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    ESPAOS AUTNOMOS DE ARTE CONTEMPORNEA

    KAMILLA NUNES

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    Kamilla Nunes

    RIO DE JANEIRO 2013

    Espaos autnomosde arte contempornea

    ESTE PROJETO FOI CONTEMPLADO PELO MINISTRIODA CULTURA E PELA FUNDAO NACIONAL DE

    ARTES FUNARTE NO EDITAL BOLSA FUNARTE DEESTMULO PRODUO EM ARTES VISUAIS 2012

    DISTRIBUIO GRATUITA / VENDA PROIBIDA

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    Organizao Kamilla NunesAcompanhamento crtico Leonardo Araujo, Marta Mestre,Renato Rezende e Fabiana de MoraesCoordenao Editorial Renato RezendeProjeto Grfico Vitor CesarEdio do mapeamento Leonardo Araujo e Kamilla NunesReviso Eleonora FrenkelProjeto realizado atravs da Bolsa Funartede Estmulo Produo Crtica em Artes Visuais

    Gestores entrevistadosAmilton Santos, Ana Prado, Antnio Augusto Bueno, BobN, Bruno Vilela,C. L. Salvaro, Cristiana Tejo, Cristiane Cubas, Cristiano Lenhardt,Daniela Miranda, Dora Longo Bahia, Edson Barrus, Eliana Borges,Fernando Peres, Fernando Rosembaum, Flvio Emanuel, Gabriel Machado,Gil Vicente, Graziela Kunsch, Gustavo Ferro, Gustavo Wanderley, HugoRichard, Irma Brown, Jaime Lauriano, Joana Corona, Joo Perdigo,Juan Parada, Jlio Catani, Laura Formighieri, Leonardo Araujo, LilianMaus, Mara das Neves, Marcelo Amorim, Marcelo Salles, Maria Montero,Natali Tubenchlak, Newton Goto, Niura Borges, Paulo Bruscky, Quito,

    Alex Topini, Rafael Perptuo, Regina Melim, Renato Valle, RicardoPimenta, Roberto Freitas, Robson, Rodrigo Loureno, Silvia Leal,Tain Azeredo, Tales Bedeschi, Thais Rivitti, Warley Desali, YannBeauvais e Z Carlos Garcia.

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Nunes, KamillaEspaos autnomos de arte contempornea /Kamilla Nunes. -- Rio de Janeiro : Editora

    Circuito, 2013.

    1. Ambiente (Arte) 2. Arte contempornea3. Espao (Arte) I. Ttulo.

    ndices para catlogo sistemtico:1. Arte : Espao 701.8

    13-11974 CDD-7 01.8

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    ENTRE A TRAGDIA E

    A FARSA: ESTRATGIAS

    CONTEMPORNEAS DE ARTISTA

    Por Renato Rezende

    pg 14

    INTRODUO

    pg 16

    LUTAREMOS, E AI DE QUEM

    SE OPUSER AO NOSSO

    ESFORO

    ABORDAGENS HISTRICAS DEESPAOS AUTNOMOS DE ARTE

    NO BRASIL

    Escrito em colaborao

    com Leonardo Araujo

    pg 28

    ZONAS DE RESISTNCIA

    INICIATIVAS COLETIVAS

    E ESPAOS AUTNOMOS NO

    BRASIL NA DCADA DE 1990

    pg 44 ESPAOS AUTNOMOS DE ARTE

    CONTEMPORNEA

    pg 45

    Nomenclaturas e suas

    idiossincrasias

    pg 55 A emergncia do lugar

    pg 57

    Arquiteturas hbridas |

    Estruturas transitrias

    pg 71

    Atitude, posio, conflito

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    pg 81

    Apndice A

    O QUE POVOA O IMAGINRIO

    INDEPENDENTE?

    Uma abordagem sobre

    os centros culturaisindependentes na Europa

    e Estados Unidos

    pg 86

    Apndice B

    TROCAS APENAS DURANTE

    A SEMANA: espaos

    independentes e opotlatch

    Por Paulo Miyada

    pg 92

    Apndice C

    RELATO SOBRE O PROCESSO

    DE PESQUISA E MAPEAMENTO

    pg 97

    Apndice D

    MAPEAMENTO: ESPAOS

    AUTNOMOS NO BRASIL DOS

    ANOS 90 AO SCULO XXI

    pg 123

    bibliografia

    pg 127

    agradecimentos

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    ENTRE A TRAGDIAE A FARSA:

    Por Renato Rezende

    Estratgiascontemp orneas de

    artista

    Espaos autnomos dearte contempornea

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    O contemporneo , antes de qualquer coisa, o campo das batalhasperdidas, ou melhor, o campo do ps-guerra, o campo abandonado,ps-combate. Como ps-guerra no me refiro apenas ao perodo his-trico, j clssico, vivido nas dcadas imediatamente aps o fim daSegunda Grande Guerra e sua quase inacreditvel experincia de dore atrocidades, que lanou nossa civilizao em profunda crise e fezcom que um filsofo sensvel aos processos culturais como Adorno seperguntasse se a arte, tal como era conhecida at ento, ainda seriapossvel.1Ou seja, seria possvel recomear, aps tanto horror? Quasesetenta anos depois de Hiroshima e Nagasaki, distanciados inclusivedas discusses sobre o fim (da histria) da arte,2as batalhas perdidass quais me refiro so outras: as derrocadas dos ideais utpicos domovimento hippie americano e das manifestaes de maio de 68 naEuropa; ou outras, ainda: o fim da polaridade comunismo x capitalis-

    mo que, aps a queda da Unio Sovitica, decretou a vitria indiscu-tvel do liberalismo (apesar de alguns sobressaltos, como o atentadode 11 de setembro e a crise de 2008) e nos soltou sem ncoras ou bs-

    1 Tornou-se manifesto que tudo o que diz respeito arte deixou de ser evidente,tanto em si mesma como na sua relao ao todo, e at mesmo o seu direito existncia. ADORNO, Theodor W. Teora Esttica. Traduo de Artur Moro. SoPaulo: Martins Fontes, 1970.

    2 Para Danto, assim como para Belting, no a arteper seque acabou, mas simcerta compreenso sobre sua natureza e certa narrativa sobre sua histria.DANTO, Arthur C.After the end of art contemporary art and the pale of history.Princeton: Princeton University Press, 1997.

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    solas num oceano de mercados (com suas dinmicas cada vez maisperversas), onde, como diz John Gray, somos forados a viver comose fssemos livres.3

    O fato de a guerra ter sido perdida no significa que ela tenha ter-minado; significa simplesmente que ela agora outra. Transformadaem guerrilha, tornou-se subterrnea, clandestina, no-oficial, e talveznunca tenha sido to intensa, to vital e to necessria. Talvez, comonum filme americano classe B de fico cientfica, que se inicia quan-do tudo est irremediavelmente destrudo (e essas imagens que abun-dam na atual cultura de massas so sintomticas), a guerra tenha mal-

    -comeado. Como um alien, o inimigo agora difcil de ser identificado;sem corpo ou imagem definida, ele gil e difano, ele plstico, eledesliza e se apropria, evasivo; ele se parece conosco... O inimigopoderia ser qualquer um de ns... O inimigo no tem rosto, e como um

    Big Brother, est em toda parte e em lugar algum, em cada cmera desegurana, em cada transao com carto de crdito, em cada curtidano facebook, em cada notcia de jornal, em cada formulrio, em cadamomento de glria pessoal ou em que ignoramos a dor do prximo... Ej seria ingnuo nome-lo capitalismo, ou mesmo o mercado; osdiscursos ou as narrativas oficiais, o poder. Ele (h aqueles queduvidam de sua existncia teriam razo?) tudo isso e, ainda as-sim, nos escapa: quase inominvel. Ento poderamos talvez definirque o que deve ser combatido seja certo dispositivo automtico que

    nos abraa e nos embaa; o que tira o lustro, o que disfara a potnciapara vender a falsa potncia, o que nos mercantiliza e nos conforma.Sabemos que no seio do capitalismo reificante4 j no h uma

    nica cultura dominante, e sim culturas; j no h um nico discurso,e sim discursos. Ao mesmo tempo em que abre e afirma a vida parauma mirade de possibilidades ricas sexuais, religiosas, profissionais,etc.5 o dispositivo a que nos referimos, em seus estgios recentes,cada vez mais ferozes e onipresentes (a ponto de, como percebeu Zi-

    3 GrayApudZIZEK, Slavoj. First as tragedy, then as farce. Verso: Londres, 2009.4 J em 1923, George Lukcs, ao estudar o estatuto do objeto na linha de produo

    fordista, indica a dupla dinmica de reificao e fragmentao no seio docapitalismo. Em seu ensaio The passage of the sign, Hal Foster mencionaLukcs ao pensar o desdobramento dessa dinmica no mbito das artes visuais,na passagem de um regime moderno para um ps-moderno, mencionando oprocesso de autonomia, descentralizao e dissoluo do signo. FOSTER, Hal.The return of the real. Cambridge: MIT Press, 1996.

    5 Sabemos, por exemplo, como o feminismo e os estudos de uma escrita feminina,os estudos de gneros e os estudos ps-coloniais, entre outros, desafiarame deslocaram a centralidade do cnone literrio e artstico consagrado pelatradio. Mas o que importam as diferenas, desde que voc consumae acrediteno apenas que livre, mas que lutou e conquistou sua liberdade?

    Entre a tragdia e a farsa

    Espaos autnomos de arte contempornea

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    zek, podermos imaginar o fim do mundo, mas no o fim do capitalis-mo) tambm condensa, restringe, produz fundamentalismos (atravsda poltica sem escrpulos e demaggica, da mdia sensacionalista,da medicina guiada pelos interesses da indstria farmacutica, etc.)e corrompe (os afetos, o gesto de se abrir generosamente ao mundo eao outro), ou seja, a verdadeira aventura (de uma vida selvagem e pre-ciosa), a tudo engolindo e transformando em algo mensurvel e, por-tanto, alienvel. O capitalismo tudo tende a transformar em si mesmo,a acovardar e nivelar por baixo, a embeber o mundo com seus princ-pios: em algo sem substncia, sem verdadeira presena, apenas valorde troca. Nesse espetacular mundo globalizado de ideias e imagenssoltas no ar, verdadeira caverna platnica de reflexos multiplicados,a experincia viaja nos tubos e redes invisveis das mdias eletrni-cas, rpida e fugaz, e tudo para o bem e para o mal relativo; e o

    que forte e crtico tende a perder vigor e contundncia.6

    Tal tambmacontece com a arte que o objeto de nosso interesse: desprovidade sua aura ou de seu status de objeto privilegiado, o objeto de arte (eobjeto aqui no necessariamente algo fsico e manipulvel) para obem e para o mal (pois tambm h ganhos nesse posicionamento, seestrategicamente bem aproveitado) torna-se mais uma mercadoriaentre outras mercadorias; ou seja, transforma-se em algo dispensvelou em objeto de fetiche.

    Hoje j no parece ser surpresa para ningum como, para alm

    das questes das produes de cultura de massa e da indstria cultu-ral, as assim chamadas artes visuais, ou arte contempornea, fazemcircular milhes de dlares em bienais, feiras e um mercado voltilsemelhante s grandes bolsas de valores, onde o produto artstico,a obra de arte, talvez seja o elemento menos importante.7Livre danecessidade de se comunicar com o grande pblico, pois seu valor eapreciao no dependem do aval da classe mdia; financiado e con-sumido pelos recursos excedentes (e excessivos) da mquina ultraca-

    6 O marxismo e a psicanlise, por exemplo, aos olhos da cultura geral, tornam-se meras ideologias relativas entre outras, uma teoria poltica e uma teoriapsicolgica rebaixadas, como as outras, e no mais como de fato em seunascimento propuseram ser como fortes pensamentos crticos de seu campo e,portanto, ao lado e acimados outros saberes de sua rea.

