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EXCELENTÍSSIMO JUÍZO FEDERAL DA __ VARA FEDERAL CÍVEL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO DISTRITO FEDERAL FERNANDO FERREIRA MEIRELLES , brasileiro, Diretor de Cinema, CPF no 037890178-84, título de eleitor nº 086300410159, Zona 251, Seção 0067, com endereço profissional à Rua Baumann, 920 - Vila Hamburguesa - CEP 05318-000 - São Paulo, SP; MARCELO TRISTÃO ATHAYDE DE SOUZA , Brasileiro, RG 7.486.353-8, CPF nº 050.104.848-03, com endereço Rua Iraci, 343, São Paulo / SP, CEP 01457-000, título de eleitor nº 007369860175 Zona 251, Seção 0111; ANTONIO JOSÉ PEREIRA DE MELO , brasileiro, RG 8.210.058-5, CPF nº 064.510.748-45, título de eleitor nº 002374880191, Zona 002, Seção 0137, com endereço Rua Pedro Bruno, 53, São Paulo / SP, CEP 05506-010; CECILIA MARCONDES PERES HOMEM DE MELLO , brasileira, produtora, RG 6.051.333-0 CPF nº 663.885.898-04, título de eleitor nº 152566560124, Zona 251, Seção 0170, com endereço profissional na Rua Baumann, nº 930 São Paulo / SP, CEP 05318-000; MARCELO RAMALHO MACHADO , brasileiro, RG 9.346.547-6, CPF nº 046.126.058-10, nascido em 08/06/1958, com endereço na Rua Fradique Coutinho, no 484 apto 01, Pinheiros, São Paulo / SP, CEP 05416-000, título de eleitor nº 086900300175 Zona 251, Seção 0194. MÁRCIA FERREIRA MEIRELES , brasileira, CPF nº 011.146.878-71, com endereço à Rua Sagarana, 152, Vila Madalena, São Paulo/SP, título de eleitor nº 167298380116 Zona 251, Seção 0303.

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EXCELENTÍSSIMO JUÍZO FEDERAL DA __ VARA FEDERAL CÍVEL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO

DISTRITO FEDERAL

FERNANDO FERREIRA MEIRELLES, brasileiro, Diretor de Cinema, CPF no 037890178-84, título

de eleitor nº 086300410159, Zona 251, Seção 0067, com endereço profissional à Rua Baumann,

920 - Vila Hamburguesa - CEP 05318-000 - São Paulo, SP;

MARCELO TRISTÃO ATHAYDE DE SOUZA , Brasileiro, RG 7.486.353-8, CPF nº 050.104.848-03,

com endereço Rua Iraci, 343, São Paulo / SP, CEP 01457-000, título de eleitor nº 007369860175

Zona 251, Seção 0111;

ANTONIO JOSÉ PEREIRA DE MELO, brasileiro, RG 8.210.058-5, CPF nº 064.510.748-45, título de

eleitor nº 002374880191, Zona 002, Seção 0137, com endereço Rua Pedro Bruno, 53, São Paulo

/ SP, CEP 05506-010;

CECILIA MARCONDES PERES HOMEM DE MELLO , brasileira, produtora, RG 6.051.333-0 CPF nº

663.885.898-04, título de eleitor nº 152566560124, Zona 251, Seção 0170, com endereço

profissional na Rua Baumann, nº 930 São Paulo / SP, CEP 05318-000;

MARCELO RAMALHO MACHADO , brasileiro, RG 9.346.547-6, CPF nº 046.126.058-10, nascido

em 08/06/1958, com endereço na Rua Fradique Coutinho, no 484 apto 01, Pinheiros, São Paulo

/ SP, CEP 05416-000, título de eleitor nº 086900300175 Zona 251, Seção 0194.

MÁRCIA FERREIRA MEIRELES , brasileira, CPF nº 011.146.878-71, com endereço à Rua Sagarana,

152, Vila Madalena, São Paulo/SP, título de eleitor nº 167298380116 Zona 251, Seção 0303.

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PAULO DE TARSO DE CARVALHO MORELLI, brasileiro, RG 4.805756-3, CPF nº 007.508.378-70,

com endereço à Rua Guerra Junqueiro, 194, Pinheiros, São Paulo/SP, CEP 05463-030, título de

eleitor nº 086534800175 Zona 251, Seção 0075.

RUTH KLOTZEL , brasileira, RG 803.154-4, CPF nº 037.132.778-42, título de eleitor nº

006195030124 Zona 374, Seção 0605.

RANDOLPH FREDERICH RODRIGUES ALVES , brasileiro, divorciado, Senador da República,

inscrito sob o CPF nº 431.879.432-68, Título de Eleitor nº 001331132526 Zona 2ª, Seção 56ª,

com domicílio em Brasília-DF, no Anexo I, 9º andar, Senado Federal, Praça dos Três Poderes; e

FABIANO CONTARATO, brasileiro, casado, Senador da República, inscrito sob o CPF nº

863.645.617-72, título de eleitor nº 008234071481 Zona 52, Seção 0180, com domicílio legal

em Brasília-DF, no Anexo II, Térreo, Senado Federal, Praça dos Três Poderes;

vêm, por sua advogada abaixo-assinada, com fundamento no art. 5º, LXXIII, da CF, c/c o art. 2º,

alíneas “c” e “e”, da Lei nº 4.717/65, propor a presente

AÇÃO POPULAR

COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA

Em face da (1) UNIÃO FEDERAL , pessoa jurídica de direito público, representada em juízo pela

Advocacia-Geral da União, com endereço no Setor de Autarquias Sul - Quadra 3 - Lote 5/6, Ed.

Multi Brasil Corporate - Brasília-DF - CEP 70.070-030 - Fones: (61) 2026-9202 / 2026-9712, e do

(2) Secretário Especial da Cultura , Sr. MÁRIO LUÍS FRIAS , que poderá ser citado em seu

gabinete localizado no SCS, Quadra 09, Lote C Torre B – 9º andar. Ed. Parque Cidade Corporate.

CEP: 70308-200, Brasília-DF.

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I - Do Foro Competente

1. O art. 5° da Lei nº 4.717, de 1965, que regula a Ação Popular, estabelece que a

competência para seu julgamento é determinada pela origem do ato lesivo a ser anulado, ou

seja, do juízo competente de primeiro grau, conforme as normas de organização judiciária.

2. Desse modo, ainda que aqui se impugne um ato praticado pelo Sr. Secretário Especial da

Cultura – como será observado no presente feito –, esse fato não possui, per se, a aptidão para

atrair a competência do STF, STJ ou TRF, sendo competente, portanto, a Justiça Federal de

primeira instância. Da mesma forma, este juízo também possui a competência para decisão

sobre liminares/cautelares, por força do art. 1º, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.437, de 1992.

3. Ademais, a Constituição Federal de 1988 não inclui o julgamento da Ação Popular na

esfera da competência originária dos Tribunais, inobstante o grau da autoridade em face da

qual foi proposta.

4. Essa, aliás, tem sido a orientação jurisprudencial majoritária do Supremo Tribunal

Federal, por falta de previsão específica do rol taxativo dos arts. 102 a 110, da Carta Magna.

