exame processo 5

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FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA Direito Processual Civil I – Época de recurso 17/07/2009 – Turma B TÓPICOS DE RESOLUÇÃO 1 - O tribunal de Santarém é competente para as acções propostas por Alexandre? Quanto à acção i): Os tribunais portugueses são competentes. Aplica-se o Reg. 44/2001, pois o réu, embora cidadão dos EUA, reside na EU (art. 4.º). A questão é contratual, pois se trata do cumprimento de uma obrigação emergente do contrato de arrendamento. Não se discute o arrendamento propriamente dito pois esse já cessou, pelo que não é de aplicar o artigo 22.º, n.º 1. São competentes os tribunais espanhóis, pois ali reside o réu. São também competentes os tribunais portugueses, por aplicação do artigo 5.º, n.º 1, pois a obrigação de pagamento da renda deveria ter ocorrido em Portugal (domicílio do credor). Quanto à competência interna: A acção deveria ser proposta no domicílio do Réu (art. 74.º CPC). Como o réu tem domicílio no estrangeiro, deve sê-lo no domicílio do Autor (art. 85.º, n.º 3), ou seja, em Santarém. Quanto à acção ii): Os tribunais portugueses são competentes. Aplica-se o Reg. 44/2001, pois, mesmo que se considerasse que o réu não reside na EU, estamos perante uma situação do artigo 22.º, n.º 1. A acção destina-se a fazer valer o direito de propriedade sobre um imóvel sito em Portugal, pelo que são exclusivamente competentes os tribunais portugueses. Trata-se de uma acção real, determinando o artigo 73.º do CPC que é competente o local da situação do bem. No caso, seria competente o tribunal de Loulé (comarca a que pertence Vilamoura). Tendo a acção dado entrada em Santarém existe uma situação de incompetência relativa, de conhecimento oficioso, que determina a remessa do processo para o tribunal competente (artigos 108.º, 110.º, n.º 1, alínea a) e 111.º, n.º 3, do CPC) 2 Ambos os réus contestam dizendo que Alexandre é casado com Diana, pelo que não pode propor a acção sozinho. Têm razão? Admitindo que tivessem razão, qual seria a consequência? Quanto à acção i) – O litisconsórcio é meramente voluntário. Para a cobrança de um crédito qualquer dos cônjuges pode litigar sozinho, independentemente do regime de bens. Quanto à acção ii) – Supondo que o regime de bens é o supletivo (comunhão de adquiridos), a acção relativa à propriedade de bens imóveis, ainda que próprios, tem de ser proposta por ambos os cônjuges, nos termos do artigo 1682.º-A do Código Civil e do artigo 28.º-A, n.º 1, do CPC. A consequência da preterição de litisconsórcio necessário é a ilegitimidade de Alexandre, a qual, se não for sanada pela intervenção de Diana, levará à absolvição do réu da instância.

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Page 1: exame processo 5

FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA Direito Processual Civil I – Época de recurso

17/07/2009 – Turma B

TÓPICOS DE RESOLUÇÃO 1 - O tribunal de Santarém é competente para as acções propostas por Alexandre? Quanto à acção i): Os tribunais portugueses são competentes. Aplica-se o Reg. 44/2001, pois o réu, embora cidadão dos EUA, reside na EU (art. 4.º). A questão é contratual, pois se trata do cumprimento de uma obrigação emergente do contrato de arrendamento. Não se discute o arrendamento propriamente dito pois esse já cessou, pelo que não é de aplicar o artigo 22.º, n.º 1. São competentes os tribunais espanhóis, pois ali reside o réu. São também competentes os tribunais portugueses, por aplicação do artigo 5.º, n.º 1, pois a obrigação de pagamento da renda deveria ter ocorrido em Portugal (domicílio do credor). Quanto à competência interna: A acção deveria ser proposta no domicílio do Réu (art. 74.º CPC). Como o réu tem domicílio no estrangeiro, deve sê-lo no domicílio do Autor (art. 85.º, n.º 3), ou seja, em Santarém. Quanto à acção ii): Os tribunais portugueses são competentes. Aplica-se o Reg. 44/2001, pois, mesmo que se considerasse que o réu não reside na EU, estamos perante uma situação do artigo 22.º, n.º 1. A acção destina-se a fazer valer o direito de propriedade sobre um imóvel sito em Portugal, pelo que são exclusivamente competentes os tribunais portugueses. Trata-se de uma acção real, determinando o artigo 73.º do CPC que é competente o local da situação do bem. No caso, seria competente o tribunal de Loulé (comarca a que pertence Vilamoura). Tendo a acção dado entrada em Santarém existe uma situação de incompetência relativa, de conhecimento oficioso, que determina a remessa do processo para o tribunal competente (artigos 108.º, 110.º, n.º 1, alínea a) e 111.º, n.º 3, do CPC) 2 – Ambos os réus contestam dizendo que Alexandre é casado com Diana, pelo que não pode propor a acção sozinho. Têm razão? Admitindo que tivessem razão, qual seria a consequência? Quanto à acção i) – O litisconsórcio é meramente voluntário. Para a cobrança de um crédito qualquer dos cônjuges pode litigar sozinho, independentemente do regime de bens. Quanto à acção ii) – Supondo que o regime de bens é o supletivo (comunhão de adquiridos), a acção relativa à propriedade de bens imóveis, ainda que próprios, tem de ser proposta por ambos os cônjuges, nos termos do artigo 1682.º-A do Código Civil e do artigo 28.º-A, n.º 1, do CPC. A consequência da preterição de litisconsórcio necessário é a ilegitimidade de Alexandre, a qual, se não for sanada pela intervenção de Diana, levará à absolvição do réu da instância.

