formaÇÃo docente: teoria, prÁtica e experiÊncia · especialistas na sua área específica de...
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FORMAÇÃO DOCENTE: TEORIA, PRÁTICA E EXPERIÊNCIA
Os três artigos que compõem o painel FORMAÇÃO DOCENTE: TEORIA, PRÁTICA
E EXPERIÊNCIA tratam da formação de professores e resultam de pesquisas
desenvolvidas no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Cada uma das pesquisas
tomou como foco principal um nível educacional específico: Educação Infantil, Ensino
Fundamental e Educação Superior. Ao olhar para a formação de professores de crianças
de 0-5 anos, Marques (2016) discute a prática como uma experiência no curso de
Pedagogia. Mostra a necessidade de formar professores que brincam, de modo a darem
conta dos eixos norteadores das propostas pedagógicas, estabelecidos pelas
DCNEI/2009. Com relação ao Ensino Fundamental, Pinto (2016) trata do mal-estar
docente e sua relação com as práticas pedagógicas de professores que se encontram em
diferentes momentos de sua vida profissional. Contrariando a ideia de que professores
iniciantes entram em crise por se depararem com uma realidade diferente da idealizada
pelos cursos de formação, esse estudo remete à possibilidade de que a postura
individual, as vivências e a história pessoal contribuem para determinar os modos de
reação de cada um frente às situações adversas na docência. Em se tratando do Ensino
Superior, Santos e Pinto (2016) focam os desafios do processo de ensinar e aprender
enfrentados pelos docentes universitários. Os resultados apontaram para a necessidade
de formação para a docência universitária especialmente para os professores
especialistas na sua área específica de conhecimento, mas que não possuem formação
didática para docência. Nesse sentido, os pesquisadores que integram esse painel
entendem que as políticas educacionais brasileiras não podem priorizar a formação de
professores desse ou daquele nível de ensino, pois avanços no campo da educação
exigem que as teorias, as práticas e as experiências perpassem todos os níveis de ensino.
Palavras-chave: Educação Infantil. Ensino Fundamental. Educação Superior.
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PROFESSOR DO ENSINO FUNDAMENTAL: TRANSIÇÃO NO SABER-
FAZER
Marialva Moog Pinto
Universidade Alto Vale do Rio do Peixe - SC
RESUMO
O presente estudo é um recorte da pesquisa intitulada O professor: identidade, crise
profissional e transição no saber-fazer,de perspectiva qualitativa e cunho interpretativo
que toma o professor do Ensino Fundamental enquanto sujeito.Como principal objetivo,
ouvindo professores que atuam no contexto escolar no Ensino Fundamental, procurei
compreender quais os possíveis motivos, de maior implicação no seu trabalho, que
causam ou causaram a “crise de identidade profissional docente,” que os professores
vêm enfrentando. O estudo buscou fundamentação nas teorias críticas que explicitam
muito bem a realidade escolar no contexto atual a partir das mediações que as práticas
cotidianas exercem sobre os indivíduos. Reconhece ainda, em sua base epistemológica,
que a profissão professor está em um momento de transição no saber-fazer, modificação
no papel do professor para poder contemplar as exigências sociais e políticas atuais.
Destaca, portanto, a importância do desvelamento da ação pedagógica e seus
condicionantes, buscando novas formas de atuação no papel do professor e
compreensão do novo mundo que se apresenta. Assim, torna-se fundamental também
repensar de forma séria, incisiva e abrangente, o papel dos cursos de formação. Foram
realizadas entrevistas semiestruturadas com três professores em momentos diferentes de
carreira, para poder melhor entender os motivos dos professores iniciantes,
intermediários e os professores em final de carreira. Os dados confirmaram os
pressupostos do estudo, indicando que os professores em muitos momentos, não têm
clareza do processo atual deixando de exercer o seu poder como grupo organizado e
tornando a educação algo que aos poucos perde sua importância. Compreender melhor
esse processo pode auxiliar no melhor entendimento do novo papel que o professor que
atua neste espaço e tempo, com dificuldades características do mundo atual, deve
assumir.
Palavras-chave:Ensino Fundamenta. Identidade Profissional. Professor.
INTRODUÇÃO
A identidade profissional docente é a temática deste estudo. Propõe-se um
trabalho que busca entender as dificuldades que os professores, como sujeitos deste
espaço e tempo sócio cultural, vêm enfrentando sob o aspecto da identidade profissional
e o saber-fazer deste profissional.
As orientações neoliberais desviam o papel do professor, subordinado ao Estado,
acabando com o papel do professor que oferece aos cidadãos conhecimento e destreza
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para uma vida de qualidade e anuncia um novo papel, o de auxiliar o sistema econômico
a manter-se rentável e competitivo (CORTESÃO, 2000).
Os professores do ensino fundamental já não são, como os párocos, os únicos
agentes culturais e as escolas já não são mais ocupadas pela elite social das cidades.
Entretanto, se reconhece que os professores compõem um dos mais numerosos grupos
profissionais da atualidade e também um dos mais qualificados do ponto de vista
acadêmico, embora se saiba que nem todos investem na profissão.
A escola tem a tarefa primordial de pensar o futuro, pois concentra um potencial
cultural e o professor tem o enorme desafio de recriar a profissão professor através da
autonomia profissional exigente e responsável. Essas consequências têm causado
autodepreciação e desconfiança em relação à competência dos professores. Os valores
que sustentaram a profissão docente caíram em desuso, fruto da evolução social e
transferência de responsabilidades, do sistema educativo e da família para o professor.
O principal objetivo do estudo, ouvindo professores que atuam no contexto
escolar, procurei compreender quais os possíveis motivos, de maior implicação no seu
trabalho, que causam ou causaram a crise de identidade profissional docente, que os
professores vêm enfrentando. Na verdade, procurei compreender as principais causas da
crise de identidade profissional dos professores.
Outro ponto necessário para poder olhar para esse problema foi entender que o
professor não foi sempre assim, e que existe uma história construída, uma caminhada,
muitas lutas e reivindicações. Precisei aceitar que o professor não é anjo, mas também
não é vilão. Há uma tensão. A escola, e consequentemente o professo, têm assumido a
culpa de problemas sociais e políticos.
O contexto pesquisado foi uma escola da rede municipal de São Leopoldo –RS
em que se participou de reuniões e contatos com as professoras, durante dois semestres
através da minha participação em outro projeto de pesquisa da universidade, nessa
mesma escola.
Na coleta dos dados para análise, foi realizado entrevistas semiestruturadas com
professoras do Ensino Fundamental em diferentes momentos da profissão. A primeira
professora, sujeito da pesquisa estava ha dois anos de profissão. A segunda professora
exercia sua profissão ha dezoito anos. E a terceira professora estava em processo de
aposentadoria, pois exercia a vinte e nove anos a profissão na mesma escola. Esta última
já estava afastada da sala de aula, sendo responsável pela biblioteca da Instituição.
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ALGUNS OLHARES SOBRE A PROFISSÃO PROFESSOR
O conceito variável, ideal de “bom professor”, em seu perfil clássico, prescreve
o que o professor deve ser. Determina competência e domínio de conteúdos bem
explicados, em ritmo e linguagem adequados. Traduz as grandes teorias, tornando-as
acessíveis aos alunos, onde a metodologia é expositiva, contribuindo com o
funcionamento harmonioso do sistema, produzindo uma sociedade pouco
questionadora. O professor deve ser neutro e justo no ato educativo, com a ideia de que
proporciona oportunidades iguais, pois todos têm acesso ao conhecimento de forma
idêntica e simultânea.
Os alunos deste modelo de professor que porventura forem eliminados neste
processo de ensino e aprendizagem, o serão por seleção natural e justa. São os menos
dedicados, os menos persistentes ou os menos dotados.
Hoje questionamos esta perspectiva. Pesquisas e autores levantam possibilidades
para uma nova forma de participar deste processo, objetivando crescimento ao individuo
num espaço que permite diálogo e descobertas. Deseja-se que o professor não seja mais
o transmissor, mas partícipe, descobrindo com os alunos. As experiências pessoais dos
estudantes, na sua trajetória de vida e cultura, precisam ser valorizadas nas aulas.
Na perspectiva crítica, uma escola democrática é aquela que oferece situações de
ensino e aprendizagem adequadas. O trabalho se articula na aceitação e respeito à
diferença e o professor deve respeitar a heterogeneidade cultural, estar atento às
relações de poder, dominantes e dominados, opressores e oprimidos. Deve preocupar-se
em recriar, contribuir na formação dos sujeitos, salientando valores fundamentais para a
vida em sociedade, não os seus valores, mas aqueles que emergem de uma séria
reflexão.
O processo de construção de uma escola democrática exige que o professor
conheça o seu aluno. É um processo de observação e pesquisa, onde deve ser possível
produzir conhecimento sobre seus estudantes, valorizando os saberes do grupo,
respeitando seus valores, aproveitando os saberes que todos têm, considerando sua
origem social e étnica.