Assim, tendo em vista que a presente ação se destina a impedir a subsistência de ato contrário

ao ordenamento jurídico e que atenta contra o patrimônio da Administração Pública – por

inobservância dos critérios de legalidade e pelo desvio de finalidade –, a competência será da

Justiça Federal de primeira instância.

5. Nesses termos, tendo sido o ato lesivo ao patrimônio público praticado na Capital

Federal – onde domiciliado profissionalmente o réu da presente ação popular e presente

representação da União Federal –, é indubitável a competência desta colenda Seção Judiciária

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Federal do Distrito Federal, inclusive por estar mais próxima à realidade do problema ora

narrado.

II - Da Breve Síntese da Demanda

6. No dia 4 de setembro de 2020 , o Sr. Mário Luís Frias, Secretário Especial da Cultura do 1

Governo Federal, assinou um ofício circular determinando que nomeações, exonerações,

transferências, publicação de editais e até postagens em sites e redes sociais de todos os

órgãos vinculados à Secretaria Especial de Cultura sejam enviados previamente à pasta. Para

que não restem dúvidas, seguem imagens da íntegra do documento:

1 GLOBO. Mario Frias vai controlar editais e até posts de todos os órgãos da Cultura nas redes sociais. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/cultura/mario-frias-vai-controlar-editais-ate-posts-de-todos-os-orgaos-da-cultura-nas-redes-sociais-24628914>. Acesso em 11/9/2020.

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7. Como se vê, o documento foi enviado à Agência Nacional do Cinema (Ancine), à

Biblioteca Nacional, à Casa de Rui Barbosa, à Fundação Palmares, à Fundação Nacional de Artes

(Funarte), ao Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) e ao Instituto do Patrimônio Histórico e

Artístico Nacional (Iphan). Todas estas entidades voltaram a ser subordinadas à Secretaria da

Cultura em decreto de 7 de agosto de 2020, já que antes estavam diretamente ligadas ao

Ministério do Turismo, ao qual a pasta também é vinculada.

8. O ofício determina que nomeações, exonerações, requisições e cessões para cargos

comissionados e funções de confiança a partir do nível 3 sejam encaminhadas à Secretaria,

assim como “todas as publicações em sítios, perfis, mídias digitais e portais oficiais das

entidades vinculadas”. As informações seriam então remetidas à “Secretaria-Executiva ou ao

Gabinete do ministro” (do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio).

9. No caso das publicações em sites e redes, a justificativa é que a orientação visa

“uniformizar a comunicação”. O documento cita ainda que “não obstante, por força de lei de

criação, essas instituições tenham autonomia administrativa, financeira e patrimonial,

solicita-se que previamente à publicação de Editais de Licitação, Convênios, Termos de

Execução Descentralizada, Acordos de Cooperação, Chamamentos Públicos ou outros

instrumentos congêneres, esses expedientes sejam encaminhados para ciência desta

Secretaria”.

10. A medida foi recebida por praticamente a totalidade dos servidores como uma ameaça

à autonomia das entidades vinculadas. A Associação dos Servidores e Trabalhadores da Funarte

(Asserte) informou que está em consulta com o jurídico para averiguar a legalidade da decisão.

Um servidor da Fundação, que não quis se identificar, disse que Frias se equivoca ao considerar

as entidades vinculadas como órgãos da secretaria: “Chamam as vinculadas de órgãos, mas elas

são entidades independentes e autônomas. Não é à toa que cada uma tem seu respectivo

presidente”.

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11. Presidente do Iphan (de 1985 a 1988) e do Ibram (em 2013 e 2014), o Sr. Angelo

Oswaldo define a orientação como uma “medida excepcional na história do serviço público”: é

uma asfixia completa do setor, que visa imobilizar a máquina federal. Essas entidades têm

autonomia garantida justamente por serem autárquicas, e agora passam a estar sob um

controle rígido do governo”.

12. Em nota, a Secretaria Especial da Cultura informa que “a orientação passada por meio

de circular tem como único objetivo padronizar e dar ciência das ações para a Secretaria, assim

como acontece em qualquer empresa ou órgão público, não havendo qualquer controle ou

cerceamento de informações”.

13. A reação da sociedade civil ao ímpeto censor do Sr. Secretário foi imediata . Com efeito, 2

o Fórum da Cultura, que reúne associações de servidores de órgãos como a Agência Nacional

do Cinema (Ancine) e a Fundação Nacional das Artes (Funarte), publicou uma nota criticando a

decisão do Sr. Mário Frias de controlar as redes sociais dessas entidades que são vinculadas à

Secretaria Especial da Cultura e ao Ministério do Turismo.

14. Segundo os servidores, a medida do Secretário de submeter os órgãos a um crivo, antes

de publicarem seus materiais, pode ser considerada um “avanço do autoritarismo e censura”.

Para o Fórum da Cultura, a determinação tira a “autonomia” das autarquias e é um “entrave”

para o uso das redes sociais num momento que estes canais se tornaram a principal forma de

comunicação com a sociedade.

15. São esses os breve fatos que merecem relato, cujas consequências jurídicas serão a

seguir relatadas, delineando-se sua intrínseca ilegalidade e inconstitucionalidade, a merecer a

rápida e efetiva atuação desse juízo.

2 GLOBO. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/cultura/servidores-criticam-decisao-de-mario-frias-de-controlar-redes-sociais-de-orgaos-da-cultura-censura-24633404>. Acesso em 11/9/2020.

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III – Do cabimento e da legitimidade ativa

16. Como se sabe, a Constituição Federal, em seu art. 5º, LXXIII, dispõe que qualquer

cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio

público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio

ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento

de custas judiciais e do ônus da sucumbência.

17. Densificando os conceitos constitucionais, a própria Lei nº 4.717/65 estabelece, dentre

as condutas a priori enquadradas como lesivas ao patrimônio público, aquelas que contenham

ilegalidade no objeto (art. 2º, “c”) ou desvio de finalidade (art. 2º, “e”). Para a Lei, “a ilegalidade

do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro

ato normativo” e “o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim

diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência”.

18. Não há, Excelência, melhor subsunção do fato à norma do que no presente caso. Com

efeito, há evidente ilegalidade na decisão tomada pelo Sr. Mário Frias, na medida em que busca

interferir na autonomia administrativa de entidades da administração indireta (agência

reguladora, autarquias e fundações públicas ou autárquicas). Com efeito, referidas entidades

são criadas diretamente por lei específica, ou têm sua criação por ela autorizadas (art. 37, XIX,

da Constituição). Não pode, portanto, um ato administrativo infralegal, sequer dotado de

caráter normativo, pretender contrariar o comando legal, sob pena de nítida violação ao

princípio da legalidade (art. 37, caput, da Constituição).

