hist. do brasil

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Expansão marítimo-comercial européia No final da Idade Média houve um renascer da atividade comercial na Europa, provocando inúmeras transformações, tais como o surgimento da burguesia, o crescimento das cidades, o estabelecimento de novas rotas comerciais, entre outras. A atividade econômica se expandiu ainda mais com a conquista do monopólio do mar Mediterrâneo pelas cidades italianas, o comércio dessas cidades com a Liga Hansiática (norte da Europa), a acumulação de capitais, o apoio dado pelos monarcas às atividades comerciais e a procura de produtos orientais. Contudo, o maior impulso ao comércio foi a procura do caminho marítimo para as Índias, região produtora dos produtos de luxo e especiarias, resultando no movimento chamado Grandes Navegações que, por sua vez, provocou também a conquista de terras até então desconhecidas dos europeus e a formação de impérios coloniais. Grandes navegações Vários fatores levaram ao movimento das Grandes Navegações promovidos pelos reinos de Portugal e Espanha: necessidade de quebrar o monopólio das cidades italianas: a partir do século XI, as cidades do norte da Itália, Gênova e Veneza, passaram a dominar o Mediterrâneo oriental. Iam buscar nos portos de Alexandria e Constantinopla produtos orientais especiarias, tecidos, perfumes, tapetes, pedras preciosas e os distribuíam no mercado europeu. Cobravam por essas mercadorias um alto preço e, com isto, obtinham um lucro considerável. A burguesia européia passou a se interessar em quebrar o monopólio italiano, mas, para tanto, era necessário descobrir um novo caminho marítimo para as Índias. escassez de metais preciosos na Europa: a grande quantidade de moedas usadas pelos países europeus para fazer o pagamento das importações resultou numa escassez de metais preciosos. As minas européias não conseguiam atender a demanda e, por isso, era urgente encontrar novas minas fora de Europa. aliança entre o rei e a burguesia: a burguesia e a monarquia aliaram-se, buscando uma valorização do comércio e uma centralização do poder. Esta aliança possibilitaria derrotar a nobreza feudal. A burguesia fornecia à monarquia capitais para que esta armasse um exército e, apoiando-se nele, centralizasse o poder. Em troca, os reis deveriam promover o desenvolvimento comercial. progresso técnico e científico: ocorreu grande incentivo para o desenvolvimento da cartografia e da astronomia. Houve o aperfeiçoamento das embarcações, surgindo a caravela com velas triangulares. Os navegadores passaram a utilizar a bússola (veja figura abaixo) e o astrolábio, que determinava a latitude e a longitude. Revolução Comercial A expansão marítimo-comercial européia deslocou o eixo econômico do Mediterrâneo para o Atlântico, ampliou as relações comerciais entre o Ocidente e o Oriente, provocou a entrada de metais preciosos na Europa, fez crescer o poder econômico da burguesia, fortaleceu o poder real e deu origem aos impérios coloniais modernas. Todas essas transformações são conhecidas como Revolução Comercial. As principais características da Revolução Comercial foram: Nascimento do capitalismo: o modo de produção capitalista se opõe à economia semi-estática das Corporações Medievais, que representavam uma produção e um comércio com pequena remuneração dos serviços prestados. O capitalismo só atingiu sua plena maturidade no século XIX, mas foi durante a Revolução Comercial que surgiram suas características essenciais: a propriedade privada dos meios de produção, trabalho assalariado, reaplicação dos lucros e, no estágio inicial, livre concorrência. Mercantilismo: política econômica adotada por alguns Estados, a fim de torná-los ricos e, portanto, poderosos. São características do mercantilismo: estatismo: controle estatal da economia; metalismo: acumulação de metais preciosos; balança comercial favorável: os países que não conseguiram descobrir metais preciosos em suas colônias procuraram ter um saldo lucrativo através de uma balança comercial favorável, isto é, maior volume de exportação do que de importação; protecionismo: consiste na taxação elevada sobre os produtos importados para desistimular a compra e, com isto, promover a produção nacional e aumentar a exportação. A política protecionista era essencial para conseguir uma balança comercial favorável. Desenvolvimento do sistema bancário: durante a Idade Média, a atividade bancária era exercida por judeus e muçulmanos. Os cristãos não a praticavam devido à proibição da usura por parte da Igreja. Porém, com o aumento da produção e do comércio, começaram a aparecer novas casas bancárias na Europa. As estas seguiu-se a criação de bancos públicos. O primeiro surgiu na Inglaterra. Sistema doméstico de produção: os empresários compravam a matéria-prima e distribuiam aos trabalhadores, que a manufaturavam, em troca de um pagamento estipulado. Este novo sistema de produção enquadrava-se dentro da organização capitalista. Substituiu o da Corporação de Ofício, onde o mestre detinha a propriedade da matéria-prima, dos instrumentos de produção e o controle da distribuição. O artesão, ainda de posse das ferramentas (instrumentos de produção) tornou-se mais subordinado. Companhias regulamentadas: eram associações de comerciantes que se uniam para um empreendimento. Não havia a fusão de capitais dos associados, que concordavam em cooperar em proveito de todos e obedeciam a certas regras definidas. Surgiram da necessidade de uma organização comercial mais adequada às novas condições, porque as medievais não se adaptavam aos negócios que envolvessem riscos e aplicações de grandes capitais. Sociedades por ações: formadas por associações de capitais. Mesmo não participando da administração, todos os acionistas eram proprietários da empresa. Esta nova forma de organização substituiu as companhias regulamentadas, em razão da necessidade de efetuar negociações que exigissem volumosa soma de capitais, por ser mais ampla e sólida. Moeda-padrão: o desenvolvimento comercial tornou necessária a existência de sistemas monetários mais estáveis e uniformes. Foi estabelecido um sistema padrão de moeda. A Revolução Comercial provocou: nascimento do capitalismo, com o desenvolvimento dos elementos que o constituem; ascensão da burguesia, que passa a deter o poder econômico em quase todos os países da Europa; restabelecimento da escravidão, que difere da adotada na Antigüidade: agora, sua finalidade exclusiva era garantir mão-de-obra barata em unidades produtivas coloniais;

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Page 1: Hist. do brasil

Expansão marítimo-comercial européia No final da Idade Média houve um renascer da atividade comercial na Europa, provocando inúmeras transformações, tais como o surgimento da burguesia, o crescimento das cidades, o estabelecimento de novas rotas comerciais, entre outras. A atividade econômica se expandiu ainda mais com a conquista do monopólio do mar Mediterrâneo pelas cidades italianas, o comércio dessas cidades com a Liga Hansiática (norte da Europa), a acumulação de capitais, o apoio dado pelos monarcas às atividades comerciais e a procura de produtos orientais.

Contudo, o maior impulso ao comércio foi a procura do caminho marítimo para as Índias, região produtora dos produtos de luxo e especiarias, resultando no movimento chamado Grandes Navegações que, por sua vez, provocou também a conquista de terras até então desconhecidas dos europeus e a formação de impérios coloniais.

Grandes navegações Vários fatores levaram ao movimento das Grandes Navegações promovidos pelos reinos de Portugal e Espanha:

necessidade de quebrar o monopólio das cidades italianas: a partir do século XI, as cidades do norte da Itália, Gênova e Veneza, passaram a dominar o Mediterrâneo oriental. Iam buscar nos portos de Alexandria e Constantinopla produtos orientais – especiarias, tecidos, perfumes, tapetes, pedras preciosas – e os distribuíam no mercado europeu. Cobravam por essas mercadorias um alto preço e, com isto, obtinham um lucro considerável. A burguesia européia passou a se interessar em quebrar o monopólio italiano, mas, para tanto, era necessário descobrir um novo caminho marítimo para as Índias.

escassez de metais preciosos na Europa: a grande quantidade de moedas usadas pelos países europeus para fazer o pagamento das importações resultou numa escassez de metais preciosos. As minas européias não conseguiam atender a demanda e, por isso, era urgente

encontrar novas minas fora de Europa.

aliança entre o rei e a burguesia: a burguesia e a monarquia aliaram-se, buscando uma valorização do comércio e uma centralização do poder. Esta aliança possibilitaria derrotar a nobreza feudal. A burguesia fornecia à monarquia capitais para que esta armasse um exército e, apoiando-se nele, centralizasse o poder. Em troca, os reis deveriam promover o desenvolvimento comercial.

progresso técnico e científico: ocorreu grande incentivo para o desenvolvimento da cartografia e da astronomia. Houve o aperfeiçoamento das embarcações, surgindo a caravela com velas triangulares. Os navegadores passaram a utilizar a bússola (ve ja figura abaixo) e o astrolábio, que determinava a latitude e a longitude.

