gestão local em saúde
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Gesto Local em Sade
Prticas e Reflexes
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Gesto Local em SadePrticas e Reflexes
Dacasa EditoraPorto Alegre, 2004
Aldia Ins de Oliveira
Ana Ceclia Bastos Stenzel
Ariane Jacques Arenhart
Betina Schwingel
Carlos Alberto Protti
Carolina Karan Brum
Claudia Maria Scheffel Corra da Silva
dson Fernando de Castro
Fernando VivianFlvia Fraga
Henrique I. Thom
Jackeline Amantino de Andrade
Joice Marques
Ktia Teresa Cesa
Kerlen Gnther Carvalho
Liane Beatriz Righi
Margareth Capra
Mara E. Alonso RamrezMarina Keiko Nakayama
Neusa Rolita Cavedon
Paulo Mayorga
Regina Sulzbach
Roger dos Santos Rosa
Thas Delgado Brandolt Aramburu
Traudie Cornelsen
Maria Ceci MisoczkyRonaldo Bordin
Organizadores
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Capa e EditoraoPubblicato Design Editorial
[email protected] Alegre RS
Direitos de PublicaoDacasa Editora
Caixa Postal 5057
90041-970 - Porto Alegre, [email protected]: (51) 9982.7878
G393 Gesto local em sade : prticas e reflexesMaria Ceci Misoczky e Ronaldo Bordin (organizadores).Porto Alegre : Dacasa, 2004.236 p. : il
ISBN 85-86072-58-3
1.Gesto em sade. 2. Sade pblica. 3. Administrao
municipal. I Misoczky, Maria Ceci. II. Bordin, Ronaldo
CDU 352:614
Elaborado pela Biblioteca da Escola de Administrao - UFRGS
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SUMRIO
APRESENTAO
Gesto da ateno sade em territrios de fronteiras:algumas constataes a partir de casos do estado do Rio Grande do Sul / 9
Maria Ceci Misoczky, Traudie Cornelsen, Thas Delgado Brandolt Aramburu e
Claudia Maria Scheffel Corra da Silva
Participao social no Sistema nico de Sade: uma utopia
por se concretizar em municpios de pequeno porte do Vale do Taquari / 35Jackeline Amantino de Andrade e Ariane Jacques Arenhart
Papel das transferncias subnacionais de recursos para oramentos
locais de sade / 55Roger dos Santos Rosa e Regina Sulzbach
Organizao e esttica em estabelecimentos de ateno sade:
o caso da construo coletiva de uma nova ambientao
em um servio pblico de pronto atendimento / 69Maria Ceci Misoczky e Kerlen Gnther Carvalho
Satisfao dos usurios dos servios pblicos de sade: limites e perspectivas / 87
Ana Ceclia Bastos Stenzel, Aldia Ins de Oliveira e Andria Cristina Leal Figueiredo
A gesto do trabalho mdicos atravs de um ncleo gerencial de sade / 103Fernando Vivian e Ronaldo Bordin
Contribuies do protocolo das aes bsicas de sade: uma proposta em defesada vida para o processo de gesto do SUS em Caxias do Sul / 119
Margareth Capra e Ronaldo Bordin
Representaes sociais dos mdicos, enfermeiros e cirurgies dentistasde equipes de sade da famlia sobre educao em sade / 147
Betina Schwingel e Neusa Rolita Cavedon
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A mudana na conduo das prticas de vigilncia em sade nos
estabelecimentos odontolgicos utilizando como elemento principal a informaoe educao em sade / 171
Ktia Teresa Cesa e Marina Keiko Nakayama
Assistncia farmacutica no SUS: quando se efetivar? / 197
Paulo Mayorca, Flvia Fraga, Carolina Karam Brum e dson Fernando de Castro
Gesto Loca em Sade: descentralizao e desenvolvimento organizacional em dois
municpios do estado do Rio grande do Sul / 217
Carlos Alberto Protti, Joice Marques e Liane Beatriz Righi
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APRESENTAO
A mobilizao nacional para realizar cursos de especializao em gesto
de sistemas e servios de sade1 tem produzido resultados muito expressivos
em todos os estados brasileiros. Mais que uma centena de cursos e cerca de
trs mil egressos titulados por dezenas de instituies acadmicas so
dimenses considerveis desse processo que apontam, com justa razo, para
sua avaliao positiva e meritria. A articulao entre os gestores do SUS e
as escolas, ncleos ou departamentos universitrios responsveis pela
execuo dos cursos constitui um requisito indispensvel para a realizao
dos mesmos, representando certamente o fator mais decisivo para a
expressividade dos resultados alcanados, tanto sob o aspecto quantitativo
quanto qualitativo.
A presente publicao um exemplo bem ilustrativo da importncia e dascaractersticas desse processo, no caso do Rio Grande do Sul. No apenas
mais um livro sobre gesto local em sade, pois apresenta relatos de prticas
inovadoras vol.tadas para o interesse social no campo da sade, na forma de
monografias orientadas por reflexes comprometidas com o rigor cientfico.
Expressa, portanto, a desejvel articulao entre a educao e o trabalho ou,
mais concretamente, entre as prticas nos servios de sade e o ensino na
universidade.
Durante a realizao desses cursos oferecidos pelo Programa dePsGraduao da Escola de Administrao da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, os alunos permaneceram exercendo suas funes de gesto
em diversas instncias do SUS no estado. A orientao poltica pedaggica
dos cursos permitiu-Ihes sistematizar conhecimentos e aprender conceitos e
mtodos val.iosos para sua atuao nos servios de sade. Dessa confluncia
de fatores resultaram cento e quarenta monografias apresentadas como
1 Atividade integrante do plano de trabalho do Termo de Cooperao entre o Ministrio da Sade e aOPAS - TC 08.
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trabalhos da concluso exigidos pelas regras acadmicas para titulao no grau
de especialista. Um trabalhoso e, por que no reconhecer, doloroso esforo de
seleo resultou na escolha dos onze textos que compem este livro.
Os artigos selecionados revelam a diversidade temtica do conjunto dasmonografias apresentadas. E tambm confirmam que o objeto das reflexes
exercitadas no curso foram os desafios impostos pelas prticas nos servios:
gesto da ateno sade em territrios de fronteiras; a participao social
no Sistema nico de Sade em municpios de pequeno porte; as transferncias
de recursos para oramentos locais de sade; construo de ambientaes
em estabelecimentos de sade; satisfao dos usurios com os servios
pblicos de sade; gesto do trabalho mdico; propostas de protocolo das
aes bsicas de sade; representaes sociais dos profissionais das equipesde sade da famlia sobre educao em sade; mudana das prticas de
vigilncia em sade nos estabelecimentos odontolgicos; assistncia
farmacutica no mbito do SUS; descentralizao e desenvolvimento
organizacional da sade nos municpios.
A realizao desta publicao, alm de constituir um reconhecimento e
um estmulo aos autores, visa difundir algo da experincia gacha entre
gestores e docentes de sade pblica, tanto no Brasil quanto nos pases da
Amrica Latina, razo pela qual o livro est sendo editado em portugus e
tambm em espanhol.
A expectativa dos organizadores dessa publicao , primordialmente,
contribuir para o debate sobre a proposta em evoluo da Reforma Sanitria
Brasileira e, ao faz-Io em edies nas duas lnguas, compartilhar esse debate
com um maior nmero de interlocutores em outros pases da Regio das
Amricas.
Braslia, outubro de 2004
Jos Paranagu de Santana Organizao Pan-Americana da SadeRepresentao do Brasil
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GESTO DA ATENO SADE EMTERRITRIOS DE FRONTEIRAS:
ALGUMAS CONSTATAES A PARTIR DE CASOS DOESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
Maria Ceci Misoczky
Traudie Cornelsen
Thas Delgado Brandolt Aramburu
Claudia Maria Scheffel Corra da Silva
Essa fronteira que desconstrumos analiticamente ,
constantemente, reconstruda pelos diferentes atores sociais, de
modo diverso. A fronteira que, ao ser analisada desagregada e
parece diluir-se, ao encarnar-se em seres humanos concretos
reaparece atravs de seus discursos e suas prticas. Porque a
fronteira ao humana sedimentada no limite, histria de
agentes sociais que a fizeram e a produzem hoje. Os fronteirios
fazem a fronteira tanto como a fronteira constitui a eles, seus
imaginrios, sentimentos e prticas. (Grimson, 2003, p.232)
INTRODU O
Sob a perspectiva geopoltica as fronteiras se apresentam, no imaginrio
social, como um limite. Esse limite pode ser burocrtico-administrativo entre
municpios, regies, unidades sub-nacionais, ou mesmo, Estados nacionais.
Fronteiras, porm, so mais que isso. No se pode pensar fronteiras apenas
sob a tica geopoltica, pois com isso se perde a possibilidade de compreenso
ampla do processo. Do lado das fronteiras materiais, identificveis nos mapas,
h tambm as fronteiras simblicas, resultantes de processos de construo
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social. Fronteiras econmicas, polticas, sociais, culturais, tecnolgicas, do
conhecimento. Fronteiras que, dentro de um mesmo espao fsico-geogrfico,
unem ou separam, impedem ou permitem acesso a indivduos, grupos sociais,
culturas e naes. Fronteira tambm o resultado de relaes de poder, quedeterminam interesses e definem questes a manter ou suprimir (Melo, 1997).
Observa-se que, nos limites fsicos, os marcos de fronteira podem ser
representados atravs de um pequeno pilar (como em Santana do Livramento/
Rivera e em Acegu-Brasil/Acegu-Uruguai), uma rua, aduana, ponte ou
quartel, por onde passam os fluxos de pessoas (turistas, caminhoneiros,
moradores de rea, contrabandistas, traficantes, etc.); de mercadorias (lcitas
ou ilcitas); bem como os fluxos no materiais.
