frigotto, gaudencio - a produtividade da escola improdutiva

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5/22/2018 Frigotto,Gaudencio-AProdutividadeDaEscolaImprodutiva.-slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/frigotto-gaudencio-a-produtividade-da-escola-improdutiva A PRODUTIVIDADE DA ESCOLA IMPRODUTIVA  A PRODUTIVIDADE DA ESCOLA IMPRODUTIVA analisa a raiz do pensa· mento economicista burguês que influen- ciou a educação nas últimas décadas, re- velando sua gênese e suas implicações teóricas e políticas; o limite de alguns tra- balhos criticas e suas conseqüêndas por não apreenderem a especificidade do pa- pei histórico da educação no processo de superação das reiações capitalistas de produção da existência; e, finalmente, a direção política, teórica e técnica, por on- de passa a organização de uma prática educativa que se articula com os interes- ses da classe trabalhadora. Seguindo o movimento histórico do processo de acumulação capitalista, suas contradições e crises, o autor demonstra que a "teoria do capital humano" expressa a forma falsa e inversa de a burguesia conceber as relações homem, trabalho e educação no interior do processo produti- vo. Esta inversão e falseamento não resul- tam fundamentalmente de um maquiave- liSI1)O,· mas sim dos limites da própria classe burguesa de conceber a realidade no seu conjunto. A PRODUTIVIDADE A ESCOLA IMPRODUTIVA PREFACIO EconomÍa da educlIrfo. EÍs uma área ímportante para a compreensão objetiva do fenômeno edur:qtivo e que está a exigir esforço sistemático dos estudÍosos da educação. ' Essa área se converteu em disCÍplina especifica a partir do inicio da década de 60 quando da difUsão da chamada "teoria do capital humano',: É. com efeíto, em torno de tal teoría que têm girado os estudos de econo~ mÍa da edu No principio (década de 60) a referida teoria foi desenvolvida e di-vulgada positiva mente, sendo saudada como a cabal demonstração do ''va- lor econômÍCo da educação 'I. Em conseqüência. a educação passou a ser entendÍda com ente ornamental mas decisivo do ponto de vista do desenvolvÍmento da econornÍa. Em t ais circunstânCÍas, a economía da educação só não se tornou moda generalízada entre s devi- do às dificuldades de se lidar com a nomenclatura técnica um tanto henné- tíca das cíênCÍas econômÍcas. (Quem não se lembra das constantes referên-cias ao car onomês?). Nesse momento, a teorÍa do capÍ-tal humano se confÍgurou como um dos eleme

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A PRODUTIVIDADE DA ESCOLA IMPRODUTIVA A PRODUTIVIDADE DA ESCOLA IMPRODUTIVA analisa a raiz do pensa mento economicista burgus que influenciou a educao nas ltimas dcadas, revelando sua gnese e suas implicaes tericas e polticas; o limite de alguns trabalhos criticas e suas conseqndas por no apreenderem a especificidade do papei histrico da educao no processo de superao das reiaes capitalistas de produo da existncia; e, finalmente, a direo poltica, terica e tcnica, por onde passa a organizao de uma prtica educativa que se articula com os interesses da classe trabalhadora. -Seguindo o movimento histrico do processo de acumulao capitalista, suas contradies e crises, o autor demonstra que a "teoria do capital humano" expressa a forma falsa e inversa de a burguesia conceber as relaes homem, trabalho e educao no interior do processo produtivo. Esta inverso e falseamento no resultam fundamentalmente de um maquiaveliSI1)O, mas sim dos limites da prpria classe burguesa de conceber a realidade no seu conjunto. A PRODUTIVIDADE A ESCOLA IMPRODUTIVA PREFACIO Economa da educlIrfo. Es uma rea mportante para a compreenso objetiva do fenmeno edur:qtivo e que est a exigir esforo sistemtico dos estudosos da educao. ' -Essa rea se converteu em disCplina especifica a partir do inicio da dcada de 60 quando da difUso da chamada "teoria do capital humano',: . com efeto, em torno de tal teora que tm girado os estudos de econo~ ma da educao. No principio (dcada de 60) a referida teoria foi desenvolvida e divulgada positivamente, sendo saudada como a cabal demonstrao do ''valor econmCo da educao 'I. Em conseqncia. a educao passou a ser entendda como algo noente ornamental mas decisivo do ponto de vista do desenvolvmento da econorna. Em tais circunstnCas, a economa da educao s no se tornou moda generalzada entre os educados devido s dificuldades de se lidar com a nomenclatura tcnica um tanto henntca das cnCas econmcas. (Quem no se lembra das constantes referncias ao carter esotonoms?). Nesse momento, a teora do captal humano se confgurou como um dos elementos consttuUvos e r..eforados da tendncia tecnCsta em educao. Em seguida (dcada de 70), sob a infiuncia da tendncia crltico-reprodutvsta. surge a tentativa de empreender a crftca da economa da educao. Buscou-se, ento, evidenCar que a subordnao da educao ao desenvolvmento econmico sgnifcava torn-la funconal ao sistemtalista, isto , coloc-la a servo dos nteresses da classe dominante uma vez que, qualificando a fora de trabalho, o processo educativo conco"ia para o ncremento da produo da mas-va!a, reforando, em conseqencia, as relaes de explorao. Ilustrativas dessa fase so as obras de Brbara Freitag, Estado, Escola eSociedade e de Wagner Rossi, Capitalismo e Edu-. cao, publicados respectivamente em 1975 e 1978. Num terceiro momento (dcada de 80), busca-se superar os limites. da critica aCma apontada. lmites essfs marcados pelo carter reprodutvsta prpro da concepo que estava na sua base. Um prmero esforo SStemtico nesse sentido ganha forma no livro de Cldudio Salm, Escola e Trabalho, publicado em 1980. A i ele se empenha em fazer a critica das "criticas" pondo em evidncia a improcedncia da tese que liga direta e mecanicamente a educao com o processo de desenvo[vmento captalsta. Entreeducao e processo prutivo e seus criticas (reprodutivistas) mantiveram esse mesmo vnculo, porm com sinal negativo, a crItica aos crIticos expressano livro de Salm, desvincula a educao do processo produtivo. Ora, nas trs situaes postulava-se um vinculo dueto, afirmado nos dois primeiros casos e negado nO terceiro. Este livro situa, a meu ver, de modo correto a natureza da relao entre educao e processo produtivo um vez que capta a existncia do vnculo mas percebe tambm que no se trata de um vnculo direto e imediato mas indireto e m~diato. A expresso "produtividade da escola improdutiva" quer sintetizar \.e~sa tese. Com efeito, se para a teoria do capital humano bem como para ~"eus crlticos a escola simplesmente produtiva e para Cludio Salm ela simplesmente improdutiva, para Gaudncio a escola (imediatamente) improdutiva (mediatamente) produtiva. Este livro situa-se, pois, no ponto mais avanado atingido pela economia da educao. E como o adequado entendimento das relaes entre educao e processo econmico de crucial importncia para a compreenso da prpria natureza e especificidade da educao, a leitura desta obra imprescindivel a todos os educadores. Constitui, pois, texto de consulta obrigatria nos cursos de formao de professores e especialistas em educao, sendo tambm de interesse para economistas, historiadores, filsofos e cientisp tas sociais. So Paulo, outubro de 1984. Dermeval Saviani APRESENTAO o presente trabalho tem com objeto de anlise um (re)exame das relaes entre a prtica educativa escolar e a prtica de produo social da existncia no interior da estrutura econmico-social capitalista. A questo fundamental que o orienta a de averiguar como a prtica educativa, enquanto uma prtica social contraditria, medida que se efetiva no interior de uma sociedade de classes marcada por interesses antagnicos, se articula com os interesses burgueses e com os daqueles que constituem a classe dominada. .. A idia original surgiu na fase de elaborao da dissertao de mestrado do autor, gerada a partir de uma vinculao profissional com o Projeto Educao, do Programa Eciel (Programa de Estudos Conjuntos de Integrao Econmica da Amrica Latina). Tratava-se de um projeto que refletia o pensamento mais denso, entre ns, sobre as relaes entre economia e educao, na tica do desenvolvimento da "teoria" do capital humano. A dissertao se desenvolveu sobre uma das questes, ainda em discu,so, acerca dos componentes cogC nitivos e no-cognitivos (ideolgicos) que se relacionam com o processo produtivo. Tendo como formao bsica a filosofia, intrigava-nos o avano e a natureza do pensamento econmico na educao, reduzindo, sob a uma mera relao tcnica. Intrigava-nos, de outra parte, o aparato metodolgico e a sofisticao estatstica dessas anlises, e as indicaes aue chegavam como, por exemplo, que "o turno escolar" era a varivel que concentrava maior explicao na variao do rendimento escolar. Ao querer analisar a influncia e as conseqncias desse pensamento na poltica educacional brasileira, deparamos com a necessidade de desvendar a natureza epi~temolgica e a gnese histrica desse pensamento. Por qu, a partir de um dado momento, a educao transvestida com a mesma natureza do capital -"capital humano"? Qual o processo dessa metamorfose? E por qu justamente a "socializao desse capital" ~ e no do capital social -os meios e instrumentos de produo -seria o meio pelo qual os "subdesenvolvidos" ou os assalariados atingiriam a prometida igualdade ou diminuio da desigualdade social? Por esse caminho entramos em contato com a literatura que critica a teoria do capital humauo e tenta averiguar a natureza das relaes entre educao e trahalho, educao e a estrutura econmicosocial capitalista. Neste percurso deparamo-nos com algumas questes de ordem terica e prtica que nos levaram a encaminhar este trabalho para um (re)exame das anlises sobre as relaes entre educao e a estrutura econmico-social capitalista. Esse trabalho contou com a colaborao de muitas pessoas que, de diferentes formas, contriburam para que algumas Iimitaesfossem superadas. A Dermeval Saviani, sem dvida, debitamos grande parte daquilo que nos foi possvel desenvolver neste trabalho, por sua orientao durante a elaborao da tese de doutorado' e pela densidade dos seus trabalhos publicados que nos desafiaram a tentar ir "raiz" de alguns problemas. pelo exaustivo exame do texto e pelas crticas e sugestes. Aos colegas de curso de doutoramento que, desde a origem desse trabalho, se constituram em crticos e colaboradores mais prximos. No h como camuflar o pensar e elaborar coletivo neste trabalho, embora o mesmo guarde o carter e responsabilidade de produo individual. INTRODUCO, Estudo e cultura no so para ns outra coisa seno a conscincia terica dos nossos fins imediatos e supremos e do modo de lograrmos traduzi-los em atos." (A. Gramsci) 1. O MBITO DA PROBLEMTICA Este trabalho, tanto em sua origem quanto em seu desenvolvimento e conseqncias, tem uma preocupao concreta e imediata: as atividades que realizamos no interior da ps-graduao em educao a nvel de ensino e pesquisa. Esta opo direcion' o trabalho para um tipo de abordagem em que o aspecto "pedaggico", pelo menos em algumas partes, poder determinar urna esquematizao e simplificao da temtica. Trata-se de um risco resultante de uma opo por um trabalho endereaclo muito' menos "academia", entendida como o loeus onde so discutidas idias, e mais queles que consomem -muitas vezes sem o saber -uo trabalho cotidiano de salas de aula, ou em departamentos de secretarias de educao, os inmeros slogans e postulados derivados da chamada "teoria do capital humauo". Ao longo de cinco anos de trabalho, em coutato com uma vasta literatura e pesquisadores que analisam os vnculos entre economia e educao, educao e trabalho (emprego), educao