Revolução Comercial

A expansão marítimo-comercial européia deslocou o eixo econômico do Mediterrâneo para o Atlântico, ampliou as relações comerciais

entre o Ocidente e o Oriente, provocou a entrada de metais preciosos na Europa, fez crescer o poder econômico da burguesia, fortaleceu o poder real e deu origem aos impérios coloniais modernas. Todas essas transformações são conhecidas como Revolução Comercial. As principais características da Revolução Comercial foram:

Nascimento do capitalismo: o modo de produção capitalista se opõe à economia semi-estática das Corporações Medievais, que representavam uma produção e um comércio com pequena remuneração dos serviços prestados. O capitalismo só atingiu sua plena maturidade no século XIX, mas foi durante a Revolução Comercial que surgiram suas características essenciais: a propriedade privada dos meios de produção, trabalho assalariado, reaplicação dos lucros e, no estágio inicial, livre concorrência.

Mercantilismo: política econômica adotada por alguns Estados, a fim de torná-los ricos e, portanto, poderosos. São características do mercantilismo: • estatismo: controle estatal da economia;

• metalismo: acumulação de metais preciosos; • balança comercial favorável: os países que não conseguiram descobrir metais preciosos em suas colônias procuraram ter um saldo lucrativo através de uma balança comercial favorável, isto é, maior volume de exportação do que de importação; • protecionismo: consiste na taxação elevada sobre os produtos importados para desistimular a compra e, com isto, promover a produção nacional e aumentar a exportação. A política protecionista era essencial para conseguir uma balança comercial favorável.

Desenvolvimento do sistema bancário: durante a Idade Média, a atividade bancária era exercida por judeus e muçulmanos. Os cristãos não a praticavam devido à proibição da usura por parte da Igreja. Porém, com o aumento da produção e do comércio, começaram a aparecer novas casas bancárias na Europa. As estas seguiu-se a criação de bancos públicos. O primeiro surgiu na Inglaterra.

Sistema doméstico de produção: os empresários compravam a matéria-prima e distribuiam aos trabalhadores, que a manufaturavam, em troca de um pagamento estipulado. Este novo sistema de produção enquadrava-se dentro da organização capitalista.

Substituiu o da Corporação de Ofício, onde o mestre detinha a propriedade da matéria-prima, dos instrumentos de produção e o controle da distribuição. O artesão, ainda de posse das ferramentas (instrumentos de produção) tornou-se mais subordinado.

Companhias regulamentadas: eram associações de comerciantes que se uniam para um empreendimento. Não havia a fusão de capitais dos associados, que concordavam em cooperar em proveito de todos e obedeciam a certas regras definidas. Surgiram da necessidade de uma organização comercial mais adequada às novas condições, porque as medievais não se adaptavam aos negócios que envolvessem riscos e aplicações de grandes capitais.

Sociedades por ações: formadas por associações de capitais. Mesmo não participando da administração, todos os acionistas eram proprietários da empresa. Esta nova forma de organização substituiu as companhias regulamentadas, em razão da necessidade de efetuar negociações que exigissem volumosa soma de capitais, por ser mais ampla e sólida.

Moeda-padrão: o desenvolvimento comercial tornou necessária a existência de sistemas monetários mais estáveis e uniformes. Foi estabelecido um sistema padrão de moeda.

A Revolução Comercial provocou:

nascimento do capitalismo, com o desenvolvimento dos elementos que o constituem;

ascensão da burguesia, que passa a deter o poder econômico em quase todos os países da Europa;

restabelecimento da escravidão, que difere da adotada na Antigüidade: agora, sua finalidade exclusiva era garantir mão-de-obra barata em unidades produtivas coloniais;

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progresso da agricultura, provocado pelo aumento da população, maior consumo e incentivos burgueses. Além disso, a formação de uma classe capitalista, o aumento do mercado consumidor e a matéria-prima que chegava das colônias levaram ao desenvolvimento das manufaturas, que culminaram, no século XVIII, com a Revolução Industrial.

A conquista do Espaço Geográfico Brasileiro

Os homens que os portugueses encontraram

Quando os portugueses aportaram no Brasil, encontraram o território habitado por diversos povos indígenas, que tinham língua, cultura e tradições diferenciadas. Segundo a descrição dos povos que habitavam o litoral baiano, feita por Pero Vaz de Caminha, percebe-se que os portugueses ficaram surpresos com o modo de ser dos indígenas.

“[Os homens] andariam na praia, quando saímos, oito ou dez deles, e de aí a pouco começou a vir [mais]. E parece -me que viriam este

dia à praia quatrocentos ou quatrocentos e cinqüenta. Alguns deles traziam arcos e setas; e deram tudo em troca de carapuças e por qualquer coisa que lhe davam. Comiam conosco do que lhe dávamos, e alguns deles bebiam vinho, ao passo que outros não podiam beber. Mas quer-me parecer, se os acostumarem, o hão de beber de boa vontade! Andavam todos bem dispostos e tão bem feitos e galantes com suas pinturas que agradavam. Carregavam dessa lenha o quanto podiam, com boa vontade, e levavam aos batéis. E estavam já mais mansos e seguros entre

nós do que nos estávamos entre eles (...) [Os portugueses] mostraram-lhes uma galinha, quase haviam medo dela, e não queriam por a mão, e depois a tomaram espantados; deram-lhe ali de comer pão e pescado cozido, confeitos, farteis, mel e figos passas; não quiseram comer daquilo quase nada, e alguma coisa que provavam, lançavam-no fora (...) Eles não lavram nem criam, nem há aqui boi, nem galinha, nenhuma outra alimaria, que acostumada seja viver dos homens (...) Esta terra, Senhor, é muito chã e muito formosa. Nela não podemos saber se haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal; porém, a terra em si é de muitos bons ares (...) querendo aproveitar dar-se-á nela tudo...” Pero Vaz de Caminha. Carta ao Rei de Portugal, D. Manuel. Lisboa, 1500.

A terra que os portugueses conquistaram O Tratado de Tordesilhas garantiu aos portugueses uma expressiva extensão de terra no ocidente. Cabral oficializou a posse dessa terra, porém, sua colonização sistemática só foi iniciada trinta anos depois. De 1500 a 1530, ocorreu o chamado período pré-colonial. O pouco interesse pela colonização do Brasil é explicado pelo fato de Portugal estar auferindo bons lucros com o comércio asiático. A ação da Coroa nas terras da colônia americana limitou-se ao envio de expedições de reconhecimento e defesa, fundação de feitorias, exploração do pau-brasil e a prática do escambo com os nativos.

Divisão das terras novas entre Portugal e Espanha

Quando Portugal se preparava para chegar ao continente asiático, a Espanha também iniciou as navegações oceânicas. Os reis espanhóis, Fernando e Isabel, aceitaram o plano do genovês Cristóvão Colombo que, baseado na esfericidade da Terra, acreditava atingir as Índias navegando para o Ocidente, uma rota mais curta e rápida que a portuguesa. A concorrência espanhola nas navegações preocupou o governo português, que temia pela rota oriental que procurava e pelas terras que já havia encontrado. A descoberta de terras ocidentais pelos espanhóis despertou em Portugal o interesse em assegurar parcela dessa região. A disputa entre os países ibéricos foi encaminhada ao papa Alexandre VI, que, em maio de 1493, expediu a Bula Inter Coetera (veja mapa abaixo). Por ela, a

Espanha ficava com a posse de terras situadas a ocidente de uma linha meridiana imaginária traçada de pólo a pólo, a cem léguas das ilhas de Açores e Cabo Verde, excluídas as que pertenciam a algum príncipe cristão antes de 1492. O rei de Portugal, D. João II, considerando que seu país fora prejudicado, protestou contra a decisão do papa. O conhecimento geográfico dos portugueses mostrava que na porção que lhes cabia pela bula não havia terras.

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Diante da ameaça de Portugal, os reis da Espanha aceitaram estabelecer diretamente outro acordo, que resultou, em julho de 1494, no Tratado de Tordesilhas (veja mapa abaixo). Ficou estabelecido um meridiano traçado a 370 léguas a oeste das ilhas de Cabo Verde. As terras situadas a oeste desse meridiano pertenceriam à Espanha e a leste, a Portugal. Em 1506, por solicitação do rei português, o papa Júlio II ratificou o tratado. Dessa forma, Portugal ficou com o domínio de quase todo Atlântico sul, que era importante como defesa de sua rota para às Índias, e abria a possibilidade de tomar posse de terras ocidentais que já supunha existir.

