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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMI-ÁRIDO
ERIKA CORREIA ALAMINO
SHUNT EXTRA-HEPÁTICO: RELATO DE CASO
SÃO PAULO – SP
2012
ERIKA CORREIA ALAMINO
SHUNT EXTRA-HEPÁTICO: RELATO DE CASO
Orientador: Prof. Dr. Luis Artur Giuffrida
Universidade de Guarulhos - UNG
SÃO PAULO – SP
2012
Monografia apresentada a Universidade
Federal Rural do Semi-Árido –
UFERSA, Departamento de Ciências
Animais para a obtenção dotítulo de
Especialização em Clínica de Pequenos
Animais.
Ficha catalográfica preparada pelo setor de classificação e
catalogação da Biblioteca “Orlando Teixeira” da UFERSA
Bibliotecária: Keina Cristina Santos Sousa e Silva
CRB15 120
A318s Alamino, Erika Correia. Shunt extra-hepático: relato de caso. / Erika Correia Alamino.-
- Mossoró, 2012.
32f.: il.
Monografia (Especialização Clínica Médica e Cirurgica
de Pequenos Animais) – Universidade Federal Rural do Semi-
Árido.
Orientador: Prof. M.Sc. Luis Artur Giuffrida.
1.Medicina veterinária. 2. Desvio portossistêmico.
3.fígado. 4.Shunt portossistêmico I.Título.
CDD: 636.089
ERIKA CORREIA ALAMINO
SHUNT EXTRA-HEPÁTICO: RELATO DE CASO
APROVADA EM: ___/___/____
BANCA EXAMINADORA
______________________________
Prof. Dr. Luis Artur Giuffrida
Presidente
______________________________
Prof. Dr.
1º Membro
______________________________
Prof. Dr.
2º Membro
Monografia apresentada a Universidade
Federal Rural do Semi-Árido – UFERSA,
Departamento de Ciências Animais para a
obtenção dotítulo de Especialização em
Clínica de Pequenos Animais.
Ao meu querido pai Altimar Alamino
(in memorian),
Meu principal incentivador e amigo,
presente em todos os momentos.
AGRADECIMENTOS
A Deus, por ter me dado a chance de nascer numa família abençoada.
A minha família, que me apoiou em todos os momentos da minha vida.
Ao meu Filho, encontrando no seu olhar forças para nunca desistir, mesmo quando tudo
parecia impossível.
Ao Prof. MSc. Luis Artur Giuffrida, pela valiosa contribuição, seriedade e compreensão para
execução deste estudo, responsável pelo meu enriquecimento profissional desde a época da
minha graduação.
A Dra. Tatiana Vieira Machado, grande amiga que esteve a minha disposição no transcorrer
do meu estudo e da minha qualificação técnica, me acolhendo no momento que mais precisei
e acreditando no meu potencial como profissional.
A Carolina Correia Siliprandi, prima, amiga e irmã, sempre presente e fazendo a diferença na
minha vida.
“A compaixão para com os animais é das
mais nobres virtudes da natureza
humana".
(Charles Darwin)
RESUMO
O shunt portossistêmico ou desvio portossistêmico (DPS) são comunicações
vasculares únicas ou múltiplas entre a circulação sistêmica e a circulação portal, que permite
que o sangue portal chegue ao sistema circulatório sem antes passar pela metabolização
hepática. Podem ser adquiridos ou congênitos e também podem ser classificados como intra-
hepático localizado dentro do fígado, ou extra-hepático, localizado fora do parênquima
hepático. A forma adquirida normalmente está associada com distúrbios intra-hepáticos. Eles
normalmente sugerem vasos tortuosos que se comunicam com a veia cava caudal na região do
rim esquerdo. A forma congênita está associada à genética e uma das linhagens mais
acometidas é a raça maltês.Os cães miniaturas são mais comumente acometidos por essa
afecção. O presente relato de caso descreve o diagnóstico e tratamento de um cão maltês de
nove meses de idade com Shunt portossistêmico extra-hepático diagnosticado por tomografia
computadorizada. O paciente apresentava êmese com evolução de seis meses e após ingerir
uma dieta hiperproteica apresentou sinais de encefalopatia hepática. Exames complementares
constataram: ácidos biliares efosfatase alcalina (FA) aumentadas e hipoalbuminemia. A ultra-
sonografia revelou apenas a presença de microhepatia. Na tomografia computadorizada
visualizou-se uma estrutura vascular anômala de grande calibre em topografia epigástrica
central, adjacente à menor curvatura do estômago, identificando o vaso anômalo. O animal foi
submetido ao tratamento cirúrgico para colocação do anel ameroide.
Palavras chaves: desvio portossistêmico, fígado, shuntportossistêmico.