e crescimento e desenvolvimento econmico, percebemos que a teoria do capital humano, que tem no arsenal da economia neoclssica, na ideologia positivista os elementos constitutivos, os pressupostos de seu estatuto terico, vem, ao mesmo tempo, se constituindo numa teoria do desenvolvimento e numa "teoria da educao". Essa teoria~ por sua vez, reflexo de determinada viso do mundo, antagnica aos interesses da classe trabalhadora. Quanto ao primeiro sentido -teoria do desenvolvimento concebe a educao como produtora de capacidade de trabalho, potenciadora de trabalho e, por extenso, potenciadora da renda, um capital (social e individual), um faa:>r do desenvolvimento econmico e social. Quanto ao segundo sentido, ligado ao primeiro -teoria da educao -a ao pedaggica, a prtica educativa escolar reduzem-se a uma questo tcnica, a uma tecnologia educacional cuja funo precpua ajustar requisitos educacionais a pr-requisitos de uma ocupao no mercado de trabalho de uma dada sociedade. Trata-se da perspectiva instrumentalista e funcional de educao. o crescente volume de trabalhos, principalmente no mbito da economia, sociologia e, mais recentemente, no campo da educao, que buscam efetivar uma crtica a essa teoria, impe srios riscos de repeties desnecessrias. por termos presente isso que, dentro do carterpedaggico deste trabalho, buscamos explicitar essas posies e indicar qual a contribuio especfica que se pretende dar aqui. Inicialmente tnhamos como propsito efetivar uma anlise histrica da influncia e das conseqncias do pensamento econmiCo neoclssico introduzido no mbito educacional, especialmente a partir da dcada de 60, nos EUA, e posteriormente disseminado a nvel de pases subdesenvolvidos. Repentinamente parece que a "inteligncia" imperialista indica aos pases subdesenvolvidos e(ou aos miserveis do mundo subdesenvolvido a chave mediante a qual, sem abalar as estruturas geradoras da desigualdade, possvel atingir a "igualdade" econmica e social -investimento no capital humano.' 1. M. Blaug nos d conta de que, j em 1965, a literatura por ele levan~ tada em relao ao investimento no capital humano ultrapassava 800 trabalhos. Estes trabalhos, porm, como veremos a seguir, desenvolvem-se dentro de uma mesma postura terica, decorrente da viso funcionalista e empiricista da economia neoclssica. O contato com a literatura crtica que se ocupa da anlise desse tipo de concepo tem revelado que um nmero crescente de livros, dissertaes ou teses, tem-se empenhado em mostrar o carter ideolgico dessa concepo e suas conseqncias na poltica educacional em nosso meio. Notamos, entretanto, que essas anlises no mostram a estruturao e evoluo interna desse pensamento, seu carter circular como conseqncia daica de classe que o engendra. Por outro lado, se essas anlises explicitam a conjuntura em que emerge a teoria {> capital humano e sua funo ideolgica, no apreendem, de forma suJiciente, as determinaes de carter orgnico do avano do capitalisrri", que a produzem. Dito de outra forma, a no-apreenso adequada da relao dialtica entre a infra e superestrutura; da expanso mais rpida do trabalho improdutivo em face do trabalho produtivo como resultado da dinmica do processo de produo capitalista cujo objetivo no satisfazer necessidades humanas, mas produzir para o lucro; da necessria inter-relao entre trabalho produtivo e improdutivo, medida que passamos de um i capitalismo concorrencial para um capitalismo Monopolista, onde otrabalho improdutivo posto como condio. de eficcia do trabalho produtivo, levam as anlises que discutem as relaes entre educao e estrutura econmico-social capitalista a se enviesarem, ora buscando um vnculo direto ora negando qualquer relao. De fato, os trabalhos que efetivam uma anlise crtica da teoria do capital humano tm tomado, basicamente, dois rumos: a) a vlsao segundo a qual haveria uma vinculao direta entre educao, treinamento e produtividade -produtividade esta que representa um mecanismo de produo de mais-valia relativa para o capital; b) a viso que estabelece uma crtica tanto tica do capital humano quanto viso dos crticos acima, postulando que a escola "no capitalsta" e o capital prescinde dela. Basicamente referimonos aqui tese de Claudio Salm sobre Escola e trabalho. O que postulamos em nossa anlise que, tanto os que buscam um vncnlo linear entre educao e estrutura econmico-social capitalista, quanto aqueles que defendem um "desvnculo" total, enviesam a anlise pelo fato de nivelarem prticas sociais de natureza a e de estabelecerem uma . ligao mecamca entre infra-estrutura e superestrutura, e uma separao estanque entre trabalho produtivo e improdutivo. Tomada a prtica educacional enquanto uma prtica que no da mesma natureza daquela fundamen"tal das relaes sociais de produo da existncia, onde ela se funda, mas enquanto uma prtica mediadora que na sociedade de classes se articula com interesses antagnicos, a questo do vnculo direto ou do desvnculo no procede. Tambm no procede reduzir essa prtica ao ideolgico. Seguindo esta direo de anlise buscamos, fundamentalmente, mostrar as diferentes mediaes que a prtica educativa escolar estabelece com o modo capitalista de produo onde, no limite, a "improdutividade", a desqualificao do trabalho escolar, uma aparente irracionalidade e ineficincia em face dos postulados da teoria do capital humano constituem uma mediao produtiva. Por outro lado, concebendo a prtica educativa como uma prtica que se d no' interior de uma sociedade de classes, onde interesses antagnicos esto em luta, vislumbramos o espao escolar como um Zocus onde se pode articular os interesses da classe dominada. Destacamos a prtica social de produo da existncia -as relaes de trabalho -historicamente circunstanciadas; o trabalho humano, em suma, como o elemento de unidade tcnica e poltica da prtica educativa que articula os interesses da classe trabalhadora. Postulamos aqui, tambm, que para a escola servir aos interesses da classe trabalhadora no suficiente desenvolver dentro dela a contra-ideologia proletria. 2. ESTRUTURAO DO TRABALHO O trabalho, para discorrer sobre a problemtica acima esboada, se estrutura em trs captulos cuja ordem de exposio no coincide com a da investigao. No primeiro captulo ocupamo-nos em demonstrar o carter circular da evoluo interna da teoria do capital humano, circularidade esta que deriva da tica de classe que esconde; ou seja, a teoria do capital humano representa a forma pela qual a viso burguesa reduz a prtica educacional a um "fator de produo", a uma questo tcnica. Na primeira parte do captulo buscamos demonstrar, 18 seguindo o movimento interno da teoria, atravs dos enfoques bsicos das pesquisas, que o que determinante na origem passa por uma metamorfose e Se constitui em determinado. A educao, o treinac mento, que aparecem na teoria como fatores determinantes do desenvolvimento econmico, da equalizao social, passam a ser determinados pelo "fator econmico" quando as pesquisas discutem as .variveis explicativas do acesso e do sucesso escolar. Esse primeiro aspecto nos leva a explicitar a forma pela qual a teoria do capital hunano formula seu estatuto epistemolgico de tal sorte que, sob a apltncia do rigor cientfico, da formulao e matematizao da linguag'm, da pretensa neutralidade, se constitui numa mistificao e reforo do senso comum. Discutimos, sob este aspecto, o carter de classe da viso positivista da teoria do capital humano, calcado sobre o mito da objetividade e racionalidade do indivduo. Sustentamos, por outra parte, que a relevncia dos vnculos que a teoria do capital humano busca estabelecer entre educao e desenvolvimento, educao e trabalho, vale ser explorada no pelo poder que tem de explicar, mas, ao contrrio, pelo poder de mascarar a verdadeIra natureza desses vnculos no interior das relaes ;;aciais de produo da sociedade capitalista. Ao pautar-se por um mtodo positivista de anlise, concebendo as relaes sociais da sociedade do capital como dadas, prodntos natnrais, ou simplesmente com relaes tcnicas, a teoria do capital humano acaba por se constituir nnma anlise a-histrica. O carter circular das anlises decorre de sua funo de efetivar uma apologia das relaes sociais de produo da sociedade capitalista. Em suma, neste primeiro Captulo, procuramos evidenciar que o carter de classe da viso do capital humano estabelece uma reduo: do conceito de homem, de trabalho, de classe e de educao. O segundo Captulo, na ordem da construo da anlise que efetivamos, o ponto de partida. O que intrigante na teoria do capital humano -que postula uma ligao linear entre desenvolvimento e superao da desigualdade social, mediante a qualificao, porque levaria a uma produtividade crescente - o fato dela surgir quando observamos historicamente uma reorganizao do imperialismo, uma exacerbao do processo de concentrao e centralizao do capital, uma crescente incorporao do progresso tcnico da produo -arma de compettercapitalista -e uma conseqente desqualificao do trabalho, criao de um corpo coletivo de trabalho e o anncio da fase ure do desemprego e subemprego no mundo. Por outro lado, o que aparentemente paradoxal, que a teoria do capital humano, fundada sobre os pressupostos da economia neoclssica, da viso harmnica da i;Pciedade, na crena do funcionamento linear dos mecanismos de mercado, surge exatamente no bojo dos mecanismos de recomposio da crise do mundo capitalista, onde a monopolizao de mercado constrange o Estado a um crescente intervencionismo.2 Surge exatamente no perodo histrico onde, ao lado da crise da superproduo, desnuda-se a vergonha do subdesenvolvimento, da misria, desequilbrios do consumo e acirramento da contradio capital-trabalho. Partindo, ento, da tese de que "o modo de produo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, poltica e intelectual em geral, (e que) no a conscincia dos homens que determina o seu ser. mas, seu social. inversamente, que determina sua conscincia",2 (Marx, K., 1977a, p. 24), procuramos, neste segundo captulo analisar as condies histricas, a base material sobre a qual e em funo da qual nasce e se desenvolve a teoria do capital humano. Ou seja, em qne condies histricas concretas do modo de produo capitalista essa formulao pzida e encontra o espao de sua produtividade especfica, no interior das relaes sociais capitalistas? Qual a mediao, ou as mediaes, que tenta efetivar no bojo do movimento global do capital? Quais as contradies que a mesma enseja? Estas questes encaminham a anlise no sentido de mostrar que a teoria do capital humano no um produto arquitetado maquiaveJicamellte por indivduos iluminados, mas faz parte do conjunto de mecanismos que buscam dar conta das prprias contradies e crises do capitalismo' em sua etapa de acumulao ampliada. Trata-se de mecanismos que' preconizam a crescente interveno estatal na economia, quer como reguladora da demanda, da distribuio (poltica de benefcios), quer como programadora de processo produtivo e do consumo (Napleoni, 1978). Tentamos evidenciar, . porm, que o Estado capitalista, como regulador da vida do capital, se "rev.ela ineficaz. Esta ineficcia no casual mas reside, de um lado, na natureza privada do capital e, de outro, no fato de o Estado, quer em sua form'a, liberal, quer em sua forma intervencionista, ser um estado de c1asse.