Início da colonização

Na década de 1530, o comércio asiático estava em crise. Devido a esse fato, a Coroa de Portugal deu início à colonização do Brasil, que deveria se tornar lucrativa. Com esse objetivo foi enviada, em 1530, a expedição colonizadora de Martim Afonso de Souza, para distribuir sesmarias; pôr fim ao contrabando realizado pelos franceses; promover uma nova atividade econômica, implantando a agricultura colonial de exportação – a cana-de-açúcar; policiar a costa brasileira e reconhecê-la geograficamente, averiguando os limites do Tratado de Tordesilhas; e fundar núcleos de povoamento.

Martim Afonso fundou a vila de São Vicente em 1532, organizou a administração, deu início à plantação da cana-de-açúcar e organizou o primeiro engenho do Brasil, o engenho do Governador.

Page 4: Hist. do brasil

O Brasil e o sistema colonial português

Quando falamos em colonização, imediatamente pensamos no ato de colonizar, ou seja, transformar uma região, um espaço geográfico, em colônia, uma possessão, um domínio de um determinado país, a metrópole. No caso do Brasil, os portugueses tomaram posse das terras e deram a ela um nome, Brasil, que passou a ser uma possessão, um domínio colonial da metrópole portuguesa. Quando, em 1530, o rei D. João III enviou ao Brasil a expedição colonizadora de Martim Afonso de Souza, estava lançando as bases que transformava o território já conquistado, inserindo-o no Sistema Colonial português. Esse sistema se constituía num conjunto de relações entre a metrópole (Portugal) e a colônia (Brasil).

A nível econômico, a colônia deveria consumir os produtos metropolitanos e produzir gêneros que pudessem ser ofertados no mercado europeu. Isso significava que a colônia já havia nascido sob o estigma do comércio, portanto, com uma produção de excedente para a exportação. O exclusivismo comercial, ou seja, o monopólio do comércio, era uma garantia de bom lucro para a classe mercantil metropolitana e a acumulação de capitais só ocorria fora da colônia. Politicamente, havia total domínio do Estado absolutista português sobre a colônia e os colonos eram subordinados e dependente dele. O monarca português impedia a participação política dos colonos que, assim, não tinham plena cidadania. As pessoas que deveriam ocupar os altos cargos políticos e judiciários eram nomeadas pelo rei, geralmente portugueses.

Com o decorrer do tempo, surgiu uma elite colonial que pôde participar das decisões políticas através das Câmaras de Municipais. Elas se constituíram no único espaço de atuação reservado à essa elite.

Formou-se na colônia uma sociedade que representava a continuidade da portuguesa, mas que também possuía características próprias, devido às relações socioeconômicas que se estabeleceram. A colônia também se constituía em terra de conquista religiosa. A Bula Inter Coetera e a confirmação do Tratado de Tordesilhas pelo papa Júlio II legitimavam a conquista e a ocupação da terra, significando que a Igreja Católica apoiava a ação colonial das Coroas ibéricas.

Os clérigos transformaram a colônia em católica, única religião de que se podia fazer parte. Foi fundamental o papel da Igreja no sistema colonial português. Além de ser responsável pela transmissão do conhecimento, tradição e cultura metropolitana, atuou junto aos nativos ao lado da elite colonial e da Coroa, pois justificou a escravidão africana e a exploração do trabalho livre do colono pobre.

Pacto colonial

Page 5: Hist. do brasil

O monopólio comercial da metrópole era a base de sustentação de todo o sistema colonial, visto que, por meio do comércio, as metrópoles obtinham altos lucros, muitas vezes participando como simples intermediárias. Esse monopólio que a metrópole exercia sobre a

colônia chamava-se Pacto Colonial. Assim, podemos concluir que o sistema colonial atendia aos objetivos mercantilistas das metrópoles, que procuravam defender seus impérios coloniais, dirigir a administração, organizar o controle fiscal e reservar para si os benefícios do comércio com suas colônias. Apoiadas no Pacto Colonial, as metrópoles garantiam para si a aquisição de todos os produtos coloniais, pagando por eles um preço mínimo, o suficiente para estimular a produção. Concomitante, procuravam levar os colonizadores a produzir apenas os bens que estivessem em falta no mercado europeu, desenvolvendo uma economia complementar à metropolitana. Em conseqüência, as colônias tornavam-se consumidoras dos produtos das metrópoles. No entanto, nota-se que, apesar dos interesses essencialmente comerciais, houve necessidade de povoar as colônias e organizar um

modelo econômico e administrativo. O Absolutismo e o Mercantilismo caracterizaram a colonização ibérica: Portugal e Espanha controlavam todo o processo político das colônias.

O Pacto Colonial impunha um rígido controle sobre tudo que entrava e saía da colônia. Portugal dominava o comércio e o transporte de

mercadorias. Acima, vista da cidade de Salvador e da Baía de Todos os Santos.

“Há dois níveis de apropriação no Sistema Colonial: a realizada pelo senhor no nível da produção escravista e da exploração do trabalho

escravo, e a colonial propriamente dita, realizada pela Coroa, pelos negociantes e centros econômicos europeus. Estas duas formas de apropriação supõem duas formas básicas de dominação: a senhorial (presente na relação senhor-escravo) e a colonial (na relação metrópole-colônia) (...) Se por um lado, a metrópole estava interessada em manter a colônia para si e subjugar os colonos enquanto súditos fiéis, regulamentando a continuidade da exploração colonial em termos mais amplos, por outro, o colono tinha o interesse específico de preservação do seu empreendimento particular.”

Silvia H. Lara. Campos de Violência. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

Economia canavieira

Os portugueses não encontraram no Brasil, num primeiro momento, os metais preciosos que tanto desejavam, entretanto, a colônia devia ser explorada economicamente e cumprir o seu papel dentro da política mercantilista. A Coroa e a classe mercantil portuguesa teriam de optar por uma atividade econômica que desse lucro. Como sabiam que a terra era fértil, portanto, podiam estimular a agricultura. O produto escolhido foi a cana-de-açúcar porque o açúcar possuía bom mercado consumidor e era bem valorizado no mercado europeu. A cana adaptava-se ao clima quente e úmido da costa brasileira e Portugal tinha experiência anterior adquirida com a produção de açúcar em ilhas do Atlântico (Cabo Verde e Madeira). Além disso não existiam concorrentes fortes, visto que nem os italianos e muito menos os espanhóis conseguiam atender o mercado consumidor.

A colônia do açúcar

Em 1532, foram plantadas as primeiras mudas de cana-de-açúcar no Brasil. Cultivadas inicialmente em São Vicente, logo espalharam-se em outras capitanias. Mas foi em Pernambuco que encontrou condições favoráveis para o seu pleno desenvolvimento: clima, rios perenes e solo de massapé. No final do século XVI, essa capitania possuía mais de 60 engenhos e em pouco tempo o açúcar brasileiro dominava o mercado europeu. Mas o plano de colonização só se completou com a atuação da classe mercantil holandesa que teve um papel preponderante na economia açucareira do Brasil. Como Portugal não possuía tecnologia para a refinação do açúcar e já não contava com um grande número de navios, os holandeses, que já eram parceiros econômicos de Portugal, encarregaram-se do transporte, refinação e distribuição do açúcar brasileiro no mercado europeu.

Além disso, como era necessário um investimento inicial, também investiram na produção, emprestando dinheiro às pessoas interessadas em montar um engenho. Assim, parte do lucro do açúcar ficava nas mãos da classe mercantil holandesa.

A empresa agrícola colonial

A produção do açúcar era realizada na fazenda com suas extensas lavouras de cana, resultando no surgimento da grande propriedade monocultora. A monocultura estava intrinsecamente ligada ao atendimento do mercado europeu e, mesmo nos momentos de crise, a produção não era diversificada, isto é, não plantavam outros produtos. Quando o mercado consumidor de açúcar ampliava-se, eram incorporadas novas áreas para a plantação de cana, não ocorrendo uma melhoria nas técnicas de cultivo.