19. Ademais, também há hialino desvio de finalidade na medida administrativa ora

questionada. Com efeito, se o Sr. Secretário Especial da Cultura pretende ter acesso às

publicações das entidades administrativas antes que elas sejam efetivamente publicadas,

certamente não se trata de uma preocupação republicana, mas de verdadeiro e potencial

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exercício censor. Isso é, tentará arrefecer os legítimos discursos de entidades administrativas a

ele vinculadas por exercício de supervisão ministerial para que se alinhem ao norte da bússola

de um ou outro interesse particular. Não há, no Estado Democrático de Direito, espaço para

esse tipo de confusão patrimonialista, sob pena de malferimento ao primado republicano.

20. Nesse sentido, portanto, dois dos autores são Senadores da República pela Rede/AP e

Rede/ES e participam ativamente das discussões no âmbito do Congresso Nacional, com foco

na defesa das instituições democráticas, dos parâmetros constitucionais, da autonomia

funcional das entidades administrativas e, sobretudo, da liberdade de expressão. Todos os

demais autores são profissionais consagrados e respeitados de variados segmentos artísticos,

ou seja, são aqueles diretamente afetados pela censura que ora se pretende impor.

21. É evidente, portanto, que, além de não retirar dos autores a capacidade de postular

uma atuação compatível da Administração Pública, tal condição ainda lhe dá mais força e

cabimento. Ou seja, não deve ser interpretada como condição prejudicial a eles, o que

pretensamente impediria sua atuação como cidadãos, ainda mais no caso concreto. Nesse

sentido, é hialina a legitimidade ativa dos autores.

22. Feitos esses esclarecimentos preliminares, passa-se a sucintamente demonstrar a

incompatibilidade do ato administrativo questionado com parâmetros legais e constitucionais,

o que enseja a atuação do Poder Judiciário para que seja afastado do ordenamento jurídico.

IV – Do direito: ato administrativo que lesa o patrimônio público e os basilares princípios da

legalidade e supremacia do interesse (finalidade) público

23. As entidades administrativas afetadas pelo ato administrativo ora questionado são:

1) Ancine, autarquia criada sob o regime especial de agência reguladora pela MPV

nº 2.228/01;

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2) Ibram, autarquia criada pela Lei nº 11.906/2009;

3) Iphan, autarquia criada pela Lei nº 378/37;

4) Biblioteca Nacional, fundação pública hoje regulada pelo Decreto nº

8.297/2014, por meio de autorização ventilada na Lei nº 8.029/90;

5) Casa de Rui Barbosa, fundação pública hoje regulada pelo Decreto nº

8.987/2017, por meio de autorização ventilada na Lei nº 4.943/66;

6) Funarte, fundação pública hoje regulada pelo Decreto nº 5.037/2004, por meio

de autorização ventilada na Lei nº 6.312/75; e

7) Fundação Palmares, fundação pública hoje regulada pelo Decreto nº

6.853/2009, por meio de autorização ventilada na Lei nº 7.668/88.

24. Ou seja, trata-se de entidades da administração indireta, dotadas de autonomia

gerencial (art. 37, § 8º, da Constituição), submetidas tão somente à tutela administrativa por

parte da administração direta (ministerial). André Ramos Tavares leciona que “a Administração

Pública indireta não se encontra subordinada ao Poder central, à Administração direta, pois

lhes é reconhecida a autonomia” e é justamente nesse ponto fulcral que se estabelece a 3

presente demanda.

25. Densificando o comando constitucional, o Decreto-Lei nº 200/67 conceitua autarquias e

fundações públicas, entidades da administração indireta (art. 4º, II, do Decreto-Lei),

unicamente vinculadas ao Ministério da área afeta às suas finalidades, sem qualquer espécie de

subordinação ou controle hierárquico. Com efeito, o Decreto-Lei define autarquia como

“serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios,

para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor

funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada” (art. 5º, I). Por sua vez,

fundação pública é “a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, sem fins

lucrativos, criada em virtude de autorização legislativa, para o desenvolvimento de atividades

que não exijam execução por órgãos ou entidades de direito público, com autonomia

3 TAVARES, Andre Ramos. Curso de Direito Constitucional. 18 ed. São Paulo: Saraiva. 2020, p. 1392.

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administrativa, patrimônio próprio gerido pelos respectivos órgãos de direção, e

funcionamento custeado por recursos da União e de outras fontes”.

26. Aliás, em seus arts. 25 e 26, o próprio Decreto-Lei estatui os parâmetros que devem ser

observados na supervisão ministerial da administração indireta pela direta:

Art . 25. A supervisão ministerial tem por principal objetivo, na área de competência

do Ministro de Estado:

I - Assegurar a observância da legislação federal.

II - Promover a execução dos programas do Governo.

III - Fazer observar os princípios fundamentais enunciados no Título II.

IV - Coordenar as atividades dos órgãos supervisionados e harmonizar sua atuação com

a dos demais Ministérios.

V - Avaliar o comportamento administrativo dos órgãos supervisionados e diligenciar

no sentido de que estejam confiados a dirigentes capacitados.

VI - Proteger a administração dos órgãos supervisionados contra interferências e

pressões ilegítimas.

VII - Fortalecer o sistema do mérito.

VIII - Fiscalizar a aplicação e utilização de dinheiros, valores e bens públicos.

IX - Acompanhar os custos globais dos programas setoriais do Governo, a fim de

alcançar uma prestação econômica de serviços.

X - Fornecer ao órgão próprio do Ministério da Fazenda os elementos necessários à

prestação de contas do exercício financeiro.

XI - Transmitir ao Tribunal de Contas, sem prejuízo da fiscalização deste, informes

relativos à administração financeira e patrimonial dos órgãos do Ministério.

Art. 26. No que se refere à Administração Indireta, a supervisão ministerial visará a

assegurar, essencialmente:

I - A realização dos objetivos fixados nos atos de constituição da entidade.

II - A harmonia com a política e a programação do Governo no setor de atuação da

entidade.

III - A eficiência administrativa.

IV - A autonomia administrativa, operacional e financeira da entidade.

Parágrafo único. A supervisão exercer-se-á mediante adoção das seguintes medidas,

além de outras estabelecidas em regulamento:

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a) indicação ou nomeação pelo Ministro ou, se fôr o caso, eleição dos dirigentes da

entidade, conforme sua natureza jurídica;

b) designação, pelo Ministro dos representantes do Governo Federal nas Assembléias

Gerais e órgãos de administração ou contrôle da entidade;

c) recebimento sistemático de relatórios, boletins, balancetes, balanços e informações

que permitam ao Ministro acompanhar as atividades da entidade e a execução do

orçamento-programa e da programação financeira aprovados pelo Governo;

d) aprovação anual da proposta de orçamento-programa e da programação financeira

da entidade, no caso de autarquia;

e) aprovação de contas, relatórios e balanços, diretamente ou através dos

representantes ministeriais nas Assembléias e órgãos de administração ou contrôle;

f) fixação, em níveis compatíveis com os critérios de operação econômica, das

despesas de pessoal e de administração;

g) fixação de critérios para gastos de publicidade, divulgação e relações públicas;

h) realização de auditoria e avaliação periódica de rendimento e produtividade;

i) intervenção, por motivo de interesse público.

27. O que se vê é que o ato administrativo ora questionado caminha na contramão das

balizas legais para a supervisão/tutela ministerial sobre as entidades da administração indireta.