    7 Nas palavras da filsofa Anne Cauquelin sobre o regime da arte contempornea,que seria fundamentado na comunicao (e no no produto, que caracterizaria oregime da arte moderna): Mas, se desejamos permanecer na anlise do mercadocontemporneo, devemos levar em conta justamente a lei da comunicao, queexclui qualquer inteno da parte dos atores, e privilegiar o continente, ou seja,seus papis e seus lugares, em vez de seus contedos intencionais. CAUQUELIN,

    Anne.Arte contempornea uma introduo. Traduo de Rejane Janowitzer. SoPaulo: Martins Fontes, 2005.

    Estratgias contemporneas de artista

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    pitalista e seus valores exclusivistas, o mundo das artes visuais umafesta o verdadeiro lugarsimblico onde a elite se impe enquanto tal,ao mesmo tempo exibindo e barrando o acesso a um mundo de privi-lgios. Talvez no seja to surpreendente assim a rapidez com que omercado de arte internacional superou a crise econmica de 2008. Nocapitalismo fetichista, parecer ser tudo parecer ser mais do queser. Para de fato ser um artista genuno nesse universo que funcionacom a lgica da ciranda financeira, do fluxo de capitais, dos merca-dores futuros e dos investimentos, para no mencionar a vaidade e aempfia, onde artistas de meia idade so descartados e jovens sovalorizados e forados a produzir, exibir e vender sem cessar (frequen-temente sem tempo de maturao de sua obra e potica prpria), ondeh cartas marcadas e esquemas publicitrios, preciso estar atento, preciso colocar-se sempre em questo, pois, como j havia notado

    Gramsci, mais do que enfrentamento, essa uma batalha de posicio-namentos posicionamentos interiores/exteriores de um sujeito ou umgrupo de pessoas dentro de um discurso ou ideologia diante de situa-es tangveis ou conceituais, onde uma inteligente troca de posiesde enunciao talvez valha mais do que o contedo dos enunciados.

    O que significa ser um artista hoje? O que pode criar um artista,nesse contexto? Como pode, assim como um mestre de artes marciais,usar a fora do prprio adversrio para desferir um golpe certeiro?Certamente, muitos dos grandes artistas de hoje so capazes disso,

    criando intervenes que causam curtos-circuitos na lgica do dispo-sitivo. Nesse sentido, podemos compreender as palavras de Stockhau-sen quando, no calor do momento, poucos dias aps os atentados storres gmeas de Nova York, no dia 11 de setembro de 2001, qualificoua ao como a maior obra de arte de todos os tempos.8O artista con-temporneo brinca de pega-pega com o dispositivo do capitalismo rei-ficante, ou, mais grave do que isso: dedica-se a uma luta de guerrilhacontra esse dispositivo, propondo aes e abordagens perturbadoras,frequentemente com os recursos do adversrio (patrocnios estatais

    ou de grandes empresas, etc.), travando um combate cruel, dialticoe sutil, sem campos definidos, no qual o mesmo posicionamento e omesmo signo podem, de acordo com o contexto, o tom e o momento,significar resistncia ou rendio, provocao ou colaboracionismo,liberdade ou traio.

    8 HNGGI, Christian. The greatest work of art: Karlheinz Stockhausen and 9/11.Interventions symposium at Cabaret Voltaire, Zurich, 31 July 2011. Disponvelem: http://www2.warwick.ac.uk/fac/arts/theatre_s/postgraduate/maipr/currentstudents/teaching_1112/warwick/st2/harding_11-12_reading_-_stockhausen_9-11.pdf

    Entre a tragdia e a farsa

    Espaos autnomos de arte contempornea

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    Se, para Danto, que escreve no final do sculo 20, a arte teria supe-rado sua condio esttica ao se aproximar da filosofia (a partir dogesto inaugural de Duchamp,9apenas compreendido e expandido emseu pleno potencial com a arte conceitual nos anos 1970), hoje grandeparte da arte relevante supera sua condio filosfica para privilegiarsua dimenso poltica, ainda quando essa no a inteno explcitado artista. Seguindo o pensamento de Agamben (talvez, ao lado deZizek, um dos poucos filsofos contemporneos, ou seja, completa-mente alinhados com seu tempo10), a poltica seria hoje o verdadeirocampo em que poderamos pensar a produo artstica contempor-nea. Num mundo fludo e fugidio, no fcil discernir o joio do trigo, eo que parece audcia frequentemente mero espetculo, e vice-versa.Nesse sentido, o mapeamento e as reflexes levantadas por KamillaNunes neste livro focado no Brasil atual, mas atento s suas origens

    internacionais tornam-se fundamentais para a elaborao de crit-rios, valores e leituras crticas de obras de arte contemporneas, queem grande alcance so indiscernveis das aes, espaos e posiciona-mentos de seus artistas-propositores.

    9 Os ready-made de Duchamp no so obras de arte, e sim manifestaes.BURGER, Peter. Teoria da vanguarda. Traduo de Jos Pedro Antunes. So Paulo:Cosac Naify, 2008.

    10 Tal alinhamento no pode ser lido de forma ingnua ou direta, pois, como oprprio Agamben afirma, a contemporaneidade aquela relao com o tempoque adere a este atravs de uma defasagem e de um anacronismo. AGAMBEN,Giorgio. O que o contemporneo. In:A vida nua. Traduo de Miguel SerrasPereira. Lisboa: Relgio dgua, 2010.

    Estratgias contemporneas de artista

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    Os espaos autnomos de arte con-tempornea, tambm conhecidos como

    espaos independentes, espaos al-ternativos, espaos autogestionados,

    espaos experimentais ou, ainda, nocaso da Europa e Amrica do Norte,

    centros culturais independentes e ar-tist-run spaces, entre outros, passarama ocupar um lugar estratgico na re-cepo, articulao e desenvolvimentoda arte experimental no Brasil. Elesso parte de um conjunto de prticasautnomas, governadas por polticase dinmicas intensivas, por processosno lineares e por um ideal de autoges-

    to, liberdade e resistncia.Este livro tem como objetivo condu-

    zir o leitor a uma possvel compreensodo funcionamento e intencionalidadedos espaos autnomos, atravs dedepoimentos de gestores e crticos,mais do que de teorias que tentemjustificar sua existncia e permannciano sistema da arte. Por se tratar deespaos hbridos em constante fluxo,a abordagem crtica est mais con-centrada nas turbulncias do que nasferramentas de categorizao. No hpossibilidade de categorizar um lugartransitrio, pelo simples fato de que ele, pela prpria natureza de sua criao,impermanente.

    A diviso dos captulos acompanhauma histria cronolgica da criao

    de iniciativas autnomas no Brasil, acomear pelo modernismo. O primeirocaptulo, LUTAREMOS, E AI DE QUEMSE OPUSER AO NOSSO ESFORO,apresenta um breve panorama dosanos 60 e 70, tendo em vista a abran-

    gncia histrica da construo depolticas culturais com o surgimento deespaos de experimentao artstica.Este texto foi escrito com a colabora-o do crtico de arte Leonardo Araujo.

    O segundo, ZONAS DE RESIS-TNCIA, tem como foco o surgimentodos coletivose das iniciativas coletivasnos anos 90, em consonncia com o

    surgimento de espaos autnomos dearte contempornea em diversas regi-es do Brasil.

    O terceiro captulo, ESPAOS AU-TNOMOS DE ARTE CONTEMPOR-NEA, est subdividido em quatro par-tes interligadas, voltadas para espaosque surgiram no sculo XXI e que soestudados de acordo com suas coor-

    denadas, trajetrias e conflitos. Soespaos compreendidos como dispo-sitivos complexos, hbridos e de difcilclassificao por sua natureza fugidiae em contnua transformao. Por isso,as propriedades dos espaos foramabordadas em um quadro dinmico,onde ocorrem movimentos sensveis,transies de posturas, nomenclaturase pequenas ativaes polticas gerado-

    INTRODUO

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    ras de circuitos.NoApndice A, O QUE POVOA O

    IMAGINRIO INDEPENDENTE, apre-sento uma contextualizao histricasobre os centros culturais indepen-dentes em voga na Europa e Amrica

    do Norte, nos quais os movimentosanarquistas e de contracultura foramde fundamental importncia para suaconstituio. OApndice B, TROCASAPENAS DURANTE A SEMANA:ESPAOS INDEPENDENTES E O POTLATCH uma contribuio do crticoe curador Paulo Miyada para esta pu-blicao, que desdobra o raciocnio do

    Potlatchpara os espaos independen-tes, com o pressuposto de que o motorpara o funcionamento desses espaosalimenta-se dos desejos espontneosde encontro e troca em torno das ddi-vas do gesto artstico e sua recepo.

    No Apndice C, RELATO SOBRE OPROCESSO DE PESQUISA E MAPEAMENTO, exponho uma breve descri-o sobre a pesquisa de campo, suasintempries e impresses, bem comoalguns esclarecimentos sobre o mape-amento que compe oApndice D, cujaedio foi realizada em colaboraocom o crtico de arte Leonardo Arajo.Todos os espaos pesquisados no Bra-sil esto presentes neste mapeamento,embora nem todos tenham sido con-templados no desencadear do texto.

    A bibliografia no Brasil sobre otema desta publicao restrita e,por este motivo, o texto apresentado feito de fragmentos e de conversas,decorrentes de entrevistas, depoimen-tos, artigos de jornais e de revistas,

    publicaes independentes e fruns dedebate. Este aspecto transitrio permi-te que esses espaos possam seguiro fluxo das mudanas de paradigmada arte, que possam se articular paraa construo de esferas pblicas e depolticas culturais que estejam em con-sonncia com suas necessidades e asdos artistas.

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    LUTAREMOS, E AIDE QUEM SE OPUSER AO

    NOSSO ESFORO

    Escrito em colaboraocom LEONARDO ARAUJO

    Espaos autnomos dearte contempornea

    Abordagenshistricas de espaosautnomos de arte no

    Brasil

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    O investimento estatal nos equipamentos e na produo cultural dopas sempre foi inconstante e regido por uma srie de transformaespolticas, o que reflete o olhar do Estado sobre a cultura. Tendo emvista a abrangncia histrica da construo de polticas culturais, re-alizarei uma aproximao destas com o surgimento de espaos de ex-perimentao artstica.

    Trata-se, nesse movimento, de perceber a importncia histricados espaos autnomos, suas posturas de enfrentamento e contesta-o das polticas estatais vigentes e suas contribuies para a ade-quao das instituies s necessidades da arte experimental.Nesse contexto, foram escolhidos tanto espaos autnomos geridospor artistas: o Clube dos Artistas Modernos (CAM), a REX Gallery&Sonse o Espao N.O., quanto iniciativas autnomas organizadas dentro deinstituies oficiais de arte: o Ncleo de Arte Contempornea da Uni-

    versidade Federal da Paraba (NAC), o Domingos de Criao (MAM Rio)e a Jovem Arte Contempornea (JAC).O que caracteriza o dilogo so as possveis contaminaes en-

    tre os rgos do Estado, as instituies oficiais de arte e os espaosautnomos. Relaes que nem sempre so pacficas e que engendramcampos de batalha para a afirmao do experimentalismo e da liber-dade artstica. Esses espaos e/ou iniciativas so concebidos e geri-dos por artistas e crticos de arte, e no possuem obrigatoriamente umcarter ativista em relao/em oposio ao sistema capitalista, mas

    sim um esprito de resistncia declarado aos mecanismos oficiais daveiculao da arte, bem como aos regimes autoritrios do Estado.