Para constituir a empresa mercantil açucareira havia necessidade de mão-de-obra abundante. Trazer de Portugal para o Brasil trabalhadores assalariados era praticamente impossível, pois os portugueses não se sentiam atraídos pela colônia. Como o mercado de escravos africanos era controlado por comerciantes portugueses, eles decidiram dar continuidade esse a lucrativo comércio. Com apoio dos holandeses, intensificaram o tráfico negreiro e começaram a abastecer os canaviais. Estava montada a empresa agrícola colonial no Brasil, que articulava três elementos essenciais: a terra, o trabalho compulsório e a monocultura.

“(...) Pois o Brasil, e não todo ele, senão três capitanias, que são a de Pernambuco, a de Tamaracá e da Paraíba (...) e somente neste

espaço de terra, sem adjutório de nação estrangeira, nem de outra parte, lavram e tiram os portugueses das entranhas dela, à custa de seu trabalho e indústria, tanto açúcar que basta para carregar, todos os anos, centro e trinta ou centos e quarentas naus, de que muitas delas são de grandíssimo porte, sem Sua Majestade gastar de sua fazenda para a fábrica e sustentação de tudo isto um só vintém, a qual carga de açúcares se leva ao Reino e se mete nas alfândegas dele, onde pagam os direitos devidos a Sua Majestade (...)”

Ambrósio Fernandes Brandão. Diálogo das grandezas do Brasil (1618).

A grande propriedade rural monocultora

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A grande propriedade rural destinada à produção de açúcar era chamada de engenho. Na realidade, o engenho era o local onde se reuniam

as instalações de manipulação da cana e o fabrico do açúcar. Por extensão, o termo passou a ser sinônimo de propriedade canavieira. Os senhores de engenho formavam a elite local e tiveram acesso fácil à terra. Em Portugal, eram homens ligados à pequena nobreza, militares ou navegadores que, devido aos favores prestados ou vitórias conquistadas, como recompensa, receberam uma sesmaria no Brasil. A sesmaria se constituía numa propriedade privada que variava de 10, 20 e, às vezes, até 50 léguas de costa litorânea. Os proprietários de terra, ou sesmeiros, constituíram a camada dominante colonial, conhecidos por homens bons. Na grande propriedade canavieira havia a casa-grande, residência do senhor de engenho, sua família e seus agregados; a senzala, onde moravam os escravos, geralmente localizada próxima à casa-grande, formada de um só prédio ou, às vezes, de pequenas habitações; a capela, anexa à casa-grande, congregava os habitantes do engenho nas cerimônias religiosas. Além da plantação de cana, havia também o

pomar, plantações de outros produtos para a alimentação dos moradores da fazenda e as matas para o fornecimento de madeira. As instalações do engenho propriamente dito eram: a moenda (onde se extraía o caldo), a caldeira (onde o caldo era fervido), a casa de purgar (onde se completava a purificação do açúcar), as oficinas, a estrebaria e a forja. O investimento inicial para constituir o engenho era muito alto e a cada dez ou doze anos havia necessidade de renovar os equipamentos. Além disso, mesmo a terra sendo fértil, era necessário aguardar no mínimo dois anos para começar a obter lucro.

Escravismo colonial Mas o que é “ser escravo”? A pessoa do escravo era propriedade de outro homem; sua vontade estava subordinada à autoridade do dono, senhor, e o seu trabalho era obtido mediante coação. Enquanto propriedade de outro, o escravo podia ser vendido ou comprado como uma mercadoria. Portanto, nos engenhos do Brasil colônia, os escravos se constituíam numa mercadoria, propriedade dos donos e, acima de tudo, objeto de trabalho. No início da montagem da empresa colonial foram escravizados os indígenas, entretanto, o tráfico negreiro era uma atividade a ltamente

lucrativa não só para Portugal como também para a camada mercantil metropolitana. A procedência dos africanos era de Angola, Moçambique e Congo – os bantos –, introduzidos no Nordeste e Rio de Janeiro, e da Guiné, Costa do Ouro e Daomé – os sudaneses –, introduzidos na Bahia. Havia no litoral africano feitorias portuguesas que se encarregavam de manter os negros capturados. Nessas feitorias, os traficantes encostavam os seus navios, chamados tumbeiros, recolhiam os africanos e os transportavam para o Brasil. Os negros eram amontoados nos porões dos navios, recebendo pouco alimento. Muitos contraíam doenças, resultando na morte de boa parte deles. Mesmo com o alto índice de mortalidade, o lucro que a venda de escravos proporcionava era bastante elevado. No mercado escravo brasileiro, 200 a 300 escravos eram expostos nas calçadas para serem vendidos. Eram tratados como “peça” e o preço variava de

acordo com a idade. Os primeiros escravos negros começaram a chegar por volta de 1540, mas foi no final do governo de Mem de Sá, portanto em 1570, que o escravismo colonial se alastrou significativamente. No final do século XVI estimava-se que o Brasil tivesse 57.000 habitantes, assim distribuídos: 25.000 brancos, 18.000 índios escravos evangelizados e 14.000 negros. Já no século XVII estimavam-se 560.000 escravos negros.

Um cronista do século XVI, Magalhães Gandavo, afirmou que:

“Os moradores desta Costa do Brasil todos tem terras de Sesmarias dadas e repartidas pelos Capitães de terras, a primeira cousa que pretendem alcançar são escravos para lhes fazerem e granjearem suas fazendas, porque sem eles não se podem instalar na terra.” Um outro cronista do século XVIII, André João Antonil, concluiu que: “Os escravos são os pés e as mãos do senhor de engenho, porque sem eles no Brasil não é possível conservar e aumentar fazendas, nem ter engenho corrente.”

Essas duas leituras nos ajudam compreender que sem o trabalho escravo o engenho não funcionaria e a riqueza de engenho dependia do maior e melhor desempenho do escravo. De que adiantava ganhar terras no Brasil se não tivesse o braço do escravo para trabalhá-la? Essa era a concepção do mundo mercantil colonial dos senhores de engenho.

O escravismo colonial era estruturalmente mercantil, pois a produção estava voltada para o mercado externo, almejando lucro. O escravo moderno era concebido como uma “peça” que produzia outra “peça”, o açúcar, portanto, duas peças fundamentais da empresa colonial. Além disso, o escravismo integrava as três camadas sociais do mundo colonial: o escravo, o senhor de engenho e a classe mercantil portuguesa. O mundo do escravo era bastante heterogêneo. Havia uma distinção entre o cativo recém-chegado da África, denominado boçal, e o africano já aculturado e que entendia a língua portuguesa, o ladino. Ambos trabalhavam na agricultura, mas entre os ladinos estavam os escravos domésticos (amas-de-leite, mucamas, cozinheiras, negros de recado), que, muitas vezes, habitavam os porões da casa-grande. A escravidão negra passou a interferir diretamente no modo de viver, de produzir e nas relações pessoais. Esse fato gerou um preconceito singular das sociedades escravistas, qual seja, o trabalho manual devia ser executado somente pelo negro. Quanto mais se pulverizavam as

atividades manuais, aumentava o número de escravos africanos na colônia. No interior das residências, o trabalho do africano se tornava hegemônico, e até mesmo as famílias com poucos recursos utilizavam o escravo de aluguel. Em seu conjunto, os escravos eram diferenciados em africanos, os recém-chegados, e os crioulos, nascidos no Brasil. Esta diferenciação criava uma distância entre os escravos, na falsa ilusão de que uns eram “inferiores” e outros “superiores”.

Vigiar e punir Como nas relações escravistas há a exploração do homem pelo homem, Antonil (um dos cronistas que melhor retratou o trabalho escravo no engenho), tentando amenizá-las, recomendava aos senhores que: “Ao modo como se há com eles tratamento dispensado aos escravos, depende tê-los bons ou maus para o serviço.” A expressão “como se há” significa como podia e devia ser o relacionamento com os escravos. Dependendo do tipo de relação

estabelecida, os resultados no trabalho seriam bons ou maus. Entretanto, o cronista Jorge Benci nos conta outro aspecto do trabalho escravo: os maus-tratos, o castigo. Demonstra, assim, que as recomendações de Antonil não eram seguidas. Vejamos:

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“Suposto pois que o castigo deva ser moderado, e não governado pela paixão: pergunto eu aos senhores do Brasil se é castigo racionável

cortar-lhes as orelhas ou os narizes, marcá-los nos peitos, ou ainda na cara (...) Haja açoites, haja correntes e grilhões, tudo a seu tempo e com regra e moderação de vida e vereis como em breve tempo fica domada a rebeldia dos servos.” Tentando escapar das péssimas condições de trabalho, dos açoites e das torturas, os escravos negros fugiam das fazendas – uma das formas de resistência à escravidão. Eram perseguidos pelos capitães-do-mato e quando recapturados e devolvidos aos seus proprietários, sofriam duros castigos aplicados pelos feitores. Tanto os capitães-do-mato como os feitores tinham um papel preponderante à estabilidade e sobrevivência do escravismo colonial. Os capitães-do-mato constituíam a “polícia”, a repressão particular do senhor de engenho, aquele que perseguia e reprimia os “negros fujões”. Já os feitores organizavam e controlavam os grupos de trabalho nos engenhos.