Onde existem fluxos com ao humana acabam sendo estabelecidasredes. Santos (1996) afirma que uma rede , simultaneamente, uma realidade
material, definida formalmente e retratando, por exemplo, a infra-estrutura que
permite transporte de matria, energia ou informao,
e que se inscreve sobre um territrio onde se caracteriza a
topologia dos seus pontos de acesso ou pontos terminais, seus
arcos de transmisso, seus ns de bifurcao ou de comunicao.
Mas a rede tambm social e poltica, pelas pessoas,
mensagens, valores que a freqentam. Sem isso, e a despeito
da materialidade com que se impe aos nossos sentidos, a rede
, na verdade uma mera abstrao. (Santos, 1996, p.209)
Para Arroyo (1995) o sistema econmico internacional acentuou duas
tendncias nos ltimas dcadas: a globalizao e regionalizao da economia;
e a complementaridade entre ambas transformou o cenrio mundial. Courlet
(1996), por sua vez, destaca que o processo de globalizao traz consigo
uma grande plasticidade de estruturas, conferindo uma grande margem de
ao no territrio. Assim, o fenmeno da globalizao permite apreender o
processo de recomposio dos espaos em suas mltiplas dimenses,
espaos estes que participam de emergncia de novas modalidades de ao
poltica, nas quais a fronteira cumpre um papel importante. Vimos assim, mais
uma vez, fortalecida a idia de que a fronteira mltipla em suas funes e
significados, que no se constitui em obstculos e que, graas, a ela, o
capitalismo evolui, separa, diferencia, regula e se otimiza.Heresche (apud Courlet, 1996) destaca as solidariedades transfronteirias
ou inter-regionais geradas a partir da necessidade de administrar
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conjuntamente problemas comuns, visto que, em funo da globalizao, novos
problemas ou questes surgem ou se amplificam. Nesse momento, transferir
ou dividir responsabilidades para atores locais dever resultar em um espao
mais funcional e apto a responder eficazmente aos problemas. Essa percepopode se estender a outros problemas na regio de fronteira como, por exemplo,
os problemas advindos da necessidade de ateno sade para essa
populao. Nesse jogo de recomposies a fronteira pode desempenhar um
importante papel se valorizadas e revitalizadas suas potencialidades.
Para Melo (1997) as prticas hoje dominantes no mundo so aquelas
que priorizam o capital em detrimento do homem. Santos (1995) aponta como
possibilidade de mudana a retomada do dilogo entre os povos e o resgate
de idia da humanidade, a partir da crtica e anlise concreta da noo deintegrao, substituindo-a pela de unio. Para ento, retomando Melo (1997),
delimitar os tipos de fronteiras que precisamos e que queremos manter, e
aquelas que precisamos superar.
A partir destas referncias iniciais podemos introduzir o texto que segue. No
prximo item se encontra uma breve reviso terico-conceitual sobre os temas
da produo do espao em territrios transfronteirios. A seguir so apresentados
trs estudos de caso. Todos se originam de monografias de concluso do Cursode Especializao de Equipes Gestoras de Sistemas e Servios de Sade,
financiado pelo Ministrio da Sade do Brasil, com apoio da OPAS, orientadas
pelo Prof. Aldomar Rckert (Geografia/UFRGS). O que esses estudos tm em
comum, alm de se referirem gesto da sade em territrios de fronteira, a
preocupao com a supresso de barreiras fsicas e formais em benefcio da
valorizao da vida, independente da nacionalidade daqueles que precisam de
servios e/ou aes de sade. Como pano de fundo comum aos trs casos se
apresenta uma breve sntese da organizao dos sistemas de cada pas, comfoco no acesso ateno sade; e uma contextualizao sobre como o tema
da sade tem sido abordado no processo de construo do Mercosul.
No primeiro estudo, realizado por Tas Delgado Brandolt Aramburu, e
complementado pelas informaes contidas no Projeto Camioneiros, de
autoria de Tas em parceria com Rose Maria Tinn, so realizadas reflexes
sobre o enfrentamento dos desafios da epidemia de AIDS na faixa de fronteira
dos municpios de Uruguaiana/Brasil, Paso de los Libres/Argentina e BellaUnin/Uruguai. Esta rea tem a particularidade e relevncia, para o tema da
AIDS, de ser o maior porto seco da Amrica Latina, com um trnsito de
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aproximadamente 1.000 caminhes por dia e grande interao entre as
populaes, envolvendo tambm o estabelecimento de atividades legais e
ilegais (contrabando de mercadorias, trfico de drogas, prostituio,
criminalidade, etc.). Fatores contribuintes ao incremento da vulnerabilidade infeco pelo HIV.
O estudo realizado por Traudie Cornelsen aborda a gesto da ateno bsica
da sade no caso de Acegu/Brasil e Acegu/Uruguai. Em uma fronteira delimitada
apenas por marcos, com a Avenida Internacional sendo o que divide as duas
cidades, os usurios de servios de sade procuram ateno em ambos os pases,
predominando a demanda por cuidados no lado brasileiro. Entre outros aspectos,
esse estudo mostra a necessidade de se avanar nas negociaes para unificao
ou complementao de servios em reas de fronteira aberta, como nesse caso,especialmente em decorrncia das desigualdades quanto ao acesso a servios
existentes entre os pases em questo.
Cludia Maria Scheffel Corra da Silva aborda uma iniciativa oficial, a
Semana de Vacinao nas Amricas. Novamente, tendo como pano de fundo
as diferenas entre os sistemas de sade desses dois pases, o estudo
evidencia como diferentes prioridades nacionais interferem na concretizao
dessa ao.
A produo do espao no contexto das fronteiras do Mercousl
Conforme Rckert e Misoczky (2002, p. 67) as clssicas divises em
regies administrativas representam uma simplificao da noo de territrio.
Elas ignoram que h uma espacialidade contida na existncia humana que
est muito alm do espao banal (ou concreto) e do gerenciamento do poder
pelas organizaes governamentais.
Sabe-se, de longa data, que as cincias humanas e sociais
tratam do Estado, dos governantes e das polticas pblicas e
privadas que afetam o cotidiano das populaes e seus
territrios. Assim, Estado, populao e territrio tm formado
uma trade basilar clssica presente nas preocupaes dos
gestores da coisa pblica. Diferentes atores produzem o espao,
reestruturam o territrio atravs da prtica de poderes/polticas/
programas estratgicos, gesto territorial, enfim, (...) imprimindoassim novos usos do territrio. Interpretar o poder relacionado
com o territrio significa relacion-lo capacidade dos atores
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de gerir, implantar polticas de interesse das coletividades, com
incidncia estratgica no territrio. (Rckert, 2003, p.1)
Portanto, o territrio formado e delimitado por atores - pessoas/
coletividades - interessados nas mais diversas reas e usos dos espaos fsicos.Ou seja, os atores sociais produzem o territrio, partindo da realidade inicial
dada, que o espao. O territrio torna-se manifestao de poder de cada um
sobre uma rea precisa, resultando da que o territrio um produto das aes
da coletividade (Raffestin, 1993). A apropriao de um espao, a territorializao
com o resultado da ao conduzida por um coletivo, resulta do fato de que o
Estado e as organizaes da sociedade produzem o territrio, atravs da
implantao de novos recortes e ligaes. O territrio torna-se, ento,manifestao de poder de cada um sobre uma rea precisa. Sendo assim, as
fronteiras, como todo e qualquer territrio, resultam de relaes de poder.
Segundo diversos autores, uma das caractersticas dessa relao a da
imposio de decises a partir de atores afastados, fsica e culturalmente, do
contexto das fronteiras. Na maioria das vezes decises e modelos de
interveno vm prontos do nvel central, ou seja, as regras sobre como uma
determinada poltica dever ser executada so tomadas longe do gestor que
ir execut-las. com razo que na fronteira surge a expresso ... a capitalno conhece a fronteira..., com freqncia usada para indicar o desagrado
diante de discusses e propostas dirigidas s reas fronteirias, mas geradas
no mbito dos rgos estaduais ou federais sediados fora da fronteira.
O chamado marco de fronteira , na verdade, um smbolo visvel do
limite. Visto desta forma, o limite no est ligado presena de gente,
sendo abstrao generalizada na lei nacional, sujeita s leis
internacionais, mais distantes, freqentemente, dos desejos easpiraes dos habitantes da fronteira. Sendo assim, o municpio
no tem autonomia de tomar decises, modificar as regras e, sim,
ele se torna um mero executor de tarefas muitas vezes complexas
para a sua estrutura, ou seja, o que resolve os problemas no nvel
local. (Machado, 1998, p. 42)
Sob a mesma tica, Lotta (2003) considera que, dada a fraqueza do poder
municipal e, muitas vezes, sua incapacidade, na medida em que assumeresponsabilidades isoladamente, necessita buscar a cooperao entre municpios,
o que leva a seu fortalecimento. Pode-se, ento, sugerir que se os municpios
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de fronteira se unissem e trabalhassem em cooperao e/ou troca, seriam
fortalecidos e seus servios certamente teriam maior qualidade e
resolutividade.
Para aqueles que vivem na fronteira, ela algo que faz parte do seu diaa dia, algo bonito e interessante e, ao mesmo tempo, algo complexo que
os deixa muitas vezes sem saber como agir. Fronteira, que num momento
representa um corte e no outro representa uma abertura, ou seja, permite, e
ao mesmo tempo, impede limita. Segundo Schffer (1994, p. 150), para as
populaes locais, a questo fronteira torna-se presente no lugar de trabalho,
na origem de muitos moradores, na procura de servios e de abastecimento,
um dado do cotidiano e da sua situao de vida.
No contexto atual a regio fronteiria passa por profundas modificaes,deixando de ser associada idia de limite poltico e geogrfico separando
duas naes, para representar um territrio de integrao regional.
