evolução das competências numa era digital - cenfim.pt · para a redução de trabalhadores...
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A quarta revolução industrial, ou Indústria 4.0, está na origem de
transformações significativas em diversos sectores industriais
(Roblek et al., 2016). O crescente uso de tecnologias digitais
permite automatizar os processos produtivos, exigindo por isso
trabalhadores cada vez mais qualificados, capazes de
acompanhar esta mudança tecnológica, em especial nas áreas
do software e das tecnologias de informação e comunicação
(TIC). A incorporação de tecnologias digitais está aumentar o
ritmo de mudança no mercado laboral através da destruição e
criação de postos de trabalho no tecido industrial, levando a uma
diminuição de trabalhadores de baixas qualificações, e ao
aparecimento de novas ocupações e competências (WEF,
2017). Neste contexto, interessa perceber como é que o perfil
de ocupações na indústria acompanha esta mudança de
paradigma tecnológico. Neste artigo, pretende dar-se uma
perspetiva global sobre a evolução das ocupações nos sectores
industriais em Portugal, contribuíndo para o debate sobre o
impacto da Indústria 4.0 na competitividade global da indústria
Portuguesa.
A industrialização conduz a melhor desempenho económico,
empregos com maior remuneração e, consequentemente, a
uma maior resiliência socioeconómica. Deste modo, países e
regiões mais industrializados têm uma maior capacidade de
adaptação a mudanças e choques tecnológicos, políticos e do
mercado competitivo (Simmie and Martin, 2010). Em contextos
de mudança tecnológica, o capital humano é fundamental, uma
vez que o conhecimento está incorporado nas pessoas, que
consistem em si numa base competitiva para empresas e
regiões (Teece, 1998). Para além disso, investimentos em
capital humano, nomeadamente através da despesa em
educação e formação profissional, podem explicar a vantagem
competitiva dos países mais avançados (Schultz, 1961).
A investigação conduzida por Hidalgo and Hausmann (2009)
sugere que mudanças na estrutura industrial de um país são o
resultado da acumulação da capacidade de produzir novos
produtos com base em diferentes combinações de recursos
disponíveis. Segundo estes autores, as diferenças de
desempenho económico de países podem ser explicadas pela
complexidade económica da sua base industrial, medida pela
diversidade de capacidades produtivas. Assim, países com bases
industriais mais diversificadas produzem produtos mais
complexos, o que mitiga riscos e melhora a capacidade de
inovação (Amsden, 2001; Berger, 2005). Uma possível
explicação para as diferenças entre produtos internos brutos
(PIB) de países reside no facto de algumas das atividades
individuais decorrentes da divisão laboral, tais como direitos de
propriedade intelectual, regulação, infraestrutura e
competências laborais específicas, não poderem ser importadas
(Berger and MIT Task Force on Production in the Innovation
Economy, 2013). Isto significa que os países precisam
necessariamente de as ter localmente disponíveis para poder
produzir determinados produtos de maior complexidade.
A nossa investigação mostra, através de evidência recolhida em
entrevistas com empresas em diferentes sectores industriais,
que muitas empresas em Portugal ainda não dispõem de
sistemas de informação integrados para monitorização das suas
operações. Isto significa que, por exemplo, quando um fabricante
emite um pedido para o fornecimento de determinado
componente, o fornecedor que recebe o pedido comunica ao
fabricante a nota de encomenda, número de transporte e
número de dias esperado para a entrega por email. Esta
informação é posteriormente introduzida pelo fabricante numa
plataforma online. Contudo, sempre que é necessário saber a
localização da encomenda, o fabricante tem de consultar a
plataforma da empresa responsável pelo transporte da
encomenda. Por isso, apesar da informação estar acessível ao
fabricante, não está integrada num local único, mas sim dispersa
por diferentes plataformas. Como resultado, a monitorização de
toda a cadeia de fornecimento requer um esforço muito maior.