\~ contradio fundamental capital-trabalho, capitalista-trabalhador asslarido um "equilbrio" que se situa alm do alcance e do poder do Estado. Este segundo Captulo, que busca discutir as condies histricas que produzem e demandam a teoria do capital humano, .e que tem por fio condutor as questes acima, constitui-se metodologicamente no referencial bsico para dar conta do que discutimos no primeiro captulo e, principalmente, no terceiro. Esta anlise, embora no sendo o foco central da tese, representa a condio sem a qual, a' nosso ver, no possvel avanar na discusso das relaes entre educao e estrutura econmico-social capitalista. Trata-se de resgalar uma direo de anlise, mais que analisar a complexidade do enredo histrico que a mesma engendra. Certamente, ao privilegiarmos o carter pedaggico e metodolgico, corremos o risco de simplificaes. Na primeira parte do Captulo discutimos as categorias bsicas -homem, trabalho e modo de produo da existncia, buscando mostrar a especificidade do modo de produo capitalista. Especificidade que se define, basicamente, pela ciso do homem em relao s suas condies objetivas de produo da existncia mediante o surgimento da propriedade privada e pela estruturao de um modo de produo da existncia, onde se produz para o lucro e no para satisfazer as necessidades humanas. Tentamos mostrar que esta ciso se radicaliza medida que o capitalismo. avana. Nesta primeira parte, discutimos tambm as leis imanentes ao movimento de autovalorizao do capital -acumulao, concentrao e centralizao -e as contradies e crises que advm deste nto. Na segunda parte deste Captulo mostramos que o processo de centralizao do capital que configura uma nova organizao do mercado, tendo como resultado o processo de monopolizao e oligopolizao, vai agnando as crises e contradies do modo capitalista de prA suposta livre concorrncia, responsvel pela harmonia do mercado, historicamente mostra-se incua. Uma nova figura cdemandada como forma de salvaguardar o interesse do sistema capitalista no seu conjunto. O intervencionismo do Estado, agora tambm como produtor de mercadorias e de servios, e mantendo seu poder de coao poltica e ideolgica, passa a ser a forma pela qual o capital tenta contornar o agnamento das crises cclicas. O intervencionismo do Estado, neste contexto, no se apresenta como uma escolha, mas como uma imposio histrica das novas formas de sociabilidade do capital. Neste contexto que so produzidas as teorias e/ou ideologias desenvolvimentistas dentro das quais a teoria do capital humano uma especificidade no campo educacional. Trata-se de. teorias que so produzidas no bojo dos mecanismos de recomposio do imperialismo capitalista, tendo como pas lder os Estados Unidos. Essas teorias tm como funo produtiva especfica a de evadir, no plano internacional, o novo imperialismo (Magdof, 1978), pas" sando a idia de que o subdesenvolvimento nada tem a ver com relaes de poder e dominao, sendo apenas uma questo de modernizao lguns fatores, oude os "recursos humanos" qualificados capital humano -se constituem no elemento fundamental. No plano interno dos pases passa-se a idia de que o conflito de classes, o antagonismo capital-trabalho pode ser superado mediante um processo meritocrtico -pelo trabalho, especialmente pelo trabalho potenciado como educao, treinamento, etc. (teses de Simonsen, Langoni, no Brasil). A anlise da constituio interna da teoria do capital humano que nos revela seu carter de classe e sua funo apologtica quanto s relaes capitalistas de produo, e a anlise dondies histricas que a demandam e produzem iluminam o enfrentamento da questo bsica que nos propomos discutir -a relao entre educao e a estrutura econmico-social capitalista. O terceiro Captulo procura elucidar a controvrsia das relaes entre a prtica educacional escolar e a estrutura econmico-social no interior do capitalismo atual. Esta coutrovrsia tem como foco a viso linear dos tericos do capital humano que postulam que a educao e o treiuamento, enquanto potenciadores de trabalho, geram maior produtividade e, como conseqncia, maior desenvolvimento e maior renda. Duas vertentes crticas~ como j vimos, alimentam essa controvrsia entre ns: a) a dos que vem a educao como potenciaclora de trabalho e, portanto, geradora de produtividade, o que representa no um aumento de renda para c o .. trabalhador, mas um mecanismo de aumento de explorao, de extra~o de mais~valia relativa, pelo capital; " b) a posio segundo a qual tanto os tericos do capital humano quanto seus "crticos" esto equivocados, na medida em que a escola uma instituio situada margem do sistema produtivo capitalista, cujo nico vnculo o ideolgico." Pretendemos demonstrar que a insero da educao (escolar ou no-escolar) no movimento global do capital, a nosso ver, existe e se d por um processo de diferentes mediaes. O vnculo no direto pela prpria natureza e especificidade da prtica educativa, que no se constitui numa prtica social fundamental, mas numa prtica mediadora. Defendemos, ento, a tese de que a relao que a teoria do capital humano busca estabelecer entre educao e desenvolvimento, educao e renda efetivap>ente um truque que mais esconde qne revela, e que neste seu escondimento exerce uma parcela de uma produtividade especfica. Aceitamos que a educao escolar em geral no tem necessariamente um vnculo direto com a produo capitalista; ao contrrio, esse vnculo direto tende a ser cada vez mais tnue, em face do movimento geral do capital de submeter de modo no apenas formal, mas real, o trabalhador produtivo s leis do capital. A histria do capitalismo, neste sentido, um esforo crescente de degradao do trabalho e do trabalhador. No aceitamos, porm, as teses que definem a escola apenas como um aparato ideolgico, reprodutor das relaes sociais de produo capitalista, uma instituio que se coloca marm do movimento geral do capital porque os vnculos diretos com a produo capitalista so escassos. Em suma, buscaremos defender a idia de que a separao entre infra e superestrutura um exerccio de exposio, e por isso, partimos da suposio de que a escola, ainda que contraditoriamente, por mediaes de natureza diversa, insere-se no movimento geral do capital e, neste sentido, a escola se articula com os interesses capitalistas. Entretanto, a escola, ao explorar igualmente as contradies ine-. rentes sociedade capitalista, ou pode ser um instrumento de mediao na negao destas relaes sociais de' prodMais que isso, pode ser um instrumento eficaz na formulao das condi.es concretas da superao destas relaes sociais que determinam uma separao entre capital e trabalho, trabalho manual e intelectual, mundo da escola e mundo do trabalho. Isto nos indica, ento, que a escola que no por natureza capitalista no interior deste modo de produo tende a ser articulada com os interesses do capital, mas exatamente por no ser inerente ou orgnica deste modo de produo, pode articular-se com outros interesses antagnicos ao capital. Nisto se expressa o caTter diferenciado da prtica educativa escolar em relao prtica fundamental de produo soeial da existncia e sua especificidade mediadora. Na anlise desta problemtica subdividimos o ltimo Captulo em quatro tpicos. No primeiro discutiremos a 'naturez mediata das relaes entre sistema produtivo e processo educativo. Sob este aspecto, procuramos mostrar que a tese que Salm sustenta procede quanto crtica que faz aos tericos do capital humano e aos seus "crticos", que vem no processo educativo 'um mecanismo de prduo de mais-valia relativa. Entretanto mostramos que Salm, ao defender a tese de que a escola no capitalista e o capital prescinde dela, apenas pelo fato de no encontrar um vnculo direto, no apreende o car.ter orgnico das relaes entre infra-estrutura e superestrutura e a inter-relao entre trabalho produtivo e improdutivo. A evidncia do carter problemtico da anlise de Salm se estabelece quando, ao admitir apenas o "vnculo ideolgico" -e, enquanto tal, algo, de acordo com ele, que diz muito pouco -vai . apontar, ao mesmo tempo, como sada para a escola progressista a proposta de Dewey -a formao do cidado para a democracia. Por que o autor busca em Marx a base para refutar a viso dos tericos do capital hurriatlo e de seus crticos sobre as relaes entre educao e modo de pl:.embora no produza mais-valia, extremamente necessria ao sistemlt capitalista monopolista para a realizao de mais-valia; e, nesse sentido, ela ser um trabalho produtivo. A anlise do caso brasileiro, neste particular, singularmente reveladora. Toda a poltica educacional, desenhada especialmente aps a segunda metade da dcada de 60, tem nos postulados da teoria do capital humano seu suporte bsico. Ao lado de uma poltica econmica que velozmente se associa ao capital internacional, cujo' escopo a exacerbao da concentrao da renda e da centralizao do capital, toma-se a "democratizao"o acesso escola -particularmente universidade -como sendo o instrumento bsico de mobilidade, equalizao e "'justia" social. Produz-se, ento, a crena de que o progresso tcnico no s gera novos empregos, mas exige uma qualificao cada vez mais apurada. De outra parte, enfatiza-se a crena de que a aquisio de capital humano, via escolarizao e acesso aos graus mais elevados de ensino, se constitui em garantia de ascenso a um trabalho qualificado e, conseqentemente, a nveis de renda cada vez mais elevados. Mais de uma dcada e meia tem-se passado e o que se verifica concretamente que, ao contrrio da distribuio de renda, a concentrao se acentuou; e, ao contrrio de mais empregos para egressos de ensino superior, temos cada vez mais um exrcito de "ilustrados" desempregados ou subempregados. A realidade, em suma, passa a demonstrar de forma cada vez mais clara que as "promessas" prognosticadas da poltica econmica e educacional no se cumpriram. Neste contexto, a desqualificao da escola e, ao mesmo tempo, o aumento da escolaridade desqualificada so amplamente funcionais aos interesses da burguesia nacional associada ao capital internacional. classe trabalhadora interessa uma escola que lhes d acesso ao saber historicamente produzido, organizado e acumulado. Revelar a natureza real das relaes de produo de desigualdade, que a teoria do capital humano mascara, bem como mostrar a gnese da produo do desemprego ou subemprego de contingen tes cada vez mais elevados de egressos de cursos superiores, formados para o no-trabalho, e, mais amplamente, lutar pela qualificao da escola em geral, para transform-Ia, uma forma de aguar a conscincia crtica e instrumentalizar a-classe trabalhadora para se organizar na busca da superao das relaes sociais vigentes. Nesta direo, procuramos mostrar que quanto mais eficaz e global for o trabalho escolar, na sua tarefa especfica de transmisso do conhecimento elaborado e historicamente sistematizado, tanto mais ele significar um instrumento que se volta contra os interesses do capital. O esforo de nivelar por cima um esforo contra o privilgio -elemento constitutivo da sociedade de classes. Este esforo, objetivamente, se materializa mediante uma direo poltica e uma qualidade tcnica que vinculam o saber que se processa na escola aos interesses da classe trabalhadora. Saber que, historicamente, sempre lhe foi negado, mediante diferentes mecanismos, que vo da seletividade social ao oferecimento de uma escola desqualificada. O ltimo tpico centra-se na discusso da questo da unidade do terico e do prtico, do tcnico e do poltico, na perspectiva do resgate da escola para os interesses da classe trabalhadora. Contrariamente tese de Salm, que separa "escola e trabalho", e dos tericos do capital humano, que reduzem o trabalho a emprego, ocupao remunerada, focalizamos o trabalho, enquanto uma relao social que expressa a forma pela qual os homens produzem sua existncia, como o elemento de unidade do tcnico e do poltico, do terico e do prtico, no processo