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3 – Admitindo que a acção i) pudesse correr em Portugal, poderia Alexandre ter recorrido a um julgado de paz? Sim. O valor da causa é inferior à alçada da primeira instância. Quanto à matéria, trata-se do cumprimento de uma obrigação pecuniária de que é credor uma pessoa singular, pelo que o caso está compreendido no artigo 9.º, n.º 1, alínea a) da lei n.º 78/2001, de 13 de Setembro. Pode ainda considerar-se abrangido pela alínea g) da mesma disposição legal

4 – Brian afirma que não é parte legítima na acção, pois o contrato de arrendamento não foi celebrado consigo mas sim com um seu amigo, de nome Eno. Tem razão? Não tem razão. Caso seja verdade o que afirma, a consequência não será a sua ilegitimidade mas sim a improcedência da acção. Nos termos do artigo 26.º, n.º 3, do CPC, a legitimidade determina-se pela relação material controvertida configurada pelo autor, e Alexandre afirmou que Brian é a sua contraparte no contrato de arrendamento. 5 – César afirma que a acção deve improceder, pois Alexandre não precisava de a ter proposto uma vez que lhe bastaria ter pedido a desocupação, desocupação que César até então ignorava ser desejada (até porque foi pagando 500 euros por mês, valor que, no seu entender, corresponderia à renda de época baixa. Comente. Está em causa o interesse processual enquanto pressuposto da acção. César afirma que Alexandre não tem interesse processual na acção, pois não necessita de tutela judicial para o efeito que pretende. É discutido na doutrina se o interesse processual é um pressuposto (desenvolver). Ainda que se entenda que é um verdadeiro pressuposto, não parece que o caso presente seja uma situação de falta de interesse, pois a circunstância de o autor poder eventualmente ter resolvido a situação “a bem” não lhe deve retirar a possibilidade de fazer valer judicialmente o seu direito de propriedade. 6 – O Tribunal julgou procedente a acção ii) e condenou ainda César a pagar o valor correspondente às rendas dos meses posteriores a Agosto de 2008 até à desocupação, calculadas a 1000 euros. Comente. A decisão judicial violou o princípio do dispositivo, pois o tribunal não pode condenar em objecto que não lhe tenha sido pedido pelas partes (art. 661.º do CPC). Essa decisão é nula, nos termos do artigo 668.º, n.º1, alínea e). 7 - As duas pretensões de Alexandre poderiam ser apreciadas na mesma acção? Supondo que a resposta é negativa, mas foi apenas proposta uma acção, qual a consequência? A resposta é negativa. Entre os pedidos não existe a conexão objectiva exigida no artigo 30.º do CPC. Não é a mesma a causa de pedir e os pedidos são independentes entre si. Embora ambas as acções se prendam com contratos de arrendamento, tendo sido arrendadas casas contíguas e pelo mesmo prazo, o certo é que os factos em discussão não são análogos e as questões jurídicas a apreciar são distintas. Caso existisse conexão objectiva não existiria qualquer obstáculo processual, não sendo obstáculo a diversidade de formas de processo. A acção, nesse caso, deveria correr em Loulé (art. 87.º, n.º 2).