Para acompanhar as mudanças tecnológicas que se
perspetivam, as empresas necessitam de sistemas (hardware e
software) que permitam a recolha de informação. Isto significa
que os transportadores têm de ser equipados com sistemas de
georreferênciação e respetivos leitores e as centrais tem de
melhorar os seus processos e sistemas de forma a permitir que
a informação recolhida seja disponibilizada de forma agregada
online. Deste modo, os analistas poderiam consultar
imediatamente essa informação, usando inteligência artificial
para analisar tendências e padrões operacionais, fomentando
um melhor processo de tomada de decisão.
Outro aspeto que tem dificultado a evolução digital das empresas
em Portugal está relacionado com a dificuldade em encontrar
pessoas com as competências adequadas às suas necessidades
(por exemplo, programadores de CNC). Esta dificuldade é maior
perante o aparecimento de novas tecnologias. É por isso
esperado que estas alterações nas necessidades das empresas
conduzam a uma transformação do padrão de ocupações nos
sectores industriais. O nosso trabalho procura explicar como é
que o perfil de ocupações profissionais na indústria Portuguesa
evoluiu nos últimos anos para acompanhar esta mudança de
paradigma tecnológico. Para isso usamos também dados dos
Quadros de Pessoal, que contem informação das empresas em
Portugal e respetivos trabalhadores, abrangendo o período de
1986 a 2015 (ver, por exemplo, Cabral e Mata (2003) para uma
descrição dos dados).
A nossa análise mostra que a categoria profissional de
tecnologias de informação e comunicação (TIC) é a que tem
sofrido um maior aumento nos últimos anos. A Figura 1 mostra a
evolução do perfil de ocupações profissionais em Portugal, para o
período de 2010 a 2015, onde se verifica que as cinco
categorias profissionais1 com um maior aumento foram: as
tecnologias de informação e comunicação (com o código 25),
profissionais de saúde (22), trabalhadores não qualificados da
agricultura, produção animal, pesca e floresta (92), pessoal de
apoio direto a clientes (42) e trabalhadores dos resíduos e de
outros serviços elementares (96). De maneira oposta, o maior
decréscimo ocorreu nas seguintes categorias profissionais:
trabalhadores qualificados da construção e similares, excepto
eletricista (71), diretores de produção e de serviços
especializados (13), trabalhadores qualificados em eletricidade e
em eletrónica (74), técnicos e profissões das ciências e
engenharia, de nível intermédio (31) e trabalhadores não
qualificados da indústria extrativa, construção, indústria
transformadora e transportes (93). Uma possível explicação
Evolução das Competências numa Era DigitalEvolução das Competências numa Era Digital
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para a redução de trabalhadores qualificados em eletricidade e
eletrónica é a diminuição da atividade no sector da construção
civil em Portugal e a possível emigração destes profissionais.
Figure 1 - Evolução do perfil de ocupações profissionais em Portugal de
acordo com a classificação portuguesa das Profissões a 2 dígitos (com
a exceção das profissões das forças armadas), de 2010 a 2015.
1: REPRESENTANTES DO PODER LEGISLATIVO E DE ÓRGÃOS EXECUTIVOS,
DIRIGENTES, DIRETORES E GESTORES EXECUTIVOS
11: Representantes do poder legislativo e de órgãos executivos, dirigentes
superiores da Administração Pública, de organizações especializadas,
diretores e gestores de empresas
12: Diretores de serviços administrativos e comerciais
13: Diretores de produção e de serviços especializados
14: Diretores de hotelaria, restauração, comércio e de outros serviços
2: ESPECIALISTAS DAS ATIVIDADES INTELETUAIS E CIENTÍFICAS
21: Especialistas das ciências físicas, matemáticas, engenharias e
técnicas afins
22: Profissionais de saúde
23: Professores