ABSTRACT
The shunt or portosystemic shunt (PSS) are single or multiple vascular
communications between the systemic circulation and portal circulation, which allows
theportal bloodreaches thecirculatory systemwithout firstpassmetabolismby theliver. Can
beacquired or congenital andcan also beclassified asintrahepatic, located within the liver or
extra hepatic, located outside the liver parenchyma. The acquired formis usually associated
withintra-hepatic disorders. They usually suggest tortuous vessels that communicate with the
caudal vena cava in the left kidney region. The congenital formis associated withgeneticand
one of thelines mostaffectedis theMaltesebreed. The miniature dogs are most commonly
affected by this condition. This case report describes the diagnosis and treatment of a Maltese
dog for eight months of age with extra hepatic portosystemic shunt diagnosed by computed
tomography. The patient presented with vomiting and evolution of three months after eating a
diet high protein levels showed signs of hepatic encephalopathy. Investigations showed: bile
acids, alkaline phosphatase (ALP) increased and hypoalbuminemia. Ultrasonography revealed
the presence of microhepatia. Computed tomography visualized a structure of large caliber
vascular anomaly in topography epigastric center, adjacent to the lower curvatureof the
stomach, which accesses the caudal vena cavaat the timeof thecranialpoleof the right kidney,
liver lobes are small-scale reduction of vascular branches intrahepatic portal, the presence of
hyperdense structure in the topography of the left renal pelvis. The animal was submitted to
surgery with placement of ameroidring.
Key words: portosystemic shunt, liver, shunt.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Sistema portal normal em cães e gatos ................................................................... 14
Figura 2 - Transversais, esquema sonográfico obtidos caudais apenas a esse ponto, ou seja,
porta hepático, usando uma aproximação subcostal ................................................................. 14
Figura 3 - Imagens sonográficas do shunt intra-hepático ........................................................ 20
Figura 4 - Imagem tomográfica identificando vaso anômalo .................................................. 21
Figura 5 - Imagem tomográfica identificando vaso anômalo .................................................. 22
Figura 6 - Constritor ameróide ................................................................................................ 24
Figura 7 - Localização do vaso anômalo trans cirúrgico ......................................................... 26
Figura 8 - Identificação do desvio portossistêmico ................................................................. 27
Figura 9 - Colocação do anel ameróide ................................................................................... 27
Figura 10 - Constritorameróide posicionado ........................................................................... 28
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 10
2. OBJETIVO ......................................................................................................................... 11
2.1. OBJETIVO GERAL .......................................................................................................... 11
2.2. OBJETIVO ESPECÍFICO ................................................................................................. 11
3. REVISÃO LITERATURA ................................................................................................ 12
3.1. FISIOLOGIA ..................................................................................................................... 12
3.2. ETIOPATOGENIA ........................................................................................................... 15
3.3. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS ....................................................................................... 17
4. DIAGNÓSTICO ................................................................................................................. 17
4.1. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL ..................................................................................... 18
4.2. ACHADOS LABORATORIAIS ....................................................................................... 18
4.3. TESTE FUNÇÕES HEPÁTICAS ..................................................................................... 18
4.4. DIAGNÓSTICO POR IMAGEM ..................................................................................... 19
4.4.1. ULTRASSOM ................................................................................................................ 19
4.4.2. TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA .................................................................... 21
5. TRATAMENTO ................................................................................................................. 22
5.1. TERAPIA CLÍNICA ......................................................................................................... 22
6. RELATO DE CASO ........................................................................................................... 25
7. DISCUSSÃO ....................................................................................................................... 28
8. CONCLUSÃO ..................................................................................................................... 29
9. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................. 30
10
1. INTRODUÇÃO
Os shuntsportossistêmicos (SPS) são comunicações anômalas vasculares entre o
sistema circulatório e o sistema venoso porta, que permite que o sangue portal chegue ao
sistema circulatório sem antes passar pelo fígado. Os cães miniaturas são mais comumente
acometidos por essa afecção, destacando-se as raças Poodle, Yorkshire Terrier, Schnauzer,
Maltês, Shitzu e Daschund. Algumas raças de gatos também podem manifestar shunt
portossistêmico. Os shunts podem ser classificados em congênitos intra-hepáticos, congênitos
extra-hepáticos e extra-hepáticos adquiridos. O congênito extra-hepático é o mais observado
em cães e gatos, no qual a ligadura completa e repentina comumente resulta em
desenvolvimento de hipertensão portal fatal. Os intra-hepáticos são normalmente vasos de
diâmetro largo e incidem em raças grandes, ocorrendo 35% nos cães e 10% nos gatos
(BESANCON et al.,2004, p. 597; BROOME et al., 2004, p.154; FAVERZANI et al., 2003, p.
755; MURPHY et al., 2001, p. 390; TOBIAS, 2005, p. 17; MILLER e FOWLER., 2006, p.
160; SANTILLI e GERBONI, 2003, p. 7; DEGNER, 2007, p. 32; KYLES et al., 2004, p.
291).
Na presença do desvio (shunt) de sangue venoso da circulação portal para a circulação
sistêmica, ocorre o acúmulo de toxinas na circulação que seriam metabolizadas pelo fígado,
causando um decréscimo nas concentrações de uréia, albumina, glicose, colesterol e
eritropoitina (FOSSUM, 2006, p. 758).Essas substâncias ficam circulantes e funcionam como
falsos neurotransmissores, causando sinais neurológicos associados à encefalopatia hepática,
agravados principalmente pela ingestão de alimentos ricos em proteína (DEGNER, 2007, p.
32; FOSSUM, 2006, p. 758).
Os cálculos urinários,presença de cristais de biurato de amônia na urina, altas
dosagens sanguíneas de sais biliares e aumento de enzimas hepáticassão achados comuns em
animais com desvios portossistêmicos (BROOME et al., 2004, p.154; FOSSUM, 2006, p.
758; SANTILLI e GERBONI, 2003, p. 7).