Hall (2002) nos diz que o processo de globalização desestruturou as identidades
tradicionais e desarticulou grupos culturais do passado, fazendo com que valores que
sustentavam a profissão docente caíssem em desuso. Fruto da evolução social e
transformação do sistema educativo, ocasionando uma crise de identidade nos
professores, causada também pela crise cultural. Há uma profunda crise das condições
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sociais, mais significativa do que a crise das linguagens, das narrativas e dos discursos
sociais. As linguagens conhecidas anteriormente, foram absorvidas pelo mundo pós-
moderno, pela globalização e ainda não se tem linguagens alternativas que nos façam
sentido.
A pesquisa feita por Gatti (1996) mostra que poucos professores escolhem a
profissão com a expectativa de ensinar. Os motivos mais relevantes são: emprego
seguro, escola de formação de professores próxima à casa, possibilidade de combinar
estudo com trabalho, profissão mais adequada para mulheres e em alguns casos porque
simplesmente aconteceu. Os professores pesquisados, dizem que sempre quiseram ser
professor, mas 40% optariam por outra profissão, pela pouca valorização, pelos baixos
salários e por ser um trabalho desgastante.
Além da crise da educação, as sociedades parecem sofrer um processo de erosão
intenso, pela globalização da vida das sociedades e pelo abandono dos princípios de
justiça. Esta crise social também influencia a profissão professor. Correia (2003)
acredita que os profissionais de educação enfrentam uma crise de autoridade e uma crise
dos mecanismos de poder.
Os professores enfrentam o domínio excessivo do Estado que os responsabiliza
pelos fracassos da escola. Esta subordinação exclusiva ao Estado, sem regulações
intermediárias de poder, como fator de estrangulamento do professorado e do
desenvolvimento profissional, é um dos fatores apontados por Nóvoa (1995) como
ocasionante do estresse dos professores.
O Estado Educador se enfraquece, dando espaço ao Estado Avaliador que impõe
regras de avaliação agora para o desempenho dos professores, que deixam de ser
somente avaliadores para serem avaliados.
As crises cultural, social e antropológica são impulsionadas pela crise do mundo
capitalista que desacomoda as identidades culturais, impõe novas regras como ideal de
felicidade, distribui desigualmente o direito à vida e à escola, sendo o lugar de todos,
obrigatoriamente é a depositária de todas estas tensões. Desta forma, chega-se à crise da
profissão docente.
Nóvoa (1995) lembra que o professor não é um técnico nem um improvisador,
mas sim, um profissional que pode utilizar o seu conhecimento e a sua experiência para
se desenvolver em contextos pedagógicos práticos pré-existentes.
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Segundo Cortesão (2000), após tantos conflitos, exigências e imposições, os
professores sentem-se mal, questionam seu papel e isolando-se profissionalmente,
tentam manter a ordem e transmitir saber.
Tentam explicar as lições que prepararam (currículo bastante cristalizado), ou
tentam inovar trabalhando muitas vezes com projetos que deram certo para uma outra
turma e que não dizem respeito à realidade ou interesse do seu grupo de alunos.
Continuam classificando a aprendizagem de seus alunos, perderam seu público
garantido (submisso) que estava disponível a aprender o exigido ou interiorizar
humildemente o que não podiam aprender.
A responsabilidade pela crise da escolarização recai sobre o professor, através da
ideologia das necessidades de formação que são atribuídas a ele, provocando um
individualismo profissional. Há uma modificação na demanda da escola - “educação
para todos”1- e consequentemente, há também uma mudança no papel do professor.
Para Codo (2001), os professores “perderam a referência precisa do que devem saber,
de como se deve ensinar ou avaliar, ou seja, perderam aspectos importantes da sua
identidade profissional” e, ainda, com
a democratização da clientela escolar, todavia teve lugar uma
deformação do método, com queda, assim, da qualidade. Se ensinou o
povo o caminho da escola, mas não se ofereceu uma verdadeira
escola. De fato se criaram pobres cursos supletivos, cursos noturnos
de “faz de conta”... quatro ou até cinco cursos diários, superlotação
das salas, sobrecarga de jornada de trabalho dos professores, má
formação profissional, ridícula remuneração dos docentes, grande
confusão na avaliação dos resultados, redução da hora/aula etc. tudo
para cicatrizar a ferida de uma dura sociedade desigual. (2001, p.71)
Há uma modificação do apoio da sociedade ao sistema educativo, ocasionado de
um lado pela instabilidade do professor e de outro pela falta de compreensão da família
menos privilegiada economicamente, em relação ao significado da escola.
Com a massificação do ensino, a sociedade deixa de apoiar o professor como
fazia anteriormente e “o resultado foi a retirada do apoio unânime da sociedade e o
abandono da ideia de educação como promessa de um futuro melhor”(ESTEVE apud
NÓVOA, 1995, p.104).
Outro ponto que se modifica para o professor é que agora ele precisa buscar
apoio nas famílias dos alunos para que o mundo escolar faça sentido no mundo não-
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escolar e esta é uma relação necessária, especialmente com os alunos/famílias vindos
das classes trabalhadoras ou periféricas.
Domingos (1975) diz que, conforme Bernstein, os professores apresentam
comportamento de desapego, quando o professor aceita a Ordem Instrumental1 e não
aceita a Ordem Expressiva1. Já o comportamento de alheamento (distraído, transfere
para outro), é muito comum aos professores sem esperança de promoção, mas que
aceitam as duas ordens anteriores. Quando o professor apresenta posição hostil em
relação às duas ordens, torna-se alienado em relação à profissão e à escola. Tende-se a
interpretar os professores comprometidos como aqueles professores que aceitam
totalmente as ordens da escola.
Os professores novos na escola comportam-se na posição de expectativa. Os
professores de grupos semelhantes, provavelmente assumem posições semelhantes, de
amizade ou pressão.
Bernstein apud Domingos (1975), acrescenta que estas discrepâncias existentes
são geradoras de conflitos no nível da escola, no nível da comunidade e da sociedade
como um todo. O resultado desta análise aponta também para a importância crítica da
estrutura organizacional e da estrutura do conhecimento da escola, bem como os
princípios de sua transmissão.
Na verdade, o que irá definir a posição de alunos e professores, afetar
a natureza das suas relações e das relações entre grupos de amizade e
grupos de pressão, modificar a relação do aluno com a família e com a
comunidade, é a estrutura da escola, ou seja, o modo como as duas
ordens são transmitidas, o que é transmitido por elas e quais os
objetivos oficiais e não oficiais. (BERNSTEIN apud DOMINGOS,
1975, p.125)
A bagagem trazida da formação inicial e continuada e os saberes construídos
pela experiência reforçam a sociedade eleita e garante transmissão e continuidade da
experiência humana através da manutenção dos saberes selecionados por uma
determinada cultura.
Os professores têm estado sujeitos, nas últimas décadas, à
desprofissionalização.Gostaria de lembrar que, para Sacristán, apud Nóvoa (1995), a
profissionalidade se define pelo que é específico na profissão docente, conjunto de
comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes e valores que constituem a
especificidade de ser professor. E ainda complementa dizendo que “o conceito de
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profissionalidade docente está em permanente elaboração, devendo ser analisado em
função do momento histórico concreto e da realidade social que o conhecimento escolar
pretende legitimar; em suma, tem de ser contextualizado”(1995, p.74).
Do ponto de vista sociológico diz-se que é uma semi profissão em comparação
com as profissões liberais clássicas e, conforme Nóvoa, (1995), isto ocorre porque
depende de coordenadas político-administrativas que regulam o sistema educativo. A
conduta do professor é definida e condicionada pelo sistema educativo em que está
inserido. As exigências profissionais provocam individualismo profissional e o suporte
do saber especializado é precário na formação, o que provoca uma busca de ações
adquiridas culturalmente através da socialização.
Nóvoa (1995), Codo (2001), Cortesão (2000), Esteve (1999), e outros comparam
o professor a um ator, ator de uma peça teatral na qual, sem dar-se conta,retiram-lhe o
cenário, ou melhor, muda-se completamente o cenário inicial e o professor continua ali
representando uma peça teatral deslocada do contexto expresso. Isto lhe causa uma
crise, pois não sabe se deve continuar ou não o ato, por outro lado, os espectadores,
percebendo seu desajustamento, o banalizam e desqualificam sua atuação.
Os professores buscam apoio em sua identidade cultural de tempos atrás,
acreditando que assim poderão encontrar uma alternativa para o seu sofrimento;
negando o sofrimento do centro, o professor coloca sempre no outro ou em outro lugar,
defasagens suas como profissional. Um exemplo disso é a família que cobra da escola,
que cobra da família, e o Estado cobra da escola, que cobra do Estado. Estes
dispositivos não são alternativas profissionais, não é bom nem mau, são produzidos de
forma subjetiva.
