email: [email protected] [email protected] - occ · 2019. 3. 12. · portaria 671/2000....
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Autor: Ana Catarina Kaizeler
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Evolução da contabilização dos subsídios nas autarquias locais em Portugal.
Dificuldades e desafios.
Março 2019
Resumo
Com o objetivo de analisar a evolução da contabilização dos subsídios nas autarquias locais
em Portugal e contribuir para um melhor entendimento das dificuldades e dos desafios
inerentes à aplicação dos novos normativos, foi revisitado o percurso da evolução da
contabilidade pública e dos seus normativos, apresentando as diversas abordagens na
contabilização dos subsídios e o debate entre oponentes e proponentes da aproximação da
contabilidade pública à contabilidade empresarial.
Nesse sentido, procedeu-se a uma revisão de literatura, recorrendo a diversas fontes: artigos
científicos e profissionais, legislação associada e outra documentação técnico-científica.
Este artigo contribui para o debate clarificando sobre as dificuldades e desafios no que a esta
temática diz respeito.
A conclusão principal do estudo valida a grande dificuldade que as entidades publicas têm
em implementar novos normativos no geral e em particular no que concerne a contabilização
dos subsídios, nomeadamente devido à necessidade de reestruturação dos sistemas de
informação, à urgência da inventariação completa do património e à dificuldade de
interpretação dos novos conceitos.
Identificou-se também a existência de convergência entre o normativo do setor público e o do
privado embora com algumas diferenças relacionadas com restrições e condições definidas no
SNC-AP para o reconhecimento contabilístico dos subsídios.
Palavras-chave: Contabilidade Pública. Autarquias Locais, subsídios, POCAL, SNC-AP.
Abstract
In order to analyse the evolution of the accounting of subsidies in local authorities in Portugal
and to contribute to a better understanding of the difficulties and challenges inherent to the
application of the new normative, the evolution of public accounting and its normative were
revised.
The different approaches in the accounting of subsidies and the debate between opponents
and proponents of the approximation of public accounting to business accounting were
explored.
In this sense, a literature review was carried out, using different sources: scientific and
professional articles, associated legislation and other technical-scientific documentation.
This article contributes to the debate by clarifying about the difficulties and challenges on
this matter.
The main conclusion of the study validates the great difficulty that public entities have in
implementing new normative in general and in particular concerning to the accounting of
subsidies, normally due to the need to restructure the information systems, the urgency to
complete the assets inventory and the clear interpretation of the new concepts.
It also identifies the existence of convergence between public and private sector normative,
although with some differences regarding to restrictions and conditions defined in the SNC-
AP for the accounting recognition of subsidies.
Keywords: Public Accountancy. Local authorities , subsidies, POCAL, SNC-AP.
1
INTRODUÇÃO
O fenómeno de Globalização, conjugado com uma necessidade cada vez maior de informação
atempada e comparável para a tomada de decisão, acelerou nas últimas décadas um processo
de harmonização contabilística quer a nível regional (devido ao processo de integração
europeia) quer no campo internacional (onde as normas internacionais de contabilidade
ganham cada vez mais proeminência).
Portugal, não é exceção à regra e desde que iniciou o seu processo de normalização
contabilística tem evoluído, implementando reformas significativas no domínio da
contabilidade, quer empresarial quer pública, com desígnios de aproximação aos modelos
preconizados pela Europa e pelo Mundo.
No decorrer deste processo de harmonização, a contabilização dos subsídios tem sido uma
temática bastante discutida na literatura, existindo diversas abordagens na contabilização dos
subsídios quer nacionalmente quer internacionalmente.
Para além disso, a adaptabilidade a novos normativos por parte das entidades públicas e
privadas nem sempre é pacífica e não sucede automaticamente, constituindo um grande
desafio para os profissionais da contabilidade, que devem encontrar soluções técnicas,
capazes de colmatar deficiências da informação necessária à implementação de novos
sistemas contabilísticos.
O objetivo deste documento é o de analisar a evolução da contabilização dos subsídios nas
autarquias locais em Portugal e contribuir para um melhor entendimento das dificuldades de
implementação e dos desafios inerentes à aplicação dos novos normativos.
2
Para esse propósito utilizou-se o método da revisão da literatura que compreendeu a análise
de vários documentos tais como: legislação associada, artigos científicos, académicos,
profissionais, comunicações e teses de especial relevância para a temática em análise.
Como resultado, o estudo valida a grande dificuldade que as entidades publicas têm em
implementar novos normativos identificando os principais desafios que a si acarretam.
Verifica também a convergência do normativo do setor público ao do setor privado embora
apresentando ainda algumas diferenças associadas ao facto de que no normativo público se
estabelecem regras de reconhecimento contabilístico dos subsídios definindo restrições e
condições associadas aos mesmos e no normativo empresarial isso não acontece.
O presente documento estrutura-se da seguinte forma:
No capítulo seguinte apresenta-se a contextualização histórica e contabilística quer da
evolução da normalização da contabilidade pública em Portugal, quer da evolução da
contabilização dos subsídios nas autarquias locais. Posteriormente revisita-se os diversos
métodos de contabilização de subsídios existentes, bem como o debate entre oponentes e
proponentes da aproximação do normativo público ao normativo do setor empresarial e as
dificuldades e os desafios da implementação de novos normativos em particular na
contabilização dos subsídios para as autarquias locais em Portugal. Por fim conclui-se.