E diz-se isso por um conjunto robusto de razões.

28. Em primeiro lugar, o ato administrativo não assegura a observância da legislação

federal (art. 25, I, do Decreto-Lei), na medida em que viola os critérios constitucionais e legais

estabelecidos para a organização da Administração Pública. A Constituição estabelece que

entidades administrativas da administração indireta serão criadas, ou terão sua criação

autorizada, por lei. Todos os atos normativos decorrentes dessa previsão - leis e decretos já

enumerados retro - preveem critérios de autonomia gerencial e administrativa das entidades,

justamente para que consigam se aproximar mais do próprio interesse público.

29. Na contramão disso, o ato administrativo ora questionado subverte a dinâmica

constitucional pensada para o tema, ao submeter nomeações de servidores e outras operações

de movimentação de pessoas e de substituição (que merecem simples publicação oficial pelas

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entidades) ao aval do Sr. Secretário Especial de Cultura. Não é essa a espécie de supervisão

ministerial autorizada pelo Decreto-Lei nº 200/67, de modo que o ato administrativo é

diametralmente contrário às previsões legais.

30. Em segundo lugar, se um dos objetivos da supervisão ministerial é justamente proteger

a administração dos órgãos supervisionados contra interferências e pressões ilegítimas, como

pode o ato administrativo ser justamente o ponto máximo de interferências e pressões

ilegítimas? Com efeito, e como já se enunciou, se o Sr. Secretário Especial da Cultura realmente

pretende interferir na gestão das entidades da administração indireta - inclusive controlando

postagens em redes sociais, por exemplo -, certamente não é por uma melhor prestação do

serviço público, mas por uma tentativa de recorte ideológico, verdadeiramente censor, daquilo

que seria publicado pelas entidades seguindo os seus próprios critérios técnicos de avaliação.

31. Com toda a certeza, por exemplo, eventual publicação do Iphan que passe uma

conotação contrária às intenções dos mandatários não passará no filtro criado pelo Sr.

Secretário, de modo que não será autorizada. Quem perde com essa espécie de censura é o

cidadão, que se verá cerceado no seu mais basilar direito de receber informações confiáveis das

próprias entidades públicas com perfil mais técnico.

32. E aqui cabe uma nota, se fosse aplicado o entendimento esposado pelo ofício, não

caberia a constatação doutrinária de que “perante terceiros as autarquias são responsáveis

pelos próprios comportamentos. A responsabilidade do Estado, em relação a eles é apenas

subsidiária”. Ora, se seguíssemos à risca o quanto entabulado no ofício, as autarquias e 4

fundações seriam mero “proxy” da administração direta, o que não é verdade.

33. Nessa esteira, o desvio de finalidade é patente, visto que o Sr. Secretário da Cultura, ao

(ab)usar de sua competência para supervisionar as entidades do setor cultural, não o faz com

interesses republicanos, de boa condução da corporação ou eficiência, mas sim com interesses

4 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27 ed. São Paulo: Malheiros. 2010.

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pessoais destoados da vontade pública: recorte e controle ideológico das posições de entidades

administrativas técnicas.

34. Nenhuma autoridade pública, independentemente da estatura do cargo que ocupe, é

dona da condução dos destinos do país; na verdade, ostenta papel de simples mandatária da

vontade popular, a qual deve ser seguida em consonância com os princípios constitucionais

explícitos e implícitos, entre eles a probidade e a moralidade no trato do interesse público lato

sensu.

35. A propósito, parece especialmente ilustrativa a lição de Manuel Atienza e Juan Ruiz

Manero, na obra “Ilícitos Atípicos”. Dizem os autores, a propósito dessa categoria: “Os ilícitos

atípicos são ações que, prima facie, estão permitidas por uma regra, mas que, uma vez

consideradas todas as circunstâncias, devem considerar-se proibidas”. (ATIENZA, Manuel;

MANERO, Juan Rui. Ilícitos Atípicos. 2ª ed. Madrid: Editoral Trotta, 2006, p. 12).

36. E por que devem ser consideradas proibidas? Porque, a despeito de sua aparência de

legalidade, porque, a despeito de estarem, à primeira vista, em conformidade com uma regra,

destoam da razão que a justifica, escapam ao princípio e ao interesse que lhe é subjacente.

Trata-se simplesmente de garantir coerência valorativa ou justificativa ao sistema jurídico e de

apartar, com clareza, discricionariedade de arbitrariedade.

37. O mesmo raciocínio abarca os três institutos bem conhecidos da nossa doutrina: abuso

de direito, fraude à lei e desvio de finalidade/poder. Todos são ilícitos atípicos e têm em

comum os seguintes elementos: 1) a existência de ação que, prima facie, estaria em

conformidade com uma regra jurídica; 2) a produção de um resultado danoso como

consequência, intencional ou não, da ação; 3) o caráter injustificado do resultado danoso, à luz

dos princípios jurídicos aplicáveis ao caso e 4) o estabelecimento de uma segunda regra que

limita o alcance da primeira para qualificar como proibidos os comportamentos que antes se

apresentavam travestidos de legalidade.

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38. Especificamente nos casos de desvio de finalidade, o que se tem é a adoção de uma

conduta que aparenta estar em conformidade com uma certa regra que confere poder à

autoridade (regra de competência), mas que, ao fim, conduz a resultados absolutamente

incompatíveis com o escopo constitucional desse mandamento e, por isso, é tida como ilícita.

39. Nos termos da própria jurisprudência do Eg. STF, o desvio de finalidade tem como

referência conceitual a ideia de deturpação do dever-poder atribuído a determinado agente

público que, embora atue aparentemente dentro dos limites de sua atribuição institucional,

mobiliza a sua atuação à finalidade não imposta, ou não desejada pela ordem jurídica, ou pelo

interesse público.

40. Nas brilhantes palavras de Hely Lopes Meirelles,

O desvio de finalidade ou de poder é, assim, a violação ideológica da lei, ou, por outras palavras, a violação moral da lei, colimando o administrador público fins não queridos pelo legislador, ou utilizando motivos e meios imorais para a prática de um ato administrativo aparentemente legal. Tais desvios ocorrem, p. ex., quando a autoridade pública decreta uma desapropriação alegando utilidade pública mas visando, na realidade, a satisfazer interesse pessoal próprio ou favorecer algum particular com a subsequente transferência do bem expropriado; ou quando outorga uma permissão sem interesse coletivo; quando classifica um concorrente por favoritismo, sem atender aos fins objetivados pela licitação; ou, ainda, quando adquire tipo de veículo com características incompatíveis com a natureza do serviço a que se destinava.

41. Por sua vez, Odete Medauar conceitua desvio de finalidade, chamando-o também de

defeito de fim e desvio de poder, da seguinte forma: “O defeito de fim, denominado desvio de

poder ou desvio de finalidade, verifica-se quando o agente pratica ato visando a fim diverso

daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência”.