As exigências feitas aos professores não coincidem com a interpretação pessoal
que os professores têm de seu fazer e isto apresenta manifestações latentes de
conflito.Um professor não pensa somente com a cabeça, mas com a vida, com o que foi,
com o que viveu, com aquilo que acumulou em termos de experiência de vida. Ele é
uma pessoa comprometida em e por sua própria história – pessoal, familiar, escolar,
social – que lhe proporciona um lastro de certezas a partir das quais ele compreende e
interpreta as novas situações que o afetam, e constrói, por meio de suas próprias ações, a
continuação de sua história. (Tardiff, 2000)
OS ACHADOS DA PESQUISA
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Os professores, como sujeitos deste espaço e tempo, estão sendo incitados pelos
processos de globalização e sistema educativo a modificar seus fazeres. Assim, nos
deparamos hoje com um grande número de profissionais em crise com sua identidade
profissional, pois não conseguem mais manter suas crenças em relação à profissão. O
mundo mudou e exige-se do professor um novo papel, que muitos não aceitam
(alheamento), outros não têm clareza (insatisfação) e alguns tentam se adaptar sem
modelos que os apoiem (processo desgastante que causa estresse).
Este momento de transição entre o antigo papel que foi construído há décadas e
o novo papel que ainda não se sabe qual é, provoca a crise de identidade dos
professores. A crise é útil, pois incomoda, desacomoda, tornando-se impulsionadora
para uma reestruturação do sujeito.
Cada sujeito utiliza mecanismos próprios como possibilidades para sair da crise,
alguns logo buscam alternativas, outros se debatem tentando permanecer como antes e
outros desistem durante o processo.
Os salários já não sustentam e o professor é incentivado a ter outra forma de
subsistência além da escola.
Algumas perspectivas puderam ser evidenciadas, que não configuram
conclusões definitivas, mas formas de olhar e compreender um pouco melhor a
complexidade da estrutura que contempla hoje o sistema educativo influenciado.
- Como motivos da crise de identidade profissional do professor concluo que o mundo
mudou e com isto todos os processos de interação que envolvem o ser humano também
mudaram. Fala-se em crise de autoridade, crise das narrativas, crise da linguagem, crise
de identidade, crise da religião, crise econômica,...
- As convenções sociais estão em crise, hoje o homem questiona todos os processos que
o envolvem, pois busca ser feliz e retira de si tudo que não é real, questionando
inclusive questões filosóficas, teológicas, religiosas e transcendentes. Aceitamos apenas
o que nos torna mais felizes e o processo global econômico nos faz acreditar que a
felicidade está no “ter”.
- Juntamente com isto, o aumento da população mundial desestabilizou os processos
econômicos, que não abarcam a população total, tornando uma parcela desta população
excluída, para evitar o colapso.
- Assim, todas as instituições públicas e privadas estão sentindo esta desestabilização e
a escola, como instituição de grande influência na população, tem sido usada para
manipular interesses desses atores que tentam controlar essas crises.
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Assim, direcionando o foco desta pesquisa, encontrei como principais causas da crise
em relação à profissão professor.
- A impossibilidade dos alunos das classes menos privilegiadas economicamente, de
terem acesso ao consumo incitado pela globalização, causando frustração, revolta e
violência desses alunos.
- A luta desesperada das famílias por sobrevivência que leva mães e pais ao mercado de
subempregos, deixando os filhos defasados em educação moral e valores para a vida em
sociedade.
- Alunos que não vêm para a escola buscar saber, mas buscam o alimento do dia,
restando à escola a imposição de valores fundamentais que a família anteriormente
oferecia através do afeto, mas em grande parte dos casos não oferece mais.
- Políticas públicas desacreditadas e imposições do sistema educativo, que apoia a
globalização e é conivente com seus mandos.
- Alguns professores lutam para continuar transmitindo saber e não aceitam
responsabilizar-se por questões que são responsabilidade da família ou do estado.
- Admitem que os cursos de formação não dão suporte para as práticas e que os saberes
são produzidos no dia-a-dia, na experiência.
- Os salários dos professores não garantem a subsistência de suas famílias, quanto mais
buscar a formação continuada exigida pelo sistema. Muitos professores não concordam
com o fato de assumir funções que não são suas e por isto consideram seu salário uma
retribuição simbólica por suas atribuições sociais.
- A afetividade despendida durante as aulas não retorna ao professor que se sente
desgastado emocionalmente.
- A sala de aula é um lugar solitário que transforma a profissão professor em muitas
outras profissões que ele não está preparado para exercer, ficando a aprendizagem
esquecida em muitos momentos.
Outras questões foram apontadas pelos professores em seus relatos:
- Os professores não se reconhecem em crise de identidade em relação a profissão
professor, mas à medida que vão relatando como se sentem, percebem que não se
sentem bem em muitos momentos.
- Muitos professores desconhecem questões estruturais do mundo que domina os
sujeitos, buscando explicações para as dificuldades sempre no próximo, como a família,
o governo, mas poucos vão além. Possuem falas muito parecidas, como se fossem
códigos de interpretação do grupo profissional.
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- Alguns professores sentem-se vazios em muitos momentos, pensando em desistir da
profissão, mas não desistem, pois é uma profissão segura e que tem um grupo de
profissionais na mesma situação, que sempre apoia quem demonstra maior insatisfação.
- Duas professoras entrevistadas sentem dificuldade de olhar para a sua profissão como
algo relacionado com os macro-atores, que estabelecem regras e manipulam a educação
como forma de conquista dos objetivos de uma macro-estrutura; voltam-se sempre para
o micro, a sala de aula, o salário, a família.
- Apenas uma professora busca a formação continuada faz esta relação e interpreta os
problemas do micro-social como sendo influência também dos macro-atores. Esta
postura pode estar relacionada com a formação continuada, mas também com a própria
estrutura pessoal desta professora que é naturalmente questionadora. Outro ponto
importante é que ela está na fase inicial da profissão e, conforme alguns autores, isto
seria um primeiro momento para a crise na profissão e ela demonstra buscar alternativas
constantemente.
- Os que estão em processo de mal-estar docente e crise sentem-se mais comprometidos
e procuram apoio dos cursos de formação numa espécie de “catarse”, necessária para
abrir possibilidades e troca de sentimentos, fortalecendo os professores em seu saber-
fazer e criando novas possibilidades para a profissão.
- Os cursos de formação precisam se reestruturar e abrir espaços para a experiência dos
professores/estudantes. Muitos entram e saem dos cursos de formação sem que haja a
valorização de suas experiências profissionais.
- Alguns professores demonstram sentimentos de crise e mal-estar também ocasionados
por fatores pessoais, pois o professor também é sujeito deste mundo e é influenciado por
ele. Isto aparece no ambiente profissional.
- Concluí que alguns professores percebem que todo o processo educativo está mudando
e chegam a dizer que gostariam de saber qual a nova postura que devem tomar, quais as
novas formas de interpretar seu papel, sentem-se desacomodados, mas não têm clareza
de como agir. Gostariam de tornar mais explícitas as novas decisões, mas outros não
aceitam e querem continuar transmitindo saber, pois foi para isto que estudaram e se
formaram na profissão.
Em seus relatos, os sujeitos explicitaram claramente a tensão que há nessa
profissão, advinda de muitos lugares e que recaem no professor. Houve o
reconhecimento de que há uma crise e sentem-se mal muitas vezes por não saberem
como lidar com estes sentimentos.
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Nesse estudo, o ambiente escolar tornou-se fundamental e determinante para a
superação das dificuldades, assim como o grupo de colegas professores que apoiam
quem demonstrar estar desistindo da profissão.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em seus relatos, os sujeitos explicitaram claramente a tensão que há na
profissão, advinda de muitos lugares e que recaem no professor. Houve o
reconhecimento de que há uma crise e sentem-se mal muitas vezes por não saber como
lidar com estes sentimentos.
É necessário enfatizar que a professora que está em processo de início da
profissão foi a que mais demonstrou não colocar no outro a culpa das dificuldades
profissionais, busca alternativas constantemente, contrariando a ideia de que professores
iniciantes entram em crise, pois se deparam com uma realidade diferente da idealizada
pelos cursos de formação. Isto nos remete à possibilidade de que a postura individual de
cada sujeito, suas vivências, sua história, é que vão determinar a reação de cada um
frente às situações.
Nesse estudo, o ambiente escolar tornou-se fundamental e determinante para a
superação das dificuldades, assim como o grupo de colegas professores que apoiam
quem demonstrar estar desistindo da profissão ou mesmo em processo de mal-estar
docente.
Os professores querem saber como devem exercer sua profissão através deste
novo modelo que se apresenta; isto ficou claro na fala de dois sujeitos que dizem, ...eu
não sei se tinha que dar uma parada, fazer um estudo, eu não sei sabe, mas do jeito que
está, eu acho que eu não ia mais saber trabalhar...e outra ainda diz que, ... eutava
precisando assim... como é que eu posso dizer, um retorno ao objetivo, do que é o meu
papel como educador.
A crise não significa desistência, como uma das professoras diz, que fica triste
sobre situações da profissão, mas não infeliz, e isto nos remete à possibilidade de
mudança e na medida em que o processo vai acontecendo, os caminhos vão-se
clareando e começamos a pensar em possibilidades.Será este o nosso novo papel
enquanto educadores deste espaço e tempo, encontrar novas possibilidades, criar este
novo papel para a profissão professor?