1. Contextualização
Neste capítulo aborda-se a evolução do processo de normalização da contabilidade publica
em Portugal, bem como as especificidades da contabilização dos subsídios nas autarquias
locais antes e depois da implementação do SNC-AP.
3
1.1 Evolução da normalização da contabilidade pública em Portugal
No passado, a contabilidade pública caracterizava-se como uma contabilidade meramente
vocacionada para o controlo orçamental da receita e da despesa, com uma estrutura de caixa.
Utilizava um sistema unigráfico de contabilização em rubricas de contabilidade orçamental,
onde o registo era efetuado através de movimentos de tesouraria e operações de fluxos
financeiros (Bernardes, 2003).
Os fatos patrimoniais eram apenas reconhecidos no momento de entrada e saída de dinheiro, o
que implicava uma ausência total e absoluta do pressuposto do acréscimo nas demonstrações
financeiras. O objetivo primário da contabilidade pública consistia em gerir um orçamento
previamente aprovado em assembleia e responder perante as autoridades orçamentais de
acordo com a legislação para esse efeito.
Com a entrada de Portugal na União Europeia (UE) também surgiu a necessidade de reformar
a contabilidade pública dos estados membros enquadrando-os num processo de
harmonização, nesse sentido, foi publicado um conjunto de leis que permitiram estabelecer
algumas bases com o objetivo de definir regras de execução orçamental, o controlo e a
contabilização das receitas e despesas públicas e a definição de um novo regime financeiro
para as operações e serviços públicos.
Desse conjunto de leis podemos referir a Lei nº 8/90 de 20 de fevereiro (Lei das Bases da
Contabilidade Publica), a Lei nº 6/91 de 20 de fevereiro (Lei de Enquadramento Orçamental –
LEO) e o Decreto-lei nº 155/92 de 28 de julho (Regime da Administração Financeira do
Estado – RAFE).
O Decreto-lei nº 226/93 de 22 de junho foi criado para a contabilidade dos serviços
municipalizados, prevendo a adaptação do Plano Oficial de Contabilidade (POC) no sentido
de contabilizar a situação patrimonial e financeira desses serviços.
4
Em 1997, o Decreto-lei nº 232/97 de 3 de setembro publicou o primeiro normativo para as
entidades públicas, o Plano Oficial de Contabilidade Pública (POCP). Este normativo previu a
coexistência de três sistemas contabilísticos: orçamental, patrimonial e analítico. Atribuindo a
classe 0 das contas ao controlo orçamental, com uma base de caixa, mantendo o sistema
tradicional. As classes de contas de 1 a 8 destinavam-se às transações financeiras com o
pressuposto do acréscimo e à classe 9 das contas foi atribuída a contabilidade analítica.
(Carvalho e Nogueira, 2006).
Os mapas apresentados pelo POCP aproximavam-se das demonstrações financeiras exigidas
nos diplomas para a contabilidade empresarial prevendo o Balanço, a Demonstração de
Resultados e os mapas de execução orçamental bem como o Anexo às Demonstrações
Financeiras.
Na sequência da publicação do POCP em 1997, juntamente com a Lei nº 42/98 de 6 de agosto
que prevê uma adaptação direcionada às Autarquias Locais, o Plano Oficial das Autarquias
Locais (POCAL) é aprovado pelo Decreto-Lei nº 54-A/99 de 22 de fevereiro. Este normativo
surge como uma necessidade de estabelecer um normativo próprio para as autarquias locais de
modo a permitir o conhecimento mais específico da composição total do património
autárquico (Carvalho e Monteiro, 2000). No entanto, a sua aplicação só deu início alguns anos
mais tarde após sucessivos adiamentos, dadas as dificuldades demonstradas da sua
implementação.
Apesar da obrigatoriedade da aplicação do POCAL existir desde 2002, alguns autores
argumentam que até muito recentemente ainda existiam autarquias e outras entidades
municipais que não aplicavam o POCAL na totalidade ou de forma adequada. (Silva, 2013).
O quadro nº 1 apresenta-nos a evolução da contabilidade pública em Portugal que antecedeu a
data da entrada em vigor prevista do novo normativo.
5
Quadro 1. Evolução da Contabilidade Pública em Portugal até 2016
Até 1990 De 1990 até 1997 De 1997 a 2016
Sistemas de
Contabilidade
Contabilidade
Orçamental
(base de caixa)
Contabilidade
orçamental.
(base de caixa)
Organismos com
autonomia
financeira com
Contabilidade
Financeira
(princípio do
acréscimo)
Três sistemas de contabilidade:
orçamental, patrimonial e de
custos.
Organismos com um orçamento
muito reduzido (regime
excecional) com apenas
contabilidade orçamental
Destinatários
da
Informação
Estado e o Tribunal de Contas Pressupõe a existência de outros
destinatários da informação
contabilística, nomeadamente o
cidadão
Plano de
Contas
Sem plano de
contas
Para organismos
com autonomia
financeira - POC ou
planos específicos
POCP
Prestação de
Contas
O tribunal de
contas definia os
documentos de
prestação de contas
O tribunal de contas
definia os
documentos de
prestação de contas.
