excelentÍssimo senhor doutor juiz federal da 13ª … · no mesmo sentido o magistério de aury...
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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA 13ª VARA
FEDERAL DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CURITIBA/PR
Autos nº 5054932-88.2016.4.04.7000
ANTÔNIO PALOCCI FILHO, já qualificado nos autos em epígrafe de ação
penal, por seus defensores infra assinados, vem à presença de V. Exa., com
fulcro no art. 5º, inc. LV, c/c art. 403, §3º, do código de processo penal, a fim de
apresentar suas
ALEGAÇÕES FINAIS
Expondo e requerendo, para tanto, o quanto segue.
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I – DOS FATOS
O ministério público federal denunciou o acusado
Antônio Palocci Filho pela prática, em tese, dos delitos de corrupção passiva
(art. 317, caput, e §1º, c/c art. 327, §2º, todos do código penal), por uma vez, e
lavagem de ativos (art. 1º da Lei 9.613/98), por dezenove vezes.
Alega o ministério público federal que o acusado
possuiria uma espécie de “conta corrente da propina” junto ao grupo
Odebrecht, e que parte desses valores foram utilizados para o pagamento no
exterior de serviços prestados pelos corréus João Cequeira de Santana Filho e
Mônica Regina Cunha Moura, mediante sofisticado sistema de branqueamento
de capitais.
Ainda na fase inquisitorial houve a decretação da
prisão temporária, posteriormente convertida em prisão preventiva, do
acusado.
A denúncia foi recebida em 03.11.2016.
No decorrer da instrução processual, restou
demonstrado a ausência de prática delitiva por parte do ora acusado.
Não obstante, o parquet requereu a sua
condenação.
II – PRELIMINARMENTE
II.1. Incompetência da justiça federal. Competência da justiça estadual
para julgamento das infrações penais em detrimento de sociedade de
economia mista
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Preceitua o artigo 109 da Constituição Federal que:
Art. 109. Aos juízes federais cabe processar e julgar:
IV – os crimes políticos e as infrações penais praticadas
em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou
de suas entidades autárquicas ou empresas públicas,
excluídas as contravenções e ressalvada a competência da
Justiça Militar e da Justiça Eleitoral.
Dos raros casos de definição constitucional de
competência no nosso ordenamento jurídico, o artigo 109 da Lei Fundamental,
como se vê, estabelece que os delitos perpetrados em detrimento, vale dizer,
em prejuízo, da União, serão julgados pela justiça federal.
Fora dessas hipóteses a competência é, em regra,
da justiça estadual.
Trata-se, pois, de definição de competência por
jurisdição, matéria de inescondível interesse público, vinculada às mais sacras
garantias constitucionais.
A Professora ADA PELLEGRINI GRINOVER, da
Universidade de São Paulo, ensina que:
Nos casos de competência determinada segundo o
interesse público, o sistema jurídico-processual não tolera modificações nos critérios
estabelecidos, muito menos em virtude da vontade das partes. Trata-se aí de
competência absoluta, isto é, que não pode ser modificada. Iniciado o processo perante
o juiz incompetente, este pronunciará a incompetência, a qualquer tempo e
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independentemente da alegação das partes (CPP, art. 109), enviando os autos ao juiz
competente1.
Mesmo porque o artigo 5º, inciso LIII, da Carta
Política determina que:
Art. 5º.
LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão
pela autoridade competente.
Incontornável, pois, a nulidade, em casos de
violação ao juiz natural, inclusive em razão do quanto preceitua o já citado
artigo 564, inciso I, do código de processo penal, cujo enunciado se reprisa:
Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos:
I – por incompetência, suspeição ou suborno do juiz.
Sustenta a increpação, em breve síntese, que
“MARCELO ODEBRECHT, de modo consciente e voluntário, para que
obtivesse benefícios em favor do Grupo ODEBRECHT, em data ainda não
precisada, mas certo que próximo ao período compreendido entre o ano de
2010 e ano de 2011, ofereceu e prometeu a ANTONIO PALOCCI vantagem
indevida para determiná-lo a interferir nas decisões da alta administração da
PETROBRAS e a omitir atos de ofício, tudo com o propósito de favorecer o
Grupo ODEBRECHT na contratação de sondas com a Petrobras”.
Importante frisar, para logo, que o fato de a
vestibular fazer menção à administração da PETROBRÁS não se convola em
1 GRINOVER, Ada Pellegrini. As Nulidades no Processo Penal. 6ª ed. São Paulo:RT, p. 43.
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motivação jurídica idônea apta a atrair a competência da jurisdição federal,
quanto mais a do Estado do Paraná.
Em primeiro lugar, porque inexiste fato concreto que
vincule eventual conduta assestada ao acusado a pretensos desvios de
recursos da PETROBRÁS de forma ilícita.
Em segundo lugar, porque a CONSTRUTORA
ODEBRECHT, responsável pela formatação da suposta planilha apócrifa de
despesas, não mantinha vínculo de exclusividade com a PETROBRÁS, sendo
certo que possuía diversas outras fontes de receitas, inclusive da iniciativa
privada, o que afasta a arguição de que os valores nela listados seriam
provenientes unicamente da PETROBRÁS.
Em terceiro lugar, revela-se incontroverso que a
empresa PETROBRÁS se constitui em sociedade de economia mista, ou seja,
não se trata propriamente de empresa pública, conforme exaustiva orientação
pretoriana a respeito, como, verbi gratia, o seguinte julgado: STF, ACO 1.213
AgR/S, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, DJe 29/10/2014.
Com efeito, a propósito dessa relevantíssima
questão, cuida-se a PETROBRAS de sociedade de economia mista,
conforme explicita o artigo 61 da Lei nº 9478/97. Tanto que possui
personalidade jurídica de direito privado, particularidade que, a toda
evidência, afasta a incidência da jurisdição federal.
Nesse diapasão a lição de VICENTE GRECO
FILHO:
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"Em se tratando de norma de direito estrito, a competência
da Justiça Federal não se estende a crimes praticados contra sociedades de economia
mista, como, por exemplo, o Banco do Brasil, já que o texto constitucional menciona,
apenas, as entidades autárquicas e as empresas públicas. (...) É necessário, pois,
conhecer a natureza jurídica da entidade, a qual deve ser buscada na lei instituidora
vigente, segundo os critérios do Decreto-Lei n.º 200/67"2 (destacou-se)
No mesmo sentido o magistério de AURY LOPES JR.
ao discorrer acerca da competência da Justiça Federal em sociedades de
economia mista:
“A interpretação não pode ser extensiva ou por analogia,
diante do princípio da reserva legal e a garantia do juiz natural. Logo, quando a
Constituição fala em empresa pública, por exemplo, não se pode ampliar para alcançar
as empresas de economia mista”. 3
E, a esse respeito, o C. Superior Tribunal de Justiça,
já sumulou entendimento:
Súmula 42: Compete à Justiça Comum Estadual processar
e julgar as causas cíveis em que é parte sociedade de
economia mista e os crimes praticados em seu detrimento.
O Supremo Tribunal Federal vai além e impõe que
“As sociedades de economia mista só têm foro na justiça federal, quando a
União intervém como assistente ou opoente” (súmula 517). O que, evidente,
não sucede no caso sub studio.
O Superior Tribunal de Justiça, reafirmando os
supracitados verbetes sumulares, decidiu:
2 GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo penal, 8ª ed., p. 150.
3 LOPES JR, Aury.Direito Processual Penal, 12ª edição, 2015, p.270
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“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. SOCIEDADE DE
ECONOMIA MISTA ESTADUAL. SERVIÇOS DE ÁGUA E
ESGOTO. MANDADO DE SEGURANÇA. SÚMULAS 517/STF,
556/STF E 42/STJ. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA
ESTADUAL. 1. A competência para o julgamento de
mandado de segurança é estabelecida em razão da função
ou da categoria funcional da autoridade indicada como
coatora. No caso dos autos, a autoridade tida como
coatora é o Diretor da Companhia de Saneamento Básico
do Estado de São Paulo-SABESP, sociedade de economia
mista. 2. Nas causas em que são partes as sociedades de
economia mista, a competência é da Justiça comum
estadual, excetuando-se hipóteses em que a União
intervenha como assistente ou oponente, consoante as
Súmulas 517/STF, 556/STF e 42/STJ. 3. Precedente: CC
47.312/PB, Rel. Min. Franciulli Netto, decisão monocrática,
DJ de 02.06.05. 4. Conflito conhecido para declarar
competente o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo,
o suscitado"4.
Nem se argumente, consoante já se sustentou
alhures, que o caso em tela poderia revelar eventual interesse da União em
razão de condutas que teriam sido levadas a efeito no âmbito da PETROBRÁS.
Abstraído o significativo fato de que a denúncia não descreve nenhum ato ou
comportamento verificado nas dependências da PETROBRÁS, mostra-se
incontroverso que, ao menos neste caso, todas as condutas inquinadas de
ilícitas pela vestibular acusatória envolveram apenas agentes particulares (e a
SETE BRASIL É EMPRESA PRIVADA), tudo a desaguar na manifesta
ausência de interesse da União, ao menos em relação a esta ação penal
específica.
4 STJ, CC 66.405, 1ª Seção, rel. Castro Meira, DJ 27.08.2007.
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Confira-se, a propósito, relevante posicionamento da
Excelsa Suprema Corte no sentido de não se caracterizar, por si só, o
interesse da União, como se observa no seguinte julgado:
NEGATIVO DE ATRIBUIÇÕES. MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. AÇÃO DE
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA POR ATOS DE
DIRIGENTE DE SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA DA
QUAL A UNIÃO É ACIONISTA MAJORITÁRIA. INTERESSE
DA UNIÃO QUE NÃO SE CARACTERIZA POR SI SÓ.
CONFLITO RESOLVIDO PARA ASSENTAR A ATRIBUIÇÃO
DO MINISTÉRIO ESTADUAL DO ESPÍRITO SANTO PARA
ATUAR NO CASO SUB EXAMINE, RESSALVADO O
DESLOCAMENTO PARA A JUSTIÇA FEDERAL, E,
CONSECTARIAMENTE, PARA O MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL, NO CASO DE EVENTUAL INTERESSE
SUPERVENIENTE DA UNIÃO. SÚMULA Nº 517/STF.
AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A ação de
improbidade administrativa que se volta contra dirigente
de sociedade de economia mista da qual a União é
acionista majoritária não acarreta, por si só, a presunção
de violação de interesse, econômico ou jurídico, da União.
2. In casu, não se vislumbra, a priori, interesse jurídico
direto da União apto a fixar a competência da justiça
federal, e por conseguinte, a atribuição do Parquet Federal.
3. Agravo regimental a que se nega provimento5.
(destacou-se)
O Eminente Min. Luiz Fux, ao proferir seu voto no
julgamento da ACO acima descrita, discorreu que o mero fato de a União
Federal ter participação ou o controle acionário majoritário em sociedade
de economia mista na qual atuava o agente sobre o qual recaem as
5 STF, ACO 2.438, 1ª Turma, rel. Luiz Fux, DJ 09.03.2015.
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alegações de improbidade administrativa não tem o condão de, por si só,
definir a competência da Justiça Federal:
"o mero fato de a União Federal ter participação ou o
controle acionário majoritário em sociedade de economia mista na qual atuava o agente
sobre o qual recaem as alegações de improbidade administrativa não tem o condão de,
por si só, definir a competência da Justiça Federal e, consectariamente, a atribuição do
Ministério Público Federal. Entretanto, pondero que o eventual interesse processual
superveniente da União poderá resultar no deslocamento da atribuição para a Justiça
Federal. Nessa linha é também a Súmula n.º 517 deste Tribunal, segundo a qual "as
sociedades de economia mista só têm foro na Justiça federal quando a União intervém
como assistente ou opoente". In casu, verifico que, a priori, não se vislumbra interesse
jurídico direto da União apto a fixar a competência da justiça federal, e por conseguinte,
a atribuição do parquet Federal".
Em outro precedente da Corte Suprema, a Ministra
Ellen Gracie também afirmou, com precisão, que a presença de sociedade de
economia mista em procedimento investigatório não acarreta, por si só,
na presunção de violação de interesse econômico ou jurídico da União:
CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÕES.
CARACTERIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE DECISÕES DO PODER
JUDICIÁRIO. COMPETÊNCIA DO STF. ART. 102, I, f, CF.
SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. ART. 109, I E IV, CF.
SÚMULA STF n.° 517. 1. Trata-se de conflito negativo de
atribuições entre órgãos de atuação do Ministério Público
Federal e do Ministério Público Estadual a respeito dos
fatos constantes de procedimento investigatório. 2. Com
fundamento no art. 102, I, f, da Constituição da República,
deve ser conhecido o presente conflito de atribuição entre
os membros do Ministério Público Federal e do Estado do
Rio de Janeiro diante da competência do Supremo Tribunal
Federal para julgar conflito entre órgãos de Ministérios
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Públicos diversos. 3. A presença de sociedade de
economia mista em procedimento investigatório não
acarreta, por si só, na presunção de violação de interesse,
econômico ou jurídico, da União. 4. Para adequada
definição de atribuições entre o Ministério Público Federal
e o Ministério Público Estadual impõe-se, em conformidade
com o art. 109, incs. I e IV da Constituição Federal, a
adequada delimitação da natureza cível ou criminal da
matéria envolvida. 5. Conflito de atribuições conhecido,
com declaração de atribuição ao órgão de atuação do
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro6.
(destacou-se)
Também o Eminente Min. Roberto Barroso já se
pronunciou a esse respeito, no julgamento da ACO nº 1.213 AgR/SP:
“Ao menos no atual estágio das apurações, portanto,
incumbe ao Ministério Público estadual prosseguir no
esclarecimento de eventual irregularidade praticada pelo
Banco do Brasil S/A, nos termos das Súmulas 517 r
556/STF:
Súmula 517 – ‘As sociedades de economia mista só tem
foro na Justiça Federal quando a União intervém como
assistente ou opoente’;
Súmula 556 - É competente a Justiça Comum para julgar
as causas em que é parte sociedade de economia mista.
6. Esse entendimento coincide com a manifestação do
próprio Procurador Geral da República, em parecer assim
ementado (fls. 90):
‘Ação cível originária. Conflito de atribuições.
Reconhecimento da atribuição do Ministério Público do
Estado de São Paulo para apurar notícia de irregularidade
em concurso do Banco do Brasil. Agravo regimental.
Contrarrazões. Ilegitimidade do autor para suscitar conflito
6 STF, ACO 987, plenário, rel. Ellen Gracie, DJ 23.08.2011.
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perante o Supremo Tribunal Federal. Competência do
próprio PRG para dirimi-lo. Entidade investigada,
sociedade de economia mista, que não se insere no rol do
art. 109 da Constituição da República. Caso não
enquadrado na exceção da LC 75/93, seguindo a definição
do órgão ministerial com atribuição para apuração a
competência jurisdicional para conhecimento de eventual
demanda. Confirmação da decisão agravada’.
7. Ademais, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal,
examinando hipóteses idênticas à presente (com o
envolvimento de sociedade de economia mista no plano
federal), não enxergou a atribuição imediata do Ministério
Público Federal (...)” (destacou-se)
Nessa conformidade, por vício originário de
distribuição, requer-se a declaração de incompetência da justiça federal e a
nulidade do feito a partir da decisão que decretou as medidas cautelares, com
os consectários de direito, remetendo-se os autos ao foro competente para livre
distribuição.
II.2. Incompetência do juízo por violação ao princípio do juiz natural
Preceitua o artigo 5º, inciso LIII, da
Constituição Federal, que:
LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão
pela autoridade competente.
Em se tratando de violação a garantia constitucional
que legitima o próprio exercício da atividade jurisdicional, o ato que vulnera o
princípio do juiz natural deixa de ser simplesmente nulo, para se tornar
juridicamente inexistente.
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A propósito do tema, doutrina a Professora ADA
PELLEGRINI GRINOVER que:
“A expressão constitucional do art. 5º, LIII (“Ninguém será
processado nem sentenciado senão pela autoridade competente“), deve ser lida,
portanto, como garantia do juiz constitucionalmente competente para processar e
julgar. Não será juiz natural, por isso, o juiz constitucionalmente incompetente, e o
processo por ele instruído e julgado deverá ser tido como inexistente”7.
No mesmo diapasão, o então Magistrado do TRF da
3ª Região, EDGARD SILVEIRA BUENO FILHO, deixou assente que:
“É, portanto, uma garantia do cidadão individualmente
considerado de que não será perseguido, e da sociedade, que não assistirá à
designação de uma autoridade ou órgão judiciário com a finalidade de proteger ou
encobertar um delinquente. Lúcia Valle Figueiredo, com propriedade, anotou em palestra
sobre os Princípios Constitucionais do Processo, proferida em 28 de agosto de 1991, no
Tribunal Regional Federal da 3ª Região: “O primeiro princípio que podemos inferir – e
este é constitucional – é o do juiz natural. O que é o juiz natural? É o juiz competente, o
juiz designado para determinada controvérsia. Então, juiz natural é o juiz competente
para o feito. Isto traz exatamente a segurança judiciária: o juiz natural, o juiz competente
deve ser aquele designado”8.
Em minucioso trabalho sobre o tema, LUIZ FLÁVIO
GOMES ressalta, com acuidade, que “uma das mais salientes garantias do cidadão
no atual Estado Democrático de Direito apoia-se no princípio do juiz natural” (RT
703/418).
Nossa fonte pretoriana tem proclamado que:
7 GRINOVER, Ada Pellegrini. As Nulidades no Processo Penal, p. 41.
8 BUENO FILHO, Edgard Silveira. O Direito de Defesa na Constituição. São Paulo:Saraiva,
1.994, p. 32.
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“O princípio da naturalidade do Juízo – que reflete noção
vinculada às matrizes político-ideológicas que informam a
concepção do Estado Democrático de Direito – constitui
elemento determinante que conforma a própria atividade
legislativa do Estado e que condiciona o desempenho, pelo
Poder Público, das funções de caráter persecutório em
Juízo”9.
“Onde não há jurisdição, não pode haver julgamento e o
ato, quaisquer que sejam seus característicos e finalidade,
é considerado não existente”10
.
Conforme é de notório conhecimento, encontra-se
em curso a denominada “Operação Lava Jato”, que enfeixa extensa série de
procedimentos investigativos e ações penais e que têm por objeto a apuração
de supostas práticas delituosas perpetradas contra PETROBRAS e eventuais
desdobramentos.
Importante, porém, destacar como se originou toda
essa investigação. A bem da verdade, a persecução embrionária remonta ao
Procedimento Criminal Diverso nº 2006.70.00.018662-8 (IPL 714/09), iniciado a
partir de representação da autoridade policial federal de Londrina/PR para
investigar a participação de ALBERTO YOUSSEF em eventual delito de
lavagem de dinheiro, em benefício do então Deputado Federal JOSÉ JANENE.
A referida representação da autoridade policial
ocorreu com fundamento em indícios colhidos nos autos do IPL 616/2004 (Inq.
Pol. Fed. nº 2004.70.00.033532-7 e PCD nº 2006.70.00.012177-4).
9 STF. RT 732/532, rel. Celso de Mello.
10 RT 370/273.
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No entanto, ao receber referida representação
policial, o juízo processante, enquanto Magistrado da 2ª Vara Federal Criminal
de Curitiba/PR (atual 13ª Vara Federal), determinou, de próprio punho, isto é,
de forma manuscrita, sua distribuição por dependência ao processo nº
2004.70.00.002414-0, correspondente ao procedimento de delação premiada
de Alberto Youssef no “Caso Banestado”:
Contudo, esta vinculação se mostrou absolutamente
artificial e ilegal, pois os fatos descritos na representação policial que deram
origem ao PCD nº 2006.70.00.018662-8 (IPL 714/2009) não possuíam
qualquer relação com a delação premiada de Alberto Youssef, no “Caso
Banestado”, verificada no longínquo ano de 2004 (processo nº
2004.70.00.002414-0/PR).
Acresça-se a isso a afirmação expressa da
autoridade policial no sentido de que a representação estava sendo oferecida
com base nos indícios colhidos no IPL nº 616/2004 (Inquérito Policial nº
2004.70.00.033532-7 e PCD nº 2006.70.00.012177-4), que eram os únicos
procedimentos aos quais poderia, conforme as regras de conexão e
continência estabelecidas na lei processual, ter sido determinada a distribuição
por dependência.
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Indispensável assinalar que o despacho lavrado à
mão – que se distancia da exteriorização habitual, sempre impressa – nos leva
à indesviável conclusão de que se buscou apressar a prática do referido ato.
Chama a atenção essa quirografária providência na
medida em que, “coincidentemente”, no dia seguinte à sua prolação
(19/07/2006), entrou em vigor a Resolução nº 42/2006 do Tribunal Regional
Federal da 4ª Região, que determinou a redistribuição de metade (50%) dos
inquéritos policiais em trâmite na 2ª Vara Federal Criminal (atualmente 13ª
Vara Federal) para a 3ª Vara Federal Criminal (atualmente 14ª Vara Federal):
“Art. 10 - No âmbito da Subseção Judiciária de Curitiba,
haverá redistribuição processual no prazo de 30 (trinta)
dias:
a) de 50% (cinqüenta por cento) dos inquéritos policiais, e
procedimentos conexos, em trâmite na 2ª Vara Federal
Criminal para a 3ª Vara Federal Criminal”.
Pois bem.
Ao determinar a ilegal e inexistente dependência do
PCD 2006.7000.018662-8 com o processo nº 2004.70.00.002414-0, garantiu-
se que as investigações se mantivessem sob a condução do mesmo juiz,
contornando-se, certamente, a necessária redistribuição do feito.
A fundada suspeita da prática desse expediente
ficou evidenciada pela escolha do procedimento de delação premiada que já
estava vinculado à ação penal em trâmites no mesmo Juízo. Isso porque o § 2º
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do artigo 10 da supra citada Resolução nº 42/2006 da Presidência do TRF-4
excluiu do sorteio apenas os inquéritos policiais distribuídos por dependência a
processos que já tramitavam perante a 2ª Vara Federal Criminal11:
“§ 2º Não serão redistribuídos as ações penais e os
inquéritos distribuídos por dependência a estas, em
trâmite na 2ª Vara Federal Criminal”.
Desse modo, em momento posterior, o IPL 616/2004
(Inquérito Policial 2004.70.00.033532-7 e PCD 2006.70.00.012177-4) foi
efetivamente redistribuído, na forma como prevista na referida Resolução, à 3ª
Vara Federal Criminal (atual 14ª Vara Federal), juntamente com todos os
demais procedimentos dependentes (2006.70.00.020718-8,
2007.70.00.031525-1, 2007.70.00.031528-7, 2008.70.00.008468-3).
A única exceção foi justamente a investigação
inicial da “Lava Jato”, IPL 714/2009 (PCD 2006.70.00.018662-8), em virtude
da irregular distribuição:12
11
Ressalte-se que, pelo fato de ser o juiz federal titular da vara especializada que seria afetada pela redistribuição de metade dos inquéritos policiais, esta autoridade judiciária tinha pleno conhecimento da tramitação da resolução e dos seus termos, conforme admitiu na decisão que julgou a exceção de incompetência nº 5040093-92.2015.404.7000, in verbis: “foi este próprio julgador quem pleiteou a especialização em Curitiba de mais uma vara criminal em crimes de lavagem de dinheiro e contribuiu diretamente na redação para a resolução aprovada”.
12 O que demonstra, ademais, ser absolutamente inconsistente o argumento utilizado pelo magistrado na decisão que julgou improcedente a exceção de incompetência nº 5040093-92.2015.404.7000: “Caso, de todo modo, fosse, por hipótese, reconhecida conexão dos crimes apurados na ação penal 5032531-37.2012.404.7000 com os crimes da Operação Lavajato, o correto seria a prevenção deste Juízo, pois mesmo o inquérito originário 2004.7000033532-7 iniciou a tramitação neste Juízo e se houvesse a conexão, jamais poderia ter sido redistribuído, diante dos termos da resolução do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que especializou, em 17/07/2006, também a 14ª Vara de Curitiba em crimes de lavagem de dinheiro (depois, é claro, da especialização a 13ª Vara) e que vedava a redistribuição dos processos conexos (Resolução 42/2006 da Presidência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região).”
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(fls. 1.328/1.329 dos autos 2004.70.00.033532-7)
(fl. 1.339 dos autos 2004.70.00.033532-7)
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(fl. 295 dos autos 2006.70.00.012177-4)
A vinculação realizada em face da pessoa do
delator, que impediu a redistribuição do feito, como é sabido, não se
consubstancia em hipótese de prorrogação de competência por conexão13 ou
continência14, pois estas regras não comportam determinação da competência
“em razão do investigado”.
Sobre o tema, explica Guilherme de Souza Nucci:
“Evitando-se a distribuição ou, fazendo-a, mas não
respeitando a determinação do juízo para o qual foi remetido o inquérito e criando-se
mecanismos para a eleição de magistrado diverso, está-se contrariando a lei processual
penal e o espírito do juiz natural, uma vez que, de algum modo, o magistrado pode ser
escolhido por mecanismos subjetivos e não objetivos, como é o da distribuição”15
.
Porém, já apreciando este tema no julgamento de
exceção de incompetência nº 5040093-92.2015.404.7000, esse juízo rejeitou o
pedido sob os seguintes fundamentos: (a) em 18/07/06 a 2ª Vara Federal
Criminal era a única especializada no processo e julgamento de crimes de
lavagem de dinheiro; (b) os novos fatos noticiados envolvendo ALBERTO
13
Art. 76. A competência será determinada pela conexão: I - se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras; II - se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas; III - quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.
14
Art. 77. A competência será determinada pela continência quando: I - duas ou mais pessoas forem acusadas pela mesma infração; II - no caso de infração cometida nas condições previstas nos arts. 51, § 1
o, 53, segunda parte, e 54 do Código Penal.
15
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 227.
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9
YOUSSEF estariam em continuidade delitiva com aqueles já julgados pela 2ª
Vara Federal Criminal; e (c) era necessário apurar eventual descumprimento do
acordo de delação premiada de ALBERTO YOUSSEF homologado pelo Juízo.
Os referidos fundamentos decisórios são todos
inconsistentes e não se sustentam, como se demonstrará infra.
Antes, porém, e ainda dando prosseguimento à
cronologia dos fatos, certo é que, após aquela primeira decisão originária e
quirografária em que esse juízo avocou, para si, a competência para
julgamento dos feitos conexos ou dependentes, deu-se início a uma sequência
de distribuições dirigidas ao juízo, a começar pelos expedientes relacionados
ao “doleiro” CARLOS HABIB CHATER e de pessoas físicas e jurídicas a ele
vinculadas (que não fazem parte integrante destes autos). Também viram-se
envolvidos JOSÉ MOHAMED JANENE e as empresas CJA PROJECT
FINANCE LTDA. e DUNEL INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA, as quais, da
mesma forma, não compõem a presente ação penal. Tudo artificial.
Deu-se que, posteriormente, novos desdobramentos
da ação penal foram instrumentalizados, para fazer incluir investigações e
oferecimento de denúncias contra diversos outros comerciantes de moeda
estrangeira (além de ALBERTO YOUSSEF e CARLOS HABIB CHATER já
citados), nem todos radicados no Estado do Paraná, tais como NELMA
MITSUE PENASSO KODAMA e RAUL HENRIQUE SROUR. Indigitados
operadores, da mesma forma como acima assoalhado, ficaram alijados da
presente ação.
Somente após esses reiterados e sequenciais
fracionamentos processuais – que acabaram por se afastar do objeto da ação
penal primeira e se espraiaram de forma desordenada –, é que surgiu a
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menção à PETROBRÁS e, tempos depois, a empresas da construção civil, em
especial a CONSTRUTORA ODEBRECHT.
Decorridas mais de 35 fases da denominada
Operação Lava-Jato – o que ensejou, evidentemente, o distanciamento das
primeiras persecuções – é certo que, desde então, qualquer assunto de
natureza criminal alusivo à PETROBRÁS e, agora, ao que parece, à
CONSTRUTORA ODEBRECHT, estão a tramitar, sempre e sempre, perante a
13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba (não importa se o locus
delicti for outro Planeta da Galáxia) que se revestiu de uma espécie de vis
atractiva que imanta essas demandas. Faz rememorar o Juízo Universal da
Falência, que avocava todo e qualquer feito para sua cognição...
Foi nessa trajetória – de duvidosa competência, para
se dizer o mínimo – que esse juízo veio a decretar, em 26 de setembro último
passado, a prisão temporária do acusado, pelo prazo de cinco (5) dias, no seio
da agora cognominada “Operação Omertà”.
A 48 horas do pleito eleitoral realizado em todo o
país, esse juízo decretou a prisão preventiva do acusado, cujo mandado de
prisão foi cumprido no mesmo dia, a despeito da proibição contida no artigo
236 do código eleitoral.
Como quer que seja, encerrado o apuratório,
sobreveio denúncia oferecida pelo ministério público federal, apontando o
acusado como incurso nas penas dos artigos 317, caput, e § 1º do código
penal e 1º da Lei nº 9.613/98.
No que toca à imputação de corrupção, assinala a
exordial que:
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V. DA CORRUPÇÃO
MARCELO ODEBRECHT, de modo consciente e voluntário,
para que obtivesse benefícios em favor do Grupo ODEBRECHT, em data ainda não
precisada, mas certo que próximo ao período compreendido entre o ano de 2010 e ano
de 2011, ofereceu e prometeu a ANTONIO PALOCCI vantagem indevida para determiná-lo
a interferir nas decisões da alta administração da PETROBRAS e a omitir atos de ofício,
tudo com o propósito de favorecer o Grupo ODEBRECHT na contratação de sondas com
a Petrobras.
MARCELO ODEBRECHT incorreu, assim, por uma vez, na
prática do delito de corrupção ativa, em sua forma majorada, previsto no art. 333, caput e
parágrafo único, do Código Penal, visto que o funcionário público corrompido não só
aceitou tal promessa de vantagens indevidas, em razão da função, como efetivamente
deixou de praticar atos de ofício com infração de deveres funcionais e praticou atos de
ofício nas mesmas circunstâncias, tendo recebido as vantagens indevidas prometidas
para tanto.
Em ato contínuo, mas também executado em data ainda
não precisada, mas certo que próxima ao período compreendido entre o ano de 2010 e o
ano de 2011, ANTONIO PALOCCI, diretamente e em união de desígnios com BRANISLAV
KONTIC, em razão das suas funções, aceitou tal promessa, passando, em seguida, a
receber para si e para outrem, direta e indiretamente, as vantagens indevidas
oferecidas/prometidas.
ANTONIO PALOCCI e BRANISLAV KONTIC, desta forma,
incorreram, por uma vez, na prática do delito de corrupção passiva qualificada, em sua
forma majorada, previsto no art. 317, caput e §1º, c/c art. 327, §2º, todos do Código
Penal, visto que, em decorrência das vantagens prometidas e pagas, ANTONIO
PALOCCI, o qual, à época dos fatos, ocupava os cargos de Deputado Federal, Ministro
da Casa Civil e membro do Conselho de Administração, efetivamente praticou atos de
ofício com infração de seu dever funcional e omitiu atos de ofício, tudo com o propósito
de favorecer o Grupo ODEBRECHT na contratação de sondas com a Petrobras.
Além disso, MONICA MOURA e JOÃO SANTANA, direta ou
indiretamente, em unidade de desígnios e de modo consciente e voluntário, receberam,
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para si e para outrem, os valores espúrios oferecidos/prometidos por MARCELO
ODEBRECHT e solicitados e aceitos por ANTONIO PALOCCI, agindo como beneficiários
da corrupção. Incorreram, assim, por uma vez, na prática do delito de corrupção passiva,
previsto no artigo 317, caput, e §1º, c/c art. 327, §2º do Código Penal”.
A despeito de não ter feito a acusação referência a
um único ato concreto que pudesse ter sido perpetrado ou omitido pelo
acusado (o que será objeto de análise mais adiante), tem-se que o núcleo da
imputação seria o suposto “favorecimento” da CONSTRUTORA ODEBRECHT
na contratação de sondas com a PETROBRÁS, cujas respectivas sedes não se
localizam em Curitiba.
É bem verdade que, no corpo da narrativa, assevera
a exordial que terceiras pessoas, mais especificamente “MARCELO
ODEBRECHT e ROGÉRIO ARAÚJO ... ofereceram e prometeram vantagens
indevidas a empregados públicos da PETROBRAS, notadamente ao então
Diretor de Serviços, RENATO DUQUE, para determiná-lo a praticar e a omitir
atos de ofício”, tudo para que ele interferisse e concretizasse, “por intermédio
da SETE BRASIL, a contratação pela PETROBRAS do ESTALEIRO ENSEADA
DO PARAGUAÇU, do qual a ODEBRECHT era uma das proprietárias”.
Abstraída a circunstância de que é a própria
acusação que isenta o acusado desta increpação, fato é que todas as
empresas listadas na exordial não têm sede em Curitiba, Estado do Paraná, o
que demonstra, por si só, a absoluta incompetência territorial dessa unidade
federativa para julgamento da causa.
O mesmo se afirme em relação aos navios-sonda
que são objeto desta acusação, eis como vem veiculada a imputação ao
acusado:
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“Neste contexto, portanto, a intervenção ilícita de
ANTONIO PALOCCI era de interesse de MARCELO ODEBRECHT e de seus executivos,
como forma de garantir o sucesso para assegurar o atendimento aos interesses da
Odebrecht, MARCELO ODEBRECHT ofereceu e prometeu a ANTONIO PALOCCI
vantagem indevida para que ANTONIO PALOCCI interferisse perante as altas
autoridades federais (em especial sobre o então Presidente da Petrobras, JOSÉ SERGIO
GABRIELLI e sobre a então Presidente da República DILMA ROUSSEF), para assegurar
que fosse lançado um novo edital de licitação nos moldes em que pretendido pelo Grupo
Odebrecht, de forma que os interesses do Grupo Odebrecht na contratação de sondas
fossem plenamente atendidos.
ANTONIO PALOCCI, ao aceitar a proposta de recebimento,
para si e para o Partido dos Trabalhadores, da vantagem indevida prometida por
MARCELO ODEBRECHT, efetivamente atuou em favor do grupo Odebrecht, fazendo uso
tanto de sua influência quanto das prerrogativas de seus cargos de Deputado Federal,
Ministro da Casa Civil e membro do Conselho de Administração, para que o edital de
licitação destinado à contratação das 21 sondas restantes fosse formulado e publicado
em conformidade com os interesses do Grupo Odebrecht, de forma a garantir que a
ODEBRECHT não apenas obtivesse os contratos com a PETROBRAS, mas que, também,
firmasse tais contratos com a margem de lucro pretendida”.
Não se dessume, da mesma forma, a referência
territorial à Curitiba a ponto de justificar a invocação da competência
jurisdicional.
Mais do que isso, como transcrito acima, quer a
vestibular que ANTONIO PALOCCI FILHO tenha se valido “tanto de sua
influência quanto das prerrogativas de seus cargos de Deputado Federal, Ministro da
Casa Civil e membro do Conselho de Administração”, relevantes funções que
exercia em Brasília/DF, e não em Curitiba.
Ora, se assim é, e prevalecendo no ordenamento
jurídico a diretriz superior do critério da territorialidade (locus delicti) para
fixação da competência, revela-se incontroverso que, dando-se de barato
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fossem verdadeiros os fatos apontados, a cognição da causa estaria afeta à
jurisdição em Brasília.
Como quer que seja, oferecida a exordial, esse
douto Juízo houve por recebê-la e, sendo mesmo tão controvertida a questão
da competência em debate, fez constar, sponte propria, no despacho de
recebimento seu pessoal entendimento acerca de sua própria competência
para conhecimento da ação penal. Como se vê, salta aos olhos o tema, que
prescinde, inclusive, de provocação das partes...
Eis, a propósito, o quanto asseverou nesse decisum:
“Relativamente à adequação formal, reputo razoável a
iniciativa do MPF de promover o oferecimento separado de denúncias a cada grupo de
fatos.
Apesar da existência de um contexto geral de fatos, a
formulação de uma única denúncia, com dezenas de fatos delitivos e acusados,
dificultaria a tramitação e julgamento, violando o direito da sociedade e dos acusados à
razoável duração do processo.
Apesar da separação da persecução, oportuna para evitar
o agigantamento da ação penal com dezenas de crimes e acusados, remanesce o Juízo
como competente para todos, nos termos dos arts. 80 e 82 do CPP.
Ainda sobre questões de validade, esclareça-se, por
oportuno, que a competência, em princípio, é deste Juízo, em decorrência da conexão e
continência com os demais casos da Operação Lavajato e da prevenção, já que a
primeira operação de lavagem consumou-se em Londrina/PR e foi primeiramente
distribuída a este Juízo, tornando-o prevento para as subsequentes.
A conexão, aliás, com a ação penal 5019727-
95.2016.4.04.7000 que tem por objeto outros pagamentos efetuados pelo Grupo
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Odebrecht a João Cerqueira de Santana Filho e Monica Regina Cunha Júnior é bastante
óbvia.
Dispersar os casos e provas em todo o território nacional
prejudicará as investigações e a compreensão do todo.
Neste aspecto, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar
habeas corpus impetrado em relação à ação penal conexa, já reconheceu a
conexão/continência entre os processos da assim denominada Operação Lavajato (HC
302.604/PR – Rel. Min. Newton Trisotto – 5ª Turma do STJ – un. – 25/11/2014).
Como a corrupção e a lavagem, com depósitos no exterior,
de caráter transnacional, ou seja iniciou-se no Brasil e consumou-se no exterior. O Brasil
assumiu o compromisso de prevenir ou reprimir os crimes de corrupção e de lavagem
transnacional, conforme Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção de 2003 e
que foi promulgada no Brasil pelo Decreto 5.687/2006. Havendo previsão em tratado e
sendo os crimes de corrupção e lavagem transnacionais, incide o art. 109, V, da
Constituição Federal, que estabelece o foro federal como competente.
Isso sem olvidar que o acerto de propinas teria se dado
com o acusado Antônio Palocci Filho inclusive no período em que este detinha o
mandato de parlamentar federal, o que também determina a competência da Justiça
Federal.
De todo modo, eventuais questionamentos da competência
deste Juízo poderão ser, querendo, veiculados pelas partes através do veículo próprio
no processo penal, a exceção de incompetência, quando, então, serão, após oitiva do
MPF, decididos segundo o devido processo” (cf. da decisão de recebimento da denúncia).
Como se extrai, nem o próprio juízo descarta a
possibilidade de discussão a respeito da competência territorial no caso presente,
fazendo, inclusive, alusão explícita para manejo do instrumento pertinente, qual
seja, a exceção de incompetência.
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De tudo o quanto aqui exposto, depreende-se que,
com efeito, os fatos atribuídos ao acusado não guardam nenhuma vinculação
material ou formal com os autos originários que ensejaram a fixação da
competência desse juízo (que também se coloca em xeque, por vício de
distribuição, consoante esmiuçado no introito). Não há mesmo conexão ou
continência.
Ademais, os réus originariamente denunciados, bem
como os comerciantes de moeda estrangeira também não figuram no polo
passivo desta persecutio criminis.
Os supostos fatos narrados, na mesma toada, não
se passaram nessa unidade federativa. O mesmo em relação à sede das
empresas listadas na vestibular.
Tudo está a sinalizar, ao largo de qualquer
questionamento, que o singelo fato de haver alusão à PETROBRÁS, ainda
que por fatos materialmente divorciados dos que fixaram a competência,
foi tido como fundamento jurídico para reivindicar a competência
territorial, situação que afronta as regras processuais de regência.
Cuida-se, pois, de aberta violação ao princípio do
juiz natural constitucional! Juízo de exceção?
Frise-se bem: não se está aqui a questionar a
competência da 13ª Vara Federal de Curitiba para apurar outros delitos,
iniciados ou consumados fora do Paraná, inclusive por comerciantes de moeda
estrangeira, que se ligam à Operação Lava-Jato, a despeito de ser, do ponto
de vista processual penal, bastante polêmica a questão.
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O que se tem é que os fatos relacionados ao
acusado não possuem qualquer relação, vínculo ou elo com referida Operação,
motivo pelo qual a Justiça Federal da Subseção de Curitiba não é competente
para deles conhecer, pena de ocorrer violação ao princípio do juiz natural. A
despeito dos expedientes de que se lançou mão para arrastar a inexistente
competência para Curitiba, prevalece o pensamento do mais célebre literato
ibérico: la verdade bién pude enfermarse, pero no morir de todo!
Em suma, não há nenhum ato ou fato que tenha
relação ou se conecte com o município de Curitiba (PR), o que arreda a
competência de qualquer órgão jurisdicional local. A menos que, venia
concessa, a jurisdição curitibana seja universal, ampla geral e irrestrita, urbi et
orbi...
Desse modo, por qualquer ângulo que se examine a
questão, a conclusão será a mesma: qualquer investigação sobre os citados
fatos deve acontecer em Brasília, pois não guardam eles vinculação com os
episódios pretéritos e originários que fixaram a competência.
Deve prevalecer, na espécie, a regra procedimental
que estabelece a competência em razão do local da consumação de eventual
delito, nos termos do artigo 70 do código de processo penal, verbis:
Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo
lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de
tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de
execução.
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A ratio essendi do supramencionado dispositivo
legal, ao fixar o local de consumação do delito como critério de definição de
competência, é, entre outros, ensejar maior facilidade e precisão na coleta do
material probatório disponível, bem como a sua produção em juízo.
Sobre o tema, a lição de VICENTE GRECO FILHO:
"O foro geral ou comum, para o julgamento de todas as
infrações em que não exista alguma situação especial adiante apontada, é o do local em
que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, o do lugar em que foi praticado o
último ato de execução.(...) a escolha do lugar do resultado foi feita pelo legislador por
duas razões principais. Uma de ordem funcional, porque é no local do resultado que, nos
crimes materiais, permanecem os vestígios, facilitando a colheita de provas; e uma
ordem social, porque é no local do resultado que ocorre, predominantemente, o streptus
delicti e o desequilíbrio social decorrente da infração, devendo, ai, dar-se a reação social
consistente na repressão social."16
Nesse passo, oportuno reproduzir a doutrina de
MARIA LÚCIA KARAM, que, na obra “Competência no Processo Penal”, Ed.
RT, 1988, p. 43/44, aborda a questão com clareza ímpar, consignando:
“A presença do juiz natural, ao dar legitimidade ao órgão
jurisdicional que atua no processo, se impõe pela necessidade, inerente ao Estado de
Direito, de fixação de limites ao exercício das funções estatais, visando exatamente
garantir a dignidade e a liberdade da pessoa humana, dignidade e liberdade que
prevalecem sobre o poder de punir, por isso impondo, no processo penal, a visão de que
a segurança jurídica diretamente se vincula ao máximo respeito a direitos do réu, que
não podem se ver sacrificados por eventuais incorreções produzidas pelo próprio
Estado. É por esta razão que não pode o réu ter de nenhuma forma seu direito de
liberdade reduzido, quando já tenha sido submetido a julgamento perante qualquer
órgão jurisdicional, ainda que atue no processo inadequada ou mesmo ilegitimamente.”