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REFERÊNCIAS
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DOMINGOS, Ana Maria. A Teoria de Bernstein em sociologia da Educação. Ed.
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DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO SUPERIOR: DESAFIOS NO
PROCESSO DE ENSINAR E APRENDER
Adelcio Machado dos Santos
Universidade Alto Vale do Rio do Peixe - UNIARP/SC
RESUMO O presente artigo tem como temática os desafios do processo de ensinar e
aprender enfrentados pelos docentes universitários. A docência envolve muitos saberes,
porém, a aula do professor da Educação Superior em geral é determinada a partir dos
saberes que o mesmo tem internalizado como apropriadas para exercer a profissão. O
estudo preocupa-se com a qualidade do ensino na educação superior em geral e com a
formação docente em específico. A pesquisa teve como objetivo analisar o que ocorre
atualmente na docência universitária e quais aportes pode contribuir para uma mudança
significativa nas práticas docentes.Esta complexa função suscita perguntas que norteiam
este estudo, pois importa-nos saber quem é o docente da Educação Superior? Por que o
professor faz o que faz em sala de aula? O que o professor precisa saber para ensinar?
Como mobilizar o desejo do estudante em aprender? Trata-se de uma pesquisa do tipo
qualitativa e cunho exploratório que se utiliza da pesquisa bibliográfica para
desenvolver o estudo. O apoio bibliográfico vem especialmente de Cunha
(2010),Masetto (1998 e 2003), Tardif (2002), Gil (1997), Grilo e Lima (2008). As
teorias pedagógicas avançaram muito nos últimos tempos, buscando uma aprendizagem
efetiva, porém o que se percebe é que em sala de aula, pouco se conquistou, pois muitos
professores das áreas específicas acreditam que sabem como é ser professor, afinal têm
muitos “modelos passados” para lançar mão durante as aulas.Os resultados apontam
para a necessidade da formação para a docência universitária especialmente para os
professores especialistas na sua área específica de conhecimento, mas que não possuem
formação didática para ser professor.
Palavras-chave: Docência universitária. Educação Superior. Ensino e aprendizagem.
INTRODUÇÃO
A docência na Educação Superiortem merecido atenção da comunidade
universitária, uma vez que as instituições enfrentam desafios para garantir um ensino de
qualidade. Acredita-se que docentes qualificados podem preparar melhor os futuros
profissionais.
As agências internacionais organizadas em conferências mundiais elaboram
indicadores de qualidade para a Educação Superior (ES) e os governos e as Instituições
de Educação Superior (IES) de cada país, organizam-se para adaptarem-se. Entre os
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indicadores para uma ES de qualidade está a competência de natureza pedagógica
necessária para garantir professores bem preparados.
Agências internacionais, como a Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO),por exemplo,exigem uma educação de
qualidade. Já as agências nacionais como o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP), para cumprir as determinações, atuam avaliando
os estudantes egressos, para garantir que as determinações estejam sendo seguidas de
forma efetiva. Um dos fatores fundamentais para se garantir esta qualidade, é a
qualificação profissional docente.
Existe uma grande variação na forma como cada docente exerce a sua função,
pois esta condição depende de muitos fatores como a sua formação, seus modelos
docentes, concepções pessoais relativas ao papel do professor, concepções de cada
docente sobre o papel do aluno e de como se dá o ensino e a aprendizagem, entre outras
influências inclusive contextuais.
Outro fator que influencia a docência é a instituição em que o professor está
inserido. No caso do Brasil, existe uma variedade de tipos de instituições e conforme a
estruturapedagógica, administrativa e da gestão, temos um perfil institucional que
influencia também a prática de cada professor. Esse quadro ampliaria significativamente
se quiséssemos analisar também as práticas de outros contextos, fora do Brasil.
Esta complexa função suscita perguntas que norteiam este estudo, pois importa-
nos saber quem é o docente da Educação Superior? Por que o professor faz o que faz em
sala de aula? O que o professor precisa saber para ensinar? Como mobilizar o desejo do
estudante em aprender? A resposta não é única nem linear, porém, a afirmativa de que
os cursos de formação continuadapara a docência, sãofundamentais para o processo de
inovação profissional do professor, é inquestionável.
Trata-se de uma pesquisa do tipo qualitativa e cunho exploratório que se utiliza
da pesquisa bibliográfica para desenvolver o estudo.O presente trabalho tem como
objetivo analisar o que hoje ocorre na docência universitária e quais aportes podem
contribuir para uma mudança significativa nas práticas docentes. O apoio bibliográfico
vem especialmente deCunha (2010), Masetto (1998 e 2003), Tardif (2002), Gil (1997),
Grilo e Lima (2008).
A docência é uma função complexa e autores acreditam que a prática concreta
do professor de educação superior, assenta-se sobre aspectos como o conteúdo da área
na qual é um especialista; visão de educação, de homem e de mundo; habilidade e
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conhecimentos que lhe permitem uma efetiva ação pedagógica em sala de aula (ABREU
E MASETTO, 1982).
Percebe-se que tal visão da prática do professor da educação superior sofreu
algumas necessárias mudanças que podem ser observadas adiante.
Desafios para a Docência na Educação Superior
A pressão que cada instituição exerce sobre seus docentes é distinta. Se o
professor atua em uma Universidade significa desenvolver ensino, pesquisa e extensão,
ter autonomia didática, administrativa e financeira e congregar um corpo docente com
titulação acadêmica significativade mestrado ou doutorado. Já nos Centros
Universitários, significa trabalhar em instituição que desenvolva ensino e algumas vezes
a pesquisa, que atue em uma ou mais áreas do conhecimento. Já as Faculdades
Integradasrepresentam um conjunto de instituições que oferecem ensino e extensão e
pouca ou nenhuma pesquisa. No entanto, se o professor atua num grupo de pesquisa em
uma universidade, provavelmente sua visão de docência terá um forte condicionante de
investigação (MOROSINI, 2000, p.14).
Pesquisas mostram que a ES, para além de tantas finalidades relevantes,tem duas
principais funções na formação dos sujeitos estudantes: Formar tecnicamente,
desenvolvendo no estudante durante o curso de graduação, competências, habilidades,
para uma área específica e promover profissionais de alto nível com uma forte formação
técnica com aplicabilidade no mundo laboral; eFormar integralmente a pessoa humana,
formando o sujeito postulando que o educando cresça como pessoa, com postura,
princípios, valores e que na ES a pessoa transcenda o senso comum(PINTO, 2012,p.35).
Masetto (2003) e outros autores apontam o exercício da dimensão política e da
cidadania como fato indispensável no exercício da docência universitária, pois há a
necessidade de uma visão geral de tudo o que acontece. Nas palavras do autor:
[...] como cidadão, o professor estará aberto para o que se passa na
sociedade, fora da universidade ou faculdade, suas transformações,
evoluções, mudanças; atento para as novas formas de participação, as
novas conquistas, os novos valores emergentes, as novas descobertas,
novas proposições visando, inclusive, a abrir espaço para discussão e
debate com seus alunos sobre tais aspectos na medida em que afetem a
formação e o exercício profissional (MASETTO, 2003, 31).
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Desta forma compreende-se que a formação na educação superior, não é como
uma formação em um curso técnico, para saber fazer, mas é sim uma formação que
possibilite ao educando transcender, tornando-se um profissional competente, mas
também um homem que tenha possibilidades intelectuais para dar conta dos problemas
sociais do seu tempo.
Quem é o docente da Educação Superior?
Há poucas décadas, um bom histórico estudantil na graduação, possibilitava que
o estudante seguisse como professor na instituiçãoemque se graduou e assimo ex-
estudante iniciava sua experiência docente. Esta prática ainda ocorre em algumas
instituições brasileiras, embora haja uma forte avaliação institucional externa que vem
coibindo esta prática.
Outra forma de aceder a ES está em contratar mestres e doutores bastante
jovens, que possuem uma formação profissional, porém nenhuma experiência na
docência.E ainda há os casos, muito recorrentes, de profissionais que acedemà docência
na educação superiorpor ser um reconhecido profissional em sua área específica de
atuação. Por exemplo, um excelente profissional da área do Direito inicia a docência no
Curso de Direito, assim como o renomado Jornalista, Engenheiro Civil e o Arquiteto,
entre outrosprofissionais são convidados para a docência nos respectivos cursos. Nos
dois casos citados, o profissional que se torna um professor, não possui formação para a
docência.
Com o impacto da sala de aula e muitos estudantes, este professor
imediatamente utiliza-se dos saberes técnicos da sua área específica de atuação
profissional e dos saberes pedagógicos, por imitação dos modelos dos seus bons
professores e suas práticas.
Ao utilizar-se de saberes adquiridos na sua vida escolar e universitária como
estudante, o docenteexperimenta através de tentativas e erros, que o levará a uma
seleção, em longo prazo, das práticas que deram certo, visando repeti-las e
consequentemente, eliminando as tentativas que não foram bem sucedidas.
