Agua de Scltz, dolaboratrio Fritz. Mack &. cia, mostraum produto feito de maneiraindustrializada O desenvolvimento

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    8 8 B O T I C A S & P H A R M A C I AS

    Uh ma ondadjnra E s s e u i a m Vid a que Ura

    HAL, FORTIFICA

    RESTAURA AS

    a ddnluiadi! da corpo. Onwlhf Tonico |

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    Cura a IndmLo^C ^DisenteriaJHarrha

    nle.vl i, i vo^. t?M a a w , CL, f\ I /'Vf

    ^-USS-r;|Kiva promover o aj>jHtitc>

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    F A R M C I A E F A R M A C U T I C O S NO O I T O C E N T O S 8 9

    conseqente proliferao de farmcias homeopticas por todo o territrio

    nacional. Entre seus divulgadores destacam-se Domingos Azeredo Coutinho

    Duque Estrada (1812-1900) e Emlio Gerson, autor de um Manual

    homeoptico.O prestgio da homeopatia cresceu com a chegada da lebre

    amarela ao Brasil. A populao via com desconfiana e medo a medicao

    aloptiea. Mais barata, a terapia hahnemaniana foi muito usada no tratamento

    dos escravos. Desde o incio, ocorreram cises entre os homeopatas.

    Os puros, seguidores da doutrina original, se opuseram s modificaes

    que os evolucionistas realizavam, ao incorporar certos princpios alopticos.

    Em fins do sculo xix, muitos mdiuns espritas, formados ou no cm

    medicina, praticaram a homeopatia. Muitos manuais e boticas homeopticos

    foram anunciados nos jornais da Corte e das provncias. Na Santa Casa da

    Misericrdia do Rio de Janeiro uma enfermaria homeoptica funcionou sob

    a direo de Saturnino Soares de Meirelles.

    A dosim etria era um mtodo teraputico criado por Adolphe

    Burggraeve (1806-96), mdico belga.Tinha em comum com a homeopatia a 'crena vitalista. Para ele, a matria orgnica seria regulada pelas leis das

    O 1 Congresso de Farmacuticos

    Anuncia-se um congresso farmacutico.

    Esta notcia, dissimulada entre os pedidos

    doJo rn al do com mc rcio , fez-me tremer e

    desmaiar. Porque motivos um congresso de

    farmacuticos a reunirem seus pensamentos

    e vontades? Curiosidade e mistrio!

    Os congressos geralmente causam-me

    susto. Quando os mercadores de batatas,

    por exemplo, ou de azeite ou de qualqueroutro produto, anunciam que vo reunir-se

    e fazer um convnio de mercadores no ,

    se destina a favorecer o adversrio. Ora, o

    comprador o adversrio irreconcilivel,

    eterno, eternissimo, do vendedor. No

    certamente a mesma coisa um congresso de

    farmacuticos. Seus fins so indiferentes

    do preo das drogas. So intuitos cientficos.

    Ah! Se no fossem intuitos cientficos!

    Na medicina, cirurgia e farmcia, o que faz

    medo a parte cientfica. As outras partes

    no valem nada. Um bisturi, por exemplo,

    no tem nada que faa tremer a passarinha:

    um instrumento especial, liso, bonito.

    Nas mos do cirurgio em contato com

    o nosso plo, quase uma viso da

    eternidade. Por isso tremo da cincia.

    A cincia objeto especial e nico do

    prximo congresso. Vai tratar-se dos efeitosdo quinino e da pomada mercurial. Vamos

    saber em que dose o arsnico, feito em

    plulas, pode dar sade ou matar. Enquanto

    essas coisas ficam nos gabinetes interiores

    das farmcias, a gente vive feliz, recebe as

    plulas, absorve-as, passeia, cria foras, sara.