Os sintomas rotineiros são: vômitos, diarréia, polifagia, disfagia, anorexia, ptialismo,
depressão, ataxia. Estes podem ser isolados ou concomitantes (BROOME et al., 2004, p.154;
DEGNER, 2007, p.32; FOSSUM, 2006, p. 758; SANTILLI e GERBONI, 2003, p. 7).Animais
com desvio portossistêmico também apresentam redução no crescimento e tempo de
recuperação anestésica prolongada (KYLESet al., 2004, p. 291; MILLER e FOWLER, 2006,
p. 160; TOBIAS, 2005, p. 17).
11
O diagnóstico definitivo é obtido por meio de técnicas de diagnóstico por imagem,
direcionando o melhor tipo de tratamento ao qual o paciente terá que ser submetido
(BROOME et al., 2004, p.154; BUSSADORI et al, 2007, p. 221; DEGNER, 2007, p. 32;
FAVERZANI et al, 2003, p. 755; SANTILLI e GERBONI, 2003, p. 7;TOBIAS, 2005, p. 17;
TOBIAS, 2003, p. 29).
O tratamento definitivo é cirúrgico, mas a terapia medicamentosaé possível, embora
paliativa(BAADE et al, 2006, p. 80; BUSSADORI et al, 2007, p. 221; KUMMELING et al,
2004, p. 17; FAVERZANI et al, 2003, p. 755; TOBIAS, 2003, p. 29).
2. OBJETIVO
2.1 OBJETIVO GERAL
O objetivo deste trabalho é relatar o caso de um cão, da raça maltês, macho, de nove
meses de idade, com histórico de êmese intermitente desde os três meses de idade, com
shuntportossistêmico extra hepático diagnosticado por tomografia computadorizada, dosagem
de enzimas biliares e amônia, após tentativas mal sucedidas de diagnóstico ultrassonográfico.
2.2 OBJETIVO ESPECÍFICO
Descrever a fisiopatologia do shuntportossistêmico, fazendo uma revisão de literatura,
pontuando os sinais clínicos,exames complementares, diagnóstico e tratamento.
12
3. REVISÃO DE LITERATURA
3.1. FISIOLOGIA
Devido ao seu grande número de funções vitais, o fígado é denominado ”laboratório
central do organismo”. Possui um importante papel no metabolismo de carboidratos, lipídeos
e proteínas; na desintoxicação de metabólitos e xenobiótipos; no armazenamento de
vitaminas, gorduras, metais e glicogênios; na digestão de gorduras e na regulação
imunológica. Este órgão tem importante capacidade de armazenamento, reserva funcional e
possibilidades de regeneração (ETTINGER e FELDMAN, 2004, p. 1857).
O fígado está localizado na parte mais cranial do abdômen, dividindo-se em cinco
lobos principais por fissuras que convergem na fissura portal. O lobo lateral esquerdo é o
maior e o seu contorno é oval. O lobo medial esquerdo é menor e de formato prismático. O
lobo medial direito é o segundo no tamanho e apresenta um lobo quadrado, demarcado pela
fossa profunda onde se situa a vesícula biliar. O lobo lateral direito é o terceiro maior em
tamanho e o seu contorno é oval. Em sua face visceral, encontra-se o lobo caudado, o qual
consiste de duas partes: à direita, o processo caudado; à esquerda, o processo papilar, ambos
muitas vezes subdivididos por fissuras secundárias (ELLENFORT, 1986, p. 1445).
A face diafragmática (parietal) do fígado é convexa em conformidade com a curvatura
do diafragma e a parte adjacente da parede ventral do abdome, com a qual está em contato. A
face visceral é geralmente côncava, mas é irregular por se adaptar às vísceras que estão em
contato com a mesma (ELLENFORT, 1986, p. 1445).
O fígado é coberto pelo peritônio, exceto em áreas relativamente pequenas em seu
hilo, na fossa para a vesícula biliar e na origem de determinados reflexos peritoneais
(BROOME et al., 2004, p.154). Recebe a maior parte do seu sangue da veia porta e
umvolume menor através da artéria hepática (JUNQUEIRA, 1995, p. 268). A veia porta entra
no fígado pelo hilo hepático, carregando sangue venoso rico em nutrientes absorvidos pelos
intestinos, baço, pâncreas e estômago (NICKEL et al., 1979, p. 114; JUNQUEIRA 1995, p.
268).
Seu suprimento sanguíneoarterial é garantido através da artéria hepática, que se soma
ao suprimento da veia porta. As artérias intra-hepáticas dividem-se junto com ramos da veia
porta e tributárias do ducto hepático. Irrigam as estruturas de tecido conjuntivo no trajeto para
13
os sinusóides hepáticos, nos quais desembocam junto aos ramos da veia porta (BROOME et
al., 2004, p.154).
A veia porta é formada pela união de tributárias abdominais, e drena o trato digestório,
o pâncreas e o baço. Conecta-se às veias sistêmicas nas regiões cardioesofáficas e retoanal,
nas extremidades do seu território. Estas conexões estabelecem saídas alternativas para o
sangue portal, quando o fluxo através do fígado encontra-se obstruído ou reduzido (DYCE et
al., 1997; BROOME et al., 2004, p.154).