Assim, o professor vai elaborando ao longo da experiência docente, um “menu”
de práticas positivas, que tendem a não se modificar ao longo de sua trajetória
docente.No entanto, Grillo e Gessinger (2008, p.36) explicam que faz parte do senso
comum a ideia de que ensinar se aprende ensinando e, consequentemente, não é preciso
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preparar-se para ser professor. No entanto, tal ideia não se sustenta, pois a docência
representa um desafio e exige conhecimentos, competências e preparação específica
para o seu exercício.
A docência envolve muitos saberes, porém como vimos,a aula do professor da
ES em geral é determinada a partir dos saberes que o mesmo tem internalizado como
apropriadas para exercer a profissão.
Por que o professor faz o que faz em sala de aula?
Atualmente o termo “saberes” tem sido muito utilizados na área pedagógica e
Tardif (2002, p.199) caracteriza como “os pensamentos, as ideias, os juízos, os
discursos e os argumentos que obedecem a certas exigências de racionalidade”. Para
Cunha (2010,p.19) o autor considera que “há racionalidade, quando há consciência do
ato exercido, isto é, quando o sujeito é capaz de justificar a sua ação por meio de razões,
procedimentos ou discursos”.
Cunha (2010) apresenta a organização dos saberes dos professores, relacionada
ao campo pedagógico. Estão identificados como: saberes relacionados com o contexto
da prática pedagógica; saberes referentes à dimensão relacional e coletiva das situações
de trabalho e do processo de formação; saberes relacionados com a ambiência da
aprendizagem; saberes relacionados com o contexto sócio histórico dos alunos; saberes
relacionados com o planejamento das atividades de ensino; saberes relacionado com a
condução da aula nas suas múltiplas possibilidades; e saberes relacionados com a
avaliação da aprendizagem.
Portanto, para compreender as práticas docentes e pensar a docência é necessário
saber que “assumir a complexidade é desvelar o oficio do professor como requerente de
múltiplas condições para o seu exercício” (CUNHA, 2010, p.21-22).
Isto posto, pesquisas nos mostram que quando questionado sobre sua aula, o
professor poucas vezes pensa na epistemologia da sua prática. Sobre a sua aula ele tem
em mente três elementos: os conteúdos, ele como professor e o estudante. Quando
questionados, os docentes dividem-se em dois grupos: um grande grupo de professores
que se consideram o “transmissor” do conhecimento (postura que já está superada pelas
novas teorias pedagógicas); e um grupo bem menor que considera a pedagogia centrada
na relação professor, aluno e conhecimento (postura mais indicada a partir das novas
teorias educacionais).
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a) Aula centrada no Professor
A aula centrada no professor, não dá conta da complexidade do ensinar e do
aprender. Neste caso, o professor acredita que ensinar é transferir conhecimento. Quer
apresentar oralmente, da formamais clara possível, a realidade para o estudante, e
acredita ainda ser possível que este assimile tal realidade, assim comoela se apresenta.
A forma de ensinar é sempre a mesma, não importando acomplexidade dos conceitos
em jogo, tampouco as especificidades das áreas de conhecimento; se o docente
considera que a transmissão deconhecimento é eficiente, a não aprendizagem é
decorrente da incapacidade do estudante absorver o conteúdo, sejaporque não prestou
atenção à explicação, seja porque não sededicou a um programa de estudos que
auxiliasse na “fixação”do conteúdo trabalhado.
Sabe-se da importância de uma eficaz comunicação docente em que o professor
é a fonte principal, porém cabe a ele tomar alguns cuidados, para que se possa assegurar
a transmissão adequada de suas ideias e emoções. Tais cuidados abrangem a definição
com clareza dos objetivos a serem alcançados. Visto que a definição clara dos objetivos
favorece a seleção do material a ser incluído na aula e a concentração dos recursos para
alcançar resultados desejados.
Outro ponto relevante na comunicação do professor é a organização das ideias,
fato que requer o pleno domínio da matéria e a convicção de que realmente esta é
importante para os alunos.
Gil (1997) analisa como problema comumente encontrado na comunicação
docente, o verbalismo, ou seja, a transmissão de conhecimentos e habilidades mediante
o emprego exagerado de palavras. O autor aponta como consequência desse verbalismo,
o grande fluxo de palavras vazias que são passadas aos alunos e que para nada servem.
Observa-se então que, muitas vezes, os esforços verbais dos professores são
utilizados apenas para que os alunos memorizem o conteúdo, sem que se tornem
capazes de compreender o seu significado ou aplicá-los em situações concretas.
Apontamos aqui outras características deste modelo de docência:o professor não
considera a experiência prévia do estudante, agindo como se o aluno não tivesse nada a
contribuir com o assunto; o professor também tem a preocupação em fixar o conteúdo
da aula, a partir de exercícios que propiciem a memorização de definições; há uma forte
hierarquia em aula, estando a cargo do professor as decisões sobre que conteúdos, que
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métodos de ensino e como avaliar; e regulação da interação entre os estudantes, já que o
que importa é ouvir o professor.
b) Aula centrada na relação professor, aluno e conhecimento
A aula centrada na relação professor, aluno e conhecimento, Grillo e Lima
(2008, p.22) explicam que o professor acredita que “o aluno constrói conhecimento na
interação com o objeto cognoscível e, por isso, organiza o ensino de modo a garantir ao
aluno o papel de protagonista no processo de aprendizagem”.
Neste modelo o professor considera que: o estudante possui uma experiência
prévia, ocorridas em sua vida social, cultural e por este motivo pode contribuir com a
aula; oportuniza a participação dos estudantes quando provoca a problematização; o
professor sabe que o estudante pode lapidar o que já sabe, conhecendo a participação de
cada um em que nível individual os estudantes estão em relação ao conhecimento; o
professor media a relação entre o estudante e o objeto de conhecimento; e favorece a
construção de argumentos, lembrando que essas são aprendizagens fundamentais para
um sujeito pesquisador, problematizar e argumentar.
Ser este professor, não é uma prática fácil uma vez que a complexidade dos
conhecimentos prévios, mediante aprendizagens que tenham significado, exige do
professor enorme competência em seu papel orientador, pois é necessário que ele esteja,
permanentemente, atento para promover a ajuda adequada ao momento do processo em
que se localiza o educando, visto que conhecer não é adivinhar (FREIRE, 1980 apud
GRILLO e LIMA, 2008, p.29).
Como mobilizar o desejo do estudante em aprender?
No Brasil, aproximadamente há duas décadas, principiou-se uma autocrítica por
parte de vários membros participantes do ensino universitário, sobretudo de professores,
acerca da atividade docente, percebendo nela um valor e um significado até então não
considerado.
Analisando-se cada mudança, verifica-se que uma ocasiona a outra, neste
sentido o perfil do docente da educação superior, ainda conforme Masettopassa de
especialista para mediador do processo de aprendizagem.
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A partir do século XX, as próprias necessidades educacionais impõem ao
professor a necessidade da pesquisa e produção de conhecimento, além de atualização e
especialização para que possa incentivar seus alunos a pesquisar.
Gil (1997) afirma que o conhecimento da necessidade da preparação pedagógica
do professor universitário tem conduzido muitas instituições de ensino superior a
desenvolver programas com vistas a alcançar objetivos dessa natureza, principalmente,
depois que o Conselho Federal de Educação, através da Resolução nº 12/83, estabeleceu
que os cursos de Pós-graduação Lato Sensu, destinassem pelo menos um sexto de sua
carga horária mínima para disciplinas de conteúdo pedagógico.
Sendo assim, a docência em nível superior, exige um professor com domínio da
área pedagógica, não somente um professor conhecedor de todo o conteúdo da
disciplina a ser ministrada. Masetto (2003) destaca que o tema da didática pedagógica é
o ponto mais “carente” dos professores universitários, seja pelo fato de nunca terem a
oportunidade de entrar em contato com essa área, ou porque a veem como algo
desnecessário para sua atividade de ensino, ou ainda porque consideram que a docência
é uma profissão que todos podem exercer, afinal são anos de frequência à escola, vendo
como se faz uma aula.
Dentro desse contexto, apontam-se alguns eixos que abrangem a formação
didático-pedagógica, ou seja, o conceito do processo de ensino-aprendizagem: o
professor como gestor do currículo, a compreensão da relação professor-aluno e aluno-
aluno.
Sendo a aprendizagem do aluno o objetivo primordial da docência,
consequentemente se faz necessário que o professor saiba com clareza a distinção entre
o ensino e a aprendizagem, além de quais os princípios básicos da aprendizagem, o que
se deve aprender no contexto atual, como aprender de modo significativo, de modo que
a aprendizagem se faça com maior eficácia e maior entendimento.
Outro ponto fundamental é que o docente compreenda que o currículo de
formação de um profissional implica o desenvolvimento da área cognitiva quanto à
aquisição, à elaboração e à organização de informações, ao acesso a conhecimento
existente, à produção de conhecimento, à identificação de diferentes pontos de vista
sobre o mesmo assunto, à imaginação, à criatividade, à solução de problemas, além da
aprendizagem de habilidades, como o trabalho em equipe multidisciplinar, a boa
comunicação, e o uso eficaz e produtivo das novas tecnologias que vão surgindo no
mercado (MASETTO [et al], 1998).