Os planos de
contabilidade
específicos tinham
parecer da CNC
(empresarial)
Os planos de contabilidade
específicos tinham parecer da
CNC-AP O tribunal de contas
definia os documentos de
prestação de contas similares aos
definidos pelos Planos Oficiais de
Contabilidade
Inventário
dos bens do
Estado
Obrigatoriedade de
inventariar os bens
duradouros. O
registo dos imóveis
e veículos estavam
centralizados na
Direção Geral do
legislação para o
inventário e
atualização dos bens
móveis do Estado.
As taxas de
amortizações eram
as definidas nas
empresas privadas.
Foi aprovada legislação para o
inventário e atualização dos bens
móveis, imóveis e veículos do
Estado (CIBE) e taxas de
amortizações. portaria 671/2000.
6
Património D.R. nº 2/90.
Fonte: Adaptado de Fernandes (2009:166-167)
O International Federation of Accountants (IFAC) foi fundado em 1977 reunindo
contabilistas de todo o mundo. Uma década volvida, foi criado um comité, dentro do IFAC
para o sector público com o objetivo de providenciar normalização contabilística e de relato
financeiro para as entidades públicas. Em 2008, o comité do IFAC veio dar lugar ao
International Public Sector Accounting Standards Board (IPSASB), organismo com a
competência de desenvolver as normas internacionais para o sector público (IPSAS) bem
como outras orientações para o setor público internacional. As IPSAS têm como base as
normas internacionais do IASB.
Com a entrada do SNC em 2009 que revogou o POC, a consolidação de contas entre o setor
empresarial público e o setor público administrativo tornou-se pouco eficiente, uma vez que
confrontava o SNC com o normativo público em vigor baseado no já revogado POC. Na
sequência da implementação do SNC houve uma necessidade de criar condições para adotar
um normativo que se aproximasse ao normativo empresarial com as devidas adaptações para
o setor público e tendo por base os princípios das normas internacionais para o setor público,
as IPSAS.
No seguimento desses factos, o Sistema Normalização Contabilístico para a Administração
Pública (SNC – AP) foi promulgado pelo Decreto-lei nº 192/2015 de 11 de setembro que
revogou o POCP e o POCAL com entrada em vigor prevista para 1 de janeiro de 2017. Este
normativo juntamente com a nova Lei de Enquadramento Orçamental (LEO) tornou-se um
dos instrumentos no procedimento da reforma das finanças públicas.
No quadro nº 2 podemos observar as principais diferenças entre o SNC-AP e o POCP e
planos setoriais.
7
Quadro 2. Principais diferenças entre o SNC-AP e o POCP
SNC – AP POCP e Planos setoriais
Integração dos subsistemas de
contabilidade orçamental, contabilidade
financeira e contabilidade de gestão
Contabilidade orçamental, contabilidade
financeira e contabilidade de gestão
Integração dos subsistemas de
contabilidade orçamental, contabilidade
patrimonial e contabilidade analítica
Estrutura concetual da informação
financeira pública
Princípios e critérios de valorimetria
Normas de contabilidade pública
convergentes com as IPSAS
Omisso
Norma relativa à contabilidade orçamental Classe zero do plano de contas
Modelos de demonstrações financeiras e
orçamentais
Modelos de demonstrações financeiras e
orçamentais
Plano de contas multidimensional Plano de contas, com estrutura idêntica ao
POC
Norma de contabilidade de gestão Apenas refere a obrigatoriedade de
contabilidade analítica, sem assentar numa
estrutura de norma.
Fonte: Silva, Rodrigues e Guerreiro (2016: 21-22)
Monteiro (2016) dissertou sobre os desafios inerentes à implementação do SNC-AP
admitindo que:
“Provavelmente, no curto prazo, ainda não teremos disponível um conjunto completo
de demonstrações financeiras que mostrem de forma verdadeira e apropriada a
situação financeira e o desempenho financeiro de todas as entidades públicas. A
primeira adoção e implementação será uma tarefa complexa que irá defrontar com
obstáculos e dificuldades.” (P.47)
8
Muitos desafios se colocam na área da contabilidade pública nomeadamente questões de
mensuração do ativo fixo tangível como por exemplo o património cultural, histórico e
artístico, ou os ativos de domínio público.
Para além das questões técnicas também será desafiante a gestão para o processo de mudança,
o controlo interno e os sistemas de informação que devem ser desenvolvidos no sentido de
permitir a informação necessária para as novas exigências que a implementação do novo
normativo traz. (Monteiro, 2016).
1.2 Evolução da contabilização dos subsídios no setor público
De entre um leque de significados atribuídos pelo dicionário de língua portuguesa, os que
mais se adequam ao presente estudo definem subsídio como contributos ou ajudas para obras
de interesse público, com ou sem contrapartidas.
Em termos contabilísticos Mota (2015) define subsídios como:
“… auxílios que o governo transfere para as entidades mediante o cumprimento de
certas condições. Estes podem ser subsídios reembolsáveis ou não reembolsáveis.
Dentro dos não reembolsáveis existem os subsídios não monetários, os subsídios
relacionados com ativos, ou seja, subsídios ao investimento, e os subsídios
relacionados com rendimentos, ou seja, subsídios à exploração. “(p.36)
A norma internacional de contabilidade, a IAS 20 define apoios do Governo (no sentido lato,
ou seja, inclui governo e organismos semelhantes, quer sejam locais, nacionais ou
internacionais), como ações do governo para providenciar benefícios económicos,
subsidiando entidades que irão providenciar postos de trabalho, serviços e bens que de outra
forma não estariam disponíveis. Por outro lado, um subsídio constitui a transferência de
recursos que se restringe ao cumprimento de determinadas condições ou obrigações por parte
da entidade financiada.