    Mas tratadas luz do dia a coisa muda

    muito de figura. Depois de um longo debate

    do congresso, se o meu mdico me receitar

    arsnico em plulas, com que cara as olharei

    eu? Que trazes tu, plula? Direi em forma

    de monlogo: a mo do farmacutico

    escorregou no arsnico? Trazes a vida ou a

    morte? Vou passear at a esquina ou at o

    Caju? Plula, s tu plula ou comparsa da

    Empresa Funerria? It is the rub... Sc a voz

    de um cliente pode ter algum peso no

    nimo dos cirurgies e dos farmacuticos,

    nada de congressos, ou, se houvercongressos, nada de discusso pblica.

    Dizem que cozinha e poltica no devem

    ser feitas s claras, porque faz perder o

    gosto... do jantar. Penso que a mesma

    coisa na farmcia. F dos padrinhos:

    a ltima palavra da experincia humana.

    (Crnica de Machado de Assis, na Ilustrao

    Brasileira, sob o pseudnimo "Manasses",

    Iode junho de 1877)

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    y O B O T I C A S & P H A R M A C I A S

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    F A R M C I A E F A R M A C U T I C O S N O O I T O C E N T O S 9 1

    Iixenciautipeis aspevtkT* eral aonygtfao noiuiperioao ts:.'.zii.

    P R E M J O JN A C I O N A I -

    i , 16,600 tr .G r n rv d c M e d a l h a d e O U R O

    sax.ESijB, v i casrofaoE n c e r ra n d o t o do s o s p r i n c p i o s da s 3 q u i n a s

    APEMTI VO. TONICOo ElXiUEUGOAnri(h>i'it*!rr.o 0 de ?ui*rionmutc

    fi; 0 mesmoFSRRUGINQSOj r Recoinr.:_-:nb

    l io SANO Ul-J CO N SE Q U EP

    filado C*t:rJ0DnPAUPEUAtlEHTOu r . ,x C H L O a O A V E M I A , e &8

    C O N S E Q U N C I A S D O P A T t 7 0 e lC .

    rt< JO rn.x Pmarl nna orfthll** rioMaot

    vibraes moleculares5', especficas dos seres vivos. Nas molstias,

    os organismos perdem sua vitalidade, podendo chegar morte depois de

    passar por qua"o fases ou perodos consecutivos: o dinmico, o preparatrio,

    o constitutivo (de reparao ou de desorganizao) e o de convalescena.

    A chave da teraputica era a administrao de medicamentos, sob a forma

    de grnulos, contendo o princpio ativo das substncias medicinais em doses

    precisas de acordo com os diferentes sintomas apresentados pelo paciente.

    Teve adeptos no Brasil e, em 1883, quando o hospital da Beneficncia

    Portuguesa abriu uma enfermaria para a medicina dosimtrica, Machado

    de Assis ridicularizou o que chamou de nova religio .

    A revoluo pasteuriana* *1 V

    Com o sucesso da aplicao da vacina anti-rbica, criada por Louis Pasteur

    em 1885, no pequeno Meister, que fora mordido por um co raivoso, inicia-se

    a histria da imunologia e da soroterapia contra a ao deletria de bactrias

    e vrus. No mundo todo, apareceram os caadores de micrbios . Ficaram

    famosas as experincias realizadas pelo mdico carioca, professor de qumica

    da Faculdade de Medicina da Corte, Domingos Freire (1843-99), que

    produziu solues originais visando profilaxia e cura da febre amarela.

    A preocupao com a escalada mortfera da febre amarela levou o imperador

    d. Pedro 11 a convidar Pasteur para vir ao Brasil. Este s desistiu quando

    soube que no poderia empregar prisioneiros condenados morte em suas

    experincias. No Brasil, explicou-lhe o imperador, fora abolida a pena de

    morte. Isso abriu espao para Domingos Freire, que pretendia matar o

    Cryptococus xanthogenicus,suposto microrganismo causador da febre amarela,

    com aplicaes de injees hipodrmicas de salicilato de sdio. Em seguida,

    props e produziu em larga escala uma vacina preventiva. Entretanto,

    somente no sculo xx, com a descoberta da vacina antitifide (Vincent, 1913)

    e com a vacina b c g (Calmette e Gurin, 1922), contra a tuberculose,

    iniciou-se de fato a produo de medicao contra as doenas infecciosas.