(grifou-se)
16
GRECO FILHO, VICENTE. Manual de Processo penal, 8ª ed., p. 150/151.
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Na lição de EUGÊNIO PACELLI:
“Aqui, a maior preocupação da legislação ordinária é, pois,
com a reconstrução da verdade processual, atentando-se sobremaneira à qualidade da
instrução probatória e às regras atinentes e pertinentes à formação do convencimento
judicial”17
.
Conforme ensina GUSTAVO BADARÓ, “enquanto
juiz competente determinado pela lei e pela Constituição exige que as normas de
competência estabeleçam critérios abstratos e objetivos, não se admitindo qualquer
possibilidade de alteração de tais critérios por atos discricionários de quem quer que
seja”.
Já a conexão ocorre quando existir, “entre dois ou
mais fatos de relevância penal, alguma espécie de liame, de ligação seja de natureza
subjetiva, no campo das intenções, motivações e do dolo, seja ainda de natureza
objetiva, em referência às circunstâncias de fato, como o lugar, o tempo e o modo de
execução da conduta delituosa. Sem falar na eventual relação entre os autores dos
fatos”18
(destacou-se).
O comando insculpido no artigo 76, inciso III, da lei
processual penal – “quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas
circunstâncias elementares influir na prova de outra infração” – impõe íntima
relação entre os delitos investigados, tão íntima a ponto de a prova da
ocorrência de um deles condicionar o reconhecimento do outro.
Esta relação íntima entre os delitos investigados
transcende ao que doutrina e jurisprudência qualificam de “ligação
circunstancial”, aquela na qual a prova de uma infração apenas se aproxima,
17
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal, 18ª ed.São Paulo: Atlas, p. 261. 18
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal, 18ª ed. São Paulo: Atlas, p. 265.
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tangencia ou refere à prova de outra infração. A conexão probatória só se
verifica quando a prova influi, seja unilateralmente, seja reciprocamente.
É esta a lição do inolvidável HÉLIO TORNAGHI: “se
a existência de uma das infrações conexas depende da existência de
outras, o julgamento destas pode ser um prejulgamento daquelas”. O notável
processualista pode até não estar se referindo a uma relação de
prejudicialidade, mas certamente tem em mente uma ligação fática visceral
entre duas infrações imputadas. É isto o que se dessume de sua opção pelo
vocábulo “depende”, que ilustra bem a profundidade exegética que se deve
atribuir ao verbo influir, empregado no artigo 76, inciso III, do código de
processo penal.
Para haver conexão, conforme já assentou o
Tribunal Regional Federal da 4ª Região, “não basta que os fatos tenham sido
praticados nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar. É necessária a demonstração
de ligação entre eles, cujas hipóteses estão elencadas no art. 76, inciso I (conexão
intersubjetiva), II (conexão material) e III (conexão probatória ou instrumental). O simples
fato de ter sido encontrado posteriormente uma arma no interior de automóvel que teria
feito o transporte da mercadoria descaminhada ou contrabandeada não induz
conexão”19
.
No mesmo sentido sinaliza a jurisprudência do
Colendo Superior Tribunal de Justiça enunciando que, por força do artigo 105,
inciso I, alínea d, deve “julgar originalmente os conflitos de competência entre (...)
entre juízes vinculados a tribunais diversos”. Os julgados apenas evidenciam a
necessidade de vínculo e relação que as infrações devem ter:
“Processual. Ação penal. Diversidade de infrações.
Competência. Assentada orientação do tribunal, pela
asseveração de que a prática de infrações diversas, sem
19
TRF-4, Rec. nº 2001.71.03.000862-9, 8ª Turma, rel. Élcio Pinheiro de Castro, j. 0.02.2003.
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1
qualquer vínculo, realizadas em condições de lugar e de
tempo distintos, pelos mesmos acusados, não autoriza a
conexão, deverão ser apuradas automaticamente”20
;
“Não ficou devidamente delineado que ambos os crimes
foram cometidos pela mesma organização criminosa,
embora o indiciado tenha participado de ambas as
condutas. Outrossim, não se pode afirmar que os crimes
guardam relação finalística ou teleológica. Desse modo,
não se constata, no caso dos autos, nenhuma das
hipóteses de conexão, porquanto os crimes não foram
praticados em concurso pelos mesmos agentes, não
guardam relação de lugar, tempo ou forma de execução, e
não se verifica reflexos da prova de uns sobre os outros,
não ficando configuradas as hipóteses do art. 76 do
Código de Processo Penal. 3. A análise do caso concreto
não determina o julgamento simultâneo das condutas
delitivas, por se tratarem de fatos independentes e com
características próprias”21
;
“Comprovada a independência dos desígnios criminosos
do indiciado em questão, na perpetração dos crimes
federais “sub examine”, não é possível estabelecer-se o
nexo de causalidade com crimes comuns, determinante a
competência configurada. (...). III. Reconhecida, pelo Juízo
Federal da 3ª Vara-PR, a competência para processar e
julgar os ilícitos penais federais, remanesce a competência
do Juízo de Direito Estadual para os ilícitos comuns. IV.
20
STJ, CC nº 17.654, 3ª Seção, rel. José Dantas, DJU 27.10.1997. 21
STJ, CC nº 125.621, 3ª Seção, rel. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 01.07.2015.
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2
Conflito conhecido e dirimido em favor do Juiz de Direito
suscitado”22
;
“A prática de infrações diversas, sem qualquer vínculo,
realizadas em condições de lugar e de tempo distintos,
pelos mesmos acusados, não autoriza a conexão, deverão
ser apuradas autonomamente. Conflito conhecido”23
.
Nesse contexto, a incompetência da Justiça
Federal de Curitiba-PR mostra-se absoluta, pois as pretensas
irregularidades atribuídas à pessoa do acusado, reitere-se, teriam ocorrido fora
da jurisdição paranaense (supostos pagamentos indevidos, solicitados em
decorrência da influência do cargo que ocupara ANTONIO PALOCCI FILHO).
Não há artifício exegético que possa alterar esse quadro!
Portanto, é inegável que a investigação e eventual
persecução penal dos fatos aqui mencionados pelo órgão jurisdicional
abrangente do pretenso locus delicti (Brasília) consubstanciariam medida
adequada ao interesse público e estritamente conforme o regramento do
estatuto processual penal, também em face da produção de provas e da
indiscutível simplificação para elucidação dos fatos (dada a proximidade
territorial), além da estrita observância aos princípios constitucionais da ampla
defesa e do contraditório.
No direito comparado, diversa não é a percepção de
FAUSTIN-HÉLIE: “a competência do lugar onde foi cometido o delito é a que melhor
se relaciona com a missão da justiça penal”. 24
22
STJ, CC nº 16864, 3ª Seção, rel. Adhemar Maciel, DJe 19.08.1996. 23
STJ, CC nº 650, 3ª Seção, rel. Cid Fláquer Scartezzini, DJU 27.11.1989. 24
FAUSTIN-HÉLIE, Traité de l'instruction criminelle, v.4, p.201.
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3
E também a jurisprudência:
"HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL.
HOMICÍDO QUALIFICADO. COMPETÊNCIA PARA A AÇÃO
PENAL. CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL.
ORDEM DENEGADA. I – O Código de Processo Penal, ao
fixar a competência para apurar e julgar a infração penal,
estabeleceu a competência do foro do local do crime,
adotando, para tanto, a teoria do resultado, que considera
como local do crime aquele em que o delito se consumou.
II - A opção do legislador ordinário pelo local da
consumação do delito se justifica pelo fato de ser esse o
local mais indicado para se obterem os elementos
probatórios necessários para o perfeito esclarecimento do
ilícito e suas circunstâncias. III – Contudo, o próprio
dispositivo legal permite o abrandamento da regra, tendo-
se em conta os fins pretendidos pelo processo penal, em
especial a busca da verdade real. IV – No caso sob exame,
a maior parte dos elementos de prova concentram-se na
Comarca de Guarulhos/SP, local onde residiam a vítima e o
réu, onde se iniciaram as investigações, onde a vítima foi
vista pela última vez, onde reside também grande parte das
testemunhas, de forma que, por questões práticas
relacionadas à coleta do material probatório e sua
produção em juízo, o foro competente para processar e
julgar a ação penal deve ser o da Comarca de
Guarulhos/SP. V – Ordem denegada25
.
O eminente ministro Marco Aurélio, da Excelsa
Corte, também compartilha da tese de que a ratio essendi do art. 70 do CPP
é proporcionar maior facilidade na coleta do material probatório
disponível, bem como a sua produção em juízo:
25
STF, HC 112.348, 2ª Turma, rel. Ricardo Lewandowski, DJ 21.03.2013
Pág
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4
"PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. CRIMES
CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. LEI Nº 7.492/86, ARTS.
4º E 22, PARÁGRAFO ÚNICO. CRIME DE OCULTAÇÃO DE
CAPITAIS. LEI Nº 9.613/98, ART. 1º, VI E VII C/C ARTIGO 1º,
§ 1º, II C/C ARTIGO 1º, § 2º, II C/C ARTIGO 1º, § 4º.
COMPETÊNCIA TERRITORIAL. LUGAR DA INFRAÇÃO.
FINALIDADE: FACILITAR A ATIVIDADE PROBATÓRIA.
CRIME CUJA EXECUÇÃO FOI INICIADA NO TERRITÓRIO
NACIONAL. REGÊNCIA NO ART. 70, §§ 1º E 2º, DO CPP.
CONEXÃO COM O DENOMINADO “CASO BANESTADO”.
PREVENÇÃO DO JUÍZO ESPECIALIZADO DE
CURITIBA/PR. INADMISSIBILIDADE DE REEXAME DE
PROVA NA VIA ESTREITA DO HABEAS CORPUS.
PRECEDENTES. COMPETÊNCIA TERRITORIAL:
NATUREZA RELATIVA. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA
JULGADA. MATÉRIA PRECLUSA. CONFLITO VIRTUAL DE
COMPETÊNCIA ENTRE JUÍZOS VINCULADOS A
TRIBUNAIS DIVERSOS QUE SERIA DIRIMIDA PELO STJ, O
MESMO QUE JÁ DEFINIU A QUESTÃO ASSENTANDO
COMPETIR AO JUÍZO ESPECIALIZADO DE CURITIBA/PR
PROCESSAR E JULGAR A PACIENTE. ORDEM
DENEGADA. 1. A competência territorial no processo penal
é definida, em princípio, pelo local da infração, consoante
o art. 70, caput, do Código de Processo Penal, verbis: “Art.
70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar
em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa,
pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.”
2. A ratio essendi do art. 70 do CPP é proporcionar maior
facilidade na coleta do material probatório disponível, bem
como a sua produção em juízo. Na lição da doutrina: ”Aqui,
a maior preocupação da legislação ordinária é, pois, com a
reconstrução da verdade processual, atentando-se
sobremaneira à qualidade da instrução probatória e às
regras atinentes e pertinentes à formação do
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5
convencimento judicial.” (Eugênio Pacelli de Oliveira,
Curso de Processo Penal, 9. ed., Lumen Juris, Rio de
Janeiro: 2008, p.220) 3. Com efeito, iniciada a execução do
crime no território nacional, a consumação ocorrer no
exterior, a competência é fixada segundo o lugar em que
tiver sido praticado, no País, o último ato de execução. É o
que dispõe o § 1º do art. 70 do CPP, verbis: “Se, iniciada a
execução no território nacional, a infração se consumar
fora dele, a competência será determinada pelo lugar em
que tiver sido praticado, no Brasil, o último ato de
execução”. 4. E, ainda quando praticado ato de execução
remanescente no exterior, a lei processual penal prevê
regra semelhante para determinar a competência,
estabelecendo que esta observará o lugar em que o crime
tenha produzido parcialmente seus efeitos (art. 70, § 2º,
CPP, verbis: “Quando o último ato de execução for
praticado fora do território nacional, será competente o juiz
do lugar em que o crime, embora parcialmente, tenha
produzido ou devia produzir seu resultado”. 5. In casu,
imputa-se à paciente uma gama de delitos que englobam
evasão de divisas, gestão fraudulenta de instituição
financeira e ocultação de capitais no exterior, que se
iniciaram no território nacional, sendo certo que a parte
nuclear dos fatos imputados na denúncia ocorreu,
conforme assentado pelo Juízo de Curitiba ao julgar a
exceção de incompetência, no âmbito da filial em Foz do
Iguaçu/PR do grupo INVEST SUL, controlador da empresa
de fachada (offshore) Couchevel Investiment Inc., cuja
conta no Banestado/NY era de titularidade da paciente. 6.
Consectariamente, não há ilegalidade no acórdão do STJ,
ora impugnado, no sentido de que a competência é da 3ª
Vara Criminal Federal de Curitiba/PR em razão da prática
dos últimos atos de execução no Brasil no âmbito do
território sob a jurisdição daquele Juízo. 7. Outrossim, a
eventual prática de outros atos de execução fora do
território paranaense não aproveitaria à paciente,
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6
porquanto conduziria à fixação da competência por
prevenção, sendo certo que o primeiro juízo que tomou
conhecimento dos fatos foi o da 2ª Vara Federal Criminal
de Foz do Iguaçu/PR, no denominado “caso Banestado”
cujas investigações originaram, mediante
desmembramento, o inquérito que embasou a ação penal
ajuizada contra a paciente. 8. No caso sub judice, o lugar
das infrações não é desconhecido, situação que atrairia a
competência em função do domicílio da paciente, por força
do art. 72 do CPP, como pretendem os impetrantes. 9. A
conexão probatória com o denominado “Caso Banestado”
justifica a competência do Juízo especializado de
Curitiba/PR. Precedentes: HC 93368, rel. min. Luiz Fux, 1ª
Turma, DJ de 25/8/2011; HC 103510/PR, Relatora Ministra
ELLEN GRACIE, SEGUNDA TURMA, DJe 29/10/2009. 10. In
casu, por reputarem existentes elementos concretos que
indicassem a conexão probatória, tanto na denúncia,
quanto na decisão da exceção de incompetência, restou
configurada a competência por atração, visando à
racionalização da apuração dos fatos. Revela-se, portanto,
a existência da conexão probatória com contas
investigadas no “Caso Banestado”. 11. Assentar, quanto
aos fatos, conclusão diversa da assentada em três graus
de jurisdição – pelo Juízo excepcionado, pelo
TRF/4ªRegião e pelo STJ – demandaria revolver o conjunto
fático-probatório a fim de assentar que estes não teriam
ocorrido em território paranaense ou que não haveria
conexão, o que é inviável nesta via estreita. Precedente:
HC 91158/PR, Rel. Ministra CÁRMEN LÚCIA, PRIMEIRA
TURMA, DJe 31/10/2007. 12. A competência territorial é
relativa, prorrogando-se caso não seja ajuizada exceção de
incompetência. Na lição da doutrina, “a competência
relativa, ou territorial, é aquela que, como é intuitivo, pode
ser flexibilizada ou, de modo mais simples, relativizada,
dependendo do exame concreto de determinada relação
processual e do interesse das partes envolvidas.” (Eugênio
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ina3
7
Pacelli de Oliveira, Curso de Processo Penal, 9. ed., Lumen
Juris, Rio de Janeiro: 2008, p. 221 – grifo adicionado) 13.
Por isso que é cediço na Corte que “a decisão de exceção
de incompetência relativa que rejeita a alegada
incompetência do juízo, declarando-o competente ao
afirmar a conexão hábil a manter o feito sob sua jurisdição,
torna a matéria preclusa, mercê de eventual nulidade
quanto ao critério territorial ser relativa. [...]” (HC 93368,
rel. min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJ de 25/8/2011) 14. No caso
concreto, ajuizada a exceção de incompetência, e julgada
esta improcedente, forçoso é concluir-se no sentido de que
a matéria encontra-se preclusa. 15. A conduta do
magistrado de Curitiba – que, ao receber os autos após a
devolução pelo Juízo de São Paulo, criticou a atitude deste
e afirmou que não suscitaria conflito de competência
porquanto o incidente beneficiaria apenas o réu – não
implica em reconhecer como correta a sua posição, mas
poderia conduzir esta Corte a determinar que o Juízo de
Curitiba suscitasse o conflito de competência que, por
envolver Juízes vinculados a tribunais diversos (o de São
Paulo ao TRF/3ª e o de Curitiba ao TRF/4ª), seria dirimido
pelo STJ, o mesmo que já apreciou a questão em recurso
ordinário e assentou a competência da 3ª Vara Criminal
Federal de Curitiba/PR. 16. Parecer do MPF pela denegação
da ordem. 17. Ordem DENEGADA"26
.
Colacionem-se, ainda, julgados do Superior Tribunal
de Justiça relacionados com a facilidade de produção de provas e ao acesso à
justiça, quando aplicada a regra do art. 70 do código de processo penal:
RESP - PROCESSUAL CIVIL - COMPETENCIA -
AUTARQUIA - O PRINCIPIO QUE REGE - FIXAÇÃO DE
COMPETENCIA, DE INTERESSE PÚBLICO, VISANDO A
ALCANÇAR, NÃO SO A SENTENÇA FORMALMENTE
26
STF, HC 106.074, 1ª Turma, rel. Marco Aurélio, DJ 08.11.2013.
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8
LEGAL, COMO TAMBEM A DECISÃO JUSTA. BUSCA,
ASSIM, ENCONTRAR MAIOR FACILIDADE,
NOTADAMENTE PARA A PRODUÇÃO DE PROVAS, OU
FACILITAR O ACESSO DO JUDICIARIO. NO CASO DOS
AUTOS, OS AUTORES SÃO SERVIDORES DA AUTARQUIA,
LOTADOS EM JUIZ DE FORA. POSTULAM DIREITO
RESULTANTE DE ALEGADA RELAÇÃO JURIDICA. NO
FORO DA PRESTAÇÃO FUNCIONAL ENCONTRAM-SE
ELEMENTOS UTEIS AO MELHOR DESFECHO DO
PROCESSO. ALI DEVERA SER TRAVADA A PELEJA
JUDICIÁRIA27
.
RESP- PROCESSUAL CIVIL - COMPETENCIA - AUTARQUIA
- O PRINCIPIO QUE REGE - FIXAÇÃO DE COMPETENCIA E
DE INTERESSE PÚBLICO, VISANDO A ALCANÇAR, NÃO
SO A SENTENÇA FORMALMENTE LEGAL, COMO TAMBEM
A DECISÃO JUSTA. BUSCA, ASSIM, ENCONTRAR MAIOR
FACILIDADE, NOTADAMENTE PARA A PRODUÇÃO DE
PROVAS, OU FACILITAR O ACESSO DO JUDICIARIO. NO
CASO DOS AUTOS, OS AUTORES SÃO SERVIDORES DA
AUTARQUIA, LOTADOS EM JUIZ DE FORA. POSTULAM
DIREITO RESULTANTE DE ALEGADA RELAÇÃO
JURIDICA. NO FORO DA PRESTAÇÃO FUNCIONAL
ENCONTRAM-SE ELEMENTOS UTEIS AO MELHOR
DESFECHO DO PROCESSO. ALI DEVERA SER TRAVADA
A PELEJA JUDICIÁRIA28
.
Oportuno recordar que o Excelso Supremo Tribunal
Federal já teve a oportunidade de delimitar, no julgamento do INQ. 4.130-
QO/PR, da relatoria do Eminente Ministro Dias Toffoli, que apenas “fatos que
27
STJ, REsp 145.959, 6ª Turma, rel. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ 04.05.1998. 28
STJ, REsp 38.316, 6ª Turma, rel. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ 13.12.1993.
Pág
ina3
9
se imbriquem de forma tão profunda” com supostos desvios no âmbito da
Petrobras podem ser investigados no âmbito da chamada “Operação Lava
Jato”, e, consequentemente, pelo juízo da 13ª Vara Federal Criminal de
Curitiba.
Confira-se, pela relevância, o seguinte trecho do
voto condutor proferido pelo Eminente Ministro Dias Toffoli no julgamento da
aludida Questão de Ordem:
“6. A prevenção, essencialmente, não é um critério
primário de determinação da competência, mas sim de sua
concentração, razão por que, inicialmente, devem ser
observadas as regras ordinárias de determinação da
competência, tanto ratione loci (art. 70, CPP) quanto
ratione materiae. 7. Nos casos de infrações conexas,
praticadas em locais diversos, hão de ser observadas as
regras de determinação do foro prevalente previstas no art.
78 do Código de Processo Penal, uma vez que a conexão e
a continência importam em unidade de processo e
julgamento. 8. A prevenção, nos termos do art. 78, II, c, do
Código de Processo Penal, constitui critério residual de
aferição da competência. 9. Não haverá prorrogação da
competência do juiz processante - alargando-a para que
conheça de uma causa para a qual, isoladamente, não
seria competente -, se não estiverem presentes i) uma das
hipóteses de conexão ou de continência (arts. 76 e 77,
CPP) e ii) uma das hipóteses do art. 78, II, do Código de
Processo Penal. 10. Como já decidido pelo Supremo
Tribunal Federal, “a conexão intersubjetiva ou instrumental
decorrente do simples encontro fortuito de prova que nada
tem a ver com o objeto da investigação principal não tem o
condão de impor o unum et idem judex”. Do mesmo modo,
“o simples encontro fortuito de prova de infração que não
possui relação com o objeto da investigação em
andamento não enseja o simultaneus processus” (RHC nº
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ina4
0
120.379/RO, Primeira Turma, Relator o Ministro Luiz Fux,
DJe de 24/10/14). (...) 13. Não há relação de dependência
entre a apuração desses fatos e a investigação de fraudes
e desvios de recursos no âmbito da Petrobras, a afastar a
existência de conexão (art. 76, CPP) e de continência (art.
77, CPP) que pudessem ensejar o simultaneus processus,
ainda que os esquemas fraudulentos possam
eventualmente ter um operador comum e destinação
semelhante (repasse de recursos a partido político ou
candidato a cargo eletivo). 14. O fato de a polícia judiciária
ou o Ministério Público Federal denominarem de “fases da
operação Lava-jato” uma sequência de investigações
sobre crimes diversos - ainda que sua gênese seja a
obtenção de recursos escusos para a obtenção de
vantagens pessoais e financiamento de partidos políticos
ou candidaturas - não se sobrepõe às normas
disciplinadoras da competência. 15. Nenhum órgão
jurisdicional pode-se arvorar de juízo universal de todo e
qualquer crime relacionado a desvio de verbas para fins
político-partidários, à revelia das regras de competência.
16. A mesma razão (inexistência de conexão) que motivou
o não reconhecimento da prevenção de Ministro da
Suprema Corte que supervisiona a investigação de crimes
relacionados à Petrobras estende-se ao juízo de primeiro
grau. (...) 19. Considerando que o ilícito tipificado no art.
12.850/13 e a maior parte dos crimes de lavagem de
dinheiro e de falsidade ideológica se consumaram em São
Paulo, justifica-se a atração de todos eles para a Seção
Judiciária do Estado de São Paulo, ressalvada a posterior
apuração de outras infrações conexas que, por força das
regras do art. 78 do Código de Processo Penal, justifiquem
conclusão diversa quanto ao foro prevalente.”
Esse entendimento foi reafirmado por meio de
decisão proferida nos autos da AP 963/PR:
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1
“8. No caso, não se verifica a existência de conexão ou
continência que determine o acolhimento da manifestação do Ministério Público de
remessa dos autos ao juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba. Pelo contrário, a análise dos
autos, tendo em vista as balizas fixadas por esta Corte no julgamento da questão de
ordem no Inquérito 4130, Rel. Min. Dias Toffoli, leva a conclusão de que os fatos objeto
da presente ação penal, embora tenham relação com os que são objeto do inquérito
4075, em curso perante essa Suprema Corte (já que nele figura como investigado
parlamentar federal), não há indicativo de que guardem estrita relação de conexão com
imputações objeto de outra ação penal que seja da competência da 13ª Vara Federal de
Curitiba e com a qual deva ser reunida para processo e julgamento conjunto. Por
oportuno, destaca-se do voto do Ministro Dias Toffoli proferido no julgamento da
mencionada questão de ordem, que também se discutia a existência ou não de conexão
que justificasse a remessa daqueles autos ao juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba”
(destacou-se).
Nessa toada, seguindo delimitação estabelecida
pelo Excelso Supremo Tribunal Federal, tem-se que o caso em tela não exibe
qualquer relação com a “Operação Lava Jato” nem com ela se conecta. E
então, qual a razão de, mesmo não havendo interesse próprio da União,
avocar-se o feito para a jurisdição federal do Paraná? Apetite jurisdicional
pantagruélico?
Assim, sob qualquer ângulo que se examine a
questão, dúvidas não restam de que a Justiça Federal do Paraná se mostra
incompetente para a cognição e julgamento, ao menos desta persecutio
criminis, por todos os motivos fáticos e jurídicos fundamentos supra
expendidos. Pede-se, por consectário lógico, seja declinada a competência
jurisdicional para a Justiça Estadual de Brasília.
GUSTAVO BADARÓ leciona que
“não poderá haver escolha discricionária, ex post delicto,
capaz de influenciar ou determinar a definição do juiz que, concretamente, irá julgar o
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2
feito. Justamente por isso, não se pode admitir critérios legais de determinação de
competência ou fatores de coligamento que sejam alternativos, deixando a definição
entre um e outro a critério de uma das partes ou mesmo do juiz. Discricionariedade é
incompatível com predeterminação”29
.
Aqui, a disciplina que importa é a da lei, que,
positivada, retrata a vontade geral do povo, expressa através de
representantes legitimamente eleitos para o exercício da função legiferante.
Aliás, bem oportuna, neste passo, a lição do
Ministro MARIO GUIMARÃES:
“Deverá o juiz obedecer à lei, ainda que dela discorde,
ainda que lhe pareça injusta. É um constrangimento que o princípio da divisão dos
poderes impõe ao aplicado.
Seria o império da desordem se cada qual pudesse, a seu
arbítrio, suspender a execução da norma votada pelos representantes da nação.
Lembremo-nos, ainda uma vez, de que todo o poder vem do povo e que o povo cometeu
aos membros da assembleia, e não a juízes, a tarefa de formular as regras jurídicas que
o hão de governar. Admitir possa o magistrado tornar prevalente a sua opinião, contra a
exarada, por modo lúcido, no texto, seria superpor a sua vontade individual, à da maioria
parlamentar, nas democracias, ou a do ditador, nos regimes discricionários” (cf. O Juiz e
a Função Jurisdicional, 1ª ed., Cia. Editora Forense, págs. 330/331).
Evidentemente que, além de insubsistência
normativa, não se mostra razoável avocarem centenas de expedientes –
muitos dos quais sem qualquer liame ou vinculação – a um mesmo e único
juízo para conduzir e julgar todos esses procedimentos penais, como se outro
não existisse. Nesta situação, sim, estar-se-ia a constituir um juízo de exceção,
29
BADARÓ, Gustavo Henrique. Juiz Natural no Processo Penal. São Paulo:RT, 2014, p. 343/344.
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ina4
3
formatado em caráter excepcional, providência que colidiria abertamente com
os preceitos da Constituição Federal.
Ou será que, nestes tempos em que vivemos, tudo
se pode? Em nome de quê?
Aliás, não se pode olvidar que, ao final de toda a
instrução processual do presente feito, restou mais do que evidente a absoluta
ausência de conexão entre as imputações formuladas ao acusado e os fatos
envolvendo a Petrobras.
Talvez por isso, sabedor de que não há nada que
vincule os fatos atribuídos ao acusado aos ilícitos envolvendo a estatal
petrolífera, o ministério público, em tentativa de burlar as regras de
competência, tenha denunciado Antônio Palocci Filho na mesma ação em que
se imputa atos de corrupção passiva a agentes da Petrobrás, na tentativa de
criar uma falsa conexão.
Note-se, contudo, que, abstraído os fatos relativos à
Petrobrás, nada há nos autos que pudesse justificar o trâmite da presente ação
penal junto a este r. juízo.
Em razão do exposto, requer-se o reconhecimento
da incompetência territorial absoluta da Justiça Federal do Paraná, declarando-
se a nulidade de todos os atos processuais praticados até o presente
momento.
II.3. Inépcia da denúncia quanto ao crime de corrupção passiva
Pág
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4
Dispõe o artigo 41 do código de processo penal que,
para ser viável, a denúncia ou queixa deverá conter, entre outros pressupostos,
a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias:
Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato
criminoso, com todas as suas circunstâncias, a
qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais
se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando
necessário, o rol das testemunhas.
Estatui, de outro lado, o artigo 5º, inciso LV, da Lei
Fundamental que:
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo,
e aos acusados em geral são assegurados o contraditório
e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
Como se vê, a narrativa minudente, circunstanciada
e individualizada da conduta que se inculca ao imputado é exigência legal
vinculada aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, em
suma, corolário do due process of law.
Indiscutivelmente, franquia constitucional de primeira
grandeza.
Certo é que a garantia meramente retórica do
contraditório e da ampla defesa ínsita no princípio constitucional não basta para
legitimar a persecutio criminis in judicio. É imperativo e indeclinável que o
acionado conheça com clareza, concreta, objetiva e plena, a acusação que se
lhe assesta e tenha possibilidade efetiva de contrariá-la, seja produzindo
contraprova dos fatos, seja contestando quaisquer outros dos itens propostos
pela acusação.
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ina4
5
Se a persecução se desenvolve sem que se lhe
possibilite a completa e integral ciência dos fatos imputados, da natureza
jurídica da carga assestada contra o seu status libertatis, a pretensão punitiva
se exercita, repita-se, totalmente fora do due process of law.
Nesse sentido, cita-se a doutrina de ADA
PELLEGRINI GRINOVER:
“Num determinado enfoque, é inquestionável que é do
contraditório que brota a própria defesa. Desdobrando-se o contraditório em dois
momentos – a informação e a possibilidade de reação – não há como negar que o
conhecimento ínsito no contraditório é pressuposto para o exercício da defesa”30
.
Com insuperável autoridade, lembrava o saudoso
JOSÉ FREDERICO MARQUES da indeclinabilidade de ser clara, precisa e
definida a imputatio facti:
“Esta consiste em atribuir à pessoa do réu a prática de
determinados atos que a ordem jurídica considera delituosos; por isso, imprescindível é
que nela se fixe, com exatidão, a conduta do acusado descrevendo-a o acusador de
maneira precisa, certa e bem individualizada.
Uma vez que no fato delituoso tem o processo penal seu
objeto ou causa material, imperioso se torna que os atos que o constituem venham
devidamente especificados, com a indicação bem clara do que se atribui ao acusado. A
denúncia tem de trazer, de maneira certa e determinada, a indicação da conduta
delituosa para que em torno dessa imputação possa o juiz fazer a aplicação da lei penal,
através do exercício de seus poderes jurisdicionais”31
.
30
GRINOVER, Ada Pellegrini. O Processo Constitucional em Marcha, p. 10 31
MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal, vol II, p. 153.
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6
Crivando os pressupostos e os requisitos de
viabilidade da inicial acusatória, ensina FERNANDO DA COSTA TOURINHO
FILHO:
“Exigindo a lei a exposição do fato criminoso com todas as
suas circunstâncias, haverá necessidade, sempre que possível, de se fazer referência à
hora, dia, mês, ano e local em que o crime foi cometido.
Além da indicação do tempo e do lugar, deve ser feita
referência ao modo como foi perpetrado e aos instrumentos usados. Tal exposição
circunstanciada torna-se necessária não só para facilitar a tarefa do Magistrado, como
também para que o acusado possa ficar habilitado a defender-se, conhecendo o fato que
se lhe imputa”32
.
E cita BELING:
“Al fine de facilitare il compito del giudice e di permetere
ll'imputato di preparare le proprie difese...”33
.
Definitiva a clássica lição do inigualável JOÃO
MENDES DE ALMEIDA JUNIOR:
“Queixa ou denúncia é uma exposição narrativa e
demonstrativa. Narrativa, porque deve revelar o fato com todas as suas circunstâncias,
isto é, não só a ação transitiva, como a pessoa que a praticou (quis), os meios que
empregou (quibus auxiliis), o malefício que produziu (quid), os motivos que o
determinaram a isso (cur), a maneira porque a praticou (quomodo), o lugar onde o
praticou (ubi), o tempo (quando).
Demonstrativa porque deve descrever o corpo de delito,
dar as razões de convicção ou presunção e nomear as testemunhas e informantes”34
.
32
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, vol. I, p. 379. 33
Obra citada, p. 379.
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7
Na espécie, a untuosa vestibular acusatória (quase
130 laudas) exibe-se desprovida desse requisito, desse pressuposto básico de
viabilidade, qual seja, a descrição exata, pormenorizada e individualizada
daquilo em que teriam consistido as ações concretas do acusado,
caracterizadoras das infrações penais que lhe são creditadas. A insuficiência, a
desnutrição, a anemia, a caquexia, é, em verdade, substancial e não apenas
de forma. É que não há lastro fático legitimador da pretensão punitiva posta em
juízo.
Observados os paradigmas doutrinários supra
invocados, forçoso convir que a exordial padece de inaptidão tocante às
pretensões punitivas deduzidas em relação à pessoa do acusado ANTONIO
PALOCCI FILHO.
Com efeito, imputa-se a ele as seguintes condutas:
“V. DA CORRUPÇÃO
MARCELO ODEBRECHT, de modo consciente e voluntário,
para que obtivesse benefícios em favor do Grupo ODEBRECHT, em data ainda não
precisada, mas certo que próximo ao período compreendido entre o ano de 2010 e ano
de 2011, ofereceu e prometeu a ANTONIO PALOCCI vantagem indevida para determiná-lo
a interferir nas decisões da alta administração da PETROBRAS e a omitir atos de ofício,
tudo com o propósito de favorecer o Grupo ODEBRECHT na contratação de sondas com
a Petrobras.
MARCELO ODEBRECHT incorreu, assim, por uma vez, na
prática do delito de corrupção ativa, em sua forma majorada, previsto no art. 333, caput e
parágrafo único, do Código Penal, visto que o funcionário público corrompido não só
aceitou tal promessa de vantagens indevidas, em razão da função, como efetivamente
deixou de praticar atos de ofício com infração de deveres funcionais e praticou atos de
ofício nas mesmas circunstâncias, tendo recebido as vantagens indevidas prometidas
para tanto.
34
ALMEIDA JUNIOR, João Mendes. O Processo Criminal Brasileiro, vol. II, p. 194/195.
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8
Em ato contínuo, mas também executado em data ainda
não precisada, mas certo que próxima ao período compreendido entre o ano de 2010 e o
ano de 2011, ANTONIO PALOCCI, diretamente e em união de desígnios com BRANISLAV
KONTIC, em razão das suas funções, aceitou tal promessa, passando, em seguida, a
receber para si e para outrem, direta e indiretamente, as vantagens indevidas
oferecidas/prometidas.
ANTONIO PALOCCI e BRANISLAV KONTIC, desta forma,
incorreram, por uma vez, na prática do delito de corrupção passiva qualificada, em sua
forma majorada, previsto no art. 317, caput e §1º, c/c art. 327, §2º, todos do Código
Penal, visto que, em decorrência das vantagens prometidas e pagas, ANTONIO
PALOCCI, o qual, à época dos fatos, ocupava os cargos de Deputado Federal, Ministro
da Casa Civil e membro do Conselho de Administração, efetivamente praticou atos de
ofício com infração de seu dever funcional e omitiu atos de ofício, tudo com o propósito
de favorecer o Grupo ODEBRECHT na contratação de sondas com a Petrobras.
Além disso, MONICA MOURA e JOÃO SANTANA, direta ou
indiretamente, em unidade de desígnios e de modo consciente e voluntário, receberam,
para si e para outrem, os valores espúrios oferecidos/prometidos por MARCELO
ODEBRECHT e solicitados e aceitos por ANTONIO PALOCCI, agindo como beneficiários
da corrupção. Incorreram, assim, por uma vez, na prática do delito de corrupção passiva,
previsto no artigo 317, caput, e §1º, c/c art. 327, §2º, do Código Penal”.
Da acurada leitura da peça acusatória inicial, não se
logra decodificar (porque ali não explicitado) qual teria sido e em que teria
consistido a efetiva interferência do acusado ANTONIO PALOCCI FILHO “nas
decisões da alta administração da PETROBRAS”, ou mesmo quais teriam
sido os “atos de ofício” que teria “omitido” e/ou “praticado “com o propósito
de favorecer o Grupo ODEBRECHT na contratação de sondas com a
Petrobras”. Tudo orbita na penumbra indevassável do hermetismo acusatório,
Esfinge ávida de devorar vidas e biografias a desafiar os mais habilidosos
criptógrafos...
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9
A acusação não refere um único fato concreto que
pudesse ter sido perpetrado (facere) ou omitido (non facere) pelo acusado
PALOCCI, cujo consectário fosse o suposto “favorecimento” da ODEBRECHT
na contratação do fornecimento de bens e serviços relativos às sondas de
prospecção com a PETROBRÁS.
Mesmo porque é literal da própria exordial que:
“Outrossim, no período compreendido entre janeiro de
2011 e dezembro de 2011, MARCELO ODEBRECHT e ROGÉRIO ARAÚJO, na condição de
Presidente e executivo do Grupo Odebrecht, praticaram o delito de corrupção ativa,
previsto no art. 333, caput e parágrafo único, do Código Penal, pois ofereceram e
prometeram vantagens indevidas a empregados públicos da PETROBRAS, notadamente
ao então Diretor de Serviços, RENATO DUQUE, para determiná-lo a praticar e a omitir
atos de ofício, sendo que tal empregado incorreu na prática do delito de corrupção
passiva, previsto no art. 317, caput e §1º, c/c art. 327, §2º, todos do Código Penal, pois
não só aceitou tais promessas de vantagens indevidas, em razão da função, como
efetivamente interferiu para que se concretizasse, por intermédio da SETE BRASIL, a
contratação pela PETROBRAS do ESTALEIRO ENSEADA DO PARAGUAÇU, do qual a
ODEBRECHT era uma das proprietárias”.
Ora, se quem “efetivamente interferiu” para que se
concretizasse a contratação do ESTALEIRO ENSEADA DO PARAGUAÇU pela
PETROBRÁS, tendo recebido, para isso, confessadamente, vantagens
indevidas em razão da função que exercia (de direção) foi outra pessoa, qual
teria sido, então, a conduta deste acusado no episódio? Pode um fato ser e
não ser ao mesmo tempo?
Acresce, ainda, que é elemento objetivo conceitual
do tipo delineado no preceito primário do artigo 317 da Lei Penal que seja a
vantagem patrimonial indevida solicitada “em razão da função”, é dizer, para a
prática ou omissão de ato conectado ao exercício, em qualquer das dimensões
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do tempo, da função. Aliás, é precisamente essa a elementar que distingue o
delito de corrupção passiva daquele capitulado no artigo 332 (tráfico de
influência) da Lei Penal...
A imputatio facti, ao asseverar que PALOCCI teria
“ascendência” ou “influência” sobre agentes políticos, e que “diversas vezes,
colocou seu cargo à disposição dos interesses da ODEBRECHT, utilizando
suas funções públicas (quais especificamente? Quando? De Que modo?
Votando contra a aprovação da MP 460- IPI ZERO?) como forma de assegurar
os lucros pretendidos pelo grupo empresarial nas mais diversas esferas da
Administração Pública Federal”; ou, ainda, que “mesmo quando deixou de
ocupar formalmente cargos na Administração Federal, ANTONIO PALOCCI,
atuando nos ‘bastidores do poder’, permaneceu interferindo nas decisões do
governo federal em favor dos interesses do Grupo Odebrecht, o que ocorreu,
certamente, até meados de 2015”; e ainda que “os pagamentos de vantagens
indevidas também ocorreram de forma constante em tal período, conforme
documentado na contabilidade paralela mantida pelo Grupo Odebrecht” peca,
inequívoca e indisputavelmente, por inépcia (formal e substancial), porque não
identifica na conduta concreta (que aliás, não descreve exatamente qual seja)
os elementos materiais e subjetivos do arquétipo versado no preceito
enunciador do artigo 317 da Lei Penal...
Já no que concerne aos navios-sonda que são
tratados nesta acusação, eis como vem veiculada a imputação ao acusado:
“Neste contexto, portanto, a intervenção ilícita de
ANTONIO PALOCCI era de interesse de MARCELO ODEBRECHT e de seus executivos,
como forma de garantir o sucesso para assegurar o atendimento aos interesses da
Odebrecht, MARCELO ODEBRECHT ofereceu e prometeu a ANTONIO PALOCCI
vantagem indevida para que ANTONIO PALOCCI interferisse perante as altas
autoridades federais (em especial sobre o então Presidente da Petrobras, JOSÉ SERGIO
GABRIELLI e sobre a então Presidente da República DILMA ROUSSEF), para assegurar
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que fosse lançado um novo edital de licitação nos moldes em que pretendido pelo Grupo
Odebrecht, de forma que os interesses do Grupo Odebrecht na contratação de sondas
fossem plenamente atendidos.
ANTONIO PALOCCI, ao aceitar a proposta de recebimento,
para si e para o Partido dos Trabalhadores, da vantagem indevida prometida por
MARCELO ODEBRECHT, efetivamente atuou em favor do grupo Odebrecht, fazendo uso
tanto de sua influência quanto das prerrogativas de seus cargos de Deputado Federal,
Ministro da Casa Civil e membro do Conselho de Administração, para que o edital de
licitação destinado à contratação das 21 sondas restantes fosse formulado e publicado
em conformidade com os interesses do Grupo Odebrecht, de forma a garantir que a
ODEBRECHT não apenas obtivesse os contratos com a PETROBRAS, mas que, também,
firmasse tais contratos com a margem de lucro pretendida”.
Ora, se assim se passa, qual teria sido a vantagem
indevida recebida pelo acusado PALOCCI? Pecuniária? Em seu favor ou de
terceiros? De qual valor? Como transitou o suposto valor?
Fora do imaginário dos acusadores, onde o indício
de que ele é quem teria emitido o comando de transferência de numerário ao
Exterior, especificamente à conta estrangeira SHELLBILL? É preciso que se
tenha a correção funcional de indicar: onde está, no arcabouço informativo,
esse indício demonstrativo? Não há?
Se há, qual é e onde está ele senão na gratuita
elucubração dos suspicazes investigadores/acusadores?
Não o indica a inicial, razão pela qual se reveste de
irremediável inépcia.
Mas ainda há mais.
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No excerto da denúncia que trata especificamente
da SETE BRASIL (“V.3. A corrupção envolvendo os contratos firmados
pela ODEBRECHT com a PETROBRAS por intermédio da SETE
BRASIL”/“V.3.1.Do esquema geral de corrupção implementado por
intermédio da SETE BRASIL”), o acusado é mencionado exclusivamente
como sendo responsável por “dar sustentação” a BARUSCO e JOÃO
FERRAZ na SETE BRASIL.
Pode haver algo mais lacônico, vago e indefinido do
que se afirmar que alguém possa “dar sustentação” ao que quer que seja? O
que vem a ser isto? Dar sustentação, como? De que forma, através da prática
de que fatos concretos?