42. Dessa forma, vê-se que a legalidade do ato administrativo não é composta

exclusivamente de fatores externos ao ato relacionados com a competência, a forma ou o

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objeto. A legalidade se interioriza nos motivos e, sobretudo, nos fins prescritos à autoridade

administrativa. O requisito da finalidade é a disciplina principal do ato em relação ao interesse

público. A Administração não pode agir, imprecisamente, segundo a veleidade ou o capricho do

agente público. A Administração deve sempre visar a um objetivo prefixado na sua

competência própria.

43. A finalidade vincula permanentemente a conduta administrativa e se a lei permite

discricionariedade no tocante à escolha dos motivos ou à determinação do objeto, o mesmo

não ocorre em relação ao fim, pois a atribuição de um órgão administrativo pressupõe uma

destinação explícita ou implícita na regra de competência.

44. A imposição legal de um fim previamente consagrado representa um limite ao poder

discricionário, à capacidade de opção do administrador. A inobservância da finalidade

pressuposta do ato vicia-o irremediavelmente, eliminando qualquer efeito jurídico, exceto,

subsidiariamente, o de responsabilizar o Estado e o Servidor. Desta forma, não é possível ilidir o

fim legal do ato substituindo-o por outro fim público ou privado. Não é a qualidade do fim, mas

a sua natureza legal que legitima a prática administrativa.

45. Ora, se a finalidade legal e constitucional da administração pública, direta ou indireta, é

justamente a boa prestação de serviços públicos aos cidadãos brasileiros, como pode o Sr.

Secretário da Cultura pretender atuar em sentido diametralmente oposto, tolhendo a liberdade

do atuar administrativo reto e escorreito? Se o Secretário quer ter intervenção e proximidade

no dia a dia das entidades administrativas mencionadas, é evidente que sua intenção não é

ajudá-las - até porque, com a devida vênia, nem competência técnica tem para isso -, mas

travá-las.

46. Em uma leitura mais restritiva, admite-se a conjugação da finalidade legal da

competência com outro qualquer fim, de ordem pública ou privada. Isso não invalida o ato.

Assim, além de atender à finalidade legal, a autoridade administrativa pode atender com o

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mesmo ato a quaisquer outros fins públicos ou privados. Não basta, portanto, provar a

existência de uma finalidade alheia à previsão da lei: é necessário expor, meridianamente, a

ausência do interesse público específico em virtude do qual foi conferida à autoridade

administrativa a finalidade discricionária.

47. Nota-se, portanto, que a prova da existência de uma finalidade alheia à previsão da lei,

por si, não é fundamento para invalidar-se o ato administrativo por desvio de finalidade, mas,

pelo contrário, exige-se a demonstração de ausência total do interesse público específico em

virtude do qual foi conferida à autoridade administrativa a competência discricionária.

48. Aplicando essas noções ao caso em tela, tem-se que o Sr. Secretário da Cultura, além de

ter praticado conduta que, de modo chapado, está em desconformidade com suas atribuições

normativas, fê-lo com produção de um resultado concreto de todo incompatível com a ordem

constitucional em vigor: tentar controlar a atuação das entidades administrativas autônomas,

minando a sua autonomia funcional para criar verdadeira blindagem a priori de possíveis

críticas à condução mandatária da República.

49. Não importam os motivos subjetivos de quem pratica o ato ilícito. O vício, o ilícito, tem

natureza objetiva. A bem dizer, a comprovação dos motivos subjetivos que impeliram a

mandatária à prática, no caso em tela, configura elemento a mais a indicar a presença do vício

em questão, isto é, do desvio de finalidade.

50. Em terceiro lugar, o Decreto-Lei estabelece que a supervisão ministerial deve visar à

realização dos objetivos fixados nos atos de constituição das entidades supervisionadas,

garantindo a autonomia administrativa e operacional das entidades. A violação à autonomia

administrativa das fundações e autarquias atingidas é clara: o que sobra de autonomia se

sequer nomeações ou publicações em sítios, perfis, mídias digitais e portais oficiais as

entidades podem fazer sem o aval do Secretário? Com a devida vênia, parece que nada, uma

vez que se esvazia por completo o conceito de autonomia.

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51. E aqui também não impressionaria qualquer argumento no sentido de que se trata de

uma interferência mínima. Ora, qualquer interferência ilegal, por menor que seja, não perde

seu manto de ilegalidade, razão por que merece ser imediatamente expurgada do

ordenamento jurídico. E, noutro espeque, há um enorme risco sistêmico envolvido: o de a

moda pegar. Se esse Egrégio Tribunal for conivente com interferências indevidas da

administração direta na indireta, que goza (ou deveria gozar) da devida autonomia legal e

constitucional, um sem-número de novos casos poderá voltar a ocorrer. Não faltam, aliás,

numerosos exemplos recentes, como a própria tentativa do Governo Federal de interferir

indevidamente em universidades federais, que gozam da mais ampla liberdade administrativa e

educativa.

52. Noutro giro, o Decreto-Lei afirma que o exercício da tutela ministerial deve ser

concordante com as finalidades previstas na legislação de criação das entidades. O ato

administrativo, contudo, não atende a nenhuma das finalidades legais das entidades

administrativas afetadas. Veja-se:

MPV nº 2.228/01

Art. 5º Fica criada a Agência Nacional do Cinema - ANCINE, autarquia especial,

vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, observado

o disposto no art. 62 desta Medida Provisória, órgão de fomento, regulação e

fiscalização da indústria cinematográfica e videofonográfica, dotada de autonomia

administrativa e financeira.

Art. 6º A ANCINE terá por objetivos:

I - promover a cultura nacional e a língua portuguesa mediante o estímulo ao

desenvolvimento da indústria cinematográfica e videofonográfica nacional em sua área

de atuação;

II - promover a integração programática, econômica e financeira de atividades

governamentais relacionadas à indústria cinematográfica e videofonográfica;

III - aumentar a competitividade da indústria cinematográfica e videofonográfica

nacional por meio do fomento à produção, à distribuição e à exibição nos diversos

segmentos de mercado;

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IV - promover a auto-sustentabilidade da indústria cinematográfica nacional visando o

aumento da produção e da exibição das obras cinematográficas brasileiras;

V - promover a articulação dos vários elos da cadeia produtiva da indústria

cinematográfica nacional;

VI - estimular a diversificação da produção cinematográfica e videofonográfica nacional

e o fortalecimento da produção independente e das produções regionais com vistas ao

incremento de sua oferta e à melhoria permanente de seus padrões de qualidade;

VII - estimular a universalização do acesso às obras cinematográficas e

videofonográficas, em especial as nacionais;

VIII - garantir a participação diversificada de obras cinematográficas e

videofonográficas estrangeiras no mercado brasileiro;

IX - garantir a participação das obras cinematográficas e videofonográficas de

produção nacional em todos os segmentos do mercado interno e estimulá-la no

mercado externo;

X - estimular a capacitação dos recursos humanos e o desenvolvimento tecnológico da

indústria cinematográfica e videofonográfica nacional;

XI - zelar pelo respeito ao direito autoral sobre obras audiovisuais nacionais e

estrangeiras.

Lei nº 11.906/2009

Art. 1º Fica criado o Instituto Brasileiro de Museus – IBRAM, autarquia federal, dotada

de personalidade jurídica de direito público, com autonomia administrativa e

financeira, vinculada ao Ministério da Cultura, com sede e foro na Capital Federal,

podendo estabelecer escritórios ou dependências em outras unidades da Federação.