    D E

    | PRODUCTOS VEGETAES

    Molstias Cap ilares

    im irt in o v\ 3*

    fpaasia iaBJS

    p g i n a a o l a d o : Produto nacional:xarope de abacaxi, feito em

    Pernambuco, em duas verses de

    rtulos, com diferentes idiomas, 1888.

    n o a l t o : Anncio do tnico medicinalQuina Laroche - Elixir Vinoso, de 1888.

    a c i m a , d i r e i t a : Anncio de tnicofeito com extratos vegetais para

    combater molstias capilares. 1888.

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    P A R T H

    Desenvolvimentos da

    farmcia contemporneaO crepsculo da farmcia Novas prticas farmacuticas

    oficina/ e da arte de formular

    A propaganda dirigida aos

    Os avanos na cincia mdicos e ao grande pblico

    farmacutica e o sucesso da

    nova teraputica Das farmcias s drogarias

    >) Origens e evoluo dos

    medicamentos industrializados

    no Brasil

    )) As transformaes da indstria

    farmacutica nacional

    >) A formao do farmacutico no

    contexto republicano

    )) Os rgos de classe e

    sociedades fa rmacut icas

    >) Desafios e tendncias atuais

    -\y

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    1 . )

    O crepsculo da farmcia oficinalE D A A R T E D E F O R M U L A R

    No final do sculo xix, as farmcias ainda mantinham boa

    parte do instrumental tecnolgico herdado das boticas.

    Na sala da frente, prateleiras repletas de frascos de loua,

    brancos ou negros, de tamanho uniforme e inscries

    douradas gravadas a fogo, onde eram guardadas as

    substncias postas venda. Nas dependncias dos

    fundos, vedadas aos clientes, boies, frascos de vidro e

    grandes potes de loua ou de barro encerravam o material

    slido ou em p. L tambm ficavam os instrumentos:

    almofariz para a macerao, cortador de razes, tachos

    de bronze e coadores diversos; utenslios fundamentais

    para o preparo das receitas solicitadas pelos mdicos,

    ou muitas vezes indicadas pelos prprios farmacuticos.

    Estas ainda tinham como base os purgativos, supurativos

    e tnicos reconstituintes que, em sua maior parte,

    eram preparados com diferentes substncias vegetais,

    animais e minerais.

    No decorrer do sculo xx, esses tradicionais

    estabelecimentos passariam por um longo processo de transformao, que

    acabaria por excluir do seu perfil as atividades artesanais de preparo de

    substncias empregadas na arte de curar, confiando sua responsabilidade

    a comercializao de medicamentos industrializados, agora utilizados pelas

    cincias da sade. Esse processo se relacionou, principalmente,

    ao desenvolvimento da produo de medicamentos e s conseqentes

    modificaes nas suas formas de distribuio e comercializao ocorridas nas

    ltimas dcadas do sculo xix. At ento, a medicina tinha como suas

    principais armas teraputicas um pequeno nmero de medicamentos eficazescontra algumas doenas e uma grande quantidade de misturas, de efeito

    duvidoso, muitas vezes usadas de forma irrestrita contra diversas doenas.