9
No setor público as grandes alterações tiveram lugar muito recentemente com a entrada em
vigor do SNC – AP prevista para 1 de janeiro de 2017.
Até à publicação deste diploma, vigorou o POCP e os Planos setoriais, dos quais destacamos
o POCAL que revogou o Decreto-Lei nº 226/93 de 22 de junho que estabelecia um regime de
contabilidade dos serviços municipalizados e das federações de município em conformidade
com o Plano Oficial de Contas empresarial com as devidas adaptações.
Nesse sentido, até à implementação do POCAL em janeiro de 2002, os subsídios
municipalizados ou equiparados eram obrigados a adotar um registo contabilístico patrimonial
em conformidade com o POC em vigor (POC 89).
De acordo com Costa e Teixeira (2012) o tratamento dos subsídios no POC 89 era o seguinte:
Os subsídios que não se destinavam a investimentos amortizáveis, nem à exploração eram
reconhecidos como componente do capital próprio.
O reconhecimento inicial dos subsídios em POC para ativos depreciáveis ou amortizáveis
eram registados como proveito diferido sendo transferidos numa base sistemática para a conta
7983 – Proveitos e ganhos extraordinários – Outros proveitos e ganhos extraordinários –
subsídios para o investimento (POC 89).
O POCAL atribuía aos subsídios tratamento contabilístico distinto consoante a finalidade dos
mesmos. Sendo que, tal como acontecia no POC, os subsídios podiam ser destinados à
exploração ou ao investimento. No que diz respeito aos subsídios ao investimento eles ainda
podiam-se destinar a bens do ativo amortizáveis ou não amortizáveis.
A Figura nº 1 apresenta-nos o esquema do tratamento contabilístico dos subsídios definido
pelo POCAL e de acordo com o destino dos subsídios em análise.
10
Figura nº 1. Esquema do tratamento contabilístico dos subsídios no POCAL
Fonte: SATAPOCAL (2010:1) com tratamento próprio
O Subgrupo de Apoio Técnico à Aplicação do POCAL (SATAPOCAL) foi criado pelo
Despacho nº 4839/99 de 22 de fevereiro com o objetivo de uniformizar a interpretação nas
questões colocadas à aplicação do POCAL, propondo notas técnicas e propostas de alterações
legislativas em articulação com a Comissão de Normalização Contabilística da Administração
Pública (CNC-AP).
11
No âmbito das suas competências, o SATAPOCAL publicou em 2010 (SATAPOCAL, 2010)
um folheto informativo para a contabilização dos subsídios ao investimento para as entidades
abrangidas pelo regime completo do POCAL no qual esclareceu o seguinte:
“Uma vez que os investimentos não são suportados na totalidade pela autarquia local,
dado serem cofinanciados através de fundos, nacionais e/ou estrangeiros, o custo da
sua depreciação deverá ser “corrigido”. Assim, anualmente, tal correção deve ser
transferida numa base sistemática para a conta 7983 “Proveitos e ganhos
extraordinários – Outros proveitos e ganhos extraordinários – Transferências de
Capital”, à medida que forem contabilizadas as amortizações do imobilizado a que
respeitam, na proporção do cofinanciamento.” (SATAPOCAL, 2010:2).
A IAS 20 – “Contabilização dos subsídios do governo e divulgação de apoios do governo”
estabelece que “Um subsídio do governo não é reconhecido, até que haja segurança razoável
de que a empresa cumprirá as condições a ele associados, e que o subsídio seja recebido”. (§ 8
da IAS 20). Neste pressuposto a SATAPOCAL entendeu que à exceção dos adiantamentos de
verbas de subsídios, os mesmos deveriam ser registados no momento do pedido de pagamento
pela entidade.
Com a implementação do SNC-AP promulgado pelo Decreto-lei nº 192/2015 de 11 de
setembro com entrada em vigor prevista para 1 de janeiro de 2017, o POCAL foi revogado e
passou a existir novas regras para a contabilização dos subsídios mais em conformidade com
o normativo nacional empresarial (SNC).
O novo SNC-AP apresenta o tratamento dos subsídios na NCP 14 – Rendimentos de
transações sem contraprestação. Segundo o normativo em referência, uma transação sem
contraprestação acontece quando uma entidade recebe valor de uma outra entidade sem dar
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diretamente em troca valor aproximadamente igual, ou dá valor a uma outra entidade sem
receber diretamente em troca valor aproximadamente igual.
A NCP 14 baseia-se na norma internacional de contabilidade pública, a IPSAS 23.
A IPSAS 23 – Rédito de transações sem troca (impostos e transferências) prescreve os
requisitos para o relato financeiro dos réditos provenientes de transações sem troca, que não
originem uma concentração de entidades. (Rodrigues, 2015: 20), e é a norma internacional
utilizada para o setor público no que concerne à contabilização dos subsídios. A norma em
referência foi implementada em dezembro de 2006.