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    O Clube dos Artistas Modernos (CAM), por exemplo, foi criadoem So Paulo um dia depois da Sociedade Pr-Arte Moderna (SPAM),1em oposio sua conduta elitista. Na dcada de 1930, diversos artis-tas, sobretudo no Rio de Janeiro e em So Paulo, passaram a se reunirpara criar outros espaos de convivncia a partir da arte, formandogrupos, associaes e clubes.2Liderado por Flvio de Carvalho, o Clu-be dos Artistas Modernos tambm contava com a participao dosartistas Antnio Gomide, Carlos Prado e Di Cavalcanti. Juntos, estesartistas resolveram fundar um pequeno clube para os seguintes fins:reunio, modelo coletivo, assinatura das melhores revistas sobre arte,manuteno de um pequeno bar, conferncias e exposies, forma-o de uma biblioteca sobre arte e defesa dos interesses da classe, 3conforme explicitam na ficha de inscrio do CAM.

    No panorama dos espaos autnomos de arte no Brasil, o CAM

    uma importante referncia, sobretudo por surgir muito antes de con-cebermos esse tipo de iniciativa como a formao de um centro culturalindependenteou de um espao autnomo.No texto Para uma discussosobre poltica e gesto cultural, a pesquisadora Isaura Botelho apontatrs momentos histricos para a organizao da rea da cultura noBrasil:

    A vinda de D. Joo VI com a criao das primeiras instituiesculturais federais, como o Museu Nacional de Belas Artes, cujacoleo foi iniciada por ele em 1808; a dcada de 1930, que se im-

    plantou um sistema verdadeiramente articulado em nvel federal,quando novas instituies foram criadas com o fito de preservar,documentar, difundir e mesmo produzir diretamente bens cultu-rais, transformando o governo federal no principal responsvelpelo setor; e o terceiro momento foi nos anos 1970 quando houveuma grande reformulao do quadro existente at ento e, maisuma vez, instituies foram criadas para atender s novas ne-cessidades do perodo.4

    1 A SPAM foi fundada em 1932 na cidade de So Paulo, por um agrupamento deartistas modernos e afinados com os setores da elite paulistana. Liderada porLasar Segall, outros diversos artistas participaram de sua criao, como: AnitaMalfatti, Mrio de Andrade, Tarsila do Amaral e Antonio Gomide.

    2 Por exemplo, a Pr-Arte Sociedade de Artes, Letras e Cincias (1931), o Club deCultura Moderna (Rio de Janeiro 1935), o Grupo Santa Helena (So Paulo 1934) e a Famlia Artstica Paulista FAP (So Paulo 1937).

    3 Apud LOPES, Fernanda.A experincia Rex: ramos o time do Rei.So Paulo:Alameda, 2009, p. 140.

    4 BOTELHO, Isaura. Para uma discusso sobre poltica e gesto cultural. In:CALABRE, Lia (rg.). Oficinas do Sistema Nacional de Cultura. Braslia: Ministrio daCultura, 2006, p.45.

    Lutaremos, e ai de quem se opuser ao nosso esforo

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    Neste sentido, as transformaes das polticas pblicas em voga nopas estavam em consonncia com as manifestaes artsticas, so-bretudo aquelas que tinham como objetivo enfrentar as instituiesoficiais e a elitizao da arte, criando seus prprios mecanismos deveiculao e produo cultural. No mesmo perodo em que intelectu-ais como Mrio de Andrade e Carlos Drummond de Andrade estavamcriando, junto ao Ministro da Educao e Sade, Gustavo Capanema,na dcada de 1930, as polticas culturais do ento presidente GetlioVargas, Oswald de Andrade e Mrio Pedrosa, por exemplo, atuavamem peas e palestras no CAM. No manifesto sobre o CAM, em 1932,Flvio de Carvalho fala sobre a vocao deste espao:

    Este clube no tem limites dentro destas paredes claras. Vive-mos no mundo, e num mundo hoje estreitamente ligado pelaradiotelefonia, pelo telefone, pela aviao, pela Graf Zeppelin.

    Embora o Brasil seja um dos pases mais longnquos da terra eupenso que ns devamos centralizar em So Paulo, neste clu-be, um intercmbio de informaes e realizaes com todos osmeios cultos universais, com os seus intelectuais e artistas. Asrie de conferncias que ns anunciamos incluir nomes deestrangeiros que tero que descobrir a Amrica e o Brasil, aqui.Convidaremos Picasso, convidaremos Chagall, convidaremosat o diabo. Conferncias, debates, exposies, revistas, tudo!Iremos a fundo em todos os problemas da arte moderna, infun-

    dindo aqui as novas noes. Lutaremos, e ai de quem se opuserao nosso esforo.5

    Com inteno declarada de trazer ao Brasil artistas internacionais, oCAM organizou a exposio da expressionista alem Kathe Kollwitz(1867 a 1945), momento em que Mrio Pedrosa apresentou uma pales-tra que discorria sobre as tendncias sociais da arte. Oswald de An-drade, por sua vez, fez uma leitura pblica da indita pea O Homem eo Cavalo, que foi dedicada Flvio de Carvalho.

    Dois anos aps o fechamento do CAM pela polcia, em 1933,devido ao escndalo da pea de Flvio de Carvalho, Bailado do DeusMorto, Mrio de Andrade um dos promotores da Semana de Artede 1922, junto Oswald e Di Cavalcanti , implementou a primeiraexperincia efetiva de gesto pblica, que no ocorreu no mbito fe-deral, mas municipal, com a criao do Departamento de Cultura de

    5 Publicado originalmente no Jornal Dirio da Noite, em 24/12/1932. In: GREGGIO,Luzia Portinari. Flvio de Carvalho. A revoluo modernista no Brasil. So Paulo:Centro Cultural Banco do Brasil, 2012, p. 41.

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    So Paulo. Em seus estudos sobre poltica cultural no Brasil, a pesqui-sadora Lia Calabre apontou que a proposta deste Departamento foiinovadora e dialogou com muitas das ideias presentes nas discussesdos grupos modernistas. Enquanto Flvio de Carvalho estava pensan-do uma democratizao da cultura em combate elite brasileira e aoacademicismo atravs de um espao informal e de experimentao

    detestamos elites, no temos scios doadores6 Mrio de Andradecompartilhava das mesmas vontades, mas atuando em uma esfera p-blica, onde permaneceu at 1938, no intuito de firmar uma identidadenacional para o pas.

    No captulo dedicado s referncias histricas ligadas ao GrupoRex e Rex Gallery&Sons, a crtica de arte Fernanda Lopes traou umparentesco deste grupo/espao com o CAM, afirmando que:

    As iniciativas do CAM contriburam para a oxigenao do circuito

    de arte, deixando explcito no s seu desejo de mexer com aslinguagens artsticas, mas tambm com as formas tradicionaisde recepo. Essas experincias no se encaixam na linha deleitura da arte brasileira a partir da vertente construtiva. O GrupoRex recupera a postura de testar limites presente em toda a pro-duo de Flvio de Carvalho a partir de seu vis performtico.7

    A Rex Gallery&Sonsfoi criada em So Paulo pelos artistas Geraldo deBarros, Nelson Leirner, Wesley Duke Lee, Carlos Fajardo, Jos Resen-

    de e Frederico Nasser, em junho de 1966, e encerrou suas atividadesem maio de 1967. Tinha como proposta questionar os modelos institu-cionais de formao e recepo da arte no Brasil, o mercado de artevigente, o papel do artista e do espectador, bem como propor novasdinmicas de ensino, criar uma alternativa circulao de arte con-tempornea experimental e, sobretudo, apontar para outras possi-bilidades de referncias artsticas baseadas na autonomia e no naatualizao de iniciativas externas.8

    Em seus onze meses de atuao, a Rex publicou cinco edies do

    jornal Rex Time cada uma acompanhada de uma exposio , reali-zou duas palestras de Flvio de Carvalho, uma de Mario Schenberg euma projeo de filmes. O mpeto de questionar os modelos institucio-nais de formao e recepo da arte no Brasil se configurava tambmcomo uma atitude de resistncia ao recente golpe de 1964, uma vez quea Rex Gallery&Sonsproclamava, antes de tudo, a liberdade de expres-

    6 Idem ibidem.7 LOPES, Fernanda.A experincia Rex: ramos o time do Rei.So Paulo: Alameda,

    2009, p. 142.8 Op.cit., p. 233.

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    so. importante salientar que o impulso para o surgimento do GrupoRex se deu em 1965, na exposio Propostas 65 na FAAP, (...) ondeNelson Leirner, Wesley Duke Lee e Geraldo de Barros retiraram suasobras da mostra em protesto censura sofrida pelo artista Dcio Bar.9

    Cabe perguntar se os eventos, movimentos e espaos criadosna segunda metade dos anos 60, que agiam com liberdade de expres-so, configurando-se como uma fora de resistncia aos regimes di-tatoriais, contriburam para a tentativa do Estado em mapear todas asinstituies culturais pblicas e privadas (de utilidade pblica) do pas.Uma hiptese a ser considerada que se, por um lado, o interessedeclarado deste mapeamento era dar auxlio financeiro s instituiesde arte, por outro lado, poderia permitir uma situao de controle dagesto e funcionamento destes locais.

    O resultado do levantamento no foi satisfatrio, pois mesmo

    com a criao dos conselhos de cultura instalados em vinte e dois Es-tados do Brasil, no havia informaes detalhadas sobre seus apare-lhos culturais e sobre a produo artstica local. Mas isso no significaque a arte fora do eixo Rio de Janeiro-So Paulo estava estagnada. EmSanta Catarina, por exemplo, no apenas foi criado o Museu de Artede Santa Catarina (MASC, 1968), como tambm comeou a surgir ummercado insipiente de arte, que teve seu fortalecimento na dcada se-guinte com a proliferao de galerias comerciais na capital do Estado,Florianpolis.