Administração colonial Para assegurar a posse da terra, o rei D. João III, na terceira década do século XVI, resolveu iniciar a colonização simultânea e efetiva de todo o litoral, e essa era a condição necessária para que a defesa fosse eficiente. Como forma administrativa, foi introduzido o sistema de

capitanias hereditárias, que não constituía novidade para Portugal, pois já o havia adotado, com êxito, nas ilhas do Atlântico.

Capitanias hereditárias

As capitanias hereditárias consistiam na divisão da terra em lotes e na entrega desses a donatários, que se comprometiam a colonizá-los. Assim, a responsabilidade de aplicação de capitais era transferida da colônia para particulares; com essa prática, poupava-se o capital real e incentivavam-se os empreendimentos particulares. A capitania deveria funcionar como um estabelecimento

militar e econômico, preocupando-se com a defesa e o desenvolvimento de atividades capazes de estimular o comércio português. No ano de 1534 a costa brasileira foi dividida em quinze lotes que variavam de 20 a 100 léguas, estendendo-se pelo litoral brasileiro até o meridiano de Tordesilhas. Cada lote foi entregue a um Capitão-

donatário que se comprometia a colonizá-lo. O donatário era nomeado diretamente pelo rei, portanto, era o homem de confiança, o legítimo representante dos interesses da metrópole. Geralmente ele fazia parte do grupo de militares com experiência em alguma parte do Império, ou dos quadros administrativos da Coroa. O Capitão-

donatário possuía grandes poderes, visto que dispunha das terras para ocupá-las e distribuí-las entre os colonos, nomeava as autoridades, podia escravizar os índios, fundava vilas. O funcionamento das capitanias era regulamentado através de dois documentos: a Carta de Doação, a concessão da capitania ao donatário, e a Carta Foral, os direitos e

deveres do donatário. Através da Carta de Doação ficava estabelecido que:

a transmissão da posse da capitania era por hereditariedade;

o Estado podia retomar a terra doada, desde que houvesse deslealdade ou abandono do donatário;

o donatário tinha poderes judiciários e administrativos;

era permitida a escravização de uma certa quantidade de nativos;

os nativos deviam ser evangelizados;

o monarca considerava que as terras do Brasil, limitadas pelo Tratado de Tordesilhas, bem como os seus antigos habitantes, lhe pertenciam;

era necessário povoar a terra. Através do Foral ficavam estabelecidos os direitos e deveres dos donatários, entre eles: aplicar a justiça; doar sesmarias; cobrar impostos,

quando diz “que se na dita terra hão de pagar”. Além disso, a Coroa reservava para si o monopólio do pau-brasil, das especiarias e o quinto

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dos metais preciosos. Agora, leia parte de uma Carta Foral.

Carta Foral de Duarte Coelho “Dom João etc. A quantos esta minha carta virem faço saber que eu fiz ora doação (...) é conteúdo e declarado na carta de doação que da dita terra lhe tenho passada, e por ser muito necessário haver aí foral dos direitos, foros e tributos e coisas, que se na di ta terra hão de pagar, assim do que a mim e à coroa de meus reinos pertencerem, como do que pertencerem ao dito capitão, por bem da dita sua doação, eu havendo respeito à qualidade da dita terra e a se ora novamente ir morar, povoar e aproveitar, e porque se nisto melhor e mais cedo faço, sentindo assim por serviço de Deus e meu e bem do dito capitão e moradores da dita terra, e por folgar de lhes fazer mercê, houve por bem de mandar ordenar e fazer o dito foral na forma e maneira seguinte.”

(24 de setembro de 1534) Somente duas capitanias prosperaram: Pernambuco e São Vicente.

Pernambuco: doada a Duarte Coelho, foi favorecida pela maior proximidade da metrópole e a colaboração de grupos indígenas que garantia certa proteção. O donatário soube tirar o maior proveito da região. Fundou a vila de Olinda, que veio a se const ituir no grande centro aristocrático do Brasil, explorou pau-brasil, diversificou a agricultura e desenvolveu a navegação, com o objetivo de abastecer as capitanias mais próximas com os alimentos produzidos nas lavouras pernambucanas. Mas o fator que mais pesou para o sucesso dessa capitania foram as condições favoráveis ao cultivo de cana-de-açúcar.

São Vicente: doada a Martim Afonso de Souza, prosperou no começo, devido à lavoura da cana-de-açúcar, entretanto, logo entrou em declínio, pois o solo não contribuía e sofreu concorrência do Nordeste. As demais capitanias fracassaram. As razões para o fracasso foram: falta de recursos financeiros de alguns donatários, incapacidade

administrativa, ataque dos índios e corsários e distância da metrópole. A distância das capitanias da metrópole resultou num isolamento dos colonos em relação à Coroa de Portugal, o que permitiu a descentralização político-administrativa da colônia. Com o passar dos tempos, as capitanias, que estavam nas mãos de particulares, foram sendo controladas pelo Estado. Na administração do Marquês de Pombal, todas as capitanias passaram a ser reais (1754).

Governo-geral Mediante esses acontecimentos, D. João III criou em 1548 o Governo-Geral, no intento de centralizar a administração. Nesse ano, nomeou Tomé de Souza o primeiro Governador-Geral.

Regimento de Tomé de Souza “Eu, el-rei, faço saber a vós, Tomé de Sousa, fidalgo de minha casa, que, vendo eu quanto serviço de Deus, e meu, é conservar e

enobrecer as capitanias e povoações das terras do Brasil, (...) e, ordenei ora de mandar nas ditas terras fazer uma fortaleza e povoação grande e forte em um lugar conveniente, para daí se dar favor e ajuda às outras povoações e se ministrar justiça e prover nas coisas que cumprirem a meu serviço e aos negócios de minha Fazenda e a bem das partes, e por ser informado que a Bahia de Todos os Santos é o lugar mais conveniente da costa do Brasil para se poder fazer a dita povoação (...) faça a dita povoação e assento e, para isso vá uma armada com gente, artilharia, armas e munições e tudo o mais que for necessário (...) hei por bem de vos enviar por governador às ditas terras do Brasil. (...)” (17 de dezembro de 1548)

Através do “Regimento de Tomé de Souza” ficou estabelecido:

a centralização do poder nas mãos do governador, que deveria coordenar a administração, fiscalizando as capitanias, cuidando e fortalecendo o povoamento, ministrando a justiça;

a Bahia como sede político-administrativa da colônia. Além disso, a Coroa incentivava a conversão do gentio à fé católica e a organização de expedições exploratórias para o interior, cujo

objetivo era descobrir os metais preciosos.

No Governo-Geral surgiu uma burocracia colonial que governava em nome do rei: ouvidor-mor, encarregado da justiça; provedor-mor, responsável pelos negócios da fazenda; capitão-mor, cuidava das funções defensivas; alcaide-mor, era o chefe da milícia. Nesse momento, o Estado suprimiu algumas prerrogativas dos donatários, principalmente a autoridade jurídica. Algumas capitanias

foram retomadas dos seus antigos proprietários, como foi o caso da Bahia. O primeiro governador, Tomé de Souza, desembarcou em Salvador, em 1549, e governou o Brasil até 1553. Durante seu governo ocorreu a distribuição de várias sesmarias, o que significou a ocupação da terra e, além disso, houve o incentivo à economia açucareira. No ano de 1552, foi instalado em Salvador o primeiro bispado do Brasil, cujo bispo foi D. Pero Fernandes Sardinha, surgindo assim a diocese da Bahia. Junto com o primeiro governador vieram os jesuítas, os quais muito contribuíram na colonização, evangelizando os índios e educando em seus colégios a elite colonial. Em 1553, chegou o segundo governador, Duarte da Costa. Nesse período vieram mais jesuítas, que em 1554 fundaram o colégio de São Paulo, a origem da cidade de São Paulo. O crescimento econômico continuou ocorrendo, porém, a Coroa de Portugal teve problemas com a

ocupação francesa na baía de Guanabara.