Em relação aos subsídios, a norma distingue subsídios atribuídos com restrições ou com
condições:
Restrições acontecem quando são feitas transferências com um determinado propósito, mas
não é definido que o valor tenha que ser devolvido caso não seja usado conforme
especificado.
Condições sucedem quando os ativos são transferidos para uma determinada situação que não
sendo cumprida dará origem ao retorno do bem.
Quando sucede uma transferência apenas com restrições, a entidade recetora deve reconhecer
um ativo e um rendimento, quando existem condições associadas, a entidade deve registar um
ativo e um passivo até ao cumprimento das obrigações exigíveis. Quando as condições forem
cumpridas a entidade anula o passivo por conta de um rendimento, de outra forma liquidará a
sua obrigação devolvendo o subsídio ou a parte correspondente ao não cumprimento das
condições pré-estabelecidas.
Njaala (2015) analisou as diferenças entre a IPSAS 23 e a IAS 20 (norma internacional
relativa aos subsídios para o setor empresarial) concluindo que ao contrário da IAS 20, a
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IPSAS 23 não faz a distinção entre um subsídio relacionado com rendimento ou com ativos
uma vez que para a norma pública não é o critério para determinar se deve ser reconhecido
como rendimento ou passivo. Segundo o autor, a contabilidade pela IAS 20 implica que todos
os ativos são sujeitos a condições e não a restrições pelo que a norma deveria ser revista para
salvaguardar as duas situações.
Tal como na IPSAS 23 a NCP14 (Norma de Contabilidade Pública nacional) distingue o
tratamento dos subsídios com condições e sem condições.
Segundo os §§ 38 a 46 da NCP 14 quando os subsídios são atribuídos com condições, deve-se
registar um passivo até ao momento em que essas condições sejam cumpridas, conforme o
esquema apresentado na figura nº 2.
Figura nº 2. Ilustração da análise de influxos iniciais dos recursos
14
Fonte: § 26 da NCP 14
De acordo com os exemplos apresentados no manual de implementação do SNC-AP
(CNC,2017: 154-168) o reconhecimento inicial e subsequente dos subsídios faz-se da
seguinte forma:
a) Subsídios recebidos correspondentes a operações correntes não havendo qualquer
especificação a condições a si associadas:
15
- Deve-se reconhecer um rendimento e o correspondente direito quando o subsídio é atribuído
bem como a entrada de recursos quando a transferência se concretiza.
b) Subsídios recebidos correspondentes a operações correntes com especificação a
condições a si associadas:
- Em SNC-AP os subsídios à exploração com condições associadas só devem ser
reconhecidos quando as condições forem cumpridas.
c) Subsídios atribuídos a investimentos não havendo especificação a condições a si
associadas:
- Deve ser reconhecida uma variação positiva no património líquido da entidade beneficiária.
d) Subsídios atribuídos a investimentos com especificação a condições a si associadas:
Para melhor entendimento de como se deve proceder, apresenta-se um exemplo análogo aos
exemplos apresentados pelo manual de implementação do SNC-AP. (CNC, 2017)
Exemplo: Uma autarquia local, recebeu um subsídio de uma entidade pública para adquirir 5
computadores no período de 1 ano findo o qual teria que se devolver o proporcional ao ativo
não adquirido. A entidade beneficiária adquiriu 2 computadores em 30 de junho de N e outros
2 computadores a 31 de dezembro de N. A taxa de depreciação é de 25% e a entidade
beneficiária utiliza o método da linha reta na depreciação dos seus ativos.
O quadro 3 apresenta-nos os movimentos contabilísticos em SNC-AP necessários para o
exemplo referenciado.
16
Quadro 3. Movimentos em SNC – AP do subsídio ao investimento com condições associadas
Fonte: Compilação própria
No que diz respeito às diferenças na contabilização dos subsídios, o SNC – AP vem introduzir
alterações muito relevantes em relação ao normativo anterior, das quais se destacam a
diferenciação entre subsídios com restrições e com condições.
Data Conta SNC - AP Descritivo Débito Crédito
1-01-N 132 Depósitos consignados 5 000,00
2822 Rendimentos a reconhecer -Transf.Subsídios de capital obtidos com condições 5 000,00
30-06-N 4351 Equipamento Informático e de telecomunicações 2 000,00
132 Depósitos consignados 2 000,00
30-06-N 2822 Rendimentos a reconhecer -Transf.Subsídios de capital obtidos com condições 2 000,00
5931 Transferência e subsídios para aquisição de ativos depreciáveis 2 000,00
31-12-N 4351 Equipamento Informático e de telecomunicações 2 000,00
132 Depósitos consignados 2 000,00
31-12-N 2822 Rendimentos a reconhecer -Transf.Subsídios de capital obtidos com condições 2 000,00
5931 Transferência e subsídios para aquisição de ativos depreciáveis 2 000,00
31-12-N 2822 Rendimentos a reconhecer -Transf.Subsídios de capital obtidos com condições 1 000,00
206 Credores por devolução de transferências 1 000,00
31-12-N 642 Gastos de depreciação e amortização - Ativos Fixos Tangíveis 1 000,00
438 Depreciações Acumuladas 1 000,00
31-12-N 5931 Transferências e subsídios para aquisição de ativos depreciáveis 1 000,00
7883 Imputação de subsídios e transferências para investimentos 1 000,00
31-12-N 206 Imputação de subsídios e transferências para investimentos 1 000,00
132 Depósitos consignados 1 000,00
Pela compra de 2 computadores valor unitário de 1000 €
Pela compra de 2 computadores valor unitário de 1000 €
Reconhecimento do cumprimento de parte das condições para a atribuição do subsídio
Pelo Recebimento do Subsidio
Pelo reconhecimento do incumprimento da condição resultante da não aquisição de 1 computador
Pela devolução do valor de subídio referente aos ativos não adquiridos
Reconhecimento do cumprimento de parte das condições para a atribuição do subsídio
Pelo reconhecimento do incumprimento da condição resultante da não aquisição de 1 computador
Pela depreciação anual de 4 computadores
17
Para além disso, e de acordo com a interpretação da CNC-AP, a adoção da abordagem pela
contabilização no património liquido do registo inicial dos subsídios ao investimento (sem
condições ou com condições cumpridas) contrasta com a abordagem pela contabilização
desses subsídios no passivo, como acontecia no POCP e restantes planos setoriais.
