etnografia virtual

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO ETNOGRAFIA VIRTUAL: UMA TENDÊNCIA PARA PESQUISA EM AMBIENTES VIRTUAIS DE APRENDIZAGEM E DE PRÁTICA Daniel Ferraz Denise Pelegrinelli Ecivaldo de Souza Matos Julio Cesar Mansur Haddad Marta Terezinha Motta Campos Martins Raquel La Corte dos Santos Renata Prieto Faria Ricardo Medeiros Tatiana Visnevski Mendes São Paulo Jullho de 2009

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Estudos de pesquisa etnográficas.

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Page 1: Etnografia Virtual

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO

ETNOGRAFIA VIRTUAL: UMA TENDÊNCIA PARA PESQUISA EM AMBIENTES VIRTUAIS DE APRENDIZAGEM E DE PRÁTICA

Daniel Ferraz

Denise Pelegrinelli

Ecivaldo de Souza Matos

Julio Cesar Mansur Haddad

Marta Terezinha Motta Campos Martins

Raquel La Corte dos Santos

Renata Prieto Faria

Ricardo Medeiros

Tatiana Visnevski Mendes

São Paulo

Jullho de 2009

Page 2: Etnografia Virtual

2

SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS ................................................................................................................... 4

RESUMO ........................................................................................................................................ 5

1 – INTRODUÇÃO: NASCE UMA NOVA COMUNIDADE DE

APRENDIZAGEM E DE PRÁTICA ............................................................................................ 6

2 - DO PENSAMENTO MODERNO/POSITIVISTA À PÓS-

MODERNIDADE: EDUCAÇÃO, NOVAS TECNOLOGIAS, NOVAS

EPISTEMOLOGIAS E AS REDES SOCIAIS VIRTUAIS ...................................................... 11

2.1 - AS ESPISTEMOLOGIAS MODERNA E PÓS-MODERNA ....................................................... 11 2.2 – VIVENDO EM REDE ................................................................................................. 17 2.3 – A SOCIEDADE LÍQUIDA, EFÊMERA, FLUIDA..................................................... 21 2.4 – POR UM NOVO CONCEITO DE COMUNIDADE: REDES SOCIAIS,

COMUNIDADES PESSOAIS E INTELIGÊNCIA COLETIVA ........................................ 27 2.5 – REDES DE GUERRA E GUERRAS EM REDE NO CIBERESPAÇO ...................... 31

3 - METODOLOGIA DE PESQUISA: MÉTODOS ETNOGRÁFICOS PARA

A PESQUISA EM AMBIENTES VIRTUAIS DE APRENDIZAGEM E DE

PRÁTICA ...................................................................................................................................... 35

3.1 – DAS METODOLOGIAS .................................................................................................... 35 3.2 – ETNOGRAFIA TRADICIONAL: DAS BASES À ATUALIDADE .............................................. 37 3.3 - ETNOGRAFIA VIRTUAL: INVESTIGANDO NO CIBERESPAÇO ............................................ 41

CAPÍTULO 4 – MAPEAMENTO DOS PROJETOS MUNDIAIS E

TENDÊNCIAS SOBRE A ETNOGRAFIA VIRTUAL: ESCOLA DO

FUTURO E PPGCOM (BRASIL), VKS (HOLANDA), THE VIRTUAL

ETHNOGRAPHY (REINO UNIDO) E DIGITAL ETHNOGRAPHY

(ESTADOS UNIDOS) .................................................................................................................. 45

4.1 MANIFESTO DIGITAL ................................................................................................ 45 4.2 PROJETOS MUNDIAIS E A ETNOGRAFIA VIRTUAL/DIGITAL ........................... 50 4.3 A ETNOGRAFIA VIRTUAL E OS PROJETOS DA ESCOLA DO FUTURO

(LINTEE E PPGCOM - USP) ............................................................................................... 55

5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 60

REFERÊNCIAS ........................................................................................................................... 65

APÊNDICE: MAKING-OF .......................................................................................................... 69

Page 3: Etnografia Virtual

3

“O importante não são as respostas a que se chegam, mas sim as perguntas que se fazem.”

Jostein Gaarder (adaptado)

Page 4: Etnografia Virtual

4

AGRADECIMENTOS

Nossos sinceros agradecimentos à nossa professora Dra. Brasilina Passarelli

por ter nos concedido oportunidade desta experiência tão enriquecedora:

compartilhar espaços, conhecimentos, tempo, sonhos, risos e, especialmente,

elaborar este texto coletivo.

Agradecemos também à Profa. Dra. Anamelea de Campos Pinto pela sua

gentileza e disponibilidade, vindo das Alagoas para nos ajudar, oferecendo seu

tempo e sua atenção para as nossas inquietações.

E, por fim, não poderíamos deixar de agradecer àquela pessoa que sempre

esteve presente. No começo parecia que iria apoiar a professora, mas logo

percebemos que ela estava ali de corpo e alma para nos ajudar, sempre

prontamente e com a sua simpatia encatadora. Muito obrigado Cacau (Claudia

Pontes Freire), a nossa fada madrinha.

Os autores.

Page 5: Etnografia Virtual

5

RESUMO

Este texto é resultado de um esforço cognitivo coletivo, tendo como objeto de

investigação o mapeamento de trabalhos que fazem uso do método etnográfico

em ambientes virtuais de aprendizagem – Etnografia Virtual. Nosso olhar

focalizou os trabalhos desenvolvidos no Programa de Pós-graduação em

Ciências da Comunicação da Escola de Comunicação e Artes da Universidade

de São Paulo orientados pela profa. Dra. Brasilina Passarelli, além de outros

trabalhos, em diferentes países, que fazem uso consciente ou inconsciente de

uma “etnografia virtual”. Observamos ao longo do trabalho os recursos

utilizados por quem faz uso do método etnográfico em pesquisas sobre

ambientes de aprendizagem e de prática e/ou em comunidades virtuais. Em

princípio, revisitamos a epistemologia moderna e assinalamos sua influência na

prática da sala de aula. Em seguida, comparamos com a epistemologia pós-

moderna e refletimos sobre os novos paradigmas que esta anuncia.

Realizamos, por fim, uma revisão da literatura e dos trabalhos ora assinalados,

observando as contribuições para o estudo do ciberespaço, dos dispositivos e

das ferramentas de aprendizagem que esse novo ambiente convoca.

Page 6: Etnografia Virtual

6

1 – INTRODUÇÃO: NASCE UMA NOVA COMUNIDADE DE

APRENDIZAGEM E DE PRÁTICA

Each of us is part of a large cluster, the worldwide social net, from which no

one is left out. We do not know everybody on this globe, but it is guaranteed

there is a path between any two of us in this web of people (BARABASI,

2003, p. 18).

Sempre que iniciamos uma nova disciplina, procuramos saber de que

maneira essa disciplina irá contribuir com a nossa pesquisa. Cremos que a

disciplina, carinhosamente intitulada CCVAP – Criando Comunidades Virtuais

de Aprendizagem e Prática1, tornou-se uma daquelas disciplinas fundamentais

para quaisquer alunos que pesquisam não somente os ambientes de

comunidades virtuais, mas também a todos aqueles que buscam entender o

papel das novas tecnologias na educação – segundo um olhar novo, que

quebra paradigmas e faz refletir, na prática, sobre seus próprios processos de

aprendizagem. Isso porque, além de questionar certos paradigmas arraigados

em nosso entendimento de educação, ela apresenta outras possibilidades,

como:

entender questões anteriores como as relacionadas à metodologia;

compreender a educação inserida na modernidade (textual, tipográfica)

e na pós-modernidade (multimodal, digital, virtual);

1 Portal CCVAP: http://ccvap.futuro.usp.br

Page 7: Etnografia Virtual

7

entender os contextos atuais nos quais os usos das tecnologias são

tidos como extensões humanas (Understading Media, McLuhan 1964; A

Pele da Cultura, de Kerckhove 1997);

entender novos conceitos de comunidades reais e/ou virtuais e como

construções de conhecimento se dão nesses contextos.

Os comentários iniciais nos corredores, durante os intervalos ou nas

discussões promovidas a cada final de aula, eram inevitáveis: “– Será que

conseguiremos construir um texto coletivamente com tantas pessoas?”, “–

Como lidar com uma metodologia até então nova para todos os alunos de pós-

graduação ali presentes?, “ – [essa disciplina] mudou minha maneira de pensar

a prática pedagógica”, “ – [essa disciplina] mudou minha maneira de pensar as

comunidades nas quais sou agente”, “ – Estou em crise, tenho que colaborar...

e ser ajudado!”. Essas eram algumas inquietações do grupo que participou

dessa disciplina. Certamente, ela abalou os sistemas de pensamento de muitos

de nós e serviu como reflexão sobre as epistemologias vigentes, ou seja, sobre

as construções de conhecimento nas quais estávamos embasados e

“formados”, também, para muitos participantes do grupo que são educadores e

formadores de professores, a disciplina provocou a reflexão sobre suas

práticas pedagógicas.

Entendemos como nossa forma a forma positivista neoliberal moderna

de pensar, ver e se relacionar com o mundo influencia nossas atitudes em sala

de aula (como alunos, e, para os professores do grupo, como educadores),

nossas pesquisas e nossos comportamentos como agentes sociais. Quando

entendemos o porquê dessas construções, como frisou a professora Brasillina

em suas aulas, adquirimos maior agência e, portanto, maior responsabilidade

sobre os processos sociais, sobre as relações de poder e um maior

entendimento sobre uma educação tradicional (em pleno século XXI?) que

necessita ser revisitada, re-visionada e reprogramada.

Dessa forma, explanaremos, nessa introdução, nossos processos de

construções do conhecimento coletivo nas aulas da disciplina CCVAP. Trata-se

de uma turma bastante heterogênea, formada de professores universitários-

pesquisadores nas áreas de comunicação, línguas inglesa, francesa e

Page 8: Etnografia Virtual

8

espanhola, alunos-pesquisadores de comunicação social, jornalistas,

jornalistas da área de educação internacional, da área da ciência da

computação, educação (formação de professores), uns doutorandos, outros

mestres, alguns pleiteando vaga para mestrado.

Os nossos macro-objetivos foram:

1. construção do texto coletivo com a participação de todos os

alunos da disciplina CCVAP 2009 (proposta da disciplina e da

professora) e

2. utilizarmos os conhecimentos construídos/debatidos em

pesquisas de mestrado e doutorado em andamento ou a serem

desenvolvidas proximamente.

Nossas etapas de pré-concepçao do texto foram:

assimilação, discussão, trocas e produção de conhecimento

individual e coletiva a partir das aulas, palestras (neste período

letivo – 2009.1, tivemos o privilégio de participar da palestra da

Prof. Dra. Anamelea de Campos Pinto (UFAL2) sobre o Sistema

UAB – Universidade Aberta do Brasil) e do sítio eletrônico da

disciplina;

estudo dos textos coletivos das turmas CCVAP de 2001 até 2008.

Para isso, nos dividimos em subgrupos, cada subgrupo postou no

blog coletivo da turma3 um resumo dos trabalhos desenvolvidos

nesse período;

aprofundamento dos conhecimentos sobre o quadro teórico

fundamental para entendimento das questões tais como as TIC,

redes sociais, comunidades virtuais, comunidades de

aprendizagem, teorias de aprendizagem, múltiplas inteligências e

os novos paradigmas da educação.

2 Universidade Federal de Alagoas

3 http://ccvap.futuro.usp.br/blog/~2009

Page 9: Etnografia Virtual

9

Para a realização da disciplina CCVAP, cercamo-nos de recursos

disponibilizados pela professora Brasilina, bem como por outros recursos

trazidos por nós à turma, a citar:

aulas presenciais (aulas e aulas externas de discussão) e a

distância (encontros virtuais usando Skype®, MSN®,

Googlegroups®);

compartilhamento de informações e relatórios no Portal CCVAP.

Neste portal estão disponoibilizados o conteúdo da disciplina, as

aulas presenciais e as referências bibliográficas, dentre outras

coisas;

desenvolvimento, inicialmente, de blogs individuais, reservados a

cada um dos alunos da disciplina. Posteriormente, optamos pelo

BLOG de todos, passamos, portanto, a postar nossas atividades

cotidianas em um só blog;

preparação e disponibilização de relatorias das aulas, ou seja, um

diário das atividades mais relevantes realizadas durante os

encontros e aulas presenciais. Para esta tarefa, nós elaboramos

uma escala em que nos revezávamos no registrarar e

disponibilização desse artefato;

disponibilização, no Portal do CCVAP, o nosso making-of. Para

essa atividade, optamos por registros visuais, escritos e

gravações de aúdio (fotos e vídeo em anexo – CD).

No capítulo a seguir, apresentamos um panorama das teorias que

embasam as discussões e análises. Neste, enfatizamos a importância da

conexão de áreas muitas vezes consideradas distantes e não-interconectáveis.

Nossos estudos nos levaram a percorrer os caminhos da tecnologia de Pierre

Levy e Manuel Castells; da virtualidade de O‟Gorman; das comunidades e

redes sociais de Rheingold, Barabasi, Rogério da Costa e Brasilina Passarelli;

da educação de Paulo Freire, Saviani; da etnografia tradicional propostas por

Geetz; da etnografia virtual teorizadas recentemente por Christine Hine e

estudos de linguagem e da sociedade defendidos em Latour, McLuhan e de

Kerchhove.

Page 10: Etnografia Virtual

10

No capítulo seguinte, apresentaremos uma análise mais aprofundada

dos temas que nos interessa analisar: as redes sociais e as comunidades

virtuais de aprendizagem e de prática. Uma das metodologias possíveis para

análise dessas comunidades é a etnografia virtual. Esta metodologia será o

foco da nossa terceira etapa, havendo uma breve introdução sobre a etnografia

tradicional e um posterior estudo sobre a possibilidade de estender/transportar

essa metodologia para ambientes virtuais, tal como vem sendo realizado por

pesquisas de mestrado do programa PPGCOM e pelos projetos gerados na

Escola do Futuro (www.futuro.usp.br). No último capítulo, realizamos uma

análise em que as duas pesquisas de mestrado realizadas sobre o assunto e

entrevistas concedidas pela orientadora e pelos pesquisadores formam nossos

dados de análise e interpretação. Finalmente, uma análise da nossa própria

pesquisa se faz necessária. Nas conclusões, apontamos para algumas

possibilidades de uso da etnografia virtual em pesquisas sobre comunidades

de prática em níveis de mestrado e de doutorado.