União Ibérica (1580-1640) O Brasil espanhol: reação holandesa e expansão bandeirante Em 1578, o rei de Portugal, D. Sebastião, morreu na batalha de Alcácer-Quibir, contra os árabes, no norte da África. Criou-se um

problema dinástico no país, pois o rei não possuía nenhum descendente para substituí-lo. Inicialmente o trono foi ocupado pelo seu tio-avô, o cardeal D. Henrique. Mas, com a morte deste, em 1580, o problema continuou.

Invasão espanhola em Portugal

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No século XVI, Carlos V, da dinastia de Habsburgo, governava um vasto Império, que compreendia: o Sacro Império Romano Germânico, a Espanha e suas colônias, territórios da Itália e os Países-Baixos (Holanda, Bélgica e parte de Luxemburgo). Em 1556, abdicou

ao trono em favor de seu filho, Felipe II, que governou, de forma absolutista, até 1598. Felipe II fez de Madri o centro político-administrativo do país e, por que não dizer, do Império. Herdando de seu pai os conflitos internacionais, manteve-se em guerra com a França, a Inglaterra e o Império Turco. Pretendia anexar novas regiões ao seu Império. Quando, em 1580, houve o problema sucessório em Portugal, renasceu o velho sonho castelhano de anexar essa nação. Felipe II apresentou-se como candidato legítimo ao trono português, pois era neto do antigo rei português D. Manuel I, o Venturoso (sua mãe, Dona Isabel, era filha de D. Manuel). A atitude de Felipe II provocou forte resistência dos nacionalistas portugueses, que não queriam a anexação de seu país à Espanha. Porém, as tropas espanholas invadiram Portugal, obtendo uma série de vitórias, e impuseram Felipe II como rei. No ano seguinte (1581), houve a

legalização de seu governo nas Cortes de Tomar. Frente à conquista do trono português, o novo soberano disse com ironia: “Herdei-o, comprei-o e, para tirar dúvidas, conquistei-o.”

No século XVI, Carlos V governou o maior Império da Época Moderna.

Dominação espanhola em Portugal Entre 1580 e 1640 houve a União das Coroas Ibéricas, período em que Portugal foi governado pelos reis de Habsburgo. Felipe II, da Espanha, Felipe I, em Portugal, assumiu nas Cortes de Tomar vários compromissos em relação a Portugal, entre eles os de manter:

a autonomia do país, que passou a ser governado por vice-reis;

os funcionários portugueses nas Cortes;

o comércio das colônias sob o monopólio português;

a língua e a moeda portuguesas como oficiais. Com a morte do rei em 1598, assumiu o trono da Espanha Felipe III (Felipe II em Portugal), que governou até 1621. Ao contrário de seu antecessor, não soube governar de forma centralizadora favorecendo o aparecimento de crises internas. Os últimos vinte anos da União Ibérica ocorreram no governo de Felipe III de Portugal, (Felipe IV da Espanha). Esse rei não quis compromisso com a administração, passando o governo a seus ministros. Enquanto a Espanha atravessava uma acentuada crise econômica, a

nobreza e clero viviam na ostentação. No ano de 1640 acentuou-se a instabilidade política e social. Estourou uma revolta na região da Catalunha e os revoltosos pediram auxílio à França, que os apoiou, levando a uma guerra entre os dois países. Portugal aproveitou esse momento para reagir ao domínio espanhol. A rebelião da Restauração saiu vitoriosa e, em 1640, o duque de Bragança foi aclamado rei de Portugal, como D. João IV, iniciando assim, a dinastia de Bragança. Chegava ao fim a União Ibérica de sessenta anos.

Domínio espanhol no Brasil

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No período da União das Coroas Ibéricas, foi assegurado o domínio português sobre a colônia americana.

Nas regiões orientais, ao contrário, as colônias portuguesas foram gradativamente sendo ocupadas e perdidas para os ingleses e holandeses. No Brasil, ocorreram fatos bastante significativos:

foram conservadas as autoridades portuguesas;

tornou-se fácil o avanço territorial, pois os limites estabelecidos pelo Tratado de Tordesilhas deixaram de vigorar;

deu-se a penetração e conquista do Nordeste;

estabeleceu-se um comércio entre o sul da colônia e a região do Prata;

desenvolveu-se o bandeirismo;

ocorreram vários ataques corsários em nosso litoral e os holandeses invadiram a Bahia e Pernambuco.

Bandeirantes

“Há nesta capitania mais de quarenta mil índios escravos dos portugueses, e por cobiça de ganhar mais os matam com t rabalhos, sem dar-lhes mais sustento que uma espiga de trigo das Índias que aqui dizemos milho.” (Informação de Manuel Juan de Meireles sobre São Paulo, de 1636) Para que possamos entender os motivos que levaram os habitantes da capitania de São Vicente a organizarem expedições ao interior – as bandeiras – é necessário recuarmos até a fase inicial da colonização do Brasil.

As Bandeiras A partir da Expedição de Martim Afonso de Souza, os colonos passaram a desenvolver a lavoura canavieira no Brasil, destinada à exportação, e foi em São Vicente que ela iniciou. Porém, nessa região, a economia canavieira teve curta duração. A capitania passou a ter uma economia de subsistência, com o cultivo do

trigo, milho, algodão e frutas, para o consumo local. A partir da segunda metade do século XVI, os vicentinos estavam numa situação de penúria e era necessário buscar um remédio para esta pobreza. A solução encontrada foi avançar para o interior e apresar índios para o escravismo. Teve início, assim, o movimento das Bandeiras, que inicialmente objetivava aprisionar índios para o escravismo e, mais tarde, dedicou-se à procura do ouro.

Índio: lucro do bandeirante No período do domínio espanhol, as regiões africanas que forneciam mão-de-obra escrava caíram em poder dos holandeses. Com isso, houve uma diminuição da oferta de escravos negros para a lavoura e conseqüente encarecimento de seu preço. Essa situação levou os bandeirantes a se dedicarem à captura e comércio de índios, que passou a ser uma atividade econômica necessária à sobrevivência dos paulistas. As bandeiras de caça ao índio tiveram início no final do século XVI e se intensificaram no século XVII. As primeiras bandeiras

apresavam os indígenas para usá-los como mão-de-obra na própria capitania. Posteriormente, passaram a vender os nativos como mão-de-obra no Nordeste açucareiro. Aos poucos, as bandeiras se transformavam em empresas comerciais, que objetivavam o lucro. Oficializadas na Câmara de São Paulo, representavam os interesses do poder local. Os bandeirantes faziam da vila de São Paulo um ponto avançado de penetração para o interior. Dessa forma, ultrapassavam os incertos limites do Tratado de Tordesilhas e atingiam regiões como Mato Grosso, Paraguai, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, bem como o rio Amazonas. As primeiras bandeiras aprisionavam índios não aculturados. Porém, após 1610, investiam sobre índios catequizados das Reduções

Jesuíticas, que possuíam mão-de-obra mais especializada. Desse período destacamos dois bandeirantes: Manoel Preto e Raposo Tavares. As bandeiras de caça ao índio declinaram, na segunda metade do século XVII, quando os portugueses retomaram os centros africanos fornecedores de escravos negros.

Luta entre bandeirantes e índios no interior do Brasil. Os bandeirantes, que partiam de São Vicente, penetravam no interior do território brasileiro, indo muito além dos limites de Tordesilhas. Gravura de Johann M. Rugendas, feita no século XIX

As reduções jesuíticas As reduções eram aldeamentos, criados a partir de 1607 e dirigidos pelos jesuítas. Esses povoados foram organizados inicialmente no Guaíra (bacias dos rios Paranapanema e Paraná até a foz do rio Iguaçú), também na região do Paraná-

Uruguai (bacias dos rios Paraná e Uruguai) e no Itatim, 500 quilômetros ao norte de Assunção do Paraguai. As reduções do Paraguai, como eram conhecidas, se tornaram

alvo predileto das Bandeiras porque os índios que ali viviam:

conheciam técnicas de cultivo agrícola ensinadas pelos padres;

domesticavam o gado e desenvolviam a agropecuária em alta escala;

praticavam o artesanato;

estavam organizados em milhares de pessoas.