24: Especialistas em finanças, contabilidade, organização administrativa,
relações públicas e comerciais
25: Especialistas em tecnologias de informação e comunicação (TIC)
26: Especialistas em assuntos jurídicos, sociais, artísticos e culturais
3: TÉCNICOS E PROFISSÕES DE NÍVEL INTERMÉDIO
31: Técnicos e profissões das ciências e engenharia, de nível intermédio
32: Técnicos e profissionais, de nível intermédio da saúde
33: Técnicos de nível intermédio, das áreas financeira, administrativa e
dos negócios
34: Técnicos de nível intermédio dos serviços jurídicos, sociais,
desportivos, culturais e similares
35: Técnicos das tecnologias de informação e comunicação
4: PESSOAL ADMINISTRATIVO
41: Empregados de escritório, secretários em geral e operadores de
processamento de dados
42: Pessoal de apoio direto a clientes
43: Operadores de dados, de contabilidade, estatística, de serviços
financeiros e relacionados com o registo
44: Outro pessoal de apoio de tipo administrativo
5: TRABALHADORES DOS SERVIÇOS PESSOAIS, DE PROTEÇÃO E
1: REPRESENTANTES DO PODER LEGISLATIVO E DE ÓRGÃOS EXECUTIVOS,
DIRIGENTES, DIRETORES E GESTORES EXECUTIVOS
2: ESPECIALISTAS DAS ATIVIDADES INTELETUAIS E CIENTÍFICAS
3: TÉCNICOS E PROFISSÕES DE NÍVEL INTERMÉDIO
4: PESSOAL ADMINISTRATIVO
5: TRABALHADORES DOS SERVIÇOS PESSOAIS, DE PROTEÇÃO E
SEGURANÇA E VENDEDORES
51: Trabalhadores dos serviços pessoais
52: Vendedores
53: Trabalhadores dos cuidados pessoais e similares
54: Pessoal dos serviços de proteção e segurança
6: AGRICULTORES E TRABALHADORES QUALIFICADOS DA AGRICULTURA,
DA PESCA E DA FLORESTA
61: Agricultores e trabalhadores qualificados da agricultura e produção
animal, orientados para o mercado
62: Trabalhadores qualificados da floresta, pesca e caça, orientados para
o mercado
63: Agricultores, criadores de animais, pescadores, caçadores e
coletores, de subsistência
7: TRABALHADORES QUALIFICADOS DA INDÚSTRIA, CONSTRUÇÃO E
ARTÍFICES
71: Trabalhadores qualificados da construção e similares, exceto
eletricista
72: Trabalhadores qualificados da metalurgia, metalomecânica e similares
73: Trabalhadores qualificados da impressão, do fabrico de instrumentos
de precisão, joalheiros, artesãos e similares
74: Trabalhadores qualificados em eletricidade e em eletrónica
75: Trabalhadores da transformação de alimentos, da madeira, do
vestuário e outras indústrias e artesanato
8: OPERADORES DE INSTALAÇÕES E MÁQUINAS E TRABALHADORES DA
MONTAGEM
81: Operadores de instalações fixas e máquinas
82: Trabalhadores da montagem
83: Condutores de veículos e operadores de equipamento móveis
9: TRABALHADORES NÃO QUALIFICADOS
91: Trabalhadores de limpeza
92: Trabalhadores não qualificados da agricultura, produção animal, pesca
e floresta
93: Trabalhadores não qualificados da indústria extrativa, construção,
indústria transformadora e transportes
94: Assistentes na preparação de refeições
95: Vendedores ambulantes (exceto de alimentos) e prestadores de
serviços na rua
96: Trabalhadores dos resíduos e de outros serviços elementares
Quando examinamos a categoria profissional referente às
tecnologias de informação e comunicação (TIC) para as
indústrias transformadoras para o período 2010-2015, regista-
se um aumento de analistas de sistemas, especialistas em redes
informáticas, analistas de programadores de software e
sistemas, especialistas em bases de dados e redes,
programador de aplicações, programador de software e
programador de Web e multimédia, tal como evidenciado na
Figura 2. Algumas destas áreas exibem um decréscimo de
profissionais nas indústrias transformadoras desde 2010 a
2012, possivelmente devido ao contexto de crise económica que
Portugal experienciava nesse período. Nota-se já a partir do ano
de 2013, uma recuperação e aumento no número de
profissionais em tecnologias de informação e comunicação.
