estrelas de gotland

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Brathair 6 (1), 2006: 10-41 ISSN 1519-9053 http://www.brathair.com 10 As Estelas de Gotland e as Fontes Iconográficas da Mitologia Viking: os Sistemas de Reinterpretações Oral-Imagéticos 1 Prof. Dr. Johnni Langer Pós-doutorando em História pela USP bolsista da FAPESP. [email protected] Resumo O artigo analisa algumas das principais fontes iconográficas da mitologia germânica, as estelas da ilha de Gotland, comparando as mesmas com outros tipos de fontes, como os hogbacks, runestones e esculturas em cruzes. Além de discutirmos alguns aspectos teóricos na relação entre imagem e mito, apresentamos uma hipótese interpretativa e sistêmica sobre a mitologia nórdica durante a transição do período pagão para o cristão, que denominamos de sistemas de reinterpretações oral-imagéticos (valholliano, ragnarokiano e nibelungiano). Palavras-chave: Imagem e oralidade; Iconografia; Mitologia germânica Résumé L'article analyse quelques des principales sources iconographiques de la mythologie germanique – les stèles de l'île de Gotland – se comparant les mêmes avec autres types de sources, comme hogbacks, runestones et sculptures dans des croix. D’ailleurs de discuter quelques aspects théoriques dans la relation entre image et mythe, nous présentons une hypothèse interprétative et systématisatrice sur la mythologie nordique pendant la transition de la période païen pour chrétien, que nous appelons de systèmes de reinterprétations orale-imagetiques (valhollien, ragnaroquien et nibelung nibelunguienne ien). Mots-clés: Image et oralité; Iconographie; Mythologie germanique

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  • Brathair 6 (1), 2006: 10-41 ISSN 1519-9053

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    As Estelas de Gotland e as Fontes Iconogrficas da Mitologia Viking: os Sistemas de Reinterpretaes

    Oral-Imagticos1

    Prof. Dr. Johnni Langer Ps-doutorando em Histria pela USP

    bolsista da FAPESP. [email protected]

    Resumo O artigo analisa algumas das principais fontes iconogrficas da mitologia germnica, as estelas da

    ilha de Gotland, comparando as mesmas com outros tipos de fontes, como os hogbacks, runestones e esculturas em cruzes. Alm de discutirmos alguns aspectos tericos na relao entre imagem e mito, apresentamos uma hiptese interpretativa e sistmica sobre a mitologia nrdica durante a transio do perodo pago para o cristo, que denominamos de sistemas de reinterpretaes oral-imagticos (valholliano, ragnarokiano e nibelungiano).

    Palavras-chave: Imagem e oralidade; Iconografia; Mitologia germnica

    Rsum L'article analyse quelques des principales sources iconographiques de la mythologie germanique

    les stles de l'le de Gotland se comparant les mmes avec autres types de sources, comme hogbacks, runestones et sculptures dans des croix. Dailleurs de discuter quelques aspects thoriques dans la relation entre image et mythe, nous prsentons une hypothse interprtative et systmatisatrice sur la mythologie nordique pendant la transition de la priode paen pour chrtien, que nous appelons de systmes de reinterprtations orale-imagetiques (valhollien, ragnaroquien et nibelung nibelunguienne ien).

    Mots-cls: Image et oralit; Iconographie; Mythologie germanique

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    Os Vikings foram iniciadores de modernidade. (Boyer 2005: 268)

    Repensando a relao entre mito e imagem

    Entre todos os campos de investigao dos historiadores, o estudo dos mitos relativamente recente. Comparando-se s investigaes de antroplogos, psiclogos e cientistas da religio, os mitos ganharam espao reduzido nas pesquisas historiogrficas. Uma das poucas metodologias e linhas de pesquisa que concedeu privilgio temtico para as narrativas mticas vem sendo denominada histria do imaginrio, especialmente a de orientao francesa. Sem pretender esgotar a discusso envolvendo a teorizao deste objeto, destacamos neste pequeno ensaio algumas reflexes tericas que procuram conciliar os pressupostos metodolgicos sobre mitologia, especialmente aplicados tradio escandinava e suas fontes iconogrficas e literrias.

    Desde o sculo XIX diversos pesquisadores de mitologia escandinava vm empregando vrios tipos de fontes para estudar seu tema. Inicialmente as fontes literrias sempre tiveram um grande destaque (grfico 1), seja pelo tipo de metodologia empregado durante o Oitocentos, que privilegiava majoritariamente os documentos escritos, seja pela ento recente publicao e traduo para vrias lnguas modernas dos mais diversos manuscritos islandeses e germnicos conservados desde a Idade Mdia.

    Fontes iconogrficas:

    Idade do bronze (XVI a.C.-V d.C.) Germanos continentais (VIII a.C.-VIII d.C.) Gravuras (petrglifos) escandinavas amuletos, pingentes, moedas

    Escandinvia Viking (VIII-XI) Escandinvia e Europa crist (IX-XIII) Amuletos, pingentes, moedas, Hogbacks, cofres, esculturas e relevos em cruzes e Igrejas Runestones, estelas

    Fontes literrias:

    Fontes clssicas Inglaterra (VII-X) Escandinvia Viking (VIII-XI) Germnia, Tcito Beowulf Poemas dicos e escldicos em runas Poemas/conjuros anglo-saxes

    Europa continental (IX-XIII) Escandinvia crist (XI-XIV)2 Das Nibelungenlied Edda Potica (1270)

    Waltharius Edda em Prosa, Snorri (1260) Das Hildebrandslied Sagas (XII-XIII) Waldere Eddica Minora (XII-XIII)

    Tristan Gesta Danorum, Saxo (1200) Gesta Hammaburgensis, Adam de Bremen (XI)

    Grfico 1: Principais fontes da mitologia Germnica

    Um tipo de fonte que est recebendo tratamento diferenciado, inovador e recente por parte dos pesquisadores so os materiais iconogrficos, que aumentaram muito em quantidade especialmente aps as grandes investidas da arqueologia escandinava durante as dcadas de 1960 a 1990. Eles no somente permitem aos pesquisadores uma nova concepo sobre a mitologia que foi preservada at nossos dias (e

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    conseqentemente a religiosidade pr-crist), mas tambm concedem um novo olhar sobre as fontes escritas tradicionais. O objetivo deste trabalho justamente procurar refletir sobre algumas destas questes, que procuram analisar o mito pela imagem, e as fontes orais atravs de sua relao com as mesmas imagens. Nele procuramos desenvolver uma anlise sobre as questes iconogrficas, inclusive criando uma hiptese sistematizadora, que denominamos de sistemas de reinterpretaes orais-imagticos. Aproveitamos tambm para desenvolver alguns de nossos pressupostos tericos e metodolgicos, imprescindveis para se efetuar qualquer tipo de investigao acadmica.

    Uma questo fundamental a respeito do mito a sua relao com as imagens e com a produo iconogrfica de uma poca. Sendo uma relao ainda pouco pesquisada e teorizada, as possibilidades de investigao ainda so muito vastas, especialmente para a Escandinvia medieval.3 Em primeiro lugar, entendemos a imagem como um texto-ocorrncia em que a iconicidade tem a natureza de uma conotao veridictria (um juzo) culturalmente determinada: se se quiser, uma espcie de faz-de-conta realista de fundo cultural, isto , a imagem visual uma categoria visual em nvel de expresso, determinada por referenciais culturais. Toda representao visual reproduziria as propriedades de um esquema mental (Cardoso & Vainfas 1997: 404, 405), ou em outras palavras, a tentativa de revelar um certo modelo, seja psicolgico, seja social. Cada perodo possui imagens que possuem especificidades sincrnicas de base cultural, histrica e social mas que resultaram de um processo de transformao de um material mais antigo, de base diacrnica e atemporal. Acreditamos que nossas fontes possuem um modelo mais antigo, de base pan-germnica, que foi submetido a variaes em momentos histricos especficos. Uma imagem visual pode originar imagens textuais, mas tambm ocorre o contrrio. Geralmente as imagens so produtos de sua prpria intertextualidade, completam, esclarecem, identificam ou modificam o discurso verbal. Assim, teramos um imaginrio, um conjunto de imagens visuais e verbais de base coletiva (Franco Jr. 1998: 16, 2003b: 96, 98). As principais funes dos imaginrios sociais seriam a de criar identidades e conscincias coletivas; funes catrticas; produo de representaes e respostas aos conflitos, divises e violncias internas (Franco Jr. 2003b: 94-96; Baczko 1984: 309-310). Para alguns pesquisadores, os imaginrios so fundamentais para o controle da vida social e o exerccio da autoridade, enfim, o lugar e objeto de criao da legitimidade do poder. A maior ou menor dominao simblica dependeria do controle dos meios de difuso dos imaginrios sociais (Baczko 1984: 310), servindo como instrumento de regulamentao, ordenamento e subjugao social (Ansart 1978: 27-30), enquanto outros afirmam que, ao contrrio, no h uma pretensa manipulao ou controle deles (Franco Jr. 2003b: 112).