Para esse novo momento da economia mundial, de mximo
avano da expanso capitalista, pe-se em pauta a existncia
dos espaos nacionais e o papel de suas fronteiras, cada vez
mais norteadas por centros de deciso que esto distantes. O
principal alinhamento na questo fronteira diz respeito aodesmoronar do significado das fronteiras rgidas e militarizadas
e o apelo intensificao da cooperao e da integrao
transfronteiria. (Schffer, 1995, p.79)
Neste momento a fronteira muda radicalmente seu papel. No entanto, esse
dinamismo no emanou da vontade da populao local, mas resultou de
mudanas no processo econmico em escala mundial. Segundo Martin (1994,
105) blocos de pases () vm se formando, nos quais os Estados nacionaisabrem mo de algumas prerrogativas tpicas da soberania, em favor da formao
de mercados mais amplos e da multiplicao das oportunidades de
investimentos. Schffer (1995, p. 83) situa o Mercosul
como um procedimento inserido nesse quadro internacional de
globalizao da economia, exigente de uma rearticulao regional
e que empurra as economias do continente ideologia neoliberal,
centrada no livre mercado (tecnolgico, informatizado, terceirizado,produtivo e competit ivo) e permissiva aos invest imentos
estrangeiros
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Segundo esta mesma autora (1995, p. 83), no caso meridional no houve
nenhuma transformao produtiva dinmica que permitisse incorporar ao territrio
tecnologia, informao e renda. Tal situao aumenta ainda mais os problemas
j vivenciados pela classe trabalhadora da regio fronteiria. A mo-de-obra aexistente , via de regra, pouco qualificada profissionalmente, contrastando com
as exigncias do mercado. A produo dar-se- a partir dos grandes centros,
ficando esta rea como corredor de passagem.
So raras as atividades novas e, no raro, tm diferente perfil na
exigncia de trabalhadores. No de estranhar, portanto, que
alguns dos municpios da fronteira meridional e dos departamentos
uruguaios do norte, ao receberem novos empreendimentos, pouco
representem na absoro de trabalhadores, que muitas vezes
so recrutados e levados de Porto Alegre ou de Montevidu.
(Schffer, 1995, p.83-84).
Em conseqncia, a situao de miserabilidade, j vivenciada pela maioria
da populao residente nos dois lados da fronteira, tender a se agudizar.
O comrcio, baseado nas diferenas cambiais e no trabalho informal, faz parte da
cultura regional e de certa forma ameniza a difcil situao econmica das famlias
daquele territrio. Conforme Schffer (1994, p. 154) as condies de renda,geradas no interior das relaes sociais que orientam a produo e o trabalho,
explicam o quadro geral de carncias que so impostas maior parte dos
residentes e as enormes dificuldades que se apresentam para a reverso desse
quadro no curto prazo.
Na transformao recente, na reduo e precarizao dos postos
de trabalho comea a desenhar-se uma acidez de convivncia ()
que resulta em ver o antes vizinho como um estrangeiro que capturalugares escassos de trabalho, que reduz salrios e que bloqueia as
esperanas de uma vida melhor. So espezinhados os pees das
lavouras de arroz que acompanham os arrozeiros do Rio Grande do
Sul, no avano dessa lavoura em terras uruguaias; so constrangidos
os trabalhadores das firmas de construo civil que provocam a
migrao de trabalhadores brasileiros (sem documentos, sem
sindicatos) para as cidades argentinas. (Schffer, 1995, p.89)
Esse contexto, certamente coloco novos e profundos desafios para os
gestores de polticas pblicas em territrios de fronteira.
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A ORGANIZA O DOS SISTEMAS DE SADE DA
ARGENTINA, BRASIL E URUGUAI
Argentina
A Argentina uma repblica federal, constituda por 23 provncias e umaCapital Federal, e por aproximadamente 1.600 municpios. A Constituio
Nacional constitui a lei suprema e as suas disposies devem sujeitar-se toda
a legislao, seja nacional, seja provincial. A sade uma das reas no
delegadas pelas provncias ao governo central. Assim, pela Constituio, as
provncias argentinas tm autonomia em matria de sade.
O sistema de sade tem trs subsetores: pblico, privado e da seguridade
social. Os dois ltimos fortemente conectados entre si pelo sistema indireto
de contratao de servios. Tal sistema de sade (Piola e Cavalcante, 2004)
pode ser definido como abrangente em termos de cobertura, segmentado em
relao ao nmero de fundos de financiamento e de relaes interinstitucionais,
e caracterizado por um elevado estgio de separao entre as funes de
financiamento e proviso de servios.
O subsetor pblico integrado pelas estruturas administrativas provinciais,
municipais e nacional - responsveis pela conduo setorial em suas
respectivas reas de competncias, e pela rede pblica de prestao deservios. Ou seja, as provncias so responsveis pela proteo e assistncia
sade da populao. Os municpios podem realizar aes de sade de
forma independente, o que ocorre principalmente, entre os municpios de maior
poder econmico e peso demogrfico (OPAS, 1998a). Cerca de 43% da
populao depende de oferta pblica hospitais e centros de sade.
As obras sociais so as entidades encarregadas da gesto da seguridade
social. Subdividem-se em Obras Sociais Nacionais e Obras Sociais Provinciais,
distribudas em quase 300 entidades de distinta magnitude e importncia,
que do cobertura a uma populao de aproximadamente 18 milhes de
pessoas (OPAS, 2003a). As obras sociais nacionais atuam, basicamente, como
agncias gerenciadoras de recursos, uma vez que a prestao de servios
feita, majoritariamente, por meio de contratos com o setor privado. Cobrem
uma populao de aproximadamente 12 milhes de pessoas. So financiadas
com aportes dos trabalhadores e contribuies dos empregadores (Leis 23.660
e 23.661) sobre a folha de salrio.A Argentina conta com 23 Obras Sociais Provinciais OSPr, bastante
heterogneas entre si. Foram criadas por leis e decretos dos respectivos governos
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provinciais para atender aos empregados pblicos e seus familiares, incluindo
tambm os trabalhadores das municipalidades integrantes da provncia. As OSPr
no contam com estruturas que promovam redistribuio de fundos, que
estabeleam pacotes bsicos de servios ou mecanismos homogneos defiscalizao e qualidade da ateno. Cobrem 5,2 milhes de beneficirios que
correspondem, aproximadamente a 14% da populao (Piola e Cavalcante, 2004).
O subsetor privado inclui a oferta de profissionais de sade
independentes e estabelecimentos de sade, tais como hospitais e clnicas
privadas, etc. A insero das entidades de medicina pr-paga no sistema de
sade se faz de diferentes formas: como contratantes de seguros mdicos
individuais privados; como contratantes do gerenciamento de servios para
a populao vinculada a uma obra social; como entidades fornecedoras deservios complementares ou suplementares aos oferecidos pelas obras
sociais. A populao total coberta por planos e seguros de sade privados
era de cerca de 2,7 milhes de pessoas em 2001. Destes, 71,2% estavam
associados a entidades de medicina pr-paga, 15,5% a afiliados de obras
sociais de direo, na qualidade de segurados voluntrios, e 13,3% a
hospitais de comunidade.
Dados da OPAS (2003a) indicam a existncia de 270 instituies demedicina pr-paga, sendo 80 agrupadas em cmaras (CIMAPA e ADEMP
Associao Entidades Medicina Privada) e 190 no vinculadas. Destas, 158
se localizam em Buenos Aires e regio metropolitana e as demais no restante
do pas. Dez empresas lderes mantm 50% do faturamento e 40% dos
afiliados. Ainda conforme a OPAS (2003a), com exceo s provncias de
Chaco e Santa F, no existe uma regulao especfica para as instituies
de medicina pr-paga. A proteo dos usurios deste subsistema feita pela
Lei de Defesa do Consumidor, sob o controle da Secretaria de Comrcio.A poltica de medicamentos foi gerada em resposta profunda crise de
2002, refletida em grande desabastecimento setorial. Para enfrentar a situao
o Ministrio da Sade tomou duas importantes medidas: iniciou polticas de
prescrio de medicamentos pelo nome genrico; e desenvolveu o Programa
Remediar, que distribui 26 medicamentos genricos em 34 apresentaes
para o tratamento de doenas de maior prevalncia na populao mais carente.
Existe uma proposta de tratamento antiretroviral para todos os doentes. Porm,periodicamente tem acontecido dificuldades quanto fluidez do acesso aos
medicamentos atravs das vias oficiais (OPAS, 2003a).
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Brasil
O Sistema de Sade vigente no Brasil o Sistema nico de Sade SUS. Os
princpios e diretrizes do SUS esto garantidos pela Constituio Federal de 1988
e pela Lei Orgnica da Sade (Lei n 8.080/90). O artigo 196 de nossa ConstituioFederal afirma que a sade um direito de todos e um dever do Estado.
Esse sistema prev que todo atendimento prestado ao cidado que dele
necessitar deve ser realizado de forma igualitria, universal, e gratuita. Na
sua origem, o SUS se caracteriza por ser solidrio, pois toda a populao tem
acesso universal. O sistema de sade tem entre os seus princpios, alm da
universalizao da prestao de servio de sade, a descentralizao do
atendimento, a regionalizao e a hierarquizao dos servios de sade, a
integralidade das aes e a participao popular atravs de representantes
da sociedade organizada nos conselhos e conferncias de sade.
No Brasil todo o cidado tem direito s informaes sobre seu estado de
sade; a participar, por meio de suas organizaes, dos Conselhos de Sade
(nos trs nveis de governo); ao acesso a medicamentos e ao tratamento
necessrio para manter e recuperar sua sade; internao nos hospitais
pblicos ou que prestam servios para o SUS. Todas as aes e servios
devem ser prestados sem qualquer cobrana de taxa diretamente do usurio.Tambm est organizado, no pas, um sistema de sade suplementar,
composto por empresas operadoras de planos e seguros de sade. O acesso
a esses servios se d por compra direta ou atravs de contratos coletivos
vinculados a planos empresariais.
Uruguai
La Constitucin de la Repblica establece que el Estado legislaren todas las cuestiones relacionadas con la salud e higiene
pblicas procurando el perfeccionamiento fsico, moral y social
de todos los habitantes del pas (...) Todos los habitantes tienen
el deber de cuidar su salud, as como el de asistirse en caso de
enfermedad. El Estado proporcionar gratuitamente los medios
de prevencin y asistencia tan solo a los indigentes o carentes de
recursos suficientes. (OPAS, 1998b, p.564)
Como se pode perceber, o sistema focaliza a ateno sade gratuita
apenas para a populao carente de recursos, prevendo acesso e assistncia
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no remunerada somente para os considerados indigentes. Para receber esse
benefcio precisam comprovar, junto ao Ministrio de Sade Pblica (MSP),
seu estado de pobreza, para s ento ter direito ao carne de salud.