Observação importante: retiramos definição da disciplina do texto coletivo de

nossos colegas da turma de 2007e fizemos nossas atualizações: Essa é uma

disciplina mantida pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de

São Paulo - ECA/USP, desde 2001, coordenada pela Professora Doutora

Brasilina Passarelli. O principal objetivo da disciplina é fazer com que os

alunos, em curso, estudem aspectos relativos às comunidades virtuais, utilizem

14 ferramentas tecnológicas existentes nas comunidades virtuais e, por fim,

desenvolvam um texto coletivo relativo ao que estudaram e às suas

experiências vivenciadas durante o curso. Por se tratar de uma disciplina

realizada no âmbito da pós-graduação da ECA, é esperado que cada grupo,

turma que freqüentou a disciplina em um determinado ano, tenha realizado um

trabalho científico referente ao tema estudado. Assim, para cada ano em que a

disciplina foi realizada, existe um trabalho científico desenvolvido, de forma

coletiva, pela turma que realizou a disciplina. O servidor (computador) da

Escola do Futuro, projeto vinculado à ECA, mantém os trabalhos científicos

desenvolvidos durante o período 2001 a 2008.

Page 11: Etnografia Virtual

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2 - DO PENSAMENTO MODERNO/POSITIVISTA À PÓS-

MODERNIDADE: EDUCAÇÃO, NOVAS TECNOLOGIAS, NOVAS

EPISTEMOLOGIAS E AS REDES SOCIAIS VIRTUAIS

2.1 - As espistemologias moderna e pós-moderna

>>>>>>

Para nós, modernos, desvelar era tarefa sagrada. Revelar sob as falsas

consciências os verdadeiros cálculos ou sob os falsos cálculos os

verdadeiros interesses. (...) Será nossa culpa se as redes são ao mesmo

tempo reais como a natureza, narradas como discurso, coletivas como a

sociedade? Será que devemos segui-las abandonando os recursos da critica,

ou abandona-las posicionando-nos junto ao senso comum da tripartição

critica? Nossas pobres redes são como os curdos anexados pelos Iranianos,

iraquianos e turcos que, uma vez caída a noite, atravessam as fronteiras,

casam-se entre eles e sonham com uma pátria a ser extraída dos três países

que os desmembram. (LATOUR, 2008, p.12 ).

A primeira parte deste texto busca entender a epistemologia na

sociedade moderna. A partir de questões filosóficas tais como o entendimento

do positivismo, liberalismo e dialética, veremos como o nosso modo de pensar

é influenciado por esses sistemas filosóficos. Ao iniciar os estudos sobre o

positivismo, o liberalismo e a dialética questionamos a razão pela qual

estaríamos aprofundando conhecimentos nessas áreas. Qual seria a relação

com as pesquisas sobre o virtual, com as comunidades e com a educação?

Parece-nos, à primeira vista, que esses estudos não teriam conexão com as

nossas pesquisas e, portanto, não seriam relevantes. Entretanto, tratam-se de

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questões fundamentais para entendermos nossos processos de construção de

conhecimentos (modernos). Entender esses estudos utilizando a metáfora da

árvore representada por raízes, tronco, galhos e folhas proporcionaria,

inicialmente, uma relação entre a filosofia e a educação. A metáfora mostra que

o positivismo, o liberalismo e a dialética formam as raízes da “árvore da

sociedade moderna”, ou seja, são fundamentais para compreendermos o

mundo moderno no qual estamos inseridos e somos agentes. No âmbito

educacional, veremos que o entendimento dessas raízes é essencial, pois

delas originam muitas de nossas teorias sobre o ensinar e nossas atitudes em

sala de aula. Muito do que se discute sobre a educação, entretanto, refere-se

às metodologias e técnicas de ensino, ou seja, ao tronco, galhos e folhas. Nós,

professores e pesquisadores, muitas vezes, ainda não enxergamos as raízes

do processo educacional e mantemos o papel de reprodutores de

conhecimento (à luz das teorias do reprodutivismo de Bourdieu). Segundo

Giroux (1997), os professores (e profissionais modernos) são reduzidos ao

papel de técnicos obedientes, executando os preceitos do programa curricular.

Portanto, somos meros técnicos reprodutores e dificilmente chegamos à

discussão sobre os processos mentais gerados pelos sistemas positivistas e

neoliberais que influenciam nossa educação. Do mesmo modo, negligenciamos

um estudo mais aprofundado sobre a dialética (o diálogo que, ao nosso ver, é

elemento essencial à formação e manutenção das comunidades de prática).

Quais seriam esses modos de pensar gerados pelo positivismo, liberalismo e

dialética?

O positivismo, criado por Auguste Comte no início do séc. XIX, é a base

filosófica do pensamento da sociedade moderna e refere-se ao período logo

após a Idade Média européia. A quebra do monopólio da Igreja Católica e a

inicial formação do capitalismo deram condições à transição Idade Média – Era

Moderna. O homem passa a ter novos modos de produção, relações

comerciais e novas concepções religiosas. Antes teocêntrico e governado

pelos ideais cristãos tendo Deus como o centro do universo, agora o homem

passa a olhar para si. Todas essas transformações influenciaram o modo de

pensar. O saber filosófico adquire novo formato: não é mais a metafísica que

explica os fenômenos sociais, mas o racionalismo (a razão humana), o

Page 13: Etnografia Virtual

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positivismo (o estado positivo de anular / eliminar o negativo) e o empirismo.

Com eles, cria-se o conceito de ciência com seu mito de objetividade e

veracidade. Há diversas perspectivas pelas quais o positivismo pode ser visto:

“1) como religião – a religião da humanidade 2) como filosofia ou corrente

filosófica- conhecimento – epistemologia e 3) como método – o método

positivista, a busca da verdade através do empirismo e do cientificismo” (Cf.

Ribeira Junior, 1982, p.14). O positivismo está arraigado na sociedade

moderna. A educação é um exemplo da força desse pensamento. O que se

tem feito nas aulas de geografia, história, química, ciência e mesmo as aulas

de tecnologia e informática nas quais o professor foca no uso mecânico e

funcional da tecnologia? O que se tem feito além do estabelecimento de regras

e fórmulas e memorização de datas descontextualizadas? O que se tem feito

na universidade além de reprodução de conceitos de forma hierarquizada, ou

seja, o professor, detentor da verdade, dita as regras aos “alunos

receptáculos”? Nesse sentido, caberia, de início, questionarmos, como feito por

Derrida, Bourdieu e por essa disciplina que cursamos, se a maioria dos cursos

de pós-graduação não seguem, à risca, esse modelo de educação onde o

papel do professor é o de técnico que repete conceitos já estabelecidos e tidos

como “a verdade”. Zeichner (2001), em palestra apresentada na Universidade

de Londrina – Paraná, fala do processo de reforma educacional:

It has not been common for educational planners, developers, and

government officials to view teachers as significant agents in the

educational reform process. On the contrary, the dominant

approach has been to train teachers to be efficient implementers of

policies developed by others removed from the classroom. In many

educational reform projects throughout the world, the goal is to

have unreflective and obedient teacher civil servants who faithfully

implement a prescribed state curriculum using prescribed teaching

methods(2001, p.4).

Segundo o autor, busca-se eficiência na atuação dos professores, fala-

se no aprendizado completo de uma língua e implementa-se métodos para a

garantia desse aprendizado. Zeichner cita exemplos de locais no mundo onde

essa reforma está sendo proposta: Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia,

Page 14: Etnografia Virtual

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África do Sul e Reino Unido. Apesar de não citar o Brasil, ele poderia tê-lo feito

já que o nosso sistema educacional também prima pelos “unreflective and

obedient teacher civil servants”. Nosso país que não chegou a conhecer

nenhum outro modelo filosófico ou educacional que não o positivismo (Monte

Mór, 1991;1999). O positivismo reforça e mantém as relações de poder na

medida em que, independentemente da esfera social, diz o que é certo e o que

é errado e qual é a verdade que prevalece: a do mais forte.

Outro conceito importante que diz respeito às raízes da árvore que

estamos procurando entender é o neoliberalismo. O liberalismo, base para o

neoliberalismo, surgiu após a época medieval, contrapondo-se aos princípios

de dominação da Igreja e dos feudos. Ele pode, assim como o positivismo, ser

visto sob algumas perspectivas: como concepção do mundo ou filosofia

centrada no indivíduo; como teoria política que se preocupa com as origens e a

natureza do poder; como teoria econômica organizada sobre as leis do

mercado e que fundamenta as relações da produção capitalista (Biachetti,1996,

p.44). Seu papel fundamental é, entretanto, fundamentar o capitalismo. Mesmo

como uma filosofia, o liberalismo tem como premissa o indivíduo que maximiza

suas ações para o coletivo. Essa mentalidade é uma maneira de justificar o

capitalismo, pois, se meus interesses (conquistas, posses, vendas) servem

para o bem estar coletivo (meu individual é maximizado) posso adquirir sem

culpa cada vez mais: estou fazendo para o bem de todos. O liberalismo tem

sua queda no início do século XX com o surgimento e fortificação do fascismo

italiano e alemão. O neoliberalismo é a “nova fase” do liberalismo e surge como

ideologia baseada nas leis e mercado e na liberdade do indivíduo. Este é um

movimento político-econômico particular, heterogêneo consolidado nos países

capitalistas desenvolvidos, em meados da década de 70 cuja proposta

econômica significa o retorno aos princípios ortodoxos do liberalismo como a

única alternativa à superação da crise pela qual passam essas sociedades

(Bianchetti, ibid).

Ele tem como função fundamentar a fase mais recente do capitalismo

onde as desigualdades econômicas e sociais são ainda mais evidentes. Dessa

forma, todos são livres, porém uns são mais livres do que os outros, ou seja,

apenas aqueles que têm acesso a educação, cultura e bens vão usufruir dessa

Page 15: Etnografia Virtual

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suposta liberdade. Como é vista e educação segundo a concepção (neo)

liberal?

As propostas neoliberais para a educação estão atreladas ao mercado e

à produção. Veremos que, se o capitalismo é a lei do mercado e o liberalismo o

fundamenta, a educação sofrerá influencia marcante desse discurso. Ainda no

entendimento de Biachetti (ibid), a lógica do mercado na educação supõe uma

relação entre a oferta do serviço educativo e a demanda da sociedade. A ação

do Estado se reduz a garantir uma educação básica geral, liberando os outros

níveis do sistema às leis de mercado. A educação é vista, portanto, como mais

um produto do mercado onde aqueles que têm mais capital têm acesso ao

“produto de qualidade” (questionável). Não deveríamos ver a educação como

um produto a ser entregue a nós, alunos, como algo pronto e acabado. Em

suas aulas, nossa orientadora profa. Brasilina sempre enfatizou que o nosso

papel é o de interferir no processo, ou seja, que sejamos capazes de produzir

conhecimento ao invés de recebê-lo passivamente. Além disso, que sejamos

capazes de criar coletivamente. Cremos que esse deveria ser um dos

propósitos maiores de uma educação de novos paradigmas.

Devemos, portanto, ter consciência da influência do discurso neoliberal

em nossa prática pedagógica para que iniciemos um processo de construção

crítica, onde tomemos consciência desses discursos e possamos criar outras

possibilidades de prática. Em nosso entendimento, um possível caminho a

trilhar seria o da dialética. Vista como o múltiplo, o caminho de ida e vinda, o

círculo que não se fecha, possibilidade do diálogo, da dialogia. Sua importância

vem do fato de estar presente no pensamento de alguns filósofos pós-

modernos como Bakhtin e Derrida que vêem a sociedade em constante

mudança e transformação. A dialética é uma possibilidade, o múltiplo, uma raiz

que muitos não querem regar nem cultivar. Uma educação dialética permite

possibilidades de interpretações negociações do saber.

Positivismo, (neo)liberalismo e dialética são, portanto, as principais

bases filosóficas para a construção epistemológica da sociedade moderna.

Uma possibilidade de resposta às intrigantes questões acima levantadas onde

discutimos o projeto da modernidade e as posturas pós-modernas. Como

vimos, na primeira parte do curso, a trama positivista (neo)liberal é o

Page 16: Etnografia Virtual

16

sustentáculo da era moderna. Entretanto, para muitos críticos e pensadores,

essa era está chegando ao fim (e se não está chegando, deveria), pois o

sistema capitalista já não consegue camuflar as gigantescas desigualdades

sociais e econômicas que vêm produzindo ao longo de sua existência. Dussel

(op. cit. Mignolo, 2000) argumenta que a modernidade está sustentada por um

mito da modernidade, ou seja, os europeus devem levar aos bárbaros não

civilizados ( demais não europeus) a civilidade e o conhecimento. Quando não

aceitos, deve-se usar da violência para que essas nações subdesenvolvidas

sejam “modernizadas”. A violência parece ser um recurso moderno e atual para

a garantia desse “iluminar o mundo”. O termo pós-moderno, segundo Lyotard

(op. cit. Hall, 1992, p. 357), “designates the state of our culture following the

transformations which, since the end of the 19th Century have altered the game

rules for Science literature and the Arts. [...] Simplifying to the extreme, I define

postmodern as incredulity toward metanarratives”. Lyotard resume a condição

pós-moderna como sendo a descrença/crítica às grandes narrativas, ou seja,

às grandes verdades que são inquestionáveis, que “estão lá e sempre foram

assim”. Incrivelmente “impregnados” em nós desde os primeiros contatos com

nossas famílias e primeiros passos na escola, essas verdades/narrativas

passam desapercebidas e, por “sempre estarem lá”, tornam-se invisíveis e

inquestionáveis para muitos.

Como se relaciona, então, a modernidade e pós-modernidade com a

educação brasileira ?

O pós-moderno faz a tomada de consciência por parte dos educadores.

Assim, mesmo estando em um contexto onde prevaleça o modo de pensar

positivista (quase todos os contextos escolares brasileiros), o educador crítico

pós-moderno é contingencial e agente. Ele não se esquece que há um locus de

enunciação, ou seja, não se esquece de que há um contexto e que

determinadas metodologias não servem para todos os contextos.

A pós-modernidade nos apresenta tais possibilidades ao questionar as

grandes narrativas do mundo moderno. Para Usher e Edwards(1994, p.8),

“postmodernity refers to a new epoch, a new socio-economic order, associated

with the notion of a post-culture, post-industrial society and the changes

produced by information technology, particularly in the sphere of global

Page 17: Etnografia Virtual

17

communications and media”. Ela tem a difícil tarefa de substituir (1) um cânon

por vários cânones (dicotomia uno x múltiplo); questionar o que é verdadeiro e

o que é falso, ou, ainda, questionar os critérios pelos quais se chega a essas

definições; entender a teoria de uma pragmática multifacetada ? e entender a

paralogia (idéia de dissenso e geração de novos movimentos e afirmações).

Finalmente, concluímos que, das duas atitudes mostradas acima, a

moderna é a vigente no contexto neoliberal capitalista do século XXI. Em

contrapatida, a pós-moderna, vista sob a metáfora de Kiziltan, Bain e Canizares

(idem, p. 225) do labirinto cujas paredes se rearranjam a si mesmas a cada

passo que nós damos, parece incerta por não ter todas as respostas de seus

questionamentos. Desordem, repensar, pensar a educação pública e

subversão são atitudes pós-modernas que nós, educadores (professores de

língua) temos negligenciado nos meandros desse labirinto.