    O embate entre sincronia e diacronia seria em parte suplantado pela adoo de uma metodologia aplicada para um objeto que converge as duas em um mesmo tema, o mito. Ao refletir sobre a dinmica da psique, o medievalista Hilrio Franco Jnior considera a mentalidade uma esfera inatingvel diretamente pelos observadores, apesar de universal e inerente ao ser humano. Somente pelo estudo do imaginrio (dados culturais e sincrnicos, com dinmica rpida e gil) pode-se reconstituir parcelas dos fenmenos de longa durao e a-histricos (denominadores psicolgicos comuns espcie humana, com dinamismo quase inerte, os fenmenos diacrnicos ou ritmos histricos lentos). O mito seria uma categoria especial, pelo fato de ser a manifestao do imaginrio mais prxima mentalidade, projetando num passado indefinido explicaes do presente. Para se entender o sentido de um mito, imprescindvel sua articulao com outros mitos, como parte de uma mitologia e tendo como postura de

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    investigao para esse multifacetado objeto, a adoo de vrias disciplinas acadmicas, como a Antropologia, Sociologia, Histria da Arte, Lingstica, Psicologia, Literatura entre outras. Mesmo analisando um poema utpico do sculo XIII e seu contexto histrico no imaginrio da Frana e de outros pases medievais, Franco Jnior investiga as narrativas literrias que originaram o mosaico textual da fabulao (escandinavas, celtas, clssicas, judaicas, crists) desta maneira, encontramos uma perspectiva sincrnica atrelada a um eixo de interpretao diacrnico dos mitos (Franco Jr. 1996: 22-26, 1998: 17-55, 2003b: 74-116), que buscamos seguir neste trabalho.4

    As estelas da ilha de Gotland

    Para delimitarmos com mais profundidade a relao entre mito e imagem no imaginrio, vamos arrolar sumaria e sistematicamente algumas consideraes sobre a melhor iconografia disponvel de temas mticos da Escandinvia Viking,5 as estelas6 gravadas e pintadas da ilha de Gotland.7 A grande originalidade deste local em comparao com o resto da Escandinvia foi a existncia de estelas gravadas e pintadas com cores pronunciadas, remontando ao perodo das migraes e com continuidade at o sculo XII d.C. Enquanto em outras regies nrdicas existiram pedras portando majoritariamente inscries rnicas (runestones) e portando referncias imagticas isoladas ou circunstanciais da mitologia,8 em Gotland ocorreu o contrrio, sendo as estelas predominantemente imagticas e com raras presenas de escrita. Por que justamente neste local foram produzidos os monumentos e no em outras regies de presena escandinava? Quais as razes que motivaram a antiga existncia de uma maior presena das imagens do que textos nestes locais? Seriam fatores de variaes regionais da sociedade e cultura as explicaes para esta dicotomia? As respostas so inexistentes, especialmente pelo escasso interesse no tema: O uso e a distribuio dos modelos iconogrficos no perodo Viking tem recebido pequena ateno dos acadmicos (...) A relao entre iconografia nrdica e europia e a poesia vernacular incerta (Fuglesang 2006). Na Dinamarca, apesar da quantidade mediana de inscries rnicas sobreviventes, no houve quase nenhum caso de registro visual ou mesmo da presena de poemas mticos. Seria a proximidade com a corte carolngia um fator de diferena? Por que em regies de influncia colonial como a Rssia e a Inglaterra foram encontradas imagens da mitologia, enquanto que alguns centros da cultura escandinava, como a Dinamarca e Noruega, nunca produziram nada neste sentido? Apesar da dificuldade atual nas respostas destas questes, acreditamos que a ilha de Gotland pode apresentar algumas perspectivas interessantes, caso ocorram conexes comparativas com as outras regies (ver tabelas 1 e 2).

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    Figura 1: Estela de Ardre VIII, Gotland, bltico sueco, sculo IX. Imagem do sistema valholliano. Fonte: http://home.no.net/ahruneer.gotland.htm (Acessado em 20 de setembro de 2006). Uma das mais complexas e importantes fontes iconogrficas da mitologia nrdica. A Estela possui trs conjuntos imagticos principais, a base, formada por diversas narrativas mitolgicas, a cena central do navio e o topo, este separado por um detalhe ornamental linear. O topo muito semelhante artisticamente outra Estela, a de Alskog Tjngvide I, o que levou diversos pesquisadores a considerarem como tendo sido realizada por um mesmo escultor: ambas possuem a representao idntica do cavalo Sleipnir, com o deus inn montado e com a mo esquerda levantada. Porm, ao contrrio de Alskog Tjngvide I, a de Ardre VIII no contm nenhuma valquria recebendo o mesmo, nem a figura de um co acompanhando. Ao fundo, em ambas as estelas ocorre a figurao do palcio do Valhll, uma estrutura circular e abobadada, semelhante s casas longas dos escandinavos. O guerreiro morto ocupando a parte mais elevada (flutuando) tambm ocorre nas duas estelas. A maior diferena, entretanto, fica pelas representaes do segundo plano de Ardre VIII. O conjunto imagtico mais importante refere-se ao mito do ferreiro Vllundr, extremamente importante para os povos germnicos (para anlise detalhada, ver Maillefer (1997: 331-352)): o momento em que o ferreiro utiliza um par de asas que fabricou para fugir da priso, ladeado pela figura de uma valquria mesma estilstica de outras estelas e pingentes, ver Langer (2004a). No centro, as ferramentas de forja e ferraria; no lado direito, o corpo descabeado dos filhos do rei Ndud. A base da Estela possui imagens no identificadas: dois personagens pescando, um homem entrando em um aposento cercado, no qual se encontra um co e outros dois homens, e a figura externa de um co, de formas muito semelhantes aos encontrados em outras estelas, porm estes no topo, possivelmente a representao de Garmr. Vrias figuras humanas encontram-se cercadas por quadrados, mas a desfigurao da Estela no permite maiores identificaes. Ao fundo do navio central, ocorre a imagem da pesca da serpente do mundo pelo deus rr e o gigante Hymir. A representao mais enigmtica a de um gigante segurando uma figura com vrias cabeas, ao lado da valquria.

    Desde o perodo pr-Viking, as estelas gotlandesas eram pintadas e possuam formato semelhante a cogumelos em seu topo, o que para alguns denotaria relao com ritos de fertilidade. Geralmente podiam alcanar 3 metros (com uma mdia de 1 metro de altura) e foram criadas como monumentos funerrios, glorificando e gravando a memria do falecido.9 Foram elaboradas junto a cemitrios pagos, em frente ou prximas a sepulturas10 ou em locais tradicionais de passagem e deslocamento humano: Eram erigidas, freqentemente em nmero de duas ou trs, no distante das estradas e pontes, nos locais onde havia passagem, onda as pessoas pudessem v-las (Lindquist 2004: 128).

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    A primeira questo sobre estas fontes a sua presena em uma sociedade dominada pela tradio oral, com utilizao parcial da escrita sociedade proto-letrada, segundo Goody & Watt (2006: 26), visto serem as runas circunstanciais e sem a existncia de textos longos para registro dos mitos. A presena de cenas especficas da mitologia nas estelas propiciava ao imaginrio em geral uma delimitao em torno de uma tradio ou verso dos relatos orais, antes mesmo da presena massiva da escrita latina (j no perodo cristo): Estas pedras funcionam como quadros, a exemplo dos vitrais de nossas catedrais, e deviam falar aos seus contemporneos (Boyer 1997: 124).

    A interpretao das imagens pelos gotlandeses, ao menos nas estelas com maior densidade iconogrfica,11 era realizada em duas ou trs etapas. Em nossas pesquisas, utilizamos a hiptese de que a seqncia de interpretao se iniciava de baixo para cima, por dois motivos bsicos: o formato de cogumelo dos monumentos tende a ter uma base maior, com desenhos de tamanho mais pronunciado e cuja ponta flica termina com menor superfcie, mas apontando para cima, concedendo uma idia de superioridade e fim s representaes deste ltimo espao. Para reforar esta idia, geralmente as gravuras superiores representam o salo do Valhll, o destino final dos guerreiros, ou em cenas mais histricas, o funeral do morto.12 Cada seo separada por nichos de imagens, divididos por linhas horizontais. Deste modo, a primeira etapa imagtica identificava embarcaes, com as velas soltas e pessoas controlando a mastreao (gravura presente em praticamente todas as estelas).