Integram o sistema pblico os hospitais do MSP, da Sade das ForasArmadas, da Sade do Servio Policial, o Banco da Previdncia Social,
Municpios, Servios Mdicos de Empresas Pblicas e Hospital de Clnicas.
funo do MSP o controle e regulao do setor, desenvolver programas
preventivos e administrar seus servios assistenciais (Uruguay, 2002).
O sistema privado composto pelas Instituies de Assistncia Mdica
Coletiva (IAMC) organizaes de seguro pr-pago de ateno integral, os
Sanatrios Privados, Emergncias Mveis, Seguros Parciais e Servios de
Diagnstico e Tratamento. As Instituies de Assistncia Mdica Coletiva (IAMC),por cobrirem em torno de 55% da populao (Uruguay, 2002).
Quanto aos medicamentos, a populao possuidora do carne de salud
tem acesso sem pagamento direto. As vacinas so aplicadas em servios
pblicos ou privados. O programa de imunizaes se realiza atravs do
Programa Ampliado de Imunizaes (PAI), sendo que a direo do mesmo
competncia da Departamento de Vigilncia Epidemiolgica do MSP. As
vacinas do PAI so aplicadas gratuitamente a toda a populao alvo e tem
carter obrigatrio (OPAS, 1998b).
Como se constata, o sistema estratificado em parcelas da populao. A
primeira, que no pode pagar pela ateno sade, utiliza-se do setor pblico.
Existe uma parcela intermediria coberta pelas mutualistas. Uma ltima, de
renda mais alta, paga pelos servios das mutualistas e por outros servios,
como os de emergncia, o que caracteriza uma complementao da assistncia
entre diferentes provedores.
SADE NO MERCOSUL
Com o surgimento do Mercosul, mesmo sabendo-se que trataria de
questes econmicas, surge tambm a esperana da organizao da sade
para os municpios de fronteira dos pases participantes.
Segundo a Resoluo n 151/96 do Grupo Mercado Comum, o subgrupo
da sade tem como tarefa geral:
Harmonizar as legislaes dos Estados membros referentes aosbens, servios, matrias primas e produtos na rea da sade,
os critrios para a vigilncia epidemiolgica e controle sanitrio
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com a finalidade de promover e proteger a sade e vida das
pessoas e el iminar os obstculos do comrcio regional,
contribuindo dessa maneira ao processo de integrao.
Ao longo dos ltimos anos foram realizados vrios eventos e reuniesimportantes no Brasil, Uruguai e Argentina para avanar nas questes de sade
para os municpios de fronteira:
4 a reunio em Buenos Aires, em 2000, com pauta voltada para vigilncia
epidemiolgica;
4 a reunio no Uruguai, em 2001, para harmonizar o esquema
teraputico para profilaxia de doenas transmissveis;
4 a reunio no Uruguai, em 2002, com pauta ampla, como a formao
de grupos de trabalho para a criao de um sistema de informaes
comum, aes para preveno e erradicao de doenas
transmissveis, prestao de servios na fronteira, aes de vigilncia
sanitria, imunizaes e circulao de ambulncias na fronteira;
4 a reunio em Buenos Aires, em 2002, com pauta de harmonizar a
vigilncia epidemiolgica de surtos e doenas transmitidas por
alimentos, incluso nas planilhas de notificao Mercosul de dados
comuns;4 a reunio ampla em Santana do Livramento, Brasil, em 2003, com a
participao de tcnicos da Secretaria Estadual de Sade, Secretarias
Municipais de Sade, Ministrio da Sade, Subgrupo da Sade do
Mercosul, Comisso Nacional de Secretrios Municipais de Sade,
representantes dos consulados e embaixadas, Ministrio de Relaes
Exteriores e outros, para propor e operacionalizar aes conjuntas
estratgicas para a melhoria da qualidade de vida das populaes
fronteirias de acordo com os problemas de sade detectados nosmunicpios de fronteira Brasil-Uruguai.
Por sua vez, o Governo de Estado do Rio Grande do Sul, sensibilizado
com as questes de sade dos municpios de fronteira, assinou em julho de
2003 Resoluo n 82/2003 CIB/RS que define um repasse de 70% (setenta
por cento) do valor correspondente aoper capitaa mais para municpios de
fronteira, para efetivao da vigilncia epidemiolgica e controle de doenas.
Em 2003 surge o Ajuste Complementar ao Acordo Bsico de CooperaoTcnica, Cientfica e Tecnolgica entre o Governo da Repblica Federativa
do Brasil e o Governo da Repblica Oriental do Uruguai para a sade na
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fronteira, que visa a criao e implementao da Comisso Binacional
Assessora da Sade na Fronteira Brasil-Uruguai, tendo como objetivos:
fortalecer os Comits de Fronteira na rea da sade, propor estratgias,
elaborar, avaliar e acompanhar os Planos de Trabalho, implementar projetosde cooperao, formao de recursos humanos, promoo de intercmbio e
discusso dos Sistemas de Sade dos pases.
Em agosto de 2003 o Governo do Estado do Rio Grande do Sul assina a
portaria n 41/2003, que cria o Grupo de Trabalho da Secretaria da Sade do
Estado para Assuntos de Fronteira, cujas atribuies so participar da
elaborao de propostas binacionais, apoiar as Coordenadorias Regionais
de Sade nas aes de Ateno e Vigilncia em Sade comuns entre os
pases; realizar levantamento situacional da sade da populao fronteiria.Apesar de todos os esforos realizados para a organizao de aes
conjuntas na fronteira, existem poucos resultados concretos. Para avanar
preciso enfrentar as diferenas mais marcantes entre os sistemas de sade
dos pases. Entre essas se encontram as diferenas no padro de remunerao
de servios e a necessidade de estabelecer relaes financeiras de
reciprocidade (Dain, 2004). Enquanto isto no acontece, os gestores e
trabalhadores de sade de territrios fronteirios esto construindo, no seu
cotidiano, formas de integrao orientadas por princpios como a solidariedade
e a valorizao da vida. Algumas dessas situaes sero narradas a seguir.
Registre-se que elas so contadas por brasileiros, e esto impregnadas dessa
situao. Ainda que incorporem vozes argentinas e uruguaias, atravs de
entrevistas e anlise de documentos, continuam sendo narrativas brasileiras.
O combate disseminao do HIV/Aids na trplice fronteira:
Uruguaiana/Brasil, Paso de los Libres/Argentina, Bella Unin/UruguaiO municpio de Uruguaiana localiza-se s margens do rio Uruguai, na
fronteira com a Argentina e a 70 km da fronteira com o Uruguai. A cidade
lindeira Paso de los Libres, com 130.000 habitantes, localizada 634 km de
Porto Alegre, 400km de Corrientes, capital da Provncia, e 700km de Buenos
Aires. Bella Unin est localizada a 70 km, por via rodoviria, de Uruguaiana.
Devido sua posio geogrfica, Uruguaiana se constitui no maior porto
seco da Amrica Latina, exercendo importante funo no processo deintegrao do Mercosul. Na Ponte Internacional Getlio Vargas que liga
Uruguaiana a Paso de los Libres, o trnsito de caminhes nos ltimos dez
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anos foi de aproximadamente 200.000/ano. No perodo da crise na Argentina
houve uma reduo para uma mdia diria de 700 caminhes; em 2004 o
fluxo est em uma mdia de 1.000/dia.
A situao singular de fronteira, com grande trnsito e interao entre aspopulaes das cidades pares proporciona, na mesma medida, o
estabelecimento de atividades legais e ilegais. Dentre estas, podemos citar
contrabando de mercadorias, uso e trfico de drogas, prostituio (inclusive
infantil), marginalizao, criminalidade, etc. Fatores estes que, aliados,
contribuem para aumentar a vulnerabilidade e infeco pelo HIV - entendendo
vulnerabilidade como as diferentes chances que cada pessoa, ou grupo
especfico, tem de se contaminar ou de se proteger do vrus. Estudos
comprovam que em vrios pases da frica, e tambm da sia, as populaessituadas em reas de fronteira apresentam maior incidncia de infeco pelo
HIV do que as reas afastadas das fronteiras.
A pesquisa A Aids nas fronteiras do Brasil (Brasil, 2003) observa que o
combate a esta epidemia, especificamente nas regies de fronteira, um
desafio de difcil abordagem, por incluir uma srie de fatores inter-relacionados
que definem a velocidade e intensidade com que a epidemia se expande.
Dentro esses fatores: grupos migrantes podem promover aumento devulnerabilidade, tanto para eles quanto para as comunidades locais;
caminhoneiros e profissionais do sexo tm presena marcante na fronteira de
Uruguaiana, ambos com pouco acesso a informaes sobre sexualidade e
doenas sexualmente transmissveis; os profissionais do sexo so
especialmente vulnerveis violncia, disseminao do HIV, perda de direitos
sociais e humanos. H que se mencionar tambm o problema da prostituio
infantil, conseqncia comum da falta de opes de trabalho, educao,
estrutura familiar, lazer, etc.A Secretaria Municipal de Sade e Meio Ambiente, de Uruguaiana, atravs
da Coordenao Municipal DST/Aids, aguardou durante anos a efetivao de
um acordo internacional entre o Brasil, Argentina e Uruguai que contemplasse
aes de sade em cooperao entre os pases. No ano de 2004, tendo em
vista a demora nas negociaes e considerando a impossibilidade de no atender
aos vizinhos argentinos e uruguaios necessitados de assistncia, iniciou o
atendimento universal aos demandantes pelos servios de sade,independentemente de sua nacionalidade, proporcionando-lhes o mesmo
atendimento dispensado aos brasileiros. Entretanto, ainda so poucos os
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usurios argentinos e uruguaios, uma vez que no feita nenhuma divulgao
oficial quanto disposio e possibilidade de atendimento.