Art. 3º O Ibram tem as seguintes finalidades:

I – promover e assegurar a implementação de políticas públicas para o setor

museológico, com vistas em contribuir para a organização, gestão e desenvolvimento

de instituições museológicas e seus acervos;

II – estimular a participação de instituições museológicas e centros culturais nas

políticas públicas para o setor museológico e nas ações de preservação, investigação e

gestão do patrimônio cultural musealizado;

III – incentivar programas e ações que viabilizem a preservação, a promoção e a

sustentabilidade do patrimônio museológico brasileiro;

IV – estimular e apoiar a criação e o fortalecimento de instituições museológicas;

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V – promover o estudo, a preservação, a valorização e a divulgação do patrimônio

cultural sob a guarda das instituições museológicas, como fundamento de memória e

identidade social, fonte de investigação científica e de fruição estética e simbólica;

VI – contribuir para a divulgação e difusão, em âmbito nacional e internacional, dos

acervos museológicos brasileiros;

VII – promover a permanente qualificação e a valorização de recursos humanos do

setor;

VIII – desenvolver processos de comunicação, educação e ação cultural, relativos ao

patrimônio cultural sob a guarda das instituições museológicas para o reconhecimento

dos diferentes processos identitários, sejam eles de caráter nacional, regional ou local,

e o respeito à diferença e à diversidade cultural do povo brasileiro; e

IX – garantir os direitos das comunidades organizadas de opinar sobre os processos de

identificação e definição do patrimônio a ser musealizado.

Lei nº 378/37

Art. 46. Fica creado o Serviço do Patrimonio Historico e Artístico Nacional, com a

finalidade de promover, em todo o Paiz e de modo permanente, o tombamento, a

conservação, o enriquecimento e o conhecimento do patrimonio historico e artístico

nacional.

Decreto nº 8.297/2014

Art. 1º A Fundação Biblioteca Nacional, fundação pública vinculada ao Ministério da

Cultura, instituída por meio de autorização contida na Lei nº 8.029, de 12 de abril de

1990, tem sede e foro no Município do Rio de Janeiro, Estado do Rio de Janeiro.

Art. 2º À Fundação Biblioteca Nacional, órgão responsável pela execução da política

governamental de captação, guarda, preservação e difusão da produção intelectual do

País, compete:

I - captar, preservar e difundir os registros da memória bibliográfica e documental

nacional;

II - adotar as medidas necessárias para a conservação e proteção do patrimônio

bibliográfico e digital sob sua custódia;

III - atuar como centro referencial de informações bibliográficas;

IV - atuar como órgão responsável pelo controle bibliográfico nacional;

V - ser depositária e assegurar o cumprimento da legislação relativa ao depósito legal;

VI - registrar obras intelectuais e averbar a cessão dos direitos patrimoniais do autor;

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VII - promover a cooperação e a difusão nacionais e internacionais relativas à missão

da Fundação Biblioteca Nacional; e

VIII - fomentar a produção de conhecimento por meio de pesquisa, elaboração e

circulação bibliográficas referentes à missão da Fundação Biblioteca Nacional.

Decreto nº 8.987/2017

Art. 1º A Fundação Casa de Rui Barbosa - FCRB, fundação pública, vinculada ao

Ministério da Cultura, com sede e foro na cidade do Rio de Janeiro, tem por finalidade

o desenvolvimento da cultura, por meio da pesquisa, do ensino, da preservação de

acervos e da produção e da difusão de conhecimento, à qual também compete,

especialmente:

I - promover o conhecimento da vida e da obra de Rui Barbosa, por meio da guarda, da

preservação e da divulgação dos bens que lhe pertenceram – residência, mobiliário,

biblioteca e arquivo pessoal – e da sua produção intelectual, em que se destaca a

publicação da obra por ele deixada, sua crítica e interpretação, além de estudos

científicos, artísticos e literários;

II - manter, ampliar e preservar os acervos museológicos, bibliográficos e arquivísticos

de Rui Barbosa e os demais acervos sob a sua guarda, por meio de ações continuadas

de aquisição, conservação, preservação, acesso e consulta pública aos bens culturais;

III - promover estudos, cursos, conferências, reuniões e prêmios sobre políticas

culturais, assuntos jurídicos, políticos, históricos, filológicos, literários e relacionados

com a obra e a vida de Rui Barbosa, com o estabelecimento de padrões de eficiência e

qualidade nas áreas de pesquisa, ensino, conservação, preservação e acesso aos bens

culturais, e na elaboração de normas, tecnologias e procedimentos técnicos

relacionados à gestão de seu patrimônio cultural; e

IV - colaborar com os entes federativos e com instituições nacionais e estrangeiras, no

âmbito de sua finalidade, podendo, por meio de convênio ou acordo, incumbir-se da

prestação de serviços que forem pertinentes às suas atividades.

Decreto nº 5.037/2004

Art. 1º A Fundação Nacional de Artes - FUNARTE, fundação pública, constituída com

base na Lei no 8.029, de 12 de abril de 1990, vinculada ao Ministério da Cultura, tem

sede e foro em Brasília, Distrito Federal, e prazo de duração indeterminado.

Art. 2º A FUNARTE tem por finalidade promover e incentivar a produção, a prática e o

desenvolvimento das atividades artísticas e culturais no território nacional e,

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especialmente, promover ações destinadas à difusão do produto e da produção

cultural.

Decreto nº 6.853/2009

Art. 1º A Fundação Cultural Palmares - FCP, fundação pública, instituída por

autorização da Lei no 7.668, de 22 de agosto de 1988, vinculada ao Ministério da

Cultura, tem sede e foro em Brasília, Distrito Federal e prazo de duração

indeterminado.

Art. 2º A FCP, nos termos dos arts. 1o e 2o da Lei no 7.668, de 1988, tem por

finalidade promover a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos

decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira e exercer, no que

couber, as responsabilidades contidas no art. 68 do Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias, regulamentado pelo Decreto no 4.887, de 20 de

novembro de 2003, com competência para:

I - promover e apoiar a integração cultural, social, econômica e política dos

afro-descendentes no contexto social do País;

II - promover e apoiar o intercâmbio com outros países e com entidades internacionais,

por intermédio do Ministério das Relações Exteriores, para a realização de pesquisas,

estudos e eventos relativos à história e à cultura dos povos negros;

III - implementar políticas públicas que visem dinamizar a participação dos

afro-descendentes no processo de desenvolvimento sócio-cultural brasileiro;

IV - promover a preservação do patrimônio cultural afro-brasileiro e da identidade

cultural dos remanescentes das comunidades dos quilombos;

V - assistir e acompanhar o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Instituto

Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA nas ações de regularização

fundiária dos remanescentes das comunidades dos quilombos;

VI - promover ações de inclusão e sustentabilidade dos remanescentes das

comunidades dos quilombos;

VII - garantir assistência jurídica, em todos os graus, aos remanescentes das

comunidades dos quilombos tituladas na defesa da posse e integridade de seus

territórios contra esbulhos, turbações e utilização por terceiros;

VIII - assistir as comunidades religiosas de matriz africana na proteção de seus terreiros

sacros; e

IX - apoiar e desenvolver políticas de inclusão dos afro-descendentes no processo de

desenvolvimento político, social e econômico por intermédio da valorização da

dimensão cultural.