Todo o sangue fornecido ao fígado é coletado por um único conjunto de veias, das
quais as veias centrais dos lóbulos hepáticos são as menores radículas. Estas acabam por
formar as veias hepáticas que se abrem na veia cava caudal, quando a mesma atravessa o
fígado. A circulação através do fígado possui numerosas anastomoses, sendo elas
interarteriais, intervenosas e arteriovenosas (ELLENFORT, 1986, p. 1445).
A artéria hepática penetra no fígado pela parte dorsal da fissura, a veia porta penetra
centralmente, e o ducto hepático emerge na parte ventral. A vesícula biliar não é visível até
que os lobos laterais direito e medial sejam separados. A veia cava caudal passa ventral e
cranialmente, a princípio em um sulco profundo no lobo caudado e posteriormente, em grande
parte, incluída na face diafragmática do lobo lateral direito, a qual recebe duas ou três veias
hepáticas volumosas antes de perfurar o diafragma, demonstrado na figura 1 e 2
(ELLENFORT, 1986, p. 1445; BROOME et al., 2004, p.154).
O sistema hepático se desenvolve a partir dos sistemasvasculares umbilical e
onfalomesentérico. As porções mesentéricas das veias onfalomesentéricas tornam-se
contribuintes da veia porta. No feto o sangue da veia umbilical flui diretamente para a veia
cava caudal pelo ducto venoso, respondendo passivamente às mudanças na circulação
sistêmica ou hepática o ducto estabiliza o retorno venoso do coração do feto conforme a
flutuação do retorno venoso umbilical (HOSKINS, 1992, p. 223).
14
Figura 1- Sistema portal normal em cães e gatos. Ilustração da morfologia da
vasculatura hepática normal, assim como uma porção da complexa rede extra-portal (vista
ventral). Os órgãos esplênicos são drenados pela portal tributária, que trazem o sangue para a
principal veia porta (PV) e fígado (setas pretas). O sangue arterial atinge o fígado através da
artéria hepática (HA), uma filial da artéria celíaca. Várias portais tributárias, tais como a
esquerda e direita gastroepiploica e veias esquerda e direita gástrica (LG e RG), anastomose.
O sangue hepático então drena o fluxo sanguíneo para a veia cava caudal (CVC), através da
das veias hepática. As linhas tracejadas correspondem ao ponto de entrada da veia porta no
fígado.
O fechamento morfológico e funcional do ducto venoso não ocorre simultaneamente.
O fechamento funcional se desenvolve gradualmente durante o segundo e o terceiro dia após
o nascimento do cão. O fechamento morfológico ocorre conforme o ducto se atrofia,
resultando na formação de uma fina faixa fibrosa, o ligamento venoso. O fechamento do
ducto é amplamente dependente das mudanças na pressão e resistência ao longo do leito
vascular hepático que se seguem a obliteração pós-natal da circulação umbilical. O
fechamento morfológico completo do ducto ocorre de 1 a 3 meses após o nascimento
(HOSKINS, 1992, p. 223).
15
Figura 2 – Esquema sonográfico. Cortes obtidos caudais ao sistema porta hepático,
usando uma aproximação subcostal. Em condições normais nos cães e gatos, as principais
veias portais são de diâmetro igual ou ligeiramente menor do que a veia cava caudal e aorta.
A porção cranial da veia pancreaticaduodenal está presente ventralmente à direita (Ao= aorta;
CrM= veia mesentérica cranial; CaM= veia mesentérica caudal)
3.2. ETIOPATOGENIA
Desvios portossistêmicos são conexões vasculares macroscópicas anormais que
permitem que o sangue entre diretamente na circulação venosa sistêmica e desviem dos
sinusóides hepáticos, sem que primeiro ocorra a sua passagem pelo fígado, podendo ocorrer é
a encefalopatia hepática (ETTINGER e FELDMAN, 2004, p. 1857).
Os shuntsportossistêmicos são classificados em congênitos intra-hepáticos, congênitos
extra-hepáticos e extra-hepáticos adquiridos. O congênito extra-hepático é o mais observado
em cães e gatos, no qual a ligação completa comumente resulta em desenvolvimento de
hipertensão portal fatal. Os intra-hepáticos são normalmente vasos de diâmetro largo e
comum em raças grandes, constituem 35% nos cães e 10% nos gatos (BESANCON et
al.,2004, p. 597; BROOME et al., 2004, p.154; FAVERZANI et al., 2003, p. 755; MURPHY
etal., 2001, p. 390; TOBIAS, 2005, p. 17; MILLER e FOWLER, 2006, p. 160; SANTILLI e
GERBONI, 2003, p. 7; DEGNER, 2007, p. 32; KYLES et al., 2004, p. 291; SZATMÁRIet
al., 2004, p. 395).
16
Em cães, o desvio extra-hepático se origina da veia porta principal, da veia esplênica
ou da veia gástrica esquerda. (NYLAND e MATOON, 2004, p. 95; WRIGLEYet al., 1987, p.
421).
O fluxo sanguíneo aferente para o fígado é realizado pelo fluxo venoso portal, o qual
contribui para 70 a 80% da perfusão hepática total. No shuntportossistêmico, o fluxo arterial
hepático aumenta para compensar o fluxo venoso reduzido, contudo a diminuição de fatores
hepatotrópicos, como a insulina, leva á atrofia hepática (FAVERZANI et al., 2003, p. 755).
Com a microhepatia presente no shuntportossistêmico, o baço é frequentemente
deslocado cranialmente, dificultando a visualização do fígado, e com a redução do fluxo
sanguíneo, os ramos portais geralmente estão pequenos, dificultando sua identificação
(D’ANJOU, 2007, p. 104).
