gary m. burge ● a bíblia e a terra

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Explore a cultura antiga, descubra significados escondidos [algumas páginas]. Esta obra ricamente ilustrada nos leva a uma viagem a Israel dos tempos bíblicos para explorar como a cultura e a geografia local moldaram o senso de espiritualidade de seu povo.

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Page 1: Gary M. Burge ● A Bíblia e a Terra
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A BÍBLIA E A TERRA

EXPLORE A CULTURA ANTIGA, DESCUBRA SIGNIFICADOS ESCONDIDOS

GARY M. BURGE

Rio de Janeiro2010

Traduzido por Karen de Andrade Bandeira1ª Edição

CONTEXTO Antigo FÉ Antiga

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Page 4: Gary M. Burge ● A Bíblia e a Terra

Todos os direitos reservados. Copyright © 2010 para a língua portuguesa da Casa Publicadora das Assembleias de Deus. Aprovado pelo Conselho de Doutrina.

Título do original em inglês: The Bible and the Land

Zondervan, Grand Rapids, Michigan

Primeira edição em inglês: 2009

Tradução: Karen de Andrade Bandeira

Preparação dos originais: Cristiane Alves Revisão: Verônica Araujo Adaptação de Capa: Fagner Machado

ISBN: 978-85-263-1063-6

As citações bíblicas foram extraídas da versão Almeida Revista e Corrigida, edição de 1995, da Sociedade Bíblica do Brasil, salvo indicação em contrário.

Para maiores informações sobre livros, revistas, periódicos e os últimos lançamentos da CPAD, visite nosso site: http://www.cpad.com.br

SAC — Serviço de Atendimento ao Cliente: 0800-021-7373

Casa Publicadora das Assembleias de DeusCaixa Postal 33120001-970, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

1ª edição: 2010

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9CONTEXTO ANTIGO, FÉ ANTIGA

CONTEXTO ANTIGO, FÉ ANTIGA

I n t ro d u ç ã o à S é r i e :

TODA COMUNIDADE de cristãos através da história estru-turou a sua compreensão da vida espiritual dentro do contexto da própria cultura. Cristãos bizantinos, que viveram no século V, e puritanos, usaram o mundo em que habitavam para praticar os princípios de fé, vida e identidade cristã. O impulso de edi!-car igrejas nos lares, monastérios, catedrais medievais, igrejas e campanários nos centros das vilas, ou auditórios com cadeiras de cinema sempre emanará da força cultural dominante ao redor.

Até o modo pelo qual entendemos a “fé em Cristo” é um tanto moldado por essas forças culturais. Por exemplo, nos últimos três séculos, cristãos ocidentais deixaram de ver a fé primordial-mente como um exercício público (embora isso não seja comum na África ou na Ásia). Entre o muito esclarecimento europeu, o individualismo reina supremo: a fé cristã é um empenho pessoal, privado. Preferimos dizer: Aceitei a Cristo, ao invés de de!nirmos a nós mesmos como uma comunidade que o segue. Igualmente (outra vez, graças ao esclarecimento) elevamos o racionalismo como um valor principal. Entre a fé existente em muitos cristãos está o constructo da mente, um esforço pelo conhecimento ob-tido através do estudo, um consentimento para um conjunto de

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10 A BIBLIA E A TERRA

proposições teológicas. Às vezes, conhecer aquilo em que se crê supera a própria crença.

Na verdade, muitos cristãos hoje desa!am estas suposições do esclarecimento e procuram traçar um novo caminho. Apesar disso, este caminho novo é muito mais um produto das correntes da cultura moderna do que qualquer outra coisa. Por exemplo, vivemos numa sociedade altamente terapêutica. Mesmo incons-cientes da disciplina da psicologia, ainda somos moldados pelos valores agregados à nossa cultura nos últimos cem anos. A fé hoje é centrada em emoções e sentimentos. A adoração é medida pelas atitudes emotivas e pelo coração. “Reconhecer as necessidades” da congregação esboça muitos sermões.

Por esta razão, de!nir a fé cristã como uma escolha pessoal base-ada em convicções bem versadas e inspirada em cultos emocional-mente inspiradores, é a fórmula para a formação espiritual, que nos deve ser natural — isso, porém, pode incluir elementos estranhos à experiência de cristãos de outras culturas ou séculos. Imagino que os cristãos do século V sentir-se-iam totalmente perdidos numa igreja moderna com grupos de louvor e poltronas de cinema, onde a ilumi-nação, o som, a temperatura e as mídias são monitoradas de perto. Poderiam perguntar se esta igreja moderna é sobretudo comprome-tida com o entretenimento, como uma espécie de versão reformulada das arenas públicas de Roma. Também poderiam indagar como dez mil pessoas podem adquirir algum senso de vida em comunidade ou de comunhão, se cada família chega e sai de carro, mora a uma longa distância, e mal conhece a pessoa sentada ao lado.