educativo. Para esta anlise retomamos, num primeiro momento, a herana terica marxista e averiguamos em que medida ela efetivamente pode iluminar a tarefa de articulao do processo educativo escolar aos interesses da maioria discriminada -a classe trabalhadora. Num segundo momento, discutimos alguns aspectos mais especficos sobre a questo da utilizao dessa herana terica numa formao social como a brasileira. O que nos propomos, em suma, neste trabalho foi a tentativa de: a) revelar o carter circular da teoria do capital humano como decorrncia da tica de classe e de sua funo apologtica das relaes capitalistas de produo da existncia; . b) mostrar, atravs da anlise da gnese histrica da teoria do capital humano, que a mesma no resultante de um "maquiavelismo", mas sim uma produo decorrente das novas formas que assume a organizao da produo capitalista em sua fase monopolista atual. onde o "novo imperialisplO" necessita de mecanismos ada vez mais refinados para eledir seu'i fundamentos e contemporizar suas crises; ! " c) evidenciar, por fim, que a natureza especfica das relaes entre estrutura econmico-social capitalista e educao no imediata, mas media ta. No interior do capitalismo monopolista essa mediao se efetiva de diferentes formas: uma escolarizao alienada em doses homeopticas para a grande massa de trabalhadores; prolongamento desqualificado da escola; pelo volume de recursos alocados e que funcionam como realizadores de valor; etc. Buscamos niostrar~ entretanto, que a prtica escolar, enquanto uma prtica que se efetiva no interior da sociedade de classes, perpassada por interesses antagnicos. O saber que se processa na escola, a prpria orientao e a organizao da escola so alvo de uma disputa. Essa disputa busca vincular "o saber social", produzido e veiculado na escola, aos interesses de classe. A luta por uma escola de qualidade e a servio da classe trabalhadora , em ltima instncia, um aspecto da luta mais ampla pela transformao das relaes sociais de produo da existncia, que tm como produto a desigualdade orgnica, o no-trabalho, o parasitismo e a explorao. 3. NOTAS METODOLGICAS: INDICAO DE ALGUNS RISCOS E DELIMITAO DE ALGUNS CONCEITOS UTILIZADOS Tem sido usual em dissertaes e teses apresentar um captulo introdutrio que contm a descrio dos passos metodolgicos seguida de um esboo daquilo que se convencionou chamar de quadro referencial terico. Neste trabalho evitamos adotar este procedimento por entendermos que, na prpria forma de exposio, tanto os aspectos de encadeamento metodolgico quanto a postura terica que orienta o estudo devem se tornar claros para o leitor. Se a exposio no consegue tornar perceptveis esses aspectos, a experincia tem mostrado que o captulo inicial fica tendo apenas um carter formal. Neste item, ento, buscamos apenas chamar a ateno para os riscos, especialmente pela forma de abordar a temtica em discusso bem como delimitar o sentido que d~mos a alguns conceitos utilizados. Para efetivar a anlise acima esboada incorremos em diversos ' riscos, especialmente levando-se em conta as condies objetivas de que dispomos para a produo deste trabalho. De muitos destes riscos certamente sequer temos conscincia -especialmente daqueles ligados aos limites pessoais. Outros, porm, decorrem da prpria postura metodolgica do trabalho. O risco, neste sentido, entendido como a condio para avanar na compreenso da problemtica em foco, O trabalho se orienta epistemologicamente pela concepo de que o processo de conhecimento implica delimitaes quanto ao campo de investigao, porm no admite atomizao do car de totalidade do objeto a ser investigado. A parte engendra a totalidade. Neste sentido, a anlise da prtica educativa escolar e suas relaes com a estrutura econmico-social capitalista moveu-se, basicamente, uos mbitos econmico, sociolgico, poltico e filosfico. Essa forma de abordar o (re)exame das relaes entre a prtica educativa escolar e a estrutura econmico-social capitalista decorre da concepo segundo a qual a prtica pedaggica escolar no se define, enquanto uma prtica social, apenas pelo seu aspecto pedaggico (pedagogismo), e a prtica econmica -entendida como a relao social fundamental mediante a qual os homens produzem sua existncia -no se reduz a uma viso economicista onde o social, o poltico e o filosfico esto excludos. Ora, se tal enfoque se revela complexo, essa complexidade advm das mltiplas determinaes que encerra a problemtica em questo. O risco, ento, no reside no mbito epistemolgico, mas nos limites do prprio autor quanto apreenso destas diferentes dimenses. Um outro risco que temos presente o de que o trabalho, no seu conjunto, assume uma postura que tem como ponto de partida o carter de classe do processo de conhecimento, medida que tal processo se efetiva no interior de uma sociedade cindida em classes onde se digladiam interesses antagnicos. Ou seja, o conhecimento, quer em sua produo, quer em sua divulgao, articula-se com interesses de classes. A defesa da neutralidade cientfica no passa de um mecanismo de defesa do status quo, no caso dos interesses burgueses. Ao assumir uma tica de crtica aos interesses burgueses e postular que tal tica crtica carrega historicamente mais condies (embora no suficientes) para um desvendamento mais profnndo do real, podemos ensejar '\lma interpretao apressada que se direciona para o relativismo absollto, o ceticismo ou o carter doutrinrio do conhecimento. Aqui tambm o risco no reside no mbito epistemolgico, mas na precariedade, talvez, da discusso incorporada no texto sobre essa questo. Finalmente, um ltimo risco que temos presente em nosso trabalho decorre da sua prpria evoluo. Ou seja, na medida que passamos da idia inicial de uma anlise contextualizada -influncia do pensamento econmico neoclssico veiculado na educao atravs da "teoria do capital humano", na realidade educacional brasileira -e ficamos ao nvel da discusso mais terica sobre a anlise dos vnculos ou desvnculos entre educao e estrutura econmico-social capitalista, podemos incorrer numa anlise abstrata. Trs razes nos levam a pensar que tal fato no ocorre. Primeiramente, ao nos preocuparmos, de um lado, com a gnese histrica, ou seja, com as condies materiais objetivas que produzem e demandam a teoria do capital humano e, ao mesmo tempo, com a superao das pseudoquestes em relao aos vnculos ou desvnculos entre educao e estrutura econmico-social capitalista, fomos levados a centrar a anlise na etapa mais avanada do capitalismo -capitalismo monopolista. Ora, embora o capital monopolista se configure de forma diversa, em formaes sociais especficas, o fenmeno da internacionalizao do capital se pe, ainda que diferenciadamente, como um fenmeno transnacional. Em segundo lugar buscamos, ao longo do texto, assinalar algumas especificaes, no mais das vezes a ttulo de exemplificao. Finalmente, como apontamos anteriormente, o foco central do estudo se localiza na tentativa 'de avanar na compreenso da problematicidade que subjaz s questes ou falsas questes sobre a relao entre prtica educativa e estrutura econmico-social capitalista. Trata-se mais de uma direo terico-metodolgica para definir o caminho mais adequado na anlise da especificidade da prtica educativa, no conjunto das prticas sociais, no interior de fonnaes sociais capitalistas. Neste sentido a originalidade -se que h alguma -deve residir no na temtica escolhida, mas na forma pela qual buscamos o desvendamento dos problemas que as questes postas engendram e escondem. Entendemos, ento, este trabalho mai~ como um ponto de partida, um horizonte, uma direo para anlises circunstanciadas historicamente, e por este prisma que gostaramos que fosse lido. Trabalho que, para ns, transcenJe a tarefa acadmica para inserir-se na tentativa de entender e desvendar a realidade, como mecanismo de poder transform-Ia. Ao longo do texto discutimos as categorias modo de produo da existncia, trabalho e homem por se constiturem nos elementos bsicos mediante os quais buscamos dar conta da anlise a que nos propusemos. Dispensamo-nos, mediante indicao de referncias especficas, de uma explicitao de outras' categorias utilizadas, tais como: mediao, totalidade, contradio, por julgannos que estas referncias respondem de forma suficiente apreenso de tais categorias. Dentro do carter pedaggico deste trabalho, porm, julgamos importante situar o leitor para algumas categorias e conceitos utilizados, delimitando o sentido que damos neste trabalho. a) Classe burguesa, capitalista, dominante _ aparecem no texto como sinnimos e compreendem no apenas os donos (individuais ou associados) dos meios e instrumentos de produo, mas tambm aqueles que, embora no-proprietrios, constituem o funCionrio coletivo do capital, ou seja o conjunto daqueles que gerem, representam e servem ao capital e suas exigncias (Gorz, 1983). b) Classe proletria, trabalhadora, dominada, malOrza discri-, minada -tambm aparecem como sinnimos e desiguam o conjunto T dos trabalhadores que no interior das relaes capitalistas de pro-I duo, de uma forma ou de outra, so expropriados pelo capital. No estamos ignorando a heterogeneidade e mesmo as segmentaes que historicamente se fazem presentes no interior das classes fundamentais e nem a diferenciao existente que ocorre em formaes sociais especficas. De outra parte, no desconhecemoso fenmeno cexo e tampouco resolvido daquilo que a literatura sociolgica identifica como "camadas mdias", "pequena burguesia tradicional" e a "nova pequena burguesia" (Poulantzas, 1978). O que importa neste trabalho demarcar os plos fundamentais que constituem a estrutura social capitalista, e que no se definem simplesmente pela propriedade ou no-propriedade dos meios e instrumentos de produo, mas pela identidade de interesses, viso de mundo e realidade. c) Educao e/ou prtica educativa -embora neste trabalho estejamos nos referind\l mais especificamente prtica educativa que se d na escola, em d1ierentes momentos mostramos que a mesma se efetiva nas relaes sociais de produo da existncia no seu conjunto. A educao e/ou a prtica educativa , ento, concebida "como uma prtica social. uma atividade humana concreta e histrica, que se determina no bojo das relaes sociais entre as classes e SI; constitui, ela mesma, em uma das formas concretas de tais relaes". Dentro desta perspectiva, a prtica educativa escolar concebida como l,ma prtica social contraditria que se define no interior das relaes sociais de produo da existncia, que se estabelecem entre as classes sociais, numa determinada formao social. Nesta perspectiva, a prtica educativa que se efetiva na escola alvo de uma disputa de interesses antagnicos. Sua especificidade poltica consiste, exatamente, na articulao do saber produzido, elaborado, sistematizado e historicamente acumulado, com os interesses de classe. ' 1 . 3 . O que se aprende na escola e o que funcional ao mundo do trabalho e da produo Um outro tipo de crtica interna teoria do capital humano, desenvolvida em pesquisas mais recentes, refere-se ao privilgio que essa teoria tem dado aos componentes cognitivos na explicao do sucesso profissional, rentabilidade, etc. Contrastam-se pesquisas que buscam evidenciar que os aspectos ligados a atitudes, valores, resul. tado do processo de socializao que se efeliva na escola so mais importantes para a produtividade das pessoas na organizao enquanto fornecem hbitos de funcionalidade, respeito hierarquia, disciplina etc. Os trabalhos que enfatizam a funcionalidade da escola enquanto desenvolve atitudes, valores, elf:., tm, ao nvel de crtica interna, como base, apelos distintos. Um primeiro conjunto de trabalhos deriva de uma inspirao tipicamente da sociologia funcionalista, em cuja fonte encontramos os trabalhos de Parsons. Robert Dreeben desenvolve um trabalho sistemtico defendendo a tse de que, dadas as caractersticas estruturais prprias da escola -composio dos agentes, horrios, prmios e sanes, complexidade, diferenciao de papis -aprende-se nela conjunto de normas que vo definindo atitudes de independncia, realizao, universalismo, especificidade, funcionais s organizaes da sociedade industrial. 