A experincia tem como objetivos fomentar polticas internacionais amplas,
estabelecendo aes conjuntas entre Brasil, Argentina e Uruguai. Alm distoprocura, especificamente com relao epidemia pelo HIV/Aids, garantir
impacto positivo das aes na epidemia nas reas de fronteira; planejar aes
especficas destinadas s populaes fronteirias portadoras do vrus ou
doentes, em especial para as cidades de Paso de los Libres e Bella Unin,
distantes dos centros de atendimento de seus pases. Os recursos disponveis
para a realizao do programa so a prpria capacidade instalada j existente
e utilizada no programa municipal, que mantido com 70% de recursos do
Plano de Aes e Metas do Governo Federal (PAM) e 30% de recursosoramentrios do municpio. A Coordenadoria Municipal DST/Aids est
organizada da seguinte forma:
4 Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA) uma educadora, uma
psicloga, uma bioqumica, uma auxiliar de enfermagem e pessoal
administrativo;
4 Servio de Assistncia Especializada em Aids (SAE) uma enfermeira,
uma psicloga, um pneumologista, um neurologista, duasginecologistas obstetras, duas pediatras, um dermatologista, uma
odontloga, um infectologista, uma auxiliar de enfermagem e pessoal
administrativo;
4 Unidade de Preveno uma psicloga e uma enfermeira.
No CTA as pessoas que chegam so testadas conforme rotina de servio
e, se positivas, recebem o resultado confirmatrio em at cinco dias teis. No
SAE, recebem assistncia de uma equipe multiprofissional, realizam exames
bioqumicos, contagem de linfcitos CD4 e CD8, carga viral, recebemmedicamentos para infeco oportunista e terapia antiretroviral, participam de
grupo de auto-ajuda e grupo de arteterapia. Um casal de pacientes comear a
dar aulas de espanhol para a equipe que trabalha com preveno na Estao
Aduaneira de Fronteira. Dizem eles ser esta uma forma de agradecer a
assistncia recebida.
A Unidade de Preveno desenvolve os seguintes projetos: Fundao de
Assistncia Scio-Educativa (FASE - antiga Febem) com CTA itinerante; exrcito;Penitenciria Modulada com CTA itinerante; profissionais do sexo, orientao
sexual para adolescentes, caminhoneiro.
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Esse ltimo projeto de interesse especial, em funo da intensidade do trnsito
na regio. O CTA itinerante (nibus equipado com sala de coleta e demais
dependncias necessrias para a atividade) se desloca para o Porto Seco Rodovirio
todas as sextas feiras, onde realiza testagem de HIV e sfilis, bem como aespreventivas - orientaes individuais, pr e ps-teste; coletivas em pequenos grupo;
distribuio de impressos (em portugus e espanhol) e preservativos. Essas
atividades vem se desenvolvendo desde 2000, em parceria com a Agncia Nacional
de Vigilncia Sanitria (ANVISA) e com o Posto Aduaneiro de Fronteira/RS. Os
resultados dos testes so entregues no CTA da Secretaria de Sade, em horrios
alternativos, adequados para os caminhoneiros. Alm disso, diariamente os
servidores da ANVISA desenvolvem aes de orientao junto a estes, com relao
a diversas doenas transmissveis com destaque para as sexualmentetransmissveis, alm de cuidados de higiene, alimentar e pessoal.
A experincia no municpio de Uruguaiana remete reflexo sobre os
espaos contnuos de territrios vividos. Municpios de fronteira podem realizar
intervenes efetivas para o enfrentamento do HIV/Aids mas, para tanto,
fundamental o apoio e articulao do Ministrio da Sade/ Programa Nacional
DST/Aids do Brasil, com os Ministrios da Sade dos pases membros do
Mercosul, para potencializar as aes e a capacidade de captar recursos junto
aos agentes financiadores internacionais. Algumas possibilidades incluem a
harmonizao da legislao nos pases limtrofes; consrcios internacionais
possibilitando o atendimentos dos cidados das diferentes nacionalidades,
com ressarcimento financeiro entre os pases; contatos diplomticos visando
possibilitar a construo de laboratrios comuns em regies de fronteira, entre
tantas outras. Sem alguns passos na direo de uma maior articulao, os
esforos do programa brasileiro e, em especial, dos municpios de fronteira,
continuaro tmidos e, por isso, com impacto reduzido.
A ateno bsica sade em Acegu/Brasil e Acegu/Uruguai
As cidades gachas localizadas prximo da linha de fronteira sul
e sudoeste () encontram, face a face, ncleos urbanos que
representam o contraponto do pas vizinho ao avano territorial
portugus e, mais tarde, brasileiro. Assim, surgiram alguns pares
de cidades ou cidades gmeas. Ncleos urbanos que tmcontinuidade na planta urbana do pas vizinho, atravs da fronteira
seca. (Schffer, 1994, p.152)
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Acegu1est situada a 60 km da cidade de Melo, no Uruguai, e a 60 km
da cidade de Bag, no Brasil. A extenso territorial da fronteira de Acegu/
Brasil com a Repblica Oriental do Uruguay de 65 km. Segundo dados do
IBGE a populao estimada do municpio brasileiro, em 2003, era de 4.034habitantes, com cerca de 24% (970 pessoas) residindo na rea urbana. O
municpio uruguaio conta com uma populao de aproximadamente 1.500
habitantes. Como comum em reas de fronteira, muitos brasileiros (em torno
de 1.000 pessoas) moram no Uruguai, nas cidades prximas e nos arredores
de Acegu.
Acegu se emancipou de Bag em 1996, tendo sido instalado como novo
municpio somente em 2001. Acegu/Uruguai se tornou villa em 1986. As
cidades esto separadas somente por uma avenida, formando o que se chamade fronteira seca. A zona urbana de uma se confunde com a de outra. A
populao transita livremente de um lado para outro, tendo sua moradia, local
de trabalho, e outras atividades, localizados onde lhes mais conveniente.
A narrativa que segue foi realizada a partir das vivncias da autora
Traudie Cornelsen, de entrevistas com os gestores dos dois municpios, com
profissionais de sade da Unidade Bsica de Sade (UBS) de Acegu/Brasil
e da Policlnica de Acegu/Uruguai, bem como com 207 usurios 173
brasileiros e 34 uruguaios. A amostra foi baseada na mdia dos atendimentos
a usurios brasileiros e uruguaios realizados na UBS em 2003.
A equipe de sade que atende na UBS composta por um clnico geral,
um pediatra, um supervisor mdico que tambm atende ginecologia e
obstetrcia, um cirurgio dentista, uma enfermeira, uma psicloga, uma
fisioterapeuta, duas auxiliares de enfermagem. Com a implantao do
Programa de Sade da Famlia (PSF) a equipe conta com mais uma mdica,
uma auxiliar de consultrio dentrio e seis agentes comunitrios de sade.A UBS atende usurios brasileiros e, em menor nmero, uruguaios
(Quadro 1). Devido grande demanda de usurios brasileiros, os servios de
psicologia e fisioterapia s so oferecidos a esses. O documento exigido na
recepo para o atendimento a carteira de identidade.
1 O nome Acegu Yace-guab de origem Tupy Guarani e possui vrios significados: Lugar de DescansoEterno, fazendo aluso ao lugar para onde os ndios que povoavam essa regio, levavam seusmortos (cemitrio); Terra Alta e Fria, possivelmente pela altura de suas elevaes; e ainda uma
denominao mais potica Seios da Lua , por seus cerros altos (Serra de Acegu). Existe tambmuma lenda em torno do nome Acegu : foi um mascote aragano, um mocito castelhano, queperambulando na regio a noite, escutando um grito saindo da goela de um sorro, disse pedindosocorro: hay um bicho que hace gu (existe um bicho que faz gu).
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Quadro 1 Porcentagem de atendimentos a cidados uruguaios na UBS 2001 a 2003
Ano/Tipo de atendimento (%) Mdico Odontolgico Enfermagem
2001 11,5 26,1 6,6
2002 13,1 12,5 7,7
2003 11,8 12,1 8,4
Fonte: Secretaria Municipal de Sade e Assistncia Social de Acegu/Brasil
A ateno bsica de sade em Acegu/Uruguai realizada pelos setores
pblico e privado. A Policlnica, pertencente ao Ministrio de Sade Pblica,
conta com uma clnica geral, um especialista em medicina familiar e comunitria,
uma ginecologista obstetra. Os usurios precisam, obrigatoriamente, apresentar
o Carn de Assistncia liberado pelo Ministrio de Sade Pblica e, para tal,
precisam ter a cdula de identidade uruguaia. Brasileiros s so atendidos setiverem Carn e/ou cdula de identidade estrangeira, ou se a situao for uma
emergncia. Uma vez por ms, o Centro de Imunizaes envia seus vacinadores
para Acegu, a fim de cumprir o programa nacional de imunizaes. O servio
de sade pblica de Acegu/Uruguai no possui estatsticas de atendimentos
mdicos e de enfermagem, nem de doenas ocorridas com maior freqncia e
causa de bitos. O setor privado conta com a Policlnica CAMCEL (Cooperativa
de Assistncia Mdica Cerro Largo), com um especialista em medicina familiare comunitria. Os usurios so filiados em geral e seus familiares que tenham
convnios para assistncia. Em situaes de emergncia tambm so atendidos
no filiados, usurios do Ministrio de Sade Pblica e cidados brasileiros.
Os dois gestores de sade residem em Acegu/Uruguai. Questionados
sobre o fornecimento de medicao para os usurios, ambos consideram que
deve ser responsabilidade de cada pas a no ser em casos de urgncia e
emergncia. Da mesma forma quanto aos exames, deveriam ser disponibilizados
em cada pas. Na rea da preveno Acegu/Brasil dispe de completo servio
de imunizaes, sendo as vacinas disponibilizadas para todas as pessoas que
procuram este servio, seja de rotina ou em campanhas de vacinao. Em
Acegu/Uruguai as vacinas so disponibilizadas somente para usurios
uruguaios uma vez por ms, sendo excepcionalmente aplicadas em usurios
brasileiros durante alguma campanha de vacinao. Quanto s doenas
transmissveis, DST e Aids, problemas como drogas e gravidez na adolescncia,
ambos os gestores concordam que deveria haver planejamento de prevenoe combate em conjunto, efetivando programas especficos com a participao
dos profissionais de sade dos dois pases.