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Seguindo essa linha de raciocínio, é importante, também, que o professor
desenvolva uma atitude de parceria e (co)responsabilidade com os alunos, que planejem
o curso juntos, usando técnicas em salas de aula que facilitem a participação e
considerando os alunos como adultos que podem se (co)responsabilizar por seu período
de formação.
Ainda, um professor que, juntamente com seus alunos, constitua um grupo de
trabalho com metas comuns, que incentive a aprendizagem uns com os outros, estimule
o trabalho em equipe, a busca de solução para problemas em parceria, que seja um
motivador para o aluno realizar suas pesquisas e seus relatórios, criando condições
permanentes de feedbackentre aluno e professor.
Segundo Masetto (2003), atualmente, no processo de ensino-aprendizagem é
necessário que o professor atue como profissional na docência, em relação ao domínio
da tecnologia educacional, tanto em sua teoria como em sua prática. Ainda conforme o
autor, hoje, as mais de cem técnicas de aula existentes e aplicadas, agregam-se às
tecnologias de informação e comunicação relacionadas com a informática e a
telemática, atuando como auxílio no processo de ensino-aprendizagem presencial, tanto
no sistema de educação à distância, como na pesquisa.
Gil (1997) informa que a moderna pedagogia dispõe de inúmeros métodos de
ensino. Assim, convém que o professor conheça as vantagens e limitações dos métodos
para utilizá-los nos momentos e sob as formas mais adequadas.
O professor universitário, antes de tudo, deve ser um pesquisador, visto que a
pesquisa é um esforço metódico de busca de informações para produzir conhecimentos
novos, ampliar a compreensão do mundo e auxiliar na solução dos problemas concretos
que as pessoas enfrentam.
Segundo Gil (1997), pode-se perceber que as autoridades educacionais vêm
incentivando o desenvolvimento de programas de formação e aperfeiçoamento de
professores para o ensino superior. E, nas universidades e nos estabelecimentos isolados
de ensino superior, é cada vez maior o número de Núcleos de Apoio Pedagógico –
NAP, para auxiliar e apoiar os docentes em sua formação em serviço.
Contudo, o professor que busca desenvolver em suas aulas estudantes que
adquiram competência para a pesquisa, deve antes de tudo saber que escolher trabalhar
com a pesquisa como princípio educativo não significa implantar na aula um projeto de
pesquisa, em sua acepção clássica, mas prevê criar situações de ensino em que o aluno
lide, sistematicamente, com alguns princípios inerentes ao ato de pesquisar, tais como o
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questionamento, a construção de argumentos, a produção escrita e o permanente diálogo
entre situações do cotidiano e conteúdos escolares/acadêmicos (GRILLO E LIMA,
2008, p. 97).
Chizzotti (2001) destaca que a investigação pode levar a descobertas originais e
dar um novo vigor ao ensino. Neste sentido, os movimentos de professores que se
autodenominam professor-pesquisador, um novo profissionalismo docente é unânime
em advogar a pesquisa como integrante do ensino.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vivemos um momento em que se sabe que a docência universitária precisa ser
qualificada, mas não porque a pedagogia universitária que se oferece não esteja
adequada, mas sim, porque grande parte dos profissionais que ocupam os espaços da
docência não está preocupada em buscar a formação pedagógica, para melhor exercer
sua função.
Enquanto tivermos aceitação para o discurso de que “se o estudante não aprende
é porque não se dedicou o suficiente”, teremos docentes despreparados lançando mão
desta fala para justificar o insucesso na aprendizagem dos seus estudantes.
As teorias pedagógicas avançaram muito nos últimos tempos, buscando uma
aprendizagem efetiva, porém o que se percebe é que em sala de aula, pouco se
conquistou, pois muitos professores das áreas específicas acreditam que sabem como é
ser professor, afinal têm muitos “modelos passados” para lançar mão durante as aulas.
A pesquisa em sala de aula como principio educativo pode ser uma alternativa
para que os estudantes se interessem mais em aprender. Porém esta é uma decisão
importante, pois mesmo neste caso precisa haver uma formação docente específica. O
professor deve entender que desenvolver competências para a pesquisa, antes de tudo é,
possibilitar um espaço em aula para que os estudantes possam questionar, argumentar e
escrever envolvendo os conteúdos escolares com o cotidiano (teoria/prática), formando
assim, cidadãos tecnicamente e integralmente bem preparados para atuar em sociedade.
REFERÊNCIAS
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Prática e Princípios Teóricos. São Paulo: Ed. Cortez / Ed. Autores Associados, 1982.
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CHIZZOTTI, Antonio. [et al.]. Temas e Textos em Metodologia do Ensino Superior /
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Eugênia Castanho. Campinas: Papirus, 2001. (Coleção Magistério: Formação e
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GRILLO, Marlene C.; LIMA, Valderez M. R.A Gestão da Aula Universitária na
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_______. A Gestão da Aula Universitária na PUCRS.O fazer pedagógico e as
concepções de conhecimento. EDIPUCRS. Porto Alegre. 2008.
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Constituição da identidade profissional,saberes docentes e prática
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LARROSA, Jorge Bondía. Notas sobre a experiência e o saber de experiência.
Acessado em 31/01/2016 Encontrado em
http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n19/n19a02.pdf
MASETTO, Marcos T. (org.). Docência na Universidade. Campinas: Papirus, 1998.
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MOROSINI, M.C. Docência universitária e os desafios da realidade educacional. In:
MOROSINI(org.) Professor do ensino superior – identidade,docência e formação.
Brasília: INEP, 2000.
NÉRICI, Imídeo G. Metodologia do Ensino Superior. Rio de Janeiro: Ed. Fundo de
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TARDIF, Maurice. Saberes Docentes e Formação profissional. Ed. Vozes.Petrópolis,
RJ.2002.
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7367ISSN 2177-336X
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A PRÁTICA PEDAGÓGICA COMO EXPERIÊNCIA NA FORMAÇÃO DE
PROFESSORES PARA EDUCAÇÃO INFANTIL
Circe Mara Marques
Universidade Alto Vale do Rio do Peixe - UNIARP/SC
RESUMO: Este artigo trata da formação de professores para a educação infantil.
Resultou de uma pesquisa que teve como objetivo identificar e analisar as experiências
significativas vividas pelos estudantes de Pedagogia durante o curso. O sentido de
experiência foi tomado como sendo aquilo que nos toca, nos acontece e nos transforma,
seguindo o viés filosófico encontrado nos estudos de Larrosa (2004). A investigação de
ordem qualitativa foi realizada em uma universidade privada localizada na região
metropolitana de Porto Alegre, durante o ano de 2012. Envolveu um grupo de trinta e
dois estudantes de Pedagogia, matriculados na disciplina de Infâncias de 0-10, a qual
corresponde ao sexto semestre do curso. Os dados foram coletados a partir de uma roda
de conversa com os estudantes. Esses apontaram os momentos de práticas de ensino,
envolvendo atividades lúdicas, como sendo os mais significativos vividos por eles
durante o curso. Contudo, constatou-se também que os mesmos produzem brinquedos e
planejam brincadeiras, mas poucos deles entram nas brincadeiras com as crianças. A
Pedagogia, por tratar formação de professores para a infância, é responsável pela
construção da “consciência lúdica” e essa construção não se dará somente a partir da
informação sobre a importância do brincar e da formação de opinião, mas dentro do
próprio jogo. Então é necessário inventar possibilidades para interromper o trajeto
tradicional da formação de professores e pensar em outras possibilidades de
transformação nesse curso. Não de transformação da sociedade como quer a teoria
crítica, mas da própria transformação.
Palavras chave: Experiência. Formação de professores. Educação Infantil.
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Este artigo trata da formação de professores para a educação infantil. Resultou
de uma pesquisa qualitativa que teve como objetivo identificar e analisar experiências
significativas vividas pelos estudantes de Pedagogia durante o curso. Segundo Larrosa,
a experiência “não é o que passa ou o que acontece, ou o que toca, mas o que nos passa,
o que nos acontece ou nos toca” (2004, p. 154).
A investigação foi realizada junto a uma turma do sexto semestre do referido
curso em uma instituição privada de ensino superior, localizada na região da grande
Porto Alegre, em 2012. Para dar conta de tal objetivo, busquei aporte teórico nos
estudos Larrosa (1998, 2002, 2003 e 2004) quando trata do sentido filosófico da
experiência e nos estudos de Fortuna (2004, 2011 e 2012) ao defender a formação
lúdica no curso de Pedagogia.