    Como o projeto de mapeamento citado acima no obteve os re-sultados esperados, o Conselho Federal de Cultura (CFC) criou o pro-jeto Casas de Cultura, inspirado no modelo proposto pelo pensador eescritor francs Andr Malraux, em 1964. De acordo com Lia Calabre,embora a poltica cultural nos anos 1960 tenha sofrido mudanas ealcanado considerveis avanos, foi somente nos anos 1970 que hou-ve preocupaes diretas do CFC com relao chegada do produtocultural norte-americano e a consequente falta de interesse, por partedo pblico, na produo cultural local. Tais fatores influenciaram na

    incluso da cultura, pela primeira vez, nas metas polticas do governofederal, ao promover a formalizao de:

    Um conjunto de diretrizes para o setor que se refletiu imediata-mente num novo desenho institucional. rgos foram criados apartir de algumas demandas especficas de setores artsticos,como o caso da Fundao Nacional de Arte FUNARTE; ou-tros a partir da aglutinao de institutos j existentes, como a

    9 Op.cit., p. 193.

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    Empresa Brasileira de Filmes Embrafilme. (...) Tinha-se ali, naverdade, a estrutura que veio redundar na criao do Ministrioda Cultura em 1985.10

    Este desenho institucional que incorporou demandas especficas dacultura marcou o surgimento, em 1978, doNcleo de Arte Contempo-

    rnea da Universidade Federal da Paraba. O NAC/UFPB foi criado emparceria com a Funarte, atravs do Projeto Universidade (PU).O car-ter experimental do NAC e o fato de ter sido concebido por um artista eum crtico de arte, respectivamente Antnio Dias e Paulo Srgio Duar-te, indica o incio de uma abertura atravs da Funarte, para o incentivode projetos e espaos de experimentao de arte contempornea. Poroutro lado, como sugere a pesquisadora Fabricia Cabral de Lira Jor-do, atravs do financiamento desses projetos, a Funarte pde tomarconhecimento, influenciar e controlar na medida em que ela era o

    rgo financiador o que estava acontecendo no pas em relao cultura; ampliando seu raio de influncia (e suas polticas culturais)para as diversas regies do pas.11

    A dcada de 1970 foi marcada, no mbito das artes visuais, porimportantes projetos institucionais que impulsionaram a pesquisa e oexperimentalismo, alm de serem, eles mesmos, projetos inovadores.A rea Experimental, a proposta Jovem Arte Contempornea e os Do-mingos de Criao contriburam para a construo de um pensamentocuratorial que replicado at os dias atuais, no que diz respeito aos

    novos formatos expositivos em confronto com os j tradicionais, bemcomo participao dos artistas neste processo. A proximidade daFunarte com a arte contempornea e a colaborao dos crticos, cura-dores e artistas na reconfigurao das prticas museolgicas, ligadasaos principais museus do pas o Museu de Arte Moderna do Rio deJaneiro (MAM) e o Museu de Arte Contempornea de So Paulo (MAC) aproximaram iniciativas outrora consideradas marginais, de uma pr-tica institucional indita no contexto brasileiro.

    Em sua dissertao sobre o NAC, Fabricia Jordo considera queno Brasil a fora e desempenho exitoso (ou no) de uma instituiocultural residir menos numa tradio institucional e mais na cons-cincia pblica de seus gestores e em como essa conscincia se re-fletir nas relaes, articulaes e atuaes que estes estabelecem

    10 BOTELHO, Isaura. Para uma discusso sobre poltica e gesto cultural. In:CALABRE, Lia (Org.). Oficinas do Sistema Nacional de Cultura. Braslia: Ministrioda Cultura, 2006, p.46.

    11 JORDO, Fabricia Cabral de Lira. O Ncleo de Arte Contempornea daUniversidade Federal da Paraba 1978|1985. So Paulo: F.C.L. Jordo, 2012, p.149.

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    com o meio artstico e poltico.12Foi por este motivo que Paulo SrgioDuarte e Antnio Dias foram convidados para formular e implementaro projeto do NAC.

    Partindo deste pressuposto, podemos considerar que, igualmen-te, a proposta Jovem Arte Contempornea (conhecida como JAC), es-tava mais vinculada atuao de Walter Zanini, diretor do MAC, do quepropriamente poltica deste museu, que at ento operava atravsde modelos tradicionais. Nesse sentido, a relao estreita de Zaninicom os artistas provocou uma colaborao natural para a construoe o desenvolvimento destas exposies.

    A Jovem Arte Contempornea foi criada em 1967 e se manteveativa at 1974, atravessando um longo perodo de ditadura. Walter Za-nini, em entrevista ao curador Hans Ulrich Obrist, lembra que mesmoa universidade no escapou represso, ainda que tenha sido um re-

    duto de resistncia. Assim, embora as JACs tenham acontecido emum espao institucional, elas conseguiram manter um carter polticoatravs de metforas que aludiam s restries s liberdades pela di-tadura militar.13

    Entender o museu como uma instituio aberta sociedade tam-bm um marco no pensamento do crtico e curador Frederico Moraisque, em 1971, implementou no Museu de Arte Moderna do Rio de Janei-ro os Domingos de Criao. Tanto em sua atuao como crtico de arte,quanto como curador, Frederico questionava as posturas conservado-

    ras sobre a arte brasileira, que no estavam levando em consideraoo que ele mesmo chamava de arte jovem. Tambm repensou, tal comoZanini, as posturas que um museu deveria assumir frente sociedadee arte de seu tempo. Segue abaixo a descrio dos Domingos deCriao, por parte de seu mentor, Frederico Morais:

    Entre janeiro e julho de 1971, sempre no ltimo domingo de cadams, o Museu de Arte Moderna realiza seis manifestaes de li-vre criatividade com novos materiais, organizadas por FredericoMorais e denominadas Domingos de Criao. Os ttulos de cadamanifestao Um domingo de papel, O domingo por um fio,

    O tecido do domingo, Domingo terra a terra, O som do domin-go e O corpo a corpo do domingo indicam no s o materialbase das diversas manifestaes, como tambm uma tentativade discutir o prprio conceito de domingo, como parte de uma

    12 JORDO, Fabricia Cabral de Lira. O Ncleo de Arte Contempornea daUniversidade Federal da Paraba 1978/1985. So Paulo: F.C.L. Jordo, 2012, p.71.

    13 OBRIST, Hans Ulrich. Uma breve histria da Curadoria. So Paulo: BEIComunicao, 2010, p. 190.

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    estrutura de lazer no mbito de uma sociedade dominada pelotrabalho improdutivo e mal remunerado e por um lazer repetitivoe pouco criativo. Pelo ngulo social, trata-se de uma proposta delazer criativo contra o consumo estereotipado dos gadgetse dosclubes sociais. Do ponto de vista artstico, os Domingos de Cria-o tm os seguintes pressupostos tericos: 1) todo e qualquermaterial, inclusive o lixo, pode servir realizao de trabalhos dearte; 2) todas as pessoas, independente de sua condio social,econmica ou cultural, so inatamente criadoras e podem exer-citar sua criatividade se no forem impedidas a isso; 3) em seuestado atual, a arte substituiu o objeto pela atividade; 4) na arte-

    -atividade, cada vez menor a distncia entre o artista e o pbli-co; 5) o museu de arte no se limita mais guarda e conservaode obras-primas, mas deve criar espaos para propostas de arte

    pblica abertas participao coletiva. As manifestaes reali-zam-se ao longo de todo domingo, com a participao de adultose crianas, que s vezes somam dez mil pessoas. Vergara, PauloLeal, Antnio Manoel, Lygia Pape, Joo Carlos Goldberg, Asc-nio MMM, Maurcio Salgueiro, Osmar Dillon, Ivan Serpa, Eduardongelo, Paulo Herkenhoff e Amir Haddad, entre outros artistas,participaram dos Domingos de Criao, que foram amplamentedocumentados em slides, fotografias, entrevistas gravadas e lo-graram a mais ampla cobertura da imprensa, tornando-se uma

    referncia para projetos semelhantes em todo o pas.14

    Percebe-se na fala de Morais uma potncia crtica de resistncia e deenfretamento elite cultural brasileira, uma vontade de redemocrati-zao da arte, no s no sentido de aproximar a arte contemporneado pblico, mas de levar a cabo o conceito de participao da obra,transformando-a em experincia. A mesma potncia e desejo de ino-vao que encontramos, por exemplo, nas publicaes do jornal RexTimee nos depoimentos de Flvio de Carvalho sobre o CAM, protes-tando contra a profunda hipocrisia da nascente sociedade elitizada econservadora de So Paulo. Ainda que as atuaes de Zanini e Moraisestivessem inseridas em um contexto institucional, importante con-siderar que elas no aconteceram de forma isolada e que, ao mesmotempo, alguns espaos autnomos de arte estavam desaparecendo,enquanto outros estavam surgindo. o caso da Escola Brasil, funda-da em So Paulo por Carlos Fajardo, Luiz Paulo Baravelli, FredericoNasser e Jos Resende, em 1970, e do Espao N.O., fundado em Porto

    14 MORAIS, Frederico. Cronologia das Artes Plsticas no Rio de Janeiro 1816-1994.Rio de Janeiro: Topbooks, 1995, pp. 319-320.

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    Alegre em 1979. Alm disso, o NAC permanecia com sua programaona Paraba.

    A ruptura dos suportes tradicionais de arte, a crtica aos seussistemas oficiais, as relaes entre obra e contexto, as implicaes daarte processual e o experimentalismo vivenciado pelos artistas, so al-gumas das situaes que influenciaram nas mudanas de paradigmados prprios espaos, sejam eles institucionais ou no, e que precisa-ram, por sua vez, adequar-se a estas urgncias. Todos os exemplos jhistricos citados aqui ilustram um novo tipo de relao que a obra e oartista podem assumir nos espaos voltados para a arte experimental.

    De certa forma, eles surgem para atender a uma demanda do fa-zer artstico, e por isso eles mesmos no possuem um tempo definidode existncia. Foi neste contexto que o Espao N.O.se constituiu comouma importante iniciativa de artistas de Porto Alegre/RS, que, depois

    de uma experincia coletiva com o grupo Nervo tico,15

    buscaram es-tabelecer na cidade um lugar voltado para a difuso da produo ar-tstica nacional ligada aos novos meios.

    O Espao N.O., Centro Alternativo de Cultura, foi inaugurado em1979 pelos artistas plsticos: Vera Chaves Barcellos, Telmo Lanes, AnaTorrano, Heloisa Schneiders da Silva, Karin Lambrecht, Regina Coeli, Si-mone Basso e artistas oriundos de outras reas, como teatro e msica.

    Nos seus dois anos de atividade, entre outubro de 1979 e 1982, oEspao N.O. organizou e apresentou 22 mostras coletivas e 19

    individuais, onde se incluem quatro apresentaes de perfor-mance alm de oito participaes, como equipe, em eventostais como a XVI Bienal de So Paulo, IV Salo Nacional de ArtesPlsticas/MAM-RJ , 12 encontros com artistas e intelectuais,entre os quais o lanamento do livro Arte na Amrica Latina: doTranse ao Transitrio, de Frederico Morais e um ciclo de pales-tras com Aracy Amaral sobre Arte Latino-Americana, ambos em1980. O Espao N.O. tambm promoveu vrias atividades, pa-lestras e cursos na rea de teatro, dana, msica e literatura, emum total de 18 eventos, alm de sesses de filmes e audiovisuaise/ou sobre arte em geral.16

    A quantidade de aes desenvolvidas em um perodo to curto de

    15 Grupo criado em 1977 por jovens artistas de Porto Alegre (Carlos Asp, CarlosPasquetti, Clvis Dariano, Mara Alvares, Telmo Lanes e Vera Chaves Barcelos).Mais informaes sobre o grupo podem ser encontradas no livro Espao N.O.,Nervo ptico, organizado por Ana Maria Albani de Carvalho, em 2004.