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53. Quanto à Ancine, o que se vê é que o ato administrativo questionado tem o nefasto

potencial de desestimular a diversificação de produções cinematográficas, à revelia da previsão

legal em sentido diametralmente oposto. Quanto ao Ibram, o ato administrativo questionado

em nada contribui para a divulgação e difusão dos acervos museológicos brasileiros. Ao

contrário, dificulta a divulgação técnica e ampla dos processos de comunicação, na medida em

que haverá um filtro externo às decisões da própria entidade. Além disso, também é evidente

que o filtro dificulta a participação das comunidades organizadas. Por sua vez, como o ato

administrativo ajuda o Iphan a promover o enriquecimento do patrimônio histórico e artístico

nacional? Certamente, com a censura e a violação a autonomia pretendidas, haverá, isso sim,

um enfraquecimento do patrimônio histórico.

54. No que tange à Biblioteca Nacional, o ato administrativo também caminha no sentido

contrário da missão institucional de promover a execução da política governamental de

captação, guarda, preservação e difusão da produção intelectual do País. Quanto à Casa de Rui

Barbosa, também não há qualquer correlação entre o ato administrativo e as finalidades

legalmente declaradas para a fundação, na medida em que também se complexifica a difusão

de conhecimentos, ao invés de facilitá-la.

55. A dissonância entre o ato administrativo e a finalidade legal da Funarte é caricata. Com

efeito, o ato administrativo caminha no sentido diametralmente oposto ao de promover e

incentivar a produção, a prática e o desenvolvimento das atividades artísticas e culturais no

território nacional e, especialmente, promover ações destinadas à difusão do produto e da

produção cultural. Como se cogitar de difusão dos produtos com censura institucional? Por fim,

quanto à Fundação Palmares, o ato administrativo em nada ajuda a promover a valorização da

influência da cultura negra na formação brasileira, com integração, intercâmbio e dinamização

da participação. Aliás, ao contrário de dinamismo participativo, haverá inúmeros entraves

burocráticos com o desmedido e ilegal controle imposto.

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56. Em quarto e último lugar, o Decreto-Lei autoriza, em tese, que o órgão ministerial, ao

exercer sua supervisão, fixe critérios para gastos de publicidade, divulgação e relações públicas.

Embora se possa advogar que referida norma não foi recepcionada pela Constituição de 1988 -

na medida em que há um aparente malferimento à opção do constituinte originário de

amplíssima autonomia gerencial por agências reguladoras, autarquias e fundações públicas (ou

autárquicas) -, não se adentrará nessa discussão. Ou seja, assumir-se-á, por facilidade do

discurso, que a norma é constitucional.

57. Contudo, mesmo procedendo dessa forma, é evidente o conflito entre o ato

administrativo ora impugnado e o comando legal previsto no Decreto-Lei. Com efeito, a norma

legal fala apenas em fixação de critérios para gastos com publicidade, divulgação e relações

públicas. Ou seja, nada versa sobre critérios, de mérito, para as postagens em si. A tutela

ministerial é viável somente para que se evitem prejuízos ao erário, e não para que se promova

um recorte censor e ideológico de uma ou outra publicação oficial das entidades

administrativas.

58. Portanto, vê-se que, no assunto tocante à comunicação administrativa (publicidade,

divulgação e relações públicas), o legislador já fixou ex ante o núcleo duro que poderia

ensejar a pretensão da administração direta de interferir na indireta: os gastos públicos.

Qualquer outro aspecto da comunicação administrativa de entidades da administração

indireta não aceita a tutela ou supervisão ministerial, por expressa opção do legislador.

59. No presente caso, como não há qualquer notícia de que as comunicações

administrativas dos órgãos potencialmente censurados implicam algum prejuízo aos cofres

públicos - ou seja, gastos relevantes -, não há motivos que justifiquem o intento do Sr.

Secretário da Cultura de promover um controle, provavelmente ideológico, de publicações

oficiais potencialmente avessas aos interesses do mandatário. Volta-se, nesse aspecto, ao

próprio desvio de finalidade já comentado.

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60. O que se vê, portanto, Excelência, é que o ato administrativo ora questionado é

inteiramente incompatível com princípios constitucionais e balizas legais. Com efeito, a

pretexto de exercer uma suposta supervisão ministerial sobre entidades da administração

indireta, o Sr. Secretário da Cultura violou o princípio da legalidade, da impessoalidade, da

motivação e, até mesmo, a liberdade de expressão por parte de órgãos públicos (um conceito

que vem começando a se firmar no ordenamento brasileiro). Todo esse cenário justifica e

autoriza a atuação desse Egrégio Tribunal para que se anule parcialmente o ato administrativo

combatido, inclusive de forma liminar, como se passa a sucintamente demonstrar.

V - Da tutela de urgência

61. O art. 5º, § 4º, da Lei nº 4.717, de 1965, dispõe:

Art. 5o [...] § 4º Na defesa do patrimônio público caberá a suspensão liminar do ato lesivo impugnado.

62. Dessa forma, a Lei da Ação Popular possui norma específica sobre o deferimento de

liminar, que deve ser a aplicada ao caso. Dentro do microssistema de proteção aos direitos

difusos, o art. 12 da Lei nº 7.347, de 1985, ainda estabelece que:

Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo. § 1º A requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, poderá o Presidente do Tribunal a que competir o conhecimento do respectivo recurso suspender a execução da liminar, em decisão fundamentada, da qual caberá agravo para uma das turmas julgadoras, no prazo de 5 (cinco) dias a partir da publicação do ato.

63. Ora, se se cogita de suspensão ou cassação da medida liminar para fins de se evitar

grave lesão à ordem e à segurança, uma interpretação sistemática contrario sensu também

indica que a liminar pode, sim, buscar a própria tutela do direito à garantia da ordem e do

império da lei, bem como da própria segurança, via de consequência. E, se isso se aplica à ação

civil pública, o mesmo se pode dizer da ação popular.

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64. Bem. Na falta de contornos mais densos para a concessão da medida liminar na

legislação específica , o CPC traz os requisitos para a concessão da medida liminar:

Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. [...] § 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.

65. A medida ora pleiteada comporta prestação liminar, inaudita altera pars, o que desde já

se requer, eis que presentes todos os pressupostos necessários para o seu deferimento. É o que

se demonstra em breves palavras.

66. A probabilidade do direito - fumus boni iuris - pode ser facilmente depreendida dos

argumentos já expostos nesta inicial, na medida em que são demonstradas evidentes violações

e ofensas aos princípios basilares que devem reger a estrutura administrativa estatal, que

impede uma atuação de subordinação entre o ente da Administração Direta e a entidade da

Administração Indireta.