    Figura 2: Estela de Lrbro St. Hammars III, Gotland, bltico sueco, sculo IX. Imagem do sistema valholliano. Fonte: Turville-Petre (1964: prancha 24). Estela que apresenta duas cenas tpicas da representao artstica gotlandesa, o navio, ocupando a base da rocha, e um guerreiro sendo recebido por uma valquria e seu corno de hidromel. Na cena superior, separada por um nicho de formas onduladas, ocorre uma cena mitolgica: uma guia, uma ostentando um corno e um homem gesticulando com a mo esquerda. No primeiro desenho, a guia possui pernas de homem, sugerindo tratar-se do deus inn no momento em que este foge com o hidromel roubado de Gunld, filha do gigante Suttungr. O hidromel-nctar potico, segundo o Hvaml e o Skldskaparml, teria sido

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    confeccionado com o sangue do gigante Kvasir. Georges Dumzil lembra o uso de uma bebida ritualstica e comunitria entre os povos eslavos e feita com saliva, denominada de kvas. Ainda segundo o famoso mitlogo, o estado de embriaguez ritual seria tpico dos sacerdotes e guerreiros odnicos (Dumzil 1999: 32-36). A cena mais elevada da Estela est totalmente desfigurada, sendo impossvel sua identificao (na imagem fornecida por Turville-Petre 1964). Porm, no site www.vikingart.com (acessado em 15 de julho de 2006) a imagem disponvel apresenta neste ponto um cavalo e um homem flutuando parcialmente ao lado (talvez a mesma representao do morto em batalhas, verificada em outras estelas gotlandesas). No obtivemos outras fotografias para poder chegar a uma concluso definitiva sobre este nicho imagtico da estela.

    O navio uma tpica representao da passagem da vida para morte em vrias culturas e entre os Vikings possua um significado especial, sinal de status e prestgio. A segunda etapa imagtica corresponde geralmente a uma batalha, onde o guerreiro homenageado morreu (como em Tngelgard I, Klinte Hunnige I, Lrbro St. Hammars I) ou uma aluso direta apenas sua morte (Alskog Tjnvide I). O modelo bsico a sucesso visual do navio para a etapa onde o guerreiro, comumente a cavalo, recebido no salo do Valhll por uma valquria portando cornos com hidromel13 (Ardre VIII [ver figura 1], Alskog Tjnvide I, Klinte Hunnige I [ver figura 3], Stenkyrka Lillbjrs III, Lrbro St. Hammars III [ver figura 2], Buttle nge I, Hablingbo K, Halla Bora). O deus inn e o salo do Valhll ocupam o topo na maior parte das estelas (Sanda I, Lrbro St. Hammars I e III, Alskog Tjnvide I, Ardre VIII).

    Apesar de algumas diferenas entre elas, no podemos concentrar a anlise em somente alguns exemplares de estelas, pois a articulao entre as imagens de um grupo que definir um imaginrio:

    uma imagem nunca autnoma, pois seu significado est ao menos em parte relacionado com o conjunto no qual ela se encontra inserida, isto , com sua localizao fsica e com a utilizao social que recebe; Apenas em conexo com outras, cumprindo seu papel de instituidoras de discursos, de sistemas semiolgicos, que as imagens exteriorizadas sob forma verbal, plstica ou sonora ganham sentido e, conscientemente ou no, expressam determinadas cosmovises (Franco Jr. 1996: 202, 2003b: 100).

    Adotando deste modo uma abordagem quantitativa, valorizamos um conjunto especial de monumentos que possibilitam o resgate do imaginrio de um perodo: cada unidade quadro, relevo, escultura, etc. passa a ser unicamente um elemento no interior de uma srie elaborada com base em um corpus mais ou menos vasto. , pois, a srie, no cada elemento iconogrfico individual, que se constitui no foco da anlise (Cardoso, 2005: 206); assim, temos uma primeira delimitao do corpus disposto em sua homogeneidade, continuidade e seriao (delimitao geogrfica, amostras, coleta e anlise) e, em seguida, a constituio de um corpora, baseado no entrecruzamento e na alternncia dos dados visuais (elementos residuais e ou alternativos) (Vovelle 1997: 16-23).

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    Figura 3: Estela de Klinte Hunninge I, Gotland, bltico sueco, sculo IX. Imagem do sistema valholliano. Fonte: http://home.no.net/ahruner/gotland.htm (Acessado em 20 de setembro de 2006). Estela no padro clssico da Gotland da Era Viking, apresentando uma estrutura flica e com decoraes laterais, mais de forma mais simples que as de Stenkyrka, Hammar I e Ardre VIII, sugerindo uma maior antiguidade ou fabricao por outro artista ou regio da ilha. A Estela possui quatro nichos imagticos. O da base apresenta cenas histrico-realistas: em uma residncia ou fazenda (pela presena de um boi cercado, mais abaixo, formas cilindras que lembram estilizaes das casas nrdicas) dois homens armados de arco e flecha defendem a habitao, opondo-se a outras duas figuras externas um homem e uma mulher portando serpentes em suas mos. Entre estas duas figuras externas ocorre a representao de uma guia, sugerindo tratar-se de uma representao do ritual mgico conhecido como Seir, neste caso ofensivo e relacionado ao deus inn (ver Langer 2004b, 2005b). Ao lado direito da habitao e abaixo do homem com a serpente, foram representadas mais duas figuras humanas, de difcil identificao. A segunda cena (de baixo para cima) um retngulo com a figura de um homem cercado por serpentes, a clssica representao de Gunnar no foso, constante em diversas outras fontes escandinavas, como esculturas em madeira e pedra e em Igrejas crists, ver Boyer (1997: 70-72), uma representao contestada por Fuglesang (2006). Ao lado do fosso, ocorre a figurao de uma mulher semelhante as valqurias. No centro da Estela, a terceira cena, o navio tpico da arte gotlandesa. Ao alto, separado por uma linha decorativa, ocorrem cinco personagens e um co (Garmr?). A figura principal um cavaleiro portando lana e escudo, talvez o prprio morto homenageado pela estela (ou o deus inn, comparado a representaes desde a poca das migraes, ou ainda, a representao do guerreiro morto imitando a iconologia odnica). Logo acima do cavaleiro, de costas para este, surge a figura flutuante de um homem portando um anel. Na cena superior, dois homens lutam com escudos e lanas. Do lado direito, uma valquria com corno de hidromel e abaixo desta um co. Tambm podemos entender todo o nicho em termos genricos, fazendo outra interpretao imagtica: o guerreiro homenageado pela Estela morreu em um duelo (ou batalha), possua um compromisso religioso-tico (representado pelo anel) com o deus dinn (o cavaleiro), por isto sendo recebido no Valhll (simbolizado pelo co e pela Valquria). Muitos autores identificam o co com Garmr, o guardio do reino subterrneo de Hel, mas neste caso, teria um simbolismo de morte e passagem para o Valhll (ou ento simbolizando a futura espera pelo Ragnark).

    Os temas mais comuns registrados nas estelas gotlandesas so de trs tipos: 1. Mticos: a narrativa do roubo do hidromel (que deu origem poesia escldica), cavalos e guerreiros chegando ao outro mundo, o cavalo de inn (Sleipnir), o salo do Valhll, a deusa Frigg, o prprio deus dinn, a recepo das valqurias aos mortos em batalha, o

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    co Garmr, o ferreiro Vlundr,14 Gunnar no fosso das serpentes,15 a valquria Hildr (representao da morte);16 2. Smbolos religiosos: smbolos odnicos (como o escudo/disco solar, a triqueta, o triskelion, o valknut, o corvo, a guia), navios (smbolos da passagem da morte)17 e esttico-simblicos (decoraes laterais com motivos trpticos, relacionados tripartio e ao odinismo); 3. Cenas histricas: representaes de batalhas e funerais, cena de sacrifico humano, o enforcamento ritual de um prisioneiro de guerra, cenas de prticas mgico-religiosas ofensivas de carter odnico,18 cenas cotidianas da vida em uma grande fazenda.19

    Aqui percebemos o smbolo dentro de um ponto de vista antropolgico e no como algo arquetpico, universal e atemporal a exemplo dos tericos simbolistas do mito.20 Este seria a representao visual e ou lingstica de elementos com significados percebidos por uma dada sociedade histrica (Titiev 1979: 90-91). Ao contrrio do signo, meramente convencional, o smbolo possui um nvel de significao racional e emotiva, podendo se referir no somente a acontecimentos ou entidades concretas como tambm a algo abstrato. Tornam-se com isso importantes instrumentos de transmisso e expresso de idias em uma dada sociedade, sem o qual no existiriam outros meios de comunicao, verdadeiros objetos de valores scio-culturais:

    As pessoas tendem a nutrir sentimentos fortes, algumas vezes extremos, para com seus smbolos. Isto porque h uma tendncia a transferir o valor do que simbolizado para o smbolo, de modo que ele, e no a noo implcita que ele simboliza, que se torna o objeto de respeito e venerao especiais (Beattie 1971: 86).