Neste passo, importa sublinhar: continua-se sem
saber qual teria sido o ato de ofício ou em razão da função (essencial à
caracterização do crime em tese) que teria sido perpetrado pelo acusado.
Máxime em se considerando que a SETE BRASIL é uma empresa privada...
Como da denúncia isso não consta e, por conseguinte, não se consegue atinar
com o núcleo da increpação, resta suplicar: Asi ché me ayude Diós porque no
lo comprendo!
Não é por outra razão que o capítulo da acusação
que trata da SETE BRASIL não refere qualquer atuação concreta do
acusado... Limita-se a circunlóquios.
Nem mesmo naquele intitulado “V.2.2 Da corrupção
ativa e passiva para a contratação do Estaleiro ENSEADA DO
PARAGUAÇU pela PETROBRAS por intermédio da SETE BRASIL.”, QUE
CONSUBSTANCIA O CERNE DA ACUSAÇÃO.
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3
Aliás, sob esta epígrafe, não há sequer UMA
REFERÊNCIA AO NOME DO ACUSADO NAS 11 (ONZE) PÁGINAS EM QUE
SE CONTÊM A IMPUTAÇÃO! Como, então, se pretender – somente por que
se quer – atrelá-lo aos fatos?
II.4. Inépcia da denúncia quanto ao delito de lavagem de capitais
Esta a suma da acusação:
“Para a campanha eleitoral de 2010, ainda no exercício do
cargo de Deputado Federal, ANTONIO PALOCCI assumiu a função de coordenador da
campanha e, nessa condição, manteve intenso contato com os publicitários MONICA
MOURA e JOÃO SANTANA e tomou amplo conhecimento sobre os custos da campanha
e sobre os recursos que eram necessários para o pagamento de tal campanha.
No ano seguinte à campanha eleitoral, quando ainda
estava no exercício de cargo público (Ministro da Casa Civil), ANTONIO PALOCCI
determinou que a ODEBRECHT pagasse a MONICA MOURA e JOÃO SANTANA a quantia
de USD 10.219.691,08, como forma de quitar dívidas pendentes do Partido dos
Trabalhadores.
Para que os USD 10.219.691,08 fossem entregues a
MONICA MOURA e JOÃO SANTANA, ANTONIO PALOCCI determinou à ODEBRECHT que
este valor ilícito fosse repassado ao casal de publicitários, debitando a quantia do
montante global mantido como crédito na “Conta Italiano”.
...
Por fim, cumpre salientar que o recebimento de tais
valores por MONICA MOURA e JOÃO SANTANA se deu no período de 19/07/2011 a
18/07/2012, época esta em que não há a realização de campanhas eleitorais no Brasil. O
recebimento dos recursos provenientes da Odebrecht e repassados por intermédio de
ANTONIO PALOCCI deixavam evidente que os valores não se tratavam de meras
doações eleitorais voluntárias, mas de efetivo pagamento de propina como
contraprestação da atuação do funcionário público ANTONIO PALOCCI.
...
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4
Em análise conjunta dos valores transferidos pela
ODEBRECHT a MONICA MOURA e JOÃO SANTANA e dos valores contabilizados na
Planilha “Programa Especial Italiano” (relativa aos pagamentos ilícitos realizados em
favor de ANTONIO PALOCCI), verifica-se claramente que a anotação “Feira (pgto fora=
US10MM)” registrada na planilha relativamente ao ano de 2011 coincide perfeitamente
com as transferências realizadas no exterior das contas correntes não declaradas
mantidas pela ODEBRECHT (KLIENFELD e INNOVATION) para a conta também não
declarada mantida por MONICA MOURA e JOÃO SANTANA (conta SHELLBILL)”.
Parece não haver dúvidas, assim, de que a
imputação direcionada ao acusado se cifra ao fato de que teria ele “orientado”
– não se sabe precisamente a que pessoa – a realização do pagamento de
US$ 10.219.691,08 para MONICA REGINA MOURA DA CUNHA e JOÃO
CERQUEIRA SANTANA, mediante transferência (wire) de tal valor para a
conta que ambos mantinham no exterior em nome da offshore SHELLBILL
FINANCE S/A. A causa dessa transferência bancária seria a remuneração dos
serviços de marketing que a empresa publicitária de titularidade de ambos
prestara à campanha presidencial de DILMA ROUSSEFF no ano de 2010. É o
que se extrai do aranzel em que se constitui a denúncia.
Tais recursos teriam “saído” de contas mantidas pela
ODEBRECHT no exterior e passado pelas “contas-elo” INNOVATION
RESEARCH ENGINEERING AND DEVELOPMENT LTD e KLIENFELD
SERVICES LTD., antes de aportarem no seu destino final (SHELL BILL).
Consigne-se desde logo que não registra o libelo
inicial os contornos mínimos dessa suposta ação material de “orientação” que
ANTONIO PALOCCI FILHO teria transmitido (como, de que forma, por que
meios?) para terceira pessoa (quem, onde, por que forma?) no sentido de
que fossem realizadas dezenove (19) transferências para a conta bancária da
referida offshore SHELLBILL FINANCE S.A., de que seriam beneficiários
MONICA REGINA CUNHA MOURA e JOÃO SANTANA. Lida, relida e treslida a
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5
denúncia, nenhuma palavra a respeito desse modus agendi se consegue
encontrar...
Quando o teria feito? A partir de que lugar? De que
forma? Através de quem? A quem “orientou”? Onde a prova, ou, ao menos, o
indício?
Simplesmente não há, tudo não passa de
presunção, suspicácia de baixa extração, conjectura, reles “achologia”...
De outro ângulo, partindo-se do pressuposto de que
a “lavagem” aqui tratada teria por delito antecedente o crime de corrupção
também creditado na denúncia ao acusado, é fato que todos – rigorosamente
todos – os pagamentos/transferências citados na vestibular acusatória (cf.
planilha de fls. 101/102) SÃO ANTERIORES à assinatura do contrato de
afretamento e prestação de serviços celebrado entre OOG e a PETROBRÁS,
que se deu em 10/8/2012 (cf. fls. 145 2 volume), e anteriores mesmo à
aprovação pela Diretoria Executiva da PETROBRÁS, da contratação das
SONDAS (que se deu em 9/2/2012), o que significaria que o capital teria sido
“lavado” antes mesmo do delito antecedente ter ingresso na realidade material,
eis que ainda não perpetrado... Não é fantástico?
Quintessência da manipulação incriminatória...
Se não, como se explicar esse estranho fenômeno?
Mas há ainda mais fatos insólitos que precisam aqui
ser postos à calva.
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A comprovação de que tais (comandos de)
pagamentos teriam por origem a mirífica “orientação” de PALOCCI seria uma
planilha impressa apócrifa – e portanto sem qualquer valor jurídico –, intitulada
“Posição Programa Especial Italiano”, em que constaria a anotação “Feira
(pgto fora=US10MM)”, que, segundo a acusação, coincidiria “perfeitamente
com as transferências realizadas no exterior das contas correntes não
declaradas mantidas pela ODEBRECHT (KLIENFIELD e INNOVATION) para
a conta também não declarada mantida por MONICA MOURA e JOÃO
SANTANA (conta SHELLBILL)”.
Cabe repetir aqui com o poeta bardo: Oh, que
formosa aparência tem a falsidade!
Desnecessário remarcar que, segundo as leis da
matemática, US$ 10.000.000,00 (dez milhões de dólares) não são US$
10.219.691,08 (dez milhões, duzentos e dezenove mil, seiscentos e noventa e
hum dólares e oito centavos), posto que grandezas bem diversas e distintas. A
menos que os investigadores da Lava Jato hajam revogado também a certeza
da exatidão da ciência dos cálculos e, a continuarem assim, poderão chegar ao
perigo da derrogação da Lei da Gravidade... Passarão a flutuar, então, como
plumas soltas à brisa, por toda parte, suas originais “convicções”, mesmo
quando em aberto confronto com a realidade!
Coincidência entre os valores constantes do
papelucho denominado “Planilha-Italiano” e os apontados como remetidos para
e recebidos na conta bancária alienígena denominada SHELL BILL? Onde?
E os restantes US$ 219.691,08 que fazem a
diferença entre as duas cifras “coincidentes”? Gorjeta?
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Essa conclusão investigatória não pode,
definitivamente, ser tomada a sério. Não, nem mesmo se se colocasse um
parcial e apaixonado acusador na cátedra majestosa, sobranceira e
equidistante que convém a um verdadeiro e justo julgador.
Adicione-se ainda que no ano de 2011, segundo a
planilha oferecida pela própria acusação, teriam sido pagos a JOÃO SANTANA
e a MONICA MOURA, na conta mantida pela SHELLBILL, exatos US$
4.344.828,68!
Como, então, associar a referência “Feira (pgto
fora=US10MM)”, no ano de 2011, a esse valor?
A acusação, como se vê, não passa de um
sofisma, de uma falácia processual, sem qualquer supedâneo empírico.
Ante o exposto, requer-se a nulidade do feito por
inépcia da exordial acusatória.
II.5. Inadmissibilidade da prova ilícita
Em data de 29 de setembro de 2016, o acusado foi
inquirido em termos de declarações pela digna autoridade que presidiu o
inquérito policial que serve de espeque a esta persecução. Na oportunidade,
prestou todos os esclarecimentos sobre o quanto lhe foi indagado, inclusive
pelo órgão do ministério público federal que se fez presente naquele ato. Como
resultado das amplas e irrefutáveis evidências naquela oportunidade
oferecidas, restaram completamente infirmadas as suspicazes premissas
adotadas pela investigação e pulverizadas as falsas conclusões com que
pretendiam incriminá-lo.
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Chama-se como exemplo acabado desse colapso
indiciário o literal desabamento da acusação consubstanciada no fato de que
teria o acusado “trabalhado” em prol da aprovação de emendas parlamentares
à Medida Provisória nº 460 – MP do IPI-PRÊMIO – no Congresso Nacional.
Esse diploma legislativo destinar-se-ia a favorecer o grupo empresarial
ODEBRECHT e, por isso, teria havido contrapartida em vantagens indevidas.
Tal versão, cerebrina, foi totalmente desmoralizada pela prova documental,
confirmatória do protesto de inocência, extraída de fontes abertas e também
das oficiais do Parlamento brasileiro – site da Câmara dos Deputados –,
demonstrativa de que, como Deputado Federal, votara ANTONIO PALOCCI
FILHO contra a aprovação do indigitado texto legislativo...
Aprovadas pela maioria e contra seu sufrágio
parlamentar, as emendas agregadas à referida MP 460 foram, ao depois e com
seu declarado empenho, vetadas pela Presidência da República.
Isso demonstrado, simplesmente varreu-se para
baixo do tapete investigatório a falaz vertente e nunca mais desse assunto se
falou nos autos...
Há como se reputarem idôneas investigações desse
quilate? Só mesmo querendo e, mesmo assim, é preciso se querer muito...
Após a oitiva do acusado pela autoridade policial,
tomou-se conhecimento de que, como reação a essa falência indiciária da
acusação, o ex-senador DELCÍDIO DO AMARAL GOMEZ (que se fez notório
como “Colaborador de Plantão” e também como “Coringa Para Qualquer
Jogo de Delação”) fora trazido às dependências da Força Tarefa Lava Jato,
exatos doze dias depois da tomada das declarações dos denunciados,
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para que fosse “reinquirido”, exclusiva e especificamente, sobre as suspeitas
demolidas no inquérito, guardando essa heterodoxa providência o caráter de
manobra ressuscitatória dos adminículos mortos. Na chamada Operação Lava
Jato, a acusação quer sempre falar por último e, pior, tem de fato conseguido
dar a palavra final...
Trata-se, concedidas todas as vênias, de inaceitável
expediente, de manobra processualmente espúria e frontalmente atentatória ao
devido processo legal porquanto consubstancia produção unilateral de “prova”
indiciária fora do inquérito, no gabinete dos órgãos persecutórios. Adminículo
escrachadamente ilícito, a tentar “vincular” o depoimento do “Delator Premiado
de Plantão” quando vier a testificar em juízo, eis que arrolado na denúncia pelo
próprio órgão acusador...
Ora, se é certo que será inquirido em juízo, por que
então buscar se garantir a versão que interessa à acusação com um
depoimento colhido à sorrelfa, longe do juiz e da defesa, extra judicium?
Tratar-se-ia uma espécie de hedge (seguro) acusatório? Quem pode explicar
esse ante tempus probatório unilateral? E a espontaneidade, o contraditório e a
verdade real: restariam aqui obstruídos com tal e estranha providência? Ou
obstrução é coisa que só se faz possível em relação a investigados e sua
defesa? Quo usque tandem abutere Sergius Catilina patientia nostra?... O
tempora, o mores! STF haec intellegit, populus videt...
É de ser banida tal “prova” colhida por antecipação,
à socapa, longe da vista e do controle do julgador e da ciência da parte
adversa, máxime porque já houvera sido incoada a ação penal e arrolada essa
mesma pessoa para depor perante o juízo. Tal seara não se mostra legitimada
pelo cadinho da legalidade nem pelo contraditório constitucional, mas se
esgueira pelas trevas soturnas dos desvãos processuais, pelas obscuras
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sombras de um hermético mundo de arbítrio, impenetrável para a defesa
reclamada pela Constituição... Por que não se aguardou para inquiri-lo à luz
clara da contraposição defensiva, sob o contraditório, in judicium, na
oportunidade da audiência que se prenuncia? Por que essa “preliminar”
oculta? Quem tem medo da verdade que resulta do confronto dialético? Seria
esta outra espécie de by pass ao direito de defesa e à espontaneidade da safra
probatória, realizada sob o pálio do contraditório? Por quê? Para quê? Com
que propósito? Qual a legitimidade?
Indubitável que o contraditório é condição primeira
da validade e da licitude de todas as provas. Não são provas – sequer indícios
válidos – as que não forem produzidas na presença da defesa e perante o juiz
da causa já instalada (assim mesmo, instalada!), posto que se cuida de
incontornável exigência da Lex Mater.
Por lapidar, cabe lembrar a lição de FRANCO
CORDERO sobre o tema:
“Il contraddittorio (seriamente inteso come partecipazione
dei contendenti alla formazione delle prove) è condizione di ogni atto di formazione della
prova. Non sono prove quelle formate fuori del contraddittorio” (Ideologie Del Processo
Penale, Milano, 1966, 218/220).
Isso, sem se olvidar a íntima conexão que também
existe entre presença das partes na produção das provas e o princípio da
imediação, entendido exatamente no sentido de que a colheita dos adminículos
há de ser feita com sua participação (do julgador), conforme, aliás,
expressamente determina a ZPO alemã, através do seguinte princípio geral:
Art. 355, caput: a produção das provas ocorre perante o
órgão chamado a decidir a controvérsia.
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A exigência do contraditório na formação e produção
das provas vem desdobrada, na experiência jurisprudencial e na lição
doutrinária de distintos países, em diversos aspectos, assim resumidos por
GIUSEPPE TARZIA:
a) a proibição de utilização de fatos que não tenham sido
previamente introduzidos pelo juiz no processo e submetido a debate pelas partes;
b) a proibição de utilizar provas formadas fora do processo
ou de qualquer modo colhidas na ausência das partes;
c) a obrigação do juiz, que disponha de poderes de ofício
para a admissão de um meio de prova, de permitir às partes, antes de sua produção,
apresentar os meios de prova que pareçam necessários em relação aos primeiros;
d) a obrigação de permitir a participação dos interessados
na produção das provas (La Parità delle Armi Tra le Parti e Poteri del Giudice, Studi
Parmensi, Milão, 1977, vol. XVIII, pág. 358)
Em análise derradeira, tanto será viciada a prova
que for formada sem a presença do juiz, como o será aquela que for coletada
pelo juiz mas sem a intervenção das partes.
A exigência de que a colheita de todas e quaisquer
provas a serem utilizadas em juízo seja levada e só tenha lugar perante o
órgão jurisdicional (art. 355, caput), segundo TROOKER:
“Seguramente representa um dos elementos estruturais
fundantes do vigente ordenamento processual alemão” (Processo Civile e Constituzione,
Milão, 1974, vol. II, pág. 548).
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Imprestável, portanto, a prova – ainda que
meramente indiciária – produzida apenas por uma das partes.
A esse fundamental princípio doutrina e
jurisprudência alemãs cognominam de PARTENOFFENTLICHKEIT,
proclamando-o como uma das garantias fundamentais do processo em geral.
Decorrência inexorável de sua inobservância é a proibição de utilização do
adminículo por tal forma produzido.
Na Itália não é diversa a posição da doutrina
afirmativa de que o suporte essencial do método de produção da prova, próprio
dos ordenamentos processuais civilizados, é o fato de ser realizado sob
contraditório. O mesmo se passa na França, consoante se extrai de Lègeais
(“Les Règles des Preuves en Droit Civil, Paris, 1955, pág. 16).
Entre nós, quando se contempla axiologicamente
essa irregular e infecciosa prática processual, nenhuma dúvida se põe quanto à
frontal infringência ao inciso LV do artigo 5º da Constituição da República
Federativa do Brasil, que tem a seguinte dicção:
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo,
e aos acusados em geral são assegurados o contraditório
e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
Essa espécie de subsídio – o colhido fora do
contraditório – se mostra não apenas materialmente inadmissível por contrariar
princípios e normas constitucionais, mas é também formalmente proscrito pelo
nosso ordenamento fundamental (cf. artigo 5º, inciso LVI, do Código Político).
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Nessa ordem de ideias, é de ser desconsiderada,
objurgada mesmo, essa prova indiciária de natureza oral colhida
unilateralmente pela acusação e fora do juízo, máxime quando já recebida a
inicial que inaugurou a ação penal, em cujo rol se inclui dita testemunha. O que
representaria tal manobra? Qual o nome que se poderia lhe atribuir?
Desnecessário lembrar que afrontadas garantias
processuais de índole constitucional, perde toda legitimidade a persecutio
criminis estatal.
Este o ensinamento de ADA PELLEGRINI
GRINOVER:
“Contraditório, ampla defesa, juiz natural, motivação,
publicidade, etc., constituem, é certo, direitos subjetivos das partes, mas são, antes de
mais nada, características de um processo justo e legal, conduzido em observância ao
devido processo, não só em benefício das partes, mas como garantia do correto
exercício da função jurisdicional. Isso representa um direito de todo o corpo social,
interessa ao próprio processo para além das expectativas das partes e é condição
inafastável para uma resposta jurisdicional imparcial, legal e justa...
A atipicidade constitucional, no quadro das garantias,
importa sempre numa violação a preceitos maiores, relativos à observância dos direitos
fundamentais e a normas de ordem pública”.
E conclui, irrespondivelmente, a Professora da
Universidade de São Paulo:
“SENDO A NORMA CONSTITUCIONAL-PROCESSUAL
NORMA DE GARANTIA, ESTABELECIDA NO INTERESSE PÚBLICO, O ATO
PROCESSUAL INCONSTITUCIONAL, QUANDO NÃO JURIDICAMENTE INEXISTENTE,
SERÁ SEMPRE ABSOLUTAMENTE NULO, DEVENDO A NULIDADE SER DECRETADA DE
OFÍCIO, INDEPENDENTEMENTE DE PROVOCAÇÃO DA PARTE INTERESSADA.
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(...).
RESULTA DAÍ QUE O ATO PROCESSUAL, PRATICADO EM
INFRINGÊNCIA À NORMA OU AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DE GARANTIA, PODERÁ
SER JURIDICAMENTE INEXISTENTE OU ABSOLUTAMENTE NULO: NÃO HÁ ESPAÇO,
NESSE CAMPO, PARA ATOS IRREGULARES SEM SANÇÃO, NEM PARA NULIDADES
RELATIVAS”35
.
Assim, repise-se, a infringência a norma
constitucional com conteúdo de garantia, como são estas que aqui se
contemplam, recebe como sanção a nulidade absoluta.
A doutrina de BETTIOL:
“O processo Penal é consequência da consolidação do
estado de Direito, como ideia de garantia para as liberdades do cidadão e de limitação da
intervenção estatal, no pressuposto de que o Estado deve reconhecer os direitos
invioláveis da pessoa” (cf. “Istituzioni di Diritto e Procedura Penale”, 1986, p. 80).
Como então, tentar-se um verdadeiro by pass ao
contraditório constitucional com o propósito de se produzirem ilegítimos
elementos de convencimento a latere do devido processo legal?
Tal expediente se exibe tanto mais grave quando,
sobrevinda a denúncia, se verifica que o referido DELCÍDIO DO AMARAL
GOMEZ se encontra arrolado na vestibular acusatória como testemunha do
parquet... Então esse, digamos assim, “açodamento” acusatório significa
exatamente o quê? A intenção de fossilização processual de uma versão
construída às costas da defesa técnica e sem o controle do juiz da cognição?
35
GRINOVER, Ada Pellegrini. As Nulidades No Processo Penal. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 20/21.
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Alguém aqui por acaso é néscio ou desavisado para
não identificar de pronto o condenável propósito de se contornar o contraditório
constitucional com o escopo de se garantir o teor de um depoimento que sabe
Deus em que condições foi colhido? Haverá quem possa pretender justificar tal
manobra com o surrado argumento de que “trata-se de ato próprio da fase
investigatória”, “a fase é inquisitorial” e outros fundamentos risíveis e primários?
Basta de extravagâncias, definitivamente!
O episódio que aqui se registra coloca à calva que
outra não pode ter sido sua (da manobra) intenção, todas as vênias permitidas,
senão “amarrar” o testemunho do ex-senador (sempre e para tudo disponível),
com o deliberado propósito de se lograr industriar míseros rudimentos que
sustentem factualmente o recebimento da denúncia e a plausibilidade de uma
imputação que não se sustenta. E, também, para se evitar o “risco” de um
depoimento judicial espontâneo fora de sintonia com a versão acusatória,
ameaçada pelo inarredável contraditório judicial.
Ninguém é neófito ou inexperto para deixar de
detectar o expediente, notoriamente aberrante do due process of law.
Como deveria caber a esse Juízo o controle de
legalidade da atividade persecutória, indispensável trazer à luz aquilo que aqui
se denuncia, para que providências sejam adotadas no sentido de se observar
a legalidade e o due process of law, com a proclamação da nulidade de
mencionado depoimento para ser utilizado como elemento de formação de
convicção nesta ação penal, bem como se proibindo sua inclusão (se já
encartado, seu desentranhamento) nestes autos, eis que prova ilícita.
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E nem se diga que a questão encontra-se superada
em razão do depoimennto prestado sob o crivo do contraditório.
A oitiva paralela de aludida testemunha permanece
ilícita independentemente de seu depoimento judicial, na medida em que não
se pode admitir a produção de atos probatórios paralelos à ação penal.
Ante o exposto, requer-se a nulidade de aludido
depoimento.
III - DA INEXISTÊNCIA DO CRIME DE CORRUPÇÃO. AUSÊNCIA DAS
ELEMENTARES TÍPICAS DO DELITO
O ministério público federal requereu, em sede de
alegações finais, a condenação do acusado pela prática do crime de corrupção
passiva. Contudo, para que este juízo se submetesse ao pleito do órgão
acusador, a acusação deveria ter comprovado, de forma insofismável, as
elementares típicas do delito, exaurindo a parcela objetiva e subjetiva do tipo
penal que lhe é imputado.
Se “A prova da alegação incumbirá a quem a fizer”
exigir-se-ia do órgão acusador que, efetivamente, para pleitear a
condenação, tivesse demonstrado que o acusado concorreu
conscientemente para a prática da infração penal objeto da presente
ação penal. Aliás, o ônus da prova sobre a imputação constitui uma
obrigação para o autor da denúncia e nunca para os acusados por ele
denunciados.
O professor Frederico Marques, ao comentar a
respeito do ônus da prova, assevera:
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“Este, aliás, é o sistema adotado em nosso Código
de Processo Penal, como se vê da análise do artigo 156, em combinação com o
que consta do art. 386.
Segundo estatui o texto legal por último citado, o réu
será absolvido quando não houver prova da existência do fato (art. 386,nºII), ou
quando não existir prova de ter concorrido para a infração penal (art. 386, nº IV).
Deduz-se de ambos os preceitos que à parte acusadora incumbe fornecer os
necessários meios de prova para a demonstração da existência do corpo delicti
e da autoria. Daí se segue que todos os elementos constitutivos do tipo devem
ter sua existência provada, ficando o ônus probandi, no caso, para a acusação.
Cabe a esta demonstrar, não só a chamada materialidade do crime (o que é
função do auto de corpo de delito), como ainda os elementos subjetivos e
normativos do tipo.”36
Importante acrescentar que o acusador oficial
sequer delineou, no momento em que ofereceu a denúncia, qual a efetiva
participação do acusado na prática delituosa.
Aliás, a postura adotada pelo órgão acusador
contraria por completo determinadas premissas consignadas pelo Supremo
Tribunal Federal a respeito do ônus da prova. A respeito deste tema, o Ministro
Celso de Mello, em trecho do voto por ele proferido no julgamento do HC nº
73.338-7, consignou:
“Com a superveniência da nova Constituição do
Brasil, proclamou-se, explicitamente (art. 5.o, LVII), um princípio que sempre
existira, de modo imanente, em nosso ordenamento positivo: o princípio das
pessoas sujeitas a procedimentos persecutórios (Dalmo de Abreu Dalari, O
renascer do direito, p. 94-103, 1976, Bushatsky; Weber Martins Batista,
36
MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. 2a ed. Campinas:
Millennium, 2.000, p. 345.
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8
Liberdade provisória, p. 34, 1981, Forense). Esse postulado – cujo domínio de
incidência mais expressivo é o da disciplina da prova – impede que se atribuam
à denúncia criminal conseqüências jurídicas apenas compatíveis com decretos
judiciais de condenação definitiva. Esse princípio básico da liberdade individual
repudia presunções contrárias ao imputado, que não deverá sofrer punições
antecipadas e nem ser reduzido, em sua pessoal dimensão jurídica, ao status
poenalis do condenado. De outro lado, faz recair sobre o órgão da acusação,
agora de modo muito mais intenso, o ônus substancial da prova, fixando direito
a ser indeclinavelmente observado pelo magistrado e pelo legislador. É preciso
relembrar, Sr. Presidente, que não compete ao réu demonstrar a sua inocência.
Antes, cabe ao Ministério Público demonstrar, de forma inequívoca, a
culpabilidade do acusado. Hoje já não mais prevalece, em nosso sistema de
direito positivo, a regra hedionda que, em dado momento histórico de nosso
processo político, criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os
regimes autoritários, a obrigação de que ele, acusado, prove a sua própria
inocência!! (...) Refiro-me ao art. 2.o, inc. 5, do Decreto-lei 88, de 2.12.37 – editado
sob a égide do nefando Estado Novo de Vargas –, que veiculava, no que se
refere aos delitos submetidos a julgamento pelo tristemente célebre Tribunal de
Segurança Nacional, e em posto que guarda inteira pertinência com essas
observações, uma fórmula jurídica de despotismo explícito: ´Presume-se
provada a acusação, cabendo ao réu prova em contrário...´. O fato,
indiscutivelmente relevante no domínio processual penal, Sr. Presidente, é que,
no âmbito de uma formação social organizada sob a égide do regime
democrático, não se justifica, sem base probatória idônea, a formulação possível
de qualquer juízo condenatório, que deve sempre assentar-se – para que se
qualifique como ato revestido de validade ético-jurídica – em elementos de
certeza, os quais, ao dissiparem ambigüidades, ao esclarecerem situações
equívocas e ao desfazerem dados eivados de obscuridade, revelam-se capazes
de informar, com objetividade, o órgão judiciário competente, afastando, desse
modo, dúvidas razoáveis, sérias e fundadas que poderiam conduzir qualquer
magistrado ou Tribunal a pronunciar o non liquet. Meras conjecturas – que
sequer podem conferir suporte material a qualquer acusação penal –, não se
revestem, em sede processual penal, em cujo âmbito se controverte sobre a
própria liberdade individual, de idoneidade jurídica. Não se pode – tendo-se
presente o postulado constitucional da não-culpabilidade dos réus – atribuir
relevo e eficácia a juízos meramente conjecturais, para, com fundamento neles,
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apoiar um inadmissível decreto condenatório. Disso decorre, portanto, Sr.
Presidente, e na linha do magistério jurisprudencial, que, ´por exclusão, suspeita
ou presunção, ninguém pode ser condenado em nosso sistema jurídico-penal´
(RT 165/596 – Rel. Des. Vicente de Azevedo – TJSP). Cumpre ter presente, neste
ponto, em face de sua permanente atualidade, a advertência feita por Rui
Barbosa (Novos discursos e conferências, p. 75, 1933, Saraiva) no sentido de
que, ´quanto mais abominável é o crime, tanto mais imperiosa, para os guardas
da ordem social, a obrigação de não aventurar inferências, de não revelar
prevenções, de não se extraviar em conjecturas...´. Não podemos desconhecer
que o processo penal, representando uma estrutura formal de cooperação, rege-
se pelo princípio da contraposição dialética, que, além de não admitir
condenações judiciais baseadas em prova nenhuma, também não legitima e nem
tolera decretos condenatórios apoiados em elementos de informação
unilateralmente produzidos pelos órgãos da repressão penal. A condenação do
réu pela prática de qualquer delito – até mesmo pela prática de uma simples
contravenção penal – somente se justificará quando existente, no processo, e
sempre colhidos sob a égide do postulado constitucional do contraditório,
elementos de convicção que, projetando-se beyond all reasonable doubt (além,
portanto, de qualquer dúvida razoável), veiculem dados consistentes que
possam legitimar a prolação de um decreto condenatório pelo Poder Judiciário”.
Assentadas tais premissas verifica-se, de forma
incontestável, que o parquet federal deveria ter comprovado, de acordo
com a doutrina e a jurisprudência, a tipicidade objetiva e subjetiva da
conduta imputada ao acusado.
Assim, seguindo uma ordem lógica, a defesa
demonstrará que os pressupostos fáticos levantados pela acusação não
demonstram nem a existência da vantagem indevida, nem a existência
do ato de ofício traficado.
III.1. Da delimitação temporal relativa ao crime de corrupção
passiva imputado ao acusado
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Em suas alegações finais, o ministério público
utiliza-se de toda sorte de argumentos para perseguir, a todo custo, a
condenação de Antônio Palocci Filho.
Embora todos os argumentos sejam frágeis e
inconsistentes, muitos deles são contraditórios entre si, ao passo que
outros sequer guardam coerência com os fatos narrados na denúncia.
Por tal motivo, é importante rememorar o
momento em que, segundo a acusação, houve a consumação do crime
de corrupção passiva.
Em sede de alegações finais, o parquet
sustenta a condenação do ora acusado por entender provada sua
atuação ilícita a partir do ano de 2.002.
Nesse ponto específico, o órgão acusador
embasa-se no depoimento judicial de Pedro Novis, presidente do grupo
Odebrecht entre os anos de 2.002 – quando a imaginada “relação
espúria” teve início – até que o corréu Marcelo Odebrecht assumisse a
presidência da holding, no ano de 2008.
Confira-se trecho das alegações finais
parquetianas:
“Em seu depoimento, esclareceu PEDRO NOVIS ter
realizado pelo menos oito reuniões privadas desta espécie por ano com ANTONIO
PALOCCI, para solicitar a intervenção de ANTONIO PALOCCI perante o governo federal
em assuntos de interesse do grupo ODEBRECHT. A título exemplificativo, narrou o
colaborador que, com base nessa relação estabelecida desde 2002 (quando pactuados
os primeiros pagamentos não contabilizados ao Partido dos Trabalhadores), foram
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solicitadas, nos anos subsequentes, intervenções de PALOCCI para i)acelerar a
liberação de financiamentos; ii) defender na esfera federal e, principalmente, na
PETROBRAS, assuntos de interesse da BRASKEM; iii) viabilizar a elaboração dalei de
Parceria Público Privada nos moldes em que pretendida pela ODEBRECHT, dentre
outros assuntos.
Nesse sentido, relevante transcrever o seguinte trecho do
depoimento prestado em juízo:
(...).
Ministério Público Federal:Senhor Pedro, só para
contextualizar, considerando que o senhor foi presidente da empresa por um longo
período, eu gostaria de saber primeiramente, quando é que se iniciou essa relação que o
senhor narrou com o senhor Antonio Palocci e como ela se iniciou?
Pedro Novis:Eu não posso precisar à senhora, exatamente
a data...
Ministério Público Federal: O ano.
Pedro Novis: Mas foi no primeiro semestre de 2002,
quando se organizava a campanha para as eleições que ocorreriam em outubro. Talvez
aí em abril, maio, por volta disso.
(...).
Ministério Público Federal: Além dessas reuniões, nesse
período eleitoral, o senhor fez reuniões em outros períodos?
Pedro Novis:Não. Sim. As reuniões se deram no período
eleitoral, ao longo do governo do Presidente Lula e mesmo depois que o Ministro deixou
o governo, até 2008, segundo semestre de 2008, que foi quando eu iniciei o processo de
afastamento da presidência que o Marcelo veio a assumir.
(...).
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Ministério Público Federal: O senhor teria uma ideia,
aproximadamente, de quantas reuniões o senhor fez com o senhor Antonio Palocci?
Pedro Novis: Entre 2002 e meados de 2008, talvez uma
média de 6 ou 8 reuniões por ano.
A partir da narrativa acima relatada, tornou-se evidente que
os repasses de valores ao Partido dos Trabalhadores não se tratavam de um mero
alinhamento ideológico, mas do efetivo pagamento pelas contrapartidas que eram
concretizadas por intermédio da atuação de ANTONIO PALOCCI e das demais
autoridades federais a ele relacionadas” (fls. 13/15 do evento 978. Destaques nossos).
Contraditoriamente, o que foi imputado ao
acusado foi a corrupção a partir do ano de 2010.
Lê-se na denúncia:
“V. DA CORRUPÇÃO
MARCELO ODEBRECHT, de modo consciente e voluntário,
para que obtivesse benefícios em favor do Grupo ODEBRECHT, em data ainda não
precisada, mas certo que próximo ao período compreendido entre o ano de 2010 e ano
de 2011, ofereceu e prometeu a ANTONIO PALOCCI vantagem indevida para determiná-lo
a interferir nas decisões da alta administração da PETROBRAS e a omitir atos de ofício,
tudo com o propósito de favorecer o Grupo ODEBRECHT na contratação de sondas com
a Petrobras.
MARCELO ODEBRECHT incorreu, assim, por uma vez, na
prática do delito de corrupção ativa, em sua forma majorada, previsto no art. 333, caput e
parágrafo único, do Código Penal, visto que o funcionário público corrompido não só
aceitou tal promessa de vantagens indevidas, em razão da função, como efetivamente
deixou de praticar atos de ofício com infração de deveres funcionais e praticou atos de
ofício nas mesmas circunstâncias, tendo recebido as vantagens indevidas prometidas
para tanto.
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Em ato contínuo, mas também executado em data ainda
não precisada, mas certo que próxima ao período compreendido entre o ano de 2010 e o
ano de 2011, ANTONIO PALOCCI, diretamente e em união de desígnios com BRANISLAV
KONTIC, em razão das suas funções, aceitou tal promessa, passando, em seguida, a
receber para si e para outrem, direta e indiretamente, as vantagens indevidas
oferecidas/prometidas. ANTONIO PALOCCI e BRANISLAV KONTIC, desta forma,
incorreram, por uma vez, na prática do delito de corrupção passiva qualificada, em sua
forma majorada, previsto no art. 317, caput e §1º, c/c art. 327, §2º, todos do Código
Penal, visto que, em decorrência das vantagens prometidas e pagas, ANTONIO
PALOCCI, o qual, à época dos fatos, ocupava os cargos de Deputado Federal, Ministro
da Casa Civil e membro do Conselho de Administração, efetivamente praticou atos de
ofício com infração de seu dever funcional e omitiu atos de ofício, tudo com o propósito
de favorecer o Grupo ODEBRECHT na contratação de sondas com a Petrobras”.
Destarte, quaisquer considerações a respeito
do período anterior ao ano de 2010 – que é quando o pagamento da
propalada vantagem indevida é oferecido/aceito – não possui qualquer
relevância jurídica para caracterizar o crime de corrupção passiva.
É que, de acordo com o ordenamento jurídico
brasileiro, não existe o crime de corrupção passiva antes do
oferecimento/aceite da vantagem indevida, máxime no presente
caso, em que o agir do acusado deu-se dois anos antes do
oferecimento da vantagem.
III.2. Inexistência de vantagem indevida
Imputa-se ao acusado a prática do crime de
corrupção passiva previsto no art. 317 do código penal, que assim
dispõe:
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Art. 317. Solicitar ou receber, para si ou para outrem,
direta e indiretamente, ainda que fora da função ou
antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem
indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa
Segundo o parquet, o acusado teria praticado o
crime por ter recebido parte dos valores constantes da famigerada planilha
denominada “Posição Programa Especial Italiano”.
Inicialmente, cumpre notar, ao menos de acordo
com a prova dos autos, que os valores constantes de aludida planilha não
constituem vantagem indevida.
Com efeito, o autor intelectual da planilha, e
responsável pela disponibilização dos recursos – o corréu Marcelo Bahia
Odebrecht -, esclareceu, sob o compromisso de dizer a verdade e como réu
colaborador, que aludidos valores foram disponibilizados para a campanha
presidencial de 2010 da então candidata do Partido dos Trabalhadores,
Dilma Rousseff.
Confira-se:
Juiz Federal:- Quando que o senhor começou o
relacionamento com o senhor Antônio Palocci, no que diz respeito a esses pagamentos
não contabilizados, aproximadamente?
Marcelo Odebrecht:- Não, eu tenho a data, eu sei
exatamente o que gerou isso, que foi as eleições municipais de 2018...
Juiz Federal:- Dois mil e...
Marcelo Odebrecht:- Desculpe, 2008, as eleições
municipais de 2008. O Palocci me procurou, queria que a gente fizesse um apoio a
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algumas campanhas de 2008, municipais, eu disse a ele claramente que a minha
atribuição era cuidar da campanha presidencial. Eu não me envolvia em campanha
municipal, até porque eu tinha empresários que cuidavam disso. Eu não podia interferir
em como os meus empresários faziam essa ou aquela contribuição e pra que campanha.
Mas ele tinha uma demanda de algumas que ele queria resolver e aí o que eu combinei
com ele nessa época foi o seguinte: “Olha, Palocci, então vamos fazer o seguinte, eu
vou fechar com você um valor para a campanha eleitoral de 2010, presidencial, e o
que eu acertar, e se você quiser gastar antes, aí você gasta como você quiser, mas se
você quiser gastar antes, eu vou descontar dessa campanha. Então não espere que
chegue lá e eu vou doar mais.” E aí foi que nasceu, quer dizer, e na campanha municipal
de 2018, acho que foi o primeiro item que tem na planilha... Ou, 2008...”
Portanto, de acordo com o réu colaborador, autor
intelectual da planilha “Posição Programa Especial Italiano” e responsável pela
disponibilização dos valores, o montante referia-se a futura doação eleitoral
à campanha presidencial, restando evidente o propósito lícito do dinheiro,
afastando-se, em consequência, a elementar típica “vantagem indevida”.
Aliás, a discussão a respeito da planilha girou quase
que integralmente a respeito do caráter oficial/não oficial das doações
eleitorais.
O caráter de doação eleitoral foi ressaltado diversas
vezes por Marcelo Odebrecht em seu interrogatório:
“Juiz Federal:- Mas esse valor inicial que o senhor
mencionou tinha sido combinado então para a eleição de 2010?
Marcelo Odebrecht:- Não, aí foi o que eu falei. Na verdade,
eu tinha dito o seguinte: “Essa minha relação com você é para a campanha de 2010, se
você gastar antes é problema seu.” Tanto é assim que o quê aconteceu? Quando
chegou na eleição de 2010, em si, a gente praticamente não doou. Até teve uma questão,
que está nas minhas notas lá, que eu explico, que é o seguinte: eu até cheguei pra ele,
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cheguei até para o meu pai e falei assim: “Pai, avisa a Lula que ele não vai ver nenhuma
doação da Odebrecht em 2010, mas é porque, pra ele ter certeza que ele está sabendo,
que a gente já praticamente doou tudo, antes.” Então, na verdade era isso, quer dizer, na
minha cabeça, era o meu compromisso com a eleição à presidência. Se eles gastavam
antes, o problema era deles.
Juiz Federal:- Entendi. Aí em 2010: “Solicitado em abril e
maio de 2010, via JD.” A mesma coisa?
Marcelo Odebrecht:- A mesma coisa. Foi solicitado, via
Juscelino Dourado, não deu nenhuma informação. Está aí.
Juiz Federal:- Aí depois lá: “Evento julho, agosto,
setembro, 2010.” O que significa essa palavra “Evento” quando se coloca na planilha?
Marcelo Bahia Odebrecht:- Evento normalmente é eleição.
Juiz Federal:- Eleição.
Marcelo Odebrecht:- Na verdade quando não está... Ou
seja, é que a pessoa ele deve ter dado alguma dica maior. Então ele deve ter dito: “Olha,
é para eleição”.
Juiz Federal:- Aí tem lá: “16 mais 4 bônus, no total de 20.”
O que é bônus?
Marcelo Odebrecht:- É bônus eleitoral. Provavelmente aí
foi 16 por fora e 4 via bônus.
Juiz Federal:- Bônus que o senhor diz é uma doação
eleitoral registrada?
Marcelo Odebrecht:- Registrada. E aí pode ter sido pra
qualquer candidato do PT, porque meu compromisso era com ele, mas, por exemplo,
chega na campanha, à presidência ou quem está ao redor da presidência, se
compromete a apoiar vários candidatos. Então problema dele. Agora, pode ter sido pra
qualquer candidato, não sei na época informar...
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(...).
Juiz Federal:- Entendi. Depois tem lá: “Evento, setembro
de 2010, extra, assuntos BJ, 900, via bônus PT, via JD.” O senhor pode me explicar?
Marcelo Odebrecht:- Eu acho que aqui foram pedidos,
estou deduzindo pelo que está aqui, eu não me lembro, mas no geral era o seguinte,
aqui deve ter sido, com certeza, o seguinte, eu até comento isso: quando chegava na
véspera da eleição, em geral por que BJ? Eu e BJ, tinha muitos candidatos do PT que a
gente não tinha interesse em apoiar que faziam pedidos a gente. E a gente fazia o
seguinte: “Olha, se você conseguir aprovação do Palocci, a gente usa um caixa que a
gente tem alinhado com o PT como um todo.” Então aqui deve ter sido para atender
pedidos de outros candidatos do PT que pegaram autorização de Palocci pra fazer uso
desse meu caixa com o Palocci. É por isso que está “Assuntos BJ.” Quer dizer, pedidos
que foram feitos a ele. E 900 deve ter sido o bônus eleitoral que a gente doou ao PT. Por
isso que eu digo que aqui tem doação eleitoral legal, quer dizer, por dentro e por fora”.
De tal sorte, não há que se falar em “recursos ilícitos
pagos pela ODEBRECHT ao Partido dos Trabalhadores”, como pretende a acusação
em suas alegações finais.