21 Outro conjunto de trabalhos, com apelo s anlises marxistas, tem-se desenvolvido ultimamente nos EUA valendo a esses antores a identificao, nos mei~& acadmicos, de os "Radicais Americanos". Destacam-se, entre os maIs citados na literatura nacional que aborda esta questo, os trabalhos de Bowles, Gintis, C. R. Edwards, Levi, Carnoy, entre outros. Bowles, contestando a possibilidade de prover a equalizao via escola, destaca que esta fornece uma fora de trabalho disciplinada e habilitada, ao mesmo tempo que fornece os mecanismos de controle social para a estabilidade do sistema social capitalista.2' Gilltis, ao refutar o vnculo existente eutre a escolaridade e salrio, enfatiza a relevncia da formao de atitudes requeridas pelo mercado de trabalho. "Na realidade a escola contribui para formar uma fora de trabalho socialmente requerida inculcando uma mentalidade burocrtica aos estudantes." (Gintis, 1971). A escolarizao, de acordo' com Gintis, "que influi de maneira considervel sobre a personalidade dos indivduos, reduzida progressivamente ao seu papel funcional: ela favorece as condies psicologicamente requeridas para formar a fora de trabalho alienada que desejada". (Gintis, 1974).Edwards, igualmente, enfatiza os traos desenvolvidos na escola e sua funcionalidade na hierarquia ocupacional da empresa moderna. (Edwards, 1976). Em suma, para esses autores, a educao escolar um aspecto da reproduo da diviso capitalista do trabalho. A organizao escola, em seus principais aspectos, uma rplica das relaes de dominao e submisso da esfera econmica. Estas anlises, ainda que apr.ntem para alguns aspectos significativos, apeuas se desenvolvem dentro de uma linguagem marxista, mas se afastam do mtodo e teoria marxista. Trata-se de anlises que, sob um aspecto, apenas deslocam o vnculo da relao economia-educao, educao-trabalho, dos traos cognitivos (treinamento de habilidades) para o campo afetivo, valorativo, comportamental, no transpondo o quadro das anlises anteriores, de carter funcional. (Ver Salm, Cludia, 1980, p. 49-54). Madan Sarup, ao analisar os trabalhos de Bowles e Gintls, salienta que "embora tenham uma posio marxista, sua viso de sociedade funcional-estruturalista derivada de Durkheim e Parsons". (Sarup, Madan, 1980, p. 155). E isto "parece constituir uma justificao lgica para a sua epistemologia, que o positivismo, para sua metodologia, que o empirismo, e para sua ontologia. que o determinismo". (Id., ibid., p. 155). A postura epistemolgica positivista pode ser depreendida atravs dos mtodos empricos que adotam, usando uma "barragem de estu dos para fazer estatisticamente suas demonstraes". Utilizam-se da anlise estatstica de uma forma acrtica, de sorte que seu mtodo parece sempre referendar comprovaes inequvocas, cientficas. Sarup salienta, tambm, o uso de diferentes estruturas conceptuais, imprimindo s anlises um carter ecltico. Finalmente, o carter funcional-estrutural de suas anlises se reflete na insistente viso linear e determinista da "correspondncia entre as relaes sociais da produo e as relaes sociais da educao", ou a "correspondncia aproximada entre as relaes sociais de produo e as relaes sociais da vida familiar". (Id., ibid. p. 158 e 160) Este tipo de enfoque no vislumbra que as relaes capitalistas de produo no determinam, necessariamente, um total domnio sobre o homem e que este no deterministicamente passivo. Certamente, nas relaes escolares, familiares e de trabalho, no se reproduzem linearmente as relaes capitalistas. Aceitar a anlise dos autores, tal qual apresentada, cair no imobilismo e na crena da impossibiiidade de organizar, no interior da escola, famlia, fbrica, e na sociedade civil em seu conjunto, os interesses dos dominados. O carter reducionista da anlise no permite aos autores perceberem que a repr9~uo, via escola, famlia, etc., que efetivamente ocorre, no se d de forma to linear, mas por mediaes de diferentes naturezas. Da mesma forma, ni\percebem que o trabalho escolar pode, igualmente por mediao, &senvolver um tipo de relao que favorece a tica dos dominados. problema bsico da linha de anlise dos citados autores reside na no apreenso das categorias fundamentais de anlise do mtodo histrico dialtico. 1 . 4 . Da anlise qne "determina" as variaes na renda (individnal on social) aos "determinantes" de rendimento escolar: o determinante que se toma determinado Um volume de trabalhos, cada vez maior. vem sendo produzido aplicando-se o modelo de "funo de produo" neo-clssico utilizado na anlise dos vnculos entre educao e desimento, para a anlise da escola. Trata-se tipicamente do uso desse paradigma economtrico para as variveis do processo escolar. neste mbito que podemos demonstrar uma das faces da anlise circular da teoria do capital humano. ~ Busca-se averignar quais os principais fatores responsveis pela repetncia, evaso, atraso e fraco rendimento, atravs de uma matriz de variveis relacionadas com as caractersticas da famlia (educao dos pais, status ocupacional, renda etc.), caractersticas do meio-ambiente, caractersticas pessoais do aluno, caractersticas da escola, etc. O rendimento escolar, a permanncia ou no ao longo da trajetria escolar so tidos como funo de um coujunto de "fatores". As anlises multivariadas, com elaborada sofisticao estatstica, chegam sempre mesma concluso (quase metafsica) -o fator scio-econmico qutem o peso maior na "determinao" das diferenas encontradas; em seguida, os fatores ligados educao dos pais, etc. o trabalho mais conhecido internacionalmente o Coleman Repor!. (Coleman, J. S. et al., 1966). No Brasil, estes estudos foram desenvolvidos particularmente pelo Programa ECIEL.23 H, entretanto, um crescente nmero de dissertaes e trabalhos de pesquisa que se desenvolvem nesta rea. Os mesmos supostos terico-metodolgicos que embasam a teoria do capital humano so transpostos para a anlise dos "determinantes" da escolaridade. Apenas mudam os fatores ou variveis que entram na funo, porque mlMa a conexo que se busca fazer. Como vimos anteriormente, o raciocnio da concepo do capital humano, tanto do ponto de vista do desenvolvimento econmico como da renda individual, que a educao, o treinamento so criadores de capacidade de trabalho. Um investimento marginal (pelo menos at certo nvel) em educao ou treinamento permite uma produtividade marginal. Concebendo o salrio ou a renda como preo do trabalho, o indivduo, produzindo mais, conseqentemente ganhar mais. A definio da renda, neste raciocnio, uma deciso individual. Se passa fome, a deciso dele (indivduo); se fica rico, tambm. (Aqui reside, como veremos adiante, o mago da ideologia burguesa que justifica e mascara a desigualdade estrutural do modo de produo capitalista) . Retomando o esquema da funo de produo anteriormente apontado, teramos ento que Y (renda nacional, ou renda individual) determinada por K (capital fsico), L (trabalho), H (capital humano). O fato de no ser proprietrio, no dispor de um capital fsico, ou de no pertencer classe burguesa, nesta tica pouco importa, uma vez que o indivduo, investindo em capital humano, poder aumentar sua renda (isso depende dele, pois a deciso dele); e a mdio ou longo prazo, este investimento lhe permitir ter acesso ao capital fsico ou dispor do mesmo status e privilgios dos que o possuem. Essa tese, veremos adiante, ser encampada pela viso do neocapitalismo ao postular a superao do conflito de classe pelo que se convencionou chamar a revoluo gerencial. Mas como se forma o "capital humano"? Pelo investimento em escolaridade, em treinamento, de acordo com a teoria .. O "fator H" seria, ento, determinado por um conjunto de anos de escolaridade ou de treinamento. Variando o tempo e o tipo de educao e variando o rendimento escolar, o desempenho, ou o aproveitamento, iro variar a natureza do capital humano e, conseqentemente, os retornos futuros. '. '" Mas o que determih.a tanto o acesso escola, aos diferentes nveis e tipos de escolas, s diferentes carreiras, os diferentes rendimentos escolares ou os nveis de desempenho? Ao aplicar o modelo de funo de produo aos determinantes da escolaridade, as anlises econmicas da educao nos do a seguinte funo: Y (tomado quer como acesso escola, tipos e nveis de escolas, carreiras, ou tomado como o tempo de permanncia na escola, ou ainda, tomado como o desempenho ou rendimento escolar) seria funo de um conjunto de fatores scio-econmicos ou do chamado background scio-econmico familiar, fatores ambientais, nutrio, fatores escolares (escola, professor, equipamento, tecnologia educacional, currculo, etc.). A matriz de fatores ou variveis pode se estender ao "infinito". -Ocorre neste tipo de anlise uma inverso que caracteriza o modelo circular de anlise. Enquanto a educao tida, na tica do capital humano, como fator bsico de mobilidade social e de aumento da renda individual, ou fator de desenvolvimento econmico, nestas anlises, o "fater econmico~', traduzido por um conjunto de indicdores scio-econmcos, sto como sendo o maior responsvel pelo acesso, pela permanncia na trajetria escolar e pelo rendimento ao longo dessa trajetria. O que determinante vira determinado. Ou seja, a escolarizao posta como determinante da renda, de ganhos futuros, de mobilidade, de equalizao social pela equalizao das oportunidades educacionais (tese bsica do modelo econmico cone centrador), e o acesso escola, a permanncia nela e o desempenho, em qualquer nvel, so explicados fundamentalmente pela renda e outros indicadores que descrevem a situao econmica familiar. Este exemplo exprime apenas nma faceta da circularidade' da teoria do capital humano. Esta circularidade, como veremos no item a seguir, decorre do carter burgus desta anlise econmica -uma anlise que representa uma apologia das relaes sociais de produo e da prtica educativa inerente ao modo de produo capitalista. 2. A CONCEPO DO CAPITAL HUMANO: DO SENSO COMUM AO SBNSO COMM No propsito deste trabalho tentar acrescentar mais uma crtica sobre a incoerncia interna da teoria do capital humano, ou mais especificamente, da viso neoclssica marginalista na qual esta teoria se funda. 