Colocados os modos de pensar bem como as construções de

conhecimento vigentes em nossa sociedade, caberia questionarmos: como

esses pensamentos se relacionam com uma etapa que, segundo alguns

teóricos, já transcende o que entendemos como pós-modernos? Somos

influenciados por todos esses paradigmas, ou seja, o pensar moderno, pós-

moderno, o pensar em redes e o pensar multimodal atuam concomitantemente

nos processos sociais/educacionais?

2.2 – VIVENDO EM REDE

Esse não é necessariamente um momento animador porque, finalmente

sozinhos em nosso mundo de humanos, teremos de olhar-nos no espelho da

realidade histórica. E talvez não gostemos da realidade refletida. (Castells,

1999, p.574)

É justamente nesse contexto de embate entre filosofias, epistemologias

das sociedades moderna e pós-moderna que a disciplina CCVAP traz grandes

contribuições ao propor uma "quebra do pensamento tradicional” (pensamento

geralmente atribuído a modernidade) e ao propor práticas de sala de aula que

Page 18: Etnografia Virtual

18

questionam o real/virtual, práticas estas que privilegiam a construção do

conhecimento coletivo. Nesse sentido, discutiremos os novos meios de

comunicação tais como a Web, as redes sociais, bem como os modos pelos

quais as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) influenciam a

sociedade, a educação e o Mercado de trabalho.

Vivemos um momento histórico de transformação social e econômica. O

capitalismo como o conhecíamos, fruto da revolução industrial e de avanços de

matrizes energéticas (do vapor à eletricidade), vem sofrendo, desde meados do

século XX, fortes abalos em seus pilares.

Em menos de duas décadas, a economia mundial tornou-se global

graças à nova infra-estrutura proporcionada pelas TIC e às políticas de

desregulamentação e de liberação colocadas em prática pelos governos e

instituições internacionais. No entendimento de Castells (1999, p.189), “a nova

economia surgiu em local específico, na década de 90, em espaço específico,

nos Estados Unidos, e ao redor/proveniente de ramos específicos, em especial

da tecnologia da informação e das finanças, com a biotecnologia avultando-se

no horizonte”. Apesar das novas interrelações e interdependências planetárias

oriundas da nova economia global, a indústria continua sendo o cerne do

sistema econômico mundial. A nova sociedade está longe de ser pós-industrial,

ou seja, de ter o segundo setor totalmente substituído pelo terceiro, como trata

alguns teóricos, por exemplo De Masi (2000). Apesar do crescimento do

segmento de serviços, continuamos com uma economia industrial, porém com

mudanças estruturais e organizacionais profundas, focadas, especialmente, em

como usar o conhecimento e a informação para se obter ganhos de

produtividade.

Novas formas do “saber fazer” e do “fazer saber” começaram a surgir

com a emergência das novas TIC. Trata-se de uma fase cujos alicerces não

estão mais embasados numa riqueza tangível e acumulável, e sim em como as

informações são adquiridas, tratadas, organizadas, compartilhadas e

transformadas em conhecimento, numa cadeia auto-sustentável, em que a

ação do conhecimento é sobre os próprios conhecimentos.

Além de global e informacional, a nova economia possui uma nova

morfologia: a rede. Tal formato permite uma maior interação entre os nós

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19

(empresas, países, instituições acadêmicas, etc.), que são os responsáveis

pelas conexões entre os fluxos de negócios. Ela não é linear, o que permite

uma total flexibilidade, sendo que o status de um nó na rede pode mudar em

questão de segundos. A “triste” realidade, segundo Castells, é que quem está

fora da rede, está fora da nova economia e tende a sucumbir rapidamente.

Segundo Castells (1999), o conceito de rede é re-significado na

sociedade permeada pela tecnologia. Nossa reflexão aponta, similarmente,

essa re-significação. Em nosso entendimento, as redes, como por exemplo as

redes sociais de CMC (Orkut®, Myspace®, Facebook®, Googlegroups® ou

Yahoogroups®) são uma realidade que a escola não deve ignorar, pois elas

podem ser ferramentas de apoio (quando não métodos do trabalho) em sala de

aula e for a dela.

Outro indivíduo entra em cena na nova sociedade da informação. O

modo de viver, pensar e agir sofre grandes mudanças que impõem importantes

quebras de paradigmas. Como fora elucidado neste texto, a busca por

identidade se torna uma obstinação, onde se misturam o desejo de estar dentro

da rede, e ser como a “maioria bem sucedida” (pensamento moderno de

sucesso e perfeição) que ali está, e a necessidade de se destacar e se

diferenciar dentro desse grupo. Um exemplo disso é o surgimento do consumo

personalizado, seja de produtos, informação, entretenimento, cultura etc. O

consumo, bem como o sentimento de pertencer à nova sociedade, são

sustentados principalmente pelos novos meios de comunicação de massa.

Uma cultura audiovisual emerge com a chegada do cinema e da TV, por onde

a sedução corre solta e a manipulação se dá facilmente por meio de

estimulação sensorial da realidade. Com a Comunicação Mediada por

Computadores – CMC, a escalabilidade de comunicação de massa toma

proporções jamais imaginadas, trazendo uma gama de novas formas de

comunicar-se e sociabilizar-se.

Com a CMC, a comunicação “de um para muitos”, oriunda das mídias

convencionais, como as mídias impressas, televisivas e radiofônicas, dá

espaço a comunicação “de muitos para muitos”, fenômeno esse que reúne os

elementos essenciais da nova sociedade da informação, tais como:

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20

interatividade, dando voz e poder de atuar e interferir a quem

jamais teve anteriormente, favorecendo, inclusive, a dialética;

colaboração, trazendo à tona a necessidade e a importância das

intra e inter-relações sociais;

nova organização do espaço (fluxos), que independe de

aproximação física, e do tempo, que permite conexões

simultâneas, viabilizando comunicação instantâneas e conversas

em tempo real.

Obviamente por estarmos inseridos num contexto de uma disciplina que

traballha as questões da rede, CMC, das fronteiras entre o “real” e o virtual,

Castells nos mostra que esses são os novos rumos da sociedade, das

construções de conhecimento. Nossa interpretação, vinda da prática da

disciplina cursada, é de que, no âmbito educacional, há ainda muito caminho a

ser percorrido.

São diversas as transformações apontadas por Castells. Entre elas, as

mudanças no modo de gerir, produzir e de se relacionar que provoca a quebra

de muitos paradigmas. Se no século XVIII, XIX e boa parte do XX o

pensamento dominante nas indústrias era o individualismo, a centralização de

poder, a hierarquia vertical, a competição e a produtividade em função da

aceleração do tempo, originárias da cultura norte-americana e européia, hoje o

que está em alta e sendo copiado por indústrias do mundo inteiro é a filosofia

organizacional encontrada nas empresas orientais, onde predominam o

coletivo e o cooperativismo, a descentralização de poder, a hierarquia

horizontal, a confiança, a satisfação e o comprometimento como propulsores

da produtividade.

Na educação, percebemos esse movimento (ainda lento) de

descentralização do poder quando, por exemplo, os professores se consideram

o centro do conhecimento (esse conceito foi teorizado por Paulo Freire como a

educação bancária, onde o professor “deposita” conhecimento nos alunos).

Hoje em dia, estamos passando ao cooperativismo e descentralização (haja

vista essa disciplina CCVAP que vem sendo explanada nos capítulos desse

trabalho).

Page 21: Etnografia Virtual

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Cremos que as reflexões de Castells nos permitem ver um novo ser,

seus costumes, medos e crenças. O autor discorre sobre uma elite que possui

um estilo de vida padrão em todo o mundo, num ambiente simbólico mundial.

Ele deixa de lado suas raízes e passa a ser mais um nos cenários que se

equalizam pelo mundo afora, como salas vips de aeroportos, hotéis

internacionais (decoração padrão), acesso móvel às redes de comunicação,

uso regular de spas, cor camurça clara nas paredes, prática de jogging,etc.

Alterações no ritmo biológico também são observadas pelo autor, assim como

as novas formas de encarar a vida e a morte. Se por um lado há o aumento da

expectativa de vida, com redução do tempo de serviço e valorização da velhice,

por outro lado, há uma grande redução da natalidade, devido à emancipação

profissional da mulher, e também o que ele chama de “o triunfo dos desejos

individuais”, referindo-se às mulheres que mesmo em idade avançada, após

tantos anos de dedicação exclusiva à vida profissional, lançam mão das

tecnologias reprodutivas.

Quanto à morte, uma das poucas certezas que temos na vida, é,

atualmente, ignorada e até mesmo negada. O que vemos é uma obsessão pela

prevenção da velhice e da morte, com o surgimento de uma verdadeira

“indústria da vida saudável”, e do prolongamento máximo da vida (a luta até o

fim), numa batalha médica incansável de querer afastar o inevitável, sendo que

muitas vezes, uma morte que poderia acontecer tranqüila em domicílio, com a

atenção e carinho familiar, é estendida num confinamento espacial e temporal

em meio a tubos, máquinas e pessoas estranhas do ambiente hospitalar,

simplesmente pela incapacidade médica de desistir e de admitir sua “derrota”.

2.3 – A SOCIEDADE LÍQUIDA, EFÊMERA, FLUIDA

Tanto em termos individuais como coletivos, todos nos elevamos

sobre a finitude de nossa vida corporal, e, no entanto sabemos - não

conseguimos não saber, embora façamos tudo (e mais) para esquecer

- que o vôo da vida de maneira inevitável, vai cair no solo. (A

Sociedade Individualizada, Bauman, 2009, p.7)

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Continuamos nossa discussão sobre sociedade, redes e educação

agora sob as perspectivas das teorias líquidas de Bauman. Para o autor,

vivemos uma modernidade líquida (o que chamamos acima de sociedade pós-

moderna) uma vez que as relações e transformações na sociedade já não são

mais estáticas (haja vista os processos de globalização, a internet e a

conectividade mundial) e sólidas (como por exemplo os sistemas financeiros -

no passado as pessoas acreditavam na solidez dos bancos, e hoje? Isso é

possível?).

Bauman analisa as transformações ocorridas na sociedade, do fordismo

à sociedade líquida, e a incapacidade de as pessoas desenvolverem iniciativas

de libertação e serem juízes de suas próprias vidas. Poucas pessoas desejam

ser libertadas, e um número muito menor está disposta a agir para que isso

ocorra. “A realidade é criada pelo ato de querer, é a teimosa indiferença do

mundo em relação à minha intenção” (Schopenhauer apud Bauman, 2001, p.

24). Assim, no mundo real, constrangedor e limitante, sentir-se livre significa:

ser livre para agir conforme os desejos, atingir o equilíbrio entre os desejos, a

imaginação e a capacidade de agir. “Sentimo-nos livres na medida em que a

imaginação não vai mais longe que nossos desejos e que nem uma nem os

outros ultrapassem nossa capacidade de agir” (Bauman, ibid, p. 24). O

equilíbrio entre estas duas diferenças (desejo e imaginação) é um slogan sem

sentido, pois falta força motivacional. As pessoas podem, mas não querem se

libertar, pois em algum momento sentem-se satisfeitas com sua condição.

Nesse aspecto, como saída, Bauman acredita que as pessoas podem ser

juízes incompetentes de sua própria situação e devem ser forçadas ou

seduzidas ou guiadas “para experimentar” a necessidade de ser objetivamente

livres e assim reunir a coragem e a determinação para lutar para isso.

Nossa interpretação de Bauman é a de que estamos ainda atrelados

aos pensamentos vigentes tais como o neoliberalismo (na economia) o

positivismo (na filosofia) e o racionalismo (nas ciências exatas e humanas).

Essa condição nos leva a sermos juízes incompetentes (quase alienados) de

nossas vidas, ou seja, muitas vezes não somos aqueles que tomam as

decisões ou escolhemos. Um exemplo é o próprio liberalismo (ou

neoliberalismo) que defende a individualidade (citada acima por Bauman) e

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23

liberdade numa sociedade onde nem todos podem ser individuais

(massificação) ou livres.

O tipo de modernidade que era o alvo e o quadro cognitivo da teoria

crítica clássica, numa análise retrospectiva, parece muito diferente daquele que

enquadra a vida das gerações de hoje. Ela era “pesada” (contra a “leve”

modernidade contemporânea), “sólida” (e não “fluida”, “líquida” ou “liquefeita”),

condensada (contra difusa ou “capilar”) e, finalmente, “sistêmica” (por oposição

a “em forma de rede”). (Bauman, ibid, p. 33) Nesse sentido, ao conectarmos

nossos estudos pos-graduandos com as teorias de Bauman, cabe refletir se

nossas práticas educativas representam essa liquidez e capiliaridade a que se

refere o autor ou se ainda estamos na solidez “pesada” ( por exemplo quando

nos referimos aos livros; nossa visão é a de que livros são materiais, sólidos e

lineares ou que eles podem ser intangíveis virtuais lidos multimodalmente?).

A libertação é uma benção ou uma maldição já que vivemos numa rede

social tecida de dependências. Essa individualização é uma fatalidade e não

uma escolha. Sua reformulação (do ser alguém para o ter alguma coisa) é, na

verdade, uma renegociação diária de interesses inserida em uma rede de

relacionamentos a qual tornou-se uma fatalidade e não uma escolha. “Na terra

da liberdade individual de escolher, as opção de escapar à individualização e

de se recusar a participar do jogo da individualização está decididamente fora

da jogada” (Bauman, ibid, p. 43).

A opção de individualização está decididamente fora da jogada. Foi

justamente esse embate individual x coletivo um dos focos e preocupações

iniciais desse grupo. Se, para Bauman, escapar a individualização é uma

fatalidade, para nós participantes da disciplina, a individualização deveria,

muitas vezes, ser eliminada (para o bem coletivo)

É nesse contexto que o privado coloniza o público, espremendo e

expulsando o que não possa ser expresso “numa tela gigante”. O público agora

é reduzido à curiosidade sobre as vidas privadas, de figuras públicas, e a arte

da vida pública está reduzida à exposição de questões privadas e „a confissões

de sentimentos privados com os quais todos são chamados a se

“solidarizarem”. Um exemplo disso é a questão do falecimento de celebridades.

A televisão convida a todos para se solidarizarem numa comoção coletiva

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(Airton Senna no Brasil, Princesa Diana no mundo e Michael Jackson, mais

recentemente, nos Estados Unidos).

O capitalismo nos dias de hoje “está mais sutil, mais leve” e não mais

ligado aos antigos moldes do sistema fordista de produção, que engessava

capitalistas e seus trabalhadores em sólidos estabelecimentos. O capitalismo

na sociedade fluida não está mais fixado no solo, ele viaja de avião portando

seus poderosos notebooks e modernos celulares, podendo saltar e ser

montado e desmontado em qualquer parte do planeta, numa velocidade nunca

antes imaginada. E esse capitalismo terá, como tempo de duração, “o tempo

que durar a satisfação” para a qual ele foi desenvolvido para satisfazer.