2. Revisão de Literatura
Neste capítulo pretende-se apresentar as diferentes abordagens existentes para o
reconhecimento inicial dos subsídios; o debate entre críticos e defensores da aproximação da
contabilidade pública à contabilidade privada e as oportunidades e desafios para as autarquias
locais em Portugal na implementação de novos normativos, nomeadamente no que concerne à
contabilização dos subsídios.
2.1 Diferentes abordagens no reconhecimento inicial dos subsídios
No que diz respeito aos subsídios ao investimento existem duas vertentes de entendimento:
Por um lado uma vertente que defende que os subsídios devem ser registados no capital
próprio por corresponderem a um aumento de valor definitivo, por outro lado a corrente que
defende que os subsídios devem ser reconhecidos numa base sistemática durante vários
exercícios balanceados com os custos a eles inerentes.
Nesta segunda vertente ainda existe divergentes opiniões sobre a forma como devem ser
contabilizados inicialmente os subsídios, uma que defende o registo no capital próprio e
transferido sistematicamente para resultados no decorrer da vida útil dos ativos e outra que
defende que os subsídios devem ser inicialmente contabilizados em proveitos diferidos.
A norma internacional IAS 20, apesar de apresentar as duas abordagens, só aceita uma delas,
o que tem sido objeto de recorrente criticismo. Segundo Epstein e Jermakowicz (2010), a
18
contabilização de um subsídio concedido pelo governo como crédito diferido é considerado
inconsistente com a estrutura concetual do IASB, e a redução dos valores do ativo pelos
subsídios não é aceite por todos.
Também Njaala (2015) conclui que o facto da IAS 20 incluir a discussão sobre a abordagem
pelo capital e a abordagem pelo rendimento, não aceitando a abordagem pelo capital, não
acrescenta valor e a norma deveria ser revista nesse sentido.
De acordo com Epstein e Jermakowicz (2010), a aplicação dos critérios de reconhecimento
dos subsídios de acordo com a IAS 20 levanta algumas questões pertinentes nomeadamente
quanto ao facto do recebimento dos subsídios não garantir o cumprimento das condições a si
associadas. Por outro lado, a norma Internacional não define o entendimento que se deve fazer
para considerar que existe “segurança razoável”. Por último os autores dão o exemplo dos
empréstimos do governo perdoáveis, e que entram na categoria de subsídios do governo, os
quais alguns autores defendem que só devem ser considerados subsídios quando cumprirem
as condições para o perdão de juros exigidos pelo contrato de empréstimo e outros assumem
que esses juros devem ser registados como subsídios assim que o empréstimo seja recebido.
A definição de condições e restrições para o reconhecimento dos subsídios constante nos
normativos públicos (nacional e internacional) constitui uma inovação que não encontra
paralelo nos normativos empresariais (nacional e internacional).
2.2 Aproximação do normativo do setor público ao do setor empresarial
Existem dois argumentos contraditórios no que respeita à aproximação ou não entre a
contabilidade pública e a empresarial (Newberry, 2001 Anessi –Pessina, Nasi e Steccolini,
2008).
Alguns autores defendem que não deve haver qualquer distinção em termos contabilísticos
entre entidades privadas e públicas (McGregor 1999, Micallef e Peirson,1997), outros
19
argumentam no sentido de que as práticas empresariais são distintas das públicas, e o
tratamento contabilístico deve-se diferenciar. (Barton 1999, 2002 e Carnegie e Wolnizer
1999). Os que são a favor argumentam no sentido da análise do antes e depois da
implementação do sistema contabilístico empresarial, os críticos argumentam com questões
práticas e teóricas inerentes a essa implementação.
Por exemplo, Barton (1999) argumenta que o Public Sector Accounting Standards Board
(PSASB) criou as IPSAS editadas pelo IFAC com base nas IAS com pequenas adaptações
tendo em consideração que o setor público funciona de forma muito semelhante ao setor
privado. Para o autor não corresponde à realidade e dadas as diferenças a abordagem deveria
ter sido outra.
As normas de contabilidade deveriam ser desenhadas de forma a servir as características
específicas do setor público de modo a servirem os interesses dos utentes da informação
financeira neste domínio. Segundo Barton (1999), os padrões e os conceitos foram concebidos
no propósito de que ambos os setores público e privado têm os mesmos ativos, o que embora
seja assim em alguns casos (exemplo dos ativos financeiros, terrenos, edifícios e
equipamento) nem sempre o é (exemplo: equipamento de defesa). A grande diferença reside
no mercado onde os serviços são providenciados.