Conforme o Art, 4º da Resolução CNE/CP Nº 1/2006, que estabelece as
Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia, esse curso destina-se a
formar professores para atuar na “Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino
Fundamental, nos curso de Ensino Médio, na modalidade Normal, de Educação
Profissional na área de serviços e apoio escolar e em outras áreas nas quais sejam
previstos conhecimento pedagógicos”. Para isso está previsto uma carga horária de
3.200 horas. Conforme o Art. 7º desse documento tal carga horária é assim distribuída:
I – 2.800 horas dedicadas às atividades formativas como assistência às
aulas, realização de seminários, participação na realização de
pesquisas, consultas a bibliotecas e centros de documentação, visitas a
instituições educacionais e culturais, atividades práticas de diferente
natureza, participação em grupos cooperativos de estudo; II – 300
horas dedicadas ao Estágio Supervisionado prioritariamente na
Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental,
contemplando também outras áreas específicas, se for o caso,
conforme o projeto pedagógico da instituição; III – 100 horas de
atividades teórico-práticas de aprofundamento em áreas específicas de
interesse dos alunos, por meio, da iniciação científica, da extensão e
da monitoria (BRASIL, 2006).
Considerando o compromisso em formar profissionais para funções tão
diversificadas, cabe problematizar se o tempo previsto, três mil e duzentas horas, é
suficiente para dar conta de tal empreitada.
Larrosa (2002, p. 23) aponta que “[...] a experiência é cada vez mais rara, por
falta de tempo”. Nesse sentido, para dar conta de formar profissionais aptos a atuarem
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em tantas funções diferentes, os conteúdos precisam ser trabalhados de forma
“aligeirada”, ou seja, o currículo do curso está organizado de modo que muitas coisas se
passem, muitas coisas aconteçam, sendo que poucas delas “nos” passam e “nos”
acontecem durante o processo de formação. Cada estudante do curso é sujeito do
estímulo, da vivência pontual e a ela “tudo atravessa, tudo o excita, tudo o agita, tudo o
choca, mas nada lhe acontece” nos tempos que correm (LARROSA, 2002, p. 23).
Nesse sentido, a pergunta mobilizadora do estudo que aqui está sendo
apresentado, consistiu-se em saber quais propostas vividas no curso passam, tocam e
transformam os estudantes de Pedagogia.
OS CAMINHOS METODOLÓGICOS ESCOLHIDOS
A investigação de ordem qualitativa foi realizada em uma Universidade privada
localizada na região metropolitana de Porto Alegre, durante o ano de 2012. Participaram
da coleta de dados um grupo de trinta e dois estudantes do curso de Pedagogia,
matriculadas na disciplina de Infâncias de 0-10, a qual corresponde ao sexto semestre do
cursoi. Os dados foram produzidos a partir de uma roda de conversa com os mesmos.
Segundo Larrosa (2003), conversar pressupõe estar aberto a ouvir o que o outro tem a
dizer “porque se alguém pode discutir, ou dialogar, ou debater, com qualquer um, é
claro que não se pode conversar com qualquer um [...]” (LARROSA, 2003, p. 212).
Conversar, então, exige que se conheça o outro e que se pare para escutá-lo. Os rumos
da conversa „acontecem‟ na própria conversa, de modo que não se pode ter definido e
delimitado de antemão o que será conversado.
Todos participantes foram informados de que a pesquisa estava sendo realizada
com a intenção de conhecer quais propostas desenvolvidas durante o curso haviam sido
vividas intensamente por eles, de modo a lhes passar, lhes tocar e lhes transformar. Em
um primeiro momento foi apresentado e discutido no grupo o sentido filosófico da
experiência, a partir de Larrosa. Em um segundo momento lhes foi apresentada a
seguinte questão: quais propostas de atividades se constituíram em experiência para
você durante o curso de Pedagogia? Foi dado um tempo para que os estudantes
visitassem suas memórias do curso e trocassem idéias com os colegas da turma, caso
desejassem. Depois, foi organizada uma roda para dar início à discussão em grande
grupo. Nessa roda, ao mesmo tempo em que os estudantes se participavam livremente,
também ficou garantida a possibilidade de não se manifestar, caso essa fosse a escolha
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de algum deles. Nos rumos dessa conversa foram surgindo os detalhes e as minúcias das
experiências vividas por eles durante o curso. Nesse sentido, os dados analisados aqui
correspondem ao que foi colocado pelos estudantes durante a roda de conversa.
AS PRÁTICAS DE ENSINO COMO EXPERIÊNCIAS NO CURSO DE
PEDAGOAGIA
Ao serem indagados sobre o que havia se constituído „neles‟ em experiência
durante o curso, os estudantes fizeram referências às práticas de observação, às práticas
de ensino e de estágios, sendo que justificam isso dizendo que são momentos “criativos,
dinâmicos, trazem à tona bons projetos e desencadeiam de bons debates” (Aline P.,
2012); “tiram da mesmice no curso” (Rose A da S., 2012) e, “é onde se aprende de
verdade” (Solange P. M., 2012). Os momentos de práticas de ensino são ocasiões muito
esperadas pela maioria dos estudantes da instituição pesquisada, considerando que não
atuam em escolas e anseiam por estar com as crianças nesses espaços. Apenas dois
estudantes fizeram referência a passeios de estudo realizados durante o curso.
Devo dizer, ainda, que os momentos de práticas são também os mais difíceis de
serem administrados por parte dos estudantes, pois precisam conciliar os horários de
aulas na faculdade, os horários do estágio, os horários de seu trabalho, bem como outros
compromissos de ordem pessoal. Apesar desse “corre-corre”, é recorrente ouvir desses
que o tempo foi curto e que quando a prática começou a ficar boa, ela acabou.
Ficou claro, então, o quanto o “tempo” pode impedir ou possibilitar que algo
“nos” aconteça durante o processo de formação de professores. A experiência, no
sentido de algo que nos acontece,
[...] requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível
nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar,
parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar
mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos
detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade,
suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza,
abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a
lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito,
ter paciência e dar-se tempo e espaço (LARROSA, 2002, p. 24).
Outro aspecto interessante foi o fato de nenhum estudante ter feito referência à
situações de sala de aula na universidade, à participação em seminários ou grandes
conferências, à apresentação de trabalhos em sala de aula, a pesquisas na biblioteca ou
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outros espaços acadêmicos – atividades essas com maior representatividade na carga
horária de formação.
Larrosa separa a experiência tanto da informação quanto da opinião. A respeito
da primeira, ele aponta que
O sujeito da informação sabe muitas coisas, passa seu tempo
buscando informação, o que mais o preocupa é não ter bastante
informação; cada vez sabe mais, cada vez está melhor
informado, porém, com essa obsessão pela informação e pelo
saber (mas saber não no sentido de “sabedoria”, mas no sentido
de “estar informado”), o que consegue é que nada lhe aconteça
(LARROSA, 2002, p. 22).
Assim, é possível dizer que nada nos tocou ou nos aconteceu, mesmo “depois de
assistir a uma aula ou a uma conferência, depois de ter lido um livro ou uma
informação, depois de ter feito uma viagem ou de ter visitado uma escola” (LARROSA,
2002, p. 22), embora se tenha conquistado mais informações e se saiba coisas que antes
não se sabia nada nos aconteceu!
Nesse processo de formação, também não basta “ter” informação, é necessário
construir opinião, ou seja, o sujeito deve se posicionar a favor ou contra essa
informação. Contudo, segundo Larrosa (2002), essa obsessão pela opinião também
anula a possibilidades de experiência, fazendo com que nada nos aconteça. Assim, um
processo de formação voltado à fabricação de sujeitos manipulados pelos artefatos da
informação e da opinião, constitui sujeitos incapazes de experiência.
A partir disso, ressalto que dados os da pesquisa apontam como desafio aos
professores e aos estudantes do curso, juntos, inventar possibilidades para interromper o
trajeto tradicional da formação de professores e pensar em outras possibilidades de
transformação nesse curso. Não de transformação da sociedade como quer a teoria
crítica, mas da própria transformação, pois segundo Larrosa (2002), somente o sujeito
da experiência está “aberto à sua própria transformação” (p. 26).
Débora de M. L. (2012) assim expressa sua expectativa com relação ao curso:
“espero que o curso possa continuar me oferecendo ferramentas necessárias para me
tornar a educadora que pretendo ser”. Então, como criar condições de possibilidade para
que os estudantes “inventem, cada um, a própria transformação” no curso de
Pedagogia?
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Para se chegar à verdade sobre si mesmo, “não há um caminho traçado de
antemão, como se bastasse segui-lo, sem desviar-se, para se chegar a ser o que se é”.
Nas palavras de Foucault, a experiência “arranca o sujeito de si mesmo, [...] é uma
empreitada de dessubjetivação” (FOUCAULT, 2010, p. 291). Essa empreitada, “que
leva a um „si mesmo‟, está por ser inventada de uma maneira sempre singular, e não se
pode evitar nem as incertezas nem os desvios sinuosos” (LARROSA, 1998, p. 10, grifos
do autor).