Outro aspecto abordado por Bauman é o desaparecimento das regras,

“a não existência do certo ou do errado”. Pois se antes vivíamos num sistema

de regras ditado pelas “Grandes Repartições Burocráticas”, o mundo na

sociedade líquida é um mundo de incertezas, marcado por um novo tipo de

incerteza: “não saber os fins, em lugar da incerteza tradicional de não saber os

meios” (Bauman, ibid, p. 72). E esse não saber os meios acaba levando

incondicionalmente à não exigência de uma reflexão no mundo (pós-fordista) e

o “moderno fluido”. Tudo agora corre por conta dos indivíduos e cabe a eles o

ato de descobrir o que se é capaz de fazer e esticar essa capacidade ao

máximo para poder melhor servir e satisfazer: “Pare de me dizer, mostre-me”.

Nesse ato de mostrar, Bauman ressalta que, na sociedade da

modernidade líquida, existe uma procura incessante por exemplos, conselhos

ou orientação; contudo, quanto mais se procura mais se precisa (em alusão a

uma droga ou um vício). Assim, sofremos mais quando estamos privados da

nossa dose “diária” de droga e , como todos os vícios são autodestrutivos, mais

e mais vamos destruindo a possibilidade de chegar à satisfação. Bauman

afirma que esse vício está ligado diretamente à eterna corrida e satisfação da

consciência em permanecer na corrida, o que se torna então o verdadeiro vício.

“O arquétipo da corrida particular em que cada membro de uma

sociedade de consumo está correndo (tudo numa sociedade de consumo é

uma questão de escolha, exceto a compulsão da escolha – a compulsão evolui

até se tornar um vício e assim não é mais percebida como compulsão) é a

atividade de comprar” (Bauman, ibid, p. 87). Assim, vamos às compras pelas

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mercadorias necessárias ao nosso sustento, pela imagem que gostaríamos de

vestir, para chamar a atenção etc.

A história do consumo é a história da quebra e do descarte de

sucessivos obstáculos “sólidos”. O consumismo hoje não está tão mais ligado

às necessidades do indivíduo, mas sim ao desejo, o desejo mais volátil (fluido),

efêmero, evasivo e caprichoso e essencialmente não referencial. Assim,

comprar significa esquadrinhar possibilidades, examinar, trocar, sentir,

comparar seus custos com o “conteúdo das carteiras ou o crédito do cartão”. O

ato de consumo transformou-se em um ato compulsivo, um “ritual de

exorcismo” das incertezas e inseguranças que assombram os homens.

Nessa sociedade viciada em comprar/ajudar os mais pobres, as

pessoas não conseguem desviar seus olhos das ofertas; pois não há mais para

onde olhar: “quanto maior a liberdade na tela, maior e mais sedutoras serão as

tentações que elas emanam”, sempre crescentes de desejos voláteis.

Conforme Bauman, quanto mais escolhas “parecem ter os ricos”, tanto mais a

vida parece sem escolha para “todos”.

É nesse contexto que, segundo Bauman, surgem o ideal de vida em

comunidades, vistas como “última relíquia das utopias, da boa sociedade de

outrora” (ibid, p. 108). É o ideal dos sonhos de uma vida melhor, compartilhada

com “melhores” vizinhos, todos seguindo melhores regras de convívio,

“vigiadas de perto”: os que fazem algo que desagrade aos outros e provoque

ressentimento serão punidos e postos na linha, “enquanto desocupados,

vagabundos e outros intrusos que „não fazem parte‟ são impedidos de entrar

ou, então, cercados e expulsos” (ibid, p. 108).

É interessante o conceito de comunidade trazido por Bauman. Nesse

setido, a comunidade gerada pela sociedade moderna líquida é quase essa

“cerca de fios farpados” ou essa “vila de muros altos” onde as regras e as

linhas devem ser seguidas por todos dentro dessa comunidade. Como no filme

“A Vila” ou “ Truman O Show da Vida”, vivemos em bolhas cercados por

câmeras de vigilância e muros invisíveis (fotos de Sebastião Salgado abaixo)

que nos mantém dentro (ou fora ) de determinadas comunidades.

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26

Em contrapartida, na sociedade de consumo, os encontros “inevitáveis”

em espaços lotados projetados por mestres da falsificação e da vigarice, onde

a impressão é tudo (templos de consumo) reforçam esse conceito de

comunidade. Esses encontros devem ser breves e superficiais para não

interferirem no “maravilhoso isolamento do comprador consumidor, protegido

contra aqueles que costumam quebrar as regras (mendigos, chatos etc.) num

templo de consumo bem supervisionado e apropriadamente vigiado, um lugar

sem lugar, que agrega em si um reconfortante sentimento de pertencer em

espaços vazios de significado. Assim, o que acontecer dentro do templo do

consumo tem pouca ou nenhuma relação com o que acontece “fora dos

portões”.

Outro aspecto apresentado por Bauman é a mudança em relação à

modernidade pesada para a leve: passamos da idade do hardware, em alusão

as capacidade de armazenamento e velocidade, para a idade do software

(leve), com a eficácia e otimização do tempo como meio de alcançar um valor

próximo ao infinito.

Nessa nova sociedade fluida, o tempo é instantâneo, o mundo do

software é também um tempo sem conseqüências. Essa instantaneidade

significa realização imediata e ao mesmo tempo exaustão e desaparecimento

do interesse. O indivíduo perdeu o significado do valor percebido das coisas, e

em seu lugar encontra apenas momentos, aliados cada vez mais a tecnologias

mais avançadas e seus processadores cada vez mais poderosos. O trabalho

(sem corpo) na era do software não é mais amarrado ao capital, aos locais

“sólidos”, permitindo assim o surgimento de um capital extraterritorial, volátil e

inconstante aliado a uma crescente capacidade de produção cada vez mais

incompleta e irrealizável isoladamente.

A sociedade fluida vive cercada de incertezas e de insegurança,

proporcionada principalmente pela falta de garantias em relação às

expectativas, ao futuro. Expectativas ligadas diretamente às suas extensões de

posse, de convívio com a vizinhança e com a comunidade onde está inserida.

Essa insegurança tem relação direta com a própria sobrevivência (pela falta ou

desaparecimento do trabalho), o que a torna ainda mais frágil e menos

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27

confiável a cada dia que passa. Todos os indivíduos são afetados por essa

insegurança e ninguém pode se sentir verdadeiramente seguro.

Assim, os indivíduos, contentam-se com uma satisfação instantânea, a

qual parece ser uma estratégia razoável. “Qualquer oportunidade que não for

aproveitada aqui e agora é uma oportunidade perdida.”

Finalmente, assim como as políticas adotadas pelos operadores de

mercado, os indivíduos comuns acabam também adotando certas práticas ao

administrar suas vidas, deliberadamente ou não. Assim, laços e parcerias

tendem a ser tratados como mercadorias a serem consumidas e não

produzidas, sujeitas ao mesmo critério de avaliação de todos os outros objetos

de consumo.

2.4 – POR UM NOVO CONCEITO DE COMUNIDADE: REDES SOCIAIS,

COMUNIDADES PESSOAIS E INTELIGÊNCIA COLETIVA

What do people gain from Virtual Communitiesthat keeps them

sharing information with people they might never meet face-to-face?

Smith’s answer was “social network capital, knowledge capital and

communion – people can put a little of what they know and how they

feel into the online network and draw out larger amounts of

knowledge and opportunities for sociability than they put in.

(Rheingold, 2002, p. )

Linked: estamos lincados! Essa é a nova realidade. Em seu livro Smart

Mobs, Rheingold (2002) aponta para um fenômeno (para ele espantoso)

percebido nas ruas de Tóquio (precisamente no cruzamento da rua Shibuia)

onde todos estão conectados com seus “palm devices” em mãos. Nesse

cruzamento, a precocupação de milhares de pessoas não é atravessar a rua,

mas fazê-lo enviando msns ou falando ao celular. Esse fenômeno, também

verificado por Rheingold nas ruas de Helsinque foi o mesmo responsável já foi

também responsável por queda de governo ou, por outro lado, contribuição à

eleição de presidentes. Barack Obama foi, recentemente, um dos primeiros

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presidentes eleitos ajudado pelas redes sociais. Através de Mark Zuckerberg

(menino prodígio e o criador do Facebook®) foi um dos coordenadores da

cruzada online do Presidente, milhares de votos e muito apoio foram

conquistados através dessa rede social. No Twitter® ( twitter.com) outra rede de

media social onde o usuário tem menos de 140 caracteres para se comunicar

foi também decisiva. Todos sabiam onde Barack Obama estava, ou seja, se

estava com seus filhos com sua família, o que foi decidido numa reunião

importante e, isso, Segundo os analistas políticos e de redes sociais, fez com

que ele se tornasse um “amigo” próximo do povo. Todos esses exemplos nos

mostram o quanto e a velocidade das transformações de uma sociedade em

rede e conectada pode influenciar e, por vezes, determinar, eventos sociais,

políticos e econômicos. Todos esses fenômenos formam esse grupo social

que estamos chamando de comunidades ( ou redes sociais).

Rogério da Costa (2004), ao discorrer sobre esse novo conceito de

comunidade, aborda a evolução do conceito de "comunidade", o qual

contemporaneamente pode ser compreendido como "rede social". Uma das

causas para tal fenômeno é a dinâmica atual das redes de comunicação que se

constitui a partir da aproximação virtual de sujeitos que se relacionam particular

e coletivamente no ciberespaço. Costa menciona que “estamos em rede,

interconectados com um número cada vez maior de pontos e com uma

freqüência que só faz crescer” e isso estimula o empenho para compreender os

modos como estes coletivos interagem na pós-modernidade por meio da

formação das comunidades virtuais. As discordâncias e as inquietações dos

estudiosos sobre o sentido que o termo comunidade assume na atualidade,

contudo nos pareceu muito adequada a informação de haver os que acreditam

que este conceito somente mudou de sentido. O pensamento de Bauman

discorrido anteriormente ecoa em Costa quando este analisa a noção de

comunidade nos dias de hoje e destaca a série de conceitos em jogo tais como

individualismo, liberdade, transitoriedade, cosmopolitismo dos “bem sucedidos”,

comunidade estética e segurança. Segundo Bauman a idéia de que a vida

individual se reveste de riscos e que querer viver em liberdade deve significar

viver sem segurança. “Já a comunidade, o lugar da segurança, remete-nos ao

sentido mais tradicional que conhecemos, em que os laços por proximidade

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local, parentesco, solidariedade de vizinhanças seriam a base dos

relacionamentos consistentes” (COSTA, 2004, p.237). Barry Wellman &

Stephen Berkowitz (1988) identificam a complexidade compreendida na análise

que estes estudiosos fazem sobre conceito de comunidade. Esta abordagem

pode ser percebida quando Barry Wellman & Stephen Berkowitz afirmam que

estamos associados em redes, mas por meio de comunidades pessoais.

Segundo os estudiosos, hoje vivemos numa sociedade onde os laços

comunitários não se mostram firmemente atados e por conta deste quadro os

indivíduos arcam com conseqüências, até mesmo patológicas, decorrentes do

sentimento de solidão em que vivem mergulhados. Ao avaliar o pensamento de

analistas de redes mais recentes, Costa visualiza sua compreensão sobre a

necessidade de revisão do conceito de comunidade, visto que novas formas de

comunidade surgiram, o que tornou mais complexa nossa relação com as

antigas formas.

Essa re-significação do conceito de comunidade é para nos um dos

pontos chave para entendermos as novas propostas para a educação e para

algumas disciplinas de pós-graduação. Muitas vezes pensamos que somente

as interações professor-alunos ou alunos-alunos em sala de aula seriam

suficientes para formamos uma comunidade. O que temos revisitado é o fato

de que em muitos contextos onde essas interações ocorrem, uma comunidade

no sentido de rede social não se forma, pois não se constrói coletivamente ( os

trabalhos finais são individuais, e somente) e mesmo que interações ocorram

entre os alunos, vemos, na verdade, pequenos grupos trabalhando

isoladamente e sem inter-conectividade entre os grupos.

Segundo afirma Costa (2005, p. 239), “se solidariedade, vizinhança e

parentesco eram aspectos predominantes quando se procurava definir uma

comunidade, hoje eles são apenas alguns dentre os muitos padrões possíveis

das redes sociais”.

A tradução pós-moderna para “Capital social”, conforme o autor, é a

capacidade que os sujeitos têm de produzir suas próprias redes e suas

comunidades pessoais. Por mais que as instituições tradicionais como escolas,

empresas, clubes, igrejas, famílias estejam debilitadas nos nossos dias, elas

continuam funcionando como berço para as relações sociais, devido a seu

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30

papel regulador e mediador de processos mais profundos. A análise do capital

social deve envolver variáveis como a sociabilidade, cooperação,

reciprocidade, pró-atividade, confiança, o respeito, as simpatias levantando “a

implicação dos indivíduos em associações locais e redes (capital social

estrutural), avaliar a confiança e aderência às normas (capital social cognitivo)

e, igualmente, analisar a ocorrência de ações coletivas (coesão social)”

(COSTA, 2005, p. 240).

Endossamos as palavras de Costa quando este recusa o pensamento

de alguns analistas que consideram a natureza humana como egoísta: Hume

(1983), por exemplo, defende a generosidade humana como uma virtude

limitada por natureza, portanto pode-se dizer que o homem seja parcial, mas

não essencialmente egoísta. A análise busca justificar a necessidade de

estudar os contratos sociais “porque eles seriam uma forma de limitação de um

egoísmo supostamente “natural” dos homens” (Costa, 2005, p. 242).

Ao abordar as redes digitais Costa foca o pensamento de Howard

Rheingold que defende o potencial para a multiplicação da sinergia entre as

pessoas via web. Deste modo compreender as redes sociais nos nossos dias é

determinante para a compreensão da expansão de novas formas de redes

sociais e da ampliação de capital social. As diversas formas de comunidades

virtuais atestam que o ciberespaço organiza de novos modos o capital social e

cultural. Barabási participa do debate uma vez que se refere constantemente

“uma sociologia de afluência na web, promovida pela forma como os links entre

páginas se estabelecem”. Pierre Lévy (2002) argumenta que a participação em

comunidades virtuais estimula a formação de inteligências coletivas e que os

indivíduos podem a elas recorrer para trocar informações e conhecimentos. Ao

estabelecer um comparativo entre o pensamento de Rheingold e Lévy o autor

afirma que o segundo “está profundamente convencido de que uma

comunidade virtual, quando convenientemente organizada, representa uma

importante riqueza em termos de conhecimento distribuído, de capacidade de

ação e de potência cooperativa” (COSTA, 2005, p.246).