    16 CARVALHO, Ana Maria Albani (Org.). Espao N.O., Nervo ptico. Rio de Janeiro:FUNARTE, 2004, p. 53.

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    tempo impressiona tambm pela qualidade dos eventos e exposiesali realizados. Interessados em uma arte de investigao que envol-via principalmente arte-postal, fotografia, arte-xerox, performances einstalaes, o N.O. propiciou uma articulao efetiva entre a arte e oseu meio circundante. No catlogo publicado em 1982, ocasio do fe-chamento deste espao, a crtica e curadora Aracy Amaral comentou aatuao do N.O., afirmando que suas atividades foram uma respostaa um meio social e artstico abastado, porm ressentido da necess-ria aerao para a permanente atualizao da criatividade, como diriaMario de Andrade com outras palavras.17

    Por no se caracterizar como uma galeria comercial de arte etampouco como a sede de um coletivo ou grupo de artistas, o N.O. seconfigura como um espao de arte contempornea gerido por artistase desvinculado de qualquer instituio, com estatuto e objetivos defi-

    nidos desde a sua criao. Cabe ressaltar que o N.O. foi inspirado emum espao cultural organizado pelo artista Ulisses Carrin, chamadoOther Books and So,18sediado em Amsterdam. Esta rede de contatoschegou a Porto Alegre atravs de uma carta endereada por Ulisses Vera Chaves Barcellos, entregue atravs de Ana Torrano, artista vincu-lada ao Instituto de Artes da UFRGS que, na poca, reunia um grupode jovens alunos e artistas interessados e atuantes, promotores de di-versos eventos significativos de arte postal.19

    Foi a partir do encontro de Ana Torrano e Vera Chaves Barcellos

    que o N.O. comeou a ser desenhado enquanto espao de arte. A ex-perincia de um grupo de artistas oriundos de um coletivo, o Nervotico, e outro oriundo da universidade, configurou uma cooperativade artistas que materializou o que eles mesmos chamavam de centrocultural. Em seu estatuto, elaborado em 1979, pode-se perceber clara-mente os objetivos iniciais do N.O.:

    O ESPAO N.O. o Centro de produo criativa, sem fins lucra-tivos, com finalidade de estimular o intercmbio, a distribuio ea divulgao de produtos e ideias artstico-criativas, congregan-do artistas visuais, teatrais, msicos, escritores, poetas e outroscriadores, assim como pessoas com atitudes abertas em relaoaos fenmenos artsticos e culturais contemporneos.20

    17 AMARAL, Aracy. Espao N.O.: Um ncleo de Arte Experimental no Sul do Pas.In: Espao N.O.. Rio de Janeiro: Funarte, 1982, p. 17.

    18 Other Books and Soera uma livraria que possua o perfil de um centro cultural.Alm da elaborao e publicao de livros de artistas, eram realizadasexposies, performances e demais manifestaes artsticas.

    19 CARVALHO, Ana Maria Albani (Org.). Espao N.O., Nervo ptico. Rio de Janeiro:FUNARTE, 2004, p. 50.20 ApudCARVALHO, Ana Maria Albani (Org.). Espao N.O., Nervo ptico. Rio de

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    O postulado de Frederico Morais em 1971, de que o museu de arteno se limita mais guarda e conservao de obras-primas, mas devecriar espaos para propostas de arte pblica abertas participaocoletiva, conforme foi citado anteriormente, vem de encontro aosinteresses dos artistas que conceberam o N.O. e toda a sua intensaprogramao. Mas mesmo com todo esforo e dedicao, o grupo seviu obrigado a encerrar as atividades do espao por no receber dopblico visitante a contrapartida esperada.

    A escassez de pblico e falta de recursos financeiros so, aindahoje, identificadas como um problema para diversos espaos autno-mos de arte contempornea. Pelo que consta, as JACs enfrentavamproblemas financeiros da mesma ordem, como se pode observar naentrevista de Zanini Obrist: o museu foi fundado sob condiesbastante precrias, num espao emprestado, uma situao que durou

    mais do que o esperado. O oramento era medocre e a administrao,que consistia em funcionrios e colaboradores, muito pequena. Por-tanto foi um comeo com muitos problemas.21

    Seja atravs de uma fugaz iniciativa amparada por uma grandeinstituio ou da criao de um espao autnomo de experimentao,todos os exemplos citados foram favorveis a uma prtica artstica deresistncia, aberta criao de novas linguagens. So espaos quesurgiram em paralelo s tentativas do Estado de criar polticas cultu-rais para o pas. Acontece que a urgncia da arte muito maior do que

    a velocidade com que so construdas essas formas de incentivo cul-tura, sobretudo porque elas no possuem continuidade, transformam--se e so extintas a cada troca de governo.

    O gesto de conceber um espao para produo, difuso e forma-o em arte contempornea, de se sujeitar censura e s crticas dasociedade, de enfrentar o regime militar, nem sempre correspondema uma crtica contra a instituio oficial de arte, mas sim luta porum ideal. Se analisados em suas particularidades, possvel perceberque nenhum destes espaos encerrou suas atividades por um nico

    motivo, mas por uma conjuntura de situaes, como a mudana decontextos polticos, a represso e a escassez de pblico e apoio fi-nanceiro. Mas talvez o principal motivo tenha sido a dificuldade paramanter vivo e ativo um lugar que j parte de uma utopia: a liberdade.

    Janeiro: FUNARTE, 2004, p. 64.21 In: OBRIST, Hans Ulrich. Uma breve histria da Curadoria. So Paulo: BEI

    Comunicao, 2010, p. 185.

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    Iniciativas Coletivas e EspaosAutnomos no Brasil na dcada de1990

    Espaos autnomos dearte contempornea

    ZONAS DE RESISTNCIA

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    As principais referncias histricas desta pesquisa esto localizadastemporalmente entre as dcadas de 1960 e 1970. Apesar da ditadura,tanto a contracultura quanto as iniciativas coletivas de artistas se ex-pandiram no Brasil e, por consequncia, alguns espaos foram criadoscom o propsito de veicular uma produo de vis poltico, crtico e ex-

    perimental. Essa organizao de novas configuraes espaciais e deruptura com posturas cannicas so reconhecidas, aqui, comozonasde resistncia.

    O curto perodo de funcionamento dos espaos referidos no ca-ptulo anterior e o fato de no possurem uma ampla cobertura nosmeios de comunicao, talvez tenha potencializado ainda mais umanoo de coletividade e colaborao entre seus integrantes e gestores.Percebe-se que havia uma preocupao de alguns espaos no regis-tro de suas prprias histrias, seja atravs de jornais, de catlogos ou

    de intervenes urbanas. Tambm por esse lado, mesmo que houves-se interesse da imprensa em fazer uma divulgao massiva dessasaes, corria-se maior risco de censura e perseguio.

    Mas devemos considerar que, possivelmente, outras iniciativase espaos surgiram no Brasil nessa mesma poca, ainda que poucoou nada se saiba sobre eles, exatamente pela dificuldade de acesso aregistros textuais e fotogrficos. Nesse sentido, os espaos referidosnesta pesquisa at os anos 1980, no podem ser considerados comonicos, pois, de uma perspectiva fragmentada, seria preciso ampliar

    esta investigao para alm do que os braos da histria foram capa-

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    zes de alcanar.1Mesmo a rea Experimental, que aconteceu dentrode um grande museu, o MAM do Rio de Janeiro, no possua, at o anode 2013, sua histria devidamente registrada por esta instituio.

    A contradio que quando o Brasil passou pelo perodo deabertura poltica e pelo consequente processo de privatizao decor-rente do neoliberalismo, essas experincias de resistncia tornaram-

    -se evasivas. Se durante os regimes totalitrios esses espaos tinhamcomo foco exercer a experincia de uma liberdade, deixando-se ab-sorver pelas prticas coletivas, nos anos que se seguiram, tanto o go-verno quanto grande parte dos artistas, influenciados pelo mercadode arte em ascenso, passaram a ter como foco a noo de que soos indivduos que devem, com liberdade, assegurar o enriquecimentocontnuo da cultura.2

    Essa mudana de paradigma termina colocando em primeiro pla-

    no, no mbito das polticas culturais, a implementao da Lei Sarney,durante a gesto de Celso Furtado, em 1986, que tinha como objetivoconceder benefcios fiscais, atravs do imposto de renda, a empresasinteressadas em veicular seu nome arte e cultura. Meta esta queisentou o Estado de elaborar outros meios de incentivo, desrespeitan-do inclusive a nova Constituio promulgada em 1988, na qual, pormeio do artigo 215, ficava estabelecido que o Estado garantiria a todoso pleno exerccio dos direitos culturais e o acesso s fontes da culturanacional, e apoiaria a valorizao e a difuso das manifestaes cul-

    turais.Ainda que poucos espaos autnomos estivessem em atividadenos anos 80, o crtico de arte Paulo Reis, na quarta edio da revistaNmero,3props, como um exerccio de diacronia, que os anos 80 fos-sem repensados a partir da produo de alguns artistas especficos.Para o autor, essas obras so referncias to importantes para a d-cada de 1990 quanto a produo artstica brasileira poltica dos anos60/70:

    [...] Os anos 80 trazem uma mudana poltica e social sem prece-dentes. Uma nova configurao poltica vai transformar uma ve-lha maneira de agir e ver criticamente a realidade. [...] O processo

    1 Esta pesquisa tem como foco os espaos autnomos que surgiram no Brasila partir de 1990 e, por isso, no contemplou um estudo mais abrangente, delevantamento de dados, das dcadas de 1960 e 1970.

    2 CALABRE,Lia. Polticas Culturais no Brasil: dos anos 1930 ao sculo XXI. Rio deJaneiro: Editora FGV, 2009, p. 102.

    3 O primeiro nmero da revista Nmero,foi editado em 2003 por Thas Rivitti eJuliana Monachesi e dedicado questo do circuito de arte alternativo e satividades independentes nas artes visuais.

    Zonas de resistncia

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    de abertura poltica iniciado ainda nas entranhas duras do regimemilitar do Brasil desencadeia tambm aqui uma transformaosem igual. Houve uma tomada do espao pblico no pas, vistono mais apenas como espao de luta e confronto contra mil-cias ou grupos fascistas de direita, mas como o espao que vinhasendo conquistado e construdo pelos grandes comcios e sensi-velmente ampliado no campo da expresso cultural com o fim dacensura. Espao pblico compreendido tambm como o espaoinstitucional (artstico, inclusive) e sua necessria ocupao.4

    No desencadear do texto, Paulo Reis cita quatro propostas artsticas:duas delas so as aes do grupo 3NS3 e do Moto Contnuo, consi-deradas sintomticas do momento poltico-cultural do pas da dcadade 1980. Sucessivamente, reportando-se aos anos 2000, o crtico refe-re-se ao Museu MUSEU,de Mabe Bethonico e ao Restauro (Almeida

    Jnior), de Carla Zacagnini, como trabalhos que operam diretamenteno espao da instituio da arte e no trnsito entre o espao da rua, dacidade e os da arte. Essas propostas de crtica institucional so sin-tomas de um fazer artstico da contemporaneidade que, certamentede uma maneira no exclusiva, esto atuando num campo de pesqui-sas configurado pelos anos 80.5

    Ao aproximar as aes dos anos 80, que operam na ativao doespao pblico, com obras de artistas e coletivos que apostam numapositivao possvel dos sempre problemticos espaos da cidade e

    instituies artsticas,6Paulo Reis provoca o deslocamento de um dis-curso j homogeneizado, de que as prticas polticas e experimentaisde arte cederam ao esvaziamento da obra de arte, devido sua cres-cente comercializao. Traz ainda discusso a emergncia de umsujeito que, por estar sintonizado com a abertura poltica no Brasil, re-ne crtica e afetividade em seu trabalho, como nas obras dos artistasLeonilson e Jac Leirner.