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Para a gestora da sade de Acegu/Brasil, pode haver atendimento de
urgncia e emergncia, bem como outros atendimentos, sem discriminao de
nacionalidade. No entanto, deveria haver reciprocidade, pelo menos nos
atendimentos de urgncia e emergncia pelo pas vizinho, especialmente noshorrios em que os servios esto fechados no lado brasileiro. Como o gestor de
Acegu/Uruguai no se defronta com esta realidade, no opinou sobre o assunto.
Quanto ao trabalho em conjunto com o outro pas e o limite de
responsabilidade do gestor de sade com a populao dos municpios de fronteira,
a gestora de sade de Acegu/Brasil posicionou-se da seguinte forma: o trabalho
em conjunto poderia funcionar em dias alternados no Brasil e Uruguai, quando
permaneceria uma equipe de sade de planto na UBS ou na Policlnica do
Ministrio de Sade Pblica para o atendimento de todos os casos de urgncia eemergncia, com encaminhamentos necessrios para o pas de origem. O limite
de responsabilidade do gestor de sade para com a populao no termina na
linha limtrofe, uma vez que muitos brasileiros residem no lado uruguaio e o Brasil
responsvel por atend-los. O gestor de Acegu/Uruguai afirma que o trabalho
em conjunto seria fcil se a legislao fosse favorvel, permitindo que profissionais
de sade residentes na faixa de fronteira exercessem a profisso em ambos os
pases. Porm, para ele, sem esta questo resolvida no possvel trabalharneste sentido. Assim, mesmo que Acegu/Brasil possua uma boa estrutura na
UBS, que poderia servir para ambos os lados, os profissionais ficam limitados por
questes legais. Segundo ele, a responsabilidade do gestor municipal para com
a sade da populao do municpio termina legalmente na localizao dos marcos
e da linha limtrofe.
Sabe-se que muitos usurios realizam tratamentos em duplicidade. Como
no existe comunicao entre os dois servios de sade, os usurios acabam
onerando os dois sistemas. Para o gestor de sade de Acegu/Uruguai, em seupas existem recursos adequados para a ateno sade, o que acontece a
duplicidade de atendimentos. Para ele se os usurios uruguaios fossem atendidos
no Uruguai e os brasileiros no Brasil, os recursos seriam mais otimizados.
Questionados sobre o significado dos marcos ou linha limtrofe para a
sade, os profissionais de sade de Acegu/Brasil foram unnimes em dizer
que eles limitam os pases, diferenciam sistemas de sade. Porm, para a
promoo de sade no significam nada, no existem limites. Deveria haveruma faixa de fronteira onde a populao pudesse ser atendida, abrindo
alternativas e com fluxos de informaes entre os profissionais sobre episdios
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de doenas e outros. Quanto responsabilidade do gestor municipal para com
a sade da populao, a maioria dos profissionais entrevistados no concorda
que a mesma termine na linha de fronteira, e colocam as seguintes justificativas:
pela legislao brasileira qualquer pessoa tem direito sade; deveria haverum esforo conjunto para que a populao de ambos os lados tivesse
atendimento igual, pois muitos brasileiros moram no Uruguai e muitos uruguaios
moram no Brasil; atividades de preveno deveriam ser feitas em qualquer
lugar, principalmente porque no h barreiras fsicas para o trnsito das pessoas;
deveria haver um convnio binacional para atendimentos de urgncia e
emergncia, para que a equipe de sade no ficasse limitada no atendimento;
finalmente, consideram que a legislao no corresponde realidade das regies
de fronteira. Os poucos profissionais que concordam que a responsabilidadede cada gestor municipal termina na linha limtrofe, consideram que cada pas
tem compromisso apenas com a sua populao, a no ser em casos de urgncia.
Quanto ao momento do atendimento aos usurios uruguaios, todos dos
profissionais brasileiros responderam que no fazem distino de qualquer tipo.
Perguntados sobre como se sentem durante o atendimento, todos afirmam que
se sentem muito a vontade, com exceo de um entrevistado que considera
que a lngua estrangeira (espanhol) causa um pouco de dificuldade para oatendimento.
Quanto organizao do atendimento de sade na UBS de usurios
uruguaios sem prejuzo dos muncipes de Acegu/Brasil, os profissionais tiveram
opinies diversas: deveria ser negociada uma contrapartida financeira por parte
do pas vizinho Uruguai; o atendimento de uruguaios deveria ser limitado
urgncia e emergncia; atendimento de usurios brasileiros na Policlnica
Uruguaia, da mesma forma como acontece na Unidade Bsica de Sade de
Acegu-Brasil; estipular um dia especfico para atendimento de usuriosuruguaios, proporcionado melhores condies.
Para oferecer melhor cobertura de atendimento para a populao do
municpio, como tambm da populao uruguaia, aproveitando a estrutura da
UBS, os profissionais entrevistados tambm tm a opinies diversas: deveria
ser resolvida a questo legal para que os profissionais de sade do Uruguai
pudessem trabalhar no Brasil; poderia haver um trabalho em conjunto inclusive
com orientaes para melhoria da sade e qualidade de vida; poderia haver umacordo com o pas vizinho para que o mesmo efetuasse um repasse financeiro,
desta forma seria possvel manter a UBS aberta 24 horas.
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Os profissionais de sade uruguaios que atuam na sade pblica de Acegu/
Uruguai consideram que os marcos de fronteira representam limites jurdicos
impostos pelas autoridades de cada pas. Em termos de sade no deveriam
existir, porm, legalmente os profissionais de sade so impedidos de exercersua profisso alm do marco. Quando se fala da responsabilidade do gestor de
sade para com a populao de fronteira, a maioria dos profissionais
entrevistados opinou que cada pas responsvel pela populao da sua
jurisdio, ou seja, possui programas e planejamento prprios; apenas um deles
acredita que a responsabilidade de cada gestor deveria ultrapassar a linha
limtrofe e contemplar a sade da populao de ambos os lados.
Poucos brasileiros so atendidos no sistema de sade pblica uruguaio, e
os profissionais entrevistados foram unnimes em dizer que se sentem bematendendo-os. Pensando na organizao do atendimento aos usurios uruguaios
e brasileiros, a maioria dos profissionais entrevistados sugeriram que o servio
deveria funcionar em forma de planto noturno e de finais de semana alternados
(Brasil e Uruguai). Alguns se posicionaram pela utilizao da estrutura fsica em
Acegu/Brasil para o atendimento dos usurios brasileiros e uruguaios com
profissionais de ambos os pases, uma vez tendo respaldo legal. Havendo falta
de recursos humanos e financeiros para o aumento da cobertura de atendimentoem Acegu/Uruguai, os profissionais de sade entrevistados vem como
alternativa um trabalho em conjunto com Acegu/Brasil.
Os usurios foram entrevistados para que expressassem sua satisfao
com os servios oferecidos na UBS. O atendimento na recepo, o fornecimento
de fichas para acesso ao mdico, o atendimento de enfermagem e o servio de
vacinao, foram avaliados como timos ou bons pela maioria absoluta dos
entrevistados. Apenas o servio de odontologia, quando avaliado por usurios
que o utilizaram, foi considerado como insatisfatrio ou regular pela mesmaquantidade de pessoas que o consideraram como bom ou timo.
Como se pode perceber pelo que foi narrado acima, Acegu/Brasil e Acegu/
Uruguai formam uma fronteira viva, pelo carter de sua ocupao e pelas
relaes histricas de intercmbio, devido ausncia de obstculos fsicos e
existncia de ncleos urbanos integrados. J os sistemas e a realidade da
ateno bsica de sade so completamente diferentes, dificultando a
organizao e integrao nesta rea. Constatou-se que existe interesse paraunir os esforos dos dois pases no sentido de resolver as questes de sade
na fronteira. Segundo um dos profissionais de sade entrevistados sade no
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se faz e nem se assume pela metade. No entanto, muito ainda precisa ser
feito entre os dois pases, para que a integrao que comea a se viver no
cotidiano dos servios, especialmente no lado brasileiro, se institucionalize e
possa se ampliar nos dois lados.
A semana de vacinao das Amricas na fronteira do estado do Rio
Grande do Sul/Brasil com o Uruguai
O Programa Ampliado de Imunizaes (PAI) se localiza no marco da
Cooperao Tcnica entre Pases desenvolvida pela Organizao Pan-
Americana de Sade (OPAS). A compra pelo Fundo Rotatrio do PAI,
estabelecido pela OPAS, reduz o preo de aquisio, e tem contribudo para o
controle e erradicao de patologias no continente americano. Alm desseespao os pases tm desenvolvido, de forma adicional, a cooperao entre
eles (OPAS, 1998c).
O Acuerdo de Sucre, firmado em 2002, na Bolvia (OPAS, 2002) pelos
Ministros de Sade dos pases da rea andina, estabeleceu o compromisso de
realizar uma semana nacional de vacinao simultnea em todos os pases
desta regio. Esta semana visa consolidar a interrupo da transmisso
autctone do sarampo, ameaada em funo do surgimento de uma epidemiade sarampo na Venezuela, em 2001. As Semanas de Vacinao nas
Amricas tm como princpios fundamentais diminuir as desigualdades e
fomentar o pan-americanismo. Visa atingir populaes de difcil acesso,
protegendo grupos em risco de epidemias e promovendo a cooperao e o
intercmbio de informaes em reas de fronteira. Essa ao utiliza os princpios
da Cooperao Tcnica entre pases (OPAS, 2003b).