O PANORAMA ANTIGO

Se é verdade que toda cultura provê uma estrutura na qual a vida espiritual é compreendida, o mesmo pode ser dito do mundo antigo. A permanência de Jesus e de Paulo no Império Romano foi igualmente moldada pelas forças culturais, totalmente distintas das nossas. Se falharmos em compreender estas in"uências, deixare-mos de assimilar muitos dos ensinamentos de Jesus e de Paulo.

Isso não signi!ca que a cultura do mundo bíblico desfrute de alguma aprovação ou endosso divino. Não precisamos imitar o

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11CONTEXTO ANTIGO, FÉ ANTIGA

mundo bíblico para vivermos mais biblicamente. Esta foi uma cultura que teve suas preferências quanto ao vestuário, modo de falar, culinária, música, vertentes intelectuais, expressão religiosa e identidade pessoal. E esses valores culturais não são mais signi-!cativos que os nossos. O recato na antiguidade era expresso de um modo que podemos não entender. O matrimônio arranjado é estranho ao nosso mundo de encontros pessoais. Até a maneira de orar (sentado ou em pé, com braços erguidos ou abaixados, em voz alta ou silenciosamente) tem normas ditadas pela cultura.

Mas se isso é verdade — se os valores culturais são pressu-postos dentro de cada comunidade de !éis, tanto agora como há centenas de anos — então as histórias que lemos na Bíblia podem implicar em tópicos completamente obscuros a nós. Além do mais, ao lermos a Bíblia, podemos deturpar-lhe a mensagem sim-plesmente porque não compreendemos os instintos culturais do século I. Estamos a dois mil anos de distância; estamos no oci-dente, e o Oriente Médio não é nosso território nativo.

INTERPRETANDO À DISTÂNCIA

Isso quer dizer que devemos ser intérpretes cautelosos da Bíblia. Devemos atentar a !m de não pressupormos que os nossos instintos culturais sejam os mesmos por ela representados. Devemos ser cultural-mente cientes do nosso espaço no tempo e trabalhar para compreender o contexto cultural bíblico que desejamos alcançar. Os intérpretes também precisam de consciência cultural ao ler as Escrituras. Falhamos ao não reconhecer o abismo existente entre quem somos hoje e o contexto da Bíblia. Esquecemos de que lemos a Palavra de Deus como estrangeiros, como visitantes que viajaram não apenas a outro lugar, mas a outro sécu-lo. Literalmente, somos turistas profundamente carecidos de um guia.

O objetivo desta série é ser tal guia para explorar temas do mundo bíblico geralmente incompreendidos. Como, por exemplo, a geogra-!a física de Israel moldou o senso de espiritualidade de seu povo? Como as narrações feitas por Jesus implicam temas culturais agora esquecidos por nós? Quais celebrações Jesus conhecia intimamente (como a do nascimento de um bebê, um matrimônio ou sepultamen-to)? A que festivais religiosos ou agrícolas comparecia? Que imagens

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comuns de trabalho, da vida nos vilarejos ou da hierarquia social costumava empregar quando ensinava? Ele usava o humor ou referia-se à política? Em muitos casos, assim como em nosso mundo, os assuntos mais delicados são manejados indiretamente, e é preciso um guia habilidoso para revisitar os signi!cados corretos.

Resumindo, esta série emprega conhecimentos de antropologia cul-tural, arqueologia e contextos para abrir novos pontos de vista ao leitor cristão. Se o leitor mediano repentinamente vir uma história ou ideia de um jeito inédito, se uma passagem familiar subitamente abrir-se a um novo signi!cado ou aplicação, este objetivo terá sido alcançado.

Devo a muitas experiências e pessoas que me despertaram o sen-so de urgência quanto a este método interpretativo. Meu primeiro con"ito foi como estudante na Beirut´s Near East School of Theology, em 1970. Desde então, estudiosos como David Daube, J. D. M. Der-rett, S. Safrai, M. Stern, E. P. Sanders, Charles Kraft, James Strange, Kenneth Bailey, Bruce Malina, I. Howard Marshall e muitos outros contribuíram com a forma pela qual leio o Novo Testamento. Em particular, muitos dos livros de Bailey, bem como sua amizade de tantos anos, foram proeminentes em inspirar-me os esforços rumo à antropologia cultural do mundo antigo. Além disso, fui diversas vezes bem recebido na Igreja Árabe no Líbano, Síria, Iraque, Jordão, Pales-tina e Egito, e lá atentei à forma pela qual o cenário cultural in"uencia a leitura de textos. A eles e à sua fé histórica devo consideravelmente.