“ACHO QUE ESCOLHI A PEDAGOGIA E A EDUCAÇÃO INFANTIL PRA
CONTINUAR BRINCANDO” – o brincar e a (trans)formação dos professores
Ao esmiuçarem suas experiências, os estudantes fizeram referências às situações
lúdicas. Nesse sentido Fátima K. (2012) expressou aquilo que trago em epígrafe na
entrada desta seção: “Acho que escolhi a pedagogia e trabalhar na educação infantil pra
continuar brincando”. Essa posição das estudantes vai ao encontro daquilo que está
previsto nas na Resolução CNE/SEB Nº 5/2009, que estabelece as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, quando determina que as Propostas
Pedagógicas das escolas devem ter as brincadeiras como um dos eixos norteadores.
Cabe à Pedagogia formar professores que correspondam a esse desafio legal.
Segundo Saviani (2009), é necessário que tanto os conteúdos de conhecimento
quanto os procedimentos didático-pedagógicos integrem o processo de formação de
professores, pois forma e conteúdo são indissociáveis. No entanto, é mais comum que
se discutam produções teóricas que versam sobre o desenvolvimento do jogo na criança
enfatizando os estudos de Jean Piaget que classificam as crianças, conforme suas idades,
em estágios de jogo sensório-motor, simbólico e de regras. Ou ainda, os estudos de
Vygotsky, que versam sobre a importância das mediações do adulto para o
desenvolvimento da criança.
Desse modo, as alunas constroem alguns princípios teórico-metodológicos para
“lidar” com as crianças. Ou seja, constroem informações e opiniões sobre o brincar,
alicerçadas no campo da Psicologia do Desenvolvimento. Nos planejamentos das
práticas na educação infantil que venho acompanhando observei que diversas alunas
inserem brincadeiras em seus planejamentos, produzem brinquedos para as crianças e
também apresentam justificativas fundamentadas teoricamente para isso, mas poucas
delas “mergulham” nessas brincadeiras com as crianças. Com isso, quero dizer que as
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estudantes “observam” ou “dirigem” as brincadeiras das/para crianças, deixando de
“viver” essas brincadeiras com elas. Em outras palavras, “fazem brincar” ou “deixam
brincar”, mas elas mesmas não brincam.
Algumas “aproveitam” os momentos em que as crianças brincam para organizar
os materiais da sala ou para fazer/responder anotações nas agendas das crianças. Em
outras situações, quando dirigem as brincadeiras do grupo, focam o seu olhar para o
cumprimento das regras ou para o aprendizado de conteúdos escolares que muitas vezes
estão “dissimulados” nessas brincadeiras. E na pressa de dar conta dos compromissos de
rotina e/ou de ensinar conteúdos escolares, os professores quase não param para olhar,
para escutar, para sentir e para “cultivar a arte do encontro” (LARROSA, 2002, p. 24)
com as crianças.
Os estudos de Fortuna (2011) apontam para a ausência do brincar na formação
superior, aparecendo basicamente em algumas disciplinas com caráter teórico-prático,
nos estágios curriculares ou em nível de extensão universitária.
Na universidade pesquisada, embora a organização curricular do curso de
Pedagogia não contemple uma disciplina específica sobre o assunto, observei que esse
tema está previsto nos conteúdos das disciplinas de Educação Infantil I e II, sendo essas
aulas costumavam ser desenvolvidas no espaço da brinquedoteca. As alunas gostavam
de ter aulas nesse espaço e justificavam isso, dizendo que ali encontravam sugestões
para produzir jogos e brinquedos. Anotavam “sugestões” e usavam seus telefones
celulares para fotografar brinquedos que se encontravam nesse local.
Entretanto, ao serem questionadas sobre “brincar pra quê?”, as alunas fizeram
referência à importância dessa atividade para o desenvolvimento das crianças nas mais
diversas áreas, mas quase não se colocaram nessa brincadeira „com‟ as crianças. Isso me
remeteu a outra pergunta: em que medida as discussões referentes ao brincar,
desenvolvidas durante o curso, contribuem (ou não) para que as estudantes brinquem
com as crianças da educação infantil, em suas práticas pedagógicas e de estágio?
Fortuna (2011) investiga como e por que alguns professores tornam-se capazes
de brincar em suas práticas pedagógicas e problematiza a formação lúdica de
professores na universidade. De acordo com essa pesquisadora,
[...] o professor ludicamente inspirado possui uma consciência lúdica que, sem ser inata, constrói-se ao longo de sua formação profissional e existencial e expressa, através de atitudes e de conhecimento, a valorização do brincar na vida, identificando-o como afirmação da
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vida e através da qual se compromete com o brincar (FORTUNA, 2011, p. 96).
Sobre o processo de formação lúdica, essa pesquisadora explica que “as raízes
mais profundas alcançam a infância, perpassando a experiência escolar, a formação
inicial para o magistério, a formação continuada, as leituras e a experiência na
profissão” (FORTUNA, 2012). Também Brougère (1995) não admite o caráter natural e
espontâneo da brincadeira e argumenta que essa atividade “pressupõe uma
aprendizagem social. Aprende-se a brincar” (p. 97).
Entendo que a Pedagogia também é responsável pela construção da “consciência
lúdica”, especialmente por tratar da formação de professores para a infância. Mas
“como” formar professores que brincam? Sala de aula do curso de graduação é espaço
de brincar?
Na perspectiva da Hermenêutica Filosófica, Fortuna (2011) afirma que a
formação de “professores que brincam se dá no jogo: aprendem sobre o jogo jogando,
tanto quanto aprendem a ser professores que brincam jogando” (FORTUNA, 2011, p.
91). Para dar conta desse compromisso com a formação lúdica dos professores, a
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) conta com o Programa de
Extensão Universitária Quem quer brincar?, o qual tem como propósito capacitar
professores para brincar e valorizar o brincar (FORTUNA, 2005).
A partir do pensamento de Larrosa (2002) e de Fortuna (2011), defendo a
posição de que é se “ex-pondo” no jogo que se formam os professores que brincam.
Segundo Larrosa (2002),
Do ponto de vista da experiência, o importante não é nem a posição
(nossa maneira de pormos), nem a “o-posição” (nossa maneira de
opormos), nem a “imposição” (nossa maneira de impormos), nem a
“proposição” (nossa maneira de propormos), mas a “exposição”, nossa
maneira de “ex-pormos”, com tudo o que isso tem de vulnerabilidade
e de risco. Por isso, é incapaz de experiência aquele que se põe, ou se
opõe, ou se impõe, ou se propõe, mas não se “ex-põe” (LARROSA,
2002, p. 25).
Além disso, Fortuna também acredita que “A capacidade de brincar não
desaparece à medida que crescemos, nem vai para o limbo” (FORTUNA, 2011, p. 97) e
“fazer viver o brincar, quando nos tornamos „gente grande‟, é uma forma de perpetuá-
lo” (FORTUNA, 2004, grifos da autora).
Fortuna (2011) propõe que “sejam (re)inseridos no ritmo regular da vida ―
inclusive na vida acadêmica ― a brincadeira e o ócio, superando a dicotomia brincar
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versus aprender e trabalhar versus divertir-se” (p. 343). Assim como Fortuna (2011),
também estou convencida de que brincar deve fazer parte da formação docente, e “nada
é melhor do que o brincar para falar sobre o brincar” (p. 27). Desse modo, acredito que
ao se confeccionar brinquedos com a finalidade de usá-los em suas práticas-lúdicas ― a
exemplo do que fazem os estudantes no curso de Pedagogia―, isso se constitui em um
modo de brincar. Ou seja, enquanto se inventa e se produz o brinquedo, já se está
brincando e já se está formando professores que brincam.
Fortuna (2011, p.348) diz: “Tal qual um bordão, repito: é preciso investir na
formação lúdica do professor”. Nesse sentido, „quase‟ii fazendo coro com ela, eu digo
que é preciso criar condições de possibilidade para que a “experiência” lúdica aconteça
no curso de Pedagogia! Embora eu reconheça que experiências lúdicas poderão se dar
de variados modos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os estudantes de pedagogia recebem durante o curso um volume enorme de
informações e a todo tempo são instigados a formarem opinião sobre elas. Contudo esse
estudo mostrou que é nas práticas lúdica de ensino que eles vivem experiências que lhes
tocam, que lhes acontecem e lhes transformam. Nesse sentido, também em atendimento
ao que está previsto nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, o
curso de Pedagogia precisa assumir o compromisso de formar professores que brincam.
Essa formação pouco se concretizará a partir de informações ou formação de opinião,
mas no próprio jogo, como nos mostram os estudos de Fortuna (2011). Sem dúvidas, os
estudantes precisam ler, discutir, opinar sobre o valor do brincar na formação de
professores, contudo, isso não garante a formação lúdica. É preciso que a experiência
(nos) aconteça ― e aqui eu me refiro, mais uma vez, à experiência no sentido que lhe é
dado por Larrosa, como discuti anteriormente ― experiência essa que, vivida na
universidade, pode nos transformar, nos tirar da fôrma. Só aquele que se (ex)põe e sai
da fôrma é capaz de brincar em suas práticas de ensino.
REFERÊNCIAS
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i Na intenção de preservar a identidade dos participantes, os nomes citados nesse artigo são fictícios, ii Digo „quase‟, porque ouso mudar algumas palavras em seu bordão.
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