Finalmente, a importância de se pensar as comunidades re-significando-

as como redes sociais se dá pelo fato de elas permearem nossas realidades

sociais, políticas, econômicas e educacionais. Insistimos no fato de muitos

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31

programas e currículos ainda não trabalharem essas questões simplesmente

pois não perceberem essa nova geração icônica e digital. Em muitos casos,

como colocado pro Brian Street e Van Leween, os professores nem chegam a

aceitar a multimodalidade de uma sociedade em rede (as imagens, o som, o

movimento, gestual e corporal atuando concomitantemente nas interpretações

das realidades). Concordamos com todos os teóricos acima expostos tais como

Rheigold, Levy, Barabasi, Costa e com nossa orientadora Passerelli quando

todos defendem novos posicionamentos frente as TICs, as comunidades

virtuais de aprendizagem e prática, bem como um maior entendimento do

tênue limite entre real x virtual.

2.5 – REDES DE GUERRA E GUERRAS EM REDE NO CIBERESPAÇO

Nevetheless, whatever the importance of these trends, of greater

significance are the direct and indirect repercussions that the growth

of the knowledge economy, the use of information and communication

technologies (ICT), and globalization can have on education.

(OROSCO, 2007, p.137).

Encerramos, dessa forma, nossas reflexões deste capitulo sobre a

sociedade, educação, comunidades ( redes sociais) e as TIC à luz de Antoun

(2004), Rheingold, Arquila & Ronfeldt (pesquisadores ligados à RAND -

agência de fomento a Pesquisa e Desenvolvimento do Departamento de

Defesa dos Estados Unidos) , Barber (teórico político conhecido por seu ensaio

que divide o mundo contemporâneo em duas tendências: o tribalismo e o

globalismo) e Glenn Misha (autor de McMafia - palestra no mundo inteiro

advertindo sobre os perigos do cyber crime). Todos esses teóricos apresentam,

de certo modo, algum contraponto (projeções negativas, por vezes

apocalípticas, ou mesmo perspectivas sobre o mal uso da tecnologia) em

relação a todos os benefícios e importância apontadas anteriormente. Cremos

estar realizando um trabalho crítico ao expor também pontos de vista que

talvez não sejam necessariamente o que acreditamos.

Page 32: Etnografia Virtual

32

As guerras e movimentos organizados em rede, tendo como agentes

catalisadores as TIC e a CMC, são os temas discutidos por Henrique Antoun

(2004). O autor faz um resgate da origem militar das TIC e CMC, como

maquinários que receberam fortes investimentos – um dos maiores do século

XX – do Departamento de Defesa norte-americano, que, em meados dos anos

60, já percebia o espírito colaborativo como essencial para seu fortalecimento

bélico, na medida em que articulava forças aliadas e conectava membros da

comunidade científica dispersos pelo mundo. Arquilla e Ronfeldt (1993, 1996)

defendem os conceitos de guerra em rede (netwar), guerra de controle

(cyberwar), guerra da informação (infowar), revelando a informação como

principal arma das guerras atuais.

“No que diz respeito à conduta, para Aquilla e Ronfeldt a guerra em

redes se refere a conflitos onde um combate está organizado em forma de rede

ou as emprega para as comunicações e o controle operacional”. (ANTOUN,

2004, p. 210) Essa teoria ecoa nos estudos de Misha que, atraves da pratica

de percorrer e entrevistar os criminosos “virtuais” no mundo todo, mostra como

o crime organizado vem sendo reconceituado a partir das novas tecnologias e

da internet. Antoun, ao discorrer sobre o futuro, menciona o apocalíptico

ensaio de Baber (1992) e revela um futuro sem qualquer possibilidade de

liberdade e democracia social. A dicotomia Jihah e McMundo é o foco desse

trabalho, onde preconiza que a humanidade se tornará refém ou do

totalitarismo regional ou de uma homogeneização global.

Cremos ser essa também uma das funções dos educadores que

trabalham com as novas tecnologias, bem como aqueles que pesquisam as

TIC, a internet. Cabe a todos nos, acreditamos, analisar e alertar para os

efeitos negativos desses recursos e ferramentas. Segundo Misha, o Brasil é um

dos principais alvos do crime cibernético mundial. Nossos bancos, sistemas de

crédito e de compras já foram penetrados e fraudados.

Antoun apresenta, ainda, dois pontos de vista negativos em relação à

interferência das novas TIC e da CMC nos relacionamentos sociais, criação de

comunidades e engajamento cívico. De acordo com Fernback e Thompson, o

ciberespaço jamais será um ambiente que permitirá a real participação

comunitária, pois não pode ser considerada uma esfera pública, já que causa a

Page 33: Etnografia Virtual

33

disjunção com a vizinhança geográfica, a exclusão da maior parte da

sociedade devido ao custo e o conhecimento sobre o uso de computadores e a

diminuição dos encontros face a face devido ao aumento dos encontros

virtuais. Na mesma linha, Robert Putnam publica, em 1996, o resultado de uma

pesquisa sobre o desaparecimento do capital social e do engajamento cívico

nos Estados Unidos. Através desse estudo empírico, Putnam acusa as TICs,

dizendo que “elas promovem o isolamento individual e o desengajamento

político, corroendo a vida ativa das sociedades democráticas”. A estrutura

flexível e descentralização do poder (leaderness) são umas das principais

características da guerra em rede. Formada por atores/nós e vínculos/ligações,

a rede pode ter diversas formas e tipos de conexões, porém, a mais usada, por

sua eficácia, é a do tipo “todos-canais” (all-channel), uma arquitetura que

permite a interação de cada nó diretamente com outro nó. Porém, segundo

Aquilla e Ronfeldt é a análise organizacional que revela informações mais

importantes sobre uma rede. Diversos níveis, além do design, devem ser

considerados, como o nível narrativo, doutrinário, tecnológico e o social.

Antoun destaca o nível narrativo que, muito em breve, se sobressairá diante os

demais, inclusive, diante ao do design na sua constituição.

“A rede mais forte será aquela na qual o design organizacional é

sustentado por uma história vitoriosa e uma doutrina bem definida, e na qual

tudo isso está de ante-mão reproduzindo-se como brotos em sua superfície”.

(ANTOUN, 2004, p. 220)

Tal ponto de vista nos parece muito familiar, já que no campo de estudo

das Relações Públicas sabemos da importância da identidade para o

fortalecimento de uma cultura e conseqüente motivação dos envolvidos.

Fazendo uma correlação, o “nível narrativo”, tratado pelo autor, seriam canais e

fluxos de comunicação bem trabalhados no sentido de se estabelecer uma

identidade e uma cultura organizacional que seja conhecida e incorporada por

todos os atores envolvidos, gerando, assim, uma imagem positiva do grupo, ou

seja, a tal da história vitoriosa.

Aquilla e Ronfeldt (1993) apresentam duas formas de rede: a SPIN -

segmented, polycentric, ideologically integrated network, a qual remete a forma

de um espiral e a teia de aranha, com multi-eixos bem estruturados e que se

Page 34: Etnografia Virtual

34

utiliza de ligações do tipo “todos os canais”. Antoun (2004) volta a falar da

importância do nível narrativo para a estruturação de uma rede de guerra,

ressaltando as questões da autoria e do papel do líder (avatar). Se por um

lado, nas redes de guerra fundamentalistas e etnonacionalistas, como por

exemplo a liderada por Bin Laden, é possível identificar os autores de suas

narrativas, por outro lado, foge a esse padrão o movimentos como o Zapatista

e os grupos envolvidos na manifestação de Seattle, onde a narrativa é feita por

diversos autores, sendo impossível desassociar as conversas durante a

organização e desenvolvimento da rede dos relatos que acompanham os

fatos.“Nas duas últimas redes a narrativa mais se assemelha ao roteiro de um

filme experimental, que vai sendo escrito por toda equipe conforme a filmagem

se desenrola” (ANTOUN, 2004, p. 224)

Aqui, vemos um paradoxo das guerras de rede; o que para a elite

política dominante pode parecer uma rebelião ou revolta, para os que se

organizam nessas redes vindas “de baixo” lutam por direitos. Como exemplo de

organização e movimentação em rede, vemos o Movimento Zapatista, que, por

possuir uma forma de teia de aranha, sofre metamorfoses constantes em sua

estrutura e até mesmo em seus ideais. O que seria a princípio um movimento

de guerrilha padrão, com o objetivo macro de tomada do poder do Estado, se

transformou numa rede de lutas sociais. Como não poderia deixar de ser na

era da informação, tal readaptação se deu após muito diálogo e colaboração,

realizados em quatro congressos. O resultado foi uma agenda de

reivindicações comum entre guerrilheiros, ativistas de ONG e comunidades

indígenas.

Corroboramos o pensamento de Antoun quando este fala da

irreversibilidade do papel principal da informação como armamento social. Ele

reforça que vivemos numa guerra civil permanente, também chamada pelo

Movimento Zapatista de “Quarta guerra mundial”, na qual a sociedade munida

de informação e capacidade de interação e articulação, proporcionadas pelas

TIC e pela CMC, tende a se apropriar cada vez mais do contexto do

ciberespaço para fazer valer a sua voz.

Page 35: Etnografia Virtual

35

3 - METODOLOGIA DE PESQUISA: MÉTODOS ETNOGRÁFICOS

PARA A PESQUISA EM AMBIENTES VIRTUAIS DE

APRENDIZAGEM E DE PRÁTICA

In my view, neutrality does not exist anywhere (…) Our worlds

are formed through interpretation. The concept of neutrality is

itself an interpretation. (Entrevista com o prof. Dr. Lynn Mario

Menezes Texeira de Souza)4

3.1 – Das metodologias

Propomos, nesse capítulo, um entendimento maior sobre as

metodologias de pesquisa quantitativas e qualitativas (principalmente) à luz de

Gil (2007), Menezes de Souza (2000), vanLier (1998), Cavalcanti & Moita

Lopes (1991), Passarelli (2007) e Hine (2000, 2005(b)). Buscamos

4 Entrevista com o Prof. Dr. Menezes de Souza, professor da Universidade de São Paulo em 2002 para a

dissertação “Investigações sobre a leitura através do cinema na universidade: o letramento crítico no

ensino de inglês” – dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo.

Page 36: Etnografia Virtual

36

compreender a pesquisa etnográfica em suas bases, para entender suas

apropriações realizadas pelas metodologias de pesquisa atuais.

Finalmante, apresentamos nossa metodologia de trabalho, ou seja, uma

pesquisa exploratoria de analise de dados providos em duas dissertações de

mestrado do programa PPGCOM da ECA-USP, bem como a realização de

pesquisa com “preocupações” etnográficas, haja vista nossos registros

imagéticos, auditivos realizados em nossas aulas, bem como as entrevistas

realizadas junto aos autores das teses analisadas e junto a seus orientadores.

A literatura sobre pesquisa social na modernidade apresenta propostas

e visões de diferentes estudiosos que se preocupam com a ciência e pesquisa

para gerar conhecimentos. Dentre os autores reconhecidos na área,

referenciamos Gil (2007) por ser um autor que trata de assunto tão complexo

com muita didática, segundo uma avaliação particular. Gil (ibid) define a

pesquisa como sendo o desenvolvimento de método científico. Analisando a

pesquisa social, o autor então apresenta em seu conceito que é a partir da

pesquisa que novos conhecimentos são produzidos no campo da realidade

social. Em sua obra Gil classifica os níveis de pesquisa em exploratória,

descritiva e pesquisa explicativa. Como ficou informado na relatoria do

encontro de um grupo de alunos da disciplina, a turma produzirá seu texto

coletivo a partir da adoção de uma pesquisa exploratória que analisará projetos

da “Escola do Futuro”.

Diante deste encaminhamento, considero interessante discorrer sobre a

pesquisa exploratória, conforme a percepção de Gil. Para enriquecer a

resenha, trarei a contribuição de Fonseca (2002), o qual criou um quadro

comparativo entre pesquisa qualitativa e quantitativa que ilustra a pertinência

da adoção do método qualitativo na nossa pesquisa, mediante o qual o

problema de investigação receberá uma abordagem dialética, conforme

parece-nos ser a necessidade do objeto definido para nosso estudo. A

pesquisa exploratória cuja finalidade é impulsionar novos estudos a partir de

seu desenvolvimento, muitas vezes constitui a primeira etapa de uma

investigação mais ampla. Geralmente envolve levantamento bibliográfico e

documental, podendo ainda se valer de outros instrumentos tais como

entrevistas não padronizadas e estudos de caso. O método quantitativo,

Page 37: Etnografia Virtual

37

segundo Gil (2007), não se adequa plenamente a este tipo de pesquisa, pois

se trata de um tipo de pesquisa na qual não se formula hipóteses tão precisas.

Diante da exposição do pensamento de Fonseca e Gil, acredito que nossa

decisão sobre o texto coletivo se apresenta ajustada e cientificamente

concebida.

3.2 – Etnografia tradicional: das bases à atualidade

A etnografia tem origem na antropologia e vem sendo revisitada por

estudiosos das Ciências Humanas, os quais chegam a novos conceitos. Há

uma distinção entre a etnografia em sua origem e a dos tempos atuais: “Eu

faria uma distinção da etnografia tradicional do século XIX que esta muito

ligada à noção da antropologia (ligada ao colonialismo) e a antropologia que eu

chamaria de pós-moderna, da década de oitenta para cá”.

Para van Lier (1988, p. 53), “Ethnography is literally the description of

culture (or of groups of people that are perceived as possessing some degree

of cultural unit)”.

Há, contudo, várias definições de etnografia:

• etnografia é a investigação detalhada de modelos de interação social

(GUMPERZ, 1981);

• etnografia é um conjunto de análises holísticas das sociedades (LUTZ,

1981);

• etnografia é um método essencialmente descritivo, uma forma do

“contar histórias” (WALKER, 1981);

• etnografia preza pelo desenvolvimento e teste de teoria (GLAZER &

STRAUSS, 1967) ;

• etnografia é um método de pesquisa social (HAMMESLEY &

ATKINSON, 1983);

Ainda segundo van Lier (1998) é possível identificar três grandes

subdivisões da etnografia que pode ser vista num continuum de “versão mais

fraca” à “forte”. Em sua versão fraca, a etnografia é uma ferramenta e a

observação ajuda a identificar conceitos relevantes. Em sua versão forte, ela é

Page 38: Etnografia Virtual

38

tida como formuladora de teoria (theory-building), ou seja, o núcleo de uma

abordagem humanística para a ciência social.