Finalmente, agradecimentos especiais a Katya Covrett e a Verlyn Verbrugge, da Zondervan Publishing. A experiência editorial de Verlyn e a criatividade de Katya melhoraram enormemente esta obra. Elizabeth Dias, minha assistente de pesquisas, também editou o manuscrito e notou falhas que até Verlyn deixou escapar. E por último (e mais importante), minha esposa, Carol, leu e criticou o manuscrito durante nossa última licença em Cambridge, Inglaterra. Seu discernimento e sabedoria aparecem em cada capítulo.

Soli Deo Gloria.Gary M. BurgeWheaton, Illinois

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 15Vida, Terra Santa, Peregrinação e Desertos1

A TERRA 25

DESERTO 37Deuteronômio 6-8; Mateus 4

PASTORES 51Salmo 23; Ezequiel 34; João 10

ROCHA 63Deuteronômio 32; Josué 4; Lucas 6.46-49

ÁGUA 79Deuteronômio 11.10; João 4.1-30; 7.37-39

PÃO 93Êxodo 16.1-21; João 6.1-58

NOMES 105Êxodo 3.13-15; Isaías 43.1-7; Apocalipse 3.5

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INTRODUÇÃO À SÉRIE 9Contexto Antigo, Fé Antiga

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Vida, Terra Santa, Peregrinação e Desertos

MINHA VIDA transcorreu ao longo do deserto. Talvez tenha existido um tempo (quem sabe por volta dos vinte anos) em que pensei que a maior parte da existência seria semelhante a um belo dia numa praia ao sul da Califórnia: pela manhã, uma fria camada de nevoeiro marinho; sol brilhante às 11 horas com ótimas ondas se formando, palmeiras sobre os rochedos, cheiro de sal e areia e nenhuma outra inquietação além de esperar o almoço. O burrito1 perfeito juntava-se à saúde perfeita, ondas extraordinárias, música da K-Earth 101, e nada com que se preocupar.

Para usar uma metáfora bíblica, a vida era como a Terra Prometida, e não como o deserto, sempre em Jerusalém, sem jamais entrar no deserto da Judeia.

Contudo, não demorou muito para a fantasia sucumbir. Um novo cená-rio emergia eventualmente (talvez quase aos trinta), quando comecei a ver a vida sob uma metáfora bastante diferente: era a permanência passageira de Israel no Egito rumo à Terra Prometida, a saída árdua do cativeiro através do deserto. Mesmo quando chegávamos ao nosso destino prometido, res-tavam as di!culdades com os cananeus, a seca e a guerra. E o deserto, ao oriente de qualquer cidade, era sempre o mesmo, fazendo-me recordar da peregrinação original e da perspectiva de ir para lá outra vez.

VISÃO DO MONTE DO TEMPLO, JERUSALÉM

INTRODUÇÃOC a p í t u l o 1

1 N. do E.: O burrito é um célebre prato tradicional da culinária do México consistindo de uma tortilla de farinha geralmente recheada com carne (bovina, suína ou frango).

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16 A BIBLIA E A TERRA

Não me surpreende o fato de que através dos séculos os cristãos tenham usado a Terra Prometida e o deserto como a metáfora suprema da vida. Numa ocasião há instantes de maravi-lhamento genuíno, alegria e celebração. Noutra, há experiências no deserto remoto; formado por crises de todos os tipos. E a vida assume uma confusa, e até perturbadora, condição.

Ironicamente, foi no deserto que aprendi a maior parte do que sei sobre Deus, a meu respeito e das pessoas com quem vivo. Foi uma grande descoberta quando aprendi, talvez quase aos trinta, que isso era uma verdade escondida não apenas em personagens ao longo da Bíblia, mas em centenas de peregrinos cristãos, místi-cos e monges que usam o deserto como metáfora de suas próprias vidas. E, em alguns casos, escolhem viver num deserto (geralmen-te nos do Oriente Médio) a !m de aprender mais rapidamente.