24 Nem objetivamos fazer uma demonstrao detalhada do movimento circular da teoria do capital humano. Simplesmente, no item anterior, buscamos evidenciar diferentes deslocamentos nas anlises, acenando para o fato que em nenhum momento so postos em questo os supostos da teoria, para que e para quem ela serve. noss.o interesse tentar demonstrar neste item que o carter circular da teoria do capital humano deriva necessariamente da concepo de homem, de sociedade, que ela busca veicular e legitimar, e da funo de escamoteamento das relaes de produo que ocorrem concretamente na sociedade capitalista. Ou seja, a questo fundamentai da necessria circularidade desta viso do capital humano que o mtodo em que ela se funda e desenvolve na anlise do real traduz e, ao mesmo tempo, constitui-se em apologia da concepo burguesa25 de homem, de sociedade, e das relaes que os homens estabelecem para gerar sna existncia no modo de produo capitalista. Postas as premissas positivistas -tidas a priori como universais e neutras -o carter de "aparente cientificidade" impe um contnuo debate e renovadas crticas metodolgicas processuais, tendo como elemento-chave a verificao emprica das premissas. Os modelos matemticos, cada vez mais sofisticados,2. sero utilizados para efetivar uma completa assepsia na linguagem no-formal ou valorativa no campo da cincia econmica em geral e na aplicao da economia nas anlises do fenmeno educativo. Discutiremos, pois, num primeiro momento que a circularidade das anlises decorre d6-\mtodo positivista adotado e que este, por sua vez decorrncia, di, concepo de homem, de sociedade que interessa classe burguesa (dominante). Trata-se, pois, de explicitar que uma das funes efelivas da teoria do capital humano reside no enquanto revela, mas enquanto esconde a verdadeira natureza dos fenmenos. Sair do aparente, da pseudoconcreticidade, do emprico imediato, implicaria uma mudana de mtodo -o que parte do emprico, do concreto, e que por via do pensamento, pela anlise progressiva das contradies internas dos fenmenos chega s leis que produzem tais fenmenos. 27 Essa mudana implicaria que a anlise mostrasse a verdadeira natureza das relaes de produo capitalista, das relaes de classe. Isto significaria que a teoria do capital humano -especificidade da ideologia burguesa no ocultamento da natureza da sociedade capitalista -revelasse seu carter falso. -A teoria do capital humano, fundada nos supostos neoclssicos apologia da sociedade burguesa -para manter-se ter de ser circular; ou seja, em vez de ser a teoria instrumento de elevao do senso comum conscincia crtica, ser uma forma de preservar aquilo que mistificador deste senso comum. Finalmeute, mostraremos que a superao da circularidade da teoria do capital humano implica na utilizao de um mtodo que veicule a tica da classe interessada na mudana das relaes sociais de produo vigeutes. Trata-se do mtodo que veicula a tica da classe dominada, nica interessadaona mudana estrutural e, por conseguinte, nica interessada em analisar as leis que produzem as relaes sociais de explorao no interior da sociedade capitalista. o mtodo histrico-dialtico, como instrumento de rompimento e superao da circularidade, da elevao do emprico aparente ao concreto do real, do senso comum conscincia crtica. Mtodo que a um tempo instrumento de produo do conhecimento do real e instrumento de interveno prtica neste mesmo real. 2 . 1 . O carter de classe do mtodo de anlise da teoria do capital humano -o mito da objetividade e da racionalidade A anlise economlca da educao, veiculada pela teoria do capital humano, funda-se no mtodo e pressupostos de interpretao da realidade da economia neoclssica. Este modo de interpretao da realidade um produto histrico determinado que nasce com a sociedade de classes e se desenvolve dentro e na defesa dos interesses do capital. Ocupamo-nos, neste item, da caracterizao dos elementos bsicos do mtodo da economia burguesa que fornece a base de anlise da teoria do capital humano, os supostos sobre os quais se desenvolve,. e as implicaes concretas para a compreenso das relaes que se estabelecem entre educao e a realidade econmico-social. Uma das preocupaes fundamentais do pensamento econmico burgus veicular a idia de que a economia uma cincia neutra, isto , que existe uma independncia entre os valores e posies do pesquisador e o processo de investigao. A economia, neste sentido, expungida de valores, envolve apenas uma busca imparcial de verdades econmicas. Seu mtodo de investigao ser, pois, um mtodo positivista, isto , que busca apenas fazer afirmaes positivas acerca de fatos verificveis.A primeira conseqncia ser isolar a economia da filosofia ou da poltica. A anlise da estrutura ecoumica, o campo da economia se reduz ao "fator econmico". Duas lealdades bsicas caracterizam, ento, os articuladores e defensores da economia burguesa: adotam um empirismo geral, com seus desdobramentos positivistas na busca do conhecimento, e um conseqente individualismo metodoigico do comportamento humano. Trata-se de um mtodb que coucebe o processo de conhecimento cOmo resultante da anlise de fatos, unidades (indivduo, firma, famlia etc.) isoladas cuja tarefa bsica analisar o funcionamento destas unidades para, a partir da agregao das mesmas, elaborar uma teoria do comportamento da economia como um todo. No nosso propsito, neste trabalho, retomar uma discusso sobre as diferentes correntes do empirismo e de sen desdobramento mais significativo -o positivismo e o positivismo-lgico. Interessanos apenas identificar os princpios bsicos destas correntes que se constituem no estatuto epistemolgico angular da economia neoclssica. o pensamento econmico neoclssico e, a partir dele, a teoria do capital humano traam ,seu estatuto cientfico dentro do quadro epistemolgico do positivismo-lgico que postula que, em termos de cognio, apenas dois tipos de proposies so vlidos: as proposiealticas e as sintticas. As primeiras so proposies de linguagem, e as segundas factuais. Em outros termos, uma proposio verdadeira analtica se no puder ser negada sem contradio ou se sua verdade decorrer do significado dos termos; sinttica se existem circunstncias possveis em que seria -ou teria sido _ falsa. As primeiras nos do uma verdade lgica e as segundas uma verdade emprica, cuja validade depende da resistncia que a teoria ou hipteses oferecem aos testes de verificabilidade e falseabilidade. A filosofia apenas aceita enquanto instrumental lgico que permita uma assepsia total da linguagem. Uma supergramtica da cincia. A anlise de cada uma das premissas da economia neoclssica e da teoria do capital humano, sobre as quais se desenvolvem tanto os modelos conceptuais quanto as anlises sob uma sofisticada linguagem matemtica, encontram respaldo no conjunto dos. princpios a seguir enunciados: "-as afirmaes de conh~imento do mundo s podem ser justificadas pela experincia; -o que quer que se tenha conhecido atravs da experincia poderia ter ocorrido de maneira diversa; -todas as prop>sies~ignificativas em termos de conhecimentos so as analticas ou sintticas, mas nunca ambas as coisas; -quanto s proposies sintticas, por serem refutveis, n-o se pode saber a priori se so verdadeiras; -as proposies analticas no possuem contedo factual; -as proposies analticas so verdadeiras por conveno; -uma lei causal conhecida uma hiptese emprica suficientemente confirmada; -o teste de uma teoria o sucesso de suas previses; -na cincia no cabem jUlgamentos de valor; -as cincias se distinguem por seu objeto, e no por sua metodologia". baseada neste conjunto de princlplOs que a economia neoclssica e seu desdobramento ou aplicao no campo educacional, se apresenta com postulados que entende como baseados em resultados de pesquisa cientfica cuja racionalidade empiricamente comprovada tida como incompatvel com qualquer juzo de valor ou ideologia. o rigor lgico dos enunciados e a matematizao da linguagem econmica neoclssica so tomados como critrios suficientes para gerar um conhecimento neutro, objtivo, livre da contaminao ideolgica e da linguagem comum. A objetividade, entendida como a iseno e neutralidade do sujeito cognoscente, e a racionalidade, entendida como a capacidade do indivduo de ter esta iseno, so os jarges bsicos do discurso burgus. Coerente com a base positivista, a economia neoclssica burguesa se concebe comp uma teoria formada por um arcabouo analtico atemporal, sendo "tma quest emprica saber onde ela se aplica de maneira mais til. Ti'ata-se, pois, de uma teoria econmica que se julga geral para qualquer sociedade e momento histrico. Calcada no argumento da neutralidade de seu mtodo de anlise, busca passar a idia de que o sistema capitalista, suas leis, as relaes que se estabelecem na produo, etc., so algo de 16gico e natural. Trata-se de uma viso utilitria, do status quo, das relaes sociais da sociedade de classe. A primeira e mais fundamental atomizao elaborada pelo pensamento econmico burgus a do homem concebido como um indivduo natural e cuja caracterstica o seu comportamento racional. 2. 1 . 1 . O Hhomo economicus" racional: O indivduo como unidade-base de -anlise Para entendermos como a vlsao veiculada pela economia burguesa na anlise da realidade em geral e especificamente no campo da educao se constitui num instrumento de reforo s concepes do senso comum, no em seu ncleo sadio mas na mistificao e fetichizao do real, temos de partir para demonstrar a concepo de homem e de sociedade construda por esta viso burguesa. Quem o homo oeconomicus racional? No sabemos quem ele , o que compra, o que come, como vive ou vegeta, se faz parte do conjunto dos milhes de brasileiros desempregados ou subempregados, dos indigentes, dos subnutridos, ou de um tero da humanidade que se encontra na mesma situao. Sabemos que ele um maximizador. No lugar da sua histria concreta, das condies concretas de cpmo sua existncia produzida, temos dele um retrato falado: "Ele um filho do iluminismo e, portanto, um individualista em busca do proveito prprio ( ... ). Como produtor maximiza sua fatia de mercado ou de lucro. Como consumidor maximiza a utili~ dade._ por meio da comparao oniciente e improvvel entre, por exemplo, morangos e cimento mtrginal (, .. ). Da diferena individual, ao comrcio internacional, est sempre alcanarido os melhores equilbrios objetivos entre desincentives e recompensas." o homo oeconomicus , pois, o prodnto do sistema social capitalista. Para a economia burguesa no interessa o homem enquanto homem, mas enquanto um conjunto de faculdades a serem trabalhadas para que o sistema econmico possa funcionar como um mecanismo. Todas as caractersticas humanas que dificultam o funcionamento desse sistema (reflexo, tica, etc.) so indesejveis e tidas como no-cientficas.31 As duas caractersticas bsicas exigidas deste homem desprovido de si mesmo enquanto totalidade, so a racionalidade do comportamento e o egosmo. o homem reduz-se a uma abstrao genenca, indeterminada, a-histrica, cuja racionalidade e egosmo lhe permitem escolher sempre o melhor. O argumento simplificado deste raciocnio analisado por Himmelweit da seguinte forma: "Pessoas desejam satisfazer, pelo consumo, necessidades. A diviso do trabalho e a troca resultam em maior satisfao para todos. Isto se aplica venda de qualquer bem, inclusive capacidade de trabalho do indivduo. Ningum forado a vender e, se vende, deve forosamente ganhar algo ao faz-lo. O mtodo mais natural de organizao da sociedade, por conseguinte, consiste em deixar que cada pessoa faa qualquer troca que deseje. Outros sistemas de organizao econmica ( ... ) onde no se permite a livre troca dos indivduos ( ... ) so antinaturais. Logicamente, o sistema capitalista onde se permitem todos os tipos possveis de troca, o mais natural." Sob esse conceito de "homem genenco, abstrata, "livre",._montam-se os princpios do liberalismo individual que constituem o arcabouo da teoria econmica neoclssica. Um dos supostos bsicos, do qual derivam inmeros outros, de que num mercado em concorrncia perfeita "o otimo de cada um, racionalmente calculado a longo prazo, constitui para o 6timo de longo prazo de todos. O clculo a maximizao da uti!idade". Tudo O que cai fora deste sistema concebido como imperfeies, desequilbrios (r~es de per, monoplios, etc.) e resolvido pela suposio das condies celeris paribusou por explicaes adhOC. Caricaturando o mundo harmnico da viso burguesa, mundo que tende sempre ao equilbrio, no importa se esttico ou dinmico, Marx no-lo apresenta da seguinte