Na presença do desvio de sangue venoso da circulação portal para a circulação
sistêmica, ocorre o acúmulo de substâncias tóxicas na circulação (amônia, metionina,
mercaptanos, ácidos graxos de cadeia curta, indóis e escatóis) que serão metabolizados pelo
fígado causando um decréscimo nas concentrações de uréia, albumina glicose, colesterol e
eritropoitina (FOSSUM, 2006, p. 758).
Essas substâncias que seriam encaminhadas para o sistema porta para metabolização
hepática ficam circulantes e funcionam como falsos neurotransmissores causando sinais
neurológicos associados à encefalopatia hepática, que são agravados principalmente com a
ingestão de alimentos ricos em proteína, uma vez que a amônia circulante é produto de
degradação proteica bacteriana intestinal (DEGNER, 2007, p. 32; FOSSUM, 2006, p. 758).
Os cálculos urinários também são achados comuns em animais com
shuntsportossistêmicos. Laboratorialmente achados associados aos shuntsportossistêmicos
incluem: anemia microcítica, cristais de biurato de amônia na urina, altas dosagens sanguíneas
de sais biliares e frequente aumento de enzimas hepáticas (BROOME et al., 2004, p.154;
FOSSUM, 2006, p. 758; SANTILLI e GERBONI, 2003, p. 7).
O desvio extra-hepático pode resultar em sinais de depressão ou hiperexcitabilidade,
ataxia, cegueira aparente, anorexia, vômito, polidpsia, perda de peso e retardo do crescimento
(NYLAND e MATOON, 2004, p. 95; WRIGLEYet al., 1987, p. 421).
17
3.3. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
As manifestações clínicas são inespecíficas e podem incluir alterações do sistema
nervoso centra (fraqueza episódica, letargia, desorientação, andar em círculos, episódios de
cegueira, convulsões e coma), sistema gastrointestinal (anorexia, diarréia, emese e ptialismo),
sistema urinário (poliúria, polidpsia, estrangúria, disúria, obstrução uretral e cristalúria de
biurato de amônia, podendo levar a urolitíases)e encefalopatia hepática(hipoglicemia,
“headpressing”,febre, mudança de comportamento principalmente após comer, ataxia e
velocidade do passo) (BUNCH, 2003, p. 520; BROOME et al., 2004, p.154; DEGNER, 2007,
p. 32; FAVERZANI et al., 2003, p. 755; FOSSUM, 2006, p. 758; SANTILLI e GERBONI,
2003, p. 7).
4. DIAGNÓSTICO
Constituem afecções da lista diagnóstica diferencial com os shuntsportossistêmicos as
síndromes: displasia microvascular hepática; deficiência de enzimas do ciclo da uréia;
cinomose; intoxicações por carbamatos ou organofosforados; hidrocefalia; epilepsia
idiopática; distúrbios metabólicos hipoglicemiantes (insulinoma, neoplasia extra-hepática,
doença hepática primária) (JOHNSON, 2004, p. 1369; ELLENFORT, 1986, p. 1445).
4.1. DIAGNÓSTICO DEFINITIVO
A anamnese, o exame físico e os exames laboratoriais podem sugerir o shunt
portossistêmico. Os testes como tolerância a amônia e dosagem dos ácidos biliares são
diagnósticos porém não rotineiros, devido ao custo e dificuldade de realização na clínica
(BROOME, 2004, p.154; BUNCH, 2003, p. 520; TOBIAS, 2003, p. 29).
18
4.2. ACHADOS LABORATORIAIS
Os achados hematológicos e bioquímicos frequentemente são insignificantes nos cães,
incluem anemia microcítica não regenerativa, poiquilocitose e leucocitose variavelmente
presentes.As alterações bioquímicas séricas incluem diminuição das concentrações de
albumina, proteína total, uréia, colesterol e glicose e possível diminuição na síntese hepática.
A diminuição na atividade da alanina transaminase, transaminase e fosfatase alcalina podem
ser detectadas. A urinálise pode revelar isostenúria, hipostenúria ou hiperestenúria. Exames de
sedimento urinário revelam cristais de biurato de amônio (BUNCH, 2003, p. 520;
BROOMEet al., 2004, p.154; FAVERZANIet al., 2003, p. 755; FOSSUM, 2006, p. 758;
SANTILLI e GERBONI, 2003, p. 7).
4.3. TESTES DE FUNÇÕES HEPÁTICAS
Ácidos Biliares:
Avaliações séricas de ácidos biliares são comumente usados para avaliar a função do
fígado em cães com suspeita de shunt portossistêmico. Os ácidos biliares, quase sempre estão
reduzidos, pois com o jejum prolongado o fígado eventualmente pode eliminar os ácidos
biliares da circulação sistêmica, mas os mesmos também podem estar nos valores normais. Já
os valores dos ácidos biliares pós-prandiais são constantemente anormais no shunt
portossistêmico (FOSSUM, 2005, p. 451, PEREIRA et al, 2008, p. 28).
Amônia:
Em pacientes com insuficiência hepática devido ao shunt portossistêmico,
concentrações de amônia podem estar elevadas e essas mensurações têm sido usadas para
19
avaliar esses animais com insuficiência hepática causada pelo shunt portossistêmico.