    O equilbrio dessas duas facetas da histria, ou pelo menos domodo como ela contada, d-se a partir de uma perspectiva fragmen-tada. Essa toro tem a propriedade de fazer com que um percursoindividual possa coabitar com uma dimenso mais global da arte e seratravessado por ela. exatamente porque a histria desalinhada esobreposta, que muitos artistas atuantes nos anos 90 com o intuitode viver a arte de uma forma mais coletiva e menos individual , refu-

    4 REIS, Paulo. Arranjos e Circuitos. In: Os lugares (e o trnsito) da arte. RevistaNmero. n. 4. So Paulo, 2004, p. 14.

    5 Idem ibidem.6 Idem ibidem.

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    taram e fizeram crticas severas ao crescente aumento do mercado dearte, ao diminuto investimento do Estado na cultura e s instituiesde arte que possuam polticas engessadas e conservadoras. A insa-tisfao dos artistas e a dificuldade de veicular, no circuito oficial,uma arte que no cedeu s demandas do mercado e que buscava adiluio das fronteiras entre arte e ao poltica complicou-se aindamais com a dissoluo da Funarte em 1990, durante a presidncia deFernando Collor de Mello.

    Sem espaos oficiais de atuao e determinados a enfrentar algica do mercado que, a priori, define a qualidade de uma obra de arte,artistas de diversas regies do pas passaram a se agrupar em tornode um interesse em comum e a definir seus locais de atuao fora docubo brancoe dos espaos sagradosde legitimao. A estes agrupa-mentos, deu-se o nome de coletivos. De acordo com a pesquisadora

    Fernanda Albuquerque:Em meio e esse contexto, as estratgias empregadas pelos co-letivos j no so embaladas pela vontade confessa de mudar omundo, transformar por completo o sistema das artes ou mes-mo implodi-lo. No so mais as grandes utopias da modernida-de que as alimentam. Ainda assim, elas traduzem um posicio-namento crtico e reflexivo frente s dinmicas e valores no sdo sistema das artes, mas da prpria sociedade, expresso pormeio de aes capazes de provocar pequenos curtos-circuitos

    na realidade, ao indagarem sobre o presente e apontarem outraspossibilidades de se imagin-lo.7

    Com relao a um contexto poltico-cultural, mesmo com a reestru-turao da Funarte em 1993 e com a substituio da Lei SarneypelaLei Rouanet, o incentivo s prticas artsticas ligadas s artes visuais,segundo depoimentos dos prprios artistas, passou desapercebido.Para a artista Graziela Kunsch, responsvel pela Casa da Grazi Cen-tro de Contracultura de So Paulo, o primeiro edital relevante para as

    artes visuais, lanado em 2007 pela Funarte, foi o edital Conexo Ar-tes Visuais MinC/Funarte/Petrobras.

    Quando apontado que os espaos autnomos e, neste caso, oscoletivos, podem ser entendidos como zonas de resistncia, significadizer que eles resistem, inclusive, hostilidade e aridez do sistemaque os envolve, mas nem sempre os absorve. Resistem no somente

    7 ALBUQUERQUE, Fernanda. Troca, soma de esforos, atitude crtica e proposio:Uma reflexo sobre os coletivos de artistas no Brasil. Tese de Mestrado. Programade Ps-graduao em Artes Visuais da UFGRS, Porto Alegre, 2011, p. 28.

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    a pesar, mas tambm por causa dessa aridez. Na tentativa de com-preender ainda melhor estes ltimos vinte anos, devemos apreend-

    -los como um processo em movimento, que no refuta a histria, mastampouco torna-se refm do prprio passado e, menos ainda, das re-feridas polticas de incentivo cultura criadas e gerenciadas por r-gos do Estado.

    As relaes anacrnicas dos coletivos com a arte poltica, con-ceitual e engajada dos anos 1970 foram amplamente abordadas porcrticos e artistas, regidas com o propsito de compreender o que elesmesmos chamavam de exploso, surtoou fenmenodos coletivos. Seantes a pergunta recorrente era se esse fenmenopoderia ser consi-derado como o sintoma de uma poca, hoje caberia perguntar aos quepermaneceram ativos se eles esto abertos e provocantes o suficien-te para permitir o reconhecimento e a incluso de um contexto social,

    artstico, poltico e econmico que pode se dissolver no momento se-guinte.A matria A exploso do a(r)tivismo, escrita pela jornalista Ju-

    liana Monachesi e publicada em 2003 pela Folha de So Paulo, obte-ve uma repercusso nacional e instantnea, que mobilizou uma sriede discusses, entre elas a discordncia do professor e artista LuisAndrade, no texto Rio 40 Fahrenheit,8em relao sugesto queMonachesi fazia de que os coletivos formados no Brasil e partir dosanos 90 eram uma reverberao dos grupos de artistas que surgiram

    na dcada de 1970.Para ela, esses jovens artistas, reunidos em torno de um coletivo,fazem pensar em um revivalda arte brasileira dos anos 60 e 70, que,em figuras como Hlio Oiticica, Barrio e Cildo Meireles, conheceu umaguerrilha contra o regime militar, contra o vazio do sistema das artes,contra a reificao da obras de arte etc..9No mesmo texto, a autoracita a opinio do crtico de arte Luis Camillo Osorio, que se posiciona,tal como Luis Andrade, contra a noo de revival, mas sem negar asintonia com o passado, percebendo que os coletivos esto vivendo

    outro contexto e realidade econmica, poltica e artstica.No decorrer dos anos 90, os coletivos ganharam visibilidade no

    circuito artstico e despontaram em diversas regies do pas, fazen-do com que surgissem muitos textos, artigos de jornais, congressose fruns de debate, a fim de discutir esta exploso. Estimulado pelotexto do escritor e ativista Ricardo Rosas, Hibridismo coletivo no Brasil:

    8 ANDRADE, Luiz. Rio 40 Fahrenheit, Revista Concinnitas.Rio de Janeiro: UERJ.Ano 4, n 5, 2003, p. 126.

    9 MONACHESI, Juliana. A exploso do a(r)tivismo, Folha de So Paulo, 06 de abrilde 2003. Acesso em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs0604200305.htm

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    transversalidade ou cooptao?, o artista Gavin Adams escreveu outroem resposta, intitulado Como passar um elefante por debaixo da porta?,que foi publicado no frum do COROColetivo,10no qual discorreu so-bre dois riscos dos coletivos:

    Para mim, as formas abertas de ao, redes fludas recombinan-

    tes, em suas diversas manifestaes, constituem tanto a maiorfora quanto a maior fraqueza dos coletivos. O risco que se correseria de ter uma ao mais claramente poltica ou ativista serengolida por estes formatos de mesclagem, acabando por se di-luir nos resultados obtidos. Desta forma, festejar-se a si mesmocomo ativista, coletivo ou praticante da transversalidade nobasta para produzir prticas ativistas, coletivas ou transversais.No seu pior, estes termos serviriam apenas para definir um vagoestilo rebelde ou da hora, um hype passageiro e indevido. O se-

    gundo risco, associado ao primeiro, a cooptao desta formapotencialmente libertria e crtica pela mdia e pelas foras deproduo, que se apropriam do nome e do formato coletivo dearte, transformando sua fora crtica em estilo ou atitude asso-ciados mercadoria.11

    Percebe-se que no tardou para que a euforia e o romantismo fossempostos de lado e essa exploso fosse debatida no mais a partir da no-o do que est forado circuito, mas a partir do protagonismo das ini-

    ciativas que expandem esse circuito, instaurando outros, paralelos einterligados. Resistir a um sistema no necessariamente significa que preciso se posicionar fora dele. De certo modo, agir a partir dessepressuposto, j significa estabelecer uma hierarquia, quando a pr-pria lgica dos coletivos prev horizontalidade. Mas preciso admitirque a fora do debate gerado nessa poca, aliado s aes dessesgrupos, foram alguns dos fatores que desequilibraram o atual enclau-suramento da Arte, vivido em toda a dcada de 1980, conduzindo criao de espaos autnomos com variados perfis de atuao.

    Alm de incidirem diretamente no tecido social da cidade, essasiniciativas coletivas geraram lugares para debates, encontros, expo-sies ou mesmo para a formao de jovens artistas, apostando em

    10 CORO a abreviao de Colaboradores em Rede e Organizaes. Foi idealizadoe ativado em 2003 como uma plataforma de potencializao da rede decoletivos de arte, projetos e programas colaborativos, espaos auto-geridos edemais cooperativas. Essa plataforma pode ser acessada atravs do endereoeletrnico: http://corocoletivo.org/

    11 ADAMS, Gavin. Como passar um elefante por debaixo da porta?, CanalContemporneo. Disponivel em: http://www.canalcontemporaneo.art.br/forum/viewtopic.php?p=160 2005. Acessado em agosto de 2013.

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    estratgias que pudessem dar vazo produo cultural do pas e noapenas s suas prprias. Uma postura que foi identificada pela pes-quisadora Claudia Paim, no livro: Tticas de Artistas na Amrica Latina:

    Coletivosso os agrupamentos de artistas ou multidisciplinaresque, sob um mesmo nome, atuam propositalmente de forma con-

    junta, criativa, autoconsciente e no hierrquica. O processo decriao pode ser inteira ou parcialmente compartilhado e bus-cam a realizao e visibilidade de seus projetos e proposies.Os coletivos podem ser mais ou menos fechados. Alguns pos-suem uma formao fixa e determinada internamente, outros, umncleo central em torno do qual se agregam distintos parceirosde acordo com os projetos de execuo. Iniciativas coletivassoprojetos com autogesto de equipes de trabalho constitudas porartistas ou mistas, que se formam para um determinado fim e

    que no pretendem estabelecer vnculos como nos coletivos nemtm o propsito de formar um coletivo.12

    A diferena proposta entre coletivose iniciativas coletivasassinala umamudana estrutural interna de funcionamento. O discurso anti-merca-dolgico, de reao lgica do espetculo e com a premissa de estarjunto com liberdade, muito em voga entre os coletivos, tambm re-fletido em diversos espaos concebidos por estes agrupamentos deartistas, que buscam uma troca abrangente entre o artista e o pblico,

    sobretudo pelas relaes afetivas que conectam a criao artstica ea gesto do fazer artstico. Por serem hbridos, difcil identific-los apartir de uma ou outra categoria genrica, mas possvel traar per-fis de parentesco que sejam convergentes com suas especificidadesfsicas e funcionais.

    A maioria desses espaos foi fundada no incio dos anos 2000,concomitante ao fortalecimento das polticas culturais do pas (a partirde 2003 com a posse do ministro Gilberto Gil, na primeira gesto dopresidente Luis Incio Lula da Silva) e s mudanas de estratgias dos

    prprios coletivos que, igualmente, continuaram se replicando. Pode--se dizer que alguns espaos hoje caracterizados como independen-tes carregam consigo a memria dos coletivose/ou iniciativas coleti-vas, embora ela no defina uma formao homognea e menos aindauma perspectiva de combate e resistncia ao mercado e s institui-es legitimadoras vigentes.

    Nesse quadro, a pesquisa de Newton Goto, Circuitos Comparti-

    12 PAIM, Claudia. Tticas de artistas na Amrica Latina: coletivos, iniciativas coletivas eespaos autogestionados.Porto Alegre: Panorama Crtico Ed., 2012, p. 7-8.