forma: "A esfera que estamos abandonando, da circulao ou da troca de mercadorias, dentro da qual se operam a compra e a venda da fora de trabalho realmente um verdadeiro paraso dos direitos inatos do homem. S reinam a liberdade, igualdade, propriedade e Bentham. Liberdade, pois o comprador e o vendedor de uma mercadoria, a fora do trabalho, por exemplo, so determinados apenas por sua vontade livre. Contratam como pessoas livres, juridicamente iguais. O contrato o resultado final, a expresso jurdica comum de suas vontades. Igualmente, pois estabelecem relaes mtuas apenas como possuidores de mercadorias e trocam equivalente por equivalente. Propriedade, pois cada um s dispe do que' seu. Bentham, pois cada um dos dois cuida de si mesmo. A nica fora que os junta e os relaciona a do proveito prprio, da vantagem individual, dos interesses privados. justamente por cada um cuidar de si mesmo, no cuidando ningum dos outros, realizam todos, em virtude de uma harmonia preestabelecida das coisas, ou sob os auspcios de uma providncia onisciente, apenas as obras de proveito recproco, de utilidade comum, de interesse gera1." (Marx, K., 1980, livro 1, v. 1, p. 196). A seguir, Marx nos mostra que para entender o que de fato ocorre com os personagens do drama, mister sair da esfera da circulao ou da troca de mercadorias: "Ao deixar a esfera da circulao ou da troca de mercadorias ( ... ) parece-nos que. algo se transforma na fisionomia dos personagens do nosso drama. O antigo dono do dinheiro marcha agora frente como capitalista; segue-o o proprietrio da fora de trabalho como seu trabalhador. O primeiro com um ar importante, sorrindo, velhaco e vido de negcios; o segundO tmido, contrafeito, como algum que vendeu sua prpria pt:1e e apenas espera ser esfolado." (Id., ibid., p. 197). A anlise econmica burguesa, ao negar-se a transcender a esfera da troca de mercadorias, apenas glorifica a liberdade superficial do mercado, mercado que alcana seu desenvolvimento mximo sob o capitalismo. Desenvolvimento esse onde as relaes entre pessoas acabam se tornando relaes entre coisas. Descreve, ento, apenas as aparncias superficiais desse modo de produo. Ao apresentar essa descrio do real, como uma anlise cientfica, neutra, objetiva, acaba por reforar o mundo da pseudoconcreticidade, da viso fetichizada do real, uma anlise que no transcende o senso comum. E nesta esfera que a teoria do capital humano se inscreve. o "fator econmico" e estratificao social: 2.1.2. a transfigurao da classe social em varivel A decorrncia imediata da postura metodolgica da anlise econmica burguesa, centrada sobre a viso atomstica do real, a concepo da estrutura social como sendo resultante de uma construo do comportamento individual. Esta postura, vale lembrar, no resultante do processo do pensamento -uma criao iluminista -mas decorre de "determinadas forms histricas de desenvolvimento, nas quais as criaes da atividade social do homem adquirem autonomia. e sob este aspecto se tomam fatores e se transferem conscincia acrtica como foras autnomas, independentes do homem e de sua atividade." (Kosik, K., 1969, p. 100). Trata-se da tica burguesa de conceber a realidade, ou seja, o modo pelo qual os interesses da burguesia a condicionam a perceber a gnese do real. Se todos os indivduos so livres, se todos no mercado de trocas podem vender e comprar o que querem, o problema da desigualdade culpa do indivduo.'9u seja, se .existem aqueles que tm capital porque se esforaram !\ais, trabalharam mais, sacrificaram o lazer e pouparam para investir. Dentro desta tica, a sociedade capitalista no est dividida em classes, mas sim em estratos. A estratificao decorre de uma analogia do mecanismo de concorrncia perfeita. Os indivduos ganham seu lugar na hierarquia de estratificao segund6 o critrio de mrito. O mrito definido em termos de talentos individuais e motivao para suportar privaes iniciais, como longos anos de escolaridade, antes de galgar os postos de elite. O modelo de concorrncia perfeita no admite direitos adquiridos, dominao, pois supe-se que o somatrio das decises feitas, fruto das aspiraes pessoais, resultar num equitativo equilbrio de poder. Este tipo de anlise, historicamente determinado, decorre da reduo que a viso burguesa faz da formao social. Esta, em vez de ser concebida como sendo constituda -em qualquer modo de produo -pela estrutura econmica que forma a unidade e a conexo de todas as esferas da vida social, transmutada em fatores (econmico-poltico, social ... ) isolados. Aps dividi-los, passa-se a fazer conexes mecnicas, exteriores, para averiguar a preponde~ rncia de um ou de outro fator na determinao do desenvolvimento social ou mesmo na situao individual. O antagonismo de classe -exploradores e explorados -transfigura-se numa estratificao social formada por escalas de "possuidores e no-possuidores, de ricos e pobres, de gente que dispe de uma propriedade e gente que dela no dispe". (Kosik, K., 1969, p. 105). A relao entre classes transforma-se numa relao entre indivduos. A classe passa a constituir uma varivel (classe mdia, alta e baixa) medida por "indicadores de posse e de riqueza pessoal". S4 De outra parte, a separao estanque do econmico, do poltico, do social faz parecer que existe uma autonomia supra-histrica entre a posio econmica, a posio social e a distribuio de poder na sociedade. (Kosik, K, 1969, p. 105). .

Os diferentes fatores _ econmico, social e poltico -se alternariam, de acordo com o estgio do desenvolvimento, na determinao fundamental da estrutura social. O eonmico seria o determinante apenas na fase de um capitalismo no desenvolvido. Descarta-se com isso a questo metodolgica e poltica de que "a distribuio da riqueza (economia), a hierarquia e a estrutura de poder (poder) e a escala da posio social (prestgio) so determinadas pelas leis que tm origem na estrutura econmica da ordem social em determinada etapa do desenvolvimento". (Id., ibid., p. 107). Este vis de anlise que separa as dimenses econmicas e de poder e que coloca, de outra parte, a determinao de um "fator" ou de outro, como dependente do estgio de desenvolvimento capitalista, faz com que as anlises passem a postular a superao do conflito de classe sem uma mudana do modo de produo capitalista. Esta tipicamente a viso neocapitalista. A passagem do capitalismo mercantilista para o concorrencial e deste para o monopolista foi determinada uma crescente diversificao e complexificao interna da classe dominante. O surgimento dos gerentes, dos administradores, dos executivos configura aquilo que se convencionou denominar revoluo gerencial. A partir desta complexificao interna da classe dominante, onde o grupo gerencial concebido como no-pertencente a ela por no ser proprietrio, mas gestor, administrador da propriedade de outrem, postula-se que a propriedade e o controle dos meios de produo se divorciam e no esto mais em poder do mesmo grupo de pessoas. Teramos, ento, chegado sociedade ps-capitalista, onde o grupo gerencial, selecionado meritocraticamente entre todas as classes sociais -onde a &colaridade seria critrio fundamental -teria o poder de subordinar '\ganncia do lucro a objetivos mais "dignos e justos". A separao eIlre a propriedade dos meios de produo e o controle demarcariam o fim da determinao do "fator" econmico, e com ele o fim da luta de classes. Este tipo de anlise decorre justamente da reduo da classe . questo de ser ou no ser possuidor de uma propriedade. Dentro da viso marxista, embora a concepo de classe dominante descreva o ppel predominante dos proprietrios dos meios de produo, os quais, por este fato, tm poder de decidir sobre a vida dos que deles dependem, no significa que ela se defina apenas em termos de posio econmica. Na sociedade capitalista fazem parte da classe dominante tambm aqueles cujos interesses coincidem com os interesses da burguesia. Os gerentes, os administradores, embora no-proprietrios, so escolhidos e controlados por estes de tal sorte que administram em nome do capitalista. De outra parte, mesmo que quisessem administrar, no de acordo com a ganncia do lucro, mas movidos por objetivos distributivos, seriam impedidos pela prpria natureza das relaes econmicas capitalistas, onde a maximizao do lucro a meta bsica e a condi sobrevivncia enquanto empresa capitalista. A acumulao no uma questo de deciso individual, mas uma lei imanente da sociedade do capital e da competio entre os capitalistas. Em suma, a diversificao crescente no interior da classe dominante no implica uma divergncia de interesses e nem transgride o modo de produo capitalista a ponto de gerar mudanas fundamentais na estrutura de classe. A transfigurao da classe em varivel deriva da prpria con cepo marginalista que substitui '''a idia de contradio pelo paradigma de harmonia. No se trata mais de desvendar as leis de movimento nascidas da oposio de classes sociais no mbito da produo. seno de postular as condies de equilbrio do processo de troca" .36 A teoria do valor-trabalho que privilegia as condies de produo substituda pela idia d utilidade que enfatiza a rbita de troca de valores de uso. A idia de troca, por sua vez, supe de imediato a idia de igualdade de condies dos agentes. Esta reduo estabelece o conceito de fator de produo. Capitalistas e trabalhadores apresentam-se no mercado, ambos legalmente iguais, como proprietrios de fatores de produo. O primeiro entra' com dinheiro e o segundo com fora de trabalho. Elimina-se do mbito da anlise economlCa o problema das classes. O conceito de capital, uma relao social especfica, prpria de uma sociedade especfica, delimitada historicamente, transfigura-se num "fator de produo" universal, existente em qualquer sociedade humana. Reduz-se o capital aos seus aspectos puramente fsicos. (Id. ibid.). A remunerao do capital explicada dentro desta tica, como conseqncia da privao, abstinncia e poupana do capitalista. Em sntese, o carter de classe da anlise econmica burguesa reduz e transfigura o conceito de homem, de classe, de capital e de educao. . O homem, um devir que se define no conjunto das relaes sociais de produo de sua existncia, um ser histrico, concreto, ativo, que se transforma na medida em que transforma o conjunto destas relaes sociais, (Gramsci, A., 1978, p. 38-44) reduzido a uma concepo metafsica do indivduo com uma natureza humana dada, genrica e a-histrica. A natureza de cada indivduo, que apenas um ponto de partida que se constri nas relaes sociais de produo da existncia, num determinado contexto histrico, tomada como ponto de chegada. O homem, uma totalidade histrica concreta, que se distingue dos demais animais e da natureza, e se constri pelas relaes sociais de trabalho (produo) que estabelece com os demais homens, no modo de produo capitalista, reduz-se e transfigura-se num indivduo abstrato, cujas caractersticas fundamentais so o egosmo e a racionalidade.