Entre as prioridades destas semanas de vacinao esto as reas de
fronteira. O Brasil acordou junto OPAS, a realizao de uma Jornada deVacinao Sul-Americana, tendo como objeto de ao a intensificao da
vacinao em reas de fronteira (OPAS, 2004). Sabe-se que as regies
fronteirias tm caractersticas que as diferenciam. So reas onde os povos
de pases diferentes se integram de tal forma que acabam formando um territrio
nico. O risco de introduo de doenas imunoprevenveis devido a diferenas
nos calendrios vacinais vigentes em cada pas, bem como a existncia de
peculiaridades na operacionalizao da vigilncia das doenas transmissveis
pode possibilitar a introduo e disseminao das mesmas, se esta regio no
for bem monitorada.
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As Semanas de Vacinao se caracterizam de forma efetiva como aes
de carter binacional. Elas se fundamentam nos princpios que norteiam a
OPAS, ou seja, a cooperao entre as naes e a diminuio das
desigualdades. Alm disso, uma atividade inserida no PAI, cujacaracterstica tem sido o desenvolvimento de aes conjuntas entre os pases
para atingir uma meta comum. Trata-se de um processo novo, pois no
presente ano transcorreu a segunda edio da mesma. Os resultados
alcanados na primeira semana, em 2003, mostram que a cobertura
alcanada, considerando a meta definida pelos pases foi de 97%. O Brasil
enfocou esta atividade em 86 municpios de fronteira com 7 pases,
desenvolvendo com alguns deles uma intensa coordenao interfronteiria.
Pases como o Uruguai e Chile utilizaram essa estratgia para fazer buscade faltosos do programa regular. Outros pases orientaram suas atividades
a distritos ou municpios com coberturas crticas para completar esquemas
de vacinao, ou atividades focadas em unidades territoriais pequenas, com
populao indgena, de maior pobreza em zonas marginais e rurais, de alta
migrao e comunidades de fronteira (OPAS, 2003b).
Comparando-se os dois calendrios vacinais do Brasil e do Uruguai,
percebe-se que so muito semelhantes. No entanto, a vacina contra a varicelaj aplicada na vacinao de rotina no Uruguai, enquanto que no Brasil
apenas para alguns grupos de risco. Essa doena ainda endmica em
nosso pas. Por outro lado, o Brasil possui os Centros Regionais de
Imunobiolgicos Especiais (CRIEs), onde so oferecidos diversos
imunobiolgicos destinados parte da populao que apresenta problemas
especiais de sade. Parte deles so muito caros, o que dificultaria o seu
uso, se os mesmos no estivessem disponveis gratuitamente. No calendrio
vigente no Uruguai no oferecida vacina contra a Febre Amarela , quedeve ser aplicada nas reas onde a doena endmica. O prprio Rio Grande
do Sul s a aplica para os residentes em reas gachas onde foi isolado o
vrus e em viajantes para reas de risco. Quanto ao Uruguai, conforme
informao contida em documento da OPAS (1998c), no se registram casos
dessa doena no pas.
O Rio Grande do Sul tem vacinado em todos os municpios da regio
fronteiria do estado durante as duas Semanas Sul-Americanas deVacinao. J o Uruguai optou, neste ano, por focalizar os esforos na regio
de Montevidu e Canelones, devido a essas reas apresentarem coberturas
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vacinais em declnio, principalmente nas regies mais pobres. Alm disso,
contando com o impacto da mdia brasileira, o Ministrio da Sade Pblica
uruguaio comprometeu-se a manter seus postos de vacinao nos demais
Departamentos, principalmente nos da regio fronteiria, preparados paraum provvel aumento na demanda. Suas coberturas vacinais so, em
mdia, altas.
Conforme avaliao dos representantes da trplice fronteira presentes
na reunio realizada em abril de 2004, em Foz do Iguau, necessrio
fortalecer os comits de fronteira. A partir desse encontro ficaram definidas
reunies locais nas reas fronteirias. Tambm ficou definida a necessidade
de um plano de mdia a ser elaborado e executado por cada pas parceiro.
Conforme avaliao do programa estadual de imunizaes do RioGrande do Sul, as principais limitaes existentes se referem ao nmero
insuficiente de recursos humanos; e como ponto positivo se destaca a
oportunidade de promover e difundir as informaes relacionadas ao nmero
de casos de doenas imunoprevenveis e as aes desenvolvidas para o
seu controle, nas reas de fronteira. Alm disso, se considera importante o
resgate de suscetveis nas reas trabalhadas durante a realizao dessas
semanas.
CONSIDERAES FINA IS
As narrativas aqui realizadas mostram diferentes situaes. Nos dois
primeiros casos aparece a produo de um territrio que vivido pela
desconsiderao e, em muitos momentos, pelos impedimentos legais para
a ao solidria no campo da ateno sade. De qualquer forma, em todas
as situaes, fica evidente o quanto h por fazer e avanar no sentido da
unio de esforos, recursos escassos e aes.As experincias que vm sendo construdas, por imposies do cotidiano
e pelo respeito a princpios ticos e humanistas, mostram uma outra face da
vida no espao do Mercosul. Para que prticas como essas se disseminem
e ampliem, indispensvel que os temas em pauta, nas reunies e grupos
de trabalho, valorizem as polticas sociais. Como mostra a histria dos nossos
pases, isso no ocorrer sem que os setores organizados, comprometidos
com a melhoria das condies de sade e da qualidade de vida daspopulaes em situao de pobreza e de vulnerabilidade, se mobilizem e
faam ouvir suas histrias e demandas.
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PARTICIPAO SOCIALNO SISTEMA NICO DE SADE:
UMA UTOPIA POR SE CONCRETIZAR EM MUNICPIOSDE PEQUENO PORTE DO VALE DO TAQUARI
Jackeline Amantino-de-Andrade
Ariane Jacques Arenhart
INTRODU O
Nas ltimas dcadas, o processo de democratizao nos pases latino-
americanos representou a necessidade de se estabelecer uma nova relao
entre o Estado e a sociedade, marcada fortemente por uma lgica de socializaodo poder a partir do controle cidado da ao pblica. Esse caso brasileiro
com a Constituio Cidad de 1988, que delineou por meio da descentralizao
e da participao social as novas direes para a gesto das polticas pblicas,
sendo a sade uma pioneira no desenvolvimento dessa lgica compartilhada
de poder com a implantao do Sistema nico de Sade (SUS).
O presente artigo tem como proposio introduzir uma discusso sobre
essa experincia de participao social no caso brasileiro da sade, focando
o controle social exercido pelos conselhos municipais no processo de
consolidao democrtica do SUS a partir da tica dos gestores. Para tanto,
foi desenvolvido um estudo em municpios de pequeno porte da regio do
Vale do Taquari, estado do Rio Grande do Sul, Brasil, procurando identificar
nesses locicomo se processa essa lgica de compartilhamento do poder na
gesto da sade local.
No desenvolvimento deste estudo se partiu da compreenso de que a
efetiva participao da sociedade na deliberao e no controle das aesgovernamentais fundamental para fortalecer as bases descentralizadas e
universais do SUS. Dessa forma, os conselhos municipais devem se constituir
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em espaos que favoream a emergncia de foras coletivas, influenciando
na democratizao da gesto municipal da sade a partir de uma atuao
articulada com as secretarias para estabelecer uma relao de negociao
mtua na qual so definidas prioridades de ao e de investimento.Esse o pressuposto do controle social que deve ser exercido pelos
conselhos em todos os municpios brasileiros, dentro de uma perspectiva
ampliada de cidadania e de uma lgica de gesto descentralizada e
participativa, conforme explicitado na Constituio Federal de 1988 e na Lei
Orgnica do SUS. No entanto, esses princpios precisam ainda se tornar uma
realidade concreta e cotidiana em muitos municpios, expressando um
verdadeiro contgio da gesto pblica pelo poder social, e no a simples
adoo de mecanismos participativos para cumprir as formalidades exigidaspela lei. Portanto, salientada a importncia de que os gestores municipais
reconheam de fato e incluam os conselhos na conduo da poltica municipal
de sade, sob uma nova postura impregnada pela participao social a fim de
vencer barreiras culturais que reproduzem o insulamento burocrtico de uma
mquina governamental viciada em centralizar todas as competncias
gerenciais para si, e que no possibilita uma legitimao representativa da
sociedade na definio dos interesses pblicos.Em termos prticos, a consolidao do mecanismo de controle social na
sade um desafio para os governos municipais e para a sociedade,
caracterizando-se um aprendizado constante nesses quinze anos de
implementao do SUS. Muitos exemplos so conhecidos em que os conselhos
municipais foram criados apenas formalmente a fim de atender a legislao;
por outro lado, tambm existem experincias onde houve uma verdadeira
aproximao entre a administrao pblica e a comunidade para decidir sobre
a melhoria da sade da populao. Dentro dessa perspectiva importanteanalisar como o mecanismo de controle social pode acenar para uma
expresso da socializao do poder, identificando como os gestores municipais
se articulam com os conselhos no processo de gesto da sade,
principalmente, no contexto dos pequenos municpios.
Ao analisar a experincia dos municpios de pequeno porte da regio do
Vale do Taquari, a inteno foi compreender at que ponto pode ocorrer, na
prtica, essa socializao do poder na gesto da sade local. O estudo tevecomo o objetivo identificar as potencialidades e os limites dos conselhos no
exerccio do controle social na viso dos gestores, analisando se existe uma
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tendncia de fortalecer a participao social na gesto ou apenas trat-la
como uma mera exigncia legal para habilitar a administrao municipal
para o recebimento de recursos de custeio da sade.