Na pesquisa etnográfica, é possível ver o objeto (na relação sujeito –

objeto) como criação do sujeito e, por decorrência ver o etnógrafo como um

“ficcionista” uma vez que etnógrafos tem consciência de seu papel como

criador de um relato etnográfico. O etnógrafo lida com uma multiplicidade de

estruturas conceituais complexas. Insistimos no fato da presença do olhar do

etnógrafo nas leituras. Segundo Watson (1987, p. 35), a influência do

pesquisador na etnografia não pode ser neutralizada ou descartada: “The more

the ethnographer reports on methods, the more he or she must acknowledge

that his or her own behavior and presence in the field are data”. Edmund Leach

(1996, p. 357) escreve: “Every anthropological observer will see something no

other such observer can recognize, namely a kind of harmonious projection of

the observer`s own personality”.

A metodologia etnográfica foi bastante criticada por ter essa

“consciência” do papel da subjetividade na pesquisa. Tudo passa pelo olhar do

etnógrafo. Caberia, então, indagarmos qual ciência seria totalmente objetiva e

neutra.

Diferentemente dos métodos quantitativos, a etnografia propõe uma

nova visão de pesquisa qualitativa. Para o etnógrafo, a multiplicidade do olhar,

a subjetividade do pesquisador, o contexto e a descrição estão sempre

presentes.

Segundo Cavalcanti & Moita Lopes (1991), em termos práticos, a

pesquisa de base antropológica, ou etnográfica, baseia-se na observação e

levantamento de hipóteses. Nela, “a observação é feita através da elaboração

de notas de campo que vão fornecer os meios para a posterior construção de

diários em que o pesquisador-observador procura descrever o que, na sua

visão, ou seja, na sua interpretação, está ocorrendo no contexto de ensino –

aprendizagem” (ibid, p. 138). Assim, as etapas de uma pesquisa etnográfica

em sala de aula seria:

Base Antropológica

Page 39: Etnografia Virtual

39

1) Observação de Aula – notas de campo – construção de

diários.

2) Interpretação de dados através de:

• Leitura global – o todo dos diários

• Leitura detalhada – identificar irregularidades.

3) Codificação de dados.

4) Definição do tópico de investigação: (tópico hipotético) o

documentário registra a verdade, ou seja, é portador da

verdade na interpretação do espectador.

5) Definição dos instrumentos de investigação:

a. Observação de documentários pelos espectadores e

pesquisadores.

b. Gravação de depoimentos de espectadores e/ou

pesquisadores.

c. Relatos de espectadores.

d. Entrevistas com diretores/teóricos.

6) Análise e interpretação de dados. (vide procedimentos 2 e

3).

7) Formulação de teorias.

Há, ainda, o que os etnógrafos denominam triangulação etnográfica, ou

seja, a observação de dados por três pontos de vista. Existem diversas

maneiras de se realizar a triangulação. Na triangulação teórica (theoretical

triangulation), há diferentes perspectivas teóricas sobre um mesmo dado. A

triangulação de informações (data triangulation) tenta unir as observações e as

múltiplas estratégias sobre diferentes informações (por exemplo pessoas em

variadas formas de interação podem ser analisadas juntas).

Finalmente, há a triangulação de observadores (investigator

triangulation) onde há mais de um observador no local.

Page 40: Etnografia Virtual

40

Figura 1 - investigator triangulation

Na triangulação acima, por exemplo, podemos obter três olhares

diferentes ao estudarmos como um determinado objeto. O Observador-

pesquisador poderia transcrever as entrevistas e realizar, a partir delas, a sua

interpretação 1. O mesmo pode ser feito a partir da leitura das imagens, ou

seja, uma segunda interpretação. Seria possível, ainda, analisamos as

respostas escritas dos questionários aplicados bem como analisar as

anotações de campo, gerando, dessa forma uma terceira interpretação. Ainda

segundo Cavalcanti & Moita Lopes (1991) os dados colocados nessa

perspectiva adquirem uma natureza intersubjetiva ao se levar em conta as

várias subjetividades – ou várias maneiras de olhar para o mesmo objeto de

investigação –na tarefa de interpretação dos dados.

Muito se fala em novas tecnologias e das pedagogias que surgem

conjuntamante. Entretanto, pouco se estuda sobre a maneira, os “comos” de

uma educação influenciada ou baseada nas TIC, no caso mais especifico

dessa pesquisa, das comunidades virtuais de aprendizagem e pratica? Como

avaliar seus impactos? E possível realizar uma analise avaliação ou

interepretacao dos ambientes virtuais de aprendizagem somente com a

Interpretação 2

Interpretação 1 Interpretação 3

Filmes e gravações

Expectador

Aluno

Observador/pesquisador

Análise

Page 41: Etnografia Virtual

41

pesquisa quantitativa? Interessa chegar a verdades universais, validadas a

aceitas em ambientes de comunidades virtuais onde as premissas são

construções coletivas, movimentos de copyleft e descentramento? Pareceral

essas serem as preocupações da nossa orientadora profa; Dra; Brasillina ao

nos guiar pelo caminho das comunidades e novas metodologias de pesquisa.

Vimos ai alguns desafios, tais como o de

1. entender a possibilidade desse encontro entre a etnografia (que, à

principio observa e registra situações tidas como “reais” presenciais) e as

comunidades virtuais;

2. analisar as escassas pesquisas já realizadas sobre esse encontro e

3. compreender nosso próprio processo de execução metodológica, ou

seja, colocamo-nos o desafio de também praticar uma pesquisa exploratória

que esboce características etnográficas.

3.3 - Etnografia virtual: investigando no ciberespaço

The coming of the Internet has posed a significant challenge for our

understanding of research methods. Chisritine Hine, 2005a, p. 1

A sociedade evoluiu. A ciência também evoluiu. Nesse percurso

progressivo, evoluem também os métodos de pesquisa. A sociedade evoluiu

paras as conexões instantâneas em rede, criou novos espaços e tempos

diferenciados. Se espaço e tempo são categorias importantes para a etnografia

tradicional, também o são para qualquer outra coisa que, por ventura, queira

utilizar o verbete “etnografia” ou “etnográfico” consigo. É o caso da Etnografia

Virtual.

Virtual Ethnography is not only virtual in the sense of being disembodied.

Virtuality also carries a connotation of 'not quite', adequate for practical purposes even

if not strictly the real thing (although this definition of virtuality is often suppressed in

favour of its trendier alternative). Virtual ethnography is adequate for the practical

purpose of exploring the relations of mediated interaction, even if not quite the real

thing in methodologically purist terms. It is an adaptive ethnography which sets out to

suit itself to the conditions in which it finds itself.

Page 42: Etnografia Virtual

42

Christine Hine, 2000, p.65

A etnografia virtual desponta como uma tendência como

método/metodologia de pesquisa em ambientes virtuais em um momento em

que surgem diversas soluções metodológicas para estudo do ciberespaço e

seus desdobramentos. Todavia, como aponta Hine, ainda não está claro como

utilizar, em sua plenitude, essas metodologias herdadas das ciências

tradicionais, bem como quais as lacunas existentes (HINE, 2005a). Ou seja, há

muito a ser pesquisado nessa área.

Mas seria a etnografia virtual um novo tipo ou classe de etnografia?

Como já fora discutido na seção anterior, um das grandes características da

etnografia é a presença física do pesquisador e a observação in loco. Seria

possível fazer jus a essas características no ciberespaço?

Essa é uma questão um tanto geográfica e bastante relevante. Na

complexidade e no caos da Web, podemos considerar a existência de espaços,

lugares, tempos e territórios, indiciando dialeticamente relações de poder e de

troca.

Hine (2000, 2005b) apresenta uma longa discussão sobre o encontro

entre a etnografia tradicional e a virtual, evidenciando possibilidades e

apresentando práticas de pesquisadores de diversos países, inclusive do

Brasil. Segundo a autora, a contribuição de seu trabalho se dá pelas

possibilidades de debate sobre o significado dos recentes avanços nas

comunicacões virtuais. Desse debate surgiram diversos trabalhos, dentre eles

um framework teórico que emprega a etnografia no ciberespaço (GUIMARÃES,

2005).

Nesse contexto tecnosocial de linguagens líquidas e leitores

imersivos (SANTAELLA, 2004), a etnografia virtual apresenta-se como uma

possibilidade metodológica para investigação de comunidades, práticas e

culturas sitiadas na Internet. Segundo Hine (2000, p. 8), a etnografia virtual nos

permite responder algumas questões no que diz respeito ao ciberespaço:

Page 43: Etnografia Virtual

43

como os usuários da Internet “enxergam” suas capacidades

comunicativas e interativas;

como a Internet afeta as organizações e relações sociais, com

o espaço e com o tempo;

quais são as implicações para a autenticidade e segurança e

se a experiência do virtual é radicalmente diferente da

experiência do real físico.

Faz-se importante entender a tecnologia como potencial agente de

transformações. Segundo a autora, “uma etnografia da Internet pode olhar em

detalhes para as maneiras pelas quais a tecnologia é experienciada na

prática. Na sua forma básica a etnografia virtual tambem consite em um

pesquisador usando um período de tempo estendido imerso num 'campo de

ação', percebendo as relações, atividades e compreensões daqueles que estão

nesse ambiente e participam do processo“. (ibid, p. 4, tradução nossa).

Portanto, vemos que a autora defende o “encontro” entre a etnografia

tradicional e a virtual. Dado que o pesquisador, similarmente ao que ocorre na

etnografia tradicional, analisa/interpreta/observa uma comunidade, mesmo que

seja no ciberespaço.

Em relação à crítica sobre a inconsistência de uma etnografia virtual,

onde não se garantiria a presença do pesquisador in loco fisicamente,

remetemo-nos às discussões iniciais desse trabalho, ou seja, às questões das

transformações da sociedade, das mudanças de paradigmas, das dualidades

modernidade x pós-modernidade e das novas TIC e realidades de CMC.

Citando Lyotard, Hine também postula sobre a pós-modernidade:

Postmodern theorists have it that the foundations of modernity are

increasingly in crisis, and that the basis for organizing social life are undergoing a

rapid change. A fragmentation of concepts such as the self, society and culture

accompanies a loss of faith in the grand narratives of science and religion. (Lyotard

apud Hine, 1984)

Page 44: Etnografia Virtual

44

Dessa forma, ao criticar o modo de pensar moderno e reprodutivista,

Hine lança as bases para suas pesquisas baseadas na etnografia virtual. Para

a pesquisadora, para utilizarmos a etnografia em pesquisas sobre ambientes

virtuais, necessitamos, inicialmente, questionar os conceitos espacialidade,

temporalidade, físico, dialógico real vs. presencial estabelecidos,

resignificando-os. Nesse sentido, a etnografia pode ser utilizada para

desenvolver sentidos e significados da tecnologia e das culturas.

Vale lembrar que na perspectiva apresentada, a Internet é um

artefato cultural e, por si só, uma cultura, a cibercultura. Duas categorias

importantes na definição de etnografia virtual pela Hine e, importantes na

consideração etnográfica dessa metodologia.

Dessa forma, Hine (2000) comenta a(s) diferença(s) entre as

abordagens tradicional e virtual da etnografia, evidenciando como uma não

sobrepuja a outra:

Face-to-face interaction and the rhetoric of having traveled to a remote field

site, have played a major part in the presentation of ethnographic descriptions as

authentic. A limited medium like CMC seems to pose problems for ethnography's claims

to test knowledge through experience and interaction. The position changes somewhat if

we recognize the ethnographer could instead be construed as needing to have similar

experiences to those of informants, however those experiences are mediated.

Conducting an ethnographic enquiry through the use of CMC opens up the possibility of

gaining a reflexive understanding of what it is to be a part of the internet. (p. 10)

Com base nessa abordagem de etnografia virtual, analisaremos, nos

capítulos a seguir, como alguns trabalhos de pesquisa a usam, mesmo que

anonimamente.

Page 45: Etnografia Virtual

45

CAPÍTULO 4 – MAPEAMENTO DOS PROJETOS MUNDIAIS E

TENDÊNCIAS SOBRE A ETNOGRAFIA VIRTUAL: ESCOLA DO

FUTURO E PPGCOM (BRASIL), VKS (HOLANDA), THE VIRTUAL

ETHNOGRAPHY (REINO UNIDO) E DIGITAL ETHNOGRAPHY

(ESTADOS UNIDOS)

4.1 MANIFESTO DIGITAL

The digital is the realm of the open: open source, open resources, open

doors. Co-creation is one of the founding features of the digital turn in

the human sciences, because of the greater complexity. But this

collaborative turn doesn’t exclude … perhaps there is a space of

hermetic works of the mad individual.

Digital Humanities Manifesto - A Project of the Mellon Seminar in

Digital Humanities at UCLA

Iniciamos nosso último capítulo com um pensamento: mais uma época

iluminada no planeta Terra! Só pode dar um nó na cabeça de quem pára para

refletir que muitos dos paradigmas atuais, econômicos, sociais e culturais estão

Page 46: Etnografia Virtual

46

no limite de serem deflagrados e novas verdades construídas. Surge um

debate em torno das novas formas de perceber, conhecer, aprender e aplicar,

influenciada por um universo composto de novos elementos e ambientes,

virtuais e digitais, e novos hábitos sociais praticados mundialmente.

Digital humanities is not a unified field but an array of convergent

practices that explore a universe in which print is no longer the exclusive

or the normative medium in which knowledge is produced and/or

disseminated” (Digital Humanities Manifesto - A Project of the Mellon

Seminar in Digital Humanities at UCLA.

Disponível em:

http://dev.cdh.ucla.edu/digitalhumanities/2008/12/15/digital-humanities-

manifesto/)

Países no mundo inteiro se dão conta de que o seu bem mais precioso

são os seus cérebros, e quanto maior o número cabeças pensantes mais

chances eles têm de se projetar e se manter competitivos. Justamente quando

a informação extrapola as fronteiras físicas, as distâncias são reavaliadas

assim como os recursos didáticos e todo o tipo de dado que percorre e envolve

o mundo num alcance ampliado possibilitando uma eqüidade nessa

distribuição, jamais experimentada.

As grandes massas passam a ter livre-arbítrio nessa rede, escolhem as

suas tribos, redefinem as suas preferências diante de novas descobertas, criam

as suas “páginas” com os seus saberes, dividem as suas experiências e seu

conhecimento com milhares de pessoas numa velocidade de entrega e

“feedback” nunca vistos. “wicked,wiki, untamed, social and single global brain”.

Observando por um ângulo, essa rede presenteia a humanidade com a

chance de equilibrar a balança do conhecimento sem distinção de raça, cor,

credo e classe social e extrapola as fronteiras econômicas; sua capilaridade

ilimitada atinge os países desenvolvidos, os emergentes e ainda os

subdesenvolvidos.

Page 47: Etnografia Virtual

47

A expansão das bases educacionais assim como a possibilidade de

ampliação do seu conteúdo e das novas formas de comunicar e ensinar serão

os principais responsáveis por essa mudança que proporciona oportunidades

similares, à grande parte da população global.