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    lhados, uma importante referncia de anlise dessas sincronicida-des. Os espaos ou fluxos de circulao da produo, gerenciados porcoletivos de artistas, ou os trabalhos artsticos construdos a partir daparticipao criativa, so algumas das possibilidadespolticaspara oscircuitos heterogneos.13Goto entende que poltica tambm a capa-cidade de instaurao de distintos circuitosde arte.14Osheterogneos,portanto,

    situam-se numa esfera de acontecimentos na qual percebem-secaractersticas mais particulares associadas a um grupo, lugare tempo. No so, necessariamente, vinculados a uma catego-ria ou especificidade da arte. Esto, diferente disso, abertos amultipadronagens culturais, so supra-linguagens. So circuitosconstitudos geralmente no agenciamento coletivo e em redes deafinidades, criando um campo singular e aberto participao.15

    O envolvimento do autor com estas prticas colaborativas se faz pre-sente na medida em que ele mesmo artista e integrante dos projetos

    E/OU e EPA!. Goto destaca algumas iniciativas que foram pioneiraspara a formao desses circuitos heterogneos, como:

    Arquivo Bruscky (formado pelo artista Paulo Bruscky em Per-nambuco desde o final dos anos 60 at os dias atuais), Torreo(RioGrande do Sul, 1993 a 2009), Arte de Portas Abertas (Rio deJaneiro, 1996) e Interferncias Urbanas (Rio de Janeiro, 2000),

    Galeria do Poste (Rio de Janeiro, 1997 a 2008), AGORA Agnciade Organismos Artsticos (Rio de Janeiro, 1999 a 2003), Capa-cete Entretenimentos (Rio de Janeiro, 1998), CEP 20.000 (Rio deJaneiro, 1990), Museu do Boto (Curitiba, 1984), Grupo Camelo(Pernambuco, 1996) e Linha Imaginria (So Paulo, 1997 a 2007).Depois surgiram o Alpendre (Cear, 1999 a 2012), AtrocidadesMaravilhosas (Rio de Janeiro, 2000 a 2002) e Zona Franca (Riode Janeiro, 2000 a 2002).16

    Devemos levar em considerao que Goto est propondo uma leitura

    13 De acordo com Goto: o termo circuito heterogneo inspirado no conceitodepoltica heterognea, de Alain Badiou, cujos alicerces so a singularidadeafirmativa e a lgica heterognea. Adaptei o conceito atividade artstica, tendocomo referncia as anotaes que fiz da fala de Alain Badiou, em confernciarealizada no Colquio Interdisciplinar Resistncias, Cine Odeon, Rio de Janeiro,2002. ( GOTO, Newton. Sentidos (e circuitos) polticos da arte: afeto, crtica,heterogeneidade e autogesto entre tramas produtivas da cultura. Curitiba: Epa!,2005, p. 3).

    14 Op.cit., p. 2.15 Op.cit, p. 8.16 Op.cit, p. 3

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    mais abrangente da criao de circuitos, baseada em uma lgica depossibilidades polticas. Por isso, todos os exemplos por ele citados sopotencialmente construdos a partir do agenciamento coletivo, masapenas alguns deles possuem espaos fsicos prprios para a arti-culao de suas prticas artsticas. Essa caracterstica estrutural, o

    espao fsico, tampouco configura, isoladamente, que ele possa vir aser um espao independente. H situaes, por exemplo, em que sotratados e geridos tal qual um processo artstico, uma obra em pro-cesso ou a ao de um artista. De acordo com essas caractersticas,pode-se incluir a Galeria do Poste, a Menor casa de Olinda (Pernambu-co, 2002 a 2008), o 803 804 (Santa Catarina, 2003 a 2004), a Casa daGrazi Centro de Contracultura de So Paulo (So Paulo, 2001 a 2003),a Orlndia, Nova Orlndia e Grande Orlndia (Rio de Janeiro, 2001 a2003) e o Espao de convivncia e autonomia experimental Rs-do-

    -Cho (Rio de Janeiro, 2002 a 2005).Percebe-se que esses seis projetos surgiram praticamente namesma poca e todos, no por acaso, foram concebidos por artistasem espaos residenciais. Utilizar o espao da casa como um lugar deconvivncia e experimentao envolve diversas camadas de acordos,integraes, limites, regras e afetividades, a tal ponto que nem sem-pre possvel separar obra e gesto. Ou, nas palavras de EdsonBarrus, quem constri do que construdo.17Apesar das aparentesdificuldades em lidar com a instncia do pblico/privado, essas cama-

    das de lugares, do lugar da arte e do lugar da experincia cotidiana,consistem na criao de um sentimento topoflico. H visivelmente umelo afetivo entre o indivduo e o lugar, que possibilita infinitas atuaesdos artistas e do pblico no

    tratamento da arte no como produtora de obras, mas comoprocesso em permanente continuidade, aberto vida, redirecio-nando o pensamento no s em relao arte, mas tentandocolocar sob questionamento todo o sistema de mercadorias elucro, resistindo transferncia da autonomia do artista para ainstituio. No se trata mais de dissolver o artista na sociedade,explorando as possibilidades de significado naquilo que j existe,nas trocas com a vida.18

    Alm das j citadas, existem outras iniciativas que apostam no sen-timento topoflico direcionado para o ambiente domstico, e que se-

    17 BARRUS, Edson. #24 Rs do Cho como satlite. In: ROSAS, Ricardo,VASCONCELOS, Giseli (Org.). Net_cultura 1.0: ditofagia. So Paulo: Radical Livros,2006, p. 240.

    18 Idem ibidem.

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    ro analisadas no prximo captulo. O hibridismo uma das caracte-rsticas desses espaos autogeridos, exatamente porque eles no serestringem a um padro. So urgncias de um tempo, so resultadosde desejos e relaes afetivas. Isso termina colocando novamente emprimeiro plano um problema antigo, mas que continua sendo pauta dediscusso: a aparente homogeneizao de um discurso que rejeita asesferas de legitimao e comercializao da arte.

    Na entrevista do escritor Renato Rezende e do crtico de arteFelipe Scovino com o coletivo Frente 3 de Fevereiro, criado em 2004,em So Paulo, Rezende pergunta como este grupo se relaciona com omercado, obtendo do artista Daniel Lima a seguinte resposta:

    [..] A nossa estratgia passa por trabalhar com uma ideia detransversalidade. Ou seja: conseguir manter o que uma ca-racterstica do grupo, que uma enorme diversidade em termos

    criativos, em termos artsticos (temos msicos, artistas plsticos,h teatro envolvido), de forma que quando estamos trabalhandoarte contempornea no devemos aceitar esse recorte institu-cional que nos propem para um determinado trabalho. Quandosomos convidados para uma exposio de artes plsticas, o queproporemos?19

    A noo de transversalidade citada por Daniel Lima evidencia que aautonomia das aes do coletivo possibilita um desvio, mas no, toda-

    via, uma romptura definitiva com as amarras institucionais. Igualmen-te, Felipe Barbosa, artista integrante do grupo Atrocidades Maravilho-sas, em entrevista aos mesmos organizadores, argumenta que o quedeterminou o Atrocidades como um grupo foi o convite para o Panora-ma da Arte Brasileira, em 2001.20Ronald Duarte, tambm integrantedo grupo, discorda do colega e acredita que essa afirmao uma

    forao de barra, pois foi apenas com o convite de um dos curado-res do Panorama, Ricardo Basbaum, que essa reunio de artistas seconfigurou como um grupo.

    Do Panorama da Arte Brasileirade 2001, projeto realizado para oMuseu de Arte Moderna de So Paulo (MAM), participaram sete gruposde artistas: Atrocidades Maravilhosas, Camelo, Clube da Lata, Mico,Chelpa Ferro, Apic e Linha Imaginria, bem como trs organizaesindependentes: Agora/Capacete, Alpendre e Torreo. Os curadores daexposio, Paulo Reis, Ricardo Basbaum e Ricardo Resende, tinham

    19 REZENDE, Renato. SCOVINO, Felipe. Coletivos. Rio de Janeiro: Editora Circuito,2010, p. 99.

    20 Op.cit., p. 29.

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    por objetivo dar visibilidade a artistas e grupos de artistas de diversasregies do pas e, nesta perspectiva, entendiam que essas iniciativascoletivas faziam parte integrante do debate cultural da arte brasileira.

    Alm do Panorama, a segunda edio do projeto Rumos ItaCultural Artes Visuais, que selecionou 69 artistas brasileiros e contoucom a exposio Sobre(A)ssaltos em 2002, com curadoria de MarisaFlrido Cesar, foi um importante aglutinador de artistas atuantes eminiciativas coletivas. Os artistas Ducha, Graziela Kunsch, Carla Linha-res, Alexandre Vogler, Jorge Menna Barreto, Marcelo Cidade, FelipeBarbosa e Rosana Ricalde reuniram-se em Belo Horizonte para fazeras intervenes que, enquanto registro, compuseram a exposio noIta Cultural Belo Horizonte.

    Felipe Barbosa, Ducha e Alexandre Vogler eram integrantes dogrupo Atrocidades Maravilhosas e Graziela Kunsch havia aberto o es-

    pao Casa da Grazi Centro de Contracultura de So Paulo h ape-nas um ano, em 2001. Vogler foi tambm um dos responsveis peloprojeto Zona Franca. A partir desse encontro, Graziela redefiniu que asresidncias de artistas que aconteciam na que ficou conhecida como

    casinha, seriam, a partir de ento, voltadas apenas para os coletivosde arte, como ela mesma relata:

    Em novembro daquele ano, o programa Rumos Ita Cultural Ar-tes Visuais ofereceu um ciclo de palestras e trouxe todos os artis-tas participantes para So Paulo. Chamei todo mundo para uma

    festa l em casa. Na festa, conversei muito com o Alexandre Vo-gler, que me falou sobre os projetos Atrocidades Maravilhosas eZona Franca, e combinamos uma residncia com os integrantesdo Atrocidades, a ocorrer no comeo de 2002. Nas palestras, acuradora escolhida para apresentar o projeto de exposio foi aMarisa [Flrido Cesar], que fez a Sobre(a)ssaltos. Ela mostroualguns dos nossos trabalhos anteriores; o meu, do Ducha, doAlexandre, do Marcelo Cidade, da Rosana Ricalde e do FelipeBarbosa, da Carla Linhares e do Jorge Menna Barreto. A gente seconheceu atravs da palestra da Marisa. E alguns meses depoiso Ducha abriria a Casa do Ducha, no Rio de Janeiro, e o Jor-ge abriria a Casa do Jorge, em Porto Alegre. Voltando festa, acasa ainda trazia vestgios da exposio do ms anterior, Rudos,que reuniu trabalhos meus, do Fbio Tremonte e da Lia Chaia. Naedcula da casinha estavam monotipias do Fbio e uma delas di-zia Para Arthur Aruanda. Este Arthur era o Arthur Leandro, doGrupo Urucum, de Macap, que eu tambm conheci atravs do

    Rumos. Ele e o Fbio ainda no se conheciam pessoalmente, masda lista de e-mails do projeto Linha Imaginria. (Nenhum de ns

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    trs poderia imaginar que, um ano depois, estaramos trabalhan-do juntos, em meio aos rejeitados). Foi tambm o Fbio, que haviamorado um tempo em Goinia, quem me contou de um grupo queestava comeando a existir, o EmpreZa. Ele me passou o contatodo Paulo Veiga Jordo, com quem passei a conversar, at enviar oconvite para uma residncia na casa, em maio de 2002.21

    A publicao CONVERSA COMO LUGAR, da qual esse relato foi reti-rado, um dilogo entre Graziela Kunsch com o tambm artista VitorCesar, que concebeu o projeto BASEmvel, alm de ter sido um dosintegrantes do coletivo Transio Listrada. O propsito dessa articu-lao possui duas faces: a primeira perceber que as consequnciasdos encontros e das relaes afetivas entre os artistas e os agentesatuantes no circuito artstico movimentam positivamente as dinmi-cas desses espaos; a segunda, no obstante, tambm prev movi-

    mentao, j que

    os espaos e fluxos autogeridos podem assemelhar-se processu-almente a programas de poltica cultural de instituies: agendade eventos, curadorias, textos e edies grficas, debates, etc.Entretanto, as produes artsticas, estratgias e contedos cr-ticos dos circuitos autodependentesgeralmente so distintos dosdo circuito tradicional: afirmam outros artistas, ideias e proces-sos. Ainda assim, o trnsito dessa arte e de seus agentes pode

    ocorrer em ambos os circuitos, tradicionais e autodependentes.22

    Na contextualizao desse circuito dito tradicional e autodepen-dente, destacam-se ainda as iniciativas do governo no campo da cul-tura com o Programa Cultura Educao e Cidadania, que foi implemen-tado em 2004 e cujos eixos principais so os Pontos de Cultura. A metadesse programa estimular financeiramente iniciativas j existentes,que tenham por objetivo a disseminao de bens culturais em comu-nidades margem dos circuitos culturais e artsticos convencionais.A conscincia da dimenso do Brasil, tanto territorial quanto cultural,junto ao fato de que os equipamentos culturais do Estado no con-seguem e nem poderiam abarcar toda essa diversidade, fez com queas iniciativas autnomas de arte, individuais e coletivas, fossem pelaprimeira vez inseridas nos programas do governo para a cultura.