    O advento da microbiologia, as investidas da teraputica no campo da quimica

    e o distanciamento do pensamento mdico das concepes hipocrticas que

    atribuam uma fora curativa natureza transformariam esse cenrio,

    possibilitando o desenvolvimento de um grande nmero de novos

    medicamentos, cada vez mais eficazes na proteo e no combate a doenas

    especficas. No entanto, a produo desses novos compostos muitas vezes

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    d e s e n v o l v i m e n t o s d a f a r m c i a c o n t e m p o r n e a 9 5

    Carlos da Silva Araujjo & C. WRual deMonjo 15e RuaZeferina20lfTodosos5anios>

    PIO c* JANEIRO.Cnn .' T?r. B101AB0 i4u*n/: HloHtf 50

    (o.apo.fc v a c c i n a * I

    1 fXi&CI] '

    Loho^o^ doPerc#

    A Farmcia Silva Arajo

    Luiz Eduardo Silva Arajo, o fundador da

    Farmcia Silva Arajo, era sobrinho do

    boticrio Francisco Manoel, antigo dono da

    botica que, mais tarde, se transformaria na

    famosa Drogaria Granado. Nela trabalhou

    durante algum tempo. Em 1870 criou sua

    prpria farmcia, na mesma rua Direita, em

    frente antiga. Com o passar dos anos, a

    Farmcia Silva Arajo se transformou num

    estabelecimento muito bem conceituado,

    sendo ponto de encontro dos mdicos,

    estudantes e professores de medicina da

    corte que ali iam debater seus casos clnicos

    e encomendar suas receitas.

    Em 1891, Luiz Eduardo, junto com seu irmo,

    o tambm farmacutico Francisco Manuel,

    montou um laboratrio farmacutico no

    ento distante subrbio do Rocha, para

    fabricar extratos vegetais da flora brasileira.

    Logo comeou a editar uma revista com o roldos produtos que fabricava, que em 1908

    ganhou o nome de Boletim Farmacutico.

    Com a morte de Luiz Eduardo, seus filhos

    passaram ao comando da empresa. Em 1910,

    Paulo Silva Arajo a ela agregou um

    laboratrio clnico para a elaborao de

    diagnsticos, o qual obteve uma forte

    expanso a partir da dcada de 1920.

    p g i n a a o l a d o , a c i m a Imagem dcMarc Ferrez documenta o laboratriode histologia da Faculdade de Medicinado Rio de janeiro, aps reforma daInstituio, ocorrida em 1880. Com o

    laboratrio de bromatologia etoxicologra o ensino dc farmciaalcana novo patamar.

    p g i n a a o l a d o . a b a i x o . Farmcia deum posto de profilaxia rural doDepartamento de Sade Pblica noincio do perodo republicano.

    a c i m a . Anncio do Laboratrio ClnicoSilva Arajo, montado no subrbio doRocha, cm 1891. Com a morte de LuizEduardo Silva Arajo, fundador doempreendimento, seus Filhos criaram,em 1910. um laboratrio clinico paraelaborao de diagnsticos.

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    9 6 B OT I CA S & PHA R M A CIA S

    Mdicos, farmacuticos e

    mdicos de farmcias

    Se a botica do sculo xix foi um espao

    social de convvio, as farmcias dasprimeiras dcadas do sculo xx foram

    muitas vezes espaos de prtica mdica,

    abrigando consultrios onde jovens clnicos,

    ainda sem uma clientela consolidada,

    davam consultas populao local. Estes

    muitas vezes trabalhavam em troca de

    porcentagem sobre o que receitavam, ou

    recebiam dos donos das farmcias pelo

    nmero de consultas efetuadas. Alm de se

    mostrarem como uma forma de iniciar na

    carreira os mdicos recm-formados que

    tinham menos recursos, esses consultrios

    mantidos em vrias farmcias eram, muitasvezes, a nica maneira de levar os servios

    mdicos s regies mais distantes dos

    centros urbanos. (Vieira, 1962)

    requeria conhecimentos especificos, distantes do dominio do farmacutico,

    ou demandava laboratrios e instrumentais sofisticados, impossveis de seren

    instalados nas farmcias.Nesse contexto, algumas farmcias brasileiras conseguiriam

    ampliar sua capacidade de produo, transformando-se em laboratrios

    farmacuticos, produtores em maior escala das primeiras especialidades

    farmacuticas que comeavam a surgir. Bons exemplos d