O autor distinguiu os mercados onde atuam as entidades públicas e privadas e as implicações
para os conceitos e padrões contabilísticos. O objetivo maior no caso das empresas é o da
obtenção do lucro o que não acontece no setor público e nesse sentido os utilizadores da
informação financeira estão interessados na obtenção de informação sobre os seus ganhos,
lucros, gestão de custos, ativos e passivos da empresa. A necessidade desta informação reside
na tomada de decisão entre investir, ou desinvestir, sendo que o sistema financeiro corrente
foi concebido nesse preceito.
20
Ao contrário dos bens privados, em certo tipo de bens públicos (os chamados puros) a
utilização por parte de um consumidor não invalida o consumo por parte de um outro
indivíduo (exemplo, acesso à justiça, defesa, iluminação pública ou estradas).
Um eficiente uso de recursos requer que os preços dos bens públicos igualem os seus custos
marginais. Alguns serviços públicos como por exemplo os serviços científicos, culturais,
educacionais, recolha de lixo entre outros não têm necessariamente um objetivo financeiro. A
performance dos governos não é medida pela sua capacidade de gerar lucro.
Outra grande diferença entre os dois mercados prende-se com os beneficiários de ambos. No
mercado de bens privados as empresas têm a propriedade dos bens, no setor público o Estado
beneficia de bens para fornecer bens e serviços públicos, mas não é o beneficiário final dos
serviços prestados.
A forma como ambos os setores público e privado são financiados também difere. O setor
público é financiado através de regulação fiscal com o intuito de provir a comunidade com
bens e serviços públicos. O setor privado financia-se através de capital com o intuito de
produzir lucro.
Segundo Barton (1999) a norma internacional requer que os subsídios e outras contribuições
sejam tratados como receitas na data do recebimento pela entidade subsidiada, no entanto,
todos os critérios para o reconhecimento de subsídios, passivos e contribuições de capital são
baseados numa base de caixa. Para o autor as normas são insatisfatórias porque negam a
realidade dos mecanismos de financiamento do estado e da provisão de bens públicos por
parte do Estado, e a utilização dos fundos que tem de ser utilizada de acordo com autorização
legislativa para o seu gasto.
Ele sugere as seguintes alterações: Para Subsídios recebidos em adiantamento – Estes devem
ser reconhecidos como passivos pela entidade subsidiada se recebidos antecipadamente. Não
21
devem ser utilizados fora da autorização legislativa e devem ser devolvidos caso não sejam
utilizados.
O objetivo da contabilidade no setor público é de combinar os subsídios com os gastos a si
relacionados e não os recebimentos e os pagamentos do período.
2.3 Dificuldades e desafios para as Entidades Públicas na aplicação dos normativos
do Setor Público
Com a introdução do POCP e dos planos setoriais algumas modificações importantes levaram
a dificuldades de adaptação dos sistemas contabilísticos até aí em vigor.
Em alguns países a contabilidade financeira substituiu inteiramente a contabilidade
orçamental, noutros países como é o caso de Portugal a contabilidade orçamental mantem-se
firmemente sendo completada pelo sistema de contabilidade financeira. Entre as duas
situações existe uma variedade de abordagens, desde a adoção da contabilidade financeira em
conjugação com uma contabilidade de caixa ou de compromissos orçamentais, até à utilização
da contabilidade financeira apenas com o propósito do controlo de gestão, ou ainda a
introdução de classes específicas de inputs dentro de um sistema de contabilidade orçamental.
Algumas Administrações locais têm um sistema integrado onde atuam os dois sistemas (como
é o caso de Portugal e da Itália), onde existe uma contabilidade orçamental em conjugação
com uma contabilidade financeira. Estes dois sistemas, o primeiro de uma só entrada, e o
segundo na ótica das partidas dobradas (duas entradas) produzem um conjunto de
demonstrações diferentes (orçamentais e financeiras) sendo necessário a sua reconciliação.
A União Europeia e as Nações Unidas optaram pela adoção das IPSAS, assumindo os
benefícios da contabilidade financeira na reforma do setor público. Enquanto alguns autores
aplaudiram esta adoção, assumindo inúmeras vantagens para o setor público outros
criticaram-no severamente.
22
Anessi –Pessina, Nasi e Steccolini, (2008) defendem que um compromisso para a
coexistência das duas contabilidades (orçamental e patrimonial) seria benéfico do ponto de
vista das duas abordagens, e satisfaria ambos os lados: oponentes e proponentes da adoção da
contabilidade financeira no setor público. No entanto essa coexistência poderia provocar
confusão para os gestores que recebem sinais diferentes em relação aos números apresentados
nas demonstrações financeiras de ambos os sistemas.
Segundo Rua e Gómez (2012) uma das grandes dificuldades que as entidades públicas se
depararam com a introdução da contabilidade patrimonial no normativo público foi a
valoração e reconhecimento dos seus ativos. Assumindo que o critério mais utilizado pela
maioria dos municípios portugueses é o do custo histórico.