    O simbolismo religioso apela para a compreenso ntima do crente (Tardan-Masquelier 1997), tornando-se um sistema de transformao, no qual os conceitos de ordem e negao do caos so afirmados como realidade dominante (Hoebel & Frost 1984: 354). O principal smbolo expresso tanto nas estelas gotlandesas quanto na rea da Sucia, Noruega e Inglaterra Viking foi o valknut (n dos mortos). Estava ele associado diretamente aos cultos odnicos e rituais de morte dos escandinavos. Em Gotland foi representado em trs estelas (Alskog Tjngvide I - ao lado direito de um cavaleiro sendo recebido no Valhll, prximo de outro smbolo, um triskelion feito de cornos;21 Lrbro St. Hammars I ocupando uma posio central, acima da consagrao de runas e de um sacrifcio humano, abaixo de uma guia; Tngelgrda I trs valknutes ao redor de um cavaleiro portando anel), nos hogbacks22 ingleses foi esculpido em srie ao longo do bloco, alm de tambm aparecer entalhado em detalhes de madeira na sepultura de Oseberg, Noruega. Essa associao do valknut com a morte tambm referendada por um dado documental, na descrio do duelo entre o gigante Hrungnir e o deus rr, citado por Snorri na Edda em Prosa. No momento em que descreve o corao deste gigante, Snorri afirma que seria muito famoso, feito de pedra e com trs pontas de forma semelhante ao ristubrag at er Hrungnis hjarta heitir (smbolo gravado que chamam de corao de Hrungnir).23 Realmente, a forma do valknut, trs tringulos entrelaados, formam um objeto com pontas afiadas. Somando seus trs lados, obtemos o nmero nove, associado aos cultos odnicos,24 alm de outras importantes relaes mticas (herfjttur, paralisia de guerra realizada pelas valquirias; as trs nornas e o destino (cf. Stone 2002). Outros autores identificam a forma tricorne desta figura com os triplos perigos com que os heris nrdicos defrontam-se nas narrativas mticas, (Dumzil 1999: 113). Acima de tudo, os smbolos expressam valores, apoiados numa relao analgica a semelhana entre dois objetos ou idias, entre o que est oculto e o que se encontra no mundo terreno, nada funcionando fora de um contexto, onde tudo adquire sentido apenas quando associado a outras categorias

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    semelhantes (Pastoreau 2002: 505). No pensamento analgico, a projeo de caractersticas humanas em animais irracionais ou de sentimentos para objetos inanimados foi um padro recorrente na Idade Mdia e tambm na mitologia nrdica (Franco Jr. 2003b: 89-90).

    Figura 4: Fragmento cruciforme de Gosforth, Cumbria, Inglaterra, sculo X. Imagem do sistema ragnarokiano. Originalmente parte de uma cruz, mas posteriormente utilizada como elemento decorativo no muro da Igreja local. Fonte: http://web.ukonline.co.uk/cj.tolley/ctm/ctm-base.htm (Acessado em 20 de setembro de 2006). Cena da pesca da serpente Jrmungandr por rr e o gigante Hymir. A cabea da isca cercada por vrios peixes e a embarcao centralizada por um pequeno mastro cuja extremidade lembra as representaes do martelo de rr. A cena de dois homens em um navio pescando com uma isca cuja ponta lembra a cabea de um boi muito antiga na Escandinvia, remetendo gravuras da idade do Bronze, a exemplo de Audmaal Bohusln, e durante a Era Viking, na pedra de Hrdum Ty (Dinamarca, a nica figurao conhecida da mitologia nrdica em rea dinamarquesa, datada entre os sculos VIII ao X). Ela tambm ocorre na estela gotlandesa de Ardre VIII, porm de forma mais simples: a embarcao bem pequena, mal sustentando as duas figuras e a isca possui vrias extremidades. Na Estela de Altuna (U 1161, Sucia, sc. XI), rr surge sozinho, sendo a nica imagem em que ele segura seu martelo; a cabea da isca bem delineada e a serpente, que est na eminncia de devor-la, tambm possui a cabea bem definida e com contornos ntidos. Outro detalhe nico: um dos ps do deus surge ao fundo da embarcao, seguindo a descrio de Snorri (Sturluson 2005: 64). A imagem literria de rr pescando a serpente do mundo tambm aparece nos poemas escldicos de Bragi Boddason e Eilfr Godrnarson). No h indicaes de que o monumento de Altuna seja cristo (Davidson 2001: 51), o que explica a pureza esttica da imagem e do fato do deus estar solitrio. Segundo alguns pesquisadores (Sawyer 2003: 126-127), a representao de Gosforth podia ser interpretada em sua poca como sendo Cristo pescando o Leviat. Temos ento uma imagem mtica estvel por quase 500 anos (Davidson 2001: 52), porm com interpretaes diferentes conforme o contexto histrico-social.

    No ocorre em toda a ilha de Gotland qualquer tipo de registro visual dos relatos dos deuses Vanes, especialmente Freyr e Freyja (entidades responsveis pela fertilidade e sexualidade); a meno ao deus rr, o mais popular em toda a Escandinvia, se resume a uma nica imagem (a pesca de Midgardsomur, a serpente do mundo); outras

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    entidades sobrenaturais como Loki, Balder, Heimdallr, as nornas, Tr e Ymir no so representadas; a rvore csmica Yggdrasill25 bem como os gigantes e as importantes descries de criao do mundo e sua destruio (Ragnark) tambm esto ausentes. Se por um lado estritamente estrutural, as estelas remetem a um sentido geral de fora, destreza, poder e coragem (Fuglesang 2006), seus simbolismos relacionados ao valknut remetem objetivamente aos cultos odnicos de morte e ressureio, que estabeleciam conotaes de prestgio, liderana e status aos principais homens destas comunidades.26 Como toda imagem religiosa, certamente elas testemunham uma atmosfera coletiva (Vovelle 1997: 23), no contendo referncias especficas ao nome do morto27 (apesar da possibilidade de ter sido identificada pela comunidade no momento da sua confeco), com o tempo desapareceu a memria sobre os fatos do indivduo. Com isto se prezava uma importante faceta da religiosidade escandinava, a insero do indivduo em um cl ou linhagem familiar: o destino jamais era individual, mas dentro de um senso de fatalidade coletiva tpica do mundo germnico (Langer 2005b: 65). O sentido padro a glorificao das faanhas guerreiras do falecido e sua ligao com o mundo odnico. A significao dos mitos preservados pelas imagens, relacionava-se diretamente com a aristocracia,28 com os Jarls (condes) e com os konungar (reis). Esto ausentes das estelas os mitos vinculados ao universo dos fazendeiros (bndis, especialmente o culto ao deus rr), as narrativas e religiosidades do cotidiano das plantaes e criaes de animais (deus Freyr), as concepes de famlia e do universo feminino (prticas mgico-religiosas de sade, curas e conflitos deusa Freyja) (Langer 2005b: 55-82). O heri Sigurr Ffnisbani, apesar de estar diretamente vinculado aos simbolismos odnicos, tambm est praticamente ausente nas estelas, mesmo com sua presena marcante em outras reas de influncia escandinava (como a Sucia continental, a Noruega, Inglaterra Anglo-Saxnica de colonizao dinamarquesa, a Frana normanda e at a Espanha). A aristocracia de Gotland parece ter constitudo um culto, em que predominavam a exaltao s valqurias, servas de inn, e a entrada direta ao Valhll por parte do guerreiro homenageado. Desta maneira, apesar de funcionar como modelo herico em outras reas nrdicas, Sigurr torna-se suprfluo neste contexto, sem necessidade de representao, mas, as reais evidncias desta lacuna imagtica ainda esto longe de ser solucionadas.