Esta mudança no perfil de ocupações nos sectores industriais
acarreta novos desafios e oportunidades para o tecido industrial
português. Em particular, considerando a adoção de novas
tecnologias da Indústria 4.0 como a fabricação aditiva, a
inteligência artificial, internet das coisas (IoT), realidade virtual e
aumentada, os robots inteligentes, entre outras. Uma política
industrial que promova a adoção de estratégias para o
desenvolvimento de competências para uma economia digital e
para a inclusão deste tipo de profissionais pode contribuir para
melhorar a competitividade das empresas portuguesas num
mercado global, fomentando emprego mais qualificado e
mitigando o risco de desemprego no mercado laboral. Para isso
é necessário garantir a educação e formação de profissionais
SEGURANÇA E VENDEDORES
6: AGRICULTORES E TRABALHADORES QUALIFICADOS DA AGRICULTURA,
DA PESCA E DA FLORESTA
7: TRABALHADORES QUALIFICADOS DA INDÚSTRIA, CONSTRUÇÃO E
ARTÍFICES
8: OPERADORES DE INSTALAÇÕES E MÁQUINAS E TRABALHADORES DA
MONTAGEM
9: TRABALHADORES NÃO QUALIFICADOS
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nas áreas das TIC, já que estes especialistas precisam não só de
conhecimento formal adquirido através de uma educação sólida
em áreas como engenharia, mas também conhecimento
informal que ocorre através da aplicação do conhecimento ao
domínio específico do seu sector industrial.
1 - De acordo com a Classificação Portuguesa das Profissões 2010
(INE, 2011).
Agradecimentos
Esta investigação teve o apoio da Fundação para a Ciência e
Tecnologia (FCT), através do projeto CMUP-ERI/TPE/0011/
2013. Os autores agradecem também ao Ministério do Emprego
e Segurança Social por fornecer os dados utilizados neste estudo.
Referências
! Amsden, A.H., 2001. The Rise of “The Rest”: Challenges to the
West from Late-Industrializing Economies. Oxford University Press.
! Berger, S., 2005. How We Compete: What Companies Around
the World Are Doing to Make it in Today's Global Economy.
Crown Publishing Group.
! Berger, S., MIT Task Force on Production in the Innovation
Economy, 2013. Making in America: From Innovation to Market.
MIT Press.
! Cabral, L.M.B., Mata, J., 2003. On the Evolution of the Firm
Size Distribution: Facts and Theory. American Economic Review
93, 1075-1090. https://doi.org/10.1257/
000282803769206205
Agradecimentos
Referências
! Hidalgo, C.A., Hausmann, R., 2009. The building blocks of
economic complexity. PNAS 106, 10570-10575.
https://doi.org/10.1073/pnas.0900943106
! INE, 2011. Classificação Portuguesa das Profissões 2010.
Instituto Nacional de Estatística, I.P.
! Roblek, V., Meško, M., Krapež, A., 2016. A Complex View of
Industry 4.0. SAGE Open 6, 2158244016653987.
https://doi.org/10.1177/2158244016653987
! Schultz, T.W., 1961. Investment in Human Capital. The
American Economic Review 51, 1-17.
! Simmie, J., Martin, R., 2010. The economic resilience of
regions: towards an evolutionary approach. Cambridge J
Regions Econ Soc 3, 27-43.
! Teece, D.J., 1998. Capturing Value from Knowledge Assets:
The New Economy, Markets for Know-How, and Intangible
Assets. California Management Review 40, 55-79.
https://doi.org/10.2307/41165943
!WEF, 2017. Realizing Human Potential in the Fourth Industrial
Revolution: An Agenda for Leaders to Shape the Future of
Education, Gender and Work (White Paper). World Economic
Forum.
Anabela Reis e Joana Mendonça - Centro de Estudos em Inovação, Tecnologia e Políticas de Desenvolvimento, IN+, Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa, Av. Rovisco Pais, nº 1, 1049-001 Lisboa, Portugal, e
Ana Cristina Barros - INESC TEC, Campus da FEUP, Rua Dr Roberto Frias, 4200-465 Porto, Portugal
Figura 2 - Número de especialistas em tecnologias de informação e comunicação (TIC) nas indústrias transformadoras, de 2010 a 2015.
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