Embora o Cadastro e Inventário dos bens do Estado (CIBE) tenha sido aprovado em 2000 em
Portugal, ainda residem muitas dificuldades por parte das entidades públicas na valoração dos
seus ativos, Rua e Gomez (2012) apontam esta problemática como uma das grandes
dificuldades na Administração Pública.
Os autores analisaram a valoração do património de vários municípios em Portugal,
concluindo que alguns não evidenciam os critérios adotados na valoração dos seus bens de
domínio público ou mesmo o não cumprimento em relação ao definido pelo POCAL no que
concerne às divulgações expressas nas demonstrações financeiras.
Até muito recentemente, grande parte dos municípios não tinha ainda concluída a
inventariação inicial do património.
No que diz respeito à implementação do SNC-AP e mais concretamente à contabilização dos
subsídios, o facto dos ativos adquiridos não estarem devidamente identificados e mensurados,
poderá levar a uma dificuldade acrescida na identificação de quais os ativos sujeitos a
condições que já foram cumpridas, ou sem condições que anteriormente estavam
23
reconhecidos no passivo de acordo com o POCAL e que terão de ser transferidos para o
património líquido segundo o SNC-AP.
Para além disso, outra dificuldade que tem sido detetada para as autarquias locais e outras
entidades públicas diz respeito à contabilização e divulgação dos proveitos diferidos
associados a subsídios à exploração e ao investimento contabilizados de acordo com o
POCAL. Por exemplo, na análise às Certificações Legais de Contas (CLC) de 2008 a 2012 do
Município do Porto, David et al (2016), constataram a existência de uma reserva em todas as
CLC`s no que refere os «proveitos diferidos associados a subsídios ao investimento». Na
explicação da reserva permanente entre 2008 e 2012, o revisor atribuiu esse facto à
impossibilidade de validar a adequação dos proveitos imputados ao município pela
inexistência de listagens detalhadas com a decomposição dos bens comparticipados.
A esse propósito, Kaizeler (2019), apresentou uma proposta para colmatar a dificuldade de
construir listagens detalhadas de ativos e de gastos correntes cofinanciados por subsídios, que
se baseava na conceção de uma contabilidade analítica, digráfica (método das partidas
dobradas) com contas de origem e de aplicação de fundos (subsídios) desenvolvidas pelas
naturezas das contas da contabilidade geral. Esta contabilidade de gestão, permitiria a
elaboração de mapas com informação detalhada e discriminada sobre a origem e a aplicação
dos subsídios, possibilitando uma maior transparência da informação, não só para a auditoria
como também para os utentes da informação financeira em geral e para a tomada de decisão.
E que poderiam servir de base para os ajustamentos necessários a incorrer na implementação
do SNC-AP no que aos subsídios diz respeito.
Em resumo, os desafios inerentes à implementação do novo normativo relativamente à
contabilização dos subsídios prendem-se com a necessidade da reestruturação dos sistemas de
informação para permitir o entrosamento entre os vários subsistemas de contabilidade.
24
Devem também ser efetuados alguns movimentos contabilísticos para iniciar o exercício em
SNC-AP, como proceder à transferência de proveitos diferidos ao investimento para
subcontas da conta 593 – “transferências e subsídios de capital” e como já referido, torna-se
necessário colmatar lacunas ou falhas na inventariação do ativo fixo tangível e ativo
intangível.
Por último, mas não menos importantes deve-se analisar e adaptar as questões relacionadas
com condições e restrições dos subsídios previstas no novo normativo e que ainda causam
dificuldades de interpretação.
Conclusão
A temática pareceu pertinente uma vez que é, atualmente, um dos assuntos mais debatidos na
revisão de literatura e um dos paradigmas presentes no processo de harmonização
internacional, na medida em que existem várias abordagens no reconhecimento dos subsídios,
nomeadamente no que diz respeito aos subsídios ao investimento, e aos subsídios com
restrições e/ou condições.
No decorrer deste documento procedeu-se a uma breve revisão de literatura onde foram
identificados alguns dos tópicos mais debatidos neste contexto nomeadamente as diferentes
opiniões sobre o reconhecimento inicial dos subsídios, a complexidade do debate entre
críticos e defensores da aproximação da contabilidade pública à contabilidade privada, e as
dificuldades de adaptação aos novos normativos por parte das autarquias locais bem como os
desafios a si inerentes.
As entidades públicas apresentam algumas dificuldades em implementar novos normativos no
geral e em particular no que concerne a contabilização dos subsídios, nomeadamente devido à
25
necessidade de reestruturação dos sistemas de informação, à urgência da inventariação
completa do património, à dificuldade de interpretação dos novos conceitos e à falta de
recursos humanos devidamente qualificados para conduzir o processo.
É de realçar que se encontra alguma convergência nas metodologias propostas pelo SNC-AP
quando comparadas com o normativo empresarial no que diz respeito à contabilização de
subsídios, mas ainda prevalecem algumas diferenças, nomeadamente no que toca à definição
de subsídios com restrições e/ou condições, que difere os procedimentos contabilísticos entre
os dois normativos.
Torna-se também relevante investigar futuramente a resposta das autarquias locais aos
desafios que estas alterações produzidas pelos novos normativos acarretam nomeadamente no
que à contabilização dos subsídios é incutido, e comparar procedimentos que nos levem a
criar consensos sobre a melhor forma de proceder no reconhecimento dos subsídios nas
autarquias locais.
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