Os resultados indicam que a socializao do poder por meio do controlesocial na gesto da sade ainda uma prtica a ser consolidada nesses
pequenos municpios, pois os gestores compreendem o processo de participao
social fundamentalmente sob bases tuteladas e formais que, na maioria das
vezes, acabam sendo reforadas pela fragilidade da organizao daqueles que
representam a comunidade. Para introduzir essa discusso este artigo foi
organizado em cinco partes. Na primeira parte analisado como a participao
social pode renovar o Estado sob o ethosda democracia. Na segunda parte
questionado como os conselhos municipais de sade, no exerccio do controlesocial, podem transformar a possibilidade de participao numa prtica cotidiana
em face da predominncia de uma cultura clientelista e formalista. Na terceira
parte so apresentados os procedimentos metodologicos da pesquisa realizada
junto aos gestores da sade dos pequenos municpios do Vale do Taquari. Na
quarta parte so apresentados os resultados, analisando como a participao
social compreendida na viso desses gestores. Finalmente, so tecidas as
consideraes finais, evidenciando que em pequenos municpios, como osestudados, existe uma grande distncia a ser percorrida em direo de uma
participao social efetiva.
Participao: o desafio de renovar o Estado por meio do poder social
As transformaes por que passa o Estado nessa virada de sculo conduzem
a uma significativa alterao na sua fora e centralidade, de maneira que uma
nova forma poltica mais ampla, em que ele o articulador, est por emergir
integrando um conjunto hbrido de elementos estatais e no-estatais (Santos,2001). Essa nova condio poltica ocorre fundamentalmente pela integrao da
sociedade no processo de governabilidade e na definio de metas coletivas em
face do interesse pblico, adquirindo a participao social uma forte relevncia
na conduo das polticas pblicas.
Como afirma Kliksberg (1989) qualquer idia de Estado eficaz est
substancialmente relacionada com mudanas na gesto governamental baseadas
na descentralizao e na participao. O Estado se transforma estruturalmentecom a descentralizao, mas tambm por meio das relaes de poder,
dinamizadas pela participao social, sendo ela central para o processo de
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democratizao dentro dos preceitos ticos da universalizao de direitos
sociais.
A participao social d sociedade uma condio legitimadora at
ento somente exercida pelo Estado. Dentro desse contexto, a governabilidade processada por essa relao entre a sociedade e o Estado na deciso da
ao governamental, garantindo o exerccio de prticas democrticas que
precisam ser adequadamente consolidadas por meio de mecanismos de
gesto. Conseqentemente, uma gesto pblica necessria no s deve estar
baseada na democracia, como tambm precisa ser assumida numa prtica
cotidiana fundada em modelos abertos de participao e reprodutora de
princpios democrticos bsicos (Kliksberg, 1989).
Para Demo (1996) a participao social um modo de vida baseado naconquista de direitos geradores de um compromisso comunitrio, no qual a
populao e o governo constroem uma situao de negociao mtua para
constituir uma trama bem urdida e slida de organizaes formando a democracia
como algo cotidiano e normal. Ela se constitui sob os ideais democrticos
baseados na igualdade, na pluralidade e na deliberao poltica, impregnados
pelo sentido solidrio da comunidade em processar um interesse comum.
Entretanto, o problema est em como contagiar o aparelho administrativo
do Estado pelo processo de deliberao social. De acordo com Demo (1996)
preciso compreender a participao dentro de uma perspectiva processual,
como um infindvel vir-a-ser de conquistas de modo que ela nunca est
acabada. Trata-se, portanto, de um processo histrico realizado num contexto
poltico, social, econmico e cultural complexo em que correlaes de foras
se expressam para lhe dar um significado, caracterizando-se, no entendimento
de Souza (apud Campos e Maciel, 1997), como uma questo social que no
se vincula a reproduo da ordem.Como ressalta Kliksberg (2001), a participao social renova a administrao
do Estado em suas aes pela constante e direta relao entre governo e
sociedade. Assim, a participao associada mudana, mobilizando e
dinamizando recursos e situaes numa insero decisria na qual a sociedade
intervem proximamente ao Estado, na deliberao do bem comum. A centralidade
da mquina governamental colocada em xeque e a poltica se insere na vida
cotidiana por meio da multiplicidade de atores em definir as aes pblicas,evidenciando que no possvel separar o mundo do governo e da
administrao pblica dos processos polticos (Souza, 2003, p. 17).
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Nesse exerccio democrtico aprende-se a eleger, a deseleger, a
estabelecer rodzio de poder, a exigir prestao de contas, a desburocratizar,
a forar os mandantes a servir comunidade, e assim por diante (Demo,
1996, p. 71); mas tambm, so enfrentadas barreiras diante dos vcios deuma postura clientelista da administrao e da prpria sociedade, ainda uma
aprendiz desse exerccio participativo. Como destaca Bava (2001, p.11) uma
cultura poltica privatista e clientelista, e um arcabouo institucional cristalizado
levam muitas vezes os governantes e a populao a confundir democracia
com o simples atendimento s necessidades dos mais pobres, e participao
com eficincia das polticas mantenedoras do status quo.
Na opinio de Carvalho (1998) existe uma generalizao de discursos
sobre a participao, sendo eles dispostos em diversas significaes atribudaspelos atores e na criao de diferentes mecanismos que aproximam a
administrao da sociedade. Grau (1991) identifica quatro mecanismos que
tm se destacado no processo de integrao participativa das sociedades
latino-americanas na gesto pblica, incluindo o Brasil (Quadro 1).
Quadro 1 Mecanismos de participao social
Mecanismo Definio
Consultivo No h uma interferncia direta da populao no processo decisrio,ele sustentado fundamentalmente pelos governos que chamam asociedade para uma co-responsabilidade exclusivamente dereferendum.
Fiscalizador Prope o controle sobre as aes desenvolvidas pelos governos.
Resolutivo Cria a oportunidade de deliberao e igualdade poltica, com o socialadentrando no processo decisrio.
Executivo Interveno direta nas aes pblicas, em seu planejamento,execuo e avaliao, consolidando-se uma participao deliberativa.
O mecanismo consultivopode trazer em si a manipulao, isto , a negao
da participao efetiva com o objetivo de que os governantes, condutores do
processo, possam educar as pessoas e mant-las sob controle, lhes informando
sobre os seus direitos e lhes reservando um papel meramente ratificador de
decises j tomadas pelos atores governamentais. O mecanismo fiscalizador
pressupe o controle cidado, mas nada garante que os representantes da
sociedade tenham seu poder de deciso levado em conta atravs da
operacionalizao de suas decises. Um exemplo o caso das prestaes decontas que acabam se constituindo em atos meramente formais distantes de um
controle mais efetivo por parte da sociedade. O mecanismo resolutivoexige
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uma relao entre iguais, isto , governo e sociedade trabalhando por uma meta
comum, de forma que os grupos organizados, representantes da sociedade, tm
fora para participar do processo decisrio e contribuir para uma real distribuio
do poder na tomada de decises. O mecanismo executivocaracteriza-se pelaco-gesto, na medida em que a sociedade assume uma interveno direta no
processo de gesto pblica, abrindo espao para uma integrao poltico-
administrativa na formao das polticas pblicas a partir da socializao do poder.
Esses mecanismos indicam diferentes caminhos em que o Estado pode
ganhar uma nova fora por meio da legitimidade social. Alguns deles parecem
revelar que a participao social se d dentro de um direcionamento voltado
consolidao de uma cidadania ativa, em que os direitos se legitimam por
meio de prticas concretas da sociedade. Outros, no entanto, apresentamainda uma forma normativa que no transforma as prticas, mas apenas
fortalece a reproduo da ao burocrtica do aparato estatal e mantm um
distanciamento dos governos da dinmica poltica produzida pela sociedade.
Cabe questionar, ento, at que ponto esses diferentes mecanismos
capacitam para uma efetiva participao da sociedade na gesto pblica e
geram mudanas nas formas de coordenar as polticas pblicas, ou so apenas
reprodutores da ao da burocracia estatal que utiliza da noo de participaosocial num sentido estreito para cumprir determinaes legais. Tal
questionamento se justifica, principalmente, quando se percebe uma tendncia
de preservao de uma posio mais burocrtica, que insiste em separar a
administrao do processo poltico explicitado pela participao social.
Isso ressaltado por Misoczky (2001), ao analisar o caso do Oramento
Participativo da Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Ela indica que, apesar
de se evidenciar os avanos nas relaes entre governo e sociedade,
permanecem tambm limites, pois acaba havendo um reforo das estruturase dos padres rgidos e centralizadores prprios das organizaes burocrticas.
Por isso, a autora destaca a necessidade de se prestar ateno integrao
dos mecanismos de participao na gesto pblica, para que eles no acabem
se tornando num simples apndice da estrutura burocrtica, ficando assim
com sua ao limitada e determinada pela administrao que quer manter a
centralidade nas decises e na execuo das aes.
Um outro exemplo so os conselhos setoriais de polticas, que muitas vezespassam a ser agregados nos organogramas de secretarias e se distanciam do
seu papel fundamental de capilarizar e transformar a administrao estatal por
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meio da participao cidad. Nesse sentido, preciso analisar como esses
mecanismos participativos podem se constituir em verdadeiros produtores de
princpios democrticos, ou serem simples reprodutores de padres burocrticos;
de como eles facilitam ou no a conquista de direitos sociais atravs da deliberaocoletiva; de como eles produzem ou no um compromisso mtuo entre governo e
sociedade a partir de uma co-responsabilidade pela gesto pblica. Enfim, de como
eles contribuem para uma socializao do poder no mbito local; o locusno qual as
polticas pblicas so concretizadas de maneira a traduzir os dramas cotidianos
(individuais e coletivos) na linguagem pblica dos direitos (Telles, 994, p. 45).
Os conselhos como mecanismo de controle social na gesto da sade:
para ingls ver ou uma socializao do poder?Desde as dcadas de 70 e 80 do sculo passado, o campo da sade no Brasil
tem sido marcado pela participao expressa num movimento social de reforma
reivindicando a ampliao de equipamentos e profissionais para os bairros perifricos
das grandes cidades brasileiras. Em 1986, a 8 Conferncia Nacional de Sade
constituiu o momento culminante de formatao poltico-ideolgica do projeto da
reforma sanitria brasileira, destacando o estmulo participao popular
institucionalizada em ncleos decisrios a fim de assegurar o controle social sobre
as aes do Estado.
Em 1988, a fora do movimento da reforma sanitria refletida no novo texto
con