Poder-se-ia argumentar que a doação eleitoral via
caixa 2, ou não contabilizada, constituiria, para os fins do art. 317 do código
penal, a vantagem indevida reclamada pelo tipo.
Entretanto, o fato é que o total de recursos
disponibilizados por Marcelo Odebrecht para o Partido dos Trabalhadores
tinha, em si, uma finalidade lícita.
Esse aspecto foi devidamente ressaltado pelo
colaborador, sob o compromisso de dizer a verdade, durante seu interrogatório:
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“Defesa de Antonio Palocci e Branislav Kontic:- E o
Palocci, que o senhor chama aí de 'Italiano', alguma vez tratou com o senhor assuntos
relativos à Petrobras?
Marcelo Odebrecht:- Não. Assuntos da Petrobras, a única
coisa é o seguinte, o único pedido que eu fiz a ele, que eu acho que foi esclarecido, se
eu não me engano, por Jorge Mitidieri, foi uma questão que envolvia uma concorrência
na área de E&P, sobre a questão dos risers, risers tal, que era um projeto que eu achava
que tinha legitimidade institucional até para fazer o pedido a ele, porque era quebrar o
cartel de preços internacionais. Então fiz um pedido que foi mais ou menos em
dezembro de 2010, janeiro de 2011, e até consta lá que depois eu falei que aquele
assunto não está indo bem, que foi em relação a esse pedido que eu fiz, específico dele,
por causa da Petrobras. Foi esse pedido que eu fiz pra ver se ele ajudava a gente a
quebrar esse cartel, ajudar a gente a ser uma das opções contratadas para fazer uma
questão de risers, risers flexíveis...
Defesa de Antonio Palocci e Branislav Kontic:- Foi uma
conversa republicana, então?
Marcelo Odebrecht:- Foi. Petrobras não fazia, fora essa
questão de pressão dele pra vir, mas Petrobras não fazia parte da minha agenda
realmente com o Palocci. Minha agenda com o Palocci era ampla, tinha vários temas.
Mas a Petrobras não fazia parte da minha agenda com o Palocci”.
“Marcelo Odebrecht:- Doutor Batocchio, eu acho o
seguinte, tudo que o Governo fez foi legítimo, tudo que nós pedimos foi legítimo. Eu
acho que a ilegitimidade, a ilicitude, está, no meu modo de ver, no pedido que foi feito
pra mim no papel, na hora em que eu estava negociando esse assunto e quer... se ele
não tivesse feito o pedido lá na frente, era capaz de a gente doar os mesmos 50 milhões.
Então, a ilicitude se deu por eles terem feito o pedido no momento em que a gente
estava negociando”.
“Marcelo Odebrecht:- Nem meu, nem dele. Não houve
nenhum pedido específico nem dele por parte de recurso para viabilizar o acordo. O que
havia era o seguinte, eu tinha, de fato, uma agenda, como falei para o senhor, eu diria
que quase a integridade da minha agenda, senão toda, com o Palocci, era uma agenda
legítima. Eu defendia interesses legítimos”.
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De igual forma, a testemunha Pedro Novis, ex-
presidente do grupo Odebrecht, depondo na qualidade de colaboradora do
ministério público e com o compromisso de dizer a verdade, ratificou o
propósito lícito da relação:
“Ministério Público Federal:Senhor Pedro, só para
contextualizar, considerando que o senhor foi presidente da empresa por um longo
período, eu gostaria de saber primeiramente, quando é que se iniciou essa relação que o
senhor narrou com o senhor Antonio Palocci e como ela se iniciou?
Pedro Novis:Eu não posso precisar à senhora, exatamente
a data...
Ministério Público Federal:O ano.
Pedro Novis: Mas foi no primeiro semestre de 2002,
quando se organizava a campanha para as eleições que ocorreriam em outubro. Talvez
aí em abril, maio, por volta disso.
Ministério Público Federal:Certo. E como que ocorreu essa
aproximação? Por que?
Pedro Novis:Essa aproximação... o candidato Lula indicou
o Doutor Palocci para ser a pessoa que deveria conduzir as tratativas com a Odebrecht,
que eu representava, nas negociações de apoio de campanha.
Ministério Público Federal:E o senhor foi procurado?
Como é que foi?
Pedro Novis:Eu fui procurado, eu fui contactado e nos
reunimos no meu escritório na primeira vez.
Ministério Público Federal:O senhor foi procurado por
quem?
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Pedro Novis: Pelo Doutor Palocci.
Ministério Público Federal: E quando o senhor foi
procurado, o senhor foi procurado já com solicitações de pagamento?
Pedro Novis: Nós já sabíamos, ambos, que haveria uma
reunião para tratar desse assunto dos recursos de campanha. Foi nessa oportunidade
que esses assuntos foram tratados, e como eu comentei a pouco, vários outros
assuntos do interesse da organização foram comentados também. Daí em diante eu tive
alguns contatos com o Ministro Palocci para conversarmos sobre projetos ou
programas, até que a eleição se desse. E depois da posse, Doutor Palocci como
Ministro, tive outros encontros que estão citados nos meus relatos.
Ministério Público Federal: Além dessas reuniões, nesse
período eleitoral, o senhor fez reuniões em outros períodos?
Pedro Novis: Não. Sim. As reuniões se deram no período
eleitoral, ao longo do governo do Presidente Lula e mesmo depois que o Ministro deixou
o governo, até 2008, segundo semestre de 2008, que foi quando eu iniciei o processo de
afastamento da presidência que o Marcelo veio a assumir.
Ministério Público Federal: E nessas outras reuniões
também o senhor reiterava esses pedidos de ajuda para a empresa, dos interesses da
empresa para que Antonio Palocci auxiliasse nos interesses da empresa perante o
Governo Federal?
Pedro Novis: Sim, eu estabeleci, desenvolvi com o Doutor
Palocci uma relação pessoal, de proximidade. É como eu já disse, até muitas vezes me
aconselhei com ele em relação a questões de economia, do futuro, questões fiscais,
questões tributárias. E em outros momentos, pedidos de ajuda para que ele, por
exemplo, ele era membro do Conselho da Petrobras, para que ele ajudasse nas questões
que nós tínhamos que considerávamos… considerava não, que eram, indiscutivelmente
legítimas, na nossa relação com a Petrobras. Por exemplo, questões da Nafta que a
Petrobras se negava a fornecer os volumes que a Braskem necessitava, que era a nossa
matéria prima, e outras. E ele se dispunha a nos ajudar, sim.
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Ministério Público Federal: Da parte dele então havia esse
empenho, esse compromisso, em auxiliá-lo?
Pedro Novis: Algumas vezes com resultado, outras vezes
não”.
Nesse mesmo sentido foram os esclarecimentos
prestados pelo ora acusado em seu interrogatório:
“Assistente de Acusação:- Durante todo o tempo em que o
senhor exerceu os cargos públicos que referiu e de deputado também, o senhor soube
de alguma doação feita pela Odebrecht com a reciprocidade de algum projeto de
interesse da empresa?
Antônio Palocci Filho:- Da empresa Petrobrás?
Assistente de Acusação:- Não, da interesse da Odebrecht.
Antônio Palocci Filho:- Ah, da Odebrecht?
Assistente de Acusação:- É, alguma doação.
Antônio Palocci Filho:- Alguma doação?
Assistente de Acusação:- Sim, alguma doação que tivesse
uma contraprestação...
Antônio Palocci Filho:- Doação eleitoral?
Assistente de Acusação:- É.
Antônio Palocci Filho:- Que fosse contraprestação a um
serviço prestado ou a um apoio político?
Assistente de Acusação:- Apoio do governo, projeto do
governo.
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Antônio Palocci Filho:- Não, eu nunca soube, eu nunca
soube, em relação à Petrobrás, menos ainda.
Assistente de Acusação:- Não, não, não é Petrobrás, em
geral.
Antônio Palocci Filho:- Do governo em geral nunca soube
da chamada contrapartida, acho que é esse ponto que o senhor quer...
Assistente de Acusação:- Vantagem né, para a empresa.
Antônio Palocci Filho:- Certo, certo, nunca vi discussões
nesses termos. Soube agora lendo o que está acontecendo, os depoimentos, tudo, mas
nunca tive contato com esse tipo de coisa, nunca me foi solicitado por nenhum membro
da Odebrecht nenhum apoio com promessa de contrapartida, eu nunca ofereci, nunca
fui solicitado... Por exemplo, o Marcelo, assim, não preciso dizer o quanto se falava em
contrapartidas no congresso nacional sobre a MP460, era uma coisa... Quando eu lhe
digo que um assessor liga para o seu chefe e diz “Estou aqui com o deputado Palocci,
ele vai votar”, quando eu acabei de falar que não, o senhor imagina o interesse que está
em torno disso, então isso aconteceu intensamente no congresso nacional, agora
jamais eu recebi da Odebrecht qualquer pedido ou ofereci para Odebrecht qualquer
contrapartida em situação vinculada à Petrobrás ou não vinculada à Petrobrás, e nesse
projeto específico, 460, eu votei contra mesmo sabendo da importância que ele tinha
financeira, aqui a questão era defender o erário público, o tesouro nacional, e não os
interesses privados”.
“Defesa:- Em alguma vez houve solicitação de
contrapartida ou oferta de contrapartida?
Antônio Palocci Filho:- Olha, doutor, no congresso
nacional... No ministério não...
Defesa:- Não, do senhor, em relação a sua conduta.
Antônio Palocci Filho:- Eu pedindo?
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Defesa:- É.
Antônio Palocci Filho:- Não, eu acho que contrapartida é
corrupção, tem nome bem definido, e...
Defesa:- E o senhor jamais...
Antônio Palocci Filho:- E eu jamais pediria isso, e acho eu,
eu defendo o relacionamento, isso eu disse publicamente, converso com empresas
sobre isso, que as empresas, como eu disse, me perguntam, eu digo “Olha, façam um
relacionamento transparente”, eu acho que se a lei fala que as empresas devem
contribuir, hoje não mais, mas caso a empresa faça, faça transparente, alguns
perguntavam pra mim se deveriam dar para outros candidatos que não o meu candidato,
eu sempre falei que sim, que achava que deveria dar, que participar da democracia é
fazer uma doação aberta”.
Portanto, embora o ministério público se esforce em
dizer que o relacionamento entre o acusado e o grupo Odebrecht seria
“espúrio”, a realidade demonstra o contrário.
Na verdade, a função política depende,
necessariamente, da interlocução com setores da sociedade, incluindo aí ouvir
– e, na medida do possível, atender – demandas da sociedade, inclusive de
interesses empresariais.
Apenas a título de exemplo, a chancelar alemã
Angela Merkel, em visita de Estado aos Estados Unidos da América, incluiu em
sua comitiva representantes de grandes empresas privadas, como BMW e
Siemens, como destacou a imprensa mundial:
“A importância da dimensão económica pode avaliar-se
não só pelo número de perguntas feitas no encontro com a imprensa como pela
composição da delegação alemã, onde constavam os responsáveis da Siemens, BMW e
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da Schaeffler, um dos mais importantes grupos mundiais na área de componentes para
diferentes áreas industriais e, em especial, para automóveis37
”.
Em suma, o relacionamento entre grandes
empresários e a classe política, por si só, nada tem de espúrio, e, à época em
que houve a disponibilização dos valores ao Partido dos Trabalhadores, a
doação também nada tinha de espúria.
O ministério público deveria compreender essas
peculiaridades, principalmente depois da espalhafatosa campanha de marking
denominada “dez medidas contra a corrupção”, patrocinada pela força-tarefa,
em cujo âmbito diversos acusadores fizeram amplo lobby no congresso
nacional para aprovar aludida pauta.
A maior prova de que não havia o propalado
relacionamento espúrio entre o acusado e o grupo Odebrecht é o fato de que o
acusado, na época em que era deputado federal, votou contra os interesses
do grupo na questão envolvendo os créditos de IPI exportação:
“Juiz Federal:- No período em que o senhor foi Ministro
Chefe da Casa Civil, em 2011, o senhor teve encontros com Marcelo Odebrecht?
Antônio Palocci Filho:- Provavelmente, tive provavelmente,
não frequente porque a minha atividade não permitia, era uma atividade muito intensa,
mas provavelmente sim, provavelmente sim.
Juiz Federal:- No período em que o senhor foi deputado o
senhor teve encontros?
Antônio Palocci Filho:- Aí foi mais frequente porque...
Juiz Federal:- O seu interlocutor no grupo Odebrecht era o
senhor Marcelo Odebrecht ou era outra pessoa?
37
Disponível em: http://www.dn.pt/mundo/interior/trump-diz-ter-talvez-algo-em-comum-com-angela-merkel-5732442.html. Acesso em 11.06.2017.
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Antônio Palocci Filho:- Era mais o senhor Emílio
Odebrecht.
Juiz Federal:- Mais o Emílio?
Antônio Palocci Filho:- É.
Juiz Federal:- E o Marcelo?
Antônio Palocci Filho:- O Marcelo também, o Marcelo me
procurava mais, como eu disse, o Marcelo trabalhava intensamente sua pauta, tudo, ele
esteve comigo uma... Se o senhor quiser uma descrição objetiva para gente sair da
teoria ou para eu não cansá-lo, ele esteve comigo intensamente na discussão da MP
460, era um assunto espinhoso, delicado, complicado, que diz respeito a uma coisa
chamada créditos de IPI de exportação, isso foi dado no passado para os empresários,
era um crédito alto, era 10 por cento de IPI das exportações era dado como crédito para
as empresas, isso eram valores bilionários, depois de um momento, quando o Brasil
arrumou sua economia isso foi extinto, em 1990 me parece, todas as grandes empresas
estabeleceram uma tese jurídica de que isso não estava extinto por alguma razão que os
céus explicavam...
Juiz Federal:- Sim, eu estou familiarizado, e o que o
Marcelo pedia ao senhor?
Antônio Palocci Filho:- Ele me pedia que, ele sabia que eu
liderava um movimento contra o retorno desse IPI, eles queriam validar o imposto,
anular a anulação desse imposto ocorrida no ano de 1990, significava não só retomar o
imposto para o presente e o futuro, como pagar, reconhecer um passivo extraordinário
das empresas, que as empresas não pararam de se creditar desse imposto.
Juiz Federal:- Entendi.
Antônio Palocci Filho:- Elas, apesar de ser extinto, as
empresas colocavam no seu balanço como ativo, como ativo, então...
Juiz Federal:- Sim, eu estou familiarizado com o assunto, e
qual foi a sua posição?
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Antônio Palocci Filho:- Eu disse a ele, assim,
categoricamente que eu não poderia jamais apoiar essa medida por dois motivos,
primeiro que eu era totalmente contra ela, segundo que a minha posição ali era muito
decisiva para o processo, porque na bancada do meu partido, o PT, eu tinha temas
econômicos, eu era muito consultado, vamos dizer, até decisivo. E se eu adotasse uma
posição favorável a esse projeto, o PT era o único partido, com alguns aliados mais
afetos à questão do erário público, vamos dizer assim, com alguns aliados mais rígidos
nessa questão, o PT era um dos poucos partidos que estava resistindo a essa medida,
essa medida para o senhor ter uma ideia envolvia valores de mais de 100 bilhões de
reais. Então eu disse ao Marcelo repetidas vezes que eu não podia apoiá-lo, recebi com
educação evidentemente, mas disse diversas vezes a ele que eu não podia apoiá-lo e
disse a ele que se fosse aprovada a medida eu trabalharia para que ela fosse vetada; a
pressão no congresso foi de tal ordem que um dia um assessor de uma grande
federação veio à minha frente, pediu meu apoio à medida e eu disse “Não vou apoiar,
não posso apoiar”, ele telefonou para o presidente dessa federação e disse “Estou aqui
com o ministro Palocci, ele garantiu o apoio a essa medida para nós” e desligou o
telefone, eu falei “Escuta, acabei de dizer que não vou votar”, “Não, deixa assim, que
depois a gente resolve”, então era assim que as coisas... Depois eu tive que ligar pra
essa pessoa, para esse líder, e falar “Olha...”...
Juiz Federal:- Ele prestou um depoimento aqui, salvo
engano de interpretação minha, mencionou que teria tratado com o senhor, conversado
sobre o REFIS da crise...
Antônio Palocci Filho:- O que aconteceu, essa medida,
portanto, foi votada, foi aprovada amplamente no congresso, e eu particularmente sei
que também o ministro Guido Mantega trabalhamos junto ao Presidente da República
para vetar essa medida. Semanas depois o Supremo Tribunal Federal chamou o
processo e decidiu que esses valores deviam ser devolvidos, os valores retidos pelas
empresa deviam ser devolvidos e que esse crédito de IPI de exportação não existia
mais, e aí houve, no REFIS da crise se deu, se propôs o parcelamento do pagamento
dessas obrigações, então saímos de uma situação onde as empresas não queriam pagar
imposto e fomos para uma situação onde o governo, eu não participei disso, minha
participação não tinha muita relevância nisso, era uma questão de governo, organizar
como seria o pagamento, em quantas parcelas seria o pagamento dessa...
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Juiz Federal:- E o senhor não tratou com o senhor Marcelo
Odebrecht sobre esse assunto?
Antônio Palocci Filho:- Ele mandou e-mails pra mim,
querendo discutir detalhes e tal, eu falei pra ele “Olha, esse assunto aí já é um detalhe
técnico que você tem que procurar o Ministro da Fazenda”, ele se espantou muito
comigo quando eu votei contra a medida 460, ele falou que não tinha entendido porque
eu tinha votado contra, eu tinha falado pelo menos umas dezessete vezes pra ele que eu
era contra a medida.
Juiz Federal:- E sobre esse parcelamento posterior, a sua
posição era favorável, desfavorável?
Antônio Palocci Filho:- Eu precisaria, eu estou sem acesso
à internet, eu precisaria ver a minha posição, mas ali eu acho que não tem nenhum voto
contra, acho que foi até votação simbólica porque na verdade houve a crise econômica
de 2008, metade das empresas brasileiras chegaram perto de quebrar por causa do
outro problema, que foi os derivativos cambiais, então se fez aquilo pra salvar um grupo
enorme de empresas, então essa votação, se não me engano, pode ter sido inclusive
simbólica porque era uma coisa, assim, vamos organizar, parcelar o pagamento, ali não
estava se fazendo bondade nenhuma, estava se fazendo, viabilizando uma forma de as
empresas poderem pagar, senão ninguém ia pagar, no fundo ninguém ia pagar e aí ia ter
uma perda de ativos e empregos extraordinária”.
Lembre-se que, de acordo com o parquet, os
valores constantes da planilha “Posição Programa Especial Italiano” tinham
como objetivo “comprar a lealdade e a atuação reiterada de Antonio Palocci para a
concretização dos diversos projetos e agendas de interesse do grupo Odebrecht que
necessitasse da intervenção na mais alta esfera do Executivo Federal”.
Assim, o que diz o ministério público é que teria
havido a “compra” da lealdade do acusado Antonio Palocci Filho, que, ao
aceitar o recebimento dos valores disponibilizados por Marcelo Odebrecht,
teria assumido o compromisso de atuação reiterada para a concretização da
agenda do grupo junto aos altos escalões do governo.
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Ora, o posicionamento do então deputado federal
Antônio Palocci Filho na questão do IPI exportação evidencia que não houve a
imaginada compra de lealdade, tudo a corroborar que tanto o relacionamento
do acusado com o grupo Odebrecht e os valores doados não possuíam caráter
ilícito algum.
Aliás, causa espécie à defesa observar que as
alegações finais tecidas pelo órgão acusador discrepam do conteúdo das
declarações prestadas pelo corréu colaborador nos presentes autos.
E causa espécie porque a versão do corréu
colaborador, por si só, é suficiente para indicar que o órgão acusador não se
desincumbiu do ônus de provar, para além de qualquer dúvida razoável, o
oferecimento de vantagem indevida ao acusado (ou que as vantagens foram
oferecidas como contraprestação à prática de atos ilícitos por parte do acusado
na condição de agente público, como se demonstrará adiante).
Ora, a versão fática sustentada pela defesa é aquela
apresentada pelo corréu colaborador em seu interrogatório, causando
estranheza à defesa o fato de o ministério público, em relação a participação
do defendente nos fatos, sustentar versão que se dissocia da versão
apresentada pelo réu colaborador.
Esta postura demonstra que o ministério público está
a entender como inverosímil a versão apresentada pelo corréu colaborador, o
que só se justificaria se o parquet propusesse a rescisão do acordo de delação.
Sabe-se que a lei 12.850/2013 prevê que o
colaborador que apresenta informações falsas incorre no artigo 19 da referida
legislação. Além disso, a inverdade proferida pelo delator culmina na perda de
efetividade do acordo de colaboração. Se o processo continuar em curso,
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tornar-se-á um réu sem qualquer particularidade, e caso o processo estiver
suspenso, este voltará a tramitar.
Como a acusação apenas se divorcia
pragmaticamente da versão apresentada pelo corréu colaborador, isto é, para
obter a responsabilização criminal de Antônio Palocci Filho por um fato que a
dogmática penal não o responsabiliza, a defesa entende que a versão
sustentada pela acusação, no atinente a participação do defendente nos fatos,
é frágil e incapaz de suportar um édito condenatório.
Soa muito estranho o fato de o ministério público
sustentar a versão do colaborador em relação a parte dos fatos narrados na
denuncia e dissociar-se de tal versão apenas em relação à responsabilização
criminal do ora acusado.
Este fato, por si só, é suficiente para demonstrar a
dúvida razoável existente no processo quanto à responsabilização penal do
defendente nos fatos narrados na denúncia.
Gize-se que a própria lei 12.850/2013, em seu artigo
4o, parágrafo 16, é categórica em estabelecer que a delação, por si só, não é
suficiente para justificar o édito condenatório de alguém.
Todavia, em virtude do princípio da não
culpabilidade, a existência, no processo, de delação que afasta a
responsabilização criminal de um determinado acusado, por si só,
principalmente diante da inércia do órgão ministerial quanto à rescisão do
acordo de delação, causa uma dúvida para além de razoável naquilo que diz
respeito à participação criminosa daquele que foi inocentado no depoimento do
colaborador.
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É exatamente a hipótese dos autos, sendo
equivocada a postura pragmática adotada pelo ministério público de se valer da
delação apenas naquilo que lhe interessa.
Significa dizer, se existe delação no processo e dita
delação beneficia determinado acusado, a inércia da acusação quanto à
rescisão do acordo firmado com o corréu colaborador traz aos autos, em
relação ao corréu inocentado pelo colaborador, uma dúvida razoável acerca de
sua responsabilidade criminal, oportunidade que a ordem constitucional vigente
exige a aplicação do princípio constitucional da presunção de inocência.
Nesse diapasão, assevera o Supremo Tribunal
Federal:
“O postulado constitucional da não culpabilidade impede
que o Estado trate, como se culpado fosse, aquele que
ainda não sofreu condenação penal irrecorrível. A
prerrogativa jurídica da liberdade – que possui extração
constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) – não pode ser
ofendida por interpretações doutrinárias ou
jurisprudenciais, que, fundadas em preocupante discurso
de conteúdo autoritário, culminam por consagrar,
paradoxalmente, em detrimento de direitos e garantias
fundamentais proclamados pela Constituição da
República, a ideologia da lei e da ordem. Mesmo que se
trate de pessoa acusada da suposta prática de crime
hediondo, e até que sobrevenha sentença penal
condenatória irrecorrível, não se revela possível – por
efeito de insuperável vedação constitucional (CF, art. 5º,
LVII) – presumir-lhe a culpabilidade. Ninguém pode ser
tratado como culpado, qualquer que seja a natureza do
ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem que
exista, a esse respeito, decisão judicial condenatória
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transitada em julgado. O princípio constitucional da não
culpabilidade, em nosso sistema jurídico, consagra uma
regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e
de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao
denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido
condenados, definitivamente, por sentença do Poder
Judiciário. Precedentes38
”.
Ou se acredita na versão apresentada pelo corréu
colaborador ou nela não se acredita. Nesta segunda hipótese, deve o órgão
ministerial pretender que se apliquem as consequências jurídicas previstas pelo
legislador.
Caso contrário, o discurso apresentado pelo órgão
acusador deve ser considerado retórico e ilógico. Como, na hipótese dos autos,
o diligente órgão ministerial não demonstrou qualquer interesse na rescisão do
acordo de colaboração firmado pelo corréu colaborador, deve-se concluir, a
partir da racionalidade esperada do sistema, que existe uma dúvida razoável
quanto à responsabilidade criminal do acusado no atinente ao crime de
corrupção passiva que lhe é imputado.
Esta dúvida impõe, em nome da ordem
constitucional vigente, a prolação do édito absolutório em favor do defendente
dá acusação contra ele formulada.
Na verdade, Marcelo Odebrecht esclareceu que o
acusado não só não pediu a ele pagamento de vantagens indevidas como
atuou para impedir que vantagens indevidas fossem pagas a integrantes do
Partido dos Trabalhadores.
Confira-se:
38
STF, HC 89.501, 2ª Turma, rel. Celso de Mello, DJ 16.03.2007.
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Marcelo Odebrecht:- (...). Inclusive porque, eu inclusive
usava muito essa agenda minha para evitar pedidos de propina. Por exemplo, no caso
de Henrique, teve um pedido que ele me trouxe, que foi feito pelo PT, para uma propina
de Belo Monte, que ele não quis pagar e que eu, usando inclusive o argumento, usando
o argumento de que eu tinha essa relação que englobava toda a minha relação com eles,
eu consegui, via Palocci, impedir que se pagasse a propina ao PT em Belo Monte. E no
Prosub a mesma coisa, quer dizer, houve um pedido depois de conquista a obra, se eu
não me engano, via Vaccari, para o Júnior. Júnior veio falar comigo que não
concordava, entendeu? Mas que precisava um apoio meu. Inclusive eu fui também no
Palocci e disse ao Palocci: “Essa planilha envolve toda a relação que eu tenho com
vocês. Se algum executivo meu acerta alguma coisa com algum candidato do PT, eu não
vou me envolver, não tenho nada a ver com isso. Agora, se ele pede meu apoio e ele
discorda, e ele pede meu apoio, me desculpe, essa planilha é a relação...”.
“Juiz Federal:- E em relação a esse assunto das sondas,
houve pedido ou solicitação de contrapartida pelo partido do senhor Antônio Palocci?
Marcelo Odebrecht:- Por parte do Palocci, não,
Excelência. O que houve foi o seguinte: em um determinado momento, a gente já tinha
contratado a construção, quer dizer, um negócio que todo esse embate que teve, a gente
já não querendo entrar, e aí alguém veio com a ideia maluca, e aí pelo que ficou claro pra
mim que tentaram combinar depois, de cobrar alguma coisa aos estaleiros, está certo?
Esse pedido, eu tinha entendido à época, que veio através do Vaccari e pro Márcio, mas
parece que veio através do Barusco pro Rogério, não ficou claro pra mim, entendeu? E
aí, novamente, como ocorreu aquele assunto que eu mencionei anteriormente para o
senhor, o Prosub, o Márcio não concordou. Foi uma licitação ganha com toda a
dificuldade, ele não tinha acertado nada, e não concordou. E aí ele veio pra mim e falou:
“Marcelo, eu não vou concordar, me ajude aqui a segurar o pessoal. Eu não vou pagar.”
Aí eu fui sim para Palocci e contei: “Olha, Palocci, a minha relação com você já envolve
toda a relação do grupo. Se tem algum tema que algum executivo acerta e concorda, ok.
Agora, se ele traz pra mim em busca do meu apoio, isso já engloba. Não vão pagar.” E
não pagamos, que eu saiba não pagou. O Márcio confirma que não pagou. Eu não sei se
os nossos sócios pagaram mas ao que tudo indica eles disseram também que não
pagaram, e não pagou. Mas teve essa solicitação, eu dei, eu pedi apoio a Palocci para
acabar. É obvio que esse assunto não se resolve logo porque o Palocci teve um pouco
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que tirar o deles, aí ficar essas idas e vindas, ficou uns tempos e depois acabou por não
pagar.
(...).
Marcelo Odebrecht:- Eu tive dezenas de encontro com o
Palocci, então ... E esse tema não se resolveu em uma reunião, até porque eu levei para
o Palocci esse tema. Aí a primeira, lógico que a primeira questão dele era tirar o corpo
dele fora e: “Não, esse tema não é comigo, é outro que está pedindo, resolva lá.” Eu
fiquei nessas idas e vindas e, em determinado momento, o Márcio firmou que não vai
pagar, eu firmei com o Palocci, e acabou por isso mesmo.
Juiz Federal:- E o que o senhor transmitiu ao senhor
Palocci nesses encontros?
Marcelo Odebrecht:- Que estava tendo... que exatamente
teve o pedido, e eu sempre como usava, quando vinha esse caso, como já teve dois
casos anteriores, eu usava como argumento de que: “Olha, o que eu tenho com você
acertado, os valores, é toda a relação que me envolve. Então não cabe pedido de
projetos específicos. Esses valores que eu acertei com você já engloba toda a nossa
relação. Se, por acaso, um executivo meu resolve concordar com outro, é problema
dele. Agora, se chegar a mim, isso aqui já tem que englobar tudo, então não teria nada.”
Foi isso, basicamente eu usava isso como argumento”.
“Defesa de Antonio Palocci e Branislav Kontic:- A próxima
pergunta é exatamente essa, se alguma vez Palocci solicitou propina em decorrência
desses contratos da Petrobras, mas o senhor já respondeu que nunca tratou desse
assunto.
Marcelo Odebrecht:- A única vez que eu falei foi quando eu
fui recorrer a ele pra evitar um pedido de propina feito.”
Em consonância com o depoimento supra, o
acusado esclareceu que não admitia cobrança de propinas:
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Juiz Federal:- Então nessa ação penal 505493238,
continuidade do depoimento do senhor Antônio Palloci Filho, ainda continuando as
perguntas do juízo. Ele disse aqui, salvo engano de interpretação minha, que ele teria
levado ao senhor uma solicitação, um pedido de pagamento de vantagem indevida que
teria sido levada a ele pelo senhor João Vaccari relativamente a essas sondas, isso
aconteceu mesmo?
Antônio Palocci Filho:- Acredito que não, me lembro de
outra situação parecida onde ele me procurou porque havia um pedido, não me lembro
de quem, sobre submarinos, ele me procurou e me perguntou se isso era interesse do
governo, do partido, eu falei “De maneira alguma”, ele não queria também mexer dessa
forma, porque em todo o meu relacionamento com a Odebrecht, nesses anos todos, eles
jamais me pediram uma contrapartida e jamais eu dei margem para que eles pensassem
que era possível a contrapartida vinculada a recurso de campanha, jamais. O Marcelo
dizia que para ele também não interessava.
Juiz Federal:- Quem era o beneficiário dessa solicitação?
Antônio Palocci Filho:- Essa solicitação do submarino?
Juiz Federal:- É.
Antônio Palocci Filho:- Ele me deu a entender que era do
partido, eu não me lembro a pessoa, ele me deu entender que era o partido, e ele me
pediu para ajudar a tirar esse assunto na mesa, eu falei “Olha, com a maior satisfação eu
faço isso, porque eu sou absolutamente contra a qualquer contribuição vinculada a
projeto”, principalmente que esse era um projeto internacional, com efeitos
complicadíssimos... Inclusive saiu uma matéria recentemente na televisão toda
recortada sobre isso em que ele fala que ele pediu meu apoio para não fazer pagamento,
ali está parecendo que ele fez o pagamento.
Juiz Federal:- E o que o senhor fez, daí?
Antônio Palocci Filho:- Eu lembro que eu dei algum recado
ao partido, porque, olha...
Juiz Federal:- Deu algum recado pra quem?
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Antônio Palocci Filho:- Eu não me lembro detalhe, doutor,
eu posso me esforçar para fazê-lo, trazer essa história para o senhor, trarei por escrito,
pessoalmente, se...
Juiz Federal:- O senhor não lembra nem pra quem que era
a propina e nem com quem o senhor falou?
Antônio Palocci Filho:- Pra quem era, era para o partido...
Juiz Federal:- Mas quem era o portador da mensagem?
Antônio Palocci Filho:- Acredito, eu posso não estar sendo
a verdade, normalmente nessa época quem pedia recursos para o partido era o Vaccari,
não tinha outra pessoa pedindo nessa época, e ele, o Marcelo, me procurou e falou
“Olha, tem um pedido aqui vinculado ao projeto do submarino, eu não gostaria de
trabalhar assim”, eu falei “Não, se você não gostaria e eu não aceito em nome de
governo, de PT, de quem quer que seja, que isso aconteça, se acontecer eu me coloco
absolutamente fora dessa questão, porque você sabe, você sabe que é assim”, ele
concordou, e talvez eu tenha falado com alguém na época, com o próprio Vaccari ou
com alguém do partido, e falei “Olha, não é assim que eu acho que deve proceder”, e
isso não foi a única vez que aconteceu, algumas vezes aparecia coisa assim “Ah, é
vinculado a projetos”, eu sempre disse ao Marcelo, uma vez falei com ele de maneira
muito insistente de que... Porque ele não gostava, mas dizia eles que em situações, às
vezes tinha situações que eram difíceis, eu falei “Olha, faça difícil, mas faça direito”,
uma coisa é uma grande empresa com naturalidade contribuir com uma campanha...”.
Note-se ainda que o fato do corréu Marcelo
Odebrecht se negar a pagar “propina” sob a justificativa de que já havia uma
relação de pagamentos, consubstanciada na planilha “Italiano”, não induz à
conclusão de que os valores da planilha seriam dinheiro de corrupção,
nem tampouco que foram oferecidos ao Partido dos Trabalhadores com
tal propósito.
Lembre-se que Marcelo Odebrecht, depondo sob o
compromisso de dizer a verdade, afirmou categoricamente que a relação que o
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grupo Odebrecht tinha com Antônio Palocci Filho era uma relação legítima, e,
portanto, lícita.
A compreensão global do interrogatório de Marcelo
Odebrecht aponta inequivocamente nesse sentido.
Lembre-se ainda que Marcelo Odebrecht jamais
afirmou que os valores constantes da planilha eram dinheiro de corrupção
(exceto por dois fatos específicos que serão analisados mais adiante e que não
são de responsabilidade do acusado).
Ao contrário, em se tratando do pagamento de
propina, Marcelo Odebrecht sempre foi explícito ao apontar quais projetos
estavam vinculados ao pagamento de vantagens indevidas.
De tal sorte, com o devido respeito, ainda que essa
tenha sido a impressão inicial deste r. juízo, parece claro que um dos motivos
da doação eleitoral era, também, negar o pagamento de propinas, o que, como
dito, não significa que os valores disponibilizados tivessem essa finalidade.
O mesmo raciocínio se aplica aos pagamentos não
contabilizados, ou caixa 2, ou a pagamentos no exterior.
A prova dos autos revela que o acusado Antônio
Palocci Filho jamais solicitou ou operacionalizou aludidos pagamentos.
Confira-se o interrogatório do acusado:
Juiz Federal:- O senhor tratou de pagamentos,
contribuições paralelas não contabilizadas, caixa 2, com eles?
Antônio Palocci Filho:- Não, eu nunca tratei, doutor, eu
nunca operei contribuições, até porque não era minha função, se fosse eu teria feito,
mas eu nunca operei contribuições, eu sempre dizia para o empresário “Olha, atenda o
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tesoureiro da campanha”, “Atenda, vê se você pode ajuda-lo”, porque eles me pediam,
não podia deixar de fazer isso, agora evidentemente eu pedia recursos para as
empresas acreditando que elas iam tratar isso da melhor maneira possível, eu falava
inclusive “Olha, vou falar para o tesoureiro levar os recibos aí, os bônus para você
contribuir”, eu sempre falei com esses termos. Para o senhor ter uma ideia, na
campanha de 2006 que eu resolvi ser candidato 20 dias antes da eleição, eu fiz a
arrecadação financeira por telefone, teve duas ou três pessoas que, assim, talvez por
não me conhecer perguntaram se era com recibo, eu falei “É mais que óbvio, eu estou
pedindo uma coisa com recibo”.
Juiz Federal:- O senhor chegou a negociar valores
específicos de doações com o grupo Odebrecht para as campanhas presidenciais?
Antônio Palocci Filho:- Não, valores específicos não.
Juiz Federal:- O senhor chegou a conversar sobre
assuntos financeiros da campanha com o senhor João Santana ou com a senhora
Mônica Moura?
Antônio Palocci Filho:- Sim, sim.
Juiz Federal:- O senhor pode me esclarecer?
Antônio Palocci Filho:- Na verdade, o João Santana, eu era
responsável por conteúdos de campanha, então a presidente Dilma me pediu na parte
da televisão, para que eu visse todos os programas antes de ir ao ar, então esse foi um
trabalho que chegou a ser desumano, mas eu tinha que ver todos os programas antes
de ir ao ar, todos os dias em determinado horário, e aí, a partir daí, estabelecer uma
briga homérica com o João Santana sobre cada frase dita, então isso foi uma coisa...
Juiz Federal:- E a parte financeira?
Antônio Palocci Filho:- A parte financeira ele comentou
uma vez ou outra comigo, mas não era um assunto da minha pauta, ele reclamava às
vezes, reclamar ele reclamava bastante, “Olha, não está pagando, estou com um
fornecedor, preciso resolver”, aí eu ligava para o Felipe, “Ô Felipe, receba o João, fale
com ele”, isso aconteceu algumas vezes.
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Juiz Federal:- Ele declarou aqui que o senhor teria
solicitado certa feita uma conta, perguntado se ele teria uma conta no exterior para
recebimento de pagamento.
Antônio Palocci Filho:- Não, pagamento não. Eu nunca
operei pagamentos a ele e a ninguém, posso até ter perguntado se ele tinha conta no
exterior numa conversa informal meio, sei lá...
Juiz Federal:- Nunca tratou com ele de pagamentos por
fora, caixa 2?
Antônio Palocci Filho:- Não.
Juiz Federal:- Nem com ele, nem com a senhora Mônica
Moura?
Antônio Palocci Filho:- Nem com a Mônica”.
“Defesa:- O senhor teve qualquer interferência num
suposto pagamento realizado em favor do senhor João Santana e da senhora Mônica
Moura, como remuneração por serviços prestados, serviços de marketing prestados em
favor da campanha, o senhor interferiu nesse pagamento?
Antônio Palocci Filho:- Não, eu nunca interferi em
pagamentos, na verdade, porque aí seria uma ação indevida minha dentro de uma
equipe de pessoas companheiras, o que eu fiz foi ajudar quando foi solicitado,
normalmente essas ajudas que eu dava era para reforços, nunca foi assim...
Defesa:- Então me detalhe, o que é essa ajuda, é
recomendar que...
Antônio Palocci Filho:- É recomendar, por exemplo, e
mais, os empresários me perguntavam, eu tenho registro no meu celular que foi
apreendido pela polícia, em 2014 eu estava no exterior, então tinha empresários que me
perguntavam por telefone “O que eu faço?”, eu falava “Decida, se quer doar, doe”, “Pra
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quem?”, eu falei “Para o tesoureiro”, “Quem é o tesoureiro”, eu falei “Está no jornal”,
isso está gravado no meu telefone.
Defesa:- E sobre esses pagamentos, eles eram, quando o
senhor era solicitado a pedir ao partido que fosse adimplidas essas obrigações,
cumpridas essas obrigações, contratadas como pactos de trabalho de marketing, o
senhor tinha consciência de que esses pagamentos seriam contabilizados ou não
contabilizados?
Antônio Palocci Filho:- Sempre pedi para a empresa fazer
pagamentos em bônus, quer dizer, não tinha motivo, para mim, não tinha motivo de
pedir ou de entender que uma empresa precisasse fazer pagamentos não
contabilizados, mas é preciso aqui dizer a verdade, doutor, o senhor sabe que nas
campanhas eleitorais do Brasil existia pagamentos não contabilizados de forma
generalizada, isso é uma coisa que existia, eu não vou ser hipócrita, não vou ser
hipócrita de dizer que nunca vi, não sabia, soube de algumas ocasiões em que houve
pagamentos não contabilizados. O senhor perguntou... Desculpa?”.
“Antônio Palocci Filho:- (...). No crime seguinte, o próprio
Marcelo Odebrecht disse aqui, eu vi pela televisão também, que eu nunca pedi caixa 2,
eu pedi pagamentos, eu nunca pedi, ele falou a verdade, eu nunca pedi caixa 2, disse
que eu sabia, eu ouvi falar mesmo em caixa 2, isso eu não vou negar, em todo lado, em
toda campanha, mas que eu não pedi, eu nunca pedi; pagamento no exterior jamais, que
é a segunda acusação desse processo... (...)”.
Veja-se ainda o interrogatório de Marcelo
Odebrecht:
“Juiz Federal:- Nas relações com Antônio Palocci, como
era definido o que vai em doação oficial, o que vai em pagamento não oficial?
Marcelo Odebrecht:- Na verdade eu não me lembro da
gente discutir isso, quer dizer, se acordava que era o pagamento... o que eu digo é o
seguinte, apesar de se discutir que era pagamento, é óbvio que se tratava, pela
dimensão, de caixa 2. Então, por exemplo, quando eu sabia que era pedido para João
Santana, ele sabia, fora às vezes de campanha, o pedido, é lógico que era caixa 2. Ele
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não precisava dizer pra mim que era caixa 2, mas era caixa 2. Agora, teve casos aqui,
por exemplo, de pedidos de bônus oficial, teve caso de pedidos para o PT...”.
“Defesa de Antonio Palocci e Branislav Kontic:- Muito
bem, e alguma vez o senhor Antônio Palocci solicitou que essas contribuições de
campanha, quer feitas em dinheiro, em espécie, quer eram feitas através de pagamentos
a fornecedores de campanha, conforme o senhor descreveu aqui, ele alguma vez disse
para o senhor para isto ser em caixa 2, ele pediu?
Marcelo Odebrecht:- Olha, é como eu falei, ele não pediu,
mas ele não fala assim: “Faça via caixa 2.” Mas se ele pede um pagamento para João
Santana, fora da época eleitoral, ou até porque ele sabe que este valor não está
contabilizado, ele sabe... não precisa dizer que é caixa 2 pra saber que é caixa 2.
Defesa de Antonio Palocci e Branislav Kontic:- Está bom.
Mas a minha pergunta... porque aqui, diferentemente de ciências exatas, aqui no Direito
tem os fatos que nós conhecemos diretamente e os de ouvir dizer e os que nós
presumimos. A minha pergunta para o senhor é o seguinte: alguma vez ele pediu para o
senhor caixa 2? Para o senhor ele pediu?
Marcelo Odebrecht:- Se a minha relação com o Palocci
fosse uma relação de um ou dois contatos, eu poderia afirmar que ele não sabia do
caixa 2. Na relação que eu tinha com ele, dezenas de reuniões, é óbvio que ele...
Defesa de Antonio Palocci e Branislav Kontic:- O senhor
presume?