Hoje a rede e as comunidades criadas espontaneamente por meio desta,

instigam estudiosos das diversas áreas do conhecimento e educadores do

globo a analisar as práticas desse novo percurso e repensar o modelo

educacional presente por reconhecer a sua célere falência. Segundo Brasilina

Passarelli (2007), em seu livro Interfaces Digitais na Educação: @lucin [ações]

consentidas

(...) a fim de se amoldar às mudanças ocorridas na sociedade nas

últimas décadas, o paradigma educacional hoje em desenvolvimento

propõe uma escola inteligente, um local rico em recursos para que a

aprendizagem seja de fato significativa. (p.42)

Ainda nas palavras de Brasilina (ibid, p. 82)

O homem tem buscado a integração, a harmonização das diversas

formas de apreensão e percepção do mundo. Nesse contexto, os

ambientes de hipermídia constituem a mais recente tecnologia para a

integração e contextualização do saber, tornando-se assim uma

ferramenta poderosa no processo de construção da aprendizagem.

Um sistema educacional que se proponha aberto deverá privilegiar a

obtenção e organização do conhecimento para possibilitar ao indivíduo

uma visão global do mundo, valorizando a inovação e a descoberta

como etapa fundamental do processo de aprendizagem, transformando a

escola no templo do aprender a aprender.

Os “conhecidos” processos educacionais ainda são reproduzidos nos

ambientes virtuais, alguns disponibilizados na rede gratuitamente. Outros não,

seja por questões econômicas ou pela dificuldade que o ser humano tem, como

sociedade consolidada, de quebrar paradigmas, ousar, buscar pela criatividade

e “sair do quadrado” desconstruindo processos há muito enraizados nas suas

formas de operar. Uma outra referência do Digital Humanities Manifesto do

Page 48: Etnografia Virtual

48

Mellon Seminar in Digital Humanities at UCLA fala da complexidadede ambas,

ou seja, a larga escala combinada com as ciências humanas:

Like all media revolutions, the first wave of the digital revolution looked

backwards as it moved forward. It replicated a world where print was

primary and visuality was secondary, while vastly accelerating search

and retrieval. Now it must look forward into an immediate future in

which the medium specific features of the digital become its core.

The first wave was quantitative, mobilizing the vertiginous search and

retrieval powers of the database. The second wave is qualitative,

interpretive, experiential, even emotive. It immerses the digital toolkit

within what represents the very core strength of the Humanities:

complexity.

Large-scale complexity: need for teamwork as new model for the

production and reproduction of humanistic knowledge. Teams sometimes

fail because they take risks. This is the heart of digital humanities: Risk-

taking, collaboration, and experimentation.

Nesse sentido, o grupo CCVAP 2009 apresenta nesse capítulo uma

compilação de organizações e trabalhos de pesquisadores veteranos da

internet de diversas partes do mundo.

São textos, ilustrações e vídeos com testemunhos importantes sobre “O estado

da arte” de diversas iniciativas que têm com objetivo principal o de criar novas

formas de construção do conhecimento em comunidades virtuais utilizando

métodos colaborativos, ou seja, de criação coletiva, empregando as novas

tecnologias de informação e comunicação, TIC. As iniciativas aqui

apresentadas também utilizam, investem ou adotam a etnografia Virtual em

suas pesquisas para avaliar ambientes de aprendizagem e prática, tema

principal desse trabalho.

Encontramos diversos termos para a Etnografia digital nesse campo de

estudo: etnografia por meio da internet, etnografia conectiva, etnografia da

rede, ciberetnografia, etnografia virtual.

Page 49: Etnografia Virtual

49

São também distintos os entendimentos sobre a etnografia virtual, há

quem entenda que essa é uma metodologia específica em “ambiente” e com

“objeto” diferenciado que utiliza a etnografia, como também há aqueles que

entendem que não existe nenhum diferencial entre investigar em ambientes

reais ou no ciberespaço. Segundo uma publicação cujo o título é Etnografía

virtual, escrito por Daniel Domínguez, Anne Beaulieu, Adolfo Estalella, Edgar

Gómez, Bernt Schnettler & Rosie Read, Volumen 8, No. 3 – Septiembre 2007,

e publicado no

http://www.qualitative-research.net/index.php/fqs/article/view/274/603

Las diversas formas de conceptualizar la etnografía virtual están

asociadas con una reflexión sobre el trasfondo cultural de internet y

sobre el diálogo de las experiencias y las interacciones sociales con ese

trasfondo cultural. Internet es un lugar rico en interacciones sociales

donde la práctica, los significados y las identidades culturales se

entremezclan a través de diversas vías. Las formas de relación social en

el escenario virtual suponen un reto para los investigadores sociales y

abren nuevos campos para el análisis en el terreno de la metodología

cualitativa.

Si bien los problemas etnográficos de la representación, de la

perspectiva y de la participación no son nuevos en la etnografía, hacer

de internet el objeto estudio lleva a que se replanteen nuevamente y que

se reformulen, junto con otros elementos fundamentales como el de

comunidad, el valor de la experiencia del investigador en el campo o las

ideas de acceso y abandono del mismo. De modo que el tratamiento de

internet interpela a una reflexión amplia sobre los aspectos centrales de

la etnografía.

Como parodia a Professora Brasilina, de “França a Bahia”, com

extensão global, os estudiosos aqui apresentados vêm construindo ao longo da

última década plataformas importantes para sustentar pesquisas e discussões

dessas novas formas de elaborar conhecimento e pesquisar sobre esse

fenômeno da interação da educação com as tecnologias de comunicação,

Page 50: Etnografia Virtual

50

sendo estas presenciais ou virtuais, tais como fóruns, encontros, manifestos,

blogs, laboratórios, etc. Em uma das reflexões importantes da Brasilina

O homem tem buscado a integração, a harmonização das diversas

formas de apreensão e percepção do mundo. Nesse contexto, os

ambientes de hipermídia constituem a mais recente tecnologia para a

integração e contextualização do saber, tornando-se assim uma

ferramenta poderosa no processo de construção da aprendizagem. Um

sistema educacional que se proponha aberto deverá privilegiar a

obtenção e organização do conhecimento para possibilitar ao indivíduo

uma visão global do mundo, valorizando a inovação e a descoberta

como etapa fundamental do processo de aprendizagem, transformando a

escola no templo do aprender a aprender. (PASSARELLI, 1993, p. 82)

4.2 PROJETOS MUNDIAIS E A ETNOGRAFIA VIRTUAL/DIGITAL

O VKS (Virtual Knowledge Studio) da Academia Real de Artes da

Holanda(The Royal Netherlands Academy of Arts and Sciences - KNAW),

http://vimeo.com/album/84977, apóia pesquisadores das ciências humanas e

ciência social (Holanda) na criação de novas praticas escolares e nas reflexões

sobre a pesquisa eletrônica (e-research). Um dos conceitos centrais do VKS é

a integração de design e análise em cooperação entre cientista social,

pesquisadores, experts em tecnologia e cientistas da informação. Essa

abordagem integrada investiga como a pesquisa eletrônica pode contribuir com

novas pesquisas e métodos.

O mesmo projeto é desenvolvido em parceria com a Erasmus University

Rotterdam (Erasmus Studio5)e com a Maastricht University em Maastricht. Um

5 The Erasmus Studio will carry out a research programme including a number of projects with researchers

from various disciplinary backgrounds, such as social sciences, economics, management research, and

informatics. The Erasmus Studio will also organize a series of interdisciplinary seminars on e-research, in

which both senior researchers as well as PhD students and undergraduates can participate.

The Erasmus Studio is a collaboration with the Virtual Knowledge Studio for the Humanities and Social

Sciences (VKS), a KNAW institute in Amsterdam which started in January 2006. A similar collaborative

Page 51: Etnografia Virtual

51

dos projetos é o método etnográfico como método de pesquisa virtual (

etnografia virtual):

The research focuses attention on challenges posed to ethnographic

methods by the new digital and electronic media. It will be of interest to

scholars engaged in ethnographic research which touches on digital

media as well as other social scientists studying globalization and

cultural change, digital communication, or cultures of digital media. The

workshop forms part of the ongoing programme of the Virtual

Knowledge Studio to study and stimulate new research practices in the

humanities and social sciences.

http://www.virtualknowledgestudio.nl/conferences/virtual-ethnography/

FQS, projeto desenvolvido pelo fórum de pesquisa social em Berlim,

Alemanha (Fórum Qualitative Sozialforschung / Forum: Qualitative Social

Research Berlim, Alemanha) pesquisa empiricamente utilizando métodos

qualitativos que trabalham a teoria, a metodologia e aplicação da pesquisa

qualitativa. Através de discussões online, o projeto promove interações entre

autores e leitores, por exemplo sob uma perspectiva interdisciplinar e

multinacional e de co-autoria. Convidamos nossos leitores a acompanharem o

DVD gravado do site do Virtual Knowledge Studio (VKS) intitulado “Virtual

Knowledge: a new reasearch agenda in th humanities and the social sciences”

anexado nesse trabalho ou a assistir ao vídeo diretamente do site:

initiative is the Maastricht Studio. It was lauched in October 2007 and has been set up by the VKS and the

Universiteit Maastricht. The Erasmus Studio secretariat is housed by the Erasmus School of Economics.

Page 52: Etnografia Virtual

52

http://www.virtualknowledgestudio.nl/

Através de um jornal online, o projeto6 de pesquisa social online (The

Virtual Ethnography – Online Social Research) no Reino Unido faz uso das

novas mídias, publica artigos nas diversas áreas da pesquisa social online,

entre elas a etnografia virtual. Alguns dos pesquisadores são Christine Hine

(University of Surrey), autora de Virtual Ethnography – livro que nos baseamos

para discutir a etnografia virtual, Bruce Mason (ESRC Research Associate at

the Cardiff School of Social Sciences) tem explorado a etnografia hipermidiática

e questões metodológicas em relação ao compartilhamento de dados. Ele é o

autor do livro Qualitative Research and hypermedia: Ethnography in the Digital

Age e Bella Dicks, coordenadora do projeto Ethnography, Culture and

Interpretive Analysis Global Political Economy (GPE). Convidamos a visita ao

site:

6 Projeto das University of Surrey, the University of Stirling, the British Sociological

Association and SAGE Publications Ltd.

Page 53: Etnografia Virtual

53

http://www.socresonline.org.uk/cgibin/perlfect/search/search.pl?q=ethnography&showurl=%2F1

2%2F6%2F3.html

Nos Estados Unidos, temos acompanhado o projeto DIGITAL

ETHNOGRAPHY de Mike Wesch, professor de Antropologia Cultural em

Kansas State University, que publica online (principalmente no Youtube)

trabalhos dos alunos da disciplina de antropologia. Trata-se de diversos vídeos

produzidos pelos próprios alunos.

Page 54: Etnografia Virtual

54

Alguns desses trabalhos podem ser acessados em:

Na anthropological Introduction: http://www.youtube.com/watch?v=TPAO-lZ4_hU

The Machine is Us/ing Us (Final Version)

http://www.youtube.com/watch?v=NLlGopyXT_g

A portal to media literacy:

http://www.youtube.com/watch?v=J4yApagnr0s

Information R/evolution

http://www.youtube.com/watch?v=-4CV05HyAbM

A Associação de pesquisadores da Internet (The Association of

Internet Researchers – AoIR) é uma associação para estudantes e

pesquisadores de qualquer área ou disciplina com interesse em estudos da

internet (http://inthegameworkshop.blogspot.com). Essa associação promove

um debate em torno da etnografia, mediação e conhecimento. Além disso,

discute-se continuidade, responsabilidade, afetividade e práticas escolares.

Page 55: Etnografia Virtual

55

Portanto, como vimos, são diversos os projetos que defendem e utilizam

a etnografia virtual/digital como metodologia de pesquisa. Veremos no próximo

sub-capítulo os projetos desenvolvidos no Brasil, pela Escola do Futuro e pelo

programa de pós-graduaçáo da ECA-SUP mais especificamente.

4.3 A ETNOGRAFIA VIRTUAL E OS PROJETOS DA ESCOLA DO FUTURO

(LIntEe e PPGCOM - USP)

Escola do Futuro da USP - São Paulo, Brasil

Fundada em 1989, objetivou estudar os impactos causados pelas Tecnologias

da Informação em espaços de aprendizagem e práticas de ensino. A escola

não conta com recursos financeiros da USP e reúne 60 pesquisadores entre

docentes e alunos da USP, além de contar com profissionais associados.

Como pode ser constatado em http://www.futuro.usp.br/, a atuação da Escola

do Futuro tem como referência cinco princípios:

1. O compromisso com a pesquisa, a discussão e a avaliação de

diferentes estratégias educacionais, privilegiando aquelas que incorporam, por

um lado, os mais modernos conceitos sobre os processos de cognição humana

e, por outro, as novas tecnologias de informação.

2. Desenvolver metodologias e materiais didáticos que conferiram um

novo dinamismo ao ensino e à aprendizagem, presencialmente ou à distância.

3. Preparar novas gerações de educadores que vejam na interface entre

educação e comunicação um campo fértil para sua criatividade, discernimento

e constante aperfeiçoamento.

4. Promover a aceleração do intercâmbio de idéias e experiências entre

educadores e instituições acadêmicas através da realização de cursos,

seminários, oficinas e outros eventos. Pretende-se, assim, conciliar a pesquisa

universitária com a prática da sala de aula.

5. Servir como um modelo de parceria entre a universidade, a sociedade

e diferentes agências e esferas de governo, todos comprometidos com o

aperfeiçoamento da Educação no Brasil. Este compromisso fundamenta-se em

um novo horizonte de justiça social e de construção e exercício da cidadania

em nosso país.

Page 56: Etnografia Virtual

56

No Brasil, entendemos que os projetos do Laboratório de Interfaces em

Educação - LIntEe da escola do futuro/USP, responsável por projetos

experimentais de educação a distância com utilização da internet voltado a

alunos e professores, apresentam experiências com o virtual engajado no

social. Todos os projetos, de uma forma ou outra, utilizam metodologias de

pesquisa relacionadas a etnografia virtual (o foco desse trabalho). À luz de

Malinowski (MINAYO, 1995), vemos que nesse tipo de investigação “o

pesquisador deve ele mesmo efetuar no campo, sua própria pesquisa e que

esse trabalho de observação direta é parte integrante da mesma. Dessa forma,

a etnografia apregoa a existência de uma identidade entre sujeito e objeto”,

sendo o objeto das ciências sociais, essencialmente qualitativo. Geertz (1978)

diz que “a etnografia não é uma questão de métodos, mas sim estabelecer

relações, selecionar informantes, transcrever textos, levantar genealogias,

mapear campos manter um diário, ao que ele denomina descrição densa.” São

quatro os sites/projetos: To ligado – O Jornal Interativo da sua escola, conexão

Escola – Interação total com o professor, Nexus – Da Informação ao

Conhecimento para alunos da graduação e o CCVAP, como parte da disciplina

de pós-graduação, Criando Comunidades Virtuais de Aprendizagem e Prática:

http://futuro.usp.br/portal/website.ef

www.toligado.futuro.usp.br/

www.ccvap.futuro.usp.br

www.nexus.futuro.usp.br

Analisamos, ainda, os projetos do programa de Pós-graduação da

Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo - ECA/USP.