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Entre 1612 e 1638, segundo documentos da Corte de Madri, foram escravizados mais de 300 mil índios, que habitavam em tribos ou então

nas Reduções. Entre 1628 e 1631 foram vendidos 60 mil índios no mercado escravo brasileiro. Em 1626 os jesuítas e os guaranis reduzidos transmigraram das reduções do Guaíra para a região do Tape (interior do atual Rio Grande do Sul). Iam fugindo dos escravagistas. Ao chegarem, fundaram dezoito reduções entre os rios Ijuí e Piratini. Porém, a partir de 1636, os bandeirantes invadiram as reduções do Tape, ocorrendo luta até 1640, quando os bandeirantes sofreram a sua primeira (grande) derrota militar. Aproximadamente 30 mil índios reduzidos foram levados para São Paulo e de lá vendidos para engenhos de cana-de-açúcar como

escravos.

Sobre os moradores de São Paulo “Trata-se de terra fertilíssima, que produz trigo, milho e vinho (uva), carnes de vaca e porco. Beneficia-se isso e se leva ao comércio pela

costa no lombo de índios e índias, a quem carregam como mulas, mesmo que tenham filhos para criar. Os moradores daquela vila são castelhanos, portugueses e italianos, e gente de outras nações, aos quais ali agregou a vontade de viverem com liberdade e desafogo, e sem qualquer prêmio da justiça. É seu “instituto” (norma consagrada!) destruir o gênero humano, matando a seres humanos, se estes, para fugirem da miserável escravidão em que os põem, lhes escapam. Passam dois e três anos nesta caça de gente, como se fossem bestas ou bichos. Por vezes estiveram-no de dez a doze anos e, voltando às suas casas, acharam filhos novos, provenientes daqueles que, pensando já mortos a eles próprios, tinham se casado com suas mulheres, mas trazendo também eles consigo os que haviam engendrado nas selvas.”

Pe. Antônio Ruiz Montoya. A Conquista Espiritual. (1ª ed. 1639). 2ª ed. Porto Alegre: Martins, 1997, pp. 141-42

Os bandeirantes e o ouro

Como os portugueses, após a expulsão dos holandeses, retomaram o lucrativo empreendimento do tráfico de escravos da África para o Brasil, os bandeirantes perderam o mercado interno de mão-de-obra indígena. Mas, apoiados pelo governo português, passaram a organizar expedições, com a finalidade de localizar no interior do Brasil as jazidas de metais e pedras preciosas. Em 1674, a bandeira de Fernão Dias Pais partiu de São Paulo, à procura de esmeraldas na região de Minas Gerais. Somente em 1681 é que encontrou, próximo ao rio da Velhas, algumas pedras, mas eram turmalinas. Outros bandeirantes percorreram o mesmo caminho, até que encontraram ouro. As jazidas localizavam-se na região que fazia parte de um vasto planalto, destacando-se a Serra do Espinhaço, que corria na direção norte-sul, separando a bacia do rio Doce, a leste, da do São Francisco, a oeste. Desta fase destacam-se os bandeirantes Garcia Rodrigues Pais, Antônio Rodrigues Arzão, Pascoal Moreira Cabral e

Bartolomeu Bueno da Silva.

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Transformações decorrentes da colonização do Brasil Se, no princípio da colonização do Brasil, a afirmativa de Frei Vicente do Salvador de que “os portugueses contentam-se em andar arranhando ao longo do mar como caranguejos”, era adequada, o mesmo não podemos dizer no final do século XVIII. Nesse momento, a colônia havia mudado muito, inclusive tinha uma população semelhante à da metrópole, entre três a quatro milhões de habitantes. A colonização do Brasil não foi impulsionada por pressões demográficas, mas envolveu amplos movimentos populacionais. A colônia

sempre esteve em constante mobilidade populacional, e a mineração foi um fator preponderante para que esse fato ocorresse. Também o tráfico negreiro carreou contingentes africanos que contribuíram na organização do espaço colonial. Pode-se observar, pelo mapa abaixo, que lentamente os colonos foram ocupando o interior da colônia, movidos pelos mais diversos objetivos e circunstâncias. Aos poucos, aventureiros, caçadores de índios, militares e missionários jesuítas refizeram o mapa do Brasil. Se no século XVI os portugueses obedeceram os limites impostos pelo Tratado de Tordesilhas, posteriormente, a marcha do povoamento e a conseqüente urbanização avançaram às terras que pertenciam à Coroa de Espanha. A União das Coroas Ibéricas (1580 a 1640) e a mineração foram os dois momentos preponderantes na expansão luso-brasileira. As frentes de expansão se multiplicavam e os colonos marchavam para o Oeste, o Sul e o Norte.

Expansão rumo ao sul

A União das Coroas Ibéricas favoreceu o comércio dos colonos e dos caçadores de índios com as cidades espanholas do Vice-Reinado do Peru, entre elas Assunção, Vila Rica, Ciudad Real, Córdoba e, em menor escala, Buenos Aires. Os comerciantes trocavam açúcar e escravos por couro, sebo e prata da cidade de Potosí. Esse comércio intenso foi limitado pelo rei espanhol Felipe IV, ao criar a Alfândega de Córdoba, mas esse fato estimulou o contrabando, via rio Uruguai. Em 1640, quando findou a União Ibérica, os habitantes de Buenos Aires e Córdoba começaram a hostilizar os luso-brasileiros, impedindo-os de contrabandear, caçar os indígenas e prear o gado que vivia nas pradarias do Uruguai. Mesmo assim, os luso-brasileiros continuaram agindo nas pradarias, recolhendo o gado. Dessa atividade surgiu o vaqueiro, que laçava o gado xucro, e o tropeiro, que o transportava para as regiões de Lages e Laguna, em Santa Catarina, e após para São Paulo, atingindo as feiras de Sorocaba.

Os comerciantes luso-brasileiros sempre tiveram a necessidade de expandir os seus negócios coloniais até a zona da bacia do rio da Prata. Esse comércio não significava ferir os princípios do Tratado de Tordesilhas, porque não envolvia povoamento. Quase no final do século XVII, o rei de Portugal nomeou D. Manuel Lobo para governar o Rio de Janeiro e estender seus domínios até a margem esquerda do rio da Prata, em frente da cidade espanhola de Buenos Aires. Posteriormente, D. Manuel Lobo embarcou para o Sul, rumo à ilha de São Gabriel, no rio da Prata, com o objetivo de fundar outra colônia portuguesa na América. Em janeiro de 1680, foi fundada a colônia do Santíssimo Sacramento, na região do Prata, que representava os interesses econômico, estratégico-militar e político da Coroa de Portugal, no extremo Sul. Deveria ser um entreposto comercial que introduzisse a mão-de-obra escrava africana na região, a cana-de-açúcar, em troca de metais preciosos, produtos oriundos da pecuária (couro, sebo, graxa e chifre) e erva-mate. Além disso, os portugueses davam

início ao processo de povoamento do Sul, pois seguiram com D. Manuel Lobo alguns casais de negros forros e brancos para construírem suas fazendas de criação de gado. A colônia do Sacramento (veja figura abaixo) foi fundada nos moldes das colônias portuguesas, ou seja, tinha governador, Igreja Católica, câmara de vereadores e juiz de paz. Assim, ficava evidente que os portugueses tinham a intenção de integrar aquela região aos seus domínios.

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A reação castelhana foi imediata. O governador de Buenos Aires, comandando espanhóis e 12 mil índios das missões, sitiou a colônia do Sacramento, atacando e matando os lusos.

Porém, em 1681, as Coroas Ibéricas assinaram o Tratado Provisional que devolvia o sítio da colônia aos portugueses. Naquele momento, abriu-se no Prata uma página sangrenta da história. Como resultado da expansão portuguesa no Sul, houve a fundação da cidade de Laguna, em Santa Catarina, em 1684, e a ocupação do Rio Grande do Sul, pelos tropeiros luso-lagunenses, a partir de 1725. A marcha do povoamento e a urbanização atravessaram os campos de Curitiba, incorporando o Paraná aos domínios de Portugal. A Região Sul foi integrada efetivamente ao Brasil.