    21 KUNSCH, Graziela, CESAR, Vitor. CONVERSA COMO LUGAR. So Paulo: EditoraPressa, 2011, p. 10.

    22 GOTO, Newton. Sentidos (e circuitos) polticos da arte: afeto, crtica,heterogeneidade e autogesto entre tramas produtivas da cultura. Curitiba: Epa!,2005, p. 2.

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    Os Pontos de Cultura, como o prprio nome j explicita, no sovoltados exclusivamente para as artes visuais e tampouco propema criao de novos espaos, mas sim um reconhecimento dos quej existem. Nota-se que, no decorrer da dcada de 1990 at meadosdos anos 2000, o contexto das polticas pblicas para a cultura e aviso das instituies de arte para o fenmenodos coletivos, tomaramuma dimenso mais abrangente, tanto nas aes quanto no discur-so. Importantes galerias voltadas para a arte contempornea tambmsurgiram nessa poca, como a Galeria Vermelho (So Paulo, 2002) eA Gentil Carioca (Rio de Janeiro, 2003). Essa ltima destaca-se comouma referncia no Brasil pelo seu pioneirismo. Foi a primeira galeriado pas concebida e gerenciada por artistas, a saber, Mrcio Botner,Ernesto Neto e Laura Lima.

    O artista e curador Ricardo Ramalho, no texto A funo da Arte,

    publicado em 2003 nosAnais do I Congresso Internacional de Ar(r)ivis-mo, conclui sua discusso sobre os circuitos de arte, afirmando queos movimentos de expanso do circuito e aquisio de novos pblicosatravs de iniciativas independentes so de fundamental importn-cia. [...] A transformao do sistema de arte, a mudana das regrasdo jogo, ser implementada por quem participa dele.23O depoimentoque constitui uma segunda imagem desse mesmo tema atribudo aogrupo Contra Fil in MICO, tambm presente nessa publicao:

    No 1o CIA (Congresso Internacional de Ar(r)ivismo) fomos ques-

    tionadas como integrantes do MICO a respeito da participa-o deste grupo no Panorama da Arte Brasileira 2001 e de seuconsequente desaparecimento. At a participao no Panora-ma, no falvamos sobre as situaes, agamos. Os trabalhossurgiam de tenses, questionamentos comuns a todos os inte-grantes. A reflexo sobre a prtica sempre servia para que ds-semos o prximo passo. A transformao estava na experinciae no na discusso terica mediada pela Arte. Depois do Pano-rama, no s perdemos o p da experincia como ela se empo-breceu, porque ser contra ou a favor do circuito da arte tornou-

    -se (por termos nos inserido nele) praticamente a nica situaosobre a qual discutamos. Ser contra e/ou a favor deixou de seralgo intrnseco e diludo no processo de trabalho, para ser coisaseparada e independente. Ficamos em cheque.24

    23 RAMALHO, Ricardo. A funo da Arte. In: LIMA, Daniel, TAVARES, Tulio (Org.).Anais do I Congresso Internacional de Ar(r)ivismo. 2003, p. 14.

    24 Contra Fil in MICOIn: LIMA, Daniel, TAVARES, Tulio (Org.).Anais do I CongressoInternacional de Ar(r)ivismo. 2003, p. 21.

    Iniciativas Coletivas e Espaos Autnomos no Brasil na dcada de 1990

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    O estudo das dinmicas internas desses coletivos, seus espaos deatuao, bem como as interseces entre as prticas artsticas e oativismo contemporneo, foram temas amplamente abordados peladissertao de Andr Luiz Mesquita, intitulada INSURGNCIAS PO-TICAS Arte Ativista e Ao Coletiva (1990-2000). Alm de inserir essasprticas em um contexto internacional, Mesquita fez entrevistas com

    diversos coletivos brasileiros e, entre os temas escolhidos, constava oposicionamento de seus integrantes com relao crtica institucionale ao sistema da arte.

    Em suma, o paralelo proposto aqui entre o surgimento dos es-paos autnomos nos anos 90 e as prticas artsticas coletivas nose pretende incisivo e afirmativo, mas sim reflexivo e necessrio, poisse refere a acontecimentos que minam o lugar do discurso tradicional,ao mesmo tempo que dele pretendem manter distncia. So bruscasinvases destrutivas ao conformismo e ao comodismo da vida e da arte.Importa aproxim-los pois os enunciados de suas aes no esto dis-sociados do modo como cada integrante desses grupos e espaos lidacom a emergncia abrupta da arte em meio globalizao. Outro fatorimportante que as referncias crticas sobre os espaos autnomose sobre os coletivos, at o incio dos anos 2000, esto trespassadaspela compreenso de que ambos mobilizam um olhar de confronto, deque deslocam o lugar do artista e da arte frente ao circuito artstico,atravs de uma noo de coletividade e redes de colaborao.

    Alm disso, o conflito que opunha o artista ao mundo exterior,tanto quanto seu ambiente de trabalho, j havia sido em partes ab-sorvido pela modernidade. Gradualmente, os artistas reconheceramque ocupam um lugar estratgico na sociedade contempornea, fa-zendo com que a dicotomia dentro e fora deixasse de ser um limite,para se tornar um lugar de contato. Nesse sentido, essas zonas de re-sistnciapodem ser contrapostas ao conceito de dominao, uma vezque elas provocam ou descobrem fissuras no poder estabelecido nasvrias esferas da vida social, poltica e econmica, no campo da arte e

    da cultura [...] elas respondem de imediato vida com a oposio ou ainterrogao sobre as verdades aceitas. Resistem alienao de si es injustias sociais. Criam desvios.25

    Tanto os espaos autnomos quanto os coletivos, mesmo os queno so ativistas ou politicamente engajados, cultuam a responsabi-lidade social como uma forma de resistncia ao mercado global, mes-mo sabendo que suas aes no afetaro, em larga escala, os rumos

    25 PAIM, Claudia. Tticas de artistas na Amrica Latina: coletivos, iniciativas coletivas eespaos autogestionados.Porto Alegre: Panorama Crtico Ed., 2012, p. 17.

    Zonas de resistncia

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    do capitalismo neoliberal. O contato com a arte esquadrinhado pelavivncia e pelas redes de significaes que ela proporciona, afastadode um comportamento padro de consumo, do pblico com relao arte. A dcada de 1990, portanto, remete a uma ttica de combate querecebeu contornos prprios aps a virada do sculo, e a que a refern-cia dos coletivos para os espaos autnomos provm da percepo deque a arte um sistema aberto e, portanto, um lugar de articulao daexperincia do sujeito.

    Iniciativas Coletivas e Espaos Autnomos no Brasil na dcada de 1990

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    ESPAOS AUTNOMOS DE ARTECONTEMPORNEA

    Espaos autnomos dearte contempornea

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    NOMENCLATURAS E SUAS IDIOSSINCRASIAS

    A abordagem do tema: espao autnomo de arte contempornea, par-te de inmeras contradies, entre elas, a de categorizar, no prpriottulo desta publicao, uma presena que, desde o princpio, contesta

    na prtica os limites de classificao e padronizao da arte. Ser ne-cessrio reconhecer a existncia desses espaos diante de contextosmltiplos, j que o empenho em analisar a soberania dessas experin-cias de uma forma mais abrangente vai contra sua prpria constitui-o. Diante do impasse, como possvel designar uma definio quecontemple a todos?

    Classificar nos reconduz impossibilidade de total pertencimen-to. O desafio de encontrar semelhanas entre os objetos desta pesqui-sa maior e mais fugidio do que encontrar as diferenas, pois se trata

    de uma multiplicidade de prticas e sujeitos falantes, que postulam advida mais do que a afirmao. Uma incompatibilidade ser sempreposta em xeque, assim como na justaposio da teoria e da prtica,sempre haver o lugar da lacuna.

    No h regras palpveis para a escolha de uma terminologia queos identifique como parte de uma mesma instituio. Exatamenteporque pretendem ser experimentais, autnomos e independen-tes, eles tambm so auto-nomeados. Entretanto, essas idiossin-crasias so fundamentais para o entendimento da formao, atuao

    e permanncia desses espaos no Brasil, pois, como afirma o curador

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    e crtico de arte Jorge Seplveda, todas as gestes independentesesto condenadas inevitavelmente a se converterem em instituiesou a desaparecer. Porque uma vez que houver um vocabulrio comum,ser gerado um certo tipo de procedimento, e os espaos se conver-tero em instituies.1Assumindo, portanto, os riscos desta pesquisa,que separa e recobre, a todo instante, o desnvel entre o particular eo genrico, por que no comear pela trama de nomenclaturas queatravessa esses espaos?

    A partir de um mapeamento realizado no Brasil,2do incio da d-cada de 1990 at os dias atuais e que contempla espaos geridosde forma autnoma, principalmente por artistas , percebemos queno existe uma unidade que marque, atravs de uma nomenclatura,a reproduo de um modelo de gesto. Formalmente, as instituiespblicas e privadas, para que sejam instituies reconhecidas como

    tal, necessitam seguir regras administrativas e de atuao que as de-finem como um museu, uma fundao, um instituto, um centrocultural, uma casa cultural, entre outros. Um espao autnomo dearte contempornea, por sua vez, configura um modo de agir e estarno mundo, sitiado por suas prprias leis.

    Entre as terminologias mais correntes, que pressupem a exis-tncia de um espao fsico, esto: Centro, Espao, Lugar, Dispositivo,Iniciativa, Zona, Casa, Galeria, Sala, Associao, Fundao, Agncia,Territrio, Plataforma, Ateli, Projeto, Organismo e Estdio.

    Em alguns casos, antes ou depois de um nome prprio, como397, Rs-do-Cho, EXA, Xiclet, Poste, h um adjetivo ou umadescrio que procura absorver e esclarecer um tipo de ttica, de for-mao ou de caracterstica destes espaos, como: Autogestionada(o),

    Autodependente, Co-dependente, Autnoma(o), Independen-te, Interdependente, Polivalente, Experimental, Artstica(o),

    Alternativa(o) e Cultural.Nesse sentido, entre alguns dos espaos aqui mapeados com

    esse perfil, encontra-se: AGORA Agncia de Organismos Artsticos,

    Espao Fonte Centro de Investigao em Arte e Con