A TERRA E A PEREGRINAÇÃO

Desde o começo, cristãos acreditam que a terra bíblica esconde promessas para seu próprio crescimento espiritual, e que simplesmente ir até lá e ver o contexto das histórias, talvez recriando experiências conhecidas por Davi ou Jesus, possa, de algum modo, trazer renovo ou inspiração. Isso ainda é real. Veículos de turismo que atravessam ao sul do Rio Jordão da Galileia quase sempre fazem a parada obrigatória

CAMELOS NO DESERTO DA JUDEIA

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17INTRODUÇÃO

IMAGEM DE SÃO CIRILO DE JERUSALÉM

RIO JORDÃO

para batizar viajantes que questionam se estas águas são diferentes das outras. Indagam se, ser batizados onde Jesus foi, ajudaria a entender a Bíblia ou até ofereceria algo que perderam por toda a vida.

O registro do primeiro cristão a fazer isso é do “Peregrino de Bordeaux”, que foi a Jerusalém em cerca de 333 d.C. Suas notas circularam amplamente e, nesse período, visitantes cristãos começa-ram a chegar à Terra Santa com regularidade. A viagem era perigosa e inesquecível, mas a recompensa sobrepujava todo o risco. Além disso, existia uma comunidade cristã e albergues que ampliavam

as acomodações. A indústria da peregrinação cristã havia começado. Hoje, dois milhões de turistas fazem o mesmo trajeto anualmente.

Esta viagem, porém, não se devia meramente à curiosidade. Teólogos cristãos do século IV re"etiam sobre o signi!cado teo-lógico da encarnação (a existência plena de Deus como homem), o que os levou a pensamentos sobre o lugar desta encarnação. São Cirilo foi bispo de Jerusalém

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de 349 a 384, e também teve o privilégio de presidir a magní!ca igreja construída sobre o sepulcro de Cristo pelo imperador cris-tão Constantino. Pregou uma série de sermões a apenas alguns passos na tumba, e lá declarou a diferença que fazia estar na Terra Santa. “Outros apenas ouvem. Nós vemos e tocamos”. Para Ciri-lo, a própria terra era uma fonte viva de testemunho para a fé (Ca-techetical Lectures 14.23). Para ele, a terra virtualmente tornara-se o “quinto” evangelho.

Jerônimo (345-420), vi-vendo em Belém, realçava o mesmo: “Aqui em Belém, Ele foi envolvido em panos; aqui, foi visto por pastores, aqui, foi apontado pela estrela, aqui, foi adorado por homens sábios”. Este foi o começo de uma geogra!a sagrada. Jerô-nimo escreveu uma carta em 386, tentando convencer uma mulher chamada Marcela a juntar-se à comunidade pere-

IMAGEM DE SÃO CIRILO DE JERUSALÉM

IGREJA DO SANTO SEPULCRO

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19INTRODUÇÃO

grina da Terra Santa. Nela, descreve, talvez com algum exagero, a a"uência piedosa a Jerusalém:

Todas as pessoas notáveis de Gália apressam-se para cá. O bretão, “separado do nosso mundo”, não progride tão rapidamente em religião quanto o faria se deixasse o cenário em questão por um lampejo daqui-lo que conhece apenas através da Escritura e de relatos corriqueiros. Precisamos recordar dos armênios, dos persas, dos povos da Índia e da Arábia? Ou daqueles ao nosso redor, Egito, tão ricos em monges; de Ponto e Capadócia; de Síria e Mesopotâmia e o Crescente Fértil? Em cumprimento das palavras do Salvador, “Pois onde estiver o cadáver, aí se ajuntarão as águias”, eles todos agregam-se aqui e exibem nesta única cidade as virtudes mais variadas. Diferindo em idiomas, são um na religião, e quase toda nação tem um coro próprio (Cartas 46.10).

Poucas são as notas sobre as primeiras peregrinações. Temos, todavia, um relato de Egeria, a primeira mulher pere-grina. Ela viveu no final do século III e veio de uma cidade ao longo da costa Atlântica Europeia, talvez França ou Espanha. Claramente Egeria buscava entender a fé cristã. Ao aproximar-se da Terra Santa, sua narrativa encheu-se de descrições detalhadas, de esperança e inspiração. Almejava ver lugares sagrados; porém mais que isso, ansiava aprender sobre a igreja local, suas liturgias e história.