    Essas ausncias so importantes para a anlise das imagens, porque remetem diretamente s intenes da comunidade envolvida na elaborao das mesmas: a interpretao por parte do autor da imagem h de ser sempre correspondida pela interpretao do observador (...) no podemos separar o cdigo do contedo (Gombrich 1991: 136, 138). Dentro de um contexto scio-psicolgico, onde o mito sobrevive enquanto narrativa principalmente oral pela maior parte da Escandinvia, as imagens mticas ao mesmo tempo em que revelam essas expresses e modelos (Franco Jr. 2003b: 96), acabam elegendo um recorte especfico, congelando no espao e no tempo uma parcela muito mais ampla das antigas tradies. Vrios mitos e vrias verses de narrativas mticas estavam disponveis durante este perodo, mas as imagens registraram apenas alguns deles. No queremos com isto aplicar uma nica funo para as imagens das estelas erro criticado por Schmitt (2002: 600), mas antes sugerir possveis sentidos que seus prprios construtores desejaram, sendo assim percebidas pelos outros membros da comunidade em que estavam inseridas.

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    Figura 5: Hogback de Heysham, Lancashire, Inglaterra, sculo X. Imagem do sistema ragnarokiano. Fonte: http://www.bispham2.freeserve.co.uk/heysham/ (Acessado em 20 de setembro de 2006). Monumento funerrio com esculturas em pedra. As extremidades so figuradas por ursos, remetendo ao culto odnico deste os tempos de Tcito. A lateral possui diversas figuras de animais, especialmente cervdeos, e duas figuras humanas de cada lado. Todos esto com as mos apoiando ou ostentando a parte de cima, sugerindo tratar-se dos quatro anes que sustentavam o crnio do firmamento celeste (elaborado aps a morte do gigante Ymir). O outro lado do monumento possui apenas um ano representado, com a mesma posio que os outros, ao lado de uma rvore estilizada. A representao literria dos quatro anes sustentando o firmamento aparece na Edda em Prosa (Sturluson 2005: 112). Segundo Boyer (1997: 106), a palavra em nrdico para anes Dvergr (plural dvergar), significando torto, no tendo sentido original de seres diminutos. Essa idia de tamanho teria sido construda aos poucos pela Igreja crist, com o intuito de desacreditar os antigos mitos pagos. O hogback de Heysham uma das poucas representaes iconogrficas de anes nrdicos da Alta Idade Mdia, mas assim como a runestone de Drvle (Uppland, Sucia representando o ano Andvari, Sigurr e uma valquria), podem ter recebido influncias estticas do cristianismo, explicando seu pequeno tamanho. No ocorrem representaes de seres humanides diminutos em iconografia da Era Viking.

    Assim temos como possveis nveis de interpretao das imagens mticas presentes nas estelas durante o perodo pr-cristo: 1o. nvel: homenagem s faanhas do falecido, seus atos valorosos enquanto guerreiro e lder Viking, servindo de exemplum para a comunidade (Fuglesang 2006). 2o nvel: a valorizao dos mitos e das narrativas relacionados especialmente ao deus inn e seu culto. 3o nvel: a importncia simblica da aristocracia guerreira, que, deste modo foi associada a elementos odnicos e divinizada (talvez alguns dos falecidos representados tenham sido reis, os konungars). Em conjunto, estes nveis de leitura das imagens acabaram legitimando a supremacia poltica e social da aristocracia perante a populao, seja em relao aos fazendeiros e comerciantes ou mesmo aos nrdicos de outras partes da Escandinvia (como suecos e dinamarqueses) e eslavo-blticos, todos atuantes em Gotland. A forma como uma imagem foi percebida ou interpretada tambm pode ser uma forma de manipulao da mesma, afinal, ela pode ser interveno, poder e controle (Franco Jr. 1996: 192, 2003b: 98-99). Essa nossa hiptese tambm pode ser verificada com um fato histrico: a sobrevivncia das estelas na ilha, mesmo aps a cristianizao. Ao contrrio de outras partes da Escandinvia e Europa (como diversos dolos, esttuas e monumentos eliminados), elas no foram destrudas pelos missionrios e evangelizadores, mas permaneceram preservadas em igrejas (a origem do nome de cada monumento nos dias de hoje). Mesmo contendo referncias ao paganismo, na forma de mitos e smbolos, as estelas gotlandesas continuaram cumprindo um papel de legitimao da aristocracia,

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    valorizando o comportamento violento e blico dos guerreiros algo que no desapareceu com a nova religiosidade ocasionando a sua preservao.

    FONTE ESTELAS DE GOTLAND29

    RUNESTONES NORUEGA/SUCIA30

    HOGBACKS INGLATERRA31

    CRUZES ILHAS BRITNICAS32

    IGREJAS EUROPIAS33

    Datao VIII-X VIII-X X X-XI XI-XIV

    Animais (Aves/pssaros)

    Corvos, guia Pssaros ... Corvos Pssaros, corvos

    Animais (Mamferos)

    Garmr?, Sleipnir, cavalos

    Cavalos, co Urso, lobo/co? Fenrir, Garmr, Sleipnir, cabra,

    cavalo

    ...

    Animais (ofdios)

    Serpentes, drago Serpentes, drago, Fafnir

    Serpentes, drago Serpente-drago/Fafnir

    Fafnir

    Deuses inn, rr, Frigg rr inn, Tyr, Vlundr

    inn, rr, Heimdallr, Vidar

    inn

    Heris Gunnar Sigurr ... Sigurr Sigurr, Atli, Gunnar

    Outras entidades

    Valqurias, Hymir, Suttungr, Gunnld,

    Hildr

    Hyrrokkin, Andvari Loki, 4 anes csmicos

    Loki, Sigyn, valquria, Hymir

    Brynhildr, Reginn, Grani,

    Hogne Contexto

    mtico/narrativo das cenas

    Valhll

    Ciclo dos Nibelungos

    Ragnark

    Ragnark

    Ciclo dos Nibelungos

    Smbolos religiosos

    Valknut, triqueta, triskelion, roda

    solar, anel

    Mjllnir , roda solar, triskelion, triqueta,

    sustica

    Valknut, triqueta Valknut, triqueta Sustica

    Equipamento/ Instrumental

    Navios, espadas, escudos

    Espadas, escudos, navios, mscaras

    ... ... Ferraria/forja, espadas

    Tabela 1: Temas iconogrficos da mitologia nrdica na Europa Setentrional (sc. VIII-XIV) (somente imagens de objetos fixos e/ou monumentais)

    Imagens e mitos nrdicos no perodo de transio (paganismo ao cristianismo)

    Tambm neste perodo de transio do paganismo para o cristianismo que encontramos algumas das mais variadas questes e problemticas envolvendo a iconografia mitolgica, apontando diferenas e semelhanas entre as vrias regies de influncia nrdica (ver tabelas 1 e 2). A primeira questo a do pan-germanismo. A distribuio dos mitos geralmente foi geralmente considerada um processo uniforme e linear, da Antigidade ao fim da Era Viking, concluses baseadas especialmente nos textos de Tcito e da literatura islandesa. Contudo, um exame atento das imagens disponveis gera algumas incongruncias: se para o perodo de migrao existem representaes indubitveis de Wotan-inn e Tr (especialmente em moedas), para o deus rr no ocorre qualquer tipo de figurao antes do sculo IX (Fuglesang 2006), assim como do deus Balder, sendo a figura do primeiro deus muito comum na iconografia do perodo de transio e durante os sculos XI e XII. Wotan-inn geralmente representado em amuletos do sculo V ao VII em cavalos normais, portando sua lana (Gungnir), ladeado por seus dois corvos (Hugin e Munin) e com o emblema da guia. Todavia, subitamente em algumas imagens gotlandesas do perodo