\, A produo historiamente determinada das classes fundamentais,38 capitalistas -donos dos meios e instrumentos de produo e do capital, aambarcadores de mais-valia -e de trabalhadores assalariados -"donos" apenas de sua fora de trabalho, produtores da mais-valia cuja sobrevivncia depende de que os primeiros lhes cumpram esta fora de trabalho, tida como um dado natural. Entretanto, " a natureza no produz, de um lado, possuidores de dinheiro ou mercadorias e, de outro, meros possuidores das prprias foras de trabalho. Essa relao no tem sua origem na natureza, nem mesmo uma relao social comum a todos os perodos histricos". (Marx, K., op. cit., p. 189). No lugar do antagonismo de classe definido, de um lado, pelos interesses do capital de expropriar o trabalhador e, de outro, pelos interesses dos trabalhadores, passa-se idia de um co,ntinuum definido por uma estratificaao social, resultante do esforo e mrito individual. A desigualdade real, elemento fundamental que define a sociedade de classes, transfigura-se numa igualdade legal fundada numa liberdade abstrata da forma do Estado Liberal. Na melhor das hipteses, a liberdade que o trabalhador tem escolher o capitalista para quem trabalhar, mas a liberdade de no trabalhar para capitalista algum simplesmente a liberdade de passar fome ou sofrer degradao social. Em ltima instncia, o trabalhador depende, para sobreviver, de que o capitalista se disponha a comprar sua fora de trabalho. Quem diz capacidade de trabalhq, no diz trabalho, tampouco quem diz capacidade de digesto, diz digesto. Sabe-se que para digerir no basta um bom estmago. Qu\U diz capacidade de trabalho no pe de lado os meios de subsistncia necessrios para sustent-la ( ... ) A capacidade de trabalho ( ... ) nada se no se vende." (Marx, K., op. cit., p. 194). O conceito de capital reduz-se a um mero fator de produo onde as mquinas em si, como capital constante e tcnico, so tidas como capazes de criar valor' independentemente da interveno do trabalho humano. Mascara-se, desta forma, a origem real e nica da produo da mais-valia -o trabalho humano excedente apropriado pelo capitalista. O centro unitrio de anlise deixa de ser o valor-trabalho, e a relao de classe entre o trabalhador e o capitalista transfigura-se numa relao de troca de agentes de produo igualmente livres. Em suma, o conceito de capital humano, desenvolvido sob a herana da concepo burguesa de sociedade, que busca dar conta do investimento feito em educao para produzir capacidade de trabalho, e explicar, de um lado, os ganhos de produtividade no devidos aos fatores capital fsico e trabalho, e, de outro, os ganhos salariais resultantes das taxas de retomo do investimento feito em educao estabelece: a) um nivelamento entre o capital constante e o capital varivel (fora de trabalho) na produo do valor, ou seja, coloca-se o trabalhador assalariado, no apenas como "proprietriO" de fora de trabalho, adquirida pelo capitalista, .mas proprietrio ele mesmo de um capital _ quantidade de educao ou de capital humano; considera o salrio ~ecebido, no como preo del?ta fora de trabalho, mas como uma remunerao do capital humano adiantado pelo trabalhador, mascarando, desta forma, as relaes capitalistas de produo e explorao. b) Uma reduo da concepo de educao na medida em que, ao enfoc-Ia sob o prisma do "fator econmicoft e no daC'estriltura conmico-social, o educacional fica assepticamente separado do poltico, social, filosfico e tico. Como elemento de uma funo de produo, o educacional entra sendo definido pelos critrios de mercado, cujo objetivo averiguar qual a contribuio do "capital humano", fruto do investimento realizado, para a produo econmica. Assim como na sociedade capitalista os produtos do trabalho humano so produzidos no em funo de sua -"utilidade" mas em funo da troca, o que interessa, do ponto de vista educativo, no o que seja de interesse dos que se educam, mas do mercado. Neste contexto o ato educativo, definido como ulna prtica-eminentemente poltica e social, fica reduzido a uma tecnOlogia educac~nal. \, Esta reduo estab~ce uma dupla mediao produtiva no movimento global do capital. Um determinado nvel de adestramento geral, bsico, funcional produo capitalista, quer a nvel de uina educao elementar em "doses homeopticas", quer em sistemas escolares particulares do tipo SENAI, SENAC, SENAR, etc., e uma produtividade resultante da desqualificao do trabalho escolar. Por outra parte, a viso de capital humano, alm de estabelecer este tipo de reduo, vai reforar toda a perspectiva meritocrtica dentro do processo escolar. Assim como no mundo da produo todos os homens so "livres" para ascenderem socialmente, e esta ascenso depende nica e exclusivamente do esforo, da capacidade, da iniciativa, da administrao racional dos seus recursos, no mundo escolar a no-aprendizagem, a evaso, a repetncia so problemas individuais. Trata-se da falta de esforo, da "no-aptido", da falta de vocao. Enfim, a tica positivista que a teoriil do capital humano assume no , mbito econmico justifica as desigualdades de classe, por aspectos individuais; no mbito educacional, igualmente mascara a gnese da desigualdade no acesso, no percurso e na qualidade de educao que tm as classes sociais. A desarticulao da concepo burguesa veiculada pela teoria do capital humano implica sair da viso de superficialidade e de pseudoconcreticidade que a mesma instaura na anlise dos vnculos entre economia e educao, educao e trabalho, e voltar o foco de anlise nas relaes sociais de produo especficas sociedade do capital. Implica o abandono da anlise das relaes de troca e a volta anlise das relaes que se estabelecem entre as asses sociais nas relaes de produo da existncia. Implica o abandono da idia de equilbrio, harmonia, e a identificao das contradies inerentes ao antagonismo de classe, oriundo da contradio fundamental capital-trabalho; implica, finalmente, superar a idia de utilidade e voltar idia de valor-trabalho. No propsito deste trabalho retomar aqui anlises j efetivadas a esse respeito. Os trabalhos abaixo mencionados, entre outros, tanto no mbito da economia poltica, quanto da economia (poltica) da educao, so exemplos indicativos dessa volta.No Captulo que se segue, bvscamos delinear as condies histricas dentro do modo de produo capitalista em que efetivamente a teoria do capital humano demandada. Essa abordagem histrica no visa apenas a esclarecer o presente para compreender -se como o modo de produo capitalista busca utilizar-se da prtica educacional (escolar ou no), mas, especialmente, como possvel utilizar-se desta prtica na perspectiva da mudana deste modo de produo.parei aquiAS CONDIES (HISTRICAS) QUE DEMANDAM E PRODUZEM A TEORIA DO CAPITAL HUMANO NO DESENVOL VIMENTO DO MODO DE PRODUO CAPITALISTA \, Na sociedade burguesa as relaes de pro~ " dao tendem a configurar~se em idias, conceitos, doutrinas ou teorias que evadem seus fundamentos reais. (Otavio Iaimi) Mostramos no Captulo anterior que a "anlise em giro" ou a circularidade de anlise, presente na teoria do capital humano, uma decorrncia necessria da viso de mundo e de sociedade que a mesma busca solidificar. Trata-se de uma viso a-histrica que veicula os interesses da classe burguesa e, como tal, busca erigir uma apologia das relaes sociais de produo da sociedade capitalista. Isto significa que n~ medida em que busca veicular os interesses burgueses, esta anlise no tem como no ser circular. A superao da circularidade implica colocar a arilise na tica do interesse da classe dominada, o que equivale a historicizar as relaes sociais de produo, onde a prtica educacional se insere.' O movimento L Esta postura epistemolgica implica que se decline da Vlsao positivista que postula a idia da neutralidade da cincia, viso esta muito afeita anlise econmica burguesa. Cabe ressaltar, entretanto, que se no captulo anterior enfatizamos o carter de classe da anlise econmica da educao, que tenta preservar os interesses da classe burguesa dominante, e defendemos aqui a necessidade de se analisar esta questo colocando-a na tica dos dominados, no queremos defender com isso a tese do relativismo absoluto em, termos de prtica cientfica. Queremos, ao contrrio, l1lostrar que se, de um lado, nas cincias histricas pesquisador um engajado, comprometido, "no inocente", de outro, o fato da classe dominada ser a que tem interesse na historicizao do real, na mudana, a pesquisa que se coloca na sua tica tende a no ser 1L desta historicizao se inicia pela criao de uma viso de mundo na tica dos interesses da classe dominada. Partimos, neste Captulo, da tese de que a concepo econmica de educao veiculada pela teoria do capital humano no uma "inveno da mente humana", mas um produto histrico determinado, decorrente da evoluo das relaes sociais de produo capitalistas. "Nas minhas pesquisas cheguei concluso de que as relaes jurdicas, assim como as formas de Bstado, no podem ser compreendidas por si mesmas, nem pela evoluo geral do esprito humano, inserindo-se, pelo contrrio, nas condies materiais de existncia. ( .. . ) na produo social de sua existncia os homens estabelecem relaes, necessrias, independentes de sua vontade, relaes de produo que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das foras produtivas materiais. O conjunto destas relaes de produo constitu a estrutura econmica, a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurdica e poltica e qual correspondem determinadas formas de conscincia social. O modo de produo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, poltica e intelectual em geral:' (Marx, K. Contribuio crtica da ecollo~ mia poltica, 1977, p. 24). Interessa-nos, neste captulo, situar historicamente as condies concretas infra e superestruturais, dentro do desenvolvimento do modo de produo capitalista, que demandaram esta formulao e criaram o espao para que contribussem "produtivamente" para a ampliao da acumulao em geral do capital. Partimos da suposio de que embora a teoria do capital humano tenha seus supostos tericos fundados na viso econmica neoclssica _ fase do capitalismo concorrencial -onde o liberalismo constitui a ideologia jurdico-poltica dominante, configurando a forma de Estado liberal, esta teoria encontra o espao efetivo de sua necesconservadora, e embora no seja uma razo suficiente, tem mais probabilidade de se aproximar do concreto, do reaLMarx, no posfcio da segunda edio de O Capital, enfatiza o carter engajado de sua crtica economia poltica: " ... se essa crtica representa a voz de uma classe, s pode ser a da classe cuja misso histrica derrubar o modo de produo capitalista e abolir finalmente todas as classes -o proletariado". (Ver, Marx, K. O Capital. 2. ed. Rio de Janeiro, Vozes, 1978. Posfcio, p. 12; ver tambm Lowy. M. Objetividade e ponto de vista de classe nas cincias sociais. ln: O Mtodo dialtico e a teoria poltica. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978, p. 9~34; Schaff. A .. O carter de classe do conhecimento histrico. ln: Histria e verdade. So Paulo, Martins Fontes, 1971, p. 141-86. 70 sidade e de seu desenvolvimento na fase monopolista, das ltimas quatro dcadas do modo de produo capitalista, cuja forma de Estado corresponde fase do Estado intervencionista.' Fundamentalmente, interessa-nos mostrar que a teoria do capital humano e seus desdobramentos em termos de polticas educacionais no so uma produo maquiavlica (sentido corrente) de . uma maquinao feita pela vontade individual, mas resultantes das prprias contradies e crise do capitalismo em sua fase monopolista contempornea. .\ \, Embora imediatame~e o interesse focal de anlise incida sobre a fase contempornea do capitalismo monopolista, para o propsito pedaggico deste trabalho, e mesmo como embasamento terico nos captulos que se seguem, vamos, ainda que esquematicamente e sem pretenso de originalidade, discutir algumas categorias de anlises e esboar a especificidade do modo de produo capitalista.3 Isto se justifica na medida que as diferentes fases do capitalismo e suas formas de legitimao jurdico-poltica, ou diferentes formas de Estado capitalista, no representam seno mecanismos de recomposio das crises inerentes ao carter contraditrio (da relao capital/trabalho) do modo & produo capitalista na consecuo da maxim