Marcelo Odebrecht:- Não, eu não presumo. Ele sabia que
era caixa 2. Não me lembro de ele ter dito: “Marcelo, faça esse pagamento via caixa 2”,
mas é óbvio, da maneira com que ele pedia os pedidos, que ele fazia tudo, se ele não
mencionou caixa 2, ele sabia que eu estava fazendo via caixa 2”.
Entretanto, conquanto Marcelo Odebrecht afirme
que o acusado Antônio Palocci “sabia” que determinados pagamentos seriam
feitos via caixa 2, percebe-se haver contradições em seu depoimento.
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É que o próprio interrogando afirmou naquela
ocasião que não acompanhava como seria realizado o pagamento, não tendo
condições de atestar se determinados pagamentos seriam contabilizados ou
não contabilizados.
Confira-se:
“Juiz Federal:- Mas o que está identificado que seria
doação eleitoral seria apenas esses registros bônus ou teria outros também?
Marcelo Odebrecht:- Não, pode ser que nesses assuntos
BJ deve ter tido algumas, alguns, não sei informar, deve ter tido também. Na época,
Excelência, eu não me preocupava muito se era... Havia o seguinte, o cara autorizava a
pagar, se isso era por fora ou por dentro, pra mim não era... Eu não acompanhava isso.”
Ora, se o próprio “dono” do dinheiro não
acompanhava a forma de pagamento, com muito mais razão o acusado, o
qual, repita-se, nunca pediu para que os pagamentos se dessem via caixa 2.
Assim, ainda que, por hipótese, alguns pagamentos
tenham sido feitos de maneira não contabilizada, resta claro tanto a ausência
de participação quanto a ausência de dolo do acusado Antônio Palocci Filho.
Importante ressaltar que os valores constantes da
planilha “Italiano” não eram destinados ao acusado, mas sim ao Partido, de
forma que, após Antônio Palocci deixar o governo, o montante passou a ser
gerido por terceira pessoa, como resta claro do interrogatório de Marcelo
Odebrecht:
Defesa de Antonio Palocci e Branislav Kontic:- Eu entendi,
está bem claro, está bem claro. Bom, o senhor se referiu muito aqui, inclusive
mencionou insistente, repetida e recorrentemente o nome do Antônio Palocci, dizendo:
“Olha, a minha conta com o Palocci... o crédito com o Palocci...” Sempre o Palocci. Esse
dinheiro, esse é um crédito pessoal, pessoa física dele, ou o senhor está se referindo,
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digamos assim, ao crédito do partido como doação de campanha política? O senhor
falou Palocci, Palocci, Palocci... Pode haver alguém, que mal intencionado, queira
interpretar isso como um crédito pessoal, se é que não é, então o senhor vai nos
esclarecer.
Marcelo Odebrecht:- Eu sempre deixei claro que essa é
uma relação minha, um tipo de conta corrente que eu tinha, com a presidência, com o
PT e os interlocutores meus pra ela que era o quem aprovava, quem autorizava os
pagamentos, eram no início Palocci e depois, a partir de meados de 2011, o Guido.
Defesa de Antonio Palocci e Branislav Kontic:- Está bem,
interlocutores e não donos, é isso?
Marcelo Odebrecht:- Eles eram quem autorizavam os
pagamentos aqui.
Defesa de Antonio Palocci e Branislav Kontic:- Muito bem.
Marcelo Odebrecht:- Não disse que os pagamentos eram
pra eles.”
Não por acaso, todos os pagamentos realizados em
favor dos corréus Mônica Moura e João Santana no exterior foram realizados
a partir de 19.07.2011, período em que o acusado já não mais exercia cargo
público algum, e durante o qual o crédito existente a favor do Partido dos
Trabalhadores por ele já não era mais gerido, segundo o próprio corréu
Marcelo Odebrecht.
Por fim, cumpre lembrar que, de acordo com a prova
dos autos, nem todos os valores constantes da planilha “Italiano” era valores
“ocultos”: cite-se o caso da compra do Instituto Lula, o qual foi adquirido pelo
grupo Odebrecht via “caixa 1”, ou seja, mediante valores oficiais, devidamente
debitados da plainha “Italiano”.
Pois bem.
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Com o fito de lançar objetivamente as bases de
uma responsabilidade pessoal e não apenas causal, os funcionalistas
buscaram estabelecer os critérios normativos que possam fundamentar a
imputação objetiva em relação a um resultado típico, conforme os fins de
proteção da norma e o alcance do tipo de injusto.39
Frente este desafio, Roxin, que segundo Juarez
Tavarez40 é o artífice da sistematização e do enquadramento da teoria da
imputação objetiva na teoria do delito na atualidade, propõe que esses
critérios normativos tenham que se referir necessariamente aos
pressupostos da própria incriminação, quer dizer, pressupõe que o
agente, com sua conduta, tenha incrementado um risco para um bem
jurídico, risco esse indevido e materializado como resultado no âmbito da
extensão do tipo de delito. 41
De tal forma, como assinala Juarez Tavarez, não
haverá assim, alternativamente, imputação: a) se o agente tiver diminuído o
risco para o bem jurídico; b)se o agente não tiver aumentado o risco para
o bem jurídico; c) se o risco era permitido; d) se esse risco não se
materializar no resultado típico; e) se o resultado, na forma como
ocorrido, não se incluir no âmbito de alcance do tipo.42
E, como que lecionando para o caso dos autos, o
professor paranaense finaliza esclarecendo que desde que observadas as
regras atinentes a essas atividades, compreende-se que não se podem
39
TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. Belo Horizonte:Del Rey, 2000, p. 280. 40
Obra já citada, p. 280/281. 41
ROXIN, Claus.Funcionalismo e imputação objetiva no Direito Penal. Trad. Luis Greco.3a ed.
Rio de Janeiro: Renovar, 2002. 42
TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. Belo Horizonte:Del Rey, 2000.
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imputar aos seus agentes os resultados danosos ou perigosos dai
advindos.43
No caso dos autos, a conduta imputada ao acusado
estava dentro do limite de suas atribuições, pois na condição de político,
parlamentar e ministro, era natural que entrasse em contato com empresários,
ouvindo-lhe as demandas e atendendo-as sempre que possível.
Em outras palavras, de acordo com a teoria da
imputação objetiva proposta por Claus Roxin, a conduta do acusado não
ultrapassou o risco que lhe era permitido. O mesmo pode-se dizer com relação
aos itens (c), (d), e (e), vez que todas as condutas que lhe são imputadas estão
inseridas dentro de suas atribuições profissionais.
De igual forma, de acordo com a teoria da
imputação objetiva proposta por Jakobs, pode-se afirmar que a conduta
apontada pela acusação como caracterizadora da tipicidade objetiva, na
verdade, não a caracteriza.
Segundo Jakobs, o homem, por ser um ser social, -
pensamento muito semelhante ao do filósofo Ortega y Gasset – divide seu
espaço, mantendo contatos sociais, no qual cada um é portador de um papel.
Com base neste fundamento, Jakobs assevera que aquele que violou seu
papel, administrando-o de forma deficiente, responderá jurídico-penalmente44.
Logo, aquele que agiu conforme seu papel social, não pode responder jurídico-
penalmente por sua conduta.
No caso em discussão, a conduta apontada pelo
ministério público como caracterizadora de uma eventual tipicidade objetiva do
43
Obra já citada. 44
JAKOBS, Gunther. Derecho Penal. Parte General. Trad. Joaquim Cuello Contreras e JoseLuiz Serrano Gonzáles de Murillo. Madrid:Marcial Pons, 1997.
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crime de corrupção passiva diz respeito ao papel social desempenhado pelo
acusado, pois eram inerentes a sua política. Em outras palavras, é natural que
o político atenda demandas de setores da sociedade.
Por outro lado, ao contrário do que quer fazer crer o
órgão acusador, não há necessidade de que as reuniões com setores da
sociedade – empresários incluídos – sejam cercados de maiores formalidades,
nada havendo de irregular caso o político seja recebido na sede da
empresa.
Como se vê, além da vantagem não ser indevida, o
acusado Antônio Palocci Filho jamais determinou que se fizessem pagamentos
não contabilizados ou no exterior, e tampouco praticou atos que criassem ou
aumentassem qualquer risco juridicamente proibido.
III.3. Da ausência da prática de ato de ofício por parte do acusado.
Ausência de utilização indevida do cargo para favorecer os interesses do
grupo Odebrecht
Não obstante o pedido de condenação formulado
pelo órgão acusador em suas alegações finais, o conjunto probatório
amealhado aos autos revela a inexistência de ato de ofício que pudesse ter
sido praticado pelo acusado como contrapartida aos valores disponibilizados
pelo grupo Odebrecht ao Partido dos Trabalhadores.
Como se sabe, o crime de corrupção passiva exige
a prática de ato de ofício.
Nesse sentido ensina a doutrina:
“É indispensável para a caracterização do ilícito em estudo
que a solicitação, recebimento ou aceitação de vantagem seja realizada pelo funcionário
público em razão da função (ainda que fora dela ou antes de assumi-la). A vantagem
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solicitada, recebida ou prometida consubstancia-se em uma contraprestação à
realização ou abstenção de algum ato de competência específica do funcionário público
(ato de ofício).
Dessa forma, não comete o crime em questão, por
exemplo, o funcionário do Detran que solicita dinheiro para expedir carteira de
motorista sem os respectivos exames, quando não tiver atribuição específica para a
prática de tal ato, ainda que a qualidade de funcionário público facilite tal ilegalidade”45
.
Ocorre, como visto, que o relacionamento – que
nada tinha de espúrio – entre o acusado e o grupo Odebrecht era pautado por
interesses legítimos, como declarou o réu colaborador Marcelo Odebrecht:
“Defesa de Antonio Palocci e Branislav Kontic:- E o
Palocci, que o senhor chama aí de 'Italiano', alguma vez tratou com o senhor assuntos
relativos à Petrobras?
Marcelo Odebrecht:- Não. Assuntos da Petrobras, a única
coisa é o seguinte, o único pedido que eu fiz a ele, que eu acho que foi esclarecido, se
eu não me engano, por Jorge Mitidieri, foi uma questão que envolvia uma concorrência
na área de E&P, sobre a questão dos risers, risers tal, que era um projeto que eu achava
que tinha legitimidade institucional até para fazer o pedido a ele, porque era quebrar o
cartel de preços internacionais. Então fiz um pedido que foi mais ou menos em
dezembro de 2010, janeiro de 2011, e até consta lá que depois eu falei que aquele
assunto não está indo bem, que foi em relação a esse pedido que eu fiz, específico dele,
por causa da Petrobras. Foi esse pedido que eu fiz pra ver se ele ajudava a gente a
quebrar esse cartel, ajudar a gente a ser uma das opções contratadas para fazer uma
questão de risers, risers flexíveis...
Defesa de Antonio Palocci e Branislav Kontic:- Foi uma
conversa republicana, então?
Marcelo Odebrecht:- Foi. Petrobras não fazia, fora essa
questão de pressão dele pra vir, mas Petrobras não fazia parte da minha agenda
45
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Especial. Vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 432.
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realmente com o Palocci. Minha agenda com o Palocci era ampla, tinha vários temas.
Mas a Petrobras não fazia parte da minha agenda com o Palocci”.
“Marcelo Odebrecht:- Doutor Batocchio, eu acho o
seguinte, tudo que o Governo fez foi legítimo, tudo que nós pedimos foi legítimo. Eu
acho que a ilegitimidade, a ilicitude, está, no meu modo de ver, no pedido que foi feito
pra mim no papel, na hora em que eu estava negociando esse assunto e quer... se ele
não tivesse feito o pedido lá na frente, era capaz de a gente doar os mesmos 50 milhões.
Então, a ilicitude se deu por eles terem feito o pedido no momento em que a gente
estava negociando”.
“Marcelo Odebrecht:- Nem meu, nem dele. Não houve
nenhum pedido específico nem dele por parte de recurso para viabilizar o acordo. O que
havia era o seguinte, eu tinha, de fato, uma agenda, como falei para o senhor, eu diria
que quase a integridade da minha agenda, senão toda, com o Palocci, era uma agenda
legítima. Eu defendia interesses legítimos”.
Nesse mesmo sentido foram os esclarecimentos
prestados pelo ora acusado em seu interrogatório:
“Assistente de Acusação:- Durante todo o tempo em que o
senhor exerceu os cargos públicos que referiu e de deputado também, o senhor soube
de alguma doação feita pela Odebrecht com a reciprocidade de algum projeto de
interesse da empresa?
Antônio Palocci Filho:- Da empresa Petrobrás?
Assistente de Acusação:- Não, da interesse da Odebrecht.
Antônio Palocci Filho:- Ah, da Odebrecht?
Assistente de Acusação:- É, alguma doação.
Antônio Palocci Filho:- Alguma doação?
Assistente de Acusação:- Sim, alguma doação que tivesse
uma contraprestação...
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Antônio Palocci Filho:- Doação eleitoral?
Assistente de Acusação:- É.
Antônio Palocci Filho:- Que fosse contraprestação a um
serviço prestado ou a um apoio político?
Assistente de Acusação:- Apoio do governo, projeto do
governo.
Antônio Palocci Filho:- Não, eu nunca soube, eu nunca
soube, em relação à Petrobrás, menos ainda.
Assistente de Acusação:- Não, não, não é Petrobrás, em
geral.
Antônio Palocci Filho:- Do governo em geral nunca soube
da chamada contrapartida, acho que é esse ponto que o senhor quer...
Assistente de Acusação:- Vantagem né, para a empresa.
Antônio Palocci Filho:- Certo, certo, nunca vi discussões
nesses termos. Soube agora lendo o que está acontecendo, os depoimentos, tudo, mas
nunca tive contato com esse tipo de coisa, nunca me foi solicitado por nenhum membro
da Odebrecht nenhum apoio com promessa de contrapartida, eu nunca ofereci, nunca
fui solicitado... Por exemplo, o Marcelo, assim, não preciso dizer o quanto se falava em
contrapartidas no congresso nacional sobre a MP460, era uma coisa... Quando eu lhe
digo que um assessor liga para o seu chefe e diz “Estou aqui com o deputado Palocci,
ele vai votar”, quando eu acabei de falar que não, o senhor imagina o interesse que está
em torno disso, então isso aconteceu intensamente no congresso nacional, agora
jamais eu recebi da Odebrecht qualquer pedido ou ofereci para Odebrecht qualquer
contrapartida em situação vinculada à Petrobrás ou não vinculada à Petrobrás, e nesse
projeto específico, 460, eu votei contra mesmo sabendo da importância que ele tinha
financeira, aqui a questão era defender o erário público, o tesouro nacional, e não os
interesses privados”.
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“Defesa:- Em alguma vez houve solicitação de
contrapartida ou oferta de contrapartida?
Antônio Palocci Filho:- Olha, doutor, no congresso
nacional... No ministério não...
Defesa:- Não, do senhor, em relação a sua conduta.
Antônio Palocci Filho:- Eu pedindo?
Defesa:- É.
Antônio Palocci Filho:- Não, eu acho que contrapartida é
corrupção, tem nome bem definido, e...
Defesa:- E o senhor jamais...
Antônio Palocci Filho:- E eu jamais pediria isso, e acho eu,
eu defendo o relacionamento, isso eu disse publicamente, converso com empresas
sobre isso, que as empresas, como eu disse, me perguntam, eu digo “Olha, façam um
relacionamento transparente”, eu acho que se a lei fala que as empresas devem
contribuir, hoje não mais, mas caso a empresa faça, faça transparente, alguns
perguntavam pra mim se deveriam dar para outros candidatos que não o meu candidato,
eu sempre falei que sim, que achava que deveria dar, que participar da democracia é
fazer uma doação aberta”.
“Juiz Federal:- Então nessa ação penal 505493238,
continuidade do depoimento do senhor Antônio Palloci Filho, ainda continuando as
perguntas do juízo. Ele disse aqui, salvo engano de interpretação minha, que ele teria
levado ao senhor uma solicitação, um pedido de pagamento de vantagem indevida que
teria sido levada a ele pelo senhor João Vaccari relativamente a essas sondas, isso
aconteceu mesmo?
Antônio Palocci Filho:- Acredito que não, me lembro de
outra situação parecida onde ele me procurou porque havia um pedido, não me lembro
de quem, sobre submarinos, ele me procurou e me perguntou se isso era interesse do
governo, do partido, eu falei “De maneira alguma”, ele não queria também mexer dessa
forma, porque em todo o meu relacionamento com a Odebrecht, nesses anos todos, eles
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jamais me pediram uma contrapartida e jamais eu dei margem para que eles pensassem
que era possível a contrapartida vinculada a recurso de campanha, jamais. O Marcelo
dizia que para ele também não interessava.
Juiz Federal:- Quem era o beneficiário dessa solicitação?
Antônio Palocci Filho:- Essa solicitação do submarino?
Juiz Federal:- É.
Antônio Palocci Filho:- Ele me deu a entender que era do
partido, eu não me lembro a pessoa, ele me deu entender que era o partido, e ele me
pediu para ajudar a tirar esse assunto na mesa, eu falei “Olha, com a maior satisfação eu
faço isso, porque eu sou absolutamente contra a qualquer contribuição vinculada a
projeto”, principalmente que esse era um projeto internacional, com efeitos
complicadíssimos... Inclusive saiu uma matéria recentemente na televisão toda
recortada sobre isso em que ele fala que ele pediu meu apoio para não fazer pagamento,
ali está parecendo que ele fez o pagamento.
Juiz Federal:- E o que o senhor fez, daí?
Antônio Palocci Filho:- Eu lembro que eu dei algum recado
ao partido, porque, olha...
Juiz Federal:- Deu algum recado pra quem?
Antônio Palocci Filho:- Eu não me lembro detalhe, doutor,
eu posso me esforçar para fazê-lo, trazer essa história para o senhor, trarei por escrito,
pessoalmente, se...
Juiz Federal:- O senhor não lembra nem pra quem que era
a propina e nem com quem o senhor falou?
Antônio Palocci Filho:- Pra quem era, era para o partido...
Juiz Federal:- Mas quem era o portador da mensagem?
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Antônio Palocci Filho:- Acredito, eu posso não estar sendo
a verdade, normalmente nessa época quem pedia recursos para o partido era o Vaccari,
não tinha outra pessoa pedindo nessa época, e ele, o Marcelo, me procurou e falou
“Olha, tem um pedido aqui vinculado ao projeto do submarino, eu não gostaria de
trabalhar assim”, eu falei “Não, se você não gostaria e eu não aceito em nome de
governo, de PT, de quem quer que seja, que isso aconteça, se acontecer eu me coloco
absolutamente fora dessa questão, porque você sabe, você sabe que é assim”, ele
concordou, e talvez eu tenha falado com alguém na época, com o próprio Vaccari ou
com alguém do partido, e falei “Olha, não é assim que eu acho que deve proceder”, e
isso não foi a única vez que aconteceu, algumas vezes aparecia coisa assim “Ah, é
vinculado a projetos”, eu sempre disse ao Marcelo, uma vez falei com ele de maneira
muito insistente de que... Porque ele não gostava, mas dizia eles que em situações, às
vezes tinha situações que eram difíceis, eu falei “Olha, faça difícil, mas faça direito”,
uma coisa é uma grande empresa com naturalidade contribuir com uma campanha...”.
Ou seja, a prova dos autos revela que jamais
houve um ato de ofício praticado pelo acusado como contrapartida ao
recebimento dos valores constantes da planilha “Italiano”.
Agora fica claro por qual motivo o ministério público
ofereceu denúncia inepta: não se poderia apontar o ato de ofício praticado pelo
acusado porque ele jamais existiu. A prova penal colhida no decorrer da
instrução apenas corrobora essa assertiva.
E, na defesa absolutamente legítima dos
interesses empresariais do grupo Odebrecht, Marcelo teve dezenas de
reuniões com o acusado:
“Marcelo Odebrecht:- Eu tive dezenas de encontro com o
Palocci, então ...”.
A bem da verdade, o relacionamento entre Antônio
Palocci Filho e o grupo Odebrecht era inclusive anterior à chegada de Marcelo
Odebrecht à presidência da holding:
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“Juiz Federal:- E o senhor, a partir desse contato em 2008,
o senhor continuou sendo o interlocutor, do grupo Odebrecht, do senhor Palocci?
Marcelo Odebrecht:- Eu não era o interlocutor único, quer
dizer, na verdade como a relação de Palocci era anterior a minha, com o meu pai e
Pedro, eles continuavam como interlocutores. O Palocci era meu interlocutor principal
nesse assunto, mas durante esse período, principalmente, ele continuou interagindo
com outras pessoas da empresa. Acho que, basicamente, meu pai, Pedro Novis e
Alexandrino, acho que eram as três pessoas que ele interagia”.
“Antônio Palocci Filho:- Tá, então, bom, tá, eu diria assim,
o meu relacionamento com a empresa é antigo, talvez desde o fim da década de 90, e ele
se dava com o senhor, principalmente com o senhor Emílio Odebrecht, posteriormente
também com o senhor Pedro Novis, na primeira etapa não era o Pedro Novis, era o
presidente da empresa, se não me engano, o senhor Álvaro Cunha, nossos primeiros
contatos, depois, logo depois Pedro Novis, então tinha algumas conversas com o doutor
Emílio e o doutor Pedro Novis, conversas, assim, muito sobre o Brasil, eles tinham
muito interesse em conhecer o PT, como eu era prefeito do PT tinham muito interesse
em conhecer a relação que o PT poderia ter com o governo, eles viam, falavam que viam
o PT como um possível futuro governo, queriam conhecer o PT e conhecer as
experiências do PT concretas e tal, então eu estive muitas vezes com eles, eles sempre
foram pessoas muito cordiais em termos, assim, desse relacionamento, algumas vezes
com o ex-presidente Lula, poucas vezes sozinho, a maioria das vezes o próprio
presidente me convidava para ir ou o senhor Emílio Odebrecht convidava para reuniões,
eu tinha uma relação com eles.
Juiz Federal:- O senhor tinha contatos frequentes com
eles, com pessoas do grupo?
(...).
Antônio Palocci Filho:- De 2002 para frente, eu tive vários
contatos, e aqui, se o senhor me permite, há uma grande mudança, assim, do estilo e da
gestão da empresa até 2008, e depois de 2008, em 2009 quando o Marcelo Odebrecht
assume, o estilo da empresa e da liderança muda radicalmente”.
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Com efeito, se fosse verdade que o grupo
Odebrecht teria “comprado a lealdade” de Antônio Palocci Filho, a conclusão
natural seria que a disponibilização de valores consubstanciados na planilha
“Italiano” apenas reforçaria a “compra” anterior, e, logo, reforçaria que o
acusado – em razão de estar “comprado” – deveria atender todos os interesses
do grupo Odebrecht.
O fato do acusado ter votado, enquanto deputado
federal, contra aludidos interesses desmonta, por si só, a tese acusatória.
Note-se, conforme esclareceu Marcelo Odebrecht,
que a questão do IPI era sua principal e mais importante pauta, vez que a
empresa Braskem, presidida por ele à época, poderia entrar em falência:
“Juiz Federal:- Aí tem algumas siglas, LM, BJ, BJ2, BK e
HV. O senhor pode me explicar isso aqui, o que são essas siglas?
Marcelo Odebrecht:- (...). No caso de BK, que foi o
primeiro, que foi... Teve uma mudança na jurisprudência do Supremo envolvendo o IPI
crédito prêmio e o IPI alíquota zero. Isso gerou um passivo enorme para várias
empresas, no caso da Braskem era um passivo monstruoso que correria o risco da
Braskem quebrar. E aí esses assuntos já vinham sendo discutido quando eu entrei na
Braskem, assumindo como presidente do conselho da Braskem, passou a ser minha
prioridade máxima. Até eu assumi o conselho da Braskem, antes de assumir a
Odebrecht S/A, exatamente para cuidar desse assunto. E várias empresas negociavam
esse assunto. Todas as grandes empresas do Brasil estavam na mesa de negociação.
Obviamente que a Braskem tinha um passivo grande, eles sabiam. Eu tinha uma relação
na época com o Palocci e que ele me introduziu, eu tinha uma relação com o Guido, mas
não com... Ele me introduziu a Guido, reforçou o ponto. Então eu tinha também algumas
reuniões, sozinhas, com o Guido, ou com o Palocci, pra reforçar a necessidade de fazer.
Esse assunto demorou uns dois anos, já começou antes de mim, depois demorou mais.
E aí, em determinado momento da negociação, enquanto a gente estava discutindo a
questão do REFIS da crise, que acabou gerando um EIP que se beneficiou não só
aquelas empresas, como também acho que outras empresas com outros passivos
tributários puderam entrar. (...)”.
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“Defesa de Antonio Palocci e Branislav Kontic:- Obrigado,
eu queria saber isso que não tinha ficado muito claro. A Braskem se beneficiou,
portanto, do REFIS da crise, a exemplo do que ocorreu com inúmeras empresas
brasileiras exportadoras de bens e serviços. Pergunto ao senhor, a situação da
Braskem, se não fosse aprovado esse plano de parcelamento do débito tributário, que o
Supremo Tribunal Federal exigiu a partir de um julgado, seria uma situação de pré-
insolvência da Braskem?
Marcelo Odebrecht:- Podia ter quebrado, ela
provavelmente ia quebrar. O passivo poderia chegar acho que a 4 bi, quebraria a
Braskem à época, junto com a crise, mas aí com isso foi feito o REFIS e aí se pode pagar
isso (inaudível) e parcelado.
Defesa de Antonio Palocci e Branislav Kontic:- E isto se
deu também, suponho, com várias outras empresas, é do seu conhecimento?
Marcelo Odebrecht:- Sim, esse problema era do setor
siderúrgico, setor de álcool e várias outras empresas que tiveram problemas”.
“Juiz Federal:- No período em que o senhor foi Ministro
Chefe da Casa Civil, em 2011, o senhor teve encontros com Marcelo Odebrecht?
Antônio Palocci Filho:- Provavelmente, tive provavelmente,
não frequente porque a minha atividade não permitia, era uma atividade muito intensa,
mas provavelmente sim, provavelmente sim.
Juiz Federal:- No período em que o senhor foi deputado o
senhor teve encontros?
Antônio Palocci Filho:- Aí foi mais frequente porque...
Juiz Federal:- O seu interlocutor no grupo Odebrecht era o
senhor Marcelo Odebrecht ou era outra pessoa?
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Antônio Palocci Filho:- Era mais o senhor Emílio
Odebrecht.
Juiz Federal:- Mais o Emílio?
Antônio Palocci Filho:- É.
Juiz Federal:- E o Marcelo?
Antônio Palocci Filho:- O Marcelo também, o Marcelo me
procurava mais, como eu disse, o Marcelo trabalhava intensamente sua pauta, tudo, ele
esteve comigo uma... Se o senhor quiser uma descrição objetiva para gente sair da
teoria ou para eu não cansá-lo, ele esteve comigo intensamente na discussão da MP
460, era um assunto espinhoso, delicado, complicado, que diz respeito a uma coisa
chamada créditos de IPI de exportação, isso foi dado no passado para os empresários,
era um crédito alto, era 10 por cento de IPI das exportações era dado como crédito para
as empresas, isso eram valores bilionários, depois de um momento, quando o Brasil
arrumou sua economia isso foi extinto, em 1990 me parece, todas as grandes empresas
estabeleceram uma tese jurídica de que isso não estava extinto por alguma razão que os
céus explicavam...
Juiz Federal:- Sim, eu estou familiarizado, e o que o
Marcelo pedia ao senhor?
Antônio Palocci Filho:- Ele me pedia que, ele sabia que eu
liderava um movimento contra o retorno desse IPI, eles queriam validar o imposto,
anular a anulação desse imposto ocorrida no ano de 1990, significava não só retomar o
imposto para o presente e o futuro, como pagar, reconhecer um passivo extraordinário
das empresas, que as empresas não pararam de se creditar desse imposto.
Juiz Federal:- Entendi.
Antônio Palocci Filho:- Elas, apesar de ser extinto, as
empresas colocavam no seu balanço como ativo, como ativo, então...
Juiz Federal:- Sim, eu estou familiarizado com o assunto, e
qual foi a sua posição?
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Antônio Palocci Filho:- Eu disse a ele, assim,
categoricamente que eu não poderia jamais apoiar essa medida por dois motivos,
primeiro que eu era totalmente contra ela, segundo que a minha posição ali era muito
decisiva para o processo, porque na bancada do meu partido, o PT, eu tinha temas
econômicos, eu era muito consultado, vamos dizer, até decisivo. E se eu adotasse uma
posição favorável a esse projeto, o PT era o único partido, com alguns aliados mais
afetos à questão do erário público, vamos dizer assim, com alguns aliados mais rígidos
nessa questão, o PT era um dos poucos partidos que estava resistindo a essa medida,
essa medida para o senhor ter uma ideia envolvia valores de mais de 100 bilhões de
reais. Então eu disse ao Marcelo repetidas vezes que eu não podia apoiá-lo, recebi com
educação evidentemente, mas disse diversas vezes a ele que eu não podia apoiá-lo e
disse a ele que se fosse aprovada a medida eu trabalharia para que ela fosse vetada; a
pressão no congresso foi de tal ordem que um dia um assessor de uma grande
federação veio à minha frente, pediu meu apoio à medida e eu disse “Não vou apoiar,
não posso apoiar”, ele telefonou para o presidente dessa federação e disse “Estou aqui
com o ministro Palocci, ele garantiu o apoio a essa medida para nós” e desligou o
telefone, eu falei “Escuta, acabei de dizer que não vou votar”, “Não, deixa assim, que
depois a gente resolve”, então era assim que as coisas... Depois eu tive que ligar pra
essa pessoa, para esse líder, e falar “Olha...”...
Juiz Federal:- Ele prestou um depoimento aqui, salvo
engano de interpretação minha, mencionou que teria tratado com o senhor, conversado
sobre o REFIS da crise...
Antônio Palocci Filho:- O que aconteceu, essa medida,
portanto, foi votada, foi aprovada amplamente no congresso, e eu particularmente sei
que também o ministro Guido Mantega trabalhamos junto ao Presidente da
República para vetar essa medida. Semanas depois o Supremo Tribunal Federal
chamou o processo e decidiu que esses valores deviam ser devolvidos, os valores
retidos pelas empresa deviam ser devolvidos e que esse crédito de IPI de exportação
não existia mais, e aí houve, no REFIS da crise se deu, se propôs o parcelamento do
pagamento dessas obrigações, então saímos de uma situação onde as empresas não
queriam pagar imposto e fomos para uma situação onde o governo, eu não participei
disso, minha participação não tinha muita relevância nisso, era uma questão de
governo, organizar como seria o pagamento, em quantas parcelas seria o pagamento
dessa...
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Juiz Federal:- E o senhor não tratou com o senhor Marcelo
Odebrecht sobre esse assunto?
Antônio Palocci Filho:- Ele mandou e-mails pra mim,
querendo discutir detalhes e tal, eu falei pra ele “Olha, esse assunto aí já é um detalhe
técnico que você tem que procurar o Ministro da Fazenda”, ele se espantou muito
comigo quando eu votei contra a medida 460, ele falou que não tinha entendido porque
eu tinha votado contra, eu tinha falado pelo menos umas dezessete vezes pra ele que eu
era contra a medida.
Juiz Federal:- E sobre esse parcelamento posterior, a sua
posição era favorável, desfavorável?
Antônio Palocci Filho:- Eu precisaria, eu estou sem acesso
à internet, eu precisaria ver a minha posição, mas ali eu acho que não tem nenhum voto
contra, acho que foi até votação simbólica porque na verdade houve a crise econômica
de 2008, metade das empresas brasileiras chegaram perto de quebrar por causa do
outro problema, que foi os derivativos cambiais, então se fez aquilo pra salvar um grupo
enorme de empresas, então essa votação, se não me engano, pode ter sido inclusive
simbólica porque era uma coisa, assim, vamos organizar, parcelar o pagamento, ali não
estava se fazendo bondade nenhuma, estava se fazendo, viabilizando uma forma de as
empresas poderem pagar, senão ninguém ia pagar, no fundo ninguém ia pagar e aí ia ter
uma perda de ativos e empregos extraordinária”.
Como se vê, em um assunto que era prioridade
máxima do presidente da Braskem (o corréu Marcelo Odebrecht), que geraria
um passivo tributário de nada menos do que R$ 4.000.000.000,00 (quatro
bilhões de reais), assunto esse que resultou em intenso assédio por parte de
Marcelo Odebrecht contra o acusado, Antônio Palocci votou contra os
interesses do grupo Odebrecht.
Ausente, portanto, a demonstração de que o
acusado praticou qualquer ato de ofício como contrapartida ao montante
disponibilizado pelo grupo Odebrecht para a campanha presidencial de 2010.
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18
Aliás, a ausência de prática de ato de ofício é
confessada pelo ministério público em suas alegações finais.
Com efeito, provavelmente por força do hábito, o
parquet federal pede a condenação do acusado, mesmo sem apontar qualquer
ato de ofício por ele praticado que tivesse relação com o pagamento de
vantagem indevida.
Confira-se:
“Da forma como estabelecida a relação, os pagamentos
das vantagens indevidas não ocorreram como forma de contrapartidas específicas
vinculadas a cada uma das vantagens proporcionadas por ANTONIO PALOCCI, mas
como uma relação ilícita mais extensa, como uma forma de comprar a lealdade e
atuação reiterada de ANTONIO PALOCCI para a concretização dos diversos projetos e
agendas de interesse do grupo Odebrecht que necessitassem da intervenção na mais
alta esfera do Executivo Federal” (fls. 17, evento 978).
“A respeito da sistemática de solicitação e pagamento de
vantagens indevidas implementada entre ANTONIO PALOCCI e MARCELO ODEBRECHT
em relação à licita- ção para contratação de 21 sondas, esclareceu MARCELO
ODEBRECHT que, em decorrência da relação ampla que mantinha com ANTONIO
PALOCCI e dos substanciais valores negociados e provisionados ao longo de todo o
tempo em benefício do Partido dos Trabalhadores, o pagamento a ANTONIO PALOCCI
pela atuação no caso das sondas estava englobado na conta corrente de propina
mantida com ANTONIO PALOCCI e contabilizados na Planilha Programa Especial
Italiano, sem que tivesse sido estabelecida uma contrapartida específica para o caso das
sondas” (fls. 46, evento 978).
De tal sorte, ausente ato de ofício, a absolvição é
medida que se impõe.
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19
Importante destacar que o Supremo Tribunal Federal
sequer admite o recebimento da denúncia na hipótese de não se demonstrar a
relação de causalidade entre a vantagem supostamente recebida e a prática de
ato de ofício:
Inquérito. 2. Competência originária. 3. Penal e Processual
Penal. (...).9. Tipicidade, em tese. Art. 317, caput,
combinado com § 1º, do CP (corrupção passiva), e art. 333,
parágrafo único, do CP (corrupção ativa). Indícios de
autoria.
10. Nexo improvável entre a prática do ato de ofício e a
vantagem. Inexistência de requerimento de produção de
provas que tenham real possibilidade de demonstrar a
ligação.
11. Denúncia rejeitada”46
.
EMENTA: CRIME DE CORRUPÇÃO PASSIVA. ART. 317 DO
CÓDIGO PENAL. A denúncia é uma exposição narrativa do
crime, na medida em que deve revelar o fato com todas as
suas circunstâncias. Orientação assentada pelo Supremo
Tribunal Federal no sentido de que o crime sob enfoque
não está integralmente descrito se não há na denúncia a
indicação de nexo de causalidade entre a conduta do
funcionário e a realização de ato funcional de sua
competência. Caso em que a aludida peça se ressente de
omissão quanto a essa elementar do tipo penal excogitado.
Acusação rejeitada47
.
Mesmo no julgamento da ação penal nº 470 (caso
mensalão) pelo Supremo Tribunal Federal, em que as condutas dos envolvidos
foram analisadas com notório rigor, ainda assim exigiu-se o nexo de
46
STF, Inq 3.705, 2ª Turma, rel. Gilmar Mendes, DJ 15.09.2015. 47
STF, Inq. 785, plenário, rel. Ilmar Galvão, DJ 07.12.2000.
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20
causalidade entre a vantagem indevida e os atos de ofício de competência do
então presidente da Câmara João Paulo Cunha:
CAPÍTULO III DA DENÚNCIA. SUBITEM III.1. CORRUPÇÃO
PASSIVA. CORRUPÇÃO ATIVA. PECULATO. LAVAGEM DE
DINHEIRO. AÇÃO PENAL JULGADA PARCIALMENTE
PROCEDENTE. 1. Restou comprovado o pagamento de
vantagem indevida ao então Presidente da Câmara dos
Deputados, por parte dos sócios da agência de publicidade
que, poucos dias depois, viria a ser contratada pelo órgão
público presidido pelo agente público corrompido.
Vinculação entre o pagamento da vantagem e
os atos de ofício de competência do ex-Presidente da
Câmara, cuja prática os réus sócios da agência de
publicidade pretenderam influenciar. Condenação do réu
JOÃO PAULO CUNHA, pela prática do delito descrito no
artigo 317 do Código Penal (corrupção passiva), e dos réus
MARCOS VALÉRIO, CRISTIANO PAZ e RAMON
HOLLERBACH, pela prática do crime tipificado no artigo
333 do Código Penal (corrupção ativa)48
.
E ainda:
(...) 1.2. Improcedência da acusação. Relativamente ao
primeiro episodio, em virtude não apenas da inexistência
de prova de que a alegada ajuda eleitoral decorreu de
solicitação que tenha sido feita direta ou indiretamente,
pelo primeiro acusado, mas também por não haver sido
apontado ato de oficio configurador de transação ou
comercio com o cargo então por ele exercido49
.
48
STF, AP 470, plenário, rel. Joaquim Barbosa, DJ 22.04.2013. 49
STF, AP 307, plenário, rel. Ilmar Galvão, DJ 13.10.1995.
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21
O Superior Tribunal de Justiça caminha nesse
mesmo sentido:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO
PENAL E PROCESSO PENAL. ART. 317, § 1º, DO CP.
CORRUPÇÃO PASSIVA. ATIPICIDADE DA CONDUTA.
CRIME FORMAL. CONSUMAÇÃO. NEXO DE
CAUSALIDADE. ACÓRDÃO FIRMADO EM MATÉRIA
FÁTICA. SÚMULA 7⁄STJ. MANUTENÇÃO DO DECISUM A
QUO. ART. 619 DO CPP. AUSÊNCIA DE OMISSÃO.
1. O crime de corrupção passiva, delito formal que se
consuma com a prática de um dos verbos nucleares
previstos no art. 317 do Código Penal, refere-se ao crime
praticado por funcionário público, lato sensu, contra a
administração pública e ocorre quando este, no exercício
de suas funções ou em razão delas e até mesmo antes
de assumi-la, solicita ou recebe vantagens, mesmo que
seja por promessas, para praticar, omitir ou retardar
determinado ato de ofício50
.
Citam-se, ainda, precedentes do Tribunal Regional
Federal da 4ª Região:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. CORRUPÇÃO PASSIVA.
PERITO NOMEADO NO JUÍZO FEDERAL. COMPETÊNCIA
MANTIDA. ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO. VANTAGEM
INDEVIDA. TRÁFICO DA FUNÇÃO. PROVAS
INSUFICIENTES. ABSOLVIÇÃO. 1. Tendo o réu atuado
enquanto perito, em ação perante a Justiça Federal,
inegável a lesão a serviço da União. Competência mantida.
2. Não restou satisfatoriamente demonstrado ser indevida
50
STJ, AgRg no REsp 1.519.531, 6ª Turma, rel. Sebastião Reis Junior, DJ 03.08.2015.
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a vantagem, pois, mesmo que não tenha se utilizado da via
correta (judicial) para cobrança de honorários, o acusado
ainda era o perito nomeado quando solicitou o pagamento
à parte autora. 3. Além disso, lança dúvida sobre a
presença do elemento normativo do tipo o fato de ter se
verificado que o valor solicitado era compatível com o
trabalho a ser desenvolvido. 4. Ainda, conforme doutrina e
jurisprudência, necessário, também, para perfectibilização
da corrupção passiva, que se aponte ato de ofício do
funcionário que configure transação ou comércio com o
cargo ou função então exercida, o que não ocorreu nestes
autos. Absolvição que se impõe, com apoio no art. 386, VI,
CPP51
.
PENAL. CORRUPÇÃO PASSIVA. ART. 317 DO CP.
PROMESSA DE PRATICAR ATO DE OFÍCIO. ELEMENTO
OBJETIVO DO TIPO. PRESENÇA. PRINCÍPIO DA
FRAGMENTARIEDADE. PROVAS INSUFICIENTES. 1.
Conforme sólido entendimento doutrinário e
jurisprudencial, para a caracterização do crime de
corrupção passiva é indispensável que o agente público
receba vantagem indevida pela prática (ou promessa) de
um ato de ofício específico. 2. Mesmo que a troca de
favores entre o servidor estatal e o agente da iniciativa
privada seja eticamente reprovável, eventualmente
autorizando punição no âmbito administrativo, para que
disso resulte persecução criminal é preciso que ocorra
lesão de intensidade profunda aos interesses tutelados
pelo ordenamento, em observância ao princípio da
fragmentariedade, vigente em nosso sistema penal. 3. Tal
dano é justamente constatado no ilícito em comento
quando o agente que granjeou a benesse irregular realiza,
como contra prestação, algum ato ex officio. 4. No
51
TRF-4, AP 2002.70.07.000311-6, 7ª Turma, rel. Tadaaqui Hirose, DJ 26.04.2006.
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presente feito, não logrou a acusação demonstrar a
existência dessa elementar. 5. Não houve, in casu,
comprovação de ser ilícita a vantagem recebida, ou que foi
oferecida em razão da posição do funcionário público. 6.
Recurso improvido52
.
Ademais, em razão das particularidades da presente
ação penal, não é o caso de se afirmar a prescindibilidade da demonstração de
atos de ofício por envolver parlamentar ou ministro de Estado na época dos
fatos, aludindo a uma difusa “influência política”.
Em primeiro lugar, porque o Supremo Tribunal
Federal jamais aludiu a essa ilegal espécie de interpretação extensiva do tipo
penal do art. 317 do código penal, nem mesmo no julgamento do caso
mensalão.
Com o devido respeito às opiniões contrárias,
condenar alguém aludindo simplesmente a “influência política” significa, na
prática, na própria criminalização da atividade política.
Em segundo lugar, porque, no tocante ao acusado,
a suposta “influência difusa” e indevida não restou demonstrada.
Como parlamentar, porque o acusado votou contra
uma das principais e mais importantes agendas do grupo Odebrecht.
Como ministro da Casa Civil, porque o acusado não
agiu para beneficiar os interesses do grupo Odebrecht no caso envolvendo a
Sete Brasil, como se passará a demonstrar em seguida.
Em outras palavras, com ou sem ato de ofício,
não restou demonstrado nos autos uma atuação indevida com o
52
TRF-4, AP 2003.04.01.007503-4, 8ª Turma, rel. Élcio Pinheiro de Castro, DJ 21.01.2004.
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propósito de favorecer ilicitamente os interesses do grupo Odebrecht
junto ao governo federal.