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    Viking surge Sleipnir, o cavalo de oito patas (referendado pelas Eddas). Variaes da mitologia germnica da rea escandinava ou reflexos de regionalizaes de cultos do paganismo? Do mesmo modo, ainda no momento de transio, aparecem outras incongruncias. Na rea da colonizao dinamarquesa da Inglaterra, foram produzidos os hogbacks, produtos da interao entre escandinavos e anglo-saxes. Enquanto o deus Tr amplamente representado na Inglaterra anglo-sax do sculo X (assim como em materiais no fixos desde o perodo das migraes germnicas), ele est omitido das fontes gotlandesas. Outras ausncias significativas na grande ilha do Bltico, mas presentes nos hogbacks e cruzes ingleses so as figuras de Loki e Heimdallr (tabela 1). Os posicionamentos para isso partem de trs premissas diferentes. A primeira a que concebe as esculturas britnicas (especialmente as representadas em cruzes) como sendo parte de uma interpretatio christiana dos mitos nrdicos (Bailey 2000); a segunda parte do pressuposto de uma reapropriao do contedo bblico pelos prprios pagos (tanto nos hogbacks quanto em crucifixos), ocasionando uma nova interpretao destes, uma interpretatio norroena (Klayman 2002); uma terceira, procura demonstrar que os objetos no so totalmente cristos nem pagos, mas algo intermedirio (Stone 1999). Todas as posies possuem pontos interessantes, mas tambm limitaes. A figura de Loki, por exemplo, representada no hogback de Kirby Stephen, Cumbria, possui nitidamente aspectos demonacos apresenta um ser com chifres espiralados para baixo, permanecendo amarrado nos ps e nas mos (ver figura 6). Esta caracterstica dos chifres no existe nas descries literrias de Loki, sendo uma reinterpretao totalmente crist, condizente com as idias de Bailey. No obstante, discordamos desta posio pelo menos no caso de alguns hogbacks, como os conjuntos das igrejas de Brompton e Ingleby Arncliffe, que apresentam um bloco ladeado pela figura de dois ursos apoiando com as patas superiores a rocha (ver figura 5); no centro, ocupando toda a superfcie lateral, ocorrem representaes de triquetas e valknuts ou motivos entrelaados semelhantes a estes smbolos. A figura do urso tpica no paganismo germnico, sendo citada por Tcito como indicativa de um culto guerreiro que, na Era Viking, ficou conhecido como berserksgangr (do modo berserker, camisa de urso),34 associado ao deus inn (cuja relao tambm possui paralelo, pelos smbolos citados, nos hogbacks), ou seja, a sobrevivncia de elementos centrais da religiosidade guerreira dos Danes em plena Inglaterra crist. Talvez ainda seja um reflexo do fato de que os primeiros conquistadores da regio ainda no estarem totalmente includos no processo de assimilao da cultura local, algo que posteriormente acabou sendo efetuado, como tambm denotando possveis influncias da literatura anglo-saxnica, que tambm pressupunha conexes com a figura do urso em um passado pago germnico (Klayman 2002). No podemos deixar de perceber aqui um outro ponto de incongruncia, desta vez com as fontes gotlandesas. Nestas, apesar de ocorrerem os smbolos odnicos citados, no existem qualquer representao de ursos, implicando a quebra em um elemento pan-germnico considerado padro, ao contrrio da figura do co (que em alguns casos pode ser interpretado como Garmr) presente em todas as reas de influncia escandinava (tabela 1).

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    Figura 6: Loki stone, Fragmento cruciforme de Kirkby Stephen, Cumbria, Inglaterra, sculo XI. Imagem do sistema ragnarokiano. Fonte: http://students.ou.edu/A/Shawn.K.Akin-1/intro.html (Acessado em 10 de agosto de 2006). Escultura representando possivelmente o semi-deus Loki. Apresenta uma figura masculina, com barbas e feio denotando sofrimento, portando chifres espiralados e curvados para baixo, tendo as mos e pernas presas de maneira serpentiforme. Abaixo da representao ocorre outra figura sentada. Em nenhuma das descries literrias de Loki ocorrem chifres, nem mesmo em outras representaes imagticas do sculo VIII a XIII. Com certeza trata-se de uma reapropriao do personagem pelo referencial cristo, colocando-o num mesmo patamar que Lcifer, o anjo cado, ou ainda, a um demnio do submundo infernal. Neste caso, a narrativa nrdica da priso e pena de Loki torna-se congruente com o pensamento escatolgico judaico-cristo.

    Os sistemas de reinterpretaes oral-imagticos

    De nossa parte, elaboramos uma hiptese para tentar explicar as variaes de cada regio, que longe de sanar as problemticas ou objetivar um modelo terico genrico, tem como objetivo principal a conduo das futuras pesquisas. Acreditamos que existiram padres comuns nos mitos (pan-germnicos, uma perspectiva diacrnica) para toda a rea escandinava, de base oral, e que foram recebendo variaes regionais ainda antes da penetrao da escrita latina, fragmentando-se posteriormente por especificidades histrico-culturais (privilegiando uma perspectiva sincrnica). Dentro desta idia, formulamos trs grandes conjuntos que denominamos de sistemas de reinterpretaes oral-imagticos (tabela 2): valholhiano, ragnarokiano e nibelungiano, que abrangem a totalidade das principais fontes iconogrficas da mitologia nrdica durante o perodo de transio do paganismo para o cristianismo e que so baseadas especialmente nas narrativas mitolgicas que foram preservadas imageticamente. Aqui adotamos a noo de sistema iconogrfico medieval em termos estruturais, que possuem relaes de equivalncia, hierarquia e oposio entre seus temas (Baschet 1991b: 375-376).

    1o Valholliano: um conjunto de imagens mticas estruturadas na ilha bltica de Gotland, onde predominam as cenas e smbolos relacionados diretamente com as narrativas mitolgicas do Valhll. Tanto a sua permanncia secular (expressa pela grande conservao dos monumentos) quanto a inexistncia de outros sistemas imagticos-artsticos aps a converso, explica-se pela sobrevivncia de uma classe guerreira e aristocrtica na ilha, que foi beneficiada politicamente com a criao das Igrejas e do bispado regional. A opo pela conservao do ideal guerreiro (e a escolha do principal deus Ass inn e as entidades a ele relacionadas, como as valqurias, Frigg e Sleipnir) explica as omisses aos cultos fertilidade, representaes imagticas

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    de deuses como Balder, rr, Freyja, Freyr e a eventos csmico-mticos como a criao do universo e seu fim, o Ragnark.

    Cena mitolgica Sistema de

    reinterpretao oral-imagtico

    Datao

    Suporte

    rea de abrangncia

    O deus Tr devorado pelo lobo Fenrir (homem com uma mo/brao na

    boca de um candeo)

    Ragnarokiano

    Sc. V-XIII

    Moedas, hogbacks, cruzes, literatura

    islandesa.

    Escandinvia, Alemanha, ilhas

    britnicas. Valquria recebendo mortos com hidromel

    (mulher portando taa de chifre)

    Valholliano

    Sc. VIII-XIII

    Pingentes, estelas gotlandesas, cruzes, literatura islandesa.

    Escandinvia, ilhas britnicas.

    O deus rr pescando a serpente do mundo (um

    ou dois homens pescando em bote, com a

    isca prxima a uma serpente)

    Ragnarokiano

    Idade do bronze (?), Sc. VI-XIII

    Pedras, estelas gotlandesas, cruzes, literatura islandesa.

    Escandinvia, ilhas britnicas.

    O heri Sigurr matando o drago (homem matando monstro

    serpentiforme)

    Nibelungiano

    Sc. VII-XIII Estelas gotlandesas,

    esculturas em madeira e pedra de Igrejas, literatura

    islandesa e germnica continental.

    Escandinvia, ilhas britnicas, Frana,

    Alemanha e Espanha.

    Gunnar no fosso das serpentes (homem

    rodeado de serpentes)

    Nibelungiano

    Sc. VIII-XIII

    Estelas gotlandesas, esculturas em

    madeira e pedra da Era Viking,

    esculturas em Igrejas, literatura islandesa e

    germnica continental.

    Escandinvia, ilhas britnicas.

    Tabela 2: Principais cenas/narrativas mitolgicas na iconografia europia antiga e medieval (objetos mveis e fixos): os sistemas de reinterpretaes oral-imagticos.