(FOSSUM, 2005, p. 451; JOHNSON, 2004, p. 1369)
A amônia é distribuída no fígado pela via sanguínea e primeiramente convertida em
uréia. A insuficiência hepática resulta em falha na conversão da amônia em uréia e
subseqüente elevação das concentrações de amônia sanguínea. A amônia sanguínea não é uma
prova de seleção em cães jovens da raça IreshWolfhound, já que nestes animais ocorre a
hiperamoniemia metabólica transitória não associada com a doença hepática (BROOME et
al., 2004, p.154; BUNCH, 2003, p. 520; JOHNSON, 2004, p. 1369).
4.4. DIAGNÓSTICO POR IMAGEM
Inúmeros procedimentos diagnósticos de imagem têm sido usados para descrever anos
de investigação das anomalias venosas portais. A importância do diagnóstico por imagem no
shunt portossistêmico é relatada pela facilidade de identificar, nos cães com essa doença, a
morfologia do shunt. Isto guia o procedimento cirúrgico, reduzindo a morbidade e
mortalidade associada à cirurgia (SANTILLI e GERBONI, 2003, p. 7).
4.4.1. ULTRASSOM
O exame ultrassonográfico, mencionado na figura 3, fornece informações sobre
alterações vasculares, alterações do parênquima hepático e as urolitíases. É um método não
invasivo que detecta de maneira confiável os shunts portossistêmicos intra–hepáticos do que
os extra-hepáticos (FOSSUM, 2005, p. 451; JOHNSON, 2004, p. 1369).
É uma técnica rápida, atualmente disponível na prática veterinária, que pode ser
realizada sem sedação ou anestesia, mas que é altamente dependente da experiência do
operador. Adicionalmente, esta modalidade reconhece a evolução de outras estruturas
abdominais da rede vascular, semelhante às do fígado e do sistema urinário, que podem estar
primariamente ou secundariamente afetadas com o shunt portossistêmico. Prováveis
informações adicionais sobre a dinâmica do fluxo podem ser usadas como resposta do
paciente em tratamento. (FOSSUM, 2005, p. 451)
20
Figura 3 - Imagens sonográficas do shunt intra-hepático. (A) Correspondente a
imagem de tomografia computadorizada(plano transversal) e imagem sonográfica (oblíqua
plano) de um shunt de divisão esquerda, ou ducto venoso patente (VDP), em um cão. A
imagem sonográfica foi obtida com uma vista esquerda-ventral, com abordagem subcostal. O
shunt é visto dorsal a vesícula biliar (GB). (B)-Divisão central do shunt portossistêmico.
Longitudinal, intercostal a uma ampla imagem de vasos tortuosos na porção central do fígado
que se abre para a veia cava caudal. (C) Divisão direita do shunt em um cão. Transversal, a
uma grande imagem intercostal, de vasos tortuosos na qual temos no fígado curvas para a
direita e abre-se uma dilatada veia cava caudal (CVC). Mostra-se nas setas a direção do fluxo
através do shunt(D’ANJOU, 2007, p. 104).
A despeito de sua aplicabilidade existem fatores limitantes importantes presentes no
ultra-som, alguns que podem ser inevitáveis, como a presença de conteúdo gastrointestinal
(alimento e gás). Outra avaliação dificultosa pode ser a do fígado atrofiado sob a caixa
torácica, pois geralmente no ultra-som o fígado sob shunt portossistêmico encontra-se
pequeno, com diminuição consistente no número e no tamanho das veias hepáticas e com
possível identificação do vaso do desvio. (FOSSUM, 2005, p. 451, JOHNSON, 2004, p.
1369).
Os rins e a bexiga também devem ser rotineiramente examinados para detectar
cálculos de urato (BROOMEet al., 2004, p.154; BUNCH, 2003, p. 520; SANTILLI e
GERBONI, 2003, p. 7; JOHNSON, 2004, p. 1369).
21
4.5.2. TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA
A tomografia computadorizada é comumente usada em humanos para detectar e
caracterizar anormalidades hepáticas vasculares e lesões de parênquima. O uso da tomografia
computadorizada tem sido recentemente descrito em animais para o diagnóstico de anomalias
vasculares portossistêmicas como o shunt. A tomografia computadorizada permite a
aquisição de uma rápida imagem e uma habilidade em interpretar uma formação
tridimensional (Figura 4 e 5). Ela tem o propósito de desenvolver um simples, seguro, não –
invasivo, confiável e preciso protocolo de imagem de tomografia computadorizada hepática
nos cães com uma aplicabilidade clínica fornecendo um mapa tridimensional da circulação
hepática (WINTER e KLEINE, 2005).
Figura 4 –Imagem tomográfica identificando o vaso anômalo. Imagens cedidas gentilmente
pelo Dr. Andre Romaldini, Hospital Veterinário Santa Inês.
22
Figura 5 – Imagem tomográfica identificando o vaso anômalo. Imagens cedidas gentilmente
pelo Dr. Andre Romaldini, Hospital Veterinário Santa Inês.
5. TRATAMENTO
5.1. Terapia Clínica:
A terapia clínica do animal com shunt portossistêmico é indicada em casos de
encefalopatia hepática, onde o manejo clínico é prioridade em detrimento do tratamento
cirúrgico ou quando a cirurgia não é possível. A dieta restrita em proteínas é fundamental para
o sucesso do tratamento conservativo (BUNCH, 2003, p. 520; FOSSUM, 2006, p. 758;
JOHNSON, 2004, p. 1369).