III.4. A Sete Brasil e a contratação das sondas
De acordo com a denúncia, o acusado teria
interferido “na definição do modelo de contratação das 21 sondas restantes,
formatando tal modelo de acordo com os interesses do grupo empresarial”.
Para fundamentar a condenação, o ministério
público aponta a existência de e-mails e reuniões entre o acusado e o grupo
Odebrecht.
Contudo, o órgão acusador olvidou-se do
esclarecedor depoimento do corréu colaborador Marcelo Odebrecht, que
esclareceu (i) que petrobras não fazia parte da agenda entre ele e Antônio
Palocci Filho; (ii) que a formatação da contratação das sondas via Sete Brasil
não possuía interesses escusos, mas sim interesse da então presidente Dilma
Roussef em buscar privilegiar as empresas nacionais em detrimento das
estrangeiras; (iii) a formatação da contratação das sondas via Sete Brasil não
foi especificamente discutida com o acusado, pois era um assunto de interesse
da então presidente da República.
Confira-se o longo e detalhado relato de Marcelo
Odebrecht:
“Juiz Federal:- O senhor pode me descrever o seu
envolvimento nessa questão das sondas?
Marcelo Odebrecht:- Excelência, essa questão das sondas,
na verdade, sempre foi uma questão complicada dentro de casa. Nós tínhamos duas
empresas, isso nasceu lá em 2009, esse assunto das sondas é o seguinte: lá em 2009
não existia ainda nem ideia da gente construir no Brasil, em 2008, 2009, tem até uns e-
mails na denúncia do Barusco pedindo o nosso apoio para defender as teses da
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Petrobrás, junto à Dilma. Nasceu o seguinte, a Petrobras fez um lançamento de uma
licitação para afretamento de sondas, que era um negócio da Odebrecht Óleo e Gás, e
na época nós tínhamos interesse, nós íamos comprar as sondas da Coréia e afretar para
a Petrobrás. E a ideia era a Petrobras fazer uma licitação de 40 sondas, eu acompanhava
isso através do... Eu era presidente do conselho da Odebrecht Óleo e Gás, e eram
investimentos relevantes, cada sonda 600 milhões que era um investimento aí... eu tinha
um acompanhamento mais de perto. Bom, aí a Dilma ficou chateada quando descobriu,
descobriu que: “Pô, não tem nenhum sentido, quer dizer que a Petrobras vai fazer essa
licitação e todas as sondas vão ser compradas no exterior” e tal. E a Petrobras mesmo
dizia que aqui no Brasil não tinha capacidade de fazer isso. E pedia nosso apoio para
ajudar a Dilma a mostrar que não tinha. E no final das contas acabou tendo
compromisso entre a Petrobras e o governo, e o governo buscou as empresas para dar
um certo conforto ao governo de que seriam capazes, que era o seguinte: o governo
aceitou, lá em 2008, 2009, deixar 12 sondas serem licitadas, com o compromisso de que
as outras 28 seriam depois licitadas para serem construídas no Brasil. E aí começa a
discussão interna nossa porque, para a Odebrecht Óleo e Gás, era ruim fazer no Brasil,
porque essas sondas, quase todas as sondas do mundo, foram feitas na Coréia, talvez
umas poucas foram feitas em Cingapura, e o Brasil queria inventar de construir sondas
aqui no Brasil. Inclusive com um conteúdo nacional absurdo, que era uma briga que eu
tinha porque, para o senhor ter idéia, a sonda feita na Coréia, que construiu quase todas
as sondas do mundo, 35... a informação que eu tive, é que 35% do conteúdo é coreano, e
o Brasil queria produzir uma sonda com 60% de conteúdo brasileiro. Quer dizer, coisa
de maluco. E aí começou uma discussão, a gente descobriu... a gente, claramente, os
preços aqui não eram viáveis. E aí tinha uma pressão enorme, principalmente da Bahia,
Jacques Wagner, e do Eduardo Campos, que era uma relação que a gente cuidava
porque a gente sabia do potencial dele, para gente construir um estaleiro na Bahia e
outro em Pernambuco pra fazer as sondas, pra participar. E a gente, querendo cair fora e
ficar só na parte de afretamento e comprando as sondas da Coréia. E aí o senhor vai ver,
teve várias discussões aqui, a gente achando uma maneira: “Será que tem como
compensar, a gente ganha o afretamento e compensa.” Mas eram empresas diferentes
dentro do grupo, consórcios diferentes, não tinha como compensar uma coisa com
outra. Então, nós nunca chegamos, internamente, a uma conclusão. Nós nunca nos
entendemos. Tanto que é por isso que eu nunca acabei levando esse assunto. Agora, a
pressão vinha sempre de lá pra cá pra gente participar, o presidente dizia que
“Vocês têm que participar” e vinha com esse modelo, “Vocês é que têm preços
altos”, e dizia “O preço é aqui.” E aí vieram, que a gente não teve nenhuma participação,
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vieram com a ideia da tal da Sete Brasil, que na verdade qual era a ideia dela? Não sei
que participação ela teve, eu acho que Gabrielli deixou claro. Na época todo mundo
entendia... e a gente entendia o quê? Eles sabiam que o custo de construção no Brasil
era maior do que o coreano. Aí eles inventaram o modelo Sete Brasil que teria
financiamento barato, custo de capital barato, e quando você joga custo de capital
barato com custo de construção caro, você sai com uma tarifa que é aceitável para a
Petrobrás. É essa história. Quer dizer, a tarifa de afretamento era aceitável para a
Petrobras ainda que você contrate com um preço mais caro, porque o custo de
capital é mais barato. E aí vieram com o modelo Sete Brasil, que eu nunca entendi.
Aliás eu tive oportunidade de falar com vários acionistas da Sete Brasil e dizer: “Olha,
eu não sei qual é a conta, a conta não fecha.” Tanto é assim que a empresa Odebrecht
Óleo e Gás ela se tornou sócia da Sete Brasil nas sondas que ela ia operar. E a gente
tinha dois negócios: de operação e o investimento das sondas. O investimento das
sondas era um mal negócio. A gente conseguia compensar um pouco, pelo negócio de
operação, mas era um mal negócio. Mas, no fundo, é aquela história, Excelência, vem a
pressão... Outro dia teve, por exemplo, a Dilma uma vez me deu a maior bronca porque
Lula foi lá no estaleiro lá visitar SUAPE e Eduardo Campos comentou com ele que a
Odebrecht estaria vindo pra lá. Aí ele falou: “Pô, você quer tudo, você já tem o estaleiro
aqui, deixa eles lá pra fazer na Bahia.” Então...
Juiz Federal:- Entendi, mas umas perguntas mais
específicas agora, senhor Marcelo Odebrecht. Nessa folha 59 tem um e-mail que o
senhor mandou, o senhor fala: “Chegou no ‘Italiano’ a fofoca, via Petrobrás, que
estaríamos saindo, desistindo da Bahia.” E depois ali: “Eu neguei, afirmei, tal... ele tem
claro que a linha vai ser na compensação, via tarifa de arrendamento.” O senhor
conversou esses assuntos, a respeito dessas sondas, com o senhor Antônio Palocci?
Marcelo Odebrecht:- Não, provocado por eles, esse
assunto falava com ele e com outros porque vinha pressão. E essa linha, eu acho
que o Gabrielli deve ter claro, é aquilo que eu falei, ficou claro pra todo mundo, que o
único modelo que tornaria aceitável construir aqui no Brasil, a um custo maior, era um
modelo onde você pudesse compensar, via custo de capital da empresa investidora, um
valor de afretamento aceitável.
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Juiz Federal:- E o senhor passou, vamos dizer, a
Odebrecht tinha uma pretensão nesse sentido de que a linha... o valor do arrendamento
fosse compensatório para custo de construção?
Marcelo Odebrecht:- Não, porque pra nós, é como eu falei
para o senhor, a gente até pensou isso no início, mas como eram empresas distintas, eu
tinha sócios distintos, nós não conseguíamos evoluir. Então, pra gente, não
necessariamente era um... Resolvia, lógico, aí a gente tinha uma empresa nossa, e
avaliar o afretamento em si, e a outra ia avaliar a construção.
Juiz Federal:- Mas por que então o senhor afirmou: “Ele
tem claro que a linha...”?
Marcelo Odebrecht:- Porque essa era a linha que na
verdade veio do governo, eu acho que o Gabrielli pode ter explicado que a única
maneira de compensar o custo de construção mais alto no Brasil, já que eles queriam
fazer no Brasil com o custo de capital, com custo Brasil e tudo, e sabiam que a
construção era mais cara, a única maneira que eles teriam de compensar isso era
bolando um modelo onde eles tinham não o que a Petrobras ia contratar, não era a
construção. O que a Petrobras ia contratar era o afretamento. Entre o afretamento e a
construção ia entrar uma variável, que era custo de capital, que tornaria o valor do
afretamento aceitável para a Petrobras, então esse era o modelo do Sete Brasil.
Juiz Federal:- Entendi. Mas por que o senhor ... o Antônio
Palocci falou, deu ao senhor essa informação?
Marcelo Odebrecht:- É. Exato. Não, mas essa informação
foi dada por ele... o modelo Sete Brasil é isso. Quer dizer, o modelo Sete Brasil é
compensar o custo de construção maior no Brasil, via tarifa de arrendamento, que é o
que a Petrobras contrata. Isso era claro pra todo mundo.
Juiz Federal:- Então o senhor discutiu esse negócio com
ele ou não discutiu, com o senhor Antônio Palocci?
Marcelo Odebrecht:- Esse assunto vinha sempre dentro do
embolso de discutir a questão dos estaleiros, forçando a gente para investir. No
fundo o que nós queríamos era cair fora da construção e entrar só na parte de
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afretamento, que era um melhor negócio do que a construção. O problema é que o que o
governo esperava da gente era que a gente fizesse um investimento na Bahia e entrasse
na parte de construção.
Juiz Federal:- Mas o senhor discutiu esse assunto com o
senhor Palocci ou não? Isso que o senhor...
Marcelo Odebrecht:- Também, foi dentro desse contexto,
mas não foi muito com o Palocci não. Esse assunto, não discuti... por exemplo, esse
assunto das sondas eu até discuti mais esse assunto com a Dilma, do que com o
próprio Palocci. Porque esse negócio de preço, tudo, era mais a cabeça dela. Então,
esse assunto até das sondas foi mais discutido com ela, tanto é assim que tem até um e-
mail que eu mando pra Márcio, de uma reunião que eu tive com a Dilma, sobre outro
assunto, que era de arenas, tudo, que estava tendo problema, e aí ela puxou o assunto
das sondas dizendo: “Pô, vocês com preço alto, eu vou bolar um modelo...”, que era
Sete Brasil, “onde eu vou permitir novos entrantes para quebrar o preço no Brasil.” Qual
era a cabeça dela? A Sete Brasil ia contratar estaleiros virtuais, iam entrar inclusive
estaleiros da China, tudo, e na cabeça dela ia quebrar o custo Brasil. Eu falei: "Tá bom.
A senhora vai, tudo bem.” O que eu sempre disse pra ela: “O custo é caro, se a senhora
encontrar o modelo que, via custo capital, reduza para afretamento, tudo bem.” Era o
que eu sempre dizia, assim. Mas essa discussão até tive mais com Dilma do que
com Palocci.
(...).
Juiz Federal:- Depois, na folha 71 ali e seguinte, acho que
é esse e-mail que o senhor se referia do senhor Márcio Faria...
Marcelo Odebrecht:- Página?
Juiz Federal:- 71.
Marcelo Odebrecht:- 71, é exatamente.
Juiz Federal:- Aí 2 horas e 55 minutos, acho que foi a
duração da reunião, é isso?
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Marcelo Odebrecht:- Foi, foi.A maior parte dessa reunião
foi assunto das arenas.
Juiz Federal:- O senhor teve uma reunião nessa data com
a ex-presidente?
Marcelo Odebrecht:- Tive, foi o... Na verdade eu tinha
solicitado essa reunião [com a então presidente Dilma Roussef] porque teve um problema
com as arenas de futebol, financiamento. Eu me lembro bem dessa reunião porque é
12/05, eu estava viajando com minha mulher porque era aniversário dela, logo depois, e
aí me pegaram no caminho para o aeroporto, eu tive que... Ela foi, eu voltei, aí no outro
dia fui pra Brasília e tive essa reunião pra discutir basicamente o tema das arenas. E aí,
no meio dessa reunião, que foi com o Luciano e o Palocci, que era um problema que a
gente estava tendo de financiamento nas três arenas. No meio dessa reunião ela trouxe
essa questão, ela comentou a questão das sondas e tal, aquela questão dos
investimentos, essa questão de acabar com a rigidez dos grupos locais. E na saída o
Palocci saiu comigo e disse: “Olha, Marcelo, como é que você acha desse novo
modelo?” Eu falei: “Tá ok, a OOG, Odebrecht Óleo e Gás, vai comprar o afretamento e
vai contratar o estaleiro pelo preço que for.” É aquela história, os estaleiros nacionais
iam fazer ao custo de produzir no Brasil e esse custo ia ser minimizado pelo custo
capital da Sete, gerando afretamento que atendesse a todo mundo. Era basicamente
isso.
Juiz Federal:- E isso foi discutido nessa reunião?
Marcelo Odebrecht:- Não, o mode... foi, de certa...
genericamente foi. Ela trouxe pra mim essa... Na cabeça dela isso, ia quebrar a rigidez
dos custos locais. Eu até tinha pedido para a Dilma ser minha testemunha, mas como eu
achei que esse assunto já tinha sido esclarecido pelo Gabrielli, eu até depois resolvi não
pedi mais a ela, mas foi porque eu achei que esse assunto estava bem esclarecido pelo
Gabrielli, como se deu.
Juiz Federal:- Na reunião estava presente Antônio Palocci
e...
Marcelo Odebrecht:- Antônio Palocci, o Luciano Coutinho
porque o tema da reunião era os financiamentos para as arenas de futebol, e a Dilma.
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(...).
Juiz Federal:- No e-mail lá: “Estavam LC e Itália.” 'Itália' é
então?
Marcelo Odebrecht:- Italiano.
Juiz Federal:- Consta lá: “No fim comentei do pré-sal.”
Marcelo Odebrecht:- O Palocci, quer dizer. Exato, esse
tema eu sempre trazia pra ela, que era a questão de a gente estar na Odebrecht Óleo e
Gás, desenvolvendo o pré-sal. Tinha a questão de exploração submarina, era um tema
de muito interesse pra gente, porque a gente achava que tinha um cartel de empresas
internacionais, mas não era construção de sondas. A Odebrecht Óleo e Gás não
constrói sondas e nem quer construir sondas no Brasil.
Juiz Federal:- E aí consta lá: “Ela disse que, com essa
nova licitação, a Petrobras queria introduzir novos entrantes, chineses, pois queria
quebrar a rigidez dos custos locais”.
“Marcelo Odebrecht:- Na cabeça dela, quando a Sete Brasil
entraria, via afretamento, na cabeça dela você teria uma empresa que tem um custo
barato de capital, que compraria, e essa empresa teria o tempo, segundo ela teria o
tempo, para contratar estaleiros que ela chamava estaleiros virtuais. E aí, nessa cabeça
dela, seriam os chineses, os coreanos, viriam para o Brasil. Eu disse pra ela o seguinte:
“Olha, primeiro se eles vieram pra cá para o Brasil, eles vão ter o mesmo custo que a
gente. Então eu não tenho medo de competir com chinês no Brasil. Eu não posso
competir com chinês, com o custo na China. Segundo, eles não vêm.” E eles acabaram
não vindo mesmo porque eles sabem que aqui eles não são competitivos também.
Juiz Federal:- Aí consta lá: “No final da reunião Itália saiu
comigo e voltou depois para me perguntar se eu estava ok com as mudanças para a
nova licitação para afretamento, pois amanhã tem conversa com JSG. Eu disse que sim,
seria uma alternativa para sair do impasse com a OOG, ganhando sonda de afretamento
com a Sete e contratando o estaleiro”.
Marcelo Odebrecht:- É, exato. Eu falei exatamente que
estava ok. Com isso aí a gente entraria, quer dizer, a Sete Brasil, nesse modelo
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visualizado, a Sete Brasil estaria, via custo capital dela, compensando o custo de
construção mais caro no Brasil e eu falei: “Com esse modelo é viável”.
Juiz Federal:- E foi esse modelo que daí prevaleceu?
Marcelo Odebrecht:- Foi. Mas, conforme eu já previa, não
deu certo. Porque eu sempre disse até para os acionistas da Sete Brasil... eu tive
oportunidade de encontrar com vários bancos, que eram acionistas e disse: “Eu não sei
qual a conta que vocês fecharam.” Eu não sei como é que essa conta fecha”.
“Juiz Federal:- Antes de dar a palavra ao senhor, o senhor
respondeu umas questões adicionais aqui do juízo, o senhor respondeu que o
senhor nunca teria tratado desses assuntos da Petrobras com o senhor Antônio
Palocci. Mas esses assuntos das sondas o senhor respondeu antes que o senhor tratou
com ele, ou estou enganado?
Marcelo Odebrecht:- Não, eu disse para o senhor, eu tratei
esse assunto dentro do contexto que vinha essas demandas do governo. Esse assunto
de sonda, Excelência, ele teve uma discussão ampla com o setor empresarial, desde
2008. Em alguns momentos esse assunto veio trazido, o Palocci era um dos que cobrava
da gente o investimento da Bahia, o investimento...
Juiz Federal:- O senhor tratou desse assunto das sondas
também com o senhor Palocci?
Marcelo Odebrecht:- Tratar, no sentido de conversar,
sim. Mas nunca no sentido de pedir alguma coisa, entendeu? Eu estou tendo esse
cuidado de dizer o seguinte, tratar, conversar sobre o assunto, sim, porque eu tive
dezenas de reuniões, esse era um assunto, obviamente que era um assunto sempre
lateral e muitas vezes vinha mais por demanda dele do que minha.
Juiz Federal:- Isso foi assunto também tratado naquela
reunião em que esteve a presidente, o Palocci, o senhor e o Luciano Coutinho?
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Marcelo Odebrecht:- Sim. A questão, Excelência, que eu
fazia o cuidado de ter é o seguinte, tinha temas que era do meu interesse trazer, tinha
temas que era do meu interesse até fugir. Esse era um dos temas que era do meu
interesse fugir, mas esse tema foi conversado.Quando eu digo tratado foi por iniciativa
minha, e não foi”.
Portanto, a menos que o depoimento do réu
colaborador não possua credibilidade, restou devidamente esclarecido que não
foi o acusado que “patrocinou” indevidamente os interesses do grupo
Odebrecht perante o governo federal.
Ao contrário, como esclareceu o colaborador, “a
pressão vinha de lá prá cá”, “porque essa era a linha que na verdade veio do governo”,
“forçando a gente [i. é, o grupo Odebrecht] a investir”.
Esclareceu ainda o réu colaborador que sequer
tratou detalhadamente do assunto com o acusado, “porque esse negócio (...) era
coisa da cabeça dela [Dilma Roussef]”.
Por ser de interesse da então presidente da
República, esse assunto foi tratado mais com a própria Dilma Roussef do
que com Antônio Palocci, sempre segundo o que relatou Marcelo Odebrecht.
O acusado, por sua vez, nega ter tratado do tema
com o então presidente do grupo Odebrecht, o que revela, no mínimo, que a
questão foi tratada de forma muito lateral pelo acusado.
Mas, ainda que o acusado tivesse efetivamente
tratado do assunto com o corréu, ainda assim não haveria nada de ilícito em
sua conduta.
Como deixa claro Marcelo Odebrecht, a “pressão”
exercida pelo governo (e não pelo acusado) não tinha interesses escusos,
mas, sim, buscar uma forma de viabilizar a construção de sondas em
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território nacional, com conteúdo nacional, em linha, aliás, com a
orientação ideológico-econômica que prevalecia no governo da época, de
caráter nitidamente nacionalista e intervencionista.
Ocorre que o acusado, na época dos fatos, exercia
o cargo de Ministro-Chefe da Casa Civil, sendo o principal assessor da então
presidente.
Dentro de tal quadro, ainda que tivesse havido
alguma participação de Antônio Palocci Filho (o que não encontra prova segura
nos autos), deve-se notar que era natural que o acusado envidasse esforços
para buscar a concretização de um modelo criado e concebido pela então
presidente, modelo que encontrava grande resistência das empresas privadas
do setor, que entendiam não ser comercialmente interessante aludido modelo.
O relato do corréu colaborador explica por qual
motivo existiu uma primeira licitação, que foi cancelada, havendo em seguida a
contratação da Sete Brasil, mesmo com preços de afretamento mais caro do
que os propostos na licitação inicial: era a forma encontrada pelo governo (leia-
se: presidente Dilma Roussef) de convencer as empresas a construírem as
sondas em território nacional, o que era visto como mal negócio pela iniciativa
privada, e posteriormente afretá-las à Petrobras por um preço maior.
Na verdade, antes de revelar um proceder espúrio,
os fatos acima comprovam que, por si só, não há absolutamente nada de ilícito
no relacionamento entre políticos e grupos empresariais.
Nesse mesmo sentido foi o depoimento da
testemunha devidamente compromissada José Sérgio Gabrielli de Azevedo,
sintomaticamente não mencionada pelo ministério público federal em suas
alegações finais:
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“Defesa:- Entendi. À época desse e-mail havia uma
licitação para afretamento de algumas sondas que tinha sido frustrado, eu lhe pergunto,
então sendo uma questão importante para a Petrobras, era atribuição da diretoria
executiva deliberar a respeito disso e fazer com que a contratação ocorresse, correto?
José Sérgio Gabrielli de Azevedo:- É, o processo normal
de contratação das sondas mundialmente é por afretamento, você afreta esse
equipamento de um operador que vai trabalhar com esse equipamento e, portanto, esse
equipamento é afretado. Não entra, em geral nas licitações tradicionais não entra a
discussão sobre a construção das sondas porque ela é tomada como um dado mundial,
a frota mundial dessas sondas, um pouco mais de 100 unidades no mundo, a Petrobras
necessitava de 29, um terço a mais, da frota mundial desses equipamentos. A primeira
licitação tentada foi uma licitação por afretamento independente da construção de
estaleiros e essa licitação veio com preços muito altos, o mercado estava muito
aquecido, não existiam sondas disponíveis no mercado e, portanto, o preço do
afretamento, o custo do afretamento estava muito elevado e a Petrobras resolveu partir
para uma outra estrutura de construção, construindo, viabilizando a expansão da
capacidade de construção de sondas no Brasil. Isso evidentemente alterou muitos
interesses naquele momento porque para os afretadores internacionais não havia
interesse nenhum em ampliar a capacidade de produção de sonda criando novos
estaleiros, por outro lado a Petrobras estava condicionada pela política de conteúdo
nacional, de redefinição da indústria naval brasileira e, portanto, a construção de
estaleiros e ampliação da capacidade instalada no mundo em produção desse tipo de
sonda era do interesse da Petrobras.
Defesa:- Entendi. Nesse e-mail, após lhe informar sobre
um dip de finanças e um dip do E&P, ele sugere que em caso de nova licitação fossem
convidadas 4 empresas que já haviam apresentado proposta com a inclusão da Sete
Brasil, era uma situação normal que diretores fizessem sugestões em processos
importantes de contratação?
José Sérgio Gabrielli de Azevedo:- Era, porque você está
falando em contratações muito grandes e de equipamentos muito críticos, porque sem
sonda você não... Nós não estamos falando de licitação de lápis ou de papel para
escritório, estamos falando de equipamento extremamente complexo, com muito pouco
produtor no mundo e muito poucos operadores no mundo, portanto você tinha que, no
contexto em que a Petrobras era a grande compradora mundialmente e no contexto em
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que a possibilidade de crescer a produção do pré-sal, iria exigir uma expansão da
capacidade produtiva do mundo inteiro. Como nós estávamos condicionados pela
política de conteúdo nacional nós tínhamos que viabilizar a expansão dessa capacidade
no Brasil. Portanto, qualquer sugestão, qualquer proposta que levasse a uma
viabilização da aquisição dessas sondas a preços competitivos internacionais, do ponto
de vista do afretamento e, ao mesmo tempo, a construção de estaleiros no Brasil era
uma atitude que deveria mobilizar todas as empresas interessadas no assunto.
Dificilmente você teria competição entre elas, nenhuma empresa sozinha seria capaz de
atender a demanda da Petrobras no mundo, então você teria que fazer portanto uma
divisão do conjunto de empresas que poderiam vir a fornecer essas sondas para que a
Petrobras pudesse viabilizar a expansão da exploração do pré-sal brasileiro.
Defesa:- Nesse e-mail o então diretor Renato Duque
sugere o convite de 5 empresas, o senhor se recorda quantas empresas foram
convidadas para a nova licitação que foi iniciada no final de 2011?
José Sérgio Gabrielli de Azevedo:- Olha, na verdade, se fez
convite para várias empresas, não me recordo agora exatamente o número. Mas a
licitação teve um caráter novo, o caráter novo o que era, era que você contrataria as
afretadoras ao mesmo tempo em que teria considerar na contratação a construção no
Brasil, portanto as afretadoras teriam que vir juntamente com empresas que pudessem
construir os estaleiros e viabilizar a expansão da capacidade de produção de sondas no
Brasil, então a licitação não era licitação apenas de afretamento, era licitação de
afretamento associada à construção das sondas no Brasil, porque seriam sondas novas
a serem construídas e teriam que ser construídas no Brasil. Então quase todas as
empresas que puderam fazer, que poderiam vir a fazer estaleiros no Brasil foram
convidadas.
(...).
Defesa:- Doutor Gabrielli, dentro das perguntas que eram
feitas, esse projeto das sondas era um projeto então estratégico também para o governo
federal?
José Sérgio Gabrielli de Azevedo:- Sim, porque na medida
em que viabilizaria a expansão de construção... No final ficou a possibilidade de
construir 5 novos estaleiros no Brasil, um estaleiro no Rio Grande do Sul, um estaleiro
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no Espírito Santo, um estaleiro na Bahia, outro estaleiro no Rio de Janeiro, um estaleiro
em Pernambuco, portanto isso viabilizaria aí uma redefinição espacial da indústria
brasileira naval com estaleiros de grande porte especializados na produção de um
equipamento que é muito sofisticado e com muito pouca capacidade de produção no
mundo, tirando a Coréia e Singapura, basicamente são os dois únicos grandes
estaleiros que produzem esse tipo de equipamento no mundo.
Defesa:- Senhor Gabrielli, o senhor tem conhecimento de
que os custos de produção dessas sondas no Brasil em relação ao mercado
internacional fizeram com que os empresários resistissem bastante a esse modelo?
José Sérgio Gabrielli de Azevedo:- Sim, evidentemente que
o processo de contratação dessas sondas internacionalmente é um processo de
contratação de afretamento, quando você faz um contrato de afretamento você não está
considerando o custo de produção do equipamento que vai ser afretado, portanto o
mercado é um mercado que depende essencialmente dos programas de perfuração e de
exploração de petróleo no mundo para águas profundas, nós não estamos falando de
sondas para águas rasas, estamos falando de sondas para mais de 3.000 metros de
profundidade de lâmina d’água, e esses equipamentos, que são muito complexos, eles
são feitos sob encomenda, não são feitos... Não é um equipamento de prateleira, e esses
equipamentos são afretados. Quando nós introduzimos a questão da construção nós
colocamos duas restrições importantes, uma restrição é que fosse construído no Brasil
e outra restrição que o afretamento calculado fosse equivalente ao afretamento
internacional, evidentemente que isso colocava para o construtor, portanto para quem
fosse construir o estaleiro e quem fosse construir a sonda, um desafio a mais, porque o
custo inicial de um estaleiro é maior do que o custo depois que o estaleiro já está
amortizado e já estão internalizadas as tecnologias que reduzem os custos. Portanto
nós sabíamos que ia ser um desafio a mais, para minimizar esse risco de custos mais
elevados no início da operação os pacotes contratados eram de 5 ou 6 estaleiros, 5 ou 6
sondas, isso portanto viabilizava uma curva de aprendizado de tal maneira que ao
produzir a segunda sonda o custo seria menor, a terceira sonda seria menor ainda, até
que a última sonda deveria ser uma sonda com custo menor. A forma de avaliar a
competitividade da oferta era comparar essa oferta com o custo efetivamente de
afretamento, e isso foi o que a Petrobras fez, e evidentemente isso impunha uma certa
restrição à lucratividade dos estaleiros.
(...).
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Juiz Federal:- Só um esclarecimento do juízo muito
rapidamente, senhor Gabrielli, o senhor tratou desses assuntos relativos a esse projeto
das sondas, essas questões da licitação, de afretamento, desses modelos, com o
senhor Antônio Palocci em 2011?
José Sérgio Gabrielli de Azevedo:- Não, diretamente com
ele não me lembro de ter tido uma reunião um a um com ele, mas com os ministros e
com o governo em geral sim, eu discuti algumas vezes, porque evidentemente era um
projeto muito grande, com impacto estratégico para o país muito grande.
Juiz Federal:- Eu não sei se eu entendi, o senhor tratou
esse assunto com o senhor Antônio Palocci ou não?
José Sérgio Gabrielli de Azevedo:- Eu não me recordo de
reunião um a um com ele, provavelmente ele participou de reuniões em que eu estava
também e tinha outros membros do governo, não me lembro de uma reunião um a um,
pode ser que sim, isolado, eu e ele sozinhos, não me lembro.
Juiz Federal:- E ele tinha alguma posição em relação a
essas contratações?
José Sérgio Gabrielli de Azevedo:- Bom, o governo todo
era favorável a você viabilizar uma maneira de construir essas sondas no Brasil, nós
nunca tínhamos construído essas sondas no Brasil, era um projeto desafiador, era um
projeto estratégico no sentido de desenvolvimento do pré-sal, era um projeto que
quebrava o oligopólio existente dos afretadores internacionais, que controlavam a
criação de novas sondas internacionais, e era um projeto portanto extremamente
fundamental para desenvolver o pré-sal brasileiro com conteúdo nacional, gerando
emprego e renda no Brasil. Portanto o governo estava muito interessado nessa questão,
não por interesses imediatos de empresas, porque inclusive nessa licitação as margens
de lucro das empresas deveriam ser relativamente pequenas porque haviam desafios
enormes em consolidar esse setor novo no Brasil.
Juiz Federal:- Mas ele chegava a ter alguma posição
quanto a esse modelo de contratação, se afretamento ou construção?
José Sérgio Gabrielli de Azevedo:- Sim, porque se fosse
afretamento não poderia ser construído no Brasil, se fosse uma contratação por
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afretamento, a construção fica a depender do afretador e pode ser em qualquer lugar do
mundo, então a contratação como foi feita, ela faz a contratação do afretamento ao
mesmo tempo que condiciona que a sonda que vai ser afretada seja construída no
Brasil, essa necessidade é que levou à montagem da Sete Brasil, que é uma empresa
privada, a Petrobras só tem 5 por cento da Sete Brasil, a Sete Brasil não é uma empresa
da Petrobras, a Sete Brasil é uma empresa privada, 95 por cento de capital privado”.
Veja-se ainda o depoimento prestado pela
testemunha colaboradora Márcio Faria da Silva:
Juiz Federal:- Consta na folha 71 do processo um e-mail
do senhor Marcelo Bahia Odebrecht para o senhor especificamente, de 12/05/2011, e o
senhor indaga ao senhor Marcelo Bahia Odebrecht a respeito de: “Foi boa a conversa?”
E ele respondeu ao senhor “Duas horas e quarenta e cinco minutos, temas principais a
pedido dela, TAV, aéreos, arena, estavam LC e Itália”, o senhor tem esse e-mail aí?
Márcio Faria da Silva:- Tenho sim, senhor.
Juiz Federal:- Ao que ele se referia nessa ocasião?
Márcio Faria da Silva:- Excelência, aqui é o seguinte,
Marcelo tinha essa entrevista com esse pessoal do governo e me perguntou se teria
alguma coisa. Me disse que o objeto não era isso, mas ele poderia ser provocado a falar
sobre esse assunto, então eu disse que não tinha novidade, que a gente mantinha
nossos preços e tudo. Como o senhor vê, houve uma provocação aqui da presidenta ou
presidente, pra mim presidente, dizendo que... Ameaçaram trazer chineses, essa coisa
toda, que não faria a menor diferença pra nós e que não houve, assim... pelo e-mail,
Vossa Excelência pode ver que o objeto não foi o Estaleiro, mas sim no final que ela
referiu a isso.
Juiz Federal:- Era uma conversa do senhor Marcelo
Odebrecht com a então Presidente da República?
Márcio Faria da Silva:- E esses outros presentes aqui na
reunião.
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Juiz Federal:- Ele menciona a lista, estavam LC e Itália,
quem eram essas pessoas?
Márcio Faria da Silva:- LC, Luciano Coutinho, Itália o ex-
Ministro Palocci.
Juiz Federal:- No final desse e-mail ele menciona “No final
da reunião Itália saiu comigo”, quem seria esse Itália?
Márcio Faria da Silva:- É o ex-Ministro Palocci.
Juiz Federal:- Ele disse: “Saiu comigo para me perguntar
se eu estava ok com as mudanças para nova licitação para afretamento, pois amanhã ia
ter conversa com JSG.” O senhor pode me esclarecer esse trecho?
Márcio Faria da Silva:- JSG, José Sergio Gabrielli, que era
o então presidente da Petrobrás, e ele foi discutir sobre a possibilidade de mudar para
afretamento, o que pra nós já estava descartado.
Juiz Federal:- Mas ele indagou ao senhor Marcelo
Odebrecht, então, sobre as mudanças, eventuais mudanças na licitação desse contrato
de sondas?
Márcio Faria da Silva:- Sim senhor, Excelência, aqui o
pessoal achava que se mudasse para afretamento poderia haver um desconto
substancial na construção, o que não ocorreu e o contrato acabou sendo assinado em
construção.
Juiz Federal:- O senhor Antônio Palocci, não sei se
compreendi bem, ele estava defendendo então as posições da Odebrecht nessa
contratação?
Márcio Faria da Silva:- Excelência, eu não sei se
defendendo, ele queria uma alternativa, e quando falaram em alternativa de
afretamento, ao que pode se entender aqui do e-mail, ele se interessou pelo tema e iria
conversar com o Gabrielli”.
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Lembre-se ainda que, perguntado especificamente
sobre a cobrança de vantagens indevidas por Antônio Palocci a respeito dos
estaleiros, a resposta de Marcelo Odebrecht foi taxativa:
“Juiz Federal:- E em relação a esse assunto das sondas,
houve pedido ou solicitação de contrapartida pelo partido do senhor Antônio Palocci?
Marcelo Odebrecht:- Por parte do Palocci, não,
Excelência”.
Ademais, não restou comprovado nos autos que o
acusado tenha procurado diretores da Petrobras para beneficiar interesses do
grupo Odebrecht.
Seja como for, a verdade é que as sondas jamais
foram construídas e os financiamentos do BNDES nunca foram liberados. Não
há sentido algum em se pagar vantagens indevidas dentro de tal quadro.
Em suma, como restou claro dos depoimentos supra
colacionados, mesmo que se presuma a participação do acusado nos fatos,
não estava ele defendendo interesses privados junto à Petrobras, como quer
fazer crer o ministério público.
O que houve, sim, foi uma tentativa de compor um
projeto idealizado pela então presidente da República que fosse viável
economicamente para a iniciativa privada.
De resto, não se pode esquecer que a participação
do acusado nesses fatos não emerge límpida e livre de dúvidas; ao contrário,
salvo melhor juízo, há dúvida fundada a respeito de sua participação nos fatos
narrados na denúncia.
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III.5. As contrapartidas específicas mencionadas por Marcelo Odebrecht
Como visto, o corréu colaborador Marcelo
Odebrecht asseverou reiteradas vezes que a agenda entre ele e o acusado era
legítima e que não entre eles não houve acerto do pagamento de vantagens
indevidas.
Contudo, aludido corréu menciou a existência de
duas contrapartidas específicas que lhe foram solicitadas, utilizando-se, nesse
particular, da palavras “propina”.
Confira-se:
“Juiz Federal:- Essa planilha ela retrata então pagamentos
que o senhor combinou com o senhor Palocci?
Marcelo Odebrecht:- Sim, pagamentos que foram
autorizados ou solicitados por ele, sim. Todos os pagamentos que estão aqui no
programa Italiano, fora o ‘Pós-Itália’, o ‘Pós-Itália’ já não foi mais com ele, mas o
'Italiano', os pagamentos foram autorizados por ele ou solicitados por ele.
Juiz Federal:- Nessa mesma tabela que fala do 'Programa
Especial Italiano', no final tem um saldo, pelo menos a tabela que eu tenho aqui é de 31
de julho de 2012, de 79 milhões aqui, e é dividido em 3 lançamentos específicos, ‘Itália’,
‘Amigo’ e ‘Pós-Itália.’ Por que então essa divisão no final?
Marcelo Odebrecht:- Quando chegou mais ou menos em
meados de 2010, ele já tinha utilizado alguns recursos, nessa conta, nessa planilha
'Italiano' teve duas contrapartidas específicas, talvez depois eu comente, se o senhor
quiser saber, mas, veja bem, quando chegou em meados de 2010 tinha um saldo, ainda,
dessa minha relação com ele. E aí, desse saldo, 50 milhões, que é o que eu chamo de
‘Pós-Itália’, 50 milhões, eu tinha combinado com o Palocci que ia ser gerido... ele
conhecia os 50 milhões, mas eu tinha combinado com o Palocci que esse saldo ia ser
gerido por Mantega, porque foi uma solicitação específica que Mantega fez a mim. Então
esses 50 milhões, em tese, o Palocci sabia dele, mas só poderia mexer com a anuência
de Mantega. Aí tinha um saldo, em meados de 2040, de uns 40 milhões. Do saldo que eu
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tinha combinado com o Palocci, ainda tinha um saldo de 40 milhões. Aí o que eu
combinei com o Palocci foi o seguinte, essa era uma relação minha com a presidência, o
PT. PT e... digamos, presidência do PT no Brasil. Então eu disse: “Olha, vai mudar o
governo, vai entrar a Dilma, essa planilha passa, esse saldo passa a ser a pedido...
passa a ser gerido por ela, a pedido dela.” Aí eu combinei com o Palocci o seguinte, a
gente sabia que ia ter demandas de Lula, a questão do instituto, para outras coisas e tal,
então o que a gente disse foi o seguinte: “Então vamos pegar e provisionar uma parte
desse saldo.” Aí botamos 35 milhões no saldo ‘Amigo’, que é Lula. Então para uso que
fosse orientação de Lula, porque a gente entendia que Lula ainda ia ter influência no PT.
Então como era uma relação nossa com a presidência, PT, isso se misturava. (...).
Juiz Federal:- E o saldo ‘Pós-Itália’ não passava a
autorização pelo Palocci, então?
Marcelo Odebrecht:- Não.
Juiz Federal:- Ou ele tinha também de alguma maneira
como pedir?
Marcelo Odebrecht:- Não, esse saldo da planilha Italiano,
do ‘Pós-Itália’, o Palocci sabia, ele não usou, era gerido por Guido. Aí esse saldo de 50
acabou se incorporando a uma planilha que eu passei a acompanhar depois, com o
Guido, que era a planilha ‘Pós-Itália’, que foi a partir de 2011 que eu comecei, mas aí isso
era com o Guido.
(...).
Juiz Federal:- Aí tem algumas siglas, LM, BJ, BJ2, BK e
HV. O senhor pode me explicar isso aqui, o que são essas siglas?
Marcelo Odebrecht:- As fontes, o que eram as fontes?
Eram, na verdade, as fontes eram empresas do grupo que estavam contribuindo com
essa planilha, essa minha relação. Aqui teve duas contrapartidas específicas que foram
de fato pedidos de pagamentos, ou propina, como quiser chamar, mas teve duas
contrapartidas específicas que foram no caso LM – 64 e BK – 50. Que foi o quê
basicamente? No caso de BK, que foi o primeiro, que foi... Teve uma mudança na
jurisprudência do Supremo envolvendo o IPI crédito prêmio e o IPI alíquota zero. Isso
gerou um passivo enorme para várias empresas, no caso da Braskem era um passivo
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monstruoso que correria o risco da Braskem quebrar. E aí esses assuntos já vinham
sendo discutido quando eu entrei na Braskem, assumindo como presidente do conselho
da Braskem, passou a ser minha prioridade máxima. Até eu assumi o conselho da
Braskem, antes de assumir a Odebrecht S/A, exatamente para cuidar desse assunto. E
várias empresas negociavam esse assunto. Todas as grandes empresas do Brasil
estavam na mesa de negociação. Obviamente que a Braskem tinha um passivo grande,
eles sabiam. Eu tinha uma relação na época com o Palocci e que ele me introduziu, eu
tinha uma relação com o Guido, mas não com... Ele me introduziu a Guido, reforçou o
ponto. Então eu tinha também algumas reuniões, sozinhas, com o Guido, ou com o
Palocci, pra reforçar a necessidade de fazer. Esse assunto demorou uns dois anos, já
começou antes de mim, depois demorou mais. E aí, em determinado momento da
negociação, enquanto a gente estava discutindo a questão do REFIS da crise, que
acabou gerando um EIP que se beneficiou não só aquelas empresas, como também
acho que outras empresas com outros passivos tributários puderam entrar. Mas em
algum momento da negociação, eu estava numa reunião com o Guido, ele escreveu num
papel o valor de 50, mostrou e disse que tinha uma expectativa desse valor para a
campanha presidencial de 2010.
Juiz Federal:- No âmbito da discussão da...
Marcelo Odebrecht:- No âmbito da discussão, obviamente
que ele não chegou pra mim e falou “Olha, Marcelo, só vou fazer isso por causa disso.”
Mas a gente estava discutindo um assunto, ele botou num papel e disse: “Olha, tenho
expectativa de receber isso para 2010.
(...).
Marcelo Odebrecht:- Veja bem, eu não como afirmar se
esse aprouch foi feito ou não em relação as outras empresas, pelo menos comigo foi
porque também a gente tinha uma liderança grande nesse processo. Pediu esse valor,
eu fui falar com o presidente da Braskem, nós concordamos, juntos, eu também
concordei com esse valor, mas não podia tomar a decisão sem a Braskem concordar,
mas o presidente da Braskem na época concordou também, e nós aceitamos então
contribuir para a campanha. Então foi o primeiro, na verdade, apesar de não estar aqui,
foi o primeiro crédito na planilha 'Italiano'. Então eu passei a ter esses 50 milhões, mas
no meu alinhamento com o Palocci seria só gerido pelo Guido. Só o Guido pediria para a
campanha de 2010.
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Juiz Federal:- Mas o Palocci tinha conhecimento?