    2o Ragnarokiano: um conjunto de imagens de base oral-pagnica que foram transmitidos pelos escandinavos no momento em que chegaram Inglaterra e tiveram contato com o cristianismo local de origem anglo-sax, sendo estendida para algumas ilhas britnicas. Foram selecionados somente os mitos e imagens que possuam relao estrutural com o fim do mundo germnico o Ragnark por terem proximidade e similaridade estrutural com a mitologia crist (especialmente o apocalipse de Joo), propiciando uma melhor adaptao aos costumes das comunidades locais: Loki, Heimdallr (tocando sua trombeta anunciando o caos final), inn (sempre no momento do caos final). Foram excludos todos os mitos e deidades relacionadas fertilidade (Freyr, Freyja), enquanto outros deuses como rr surgem em cenas especficas de contato com monstros passveis de interpretao crist, como a cena de pesca da serpente do mundo identificada ao leviat bblico (ver figura 4). Em todas as situaes, Loki foi assimilado ao demnio (ou ao simbolismo da queda, como na cena de punio na cruz de Gosforth). Situaes inusitadas ao contexto do Ragnark, como os 4 anes csmicos do hogback de Heysham presentes no momento da criao germnica (Nordri, Sudri, Austri e Vestri, todos suportando a abbada do firmamento feita do crnio do gigante Ymir, ver figura 5), tambm so passveis de assimilao ao contexto judaico-cristo. A incidental presena de smbolos pagos em alguns hogbacks (como ursos e triquetas-valknuts) explica-se pela relao do deus inn com os ideais

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    guerreiros conservados pelos Danes num primeiro momento da presena nrdica na Inglaterra, mas que no se opunham diretamente reinterpretao posterior dos mitos germnicos pelo cristianismo (ou o contrrio). Apesar de serem pagos e criados para comemorar o culto de morte a inn (Stone 1999), os hogbacks foram criados em um contexto diferente da rea religiosa de onde originalmente vieram os Danes, sendo ferramentas da assimilao pacfica da cultura nrdica pelo mundo cristo (Klayman 2002) ou smbolos da converso (Dawn 2002). Com a chegada do sculo XI a representao do urso desapareceu totalmente da rea britnica, permanecendo apenas os mitos e smbolos mais prximos ao Ragnark (presentes nas cruzes e monumentos em Igrejas). As representaes de triquetas-valknuts ainda sobreviveram em cruzes, algumas inclusive em gravaes centrais, mas agora apenas com sentido alegrico-esttico e no mais religioso, aproximando-se do padro irlands de cruzes celtas (ao perpetuarem elementos pagos, como a espiral e o crculo, em meio a cenas bblicas). Outras esculturas presentes em hogbacks (como dois exrcitos confrontando-se, Gosforth, Inglaterra) tambm so interpretadas como cenas do Ragnark (Davidson 1987: 121).

    3o Nibelungiano: conjunto de imagens de base oral pan-germnica, que inicialmente possuam uma assimilao aos ideais guerreiros da aristocracia sueca (como as representaes da runestone sueca de Ramsundsberget, S 101), prestigiando a trajetria de Sigurr, mas especialmente o momento em que mata o drago Fafnir. Discordamos de Fuglesang (2006) quando afirma que, neste caso no ocorreram conexes entre as narrativas visuais de Sigurr com a religio pr-crist, sendo as imagens apenas elementos de uma nova esttica no imaginrio artstico escandinavo (uma mudana de conveno aps o ano 1000). A incluso do sistema nibelungiano (no caso destas runestones) ou sua excluso (no caso das estelas gotlandesas) remete diretamente a um recorte na tradio oral e religiosa dos mitos, fazendo parte de uma noo tanto do ambiente geogrfico-social quanto do universo em que estas acabaram se incorporando. No h como separar a arte da religiosidade, da poltica ou outro aspecto da sociedade escandinava, todas esto extremamente interconectadas uma ideologia historicamente orgnica, conforme Cardoso (2006). Com a cristianizao, a associao heri-monstro com esttica nrdica tornou-se extremamente comum, ocorrendo na rea sueca, norueguesa, normanda, inglesa e at espanhola. Como no se tratava de um deus, mas de um heri humano, Sigurr transforma-se no mais emblemtico smbolo do soldado de deus, com passado pago, mas agora, convertido em perfeito baluarte da nova f (em alguns casos visto at como figura histrica), combatendo a representao do demnio (o drago). Nesta hiptese concordamos com Fuglesang (2006), quando afirma que as imagens de Sigurr se transformaram no perodo cristo em cenas alegricas e no mais narrativas (como no perodo anterior, nas runestones). No caso das suas complexas representaes nas portas das igrejas norueguesas (sculos XI-XIV d.C.), estas acabaram representando um eficiente sistema de propaganda, apesar do paganismo na sua forma, refletindo as transformaes sociais dos cultos religiosos do modo privado (paganismo) para o pblico (cristianismo) (Nordansgok 2003). O sistema nibelungiano foi o que obteve maior alcance em termos geogrficos, sendo encontrado em quase toda a Escandinvia, ilhas britnicas, Frana, Alemanha e Espanha.

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    Concluso

    Nossa principal postura metodolgica tanto para o estudo das fontes como dos temas mitolgicos a de privilegiar recortes sincrnicos, enfatizando desta maneira os aspectos regionalizados que acreditamos devem ser levados em conta quando se estuda uma cultura. Consciente de que a religiosidade nrdica seria eminentemente constituda por acrscimos sucessivos, mas que uma anlise profunda deveria levar em conta os procedimentos sincrnicos, o historiador Rgis Boyer (1981: 10-11) alertou: o erro muito comum que consiste em extrair aleatoriamente do corpus de dados do qual ns dispomos, sem operar as distines indispensveis no plano cronolgico e geogrfico. O famoso antroplogo Claude Lvi-Strauss j indagava sobre a questo, em outros termos: onde acaba a mitologia e onde comea a Histria? Para ele, ambas possuem estruturas semelhantes, apesar da primeira ser mais esttica e a segunda um sistema aberto (Lvi-Strauss 1985: 55-64). Em outros tericos a linguagem mtica seria indubitavelmente atrelada a uma fundamentao histrica, sem o qual no poderia se manifestar (Barthes 1982: 132). Jean-Pierre Vernant descreve a diferena entre os mitos das sociedades frias, onde o tempo no claramente marcado (com uma sincronia coerente e uma diacronia frgil), com as narrativas mticas das sociedades quentes, mobilizadas pela Histria nestas ltimas, as variaes mticas so efetuadas pela oposio entre verses novas e antigas. A pesquisa do mito, desta maneira, deve levar em conta a articulao entre a investigao sincrnica (cada elemento explicado pelo conjunto de suas relaes num sistema) e a diacrnica (os elementos so inseridos em sries temporais, explicados pelas seqncias anteriores), ou seja, a articulao entre as estruturas, pela decifrao da polissemia dos diferentes cdigos, enfim, decodificando uma lgica no binria, prpria dos mitos (Vernant 1992: 219-221).

    Apesar da importncia dos grandes modelos tericos dos mitos e da religiosidade escandinava (principalmente Dumzil 1939; Turville-Petre 1964; Davidson 1988), alm dos pressupostos histrico-culturais (Graham-Campbell 1997; Jones 2001, entre outros), as problemticas que definimos ao longo do texto demonstram que as futuras investigaes devem concentrar seus focos de anlise no especfico, procurando encontrar as variaes sociais e no somente alguma unidade estrutural (que em alguns casos nunca existiu). Mesmo com os escandinavos ainda serem includos em um modelo etno-lingustico que remete a padres pan-germnicos (especialmente na linguagem e diversos aspectos culturais), alguns resultados de pesquisa vem demonstrando diversidades de reinterpretaes regionais para facetas da religiosidade nrdica da Era Viking, rompendo com a idia de uma ortodoxia ou pensamento unificado (Srensen 1999; Langer 2005b: 79; Cardoso 2006), algo que reiteramos no presente texto ao observar a existncia na rea escandinava medieval dos trs sistemas de reinterpretaes oral-imagticos: o valholliano, o ragnarokiano e o nibelungiano. Assim, nossas pesquisas futuras no abandonaro os estudos diacrnicos que privilegiaram as permanncias e certa unidade, mas enfatizaremos especialmente o sincrnico, o circunstancial, o regional, enfim, todo elemento que permitir vislumbrar porque existiram tantas variaes (ou ausncias) na produo de imagens e narrativas orais mticas na Escandinvia da transio do paganismo para o cristianismo.

    AGRADECIMENTOS: Ao Prof. Dr. Hilrio Franco Jnior (USP), Prof. Dr. lvaro Bragana Jnior (UFRJ) e a Prof Ms. Luciana de Campos (D-UNESP), pelas revises e comentrios ao presente texto.

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    NOTAS

    1 O presente texto a introduo modificada da primeira parte (introduo) da pesquisa de ps-doutorado

    em Histria Medieval Orm: o mito do drago nrdico na Escandinvia Viking e crist, efetuada na USP com bolsa da FAPESP, 2006-2007, sob superviso do professor Dr. Hilrio Franco Jnior. Na prxima edio da revista Brathair ser publicada a segunda parte, referente s fontes literrias da mitologia Viking.