A lactulose, um dissacarídeo não metabolizável, acidifica o conteúdo colônico,
causando aprisionamento da amônia, diminui o tempo de trânsito intestinal, altera a flora
colônica, promovendo a incorporação da amônia nas proteínas bacterianas e reduz a produção
de ácidos graxos de cadeia curta. Os antibióticos são comumente usados na terapia de curto
prazo para modificar a população bacteriana intestinal. Quando há depressão do sistema
23
nervoso central ou coma, impedindo administração oral das medicações, estes fármacos são
administrados por enema. A descompensação aguda da encefalopatia hepática requer
fluidoterapia para correção da desidratação, correção dos desequilíbrios eletrolíticos e ácidos-
básicos e manutenção da glicose sanguínea. Com a terapia, a maioria dos cães apresenta-se
clinicamente normal antes mesmo da correção cirúrgica do desvio. A terapia clínica não
reverte a atrofia hepática progressiva e as alterações associadas com o metabolismo dos
carboidratos, lipídios e proteínas (BROOMEet al., 2004, p.154; BUNCH, 2003, p. 520;
FOSSUM, 2006, p. 758);
5.2. Terapia Cirúrgica:
Antes da anestesia e correção cirúrgica definitiva, indica-se o tratamento clínico da
encefalopatia hepática nos cães com shunt portossistêmico (BROOME et al., 2004, p.154;
BUNCH, 2003, p. 520).
O tratamento de escolha para cães com shunt portossistêmico congênito é a atenuação
cirúrgica ou ligação do vaso anômalo. Os desvios intra-hepáticos simples são tecnicamente
mais difíceis de corrigir do que os extra-hepáticos. A ligadura cirúrgica total do shunt
portossistêmico congênito simples é preferível; entretanto, em muitos casos, apenas a ligadura
parcial do desvio pode ser realizada com segurança, devido ao risco de hipertensão portal. A
hipertensão portal ocorre porque a vasculatura intra-hepática não pode acomodar o volume de
sangue portal adicional que é desviado de volta para o fígado após a oclusão total do vaso
desviante. Muitos animais com ligadura por sutura parcial do shunt portossistêmico extra-
hepático simples, eventualmente apresentam fechamento completo de seus desvios, como é
avaliado pela cintilografia transcolônica, no entanto, é mais comum ocorrer recidiva dos
sinais clínicos quando se realiza a ligação parcial do que quando se realiza a ligadura
completa (BROOMEet al., 2004, p.154; BUNCH, 2003, p. 520; FOSSUM, 2006, p. 758;
MURPHY et al., 2001, p. 390). Em casos de shunt portossistêmico extra-hepático simples, se
descreve o uso do constritor ameróide. O constritor ameróide é um dispositivo especial que
consiste em material caseínico hidroscópico em anel de aço inoxidável (figura 6) (FOSSUM,
2005, p. 451; MURPH, 2001; PEREIRA et al 2008, p. 28).
24
Figura 6:Constritor ameróide. Imagem cedida gentilmente pelo Prof. MSc. Luis Artur
Giuffrida, Hospital Veterinário Animaniacs.
O constritor é colocado ao redor do desvio e conforme o fluído é absorvido, o lúmen
do anel torna-se progressivamente menor, causando a oclusão do desvio. A vantagem deste
método inclui a oclusão gradativa do desvio até o período de 30 á 60 dias (portanto, evitando
a hipertensão portal aguda pós-cirúrgica), diminuição do tempo cirúrgico e anestésico e
ausência de necessidade de monitorar a pressão portal durante o ato cirúrgico.Quando se
realiza sutura de atenuação ou ligadura, pode ocorrer hipertensão portal de 2 à 24 horas após a
cirurgia. Os sinais de hipertensão portal aguda grave incluem distensão abdominal e dor,
diarréia sanguinolenta, íleo paralítico, choque endotóxico e colapso cardiovascular
hiperagudo. Se ocorrer hipertensão portal grave, uma laparotomia de emergência é necessária
para remover a ligadura (MURPHet al, 2001).
Os cuidados pós-operatórios de rotina consistem em antibioticoterapia sistêmica e
fluidoterapia. A lactulose oral e dieta restrita em proteínas são mantidas em no mínimo 4 a 8
semanas ou mais, dependendo da resposta clínica individual do paciente (FOSSUM, 2005, p.
451).
25
O prognóstico para resolução dos sintomas após a ligadura cirúrgica total do desvio é
excelente se o cão sobreviver ao período pós-cirúrgico imediato. Nos cães com ligadura
parcial do desvio o prognóstico é variável. Embora os sinais clínicos possam desaparecer após
a cirurgia e o resultado pareça favorável nos primeiros anos, o acompanhamento a longo
prazo(mais de 3 anos) sugere que os sinais reaparecem em 40% a 50% dos animais com
ligações parciais do desvio. Com base nestas informações, cães que tenham sido previamente
submetidos à ligadura parcial devem ser reavaliados por cintilografia transcolônica. Se o
desvio persistir, indica-se a exploração cirúrgica para a realização da ligação por sutura
completa ou para colocação do constritor ameróide (BROOME et al., 2004, p.154; BUNCH,
2003, p. 520; FOSSUM, 2006, p. 758; JOHNSON, 2004, p. 1369; KYLES et al., 2004, p.