Marcelo Odebrecht:- Tinha, tinha, tinha. Ele tinha
conhecimento que esse valor foi pedido, mas eu avisei a ele, eu só tinha na época essa
planilha, e eu avisei que o Guido me pediu para a campanha de 2010 e que eu não ia
mexer. Porque aquele meu alinhamento de que eu poderia gastar antes de 2010 eu tinha
tido com o Palocci, não tinha tido com o Guido. Bom, aí logo depois, mais ou menos no
meio do período entre 2009 e início de 2010, teve uma negociação de uma linha de
crédito, envolvendo Angola, que se dava entre os dois países. Nós participávamos
dessa negociação no sentido de dar input para o governo de lá, o governo daqui. Mas
nós nunca entramos na negociação porque era negociação entre os dois países. Nós
tínhamos interesse, era exportação de bens e serviços, nós tínhamos fechado vários
contratos em Angola e que só demandava essa linha de crédito para fazer exportação de
bens e serviços. Quando veio essa negociação de 1 bilhão, como sempre a gente fazia, a
gente tentou mostrar com embasamento técnico que ali era importante a exportação de
bens e serviços. Nunca tinha tido uma solicitação até porque era uma coisa ilegítima,
nunca tinha tido a solicitação. No caso específico dessa negociação de 2009 e 2010, até
eu acho que porque estava se aproximando a eleição, veio, aí veio o pedido, solicitado
pra mim por Paulo Bernardo, na época, que veio por indicação do presidente Lula, para
que a gente dessa uma contribuição de 40 milhões de dólares e eles estariam fazendo a
aprovação de uma linha de 1 bilhão de dólares de exportação de crédito. Bom...
Juiz Federal:- Isso beneficiaria também a Odebrecht?
Marcelo Odebrecht:- Também, aí o que é que... Veja bem,
em tese a gente era grande exportador, mas não necessariamente. Aí o que é que eu fui
fazer? Fui checar com o nosso diretor no país, nós já tínhamos contratado contratos
que montava mais de 600, 700 milhões. Então já estava contratado, só precisava a linha
de crédito para exportar. Então eu perguntei pra ele se a gente conseguiria alocar esse
pedido dentro do nosso lucro, dentro do nosso custo da obra. Ele falou: “Posso, ou
seja, vai reduzir a nossa margem, mas eu consigo alocar.” Então, eu já sabendo que
esses contratos existiam, podia exportar bens e serviços, eu acabei aceitando. Teve até
uma coisa que... O pedido foi de 40, foi feito pelo Paulo Bernardo, toda essa condução
foi feita por Paulo Bernardo, que Paulo Bernardo na época era o Ministro do
Planejamento, Guido não se envolveu nesse assunto específico. Agora, sempre dado
ciência a Palocci, que me ajudava eventualmente com Paulo Bernardo se precisasse. Eu
fui para Palocci e falei assim: “Palocci, olha, o Paulo Bernardo me pediu 40 milhões,
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agora tem um custo de geração desses 40 milhões porque eu vou receber esses 40
milhões através de exportação de bens e serviços, vou ter que fazer uma geração lá
fora. Vou ter que mandar pra cá, tem o custo de geração de 10%.” E aí eu consegui
reduzir com o Palocci esse valor de 40 milhões para 36 milhões de dólares, que
convertido ao câmbio da época deu 64. Esses dois pedidos foram os dois únicos que
vieram essa solicitação de contrapartida específica, por parte de Guido e do Paulo
Bernardo, com a ciência de Palocci, e o conhecimento e o envolvimento dele. Agora, os
outros créditos, que é BJ e HV, esses não vieram pedido de contrapartida específica.
(...)”.
“Marcelo Odebrecht:- Não, não, está aqui. Com o valor que
eu disponibilizei pra ele em final de 2009, início de 2010, a gente passou a ter um saldo
que ele nunca mais chegou ao seu final então não houve futuras demandas. E, como a
partir de 2011, quando ele saiu da Casa Civil, a relação passou a ser... os pedidos da
Presidência passou a vir através do Guido, o que eu tinha já disponibilizado pra ele,
resolveu esses pedidos que ele me fez em 2011, 2012 e 2013. Então nunca teve
necessidade dele me procurar para pedir novos recursos porque, o que ele tinha
comigo, estava atendendo e eu já tinha me comprometido com esses valores”.
“Defesa de Antonio Palocci e Branislav Kontic:- Muito
bem. Com referência a este assunto tangente à solicitação de Paulo Bernardo, o que o
Palocci tem a ver com isso?
Marcelo Odebrecht:- Não, esse assunto, a solicitação
desse pagamento, a solicitação de que a gente pagasse esses 40 milhões veio do Paulo
Bernardo, ele veio com o valor cheio, mas eu dei ciência e o Palocci também se...
Defesa de Antonio Palocci e Branislav Kontic:- Mas eu
quero saber a demanda, se o Palocci teve alguma interferência na demanda?
Marcelo Odebrecht:- Da mesma maneira que o REFIS. Eu
digo o seguinte, o pedido original veio do Paulo Bernardo, assim como o do REFIS da
crise veio do Guido, mas ele estava por trás e eu fui dar ciência a ele, e entender dele se
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era isso mesmo ou se estaria... porque tanto que foi para a planilha dele, então ele tinha
ciência. Mas o pedido original não foi feito por ele.
Defesa de Antonio Palocci e Branislav Kontic:- Agora eu
quero que o senhor, por favor, me explique o que estava por trás, qual é o elemento que
o senhor tem pra dizer dessa participação dele na solicitação?
Marcelo Odebrecht:- Veja bem, o Paulo Bernardo era o
Ministro do Planejamento, que é quem tinha a caneta. Se o Palocci chegasse pra mim e
fizesse um pedido referente à aprovação de crédito, ele não ia ter a caneta pra isso.
Então o pedido veio de alguém que podia impedir essa linha de crédito ocorrer. Da
mesma maneira que o REFIS da crise, o pedido veio através do Guido. Agora, a minha
relação, a minha principal interlocução nesse momento, era com o Palocci, e era o
Palocci que a gente conversava depois quando precisava reforçar com o Paulo
Bernardo, quando precisava reforçar algum ponto com o Guido, então... E o Palocci
tinha ciência e estava no valor que ele depois ia utilizar.
Defesa de Antonio Palocci e Branislav Kontic:- Mas ele
tinha ciência porque o senhor deu essa ciência a ele?
Marcelo Odebrecht:- Não, ele sabia. Quando eu falava com
ele, ele já sabia que o Paulo Bernardo estava me pedindo. Isso aí, veja bem, da mesma
maneira que eu não posso afirmar se ele sabia que o pedido de Vaccari para o Márcio,
se ele sabia... eu não consigo me lembrar se ele sabia ou não antes de eu falar com ele,
mas esses dois assuntos, de Paulo Bernardo e Guido, eu posso afirmar que esses dois
assuntos ele sabia do pedido que foi solicitado, tanto por Guido como por Paulo
Bernardo.
(...).
Marcelo Odebrecht:- Doutor Batocchio, eu acho o
seguinte, tudo que o Governo fez foi legítimo, tudo que nós pedimos foi legítimo. Eu
acho que a ilegitimidade, a ilicitude, está, no meu modo de ver, no pedido que foi feito
pra mim no papel, na hora em que eu estava negociando esse assunto e quer... se ele
não tivesse feito o pedido lá na frente, era capaz de a gente doar os mesmos 50 milhões.
Então, a ilicitude se deu por eles terem feito o pedido no momento em que a gente
estava negociando.
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Defesa de Antonio Palocci e Branislav Kontic:- Quem,
eles?
Marcelo Odebrecht:- O Guido com o conhecimento do
Palocci. Agora, se me perguntar, toda a questão do REFIS da crise era legítima. Aliás, eu
sempre digo o seguinte, a maior parte, infelizmente, o seguinte, a maior parte dos pleitos
empresariais muitas vezes são legítimos, eu...
Defesa de Antonio Palocci e Branislav Kontic:- O Palocci
estava junto quando o Guido pediu isso para o senhor?
Marcelo Odebrecht:- O Palocci não estava junto, mas ele
sabia e ele sabia do pedido de contrapartida. Eu falei com ele, tanto que veio para a
planilha dele.
Defesa de Antonio Palocci e Branislav Kontic:- Um
momentinho, senhor Marcelo. O senhor disse: “Eu falei pra ele...” Então ele sabia
porque o senhor contou?
Marcelo Odebrecht:- Não, ele sabia porque eu fui falar com
ele se era isso mesmo. E ele disse: “É isso mesmo”. Veja bem, é importante o senhor
entender que a minha relação, à essa época eu ainda estava iniciando uma relação com
o Guido. Ou seja, nada que eu fechasse com o Guido, nem com o Paulo Bernardo, eu
devia deixar de checar com o Palocci, pegar o ok dele e tudo. Então ele sabia desse
pedido que Guido me fez. A única questão que eu combinei com ele na época foi o
seguinte: “Agora, Palocci, é o seguinte, esse pedido que o Guido me fez está dizendo
que é pra 2010.” Aí eu e ele combinamos que o Guido usaria esses 50”.
“Defesa de Marcelo Odebrecht:- Boa tarde, Marcelo. Os
pagamentos que foram... que você estava se referindo agora, em relação ao pedido do
Guido, desse valor, finalmente eles foram, quando foram realizados esses pagamentos
desse valor de 40, eles foram autorizados por Antônio Palocci?
Marcelo Odebrecht:- Os 50?
Defesa de Marcelo Odebrecht:- Os 50.
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Marcelo Odebrecht:- Não. Veja bem, a partir de 2011, o
Palocci não acompanhou nem o desembolso dos 50, nem acompanhou os pagamentos
que eu acertei com o Guido. Os pagamentos que Palocci acompanhou é o que está no
'Programa Italiano', foi até... a última posição que eu tenho, 31 de março, que é esse
valor aí, só. Ele não acompanhou, os com o Guido ele não acompanhava”.
Em suma, de acordo com Marcelo Odebrecht, teria
havido dois pedidos de vantagem indevida: um por iniciativa de Paulo
Bernardo, outro por iniciativa de Guido Mantega.
Em ambos os casos, o corréu colaborador alega que
Antônio Palocci tinha ciência dos pedidos, chegando a afirmar, em uma
oportunidade, que o acusado teve “participação” (não no sentido de que uma
parte dos valores seria a ele destinada, mas no sentido de participar da
cobrança da vantagem indevida).
No que tange à existência da planilha, o próprio
Marcelo Odebrecht asseverou que o acusado não foi o responsável por sua
criação, tendo, ainda, contato com ela uma única vez.
Logo, o acusado não poderia administrar algo cuja
existência lhe era desconhecida, e que lhe foi apresentada, em algum
momento, apenas uma única vez.
De toda forma, ter ciência dos alegados pedidos de
contrapartida não lhe torna autor ou partícipe do crime.
Especificamente a respeito do fato envolvendo
Guido Mantega, Marcelo Odebrecht esclareceu (i) que os valores constantes
da planilha eram movimentados por Antônio Palocci até meados de 2011; (ii)
que quando o acusado deixou o governo, os valores passaram a ser geridos
por Guido Mantega; (iii) mesmo antes disso, Marcelo Odebrecht havia alocado
os R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais) à Guido Mantega, e somente
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ele poderia dispor desse montante, ou seja, o acusado não tinha ingerência
sobre aludido valor.
Aliás, “o Palocci não acompanhou nem o desembolso dos
50, nem acompanhou os pagamentos que eu acertei com o Guido”, “... os com o Guido
ele não acompanhava”.
Já no episódio envolvendo Paulo Bernardo, afirma
Marcelo Odebrecht que teria havido um pedido de contribuição de US$
40.000.000,00 (quarenta milhões de dólares americanos) como contrapartida a
aprovação de uma linha de crédito no valor de R$ 1.000.000.000,00 (um bilhão
de reais), e que a contribuição teria saído do montante disponibilizado na
planilha “Italiano”.
Assim, ao menos do que se pode concluir do
depoimento do réu colaborador, o “conhecimento e o envolvimento” de Antônio
Palocci decorre do fato de que o pedido de dinheiro foi levado a seu
conhecimento.
Não estão claras as circunstâncias, e Marcelo
Odebrecht não esclarece isso em seu interrogatório.
Note-se, contudo, que, em ambos os casos, os
pedidos – se é que efetivamente ocorreram – teria sido feitos sempre como
doações eleitorais: com Guido Mantega, para as eleições de 2010; com Paulo
Bernardo, “acho que porque estava se aproximando a eleição”.
Porém, o corréu colaborador esclareceu também
que vários pedidos foram feitos visando diversos pleitos eleitorais, como por
exemplo as eleições municipais de 2008.
Em todas essas ocasiões, o colaborador dizia que
somente faria a doação eleitoral se o acusado autorizasse descontar do
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montante destinado à campanha presidencial de 2010 constante da
planilha “Italiano”:
“Juiz Federal:- Quando que o senhor começou o
relacionamento com o senhor Antônio Palocci, no que diz respeito a esses pagamentos
não contabilizados, aproximadamente?
Marcelo Odebrecht:- Não, eu tenho a data, eu sei
exatamente o que gerou isso, que foi as eleições municipais de 2018...
Juiz Federal:- Dois mil e...
Marcelo Odebrecht:- Desculpe, 2008, as eleições
municipais de 2008. O Palocci me procurou, queria que a gente fizesse um apoio a
algumas campanhas de 2008, municipais, eu disse a ele claramente que a minha
atribuição era cuidar da campanha presidencial. Eu não me envolvia em campanha
municipal, até porque eu tinha empresários que cuidavam disso. Eu não podia interferir
em como os meus empresários faziam essa ou aquela contribuição e pra que campanha.
Mas ele tinha uma demanda de algumas que ele queria resolver e aí o que eu combinei
com ele nessa época foi o seguinte: “Olha, Palocci, então vamos fazer o seguinte, eu
vou fechar com você um valor para a campanha eleitoral de 2010, presidencial, e o que
eu acertar, e se você quiser gastar antes, aí você gasta como você quiser, mas se você
quiser gastar antes, eu vou descontar dessa campanha. Então não espere que chegue lá
e eu vou doar mais.” E aí foi que nasceu, quer dizer, e na campanha municipal de 2018,
acho que foi o primeiro item que tem na planilha... Ou, 2008...”
“Juiz Federal:- Mas esse valor inicial que o senhor
mencionou tinha sido combinado então para a eleição de 2010?
Marcelo Odebrecht:- Não, aí foi o que eu falei. Na verdade,
eu tinha dito o seguinte: “Essa minha relação com você é para a campanha de 2010, se
você gastar antes é problema seu.” Tanto é assim que o quê aconteceu? Quando
chegou na eleição de 2010, em si, a gente praticamente não doou. Até teve uma questão,
que está nas minhas notas lá, que eu explico, que é o seguinte: eu até cheguei pra ele,
cheguei até para o meu pai e falei assim: “Pai, avisa a Lula que ele não vai ver nenhuma
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doação da Odebrecht em 2010, mas é porque, pra ele ter certeza que ele está sabendo,
que a gente já praticamente doou tudo, antes.” Então, na verdade era isso, quer dizer, na
minha cabeça, era o meu compromisso com a eleição à presidência. Se eles gastavam
antes, o problema era deles.
(...).
Juiz Federal:- Bônus que o senhor diz é uma doação
eleitoral registrada?
Marcelo Odebrecht:- Registrada. E aí pode ter sido pra
qualquer candidato do PT, porque meu compromisso era com ele, mas, por exemplo,
chega na campanha, à presidência ou quem está ao redor da presidência, se
compromete a apoiar vários candidatos. Então problema dele. Agora, pode ter sido pra
qualquer candidato, não sei na época informar...
(...).
“Marcelo Odebrecht:- Eu acho que aqui foram pedidos,
estou deduzindo pelo que está aqui, eu não me lembro, mas no geral era o seguinte,
aqui deve ter sido, com certeza, o seguinte, eu até comento isso: quando chegava na
véspera da eleição, em geral por que BJ? Eu e BJ, tinha muitos candidatos do PT que a
gente não tinha interesse em apoiar que faziam pedidos a gente. E a gente fazia o
seguinte: “Olha, se você conseguir aprovação do Palocci, a gente usa um caixa que a
gente tem alinhado com o PT como um todo.” Então aqui deve ter sido para atender
pedidos de outros candidatos do PT que pegaram autorização de Palocci pra fazer uso
desse meu caixa com o Palocci. É por isso que está “Assuntos BJ.” Quer dizer, pedidos
que foram feitos a ele. E 900 deve ter sido o bônus eleitoral que a gente doou ao PT. Por
isso que eu digo que aqui tem doação eleitoral legal, quer dizer, por dentro e por fora”.
Como se vê, o réu colaborador não diz que o
desembolso de tais valores, que teriam sido autorizados por Antônio Palocci,
tivessem qualquer caráter ilícito.
Essas circunstâncias, somadas ao fato de que
Marcelo Odebrecht não esclareceu efetivamente de que forma o acusado teve
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ciência (ou seja, se a “ciência” do acusado significaria participação no delito de
outrem) dos pedidos de vantagens, implicam na existência de dúvida razoável
a respeito do cometimento do crime de corrupção passiva por parte de Antônio
Palocci Filho.
De tal sorte, é razoável concluir que o acusado
autorizou o uso do dinheiro na forma como relatada por Marcelo Odebrecht
acreditando se tratar de uso para as eleições.
Isto é, há plausibilidade jurídica na afirmação de que
o acusado não soubesse que estava participando de atos ilícitos.
Portanto, todos os indícios invocados nas alegações
finais do parquet para incriminar o acusado são afastados por contraindícios
relevantes, não autorizando a prolação de decreto condenatório.
Ao menos nesse sentido é a jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal:
“O indício é admitido pelo Código de Processo Penal e
definido, no art. 239, como a circunstância conhecida e provada que, tendo relação com
o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.
Trata-se de elemento de menor valor probante que a prova direta.
Se assim é, para a utilização do indício como elemento de
convicção sobre a ocorrência de um fato, cabe primeiro considerar se possibilidades
diversas, pelo mesmo raciocínio indutivo, poderiam estar ligadas aos mesmos
elementos provados, revelando, porém, a ocorrência de outros fatos.
Trata-se, aqui, dos chamados ‘contraindícios’, assim
abordados por Malatesta:
O indício pode dar certeza, mas é preciso sempre estar-se
atento contra as insídias desta espécie de prova. E, para
nos salvaguardarmos de tais insídias, é necessário
proceder cautelosamente na avaliação dos indícios,
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considerando escrupulosa e ponderadamente os motivos
infirmantes, de um lado, os contra-indícios, do outro (...).
O contra-indício é não somente um indício que se opõe a
outro, mas uma prova qualquer que se oponha a um
indício: o contra indício, como dissemos, é, em suma, a
prova infirmante do indício (...). (Nicola Flamarino dei
Malatesta, ‘A Lógica das Provas em Matéria Criminal’,
Bookseller, Campinas, SP, 2ª Edição, p. 214)
(...).
Esta Corte tem resistido à tentação de acolher acusações
fundadas em meras ilações”53
.
Não por acaso, o Supremo Tribunal Federal, mesmo
em casos de crimes sexuais, não tem admitido valor à palavra da vítima, se o
relato não pode ser corroborado por outras provas:
EMENTA: INQUÉRITO. CRIME DE ASSÉDIO SEXUAL.
RECEBIMENTO DE QUEIXA-CRIME. AUSÊNCIA DE
ELEMENTOS MÍNIMOS DE PROVA. QUEIXA-CRIME
REJEITADA. Para o recebimento de queixa-crime é
necessário que as alegações estejam minimamente
embasadas em provas ou, ao menos, em indícios de
efetiva ocorrência dos fatos. Posição doutrinária e
jurisprudencial majoritária. Não basta que a queixa-crime
se limite a narrar fatos e circunstâncias criminosas que
são atribuídas pela querelante ao querelado, sob o risco de
se admitir a instauração de ação penal temerária, em
desrespeito às regras do indiciamento e ao princípio da
presunção de inocência. Queixa-crime rejeitada54
.
Ademais, não se pode olvidar que, nesse ponto, a
eventual “participação” do acusado nas alegadas contrapartidas específicas
53
Trecho do voto do min. Gilmar Mendes, relator da PET 3.898, plenário, DJ 18.12.2009. 54
STF, Inq 2033, plenário, rel. Nelson Jobim, DJ 17.12.2004.
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encontra ressonância única e exclusivamente na palavra do réu colaborador,
ou seja, a palavra do corréu encontra-se isolada do conjunto probatório.
Por se tratar de indício absolutamente isolado, não
há prova segura que autorize a condenação do ora acusado.
III.6. O alegado recebimento de dinheiro em espécie por parte do correu
Branislav Kontic
Resta ainda analisar o suposto recebimento de
valores em espécie por parte do acusado, por intermédio de seu então
assessor Branislav Kontic.
De acordo com alguns delatores, a rubrica
“Programa B” da planilha “Italiano” seria uma referência ao corréu Branislav
Kontic.
O corréu colaborador Fernando Migliaccio da Silva
afirmou que Branislav Kontic comparecia eventualmente na empresa para fazer
as supostas retiradas que constam da planilha “Italiano”.
Em primeiro lugar, deve-se atentar que não há
prova nos autos, fora a palavra de réus colaboradores, de que o corréu
Branislav Kontic ia à empresa Odebrecht buscar dinheiro em espécie.
Incide, ao caso, o art. 4º, § 16, da Lei 12.850/13,
que assim dispõe:
Art. 4º.
§16. Nenhuma sentença será proferida com fundamento
apenas nas declarações do agente colaborador
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Pouco importa que sejam um ou mais colaboradores
alegando que Branislav Kontic ia à empresa buscar valores vultosos em
espécie.
Com efeito, afora os interrogatórios dos
colaboradores nenhuma outra prova alicerça seus depoimentos.
E nem se diga que a planilha seria a prova
independente que arrimaria o quanto sustentado pelos corréus colaboradores.
Ora, são os colaboradores que afirma que a planilha
foi criada internamente, para uso do corréu Marcelo Odebrecht. São se trata,
portanto, de prova independente.
Em segundo lugar, a planilha por si só nada prova,
na medida em que se confeccionada em termos cifrados.
De tal sorte, em última análise, o que vem a ser
“programa B” remete, novamente, apenas à palavra dos réus colaboradores.
Como se vê, não há produção de prova
verdadeiramente independente que autorize este r. juízo a tomar como
verdadeiros os fatos narrados pelos corréus a respeito de Branislav Kontic,
pela singela razão de que colaboração premiada não é meio de prova.
Nesse sentido vem se manifestando o eg. Supremo
Tribunal Federal:
“Registro, inicialmente, que o instituto da colaboração
premiada, especialmente nos termos em que disciplinado pela Lei nº 12.850/2013 (arts. 4º
a 7º), vem sendo reconhecido, por esta Suprema Corte, com apoio no magistério
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doutrinário (VALDOIR BERNARDI DE FARIAS, “Delação Premiada: constitucionalidade,
aplicabilidade e valoração”, p. 135/158, 153, “in” “Temas Contemporâneos de Direito”,
org. por José Carlos Kraemer Bortoloti e Luciane Drago Amaro, 2009, Méritos Editora,
v.g.), como relevante instrumento de obtenção de prova, e não como meio de prova (HC
127.483/PR, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Pleno), refletindo, em seu tratamento normativo, o
que se delineou, no plano das relações internacionais, na Convenção de Palermo (Artigo
26) e na Convenção de Mérida (Artigo 37), ambas subscritas pelo Brasil e formalmente já
incorporadas ao sistema de direito positivo interno de nosso País em virtude da
promulgação, respectivamente, do Decreto nº 5.015/2004 e do Decreto nº 5.687/2006.
(...).
Como se sabe, o Supremo Tribunal Federal tem admitido a
utilização do instituto da colaboração premiada (cujo “nomen juris” anterior era o de
delação premiada), ressalvando, no entanto, bem antes do advento da Lei nº 12.850/2013
(art. 4º, § 16), que nenhuma condenação penal poderá ter por único fundamento as
declarações do agente colaborador (HC 94.034/SP, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – RE
213.937/PA, Rel. Min. ILMAR GALVÃO, v.g.):
(...).
O aspecto que venho de ressaltar – impossibilidade de
condenação penal com suporte unicamente em depoimento prestado pelo agente
colaborador, tal como acentua a doutrina (EDUARDO ARAÚJO DA SILVA, “Organizações
Criminosas: aspectos penais e processuais da Lei nº 12.850/13”, p. 71/74, item n. 3.6,
2014, Atlas, v.g.) – constitui importante limitação de ordem jurídica que, incidindo sobre
os poderes do Estado, objetiva impedir que falsas imputações dirigidas a terceiros “sob
pretexto de colaboração com a Justiça” possam provocar inaceitáveis erros judiciários,
com injustas condenações de pessoas inocentes.
(...).
Com tais providências, o legislador brasileiro procurou
neutralizar, em favor de quem sofre a imputação emanada de agente colaborador, os
mesmos efeitos perversos da denunciação caluniosa revelados, na experiência italiana,
pelo “Caso Enzo Tortora” (na década de 80), de que resultou clamoroso erro judiciário,
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porque se tratava de pessoa inocente, injustamente delatada por membros de uma
organização criminosa napolitana (“Nuova Camorra Organizzata”) que, a pretexto de
cooperarem com a Justiça (e de, assim, obterem os benefícios legais correspondentes),
falsamente incriminaram Enzo Tortora, então conhecido apresentador de programa de
sucesso na RAI (“Portobello”).
Mais do que isso, cumpre ter presente, ainda, a correta
observação feita pelo eminente Ministro TEORI ZAVASCKI no julgamento do HC
127.186/PR, de que foi Relator, ocasião em que expendeu considerações relevantes em
torno do instituto da colaboração premiada, advertindo, com absoluta procedência, com
fundamento na legislação pertinente (Lei nº 12.850/2013, art. 4º, “caput” e § 6º), que
“seria extrema arbitrariedade (...) manter a prisão preventiva [de alguém] como
mecanismo para extrair do preso uma colaboração premiada, que, segundo a lei, deve
ser voluntária” (grifei), concluindo, com inteiro acerto, que “Subterfúgio dessa natureza,
além de atentatório aos mais fundamentais direitos consagrados na Constituição,
constituiria medida medievalesca que cobriria de vergonha qualquer sociedade
civilizada” (grifei).
Registre-se, de outro lado, por necessário, que o Estado
não poderá utilizar-se da denominada “corroboração recíproca ou cruzada”, ou
seja, não poderá impor condenação ao réu pelo fato de contra este existir,
unicamente, depoimento de agente colaborador que tenha sido confirmado, tão
somente, por outros delatores, valendo destacar, quanto a esse aspecto, a
advertência do eminente Professor GUSTAVO BADARÓ (“O Valor Probatório da Delação
Premiada: sobre o § 16 do art. 4º da Lei nº 12.850/2013”):
“A título de conclusão, podem ser formulados os seguintes
enunciados:
A regra do § 16 do art. 4º da Lei 12.850/13 aplica-se a todo e
qualquer regime jurídico que preveja a delação premiada.
O § 16 do art. 4º da Lei 12.850/13, ao não admitir a
condenação baseada exclusivamente nas declarações do
delator, implica uma limitação ao livre convencimento,
como técnica de prova legal negativa.
É insuficiente para o fim de corroboração exigido pelo § 16
do art. 4º da Lei 12.850/13 que o elemento de confirmação
de uma delação premiada seja outra delação premiada, de
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um diverso delator, ainda que ambas tenham conteúdo
concordante.
Caso o juiz fundamente uma condenação apenas com base
em declarações do delator, terá sido contrariado o § 16 do
art. 4º da Lei 12.850/13 (...).”55
(grifei)
Mas não é só.
O depoimento de Fernando Migliaccio da Silva
encontra-se repleto de inconsistências.
Em primeiro lugar, a mais flagrante delas, diz
respeito à quantidade de dinheiro em espécie que Branislav Kontic
supostamente iria apanhar com mencionado corréu.
De acordo com Fernando Migliaccio, nas vezes em
que Branislav Kontic ia lhe procurar, eram colocados nunca menos do que
um milhão:
“Juiz Federal: - O senhor conheceu o senhor Branislav?
Fernando Migliaccio da Silva: - Sim.
Juiz Federal: - Ele foi ao seu escritório retirar dinheiro?
Fernando Migliaccio da Silva: - Diversas vezes.
Juiz Federal: - Quando tem aqui então o 'programa B': 2
milhões, 1 milhão e 1 milhão, é ele indo retirar dinheiro?
Fernando Migliaccio da Silva: - Sim.
55
STF, PET 5.700, decisão monocrática, rel. Celso de Mello, DJ 24.09.2015.
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Juiz Federal: - Como é que ele fazia isso?
Fernando Migliaccio da Silva: - Ele ia ao escritório.
Primeiro ele ia da mesma forma que a Mônica. "Como é que vai ser? Quando é que eu
posso vir? Qual o cronograma?" A gente combinava e nas datas que nós... e outra
coisa, era absolutamente proibido eu transacionar recursos dentro do escritório, mas
nesse caso a gente abria exceção. Porque ele falou que não queria, que queria que ele
buscasse e tinha que ser lá. Aí ele ia na minha sala, eu pedia para o prestador trazer os
reais, ele botava na mochila e ia embora.
Juiz Federal: - Entregava em espécie?
Fernando Migliaccio da Silva: - Em espécie, na mão dele,
na minha sala.
Juiz Federal: - Normalmente que quantias cada vez?
Fernando Migliaccio da Silva: - Excelência, foram tantas
vezes que eu não posso precisar, mas sempre nunca menos do que um milhão”.
Ainda de acordo com aludido colaborador, dentro
de uma mochila como a que alegadamente Branislav Kontic portava, caberia
até R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais):
“Juiz Federal: - E cabia tudo isso na mochila, na mala?
Fernando Migliaccio da Silva: - Dependendo das notas,
cabe até uns 2, 3 milhões numa mochila”.
A afirmação do delator dificilmente seria colocada à
prova, na medida em que ninguém iria realizar o experimento acima para saber
se, de fato, uma mochica comportaria até R$ 3.000.000,00 (três milhões de
reais).
Seria, então, a mentira perfeita.
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Ocorre que o colaborador foi desmascarado pelos
recentes fatos envolvendo um ex-deputado federal do Paraná, que teria sido
flagrado portando uma mala com R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), como é
fato público, notório e amplamente divulgado na mídia.
Note-se: no episódio envolvendo o deputado, havia
uma mala contendo R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). No caso dos autos,
afirma-se que Branislav Kontic, em uma simples mochila, acondicionava nunca
menos do que um milhão de reais.
Ora, como se sabe agora, R$ 500.000,00
(quinhentos mil reais) ocupam o volume de uma mala média.
Mas, de acordo com o delator, Branislav Kontic fazia
caber em uma mochila – com aproximadamente um terço ou pouco mais da
capacidade da mala carregada pelo deputado paranaense – nunca menos do
que o dobro do valor contido em uma mala média...
A falácia contada pelo réu colaborador salta aos
olhos.
Esse fato demonstra, por si só, a inconsistência das
alegações feitas pelo corréu delator.
Outra circunstância que revela a falta de
compromisso para com a verdade de Fernando Migliaccio é o fato de que, em
seu interrogatório, tentou ele esconder do juízo a relação pessoal que tinha
com Branislav Kontic, por serem vizinhos.
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Em seu interrogatório, Branislav Kontic deu detalhes
da relação pessoal que mantinham:
“Juiz Federal:- Defensor do próprio acusado?
Defesa:- Tenho, excelência, tenho perguntas. Senhor Brani,
o senhor conhece o senhor Fernando Migliaccio?
Branislav Kontic:- Sim, conheço.
Defesa:- Em que circunstância o senhor o conheceu?
Branislav Kontic:- Nós nos conhecemos da vizinhança do
bairro, é um bairro... Ele mora a duas quadras da minha
casa, é um bairro em que as pessoas caminham muito a
pé, frequentam uma praça, e lá eu o conheci.
Defesa:- O senhor pode dizer o nome da rua que ele mora,
o senhor se lembra?
Branislav Kontic:- Não, não saberia dizer o nome da rua,
mas é uma rua bem próxima.
Defesa:- Duas quadras?
Branislav Kontic:- Duas quadras da minha casa.
Defesa:- O senhor tinha amizade com ele?
Branislav Kontic:- Tinha, tinha uma proximidade pessoal
com ele.
Defesa:- O senhor chegou a frequentar a casa dele?
Branislav Kontic:- Sim, estive na casa dele ao menos duas
vezes.
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Defesa:- O senhor conheceu a esposa dele?
Branislav Kontic:- Conheci.
Defesa:- Pode descrever?
Branislav Kontic:- Era uma senhora da idade dele, da altura
dele aproximadamente, cabelos curtos...
Defesa:- Morena, loira?
Branislav Kontic:- Morena, morena, provavelmente morena,
com cabelo mais claro”.
Lembre-se que a produção de prova além de
qualquer dúvida razoável acerca da culpabilidade do imputado cabe ao
ministério público; à defesa basta a dúvida.
Ocorrre que o ministério público, ou mesmo a defesa
do delator, ante os termos do depoimento de Branislav Kontic, poderiam ter
requerido provas complementares para refutar a alegação de que Branislav e
Fernando Migliaccio não se conheceram nas dependências do grupo
Odebrecht (como relatado pelo delator), mas, sim, na vizinhança onde ambos
possuíam residência (como afirmado por Branislav).
Como não houve pedido de esclarecimentos a
respeito da divergência apontada entre os interrogatórios dos corréus, razoável
concluir que tanto o ministério público quanto a própria defesa de Fernando
Migliaccio aceitaram, ainda que tacitamente, que o relato de Branislav era
verdadeiro.
Logo, conclui-se que o relato de Fernando Migliaccio
não o era.
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Resta evidente, assim, que Branislav Kontic jamais
buscou dinheiro em espécie no grupo Odebrecht.
IV – ABSOLVIÇÃO QUANTO AO DELITO DE LAVAGEM DE DINHEIRO
IV.1. Ausência de crime antecedente
Antes de adentrar na análise da (ausência de)
conduta do acusado no que tange ao crime de branqueamento de capitais, a
defesa pede vênia para, desde logo, pleitear a absolvição de Antônio Palocci
Filho tendo em vista a ausência de prática do crime antecedente, consoante
amplamente exposto no item III da presente peça defensiva.
É que, ausente o crime antecedente, não há que se
falar no cometimento do delito de lavagem de dinheiro.
Mas não é só.
A descrição dos fatos contida na denúncia revela
que o pagamento dos valores alegadamente indevidos deu-se
simultaneamente à ocultação/dissimulação desses mesmos valores.
Significa dizer que a alegada corrupção deu-se no
mesmo momento do suposto branqueamento de ativos, não havendo, de
tal sorte, crime antecedente à lavagem.
Isso porque, repita-se, o crime que deveria ser
antecedente ocorreu, na verdade, de maneira simultânea à tentativa de ocultar
ou dissimular sua origem.
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Confira-se, nesse sentido, as alegações finais do
ministério público:
“Evidentemente, ao solicitar o pagamento a MONICA
MOURA e JOÃO SANTANA de tal volume de recursos oriundos de corrupção (USD 10
milhões), ANTONIO PALOCCI não apenas sabia, mas também pretendia que o
pagamento ocorresse de forma dissimulada, a fim de evitar que as entregas em favor de
MONICA MOURA e JOÃO SANTANA fossem identificadas”.
Ora, é o próprio órgão ministerial quem diz que o
pagamento tido por indevido ocorreu de forma dissimulada, de sorte a não
haver um “crime antecedente” seguido de uma lavagem de ativos.
De qualquer forma, ainda que houvesse
efetivamente um delito de corrupção antecedente, a solução seria a mesma, ou
seja, a absolvição do acusado.
É que, fosse verdadeira a imputação – e
definitivamente não o é – o que retrata a acusação é o chamado “pós fato
impunível”.
Não há como se tentar o milagre da “multiplicação
dos pães” para, em face de uma conduta única e incindível atomizá-la,
forçadamente, para se fabricarem outros delitos e se agravar, por clonagem ou
clivagem, a situação de quem se está acusando... Não é certo, jurídico nem
aceitável!
Trata-se de manifesto abuso praticado na atividade
da persecução penal, seja ela exercida escoteiramente pelo dominus litis ou
por este in solidum com outros importantes atores da cena processual penal...
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Há situações em que a persecução se estrutura em verdadeira e plural societas
punitiva.
Inquestionavelmente atípicos, por isso mesmo, se
exibem os fatos atribuídos ao acusado à guisa de haverem praticado money
laundering, na exata medida em que, denunciado pelo crime de corrupção
passiva, precisamente o delito antecedente ao de lavagem de capitais,
tecnicamente o único entendimento que se pode extrair é que o resultado
apontado (remessa do numerário para pagar virtuais débitos) configura mero
exaurimento daquela infração precedente.
Cogitar-se de delito de branqueamento de capitais
em tese perpetrado pelo autor – ou coautor ou partícipe – do delito anterior
configura, inquestionavelmente, bis in idem. Ninguém empalma numerário
ilícito para colocar em moldura e ficar contemplando em seu espaço vital, como
se obra de arte fora... O inexorável finalismo do crime econômico antecedente
impõe a consideração do desígnio do agente, da meta optata que o anima, que
se consubstancia na fruição do valor ilicitamente obtido... O mais é
nefelibatismo acusatório, irrefreável inclinação expiatória.
A palavra da autorizada doutrina:
“Daí decorre a conclusão inevitável de que o crime de
lavagem de valores quando praticado pela pessoa que praticou o crime antecedente é
exaurimento deste, é o fim desde sempre visado pelo agente, seu complemento ou, até o
meio indispensável ao “sucesso” do primeiro. Quem pratica o tráfico de substâncias que
causam dependência o faz com fim de lucro e se estiver em sua disponibilidade
dissimula o lucro, inclusive em virtude de implicações tributárias.
Alguns países, como é o caso da Alemanha e da Itália,
vedam expressamente a imputação do crime de lavagem de dinheiro a quem foi atribuída
a prática do crime antecedente. No caso de Espanha e Portugal, cuja legislação é
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semelhante à nossa, pois não há vedação expressa, há divergência doutrinária a
respeito, mas a corte superior daquele país, que, no início, era contrária à tese, mas,
acabou adotando-a nos últimos casos que foram submetidos a julgamento.
A situação é idêntica à relação entre furto e receptação,
por exemplo. Ninguém jamais pensou em reconhecer o concurso se quem furta também
dissimula ou oculta os valores com aquele obtido. Imagine-se, por exemplo quanto ao
tráfico de entorpecentes, a situação de uma organização criminosa, em que há divisão
de tarefas, cabendo a um a importação a outro o transporte, a outro a divisão em
pequenas quantidades, a outro a venda e a um quinto a dissimulação do capital obtido,
tudo sob a direção e coordenação de um sexto. Trata-se, sem dúvida, de crime único,
eventualmente em concurso material se houver múltiplas ações, ou continuado se
repetitivas e com os demais requisitos legais. Não vemos cabimento em entender-se a
imputação do tráfico mais a lavagem de dinheiro. Se nossa legislação não está
atualizada e apta a combater mais severamente essa forma de criminalidade o problema
é outro, de alteração da legislação e não do sacrifício do princípio da legalidade.
Esta parece a vontade da Lei, revelada pela investigaçâo
do bem jurídico tutelado e tendo em vista a tipicidade formal e substancial, compreensão
de que tanto estamos carentes como se desenvolveu na primeira parte deste estudo56
”.
“• Atipicidade da “lavagem” praticada pelo autor do delito
antecedente
O justo anseio internacional de reprimir, com maior rigor, a
prática de determinados crimes, buscando apreender bens móveis e sequestrar imóveis,
deles provenientes, para confiscá-los, “estrangulando” financeiramente o crime
organizado transnacional, atrelado ou não ao tráfico ilícito de entorpecentes (cf. nos
comentários iniciais à presente lei, na nota Breve histórico, as Convenções de Viena, de
1988, e de Palermo, de 2000) tem o condão de se sobrepor a certos postulados insitos ao
Direito Penal de um Estado Democrático de Direito, vedando-se que se imponha a
56
GRECO FILHO, Vicente. Tipicidade, Bem Jurídico e Lavagem de Valores. In Direito Penal Especial, Processo Penal e Direitos Fundamentais – Visão Luso-brasileira. São Paulo: Quartier Latin, 2006, 149/169.
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alguém deveres jurídicos utópicos, bem como proibindo-se dupla punição. Com efeito,
não se pode impor a alguém que tenha sido punido pela prática de um crime o dever
jurídico de submeter-se espontaneamente à pena. Daí ser o processo de execução penal
(ao contrário do que sucede na esfera privada) sempre necessário. Nesse sentido,
observamos que a fuga do cárcere, sem violência contra pessoa, daquele que se
encontra cumprindo pena, não constitui qualquer infração penal: salvo o cometimento
de eventual delito de dano ao cerrar grades (CP, art. 163), a conduta do preso que foge
não encontra tipificação no art. 352 do CP, podendo cogitar-se somente, falta grave
(LEP, art. 50, II). Ao contrário, aquele que se encontra em liberdade e auxilia o
condenado a fugir, ainda que sem violência, pratica o crime do art. 351, caput, do
Diploma Penal. Guardadas as proporções, o mesmo raciocínio aplica-se à disciplina do
delito de lavagem de dinheiro. Àquele que é condenado pelo delito antecedente não se
pode impor o dever jurídico de espontaneamente entregar ao Estado, para ser
confiscado, o produto ou o proveito do crime pelo qual foi apenado. É contra a natureza
das coisas, o bom senso e até mesmo a lógica punir o delinqüente por ter, ele mesmo,
sem ofender outros bens juridicamente tutelados – vide nota Prática pelo autor do delito
antecedente de outros crimes (que não o de “lavagem”)-, ocultado ou dissimulado a
origem do dinheiro proveniente do crime que praticou e pelo qual já está sendo punido.
A conduta posterior é, portanto, atípica; a sua punição, ademais, importaria em
inadmissivel bis in idem. Nesse sentido, observa JORGE ALEXANDRE FERNANDES
GODINHO que o intuito de evitar o confisco de bens ilicitamente adquiridos é conatural a
qualquer crime de cunho aquisitivo, sendo um facto posterior impune quando praticado
pelo agente do crime precedente” (Do crime de “branqueamento” de capitais —
introdução e tipicidade, Coimbra, Almedina, 2001, pp. 228-229). Referimo-nos,
evidentemente, tão-só ao autor, co-autor ou participe do crime antecedente e não a
terceiro que o tenha auxiliado na ulterior “lavagem’, como um gerente de banco,
restando ofendido o bem jurídico Administração da Justiça cf. rubrica A eficácia do
efeito genérico da condenação pelo delito antecedente (o confisco do produto do crime).