67. Além disso, e como se viu, há manifesta violação aos princípios constitucionais

expressos que regem a Administração Pública: a materialização da intenção de sobrepor a

vontade das entidades da administração indireta viola, principalmente, a legalidade (quebra as

garantias que dão vida e continuidade às entidades da administração indireta) e a

impessoalidade (busca-se obter controle até mesmo da movimentação de pessoal na

administração indireta e autorizar que tipo de informação pode ou não ser divulgada).

68. Como o ofício em questão é manifestamente viciado, ante ao claro desvio de finalidade,

requer-se liminarmente a suspensão dos efeitos do Ofício Circular nº 3/2020/SECULT de 04 de

setembro de 2020.

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69. Por outro lado, o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo - periculum in

mora - decorre da própria situação posta: o ofício circular impõe ônus imediato para as

entidades da administração indireta do setor ao arrepio da própria estrutura e formação do

organograma administrativo pátrio. E, infelizmente, essa ingerência indevida significa um largo

passo para o atingimento de outros fins que não o interesse público.

70. E, por fim, não há qualquer periculum inverso, pois o que se pede aqui é apenas que o

Secretário Especial da Cultura siga os preceitos basilares da Administração Pública para pautar

sua atuação. O único efeito da medida acautelatória é, em verdade, a garantia de que as

entidades da administração indireta já citadas poderão continuar trabalhando de forma

autônoma e sem ingerências.

71. E, por derradeiro, não há qualquer risco de exaurimento do direito com a concessão da

medida liminar, pois a decisão poderá ser revista a qualquer tempo. O que há, isso sim, é o

iminente risco de permitirmos indevida ingerência onde, por força constitucional e legal, não

deve haver.

72. Por fim, mesmo que se entenda aplicável a Lei nº 8.437, de 1992, entende-se possível a

concessão da medida ora pleiteada em caráter liminar, pois:

(a) a ação popular não tem por objeto a compensação de créditos tributários ou

previdenciários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a

reclassificação ou equiparação de servidores públicos ou a concessão de aumento ou a

extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza (art. 1º, caput e § 5º, da Lei

nº 8.437, de 1992, c/c art. 7º, § 2º, da Lei nº 12.016, de 2009);

(b) a vedação de liminar por juízo de primeiro grau não se aplica a ações populares (art.

1º, §§ 2º e 3º, da Lei nº 8.437, de 1992); e

(c) a liminar não esgota o objeto da ação (art. 1º, § 4º, da Lei nº 8.437, de 1992).

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73. Desse modo, imprescindível se faz a concessão da medida liminar para determinar a

imediata suspensão dos efeitos do ofício circular nº 3/2020/SECULT de 04 de setembro de

2020.

74. A medida, evidentemente, pode ser complementada ou substituída pelo douto Juízo, se

assim entender cabível, dentro do poder geral de cautela dos Magistrados.

VI – Dos pedidos

75. Diante do exposto, requerem os autores:

1. a concessão de medida liminar, inaudita altera pars, para determinar que seja suspensa

a produção dos efeitos do ofício circular nº 3/2020/SECULT de 04 de setembro de 2020;

2. fixada multa no importe de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) em caso de

descumprimento da medida liminar, por evento de descumprimento;

3. a citação da União para se manifestar, em especial para atuar ao lado do autor, nos

termos do art. 6º, § 3º, da Lei nº 4.717, de 1965 ; 5

4. a citação do Secretário Especial da Cultura, Sr. MÁRIO LUÍS FRIAS, com a determinação

de juntada dos fundamentos razoáveis ou do processo que levaram à edição do ofício

circular nº 3/2020/SECULT de 04 de setembro de 2020;

5. a intimação do Ministério Público Federal para atuar na qualidade de fiscal do direito

(custos iuris), nos termos do art. 7º, I, a, da Lei nº 4.717, de 1965;

6. O envio do que entender cabível ao Procurador-Geral da República, para análise de

eventual prática de improbidade administrativa na edição do ofício circular, conforme o

art. 15 da Lei nº 4.717, de 1965. 6

5 § 3º A pessoas jurídica de direito público ou de direito privado, cujo ato seja objeto de impugnação, poderá abster-se de contestar o pedido, ou poderá atuar ao lado do autor, desde que isso se afigure útil ao interesse público, a juízo do respectivo representante legal ou dirigente. 6 Se, no curso da ação, ficar provada a infringência da lei penal ou a prática de falta disciplinar a que a lei comine a pena de demissão ou a de rescisão de contrato de trabalho, o juiz, "ex-officio", determinará a remessa de cópia autenticada das peças necessárias às autoridades ou aos administradores a quem competir aplicar a sanção.

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7. No mérito, que seja concedida a ordem, confirmando-se a medida liminar, para anular o

Ofício Circular nº 3/2020/SECULT de 04 de setembro de 2020, a fim de impedir a

ingerência indevida nos órgãos da Administração Indireta do setor cultural.

76. Conforme exigência do art. 334, § 5º, do CPC, os autores manifestam desde logo não

haver interesse na realização de audiência de conciliação, pois não há o que transacionar;

77. Protesta pela produção de todos os meios de prova em direito admitidos.

78. Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais).

79. Termos em que pede e espera deferimento.

Brasília, 15 de setembro de 2020.

Nilson Montoril Júnior

OAB/AP nº 530

Anexos:

1. Documento de identificação do autor - Randolph Frederich;

2. Certidão de quitação eleitoral do autor - Randolph Frederich;

3. Procuração outorgada - Randolph Frederich;

4. Documento de identificação do autor - Fabiano Contarato;

5. Certidão de quitação eleitoral do autor - Fabiano Contarato;

6. Procuração outorgada - Fabiano Contarato;

7. Documento de identificação do autor - Antônio José;

8. Certidão de quitação eleitoral do autor - Antônio José;

9. Procuração outorgada - Antônio José;

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10. Documento de identificação do autor - Cecília Marcondes;

11. Certidão de quitação eleitoral do autor - Cecília Marcondes;

12. Procuração outorgada - Cecília Marcondes;

13. Documento de identificação do autor - Fernando Meirelles;

14. Certidão de quitação eleitoral do autor - Fernando Meirelles;

15. Procuração outorgada - Fernando Meirelles;

16. Documento de identificação do autor - Marcelo Ramalho;

17. Certidão de quitação eleitoral do autor - Marcelo Ramalho;

18. Procuração outorgada - Marcelo Ramalho;

19. Documento de identificação do autor - Marcelo Tristão;

20. Certidão de quitação eleitoral do autor - Marcelo Tristão;

21. Procuração outorgada - Marcelo Tristão;

22. Documento de identificação do autor - Márcia Meireles;

23. Certidão de quitação eleitoral do autor - Márcia Meireles;

24. Procuração outorgada - Márcia Meireles;

25. Documento de identificação do autor - Paulo Morelli;

26. Certidão de quitação eleitoral do autor - Paulo Morelli;

27. Procuração outorgada - Paulo Morelli;

28. Documento de identificação do autor - Ruth Klotzel;

29. Certidão de quitação eleitoral do autor - Ruth Klotzel;

30. Procuração outorgada - Ruth Klotzel; e

31. Ofício Circular nº 3/2020/SECULT de 04 de setembro de 2020.