291).
6. RELATO DE CASO
Foi atendido em um Hospital Veterinário em São Paulo, um cão da raça maltês, com 9
meses de idade, com histórico de episódios eméticos após alimentação, com evolução de 3
meses e emagrecimento progressivo. O animal apresentava vacinação atualizada e já havia
sido tratado em colega com protetores gástricos, sem sucesso. Foram realizados exames
hematológicos e bioquímicos, com alterações na função hepática. O animal foi submetido ao
exame de imagem ultrassonográfico, sugerindo microhepatia e displasia hepática.
Após trinta dias, o animal apresentou hematomas após uma tosa higiênica na região de
bolsa escrotal com edema local. Foram realizados hemograma, dosagem de albumina sérica,
Tempo de Protrombina (TP) e Tempo de Tromboplastina Parcial Ativada (TTPA), os
resultados foram hipoalbuminemia e aumento significativo de TP e TTPA. O cão foi
encaminhado para especialidade de hematologia, a qual descartou problema hematológico e
reencaminhou o animal para a especialidade gastroentérica. Após o paciente receber uma
prescrição de antiemético e dieta hiperprotéica, o animal desenvolveu um quadro neurológico
grave, chegando ao hospital em choque e coma, quadro compatível com encefalopatia
hepática. Estabilizando os sinais clínicos, o mesmo foi submetido ao ultrassom controle, que
referiu o mesmo laudo de microhepatia. Foi enviada amostra de sangue para realização de
enzimas biliares e amônia e realizado venografia tomográfica computadorizada, o que
permitiu o diagnóstico de shunt extra-hepático. Para o diagnóstico foi utilizado um tomógrafo
26
helicoidal, com cortes de 3 mm por 3 mm de incremento no abdome. Os principais achados
do exame foram visualização de estrutura vascular anômala de grande calibre em topografia
epigástrica central, adjacente a menor curvatura do estômago, que acessa a veia cava caudal
na altura do pólo cranial do rim direito, lobos hepáticos de dimensões reduzidas, redução dos
ramos vasculares portais intrahepáticos, presença de estrutura hiperdensa em topografia de
pelve renal esquerda, não identificados pela imagem ultrassonográfica.
O animal foi submetido ao procedimento cirúrgico para a correção do shunt
portossistêmico com a colocação de um ameróide de 5 mm para oclusão do vaso anômalo.
Figuras, 7, 8, 9 e 10.
Após sessenta dias de pós-cirúrgico, animal apresentou ganho de peso, ausência de
emese, e um novo exame de ultrassom foi realizado observando fechamento total do shunt.
Figura 7: Localização do vaso anômalo. Imagem cedida gentilmente pelo Prof. MSc.
Luis Artur Giuffrida, Hospital Veterinário Animaniacs.
27
Figura 8: Identificação do desvio portossistêmico. Imagem cedida gentilmente pelo
Prof. MSc. Luis Artur Giuffrida, Hospital Veterinário Animaniacs.
Figura 9: Colocação do anel ameróide. Imagem cedida gentilmente pelo Prof. MSc.
Luis Artur Giuffrida, Hospital VeterinárioAnimaniacs.
28
Figura 10: Constritor ameróide posicionado. Imagem cedida gentilmente pelo Prof.
MSc. Luis Artur Giuffrida, Hospital Veterinário Animaniacs.
8. DISCUSSÃO
O desvio portossistêmico congênito simples extra-hepático é pouco relatado na
literatura brasileira, provavelmente devido à baixa casuística e aos sintomas inespecíficos que
podem variar desde distúrbios gastroentéricos e urológicos até os neurológicos.
De acordo com Johnson (2004, p. 1369), a forma congênita está associada à genética e
uma das linhagens mais acometidas é a raça maltês, como no caso relatado. Também, pelo
fato de ser um animal de raça pura e com nove meses idade, eleva-se a possibilidade da
manifestação extra-hepática.
No caso relatado, a suspeita de diagnóstico de shunt portossistêmico ocorreu devido ao
achado de microhepatia nos exames sucessivos ultrassonográficos não suficientes para fechar
o diagnóstico de desvio portossistêmico e ao histórico clínico. O paciente somente foi
encaminhado para a tomografia computadorizada após apresentar um quadro de encefalopatia
hepática e da não identificação do desvio ao ultrassom abdominal.
O tratamento de escolha foi cirúrgico, com a utilização de um constritor ameróide,
permitindo o fechamento gradual do vaso anômalo e restrição colórica no período de sessenta
29
dias com acompanhamento sonográfico para oclusão do vaso, mostrando-se eficaz na
resolução do desvio e nas suas consequências.
9. CONCLUSÃO
A utilização dos exames para o diagnóstico depende muito do histórico do animal,
sinais clínicos, podendo variar de caso para caso, os exames bioquímicos e os exames de
imagem são importantes, mas somente o veterinário capacitado é quem saberá indicar o
exame ideal no momento adequado.
Conclui-se que os métodos diagnósticos eficazes como a utilização da
angiotomografia foram essenciais no diagnóstico e identificação do shunt extra-hepático no
caso relatado, após tentativas mal sucedidas de diagnóstico por meio de exame
ultrassonográfico com Doppler.
O anel ameróide foi eficaz no tratamento cirúrgico do shunt extra-hepático neste cão.
10. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
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