• Post factum impunível (concurso aparente de normas
penais): O mero exaurimento do delito antecedente, sem ofensa a novos bens jurídicos e
tampouco incremento da lesão ao bem urídico anteriormente vulnerado, como
decorrência natural do mesmo intento, não tem o condão de ensejar outra punição (que
se daria em concurso material) além da referente ao crime antecedente. Nesse sentido,
HANS-HEINRICH JESCHECK afirma que “la acción típica que subsiga al delito y
únicamente pretenda asegurar, aprovechar o materializar la ganancia obtenida por el
primer hecho, queda consumida cuando no se lesiona ningún otro bien juridico e el daño
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no se amplia cuantitativamente por encima del a ocasionado (hecho posterior impune o,
mejor, penado simultáneamente). Aqui lo tipico de la relación entre el delito y el hecho
posterior radica en que el autor debe por lo general realizar ese hecho posterior si desea
que el principal tenga algún sentido para él. Por eso, la apropiación de la cosa hurtada
por parte del ladrón no constituye ninguna apropiación indebida que proceda
contemplar con independencia (...) pero, en cambio, la venta de la cosa a un tercero de
buena fe debe castigarse como estafa, puesto que el patrimonio del adquirente se
lesiona un nuevo bien juridico” (Tratado de Derecho Penal – Parte General, 4ª ed.,
Granada, Comares, 1993, p. 674). Igualmente, SANTIAGO Mir Puig refere-se às condutas
que “constituyen la forma de asegurar o realizar un beneficio obtenido o perseguido por
un hecho anterior y no lesionan ningún bien juridico distinto al vulnerado por este becho
anterior ni aumentan eI daño producido por el mismo” (Derecho Penal – Parte General,
Barcelona, PPU, 1990, p. 741). Entre nós, podemos lembrar o magistério de ANIBAL
BRUNO, para quem “um fato anterior ou posterior, que não ofende novo bem jurídico, é
muitas vezes absorvido pelo fato principal, e não tem outra punição além da punição
deste (mitbestrafte). É o chamado antefato ou pós-fato não punível (...) Neles há sempre
uma pluralidade de ações em sentido naturalista (...) embora só ofendem o mesmo bem
jurídico e obedeçam, geralmente, a um só mitivo, que orienta a linha dos fatos que se
sucedem, tendo por núcleo o fato principal” (Direito Penal, 3ª ed., Rio de Janeiro,
Forense, 1967, t. I, p. 277). Apesar da constatação de que o bem jurídico violado com o
crime de lavagem de dinheiro – a Administração da Justiça – não se identifica,
formalmente, com aquele violado por meio da prática do delito antecendente (v.g., a
saúde pública, no caso de tráfico), a nosso ver há concurso de normas quando o sujeito
ativo do “pós-delito” (a “lavagem”) for o mesmo do delito antecedente. É que o bem
jurídico Administração da Justiça ostenta, in casu, uma peculiaridade. A respeito, bem
observa JORGE ALEXANDRE FERNANDES GODINHO: “Pese embora a realização da
justiça [para nós, Administração da Justiça] ser formalmente um bem jurídico diverso,
em termos materiais verifica-se que, uma vez consumada a lesão do bem jurídico
tutelado pelo crime precedente, surge em seu lugar o bem jurídico que é a realização da
justiça” (ob. cit., p. 239 destaques do autor). Com precisão, este doutrinador traz à
colação as palavras de PABLO SÁNCHES-OSTIZ GUTIERREZ: “Los tipos intentam
prevenir conductas calificadas por poner en peligro bienes jurídicos. Una vez que esto
ya se ha producido (...), el interés en la protección no decae, sino se ve transformado en
otro: el interés en que la Administración de Justicia actúe, para aportar a los bienes
jurídicos la tutela que desde entonces quepa prestarles (restitución del objecto, sanción
del autor, etc.)” (El Encubrimiento como Delicto, Valencia, Tirant lo Blanch, 1998, nº 22,
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apud FERNANDES GODINHO, ob. e loc. Cits.). Levando-se em conta, assim, o conceito
material de bem jurídico, a “lavagem” praticada pelo autor do crime antecedente
constitui mero exaurimento do crime anterior, ou seja, irrelevante penal. Conferir, a
propósito, as pertinentes ponderações de ANDREA GALHARDO PALMA (“Dos crimes de
‘lavagem’ de dinheiro e a tutela penal”, in Boletim do Instituto Manoel Pedro Pimentel,
publicação do Centro de Estudos Penais e Criminológicos, São Paulo, ano II, nº 3, março
de 1998, pp. 26-28), bem como, mais uma vez, as palavras de FERNANDES GODINHO,
que, embora atinentes à legislação portuguesa, também aqui são pertinentes: “O
branqueador terá pois de ser pessoa diversa da que cometeu a infracção geradora dos
lucros. Pelo que não é punível o branqueamento de capitais obtidos pelo próprio através
das infracções precedentes” (ob. cit., p. 240). É de registrar, por fim, e a título de direito
comparado, o art. 6, 2, b, da Convenção do Conselho da Europa nº 141, de 1990, relativa
ao branqueamento ou dissimulação, ao sequestro e ao confisco de produtos de crime, o
qual, após estabelecer a conceituação do que seja lavagem de dinheiro, dispõe que na
legislação dos Estados-membros “il peut être prévu que les infractions énoncées par ce
paragraphe ne s’appliquent pas aux auteurs de l‘infraction principale” (com a seguinte
livre tradução: “pode ser previsto que as infrações enunciadas por este parágrafo não se
apliquem aos autores da infração principal”, isto é, do delito antecedente) (Coopération
Internationale en Matière Pénale — Conventions du Conseil de l’Europe, Strasburgo,
Editions du Conseil de l‘Europe, 1997, p. 89). A mencionada Convenção, portanto, não
exclui a tese por nós encampada e defendida, tudo a demonstrar a seriedade dos
argumentos que a embasam”57
.
Agora, a jurisprudência:
“Não se pune o gastar dinheiro do crime, pós-fato
impunível e natural ao agir desde o início planejado pelo criminoso. Pune-se a conduta
de lavagem, a transformação dissimulada do ilícito dinheiro em lícito.
Daí porque penso que pagar despesas próprias não é ato
de esconder ou dissimular dinheiro ilícito. Não há clandestinidade. Paga o réu suas
contas diretamente, usando dinheiro lícito ou não, mas de forma aberta e não
57
DELMANTO, Roberto, e outros. Leis Penais Especiais Comentadas. São Paulo:Renovar, 2006, p. 552/554.
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70
camuflando ou transmudando a natureza desse numerário. É, no máximo, gastar
dinheiro do crime e isso não vejo como crime.
Por esse raciocínio excluo a caracterização como crime de
lavagem de dinheiro dos pagamentos de cartões de crédito, de passagens aéreas em
suas viagens, de condomínio próprio e despesas com médicos e honorários de
advogados. Todos esses valores foram pagos pelo réu, sem subterfúgios, sem esconder
ou alterar a natureza ou origem do dinheiro”58
.
Como se depreende, a hipótese, se verdadeira,
configuraria situação de autolavagem, ou de mero exaurimento do crime
antecedente, os quais não consubstanciam fato típico na legislação pátria.
Em hipóteses que tais, o que há é simples
asseguramento do status econômico-financeiro alcançado através dos crimes
antecedentes, sendo incogitável a punição autônoma por outra figura
inexistente, sob pena de incursão na vedação legal da dupla incriminação por
um único fato (ne bis in idem).
Objetivamente, a violação da norma incriminadora
da lavagem de dinheiro deve se sustentar na caracterização de uma conduta
socialmente relevante e distinta em relação ao “crime antecedente”.
E, nesse aspecto, deve-se observar que o crime (de
ação múltipla) de corrupção passiva previsto no art. 317 do código penal
ostenta dois verbos constitutivos do núcleo típico incriminador: solicitar e
receber. Cada um deles descreve uma conduta apta a caracterizar o delito.
No entanto, se no caso submetido a exame
ocorrerem as duas condutas, deve-se reconhecer a caracterização de apenas
58
TRF-4, AP 1999.70.00.013518-3, 7ª Turma, rel. Néfi Cordeiro, DJ 05.07.2007.
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um crime.
Explica-se: se no caso concreto o sujeito solicitar a
vantagem e posteriormente vier a recebê-la, o contexto fático que se
apresenta é único como referência para a interpretação do significado social da
conduta. Solicitar e receber a vantagem indevida caracteriza apenas uma única
conduta criminosa. Em outras palavras, o recebimento constitui apenas o
exaurimento da conduta proibida iniciada por meio da solicitação.
Seja a corrupção passiva praticada por solicitação
ou recebimento (no caso do sujeito não ter anteriormente solicitado a vantagem
indevida), é crime que deve estar consumado e acabado anteriormente ao
delito de lavagem de dinheiro e dele se apresentar distinto.
Nos casos em que a corrupção passiva é realizada
por meio de solicitação, o recebimento da vantagem solicitada (exaurimento da
solicitação) pertence ao contexto fático único de incriminação da corrupção e,
por isso, não pode configurar, ao mesmo tempo, meio de execução do crime de
lavagem de dinheiro. O direito penal não estabelece exceções à garantia
fundamental da proibição do bis in idem.
De igual modo, a corrupção passiva praticada por
meio da conduta de receber não pode constituir meio de execução do crime de
lavagem de dinheiro. A remontagem, autofagia conceitual ou sobreposição
típica são inaceitáveis!
Não é possível que o meio de execução da
corrupção caracterize também meio de execução da lavagem de dinheiro, pois
para a caracterização do tipo incriminador deste último crime faltaria satisfação
da exigência objetiva da existência de um crime antecedente.
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Em qualquer caso, segundo a construção típica que
incrimina a lavagem de dinheiro, a corrupção passiva deve se apresentar como
um crime antecedente e não concomitante ou interpenetrado.
Inevitável concluir-se, portanto, que o ministério
público federal ignora a solução hermenêutica do conflito aparente de normas,
mas agora à vista de ação única, quer imputar post-factum impunível.
Observe-se, exempli gratia, que não é por outra
razão que o art. 261 do código penal alemão proíbe que a pessoa que praticou
ou participou do crime antecedente seja punida pelo ato de lavagem da
vantagem obtida com a infração anterior.
Foi exatamente esse, aliás, o fundamento
determinante da absolvição do ex-deputado João Paulo Cunha pelo Supremo
Tribunal Federal, quando do julgamento dos embargos infringentes na ação
penal 470 (Mensalão).
A ementa do julgado, no ponto, não deixa margem a
qualquer tipo de dúvida:
EMENTA: EMBARGOS INFRINGENTES NA AP 470.
LAVAGEM DE DINHEIRO. 1. Lavagem de valores oriundos
de corrupção passiva praticada pelo próprio agente: 1.1. O
recebimento de propina constitui o marco consumativo do
delito de corrupção passiva, na forma objetiva “receber”,
sendo indiferente que seja praticada com elemento de
dissimulação. 1.2. A autolavagem pressupõe a prática de
atos de ocultação autônomos do produto do crime
antecedente (já consumado), não verificados na hipótese.
1.3. Absolvição por atipicidade da conduta. 2. Lavagem de
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dinheiro oriundo de crimes contra a Administração Pública
e o Sistema Financeiro Nacional. 2.1. A condenação pelo
delito de lavagem de dinheiro depende da comprovação de
que o acusado tinha ciência da origem ilícita dos valores.
2.2. Absolvição por falta de provas 3. Perda do objeto
quanto à impugnação da perda automática do mandato
parlamentar, tendo em vista a renúncia do embargante. 4.
Embargos parcialmente conhecidos e, nessa extensão,
acolhidos para absolver o embargante da imputação de
lavagem de dinheiro.
É de se sublinhar que naquela assentada prevaleceu
o voto proferido pelo min. Roberto Barroso. Sua Excelência, ao abrir a
divergência, sustentou que o recebimento da vantagem indevida não justifica a
incidência da hipótese típica caracterizadora do crime de lavagem de capitais:
“O recebimento por modo clandestino e capaz de ocultar o
destinatário da propina, além de esperado, integra a própria materialidade da corrupção
passiva, não constituindo, portanto, ação distinta e autônoma da lavagem de dinheiro.
Para caracterizar esse crime autônomo seria necessário identificar atos posteriores,
destinados a recolocar na economia formal a vantagem indevidamente recebida.”59
Pondere-se também que a min. Rosa Weber, no
julgamento da mesma ação penal 470, ainda antes da interposição dos
embargos infringentes, manifestara-se pela absolvição do acusado João Paulo
Cunha no atinente ao crime de lavagem de capitais, ao argumento de que “o
fato de o pagamento da propina ter sido feito com a utilização de terceiro – a esposa, no
caso de João Paulo Cunha [...] não delineia por si só a lavagem de dinheiro. A forma sub-
reptícia, dissimulada, clandestina do recebimento é ínsita ao próprio crime de corrupção,
e integra, na corrupção passiva – modalidade receber-, a fase consumativa do delito.”60
59
Trecho do voto proferido pelo min. Roberto Barroso. 60
Trecho do voto proferido pela min. Rosa Weber.
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Argumente-se ainda que a min. Rosa Weber trouxe
à ribalta, naquela oportunidade, para fundamentar sua conclusão benigna,
precedentes jurisprudenciais norte-americanos no sentido de que a lei de
lavagem de dinheiro somente se aplica à vista de fatos posteriores à
consumação do crime antecedente ("money laundering statutes apply to
transactions ocorring after the completion of the underlying criminal activity").
Os precedentes citados no voto da digna ministra foram estes:
- United States v. Butler, 211 F.3d 826, 830, decidido
pela Corte de Apelações Federais do Quarto Circuito em 2000, “a lavagem de
fundos não pode ocorrer na mesma transação por meio da qual os mesmos se
tornam pela primeira vez contaminados pelo crime”;
- United States v. Mankarious, 151 F.3d. 694,
decidido pela Corte de Apelações Federais do Sétimo Circuito em 1998, “o ato
que gera o produto do crime deve ser distinto da conduta que constitui a
lavagem de dinheiro”;
- United States v. Howard, 271 F. Supp. 2d 79,
decidido pela Corte de Apelações Federais do Distrito de Columbia em 2002, “a
lei de lavagem de dinheiro criminaliza transações com produto de crime, não
transações que criam o produto do crime”; e
- United States v. Puig-Infante, 19 F.3d 929, decidido
pela Corte de Apelações Federais do Quinto Circuito, “a venda de drogas não é
uma transação que envolve lavagem de produto de crime porque o dinheiro
trocado por drogas não é produto de crime no momento em que a venda
ocorre”.
Percebe-se, destarte, que o Supremo Tribunal
Federal estabeleceu, no concernente ao duo corrupção passiva e lavagem de
capitais, como premissa para reconhecimento deste possível concurso material
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de delitos, que o ato configurador da lavagem há de ser distinto e posterior à
disponibilidade sobre o produto do crime antecedente.
No caso dos autos o órgão encarregado da
acusação entende que o crime de lavagem de dinheiro pode existir em
concomitância com a disponibilidade do produto do crime antecedente,
situação esta incompatível com a premissa fixada pela jurisprudência da nossa
Suprema Corte.
Em uma palavra: como se demonstrou, o
exaurimento do crime antecedente não pode caracterizar, por si só, como
pretende o órgão acusador, como entidade autônoma, o delito de lavagem de
capitais.
Nesse diapasão, se, como quer o ministério público,
o acusado tivesse participado da suposta corrupção passiva antecedente, ele
não poderia ser acusado do crime de lavagem dos valores hauridos com os
pretensos ilícitos antecedentes, sob pena de violação do princípio ne bis in
idem, hipótese em que se impõe a rejeição da inicial acusatória por excesso
acusatório (overcharging).
Nada importa que a consequência prática seja a
eventual impunidade do agente que se utiliza de maior sofisticação e ardil.
Por se tratar de norma penal, incabível a ampliação
interpretativa para criminalizar, via criação judicial, a lavagem de ativos
alegadamente praticada em concomitância ao delito antecedente.
Em casos semelhantes, ou seja, em que a conduta
praticada é até mesmo mais grave do que a conduta estritamente tipificada, a
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jurisprudência sempre se posicionou contra a interpretação extensiva da norma
penal.
Confira-se:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE
RECURSO. HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO.
PRONÚNCIA. QUALIFICADORA. MOTIVO FÚTIL.
AFASTAMENTO. INADMISSIBILIDADE. IN DUBIO PRO
SOCIETATE. A DÚVIDA ACERCA DA EXISTÊNCIA DA
QUALIFICADORA DEVE SER DIRIMIDA PELO TRIBUNAL
DO JURI. AUSÊNCIA DE
MANIFESTA ILEGALIDADE. HABEAS CORPUS NÃO
CONHECIDO.
2. A jurisprudência desta Corte Superior não admite que
a ausência de motivo seja considerada motivo fútil, sob
pena de se realizar indevida analogia em prejuízo do
acusado. Precedente61
.
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PENAL.
HOMICÍDIO. PRONÚNCIA. MOTIVO
FÚTIL. QUALIFICADORA MANIFESTAMENTE
IMPROCEDENTE. AUSÊNCIA DE MOTIVO NÃO SE
EQUIPARA À EXISTÊNCIA
DE FUTILIDADE. PRECEDENTES. EXCLUSÃO.
REGIMENTAL DESPIDO DE ARGUMENTOS NOVOS E
IDÔNEOS PARA REBATER AS RAZÕES EM QUE SE
FUNDOU A DECISÃO AGRAVADA. AGRAVO REGIMENTAL
DESPROVIDO.
1. As razões declinadas na petição do regimental
se ressentem de argumentos novos e robustos o bastante
para infirmar os fundamentos da decisão agravada,
proferida em conformidade com a jurisprudência
sedimentada nesta Corte, no sentido de que a ausência de
61
STJ, HC 369.163, 5ª Turma, rel. Joel Ilan Paciornick, DJ 06.03.2017.
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motivo não se equipara à existência de futilidade,
devendo, portanto, ser mantida em seus próprios termos.
2. Agravo regimental desprovido62
.
Finalmente, verifica-se que há uma impossibilidade
de se apontar que os valores objeto da transferência se referiam a dinheiro
oriundo de corrupção passiva.
É que, em seu interrogatório, a corré colaboradora
Mônica Moura afirmou que o grupo Odebrecht, nos anos de 2011 e 2012,
também pagou à acusada por campanhas feitas no Panamá, na Venezuela e
em Angola.
Confira-se:
“Defesa:- Sim Excelência. Só uma questão para ficar bem
claro, senhora Mônica, em relação a essas eleições internacionais, a senhora comentou
que você fez em oito países. Nesse período, 2011, 2012, foram feitas outras eleições que
a Odebrecht contribuiu?
Mônica Regina Cunha Moura:- Não, veja bem, de todas as
eleições que nós fizemos fora do Brasil, Panamá, Venezuela, Angola, a Odebrecht
contribuiu com essas. As únicas eleições que a Odebrecht nunca contribuiu, nem
nenhuma outra empresa brasileira contribuiu, foi a campanha da Dominicana, que não
teve nenhum dinheiro da Odebrecht, e as campanhas na Argentina, que nós fizemos 3
ou 4 que a Odebrecht nunca entrou, nunca pagou nada. As outras todas, Panamá,
Venezuela, Angola, foram parte pagas pela Odebrecht, Dominicana nunca nada e
Argentina nunca nada”.
Aliás, essa circunstância esclarece o motivo pelo
qual na planilha “Italiano” consta como tendo sido pagos aos corréus US$
10.000.000,00 (dez milhões de dólares americanos), ao passo que a conta
62
STJ, AgRg no REsp 1.289.181, 5ª Turma, rel. Laurita Vaz, DJ 29.10.2013.
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SHELLBILL recebeu depósitos de US$ 10.219.691,08 (dez milhões duzentos e
dezenove mil seiscentos e noventa e um reais e oito centavos...
Ao que parece, pretende-se punir o acusado pelo
pagamento de campanhas realizadas no exterior.
De tal sorte, existe uma dúvida fundada sobre se os
depósitos mencionados na denúncia, no período entre 2011 e 2012, tiveram
origem na planilha “Italiano”.
Por fim, esclareça-se que os pagamentos a Mônica
Moura e João Santana terminaram antes da assinatura dos contratos das
sondas.
Ante o exposto, o acusado deve ser absolvido da
imputação de lavagem de dinheiro.
IV.2. Ausência de provas de que o acusado determinou ou orientou que o
pagamento a Monica Moura e João Santana fosse feito no exterior e por
meio de contas offshores.
De resto, não há prova suficiente apontando o
acusado como autor da lavagem, na medida em que o acusado não
participava da operacionalização dos pagamentos.
Relevante, nesse sentido, o depoimento do réu
colaborador Marcelo Odebrecht:
“Juiz Federal:- Nas relações com Antônio Palocci, como
era definido o que vai em doação oficial, o que vai em pagamento não oficial?
Marcelo Odebrecht:- Na verdade eu não me lembro da
gente discutir isso, quer dizer, se acordava que era o pagamento... o que eu digo é o
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seguinte, apesar de se discutir que era pagamento, é óbvio que se tratava, pela
dimensão, de caixa 2. Então, por exemplo, quando eu sabia que era pedido para João
Santana, ele sabia, fora às vezes de campanha, o pedido, é lógico que era caixa 2. Ele
não precisava dizer pra mim que era caixa 2, mas era caixa 2. Agora, teve casos aqui,
por exemplo, de pedidos de bônus oficial, teve caso de pedidos para o PT...”.
“Defesa de Antonio Palocci e Branislav Kontic:- Muito
bem, e alguma vez o senhor Antônio Palocci solicitou que essas contribuições de
campanha, quer feitas em dinheiro, em espécie, quer eram feitas através de pagamentos
a fornecedores de campanha, conforme o senhor descreveu aqui, ele alguma vez disse
para o senhor para isto ser em caixa 2, ele pediu?
Marcelo Odebrecht:- Olha, é como eu falei, ele não pediu,
mas ele não fala assim: “Faça via caixa 2.” Mas se ele pede um pagamento para João
Santana, fora da época eleitoral, ou até porque ele sabe que este valor não está
contabilizado, ele sabe... não precisa dizer que é caixa 2 pra saber que é caixa 2.
Defesa de Antonio Palocci e Branislav Kontic:- Está bom.
Mas a minha pergunta... porque aqui, diferentemente de ciências exatas, aqui no Direito
tem os fatos que nós conhecemos diretamente e os de ouvir dizer e os que nós
presumimos. A minha pergunta para o senhor é o seguinte: alguma vez ele pediu para o
senhor caixa 2? Para o senhor ele pediu?
Marcelo Odebrecht:- Se a minha relação com o Palocci
fosse uma relação de um ou dois contatos, eu poderia afirmar que ele não sabia do
caixa 2. Na relação que eu tinha com ele, dezenas de reuniões, é óbvio que ele...
Defesa de Antonio Palocci e Branislav Kontic:- O senhor
presume?
Marcelo Odebrecht:- Não, eu não presumo. Ele sabia que
era caixa 2. Não me lembro de ele ter dito: “Marcelo, faça esse pagamento via caixa 2”,
mas é óbvio, da maneira com que ele pedia os pedidos, que ele fazia tudo, se ele não
mencionou caixa 2, ele sabia que eu estava fazendo via caixa 2”.
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“Juiz Federal:- O senhor tratou de pagamentos,
contribuições paralelas não contabilizadas, caixa 2, com eles?
Antônio Palocci Filho:- Não, eu nunca tratei, doutor, eu
nunca operei contribuições, até porque não era minha função, se fosse eu teria feito,
mas eu nunca operei contribuições, eu sempre dizia para o empresário “Olha, atenda o
tesoureiro da campanha”, “Atenda, vê se você pode ajuda-lo”, porque eles me pediam,
não podia deixar de fazer isso, agora evidentemente eu pedia recursos para as
empresas acreditando que elas iam tratar isso da melhor maneira possível, eu falava
inclusive “Olha, vou falar para o tesoureiro levar os recibos aí, os bônus para você
contribuir”, eu sempre falei com esses termos. Para o senhor ter uma ideia, na
campanha de 2006 que eu resolvi ser candidato 20 dias antes da eleição, eu fiz a
arrecadação financeira por telefone, teve duas ou três pessoas que, assim, talvez por
não me conhecer perguntaram se era com recibo, eu falei “É mais que óbvio, eu estou
pedindo uma coisa com recibo”.
Juiz Federal:- O senhor chegou a negociar valores
específicos de doações com o grupo Odebrecht para as campanhas presidenciais?
Antônio Palocci Filho:- Não, valores específicos não”.
“Juiz Federal:- Ele declarou aqui que o senhor teria
solicitado certa feita uma conta, perguntado se ele teria uma conta no exterior para
recebimento de pagamento.
Antônio Palocci Filho:- Não, pagamento não. Eu nunca
operei pagamentos a ele e a ninguém, posso até ter perguntado se ele tinha conta no
exterior numa conversa informal meio, sei lá...
Juiz Federal:- Nunca tratou com ele de pagamentos por
fora, caixa 2?
Antônio Palocci Filho:- Não.
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Juiz Federal:- Nem com ele, nem com a senhora Mônica
Moura?
Antônio Palocci Filho:- Nem com a Mônica”.
“Defesa:- O senhor teve qualquer interferência num
suposto pagamento realizado em favor do senhor João Santana e da senhora Mônica
Moura, como remuneração por serviços prestados, serviços de marketing prestados em
favor da campanha, o senhor interferiu nesse pagamento?
Antônio Palocci Filho:- Não, eu nunca interferi em
pagamentos, na verdade, porque aí seria uma ação indevida minha dentro de uma
equipe de pessoas companheiras, o que eu fiz foi ajudar quando foi solicitado,
normalmente essas ajudas que eu dava era para reforços, nunca foi assim...
Defesa:- Então me detalhe, o que é essa ajuda, é
recomendar que...
Antônio Palocci Filho:- É recomendar, por exemplo, e
mais, os empresários me perguntavam, eu tenho registro no meu celular que foi
apreendido pela polícia, em 2014 eu estava no exterior, então tinha empresários que me
perguntavam por telefone “O que eu faço?”, eu falava “Decida, se quer doar, doe”, “Pra
quem?”, eu falei “Para o tesoureiro”, “Quem é o tesoureiro”, eu falei “Está no jornal”,
isso está gravado no meu telefone.
Defesa:- E sobre esses pagamentos, eles eram, quando o
senhor era solicitado a pedir ao partido que fosse adimplidas essas obrigações,
cumpridas essas obrigações, contratadas como pactos de trabalho de marketing, o
senhor tinha consciência de que esses pagamentos seriam contabilizados ou não
contabilizados?
Antônio Palocci Filho:- Sempre pedi para a empresa fazer
pagamentos em bônus, quer dizer, não tinha motivo, para mim, não tinha motivo de
pedir ou de entender que uma empresa precisasse fazer pagamentos não
contabilizados, mas é preciso aqui dizer a verdade, doutor, o senhor sabe que nas
campanhas eleitorais do Brasil existia pagamentos não contabilizados de forma
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generalizada, isso é uma coisa que existia, eu não vou ser hipócrita, não vou ser
hipócrita de dizer que nunca vi, não sabia, soube de algumas ocasiões em que houve
pagamentos não contabilizados. O senhor perguntou... Desculpa?”.
“Antônio Palocci Filho:- (...). No crime seguinte, o próprio
Marcelo Odebrecht disse aqui, eu vi pela televisão também, que eu nunca pedi caixa 2,
eu pedi pagamentos, eu nunca pedi, ele falou a verdade, eu nunca pedi caixa 2, disse
que eu sabia, eu ouvi falar mesmo em caixa 2, isso eu não vou negar, em todo lado, em
toda campanha, mas que eu não pedi, eu nunca pedi; pagamento no exterior jamais, que
é a segunda acusação desse processo... (...)”.
Da mesma forma, Mônica Moura, ré colaboradora,
ouvida sob o compromisso de dizer a verdade, esclareceu que o acusado
limitou-se a dizer a ela que procurasse o grupo Odebrecht para acertar como
ela gostaria de receber os valores que lhe eram devidos:
“Juiz Federal: Tá, mas a senhora teve essas conversações,
por exemplo, com o senhor Antônio Palocci?
Mônica Regina Cunha Moura:Sim, sempre, foi sempre ele.
Juiz Federal: Inclusive relativo, por exemplo, a esses
pagamentos em 2011?
Mônica Regina Cunha Moura: Os pagamentos em 2011
já não estive mais com ele porque eu já tinha acertado em 2010, depois que o Palocci
acertava comigo o valor da campanha ele me dizia “Então tá, então vai ser x por dentro,
ok, isso você acerta com o tesoureiro, faz contrato e pápápá, e essa parte por fora o
partido vai pagar tanto...”, aí me dizia quem é que eu ia procurar do partido, quem era a
pessoa dele que ia me pagar, “e a Odebre- 185/212 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL cht
vai colaborar...”, isso desde 2006, quando ele falou a primeira vez que a Odebrecht
Odebrecht vai colaborar...”, isso desde 2006, quando ele falou a primeira vez que a
Odebrecht ia colaborar com... “vai colaborar com tanto, vá lá e acerte com eles como
é que você quer”, a partir daí ele…
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(...).
Juiz Federal:- Relativamente a esses pagamentos no
exterior, o recebimento lá na Shellbill, isso era de conhecimento, por exemplo, do
senhor Antônio Palocci?
Mônica Regina Cunha Moura:- Eu não sei, Doutor, eu não
posso lhe dizer que era do conhecimento dele porque isso eu já acertava com a
Odebrecht, já com... o formato, pra onde ia, qual era a conta, eu já acertava na
Odebrecht, então eu não posso afirmar que ele sabia que ia para uma conta no
exterior ou que "x" era pago no Brasil em dinheiro, isso eu não sei”.
“Defesa:- Acho que eu não fiz claro, vou reformular a
pergunta. As campanhas realizadas no Brasil, havia pagamentos feitos por esses
serviços prestados no Brasil no exterior?
Mônica Regina Cunha Moura:- Sim.
Defesa:- Quem determinava que esses pagamentos
deveriam ser feitos no exterior?
Mônica Regina Cunha Moura:- Depois que eu acertava o
valor com o Palocci, por exemplo nas campanhas de 2006, 2008, 2010 e 2012, todas que
nós fizemos, depois que era determinado o valor e que ele me dizia “A Odebrecht vai
pagar uma parte”, eu ia para a Odebrecht, sentava com eles e negociava como é que
seria. A Odebrecht sempre queria pagar tudo no exterior, o Hilberto dizia que para eles
era mais seguro, que eles não queriam fazer pagamentos no Brasil, movimentar
dinheiro, mas eu sempre precisava de dinheiro no Brasil, aí eu negociava com eles,
então era a Odebrecht, era com a Odebrecht que eu determinava, nós dois entrávamos
num acordo que parte do valor da campanha do Brasil iria para lá e que parte eles me
pagariam aqui”.
Veja-se ainda o depoimento da testemunha
colaboradora Pedro Novis:
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“Ministério Público Federal: E o senhor mencionou,
quando respondeu a pergunta do Doutor Batoquio, que esses recursos foram Caixa 2, é
isso?
Pedro Novis:A grande maioria.
Ministério Público Federal:Tanto 2002 quanto 2006?
Pedro Novis: É, em 2002, inclusive houve uma parte dos
recursos transferidos para o Duda Mendonça, isso também está no meu relato.
Ministério Público Federal:Isso foi por solicitação do
Doutor Antonio Palocci?
Pedro Novis: Ou do Delúbio, talvez, que era quem operava.
E já em 2006 quem operava, fazia o papel que Delúbio fez, era o de Philippe, que era o
tesoureiro do partido e pelo lado da Odebrecht já era o Hilberto Silva. Nesse período,
nessa eleição de 2006, eu tenho conhecimento também de que uma parte dos recursos
foram destinados à Mônica Moura.
Ministério Público Federal:Desses recursos que haviam
sido negociados com Antonio Palocci, isso?
Pedro Novis: Foram negociados com Antonio Palocci mas
essas tratativas de compra, onde ia, era um assunto que quem decidia era o de Philippe
e Hilberto Silva.
Ministério Público Federal: A operacionalização do
pagamento, é isso?
Pedro Novis: Sim senhora”.
Como se vê, a integralidade da prova produzida nos
autos demonstra que o acusado não se envolvia ou decidia a forma em que
seriam feitos os pagamentos à Monica Moura e João Santana por seus
serviços de marketing eleitoral.
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O próprio órgão acusador reconhece esse fato nas
alegações finais.
Confira-se:
“A corroborar a sintonia entre a narrativa de MARCELO
ODEBRECHT e a realidade dos fatos à época, restou ainda demonstrado no curso da
instrução que, dentro do Partido dos Trabalhadores, ANTONIO PALOCCI possuía um
patamar de superioridade em relação a JOÃO VACCARI. Enquanto ANTONIO PALOCCI
exercia liderança, participando ativamente das estratégias do partido e dos governos
petistas, possuindo ainda amplo acesso e contato qualificado com o meio empresarial
(em especial com a ODEBRECHT), JOÃO VACCARI assumia uma função operacional,
em cumprimento às decisões negociadas e adotadas pela cúpula da qual ANTONIO
PALOCCI fazia parte. Destinava-se JOÃO VACCARI a questões operacionais, como, por
exemplo, o contato direto com executivos para providenciar o recolhimento dos valores
ilícitos já negociados em benefício do Partido dos Trabalhadores” (fls. 50, evento 978).
“Além disso, consoante comprovado nestes autos, foi
ANTONIO PALOCCI, com o suporte de BRANISLAV KONTIC, quem, de um lado, tratou
com MARCELO ODEBRECHT acerca do repasse dos valores aos publicitários do Partido
dos Trabalhadores MÔNICA MOURA e JOÃO SANTANA, e, na outra ponta, encaminhou
MÔNICA MOURA para tratar com o grupo ODEBRECHT, para acertarem os detalhes
sobre a operacionalização dos pagamentos mediante técnicas de lavagem de dinheiro.
(...).
Corroborando o teor do depoimento de MARCELO
ODEBRECHT, MÔNICA MOURA, como já referido acima, confirmou em seu
interrogatório que ANTONIO PALOCCI era a pessoa com quem tratava sobre
“pagamentos não contabilizados” referentes a serviços prestados ao Partido dos
Trabalhadores, e que, para o acerto acerca das transferências no exterior
especificamente tratadas nestes autos – correspondente ao registro “Feira (pgto fora=
US10MM)” para o ano de 2011 da Planilha Italiano – procurou a ODEBRECHT por
orientação expressa de ANTONIO PALOCCI (“vá lá e acerte com eles como é que você
quer”) (fls. 190/191, evento 978).
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“ANTONIO PALOCCI, sempre com o apoio de BRANISLAV
KONTIC, tendo plena ciência da origem espúria do “crédito” que detinha junto a
MARCELO ODEBRECHT, atuou em contato direto tanto com MONICA MOURA quanto
com MARCELO ODEBRECHT, para assegurar a liberação dos valores espúrios em favor
de MONICA MOURA e JOÃO SANTANA e para fazer com que MONICA MOURA tratasse
com executivos do Grupo Odebrecht sobre os detalhes acerca da operacionalização do
pagamento das vantagens indevidas previstas no controle da Planilha Italiano” (fls.
196/197, evento 978).
Em suma, ainda que se entenda que o acusado
autorizou o pagamento dos serviços de marketing eleitoral a Mônica Moura e
João Santana, isso não induz à conclusão de que Antônio Palocci Filho
determinou a – ou mesmo teve ciência da – forma com que os valores seriam
pagos.
Dentro de tal quadro probatório, cai no vazio a
alegação ministerial de que o acusado atuou de forma decisiva para a
ocultação e dissimulação dos valores pagos a Mônica Moura e João Santana.
É certo que João Santana relatou que, em 2006, o
acusado teria lhe questionado se possuía conta fora do País para receber
parte dos valores relativos aos serviços de marketing eleitoral.
Porém, aludida informação decorre única e
exclusivamente das palavras do delator, não havendo nenhuma outra prova ou
indício que a suporte.
Assim, incide ao caso as restrições probatórias do
art. 4º, §16, da Lei 12.850/13.
Ademais, a conversa relatada por João Santana, se
existiu, deu-se no ano de 2.006, ao passo que os pagamentos ocorreram entre
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2.011 e 2.012, lapso temporal que torna ainda mais frágil a versão contada
pelo colaborador.
A questão não é estranha a este r. juízo.
Com efeito, em caso absolutamente idêntico,
envolvendo agente do Partido dos Trabalhadores e o pagamento no exterior de
Mônica Moura e João Santana viabilizados pelo grupo Odebrecht, V. Exa.
absolveu o então réu João Vaccari por ausência de prova de que ele tivesse
deliberado sobre a forma de pagamento:
“328. Deve João Vaccari Neto ser tido como co-autor dos
cinco crimes de corrupção passiva do art. 317 do CP.
329. Já quanto à imputação do crime de lavagem, não há
prova de que ele tenha se envolvido diretamente na definição da forma dos repasses de
propinas por Zwi Skornicki a Mônica Regina Cunha Moura e João Cerqueira de Santana
Filho, então desta imputação deve ser absolvido” (cf. sentença prolatada nos autos nº
5013405-59.2016.4.04.7000).
Ante o exposto, requer-se seja aplicado o mesmo
standard probatório utilizado por este r. juízo na ação penal nº 5013405-
59.2016.4.04.7000 para absolver Antônio Palocci Filho.
IV.3. Impossibilidade de se considerar cada pagamento no exterior um
delito autônomo de lavagem de dinheiro. Smurfing. Existência de crime
único desdobrado em vários atos
Pretende ainda o ministério público a condenação do
acusado pelo delito de branqueamento de capitais por dezenove vezes.
Entretanto, impõe-se desde logo registrar que a
denúncia confere aos fatos nela articulados classificação jurídica equivocada,
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data venia, ao buscar construir artificial situação gravosa que não encontra
amparo no contexto fático.
É que, ainda que se presuma a autoria do acusaddo
relativamente ao pagamento de valores no exterior a Mônica Moura e João
Santana, há de se reconhecer que estamos diante de conduta infracional única,
incogitável o concurso material de infrações distintas.
Com efeito, eventual dificuldade de regência legal de
situação fática única descrita na exordial é tão somente questão hermenêutica,
que não pode ser desconsiderada pelo aplicador da lei.
É de fundamental importância que a questão
exegética seja correta e tecnicamente tratada, eis que, do contrário, poder-se-á
ter a ocorrência do constitucionalmente vedado bis in idem, ou seja, o vedado
cúmulo material de infrações por conduta única (cf. denúncia), quando, em
verdade, somente uma transgressão poderia ser cogitada.
O excesso desbordaria – como efetivamente
desborda –, para a descabida progressão, para a violação de garantia
constitucional.
Se assim é, na espécie teria havido a realização
sucessiva de atos que buscavam, ao fim e ao cabo, um único objetivo, a
traduzir, pois, uma situação fática derivada de um mesmo – e único – contexto.
Sem dúvida que vislumbrar concurso material de
infrações nos diversos atos ou etapas que integram conduta única, revela-se,
data venia, prática exegética que não atende à melhor técnica.
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Nem mesmo – para em tese se considerar – a
conduta unitária pode ser fracionada, em cada uma das ações que a compõem,
para se criarem entes jurídicos autônomos e distintos... Nem o próprio Drácon
em pessoa a tal se abalançaria.
Por isso que não se há que falar, na espécie, de
concursus delictorum, já que se cuida aqui de incindível e unitária concretude
jurídica.
Vamos à exemplaridade: se Caio ingressa na
estalagem de Tício e, dolosamente, se determina a causar-lhe dano destruindo
toda a sua adega, desferindo golpes de porrete, inúmeros, em todas as
garrafas que encontra pela frente em cada uma das dependências do
estabelecimento, isto não significa multiplicidade de crimes de dano. Seria
bisonho supor que para cada garrafa quebrada haveria uma entidade delituosa
autônoma. O desígnio unitário é que se impõe.
Tanto faz que tenha entrado no depósito dos vinhos
e destruído quinhentas garrafas para, ao depois, ingressar no de whisky,
destruindo outras tantas, e que tenha terminado na dependência que
armazenava as incontáveis garrafas de cerveja. A conduta é única!
Todos os atos, encadeadamente praticados e
colimando dano, não representam ações autônomas e distintas sob o aspecto
da relevância penal em tema de concurso de infrações. Ao contrário, uma ação
é que se compõe de vários atos, formando uma unidade jurídica
indecomponível, eis que há unidade da ação. O disegno criminoso – no dizer
dos italianos – é único!
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Tomando-se o exemplo de MEZGER, in Tratado de
Derecho Penal, Ed. Rev. de Derecho Privado, Madri, 1955: “Se alguém tem um
cavalo branco e de corrida, nem por isso tem dois cavalos, um branco e outro de corrida,
mas apenas um”.
Ensina GEORGES VIDAL que o que temos nesta
hipótese é “...unité et identité de droit violé, en sorte que les actions répétées
constituent le même délit” (Cours de Droit Criminel et Science Penítentiaire, p.
135).
No caso sob foco, cada ato sucessivo não pode ser
considerado um crime de per si, mas cada um não passa de uma etapa, um
meio de realização, da mesma e única conduta, que guarda unidade jurídica, e
que, no expressivo conceito de ALIMENA, “...che tutte le abraccia e tutte le
comprende” (BERNARDINO ALIMENA, “Del Concorso di Reati e di Pene”).
Em miúdos: a pluralidade de atos não dá lugar, por
si só, à pluralidade de crimes, já que, com variados atos pode-se cometer um
único crime.
Os atos podem ser múltiplos, mas a conduta ou
ação de que se compõem os atos sucessivos é única e único é o delito (no
caso da bodega seria ridículo falar em um crime de dano para cada garrafa
quebrada ou para cada série de garrafas destruídas e se invocar concurso de
crimes...). É o que pretende o ministério público nas alegações finais...
Não há desígnios autônomos, senão atos
sucessivos, enfeixados numa unidade de ação voltada para um fim específico
(suposto enriquecimento ilícito).
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Manifesta, pois, a unidade jurídica e a unicidade do
eventual delito.
Na realidade, do quanto se consegue extrair da
denúncia, há a narrativa da prática da lavagem de ativos na modalide smurfing,
por meio do qual são realizados pequenos atos sucessivos de branqueamento
para não chamar a atenção das autoridades.
Em outras palavras, o que se imputa na denúncia é
o mero fracionamento da ação constitutiva da lavagem de dinheiro, e não
dezenove crimes autônomos de branqueamento.
Inadmissível, pois, cogitar-se de cúmulo material de
infrações (art. 69 do código penal), ou mesmo de crime continuado (art. 71 do
código penal) quando, manifestamente, essa não é a realidade empírica e,
tampouco, o que se extrai dos autos.
V – DO PEDIDO
Ante o exposto, requer-se:
a) O reconhecimento da incompetência da
justiça federal para processar e julgar a presente ação penal;
b) O reconhecimento da incompetência deste r.
juízo, com a remessa dos autos à Seção Judiciária de Brasília;
c) A inépcia da denúncia quanto aos crimes de
corrupção passiva e lavagem de dinheiro;
d) A declaração de ilicitude do depoimento
prestado por Delcídio do Amaral após o oferecimento da denúncia;
e) A absolvição do acusado no que tange aos
delitos de corrupção passiva e lavagem de dinheiro;
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f) Subsidiariamente, caso o acusado seja
condenado pelo delito de branqueamento de capitais, o reconhecimento de
crime único.
P. deferimento.
Curitiba, 14 de junho de 2017.
Alessandro Silverio Bruno Augusto Gonçalves Vianna
OAB/PR 27.158 OAB/PR 31.246
Sylvio Lourenço da Silveira Filho
OAB/PR 56.109