Vimos que praticamente todas as pesquisas utilizam, de alguma forma, ou seja,

como objeto de estudo ou como método de pesquisa, a metodologia qualitativa,

ou seja, a etnografia qualitativa. Alguns deles são:

1. CAPITAL SOCIAL EM COMUNIDADES VIRTUAIS

DADOS:

- Dissertação: Capital Social em Comuidades de aprendizagem e prática.

- Autor: Anita Bliska

Page 57: Etnografia Virtual

57

- Ana de Defesa: 2007

- Falcudade / Área: (Mestrado em Ciências da Comunicação) - Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo.

2. A EMERGÊNCIA DAS RELAÇÕES DE PODER NO COLETIVO MEDIADO

DADOS:

- Dissertação: A Emergência das Relaçoes de Poder no Coletivo Dediado: um estudo de caso na disciplina Criando Comunidades Virtuais de Apredizagem e de Prática

- Autor: Claudia Pontes Freire

- Ana de Defesa: 2009

- Falcudade / Área: (Mestrado em Ciências da Comunicação) - Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo.

3. PROCESSOS DE INOVAÇÃO EM COMUNIDADES VIRTUAIS

DADOS:

- Dissertação: Processos de Inovação em Comunidades Virtuais

- Autor: Cristina Rui Santo

- Ana de Defesa: 2009

- Falcudade / Área: falta informação

4. COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E INCLUSÃO DIGITAL

DADOS:

- Dissertação: Comunicação, Educação e Inclusão Digital: quem "tá ligado" na escola estadual paulista? ma análise da interatividade no projeto Tôligado: o jornal da sua escola.

- Autor: Cristina Álvare Beslow

- Ana de Defesa: 2008

- Falcudade / Área: (Mestrado em Ciências da Comunicação) - Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo.

- apresentaçao dos trabalhos analisados

Nossa análise focou dois trabalhos. Na primeira, a dissertação de

mestrado de Anita Vera Bliska tem por objetivo propor um instrumento de

medição de desempenho em comunidades virtuais de aprendizagem. Para

isso, ela utiliza variáveis da teoria do capital social. Ela constrói uma matriz

com 3 variáveis: capital social estrutural – compreende a infra-estrutura

tecnológica e o uso de ambientes virtuais bem como políticas de incentivo ao

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58

uso de recursos da tecnologia da informação; capital social cognitivo, gerado

pela cultura virtual e coesão social que se relaciona com as ações coletivas, a

partir das análises da interação e colaboração entre os participantes. A

metodologia é a análise etnográfica do ambiente. Anita diz que usa o método

etnográfico para interpretar experiências e condutas, abrangendo o que dizem,

sabem, constroem e usam os estudantes das CVAs. Diz que é uma forte

compreensão dos significados, comportamentos , ações e situações

vivenciadas pelos participantes em seu cotidiano. A configuração etnográfica

permite olhar, narrar, descrever, interpretar e indagar sobre o objeto

investigado para narrar, descrever, interpretar sua materialidade discursiva,

mantido como procedimento metodológico o princípio da interação constante

entre o pesquisador e o objeto pesquisado. Na segunda, Conforme pode ser

constatado no resumo do trabalho a autora informa que sua pesquisa analisou

a interatividade propiciada pelo projeto de inclusão digital TôLigado - o Jornal

Interativo da Sua Escola, site educativo concebido pelo então “Laboratório de

Interfaces em Educação – LintE da Escola do Futuro/USP e implementado em

parceria com a Fundação para o Desenvolvimento da Educação da Secretaria

da Educação do Estado de São Paulo. Obteve participação de 1.428 escolas

de ensino médio e fundamental em diferentes cidades do estado, entre os anos

de 2001 e 2006.

A pesquisa analisou o site e os recursos que possibilitam a interação e a

interatividade com seu público-alvo, com especial atenção para as atividades

de produção do conhecimento entre os anos de 2002 e 2005. Utilizou-se a

metodologia de pesquisa qualitativa e quantitativa, por meio da etnografia no

virtual (grifos nossos), em que foram analisadas 814 publicações nas

atividades de produção do conhecimento, referentes a 135 escolas

participantes do projeto; além de etnografia na escola pública, por meio de

pesquisa de campo em duas escolas estaduais paulistas que tiveram destaque

de envolvimento no TôLigado – a E.E. Prof. José Felício Miziara e a E.E. Prof.

João Portugal –, ambas localizadas na região de São José do Rio Preto. A

partir da análise da participação no projeto e do contato com a realidade da

escola pública, esta pesquisa detectou as dificuldades enfrentadas pela

instituição escolar do Estado de São Paulo em incorporar as novas tecnologias

Page 59: Etnografia Virtual

59

de comunicação e informação ao seu dia-a-dia, assim como os avanços

alcançados pelo projeto de inclusão digital.

Page 60: Etnografia Virtual

60

5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que aprendemos até agora é apenas o começo. O universo virtual, tal como esfinge

enigmática, reitera constantemente seu desafio a todos que queiram decifrá-los

Passarelli, 2007, p. 185

As tecnologias da informação associadas ao ciberespaço proporcionam

um crescimento exponencial e caótico das informações disponíveis e dos

vínculos que unem essas informações. No ciberespaço, o saber não pode ser

uma entidade estável e bem-definida. O ciberespaço transforma a relação com

o saber. Lembrando a conceituação de Levy, veremos que o saber é um

saber/fluxo, um saber em movimento. Essa mudança da relação com o saber

repercute sobre as disciplinas ensinadas no nível universitário, particularmente

nas disciplinas técninas e científicas. Novas teorias surgem e as pesquisas

levam a novos conhecimentos. Os avanços tecnológicos fazem com que os

campos de aplicação das diversas disciplinas e as ferramentas que lhe são

próprias estejam em permanente mudança. Esse contexto requer que os

aprendizes atualizem permanentemente seus conhecimentos. O ciberespaço,

particularmente a internet, facilita o acesso à informação para um público

amplo e oferece um ambiente com um potencial interessante de aprendizagem.

Considerando as necessidades crescentes de diversificação e de

personalização da formação, a aprendizagem autônoma parece ser um ideal a

ser atingido. “As tecnologias poderiam trazer elementos de resposta a essa

busca de autonomia na formação. De fato, graças a elas, a informação torna-se

acessível a um grande número de indivíduos, mesmo na ausência de um

mediador humano ou fora dos programas de formação estabelecidos. Assim o

ciberespaço permite o acesso a banco de dados ou sites www, que dão conta

Page 61: Etnografia Virtual

61

dos desenvolvimentos recentes nas diversas disciplinas e colocam à

disposição dos professores e estudantes universitários um material que pode

servir para fins didáticos. A exploração desses recursos nos programas

universitários, por professores e estudantes, pode enriquecer as atividades de

aprendizagem e de ensino.

Essa nova situação deve levar-nos a adaptar a pedagogia universitária

em função desses novos parâmetros. De fato, a utilização das tecnologias para

fins de aprendizagem coloca em questão o ambiente pedagógico que permitirá

favorecer as aprendizagens com ajuda das tecnologias, pois o acesso facilitado

às informações não garante necessariamente melhores aprendizagens.

Haughey (1995) diz que as tecnologias da informação e da comunicação, se

não forem utilizadas em um contexto pedagógico renovado, podem

simplesmente reproduzir o modelo de ensino tradicional, sem que se aproveite

a liberdade que elas poderiam proporcionar ao professor.

Como discorrido ao longo de todo esse trabalho, cremos ser essa a

pedagogia questionada por essa disciplina de pos ( e por seus participantes): o

questionamento de um modelo de ensino tradicional.

Dentre as diferentes linhas pedagógicas, a abordagem construtivista é

vista por muitos autores como particularmente apropriada ao ensino

universitário. Para Bostock (1998), os ambientes de aprendizagem concebidos

respeitando os princípios construtivistas deveriam oferecer aos aprendizes um

alto grau de controle sobre sua aprendizagem, propor contextos de

aprendizagem significativos e diversos tipos de interação. Voltando a Levy

(1997), menciona que no contexto do ciberespaço é necessário um reforma

que estabeleça um novo estilo de pedagogia que favoreça a aprendizagem

personalizada e a aprendizagem cooperativa em rede. Muitos autores

concordam que a utilização das tecnologias da informação e da comunicação

deveria levar a uma mudança na relação pedagógica entre o professor e o

estudante. O professor deveria abandonar seu papel de transmissor da

informação para desempenhar um papel de guia e de conselheiro para o

estudante.

Page 62: Etnografia Virtual

62

Dado que a aprendizagem não se limita à aquisição de conhecimentos,

é importante desenvolver no aprendiz habilidades que ajudem a explorar novas

informações, sintetizar e fazer aplicações práticas. Segundo Haughey (1995), a

educação é um processo interpretativo no qual o sentido emerge do diálogo e

no qual os aprendizes são participantes ativos. O essencial da conduta

educativa se situa na construção de sentidos com os aprendizes e não na

transmissão de informação. Uma das formas que pode assumir a integração

das novas tecnologias no meio universitário é a elaboração de cursos

multimídia.

O desenvolvimento do ciberespaço possibilita uma revisão dos conceitos

de ensino a distãncia, dispositivo de formação e de autoformação. Ao permitir

que alunos e professores entrem em contato e interajam apesar da distância

física que os separam, as novas tecnologias da informação e da comunicação

põem em xeque a noção de distância baseada exclusivamente no critério

geográfico. A idéia de distância transacional, descrita por Paul Bouchard

parece mais relevante que a idéia de distância geográfica. “Os

desenvolvimentos tecnológicos também atuam em favor de uma visão

ampliada do conceito de dispositivo de formação, que não pode ser reduzido

ao simples suporte físico.” (ibid, p.111) O dispositivo é um lugar de interação

que deve considerar o sujeito aprendiz e sua experiência de formação. “Os

dispositivos de formação que exploram o ciberespaço, por dar acesso a

recursos informacionais e humanos quase ilimitados, constituem sistemas mais

abertos, cujos limites é difícil circunscrever claramente.

O acesso facilitado à informação proporcionado pelo ciberespaço

questiona os conteúdos da formação e as práticas. Como a informação está

disponível o tempo todo, a aquisição desta informação passa a ter menos

importância, o essencial da aprendizagem se desloca para o desenvolvimento

de habilidades para saber buscar a informação, julgar sua validade ou

pertinência e tratá-la. Como no ciberespaço o aluno tem acesso a uma

quantidade enorme de informações e também a recursos humanos variados, o

professor não é mais a única fonte de conhecimentos, adquirindo outros papéis

Page 63: Etnografia Virtual

63

como o de animar, acompanhar e avaliar. Os idealizadores de dispositivos não

podem reduzir seu papel à simples transmissão de informação.

Embora saibamos que “a utilização de produtos multimídia não é a

garantia de uma aprendizagem mais autônoma, vimos na prática (como alunos

participantes da comunidade de aprendizagem e de pratica - real e virtual-

proporcionada por essa disciplina) que e‟ perfeitamente possível engajamento,

trocas e construções coletivas.

Para o fim, argumentamos, juntamente com O‟Gorman e Brasilina,

contra uma visão tecno-burocrática da educação em favor de uma visão onde

novos métodos e materialidades computacionais sejam inseridos. Uma

possibilidades de teoria que reflete/ é refletida pela sociedade, seria aquela

que questiona o cânone grafocêntrico mostrando, como citado por O„Gorman,

que a “geração Nintendo” (já estamos nas gerações Playstation ou outras mais

avançadas?) desenvolve habilidades específicas visuais e digitais que

ultrapassam facilmente as gerações anteriores. “We are getting sillier by the

minute”, ou seja, nós, os educadores de hoje, estamos ficando para trás a cada

minuto, com “caras de bobos”: Mas e se a televisão, jogar video-games e surfar

na internet são bons para nos? E se exercitar estes modos de cognição

exigidos pelos sofisticados vídeo games visuais e os ambientes da Web

pudessem na verdade aumentar a inteligência de alguém?7

Dessa forma, questionamos se não estamos aplicando velhos modelos a

modelos novos que se transformam continuamente; questionamos se esse

choque de gerações não se reflete no plano da educação e do conhecimento,

ou seja, somos rápidos ao julgar e desvalorizar o aluno “pós-moderno” que

aprende com a televisão, com vídeo games e com a Web, mas negligenciamos

o fato de que essas epistemologias trazem conseqüências à vida pública.

Como educadores, jornalistas e pesquisadores de redes sociais MCM e TIC,

faz-se necessário refletir: a influência do visual e do digital, o “posicionar-se

criticamente” também em relação ao digital e o pensar novas metodologias que

abarquem e dialoguem com “velhos” e novos paradigmas educacionais.

7 traducao dos pesquisadores But what if television, playing video games, and surfing on the Web are actually

good for you? What if exercising the modes of cognition demanded by visually sophisticated video game and Web

environments could actually increase one’s intelligence?” p.72

Page 64: Etnografia Virtual

64

Para o fim, discutimos extensivamente a quebra de paradigmas da

sociedade, as questões de reprodutivismo versus construção de conhecimento

(Bourdieu, Morin), as novas TIC, os novos usos e aplicações do ciberespaço,

as comunicações mediadas por computadores (CMC). Não poderíamos deixar

de convidá-los a assistir à nossa contribuição para a disciplina CCVAP 2009.

Além da criação do texto coletivo, construímos uma apresentação em

PowerPoint com linha do tempo, gráficos de dados e de presença virtual, bem

como o vídeo abaixo. Não poderíamos deixar de agradecer (como fizemos no

vídeo) a orientação da prof. Dra. Brasilina Passarelli que, em meio à greve, não

mediu esforços para nos orientar. Temos certeza que esse projeto e essa

comunidade continuam nos grupos de emails googlegroups, googledocs, nos

msns e skype.com e nos artigos e livros (talvez?) que um dia publicaremos

coletivamente, uma prova (empírica racional) de que comunidades de

aprendizagem e prática podem acontecer real e virtualmente; comunidades que

pensem e façam uma nova educação, o diferente, a vanguarda:

http://www.youtube.com/watch?v=RZnc_rAsPzk

Page 65: Etnografia Virtual

65

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APÊNDICE: MAKING-OF

Apresentamos nesse capítulo a apresentação final da linha do tempo, os links

de produção de cada aluno, os gráficos com dados sobre nossa produção,

comunicação e evolução durante a disciplina.

363 emails trocados no googlegroups. destes o dia com maior troca foi

terças-feira, dia da aula, seguido de segundas-feira, pré-aula e quartas-feira, pós-aula.

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Porcentagem de emails X Semana de estudo X Dia da Semana

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