Hierápolis

Edessa

Antioquia

Rio Oron

tes

GALILEIA

Mar da Galileia

Jerusalém

Rio JordãoMonte NeboMar Morto

Sinai

EGITO

100 milhas

M a r M e d i t e r r â n e o

Rio Eufrates

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20 A BIBLIA E A TERRA

Ela chegou a Jerusa-lém em 381 e por três anos registrou cuida-dosamente tudo acerca da liturgia de adoração que presenciou, para seus “irmãos” que es-tavam em casa, na Eu-ropa. Também fez inú-meras viagens ao Egito, Sinai, Galileia, e até ao Monte Nebo (onde Moisés foi sepultado). Então, viajou para o norte, à famosa cidade de Antioquia, no Rio Orontes. De lá, foi para o leste, à antiga Hierá-polis (“cidade de grande abundância, rica e muito bonita”, Viagens de Egeria 18.1), cruzando o Rio Eufrates (“Tivemos de atravessá-lo de navios, bem grandes, o que signi!ca que passei a metade de um dia lá”, 18.2), e à antiga cidade de Edessa (a atual Turkish Sanli Urfa), onde o bispo cumprimentou-a calorosamente. Egeria escreveu:

O santo bispo da cidade era um homem verdadeiramente devota-do, tanto monge quanto confessor. Recebeu-me, e disse: “Filha, vejo que esta longa viagem foi para onde sua fé a trouxe — para o outro extremo da terra. Então, deixe-nos mostrar-lhe todos os lugares que os cristãos devem visitar aqui”. Agradeci a Deus, e ansiosamente aceitei o convite do bispo (Viagens de Egeria 19.5).

Que instintos guiaram Egeria? Por que acreditava que visitar a Terra Santa seria instrutivo e bené!co? Por que, neste mesmo sé-culo, monges começaram a migrar para esta parte do mundo para construir comunidades no deserto e habitações em cavernas? O visitante da Síria, Egito ou até dos desertos ao leste de Jerusalém ainda pode encontrar resquícios destes monastérios. A oeste do Cairo, o monastério de Wadi Natrun é o lar de seiscentos monges.O que esta terra tem a ensinar?

MONASTÉRIO DE SANTA CATARINA, LOCALIZADO AO PÉ DO MONTE SINAI

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21INTRODUÇÃO

A TERRA E A PROMESSA ESPIRITUAL

Incontáveis peregrinos seguiram os passos de Egeria a cada ano, indo à Terra Santa em busca de alguma inspiração ou en-tendimento que não puderam obter em casa. Para a maioria dos protestantes, trata-se de recuperar os locais históricos dos eventos passados. Há uma “trilha da peregrinação” que leva os cristãos de Cesareia a Nazaré, de Cafarnaum a Jericó, e de Jerusalém a Belém. A cada parada, ouvem histórias que contam as grandes coisas que aconteceram: onde Davi escondeu-se de Saul, onde Sara foi sepultada, onde Jesus cresceu, morreu, e o local de sua ascensão. Reminiscências históricas sempre foram centrais na tra-dição cristã. Por esta razão, contextualizar esta história dentro de um cenário tornou-se, provavelmente, uma atividade regular do cristianismo. Da mesma forma, o ofício de guiar peregrinos é uma pro!ssão do Oriente Médio quase tão antiga quanto os próprios locais de visitação.

A terra, de qualquer modo, também serve a um propósito mais amplo: É o cenário cultural da Bíblia. As histórias bíblicas pres-supõem que saibamos um pouco sobre altares, apriscos, cisternas de água, e a signi!cância de o vento assoprar dalém do deserto.

TENDA BEDUÍNA EM WADI RUM, JORDÃO

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22 A BIBLIA E A TERRA

Projetar sobre a Bíblia as noções europeias ou americanas sobre plantar (distribuição de sementes), pescar (arremessos e redes) ou viajar (de noite ou de dia) é distanciar-se imediatamente do que ela pretendia dizer.

Toda literatura provém de um panorama cultural. Ela lançará mão de temas e imagens provenientes de tal panorama, para cons-truir uma estrutura na qual as histórias possam ser contadas. Isto não é menos verdadeiro quanto à Bíblia. A terra e sua cultura, e não meramente a história que ocorreu, são um aspecto indispen-sável da narrativa bíblica.

Este livro explorará como os motivos da terra e da cultura realçam lições importantes, porém negligenciadas, da Bíblia. Es-tes são temas que cada escritor bíblico simplesmente presumiu que conhecêssemos. São conceitos como o deserto, a água e o pastoreio, aprendidos nas histórias bíblicas, que transmitem men-sagens que se perderam por séculos no mundo ocidental. Mas o interesse maior de cada um dos escritores bíblicos é a vida: como sobrevivemos e "orescemos mesmo quando à beira de desertos, mesmo quando muitos anos são passados naquele lugar, e toda esperança parece ter se perdido.

Cada capítulo explorará um motivo centrado na vida de fé enquanto é experimentado lado a lado ao deserto. O que desco-briremos é que a Terra Santa — ou melhor, o ponto de vista bíbli-co — ainda nos tem suprido com ricas metáforas que nos ajudam a interpretar o deserto e a prosperar nele.

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