    2 Ordem das fontes literrias segundo importncia qualitativa e quantitativa do contedo mitolgico.

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    3 Para consideraes tericas sobre iconografia medieval ver Baschet (1991a, 1991b) e Bonne (1991).

    Para teorizaes sobre imagem na Escandinvia Medieval consultar Fuglesang (2006).

    4 Em um procedimento metodolgico diferenciado, porm chegando a resultados semelhantes, o

    historiador Carlo Ginzburg em sua obra, Histria Noturna, investigou as matrizes mticas da imagem estereotipada dos sabs medievais. Influenciado pelo estruturalismo de Vladimir Propp e pela Antropologia francesa, o historiador italiano prope uma partilha do mtodo morfolgico (atemporal e diacrnico) atrelado a uma perspectiva histrico-cultural (sincrnica), estabelecendo as possveis conexes entre dados documentais dispersos em contextos geogrficos e temporais totalmente diversos. Assim, narrativas mticas espalhadas, mas persistentes no tempo, seriam conectadas em um ncleo comum, mesmo as que foram refletidas em contextos supostamente diferentes (rompendo com isso, a dicotomia ruptura e permanncia: Um nico esquema mtico foi retomado e adaptado em sociedades muito diferentes entre si, do ponto de vista ecolgico, econmico e social). Em sua pesquisa, abarcando a documentao inquisitorial, as tradies mgico-religiosas clssicas, celtas, germnicas, citas, eslavas, contos folclricos, entre outras, Ginzburg estabeleceu a origem comum das tradies mticas relacionadas aos vos noturnos/viagens ao reino dos mortos, metamorfoses e xtases (que confluram ao moderno sab das bruxas. Aqui, portanto, rompe-se com outra dicotomia tradicional as crenas populares e a literatura/ideologia erudita): as prticas xamanistas dos antigos povos caadores da Eursia. Apesar disto, Ginzburg no procura realizar uma busca das origens dos mito (uma postura tradicional em alguns tericos, que para ele inacessvel), pois uma narrativa mais antiga no significa que seja mais verdadeira, e sim o estudo de um ncleo comum (euroasitico) e as suas sobreposies sucessivas: sempre assumido em bloco pela cultura que dele se apropria, tendo sido fruto de relaes culturais sedimentadas durante milnios. Com isso teramos contextos heterogneos e dados morfolgicos homogneos: O elemento universal seria representado pela srie que inclui os elementos singulares, pelas categorias que reelaboram de forma simblica as experincias concretas e histricas (Ginzburg 2001: 9-37, 162, 183, 203, 219, 251-265, 248). No caso especfico do recorte escandinavo, Ginzburg prope algumas novas leituras envolvendo mitologia e religiosidade. A descrio do ressuscitar dos ossos de cabra pelo deus rr (narrado na Edda em Prosa, sculo XIII, de Snorri), percebido dentro de uma analogia com certos atos de So Germano dAuxerre e o deus lapnico Horagales, todos atestando a sobrevivncia folclrica de um antigo rito euroasitico de caadores das estepes: as metamorfoses em animais e as descries de xtase do deus inn (mencionadas na Ynglingasaga de Snorri); as descries islandesas dos guerreiros berserkers; rituais xamnicos do Islendigabk (Livro dos islandeses, sc. XII); batalhas mgicas em transe (Hvardar Saga); jornadas em esprito pela fylgia (alma); viagem do rei Hadingus ao mundo dos mortos (Gesta Danorum, de Saxo Gramaticus); a cavalgada mgica aos mundos subterrneos montando em um basto (de forma anloga aos esteretipos das bruxas) do heri Thorstein para roubar um anel e uma capa preciosa do monarca local; narrativas de lobisomens germnicos; as prticas mgicas e xamanistas do Sejdr. Estudos anteriores j apontavam uma influncia do xamanismo lapnico/finlands em vrias prticas-mgicos religiosas na Escandinvia Viking (registradas nas Sagas), alm de diversos contedos xamanistas nas narrativas mticas, especialmente as Eddas; sobre o assunto ver: Blain (2002: 19-23), Boyer (1981: 141-47), DuBois (1999: 122-138), Dumzil (1992: 96), Eliade (1998: 413-421), e Langer (2004b: 98-102). Neste caso, Ginzburg prope uma leitura equivalente tanto da narrativa mtica quanto da literria e da religiosa, todas inferindo um modelo anterior ao perodo Viking, no caso, as prticas xamanistas dos antigos euroasiticos, mas sem esquecer as diferenas entre crena e realidade durante o processo histrico: a correspondncia entre mito e prtica ritual est longe de ser perfeita (Ginzburg 2001: 135, 139, 177, 224-225, 244-247, 313, 316, 367, 229).

    5 Aqui no abordaremos outras fontes iconogrficas, menos importantes que as estelas de Gotland mas

    tambm muito teis para o estudo da mitologia escandinava: figuras em amuletos e pingentes, estaturia, cenas bordadas em tapetes, esculturas na rea anglo-saxnica, figuras em madeira, descries de imagens esculturais e arquitetnicas preservadas pela literatura e igrejas medievais. Para uma descrio parcial destas fontes iconogrficas secundrias ver os catlogos integrantes de Glot & Le Bris (2004), Graham-Campbell (2001) e Wilson (1980).

    6 A terminologia arqueolgica em ingls para estes vestgios Picture Stones ou Carved Stones; em sueco

    e alemo o termo Bildsteine. Em vez de realizarmos uma traduo literal da palavra, preferimos utilizar o termo Estela devido ao fato das rochas terem sido trabalhadas manualmente, tendo formato e estrutura iconogrfica semelhante a outros monumentos/monlitos que levam inscries, desenhos, gravuras e pinturas no mundo antigo e medieval, geralmente com carter funerrio (do grego stele, coluna tumular). O termo runestone, apesar de ter sido aplicado por ns em trabalho anterior (Langer 2003b) incorreto,

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    visto que a maioria das estelas gotlandesas com iconografia mtica no possuem inscries rnicas. As estelas pintadas foram confeccionadas em calcrio e arenito, uma prtica que remontava desde o perodo da Idade do Ferro Romana, entre 200 a 400 d.C. Vrios pesquisadores j demonstraram a influncia esttico-artstica da rea etrusca e clssica na elaborao de certos motivos pr-Vikings destas estelas. Ornamentos de faixas e listas laterais das estelas, segundo o arquelogo Sune Lindquvist, teriam sido influenciados pelos Celtas. Este mesmo pesquisador sistematizou estes vestgios na dcada de 1940, classificando-as nos grupos: A. Estelas largas com linhas curvas, geralmente do perodo pr-Viking, como Bro I, onde predominam imagens geomtricas e estilizaes; B. Estelas ans, com tamanho pequeno, a exemplo de Sojvide e Ala; C. O mais interessante da histria das estelas pintadas, segundo Lindqvist, possuindo as melhores e mais expressivas elaboraes artsticas, a exemplo de Lrbro St. Hammars, Stenkyrka Smiss I e Tngelgrda I. D. Grupo com poucos exemplares, como Ardre VIII e Alskog Tjngvide I. E. Grupo com a presena de runas, elaboradas j no perodo cristo, como Hogrn K (Hupfauf 2003: 191-202).

    7 Situada no bltico sueco, a ilha de Gotland possui 3.140 km. Foi um importante centro comercial,

    unindo as rotas orientais com as do Leste e Oeste escandinavo. Durante o perodo Viking, a ilha foi um estado independente ou repleto de pequenos reinos, mas sempre prspero. Em algumas ocasies houve pagamentos de tributos aos suecos. Em vrios aspectos houve diferenciao cultural da ilha com o restante da Escandinvia: uma lngua prpria, o gutnisk, uma saga, a Guta Saga (cf. Boyer 1997: 123; Haywood 2000: 84-85; Jones 2001: 242-243).

    8 Para uma tipologia geral das runestones escandinavas ver Page (2000: 43-52). Para estudos de

    delimitao, morfologia, distribuio, corpus de fontes e bases de anlise das runestones ver Sawyer, (2003: 7-46). As mais importantes runestones portando imagens mticas da Escandinvia continental pr-crist so: Ramsundsberget (Sucia, contendo imagens de vrias cenas da Vlsunga Saga, a narrativa do heri Sigurr e do drago Fafnir) e Altuna (Sucia, com imagens do deus rr pescando a serpente do mundo).

    9 Para um estudo genrico da estelas de