Expansão rumo ao norte A conquista do Norte teve como principal fator a defesa do território colonial brasileiro. No início do século XVII, alguns portugueses se aventuravam selva adentro para procurar as riquezas da Amazônia. Coletaram produtos florestais (cacau selvagem, salsaparrilha e pau-cravo), denominados drogas do sertão, e escravizaram alguns índios que

viviam nas proximidades do rio Negro. Mas em 1612, o Maranhão foi invadido pelos franceses, interessados nos produtos naturais daquela região e em fundar uma colônia, a França Equinocial, com o apoio do rei francês. Três anos depois, ocorreu a reação portuguesa, liderada por Jerônimo de Albuquerque, que expulsou os franceses. Jerônimo de Albuquerque foi nomeado capitão-mor da capitania, integrada definitivamente aos domínios de Portugal. Enviou Francisco Caldeira Castelo Branco à região amazônica, com a incumbência de integrá-la à área colonial portuguesa. Na foz do rio Amazonas, o capitão-mor fundou, em 1616, o forte do Presépio, o qual deu origem à cidade de Belém (atual capital do Pará). Mais tarde, os portugueses construíram o forte São José da Barra do rio Negro, que deu origem à cidade de Manaus. Em 1621, a metrópole criou o Estado do Maranhão, que abrangia os atuais estados do Ceará, Maranhão, Pará e Amazonas. Esse Estado era formado por

capitanias reais e estava diretamente subordinado à metrópole e não ao governo da Bahia, que administrava o Estado do Brasil. Com o Estado do Maranhão, a metrópole objetivava resguardar a região da ocupação estrangeira, principalmente dos franceses, ingleses e holandeses. Alguns anos após, em 1637, uma expedição comandada por Pedro Teixeira percorreu o rio Amazonas da foz à nascente, incorporando-o ao domínio português. A colonização efetiva da Amazônia foi obra dos missionários jesuítas, que através dos aldeamentos fixaram os indígenas à terra, ensinando-lhes o catecismo católico, a submissão aos interesses da Coroa de Portugal e a trabalhar nos moldes mercantis-coloniais. “As Missões (...) tinham a função de gerar um campesinato sedentário em uma região que não o conhecera em tempos pré-colombianos [antes da descoberta da América]. Por outro lado, elas produziam um excedente de alimentos que contribuía para o abastecimento de Belém e

outras pequenas cidades amazônicas. Em princípio, todo trabalho dos índios fora das missões seria voluntário, e deveria ser remunerado em espécie (em têxteis quase sempre). Na verdade, as leis que estabeleciam os grupos rotativos de índios não eram respeitadas, nem o caráter voluntário do trabalho externo. Era proibida a repartição de índios entre os colonos para tarefas agrícolas, mas isso se fazia correntemente.” Ciro Flamarion Santana Cardoso. “O trabalho na colônia”, In: História Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1996.

A questão das fronteiras coloniais e os tratados À medida que os súditos de Portugal iam ocupando e ampliando o espaço colonial, discutia-se cada vez mais a quem pertencia esse território, aos portugueses ou aos espanhóis. Desde o século XVII, os lusos já haviam expandido as fronteiras coloniais além dos limites definidos pelo Tratado de Tordesilhas. Essa expansão exigia uma revisão nas fronteiras do Brasil. Aos poucos, a questão passou a ser

discutida pelos diplomatas ibéricos, o que resultou nos seguintes Tratados: Tratado de Utrecht (1713) – a França trocou com os portugueses as terras situadas à margem esquerda do rio Amazonas, pelas do rio Oiapoque, o limite entre a Guiana Francesa e o Brasil. Tratado de Utrecht (1715) – a Espanha reconheceu a posse portuguesa da área onde estava situada a colônia do Sacramento. Contudo, as desavenças entre os castelhanos do Prata e os luso-brasileiros levaram à elaboração de um novo Tratado. Tratado de Madri (1750) – nesse momento a situação fronteiriça do Brasil colonial era a seguinte: no Sul, os portugueses continuavam em lutas com os castelhanos; no Norte, os portugueses ocupavam efetivamente a região; e no Centro-Oeste, devido à mineração, havia uma forte corrente migratória, especialmente para a região de Goiás. Para resolver essas questões, as Coroas ibéricas decidiram assinar o Tratado de Madri, o grande acordo que limitava as fronteiras entre os impérios coloniais ibéricos na América. Através dele, a Coroa de Portugal se

assenhorava do Norte, Centro-Oeste e Sul do Brasil. Tratado de El Pardo (1761) – anulou os artigos do Tratado de Madri referentes ao Sul do Brasil, porém, manteve as decisões em relação ao Norte e ao Centro-Oeste. No Sul, novas guerras aconteceram e o governador de Buenos Aires ocupou a colônia do Sacramento, Rio Grande e Santa Catarina, a partir de 1763. Somente com a morte do monarca português, D. José I, em 1776, foi que a Coroa de Portugal se viu obrigada a rever os limites de seu império colonial na América e assinou outro Tratado, o que acabou de imediato com a ocupação espanhola no Sul do Brasil. Tratado de Santo Ildefonso (1777) – a Coroa de Portugal entregou a colônia do Sacramento aos espanhóis e ficou definitivamente detentora da parte leste do Rio Grande, Santa Catarina, Paraná, regiões Centro-Oeste e Norte do Brasil. O atual território do Uruguai passava

a pertencer à Coroa de Espanha. Mas os portugueses não pararam aí, a partir de 1780 eles se expandiram e ocuparam a margem leste do rio Uruguai, atual oeste do Rio Grande do Sul. O Capitão-Geral (o Rio Grande já era Capitania desde 1760) doava sesmarias, que se

Plano da Fortaleza da colônia do Santíssimo

Sacramento , de 1681, por D. Bernardo Antonio Meza.

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constituíram nas fazendas de criação de gado, as estâncias, tradicional latifúndio, que utilizava a mão-de-obra do negro africano. Na estância criava-se o gado que, posteriormente, era abatido e sua carne salgada, o charque. A capitania do Rio Grande se notabilizou na produção de

charque para o mercado colonial. Tratado de Badajoz (1801) – consolidou a ocupação efetiva do atual oeste sul-rio-grandense, delimitando as fronteiras entre os portugueses e os espanhóis nas margens do rio Uruguai. Nesse momento, as estâncias de criação de gado compunham o cenário rio-grandense.

Os portugueses estavam muito interessados no Norte porque as drogas do sertão tinham um mercado promissor na Europa. Além disso, a

posse do rio Guaporé impedia a presença de espanhóis na zona de mineração. Quanto ao Sul, a região não passava de uma zona militar que impediria o avanço espanhol no Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Porém, os portugueses entregaram à Coroa de Espanha a colônia do Sacramento, perdendo assim o seu principal entreposto comercial e de contrabando no Prata.

No momento em que se faziam os Tratados que definiam a geografia da colônia, ela já superava a metrópole em termos demográfico e

econômico. Portugal pagava a sua dívida externa com o capital oriundo do Brasil. Internamente, a Bahia superava Pernambuco. O Rio de Janeiro conhecia um espetacular crescimento comercial, visto que o porto escoava a produção colonial para a Europa, mas também experimentava um notável renascimento da agricultura. Nos campos de Goitacazes floresciam as lavouras canavieiras e os seus engenhos começavam a produzir a todo o vapor. O extremo sul já se apresentava no quadro colonial perfeitamente integrado em função das exportações de gado em pé, mulas, trigo e charque para as Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro.

Reformas do Estado: a centralização

As reformas do “Estado pelo Estado” partiam do princípio da permanência da monarquia absolutista. O governo mostrava-se preocupado com o bem comum, entretanto, evitava qualquer avanço das conquistas sociais. Partindo desse pressuposto, o governo português, em relação ao Brasil, diminuiu os poderes do Conselho Ultramarino; extinguiu as capitanias hereditárias (1759); elevou-o à condição de vice-reino (1762), governado por um vice-rei, nomeado e fiel ao rei; determinou que a sede administrativa do vice-reino fosse a cidade do Rio de Janeiro (1763), devido à importância político-militar e econômica dessa região que, com o seu porto, atendia a zona da mineração e o Centro-Oeste; ampliou e reformou a justiça colonial; fundou municípios novos na Amazônia, o que correspondia ao desmantelamento das antigas aldeias de índios cristãos, transformadas em vilas e lugares. Essas medidas demonstraram que D. José I e seu primeiro-ministro enfrentavam o atraso político que vivia a sociedade portuguesa,

impondo leis gerais, porém racionais, pois ele entendia que a origem do poder do monarca era o uso correto da razão, o que o legitimaria no comando da nação.

Mudanças em Portugal Em Portugal, a Coroa não conseguia deter em seu poder o ouro que recebia em abundância do Brasil. Esse ouro ia parar nas mãos da

Holanda e, principalmente, da Inglaterra. Cada vez mais esses países enriqueciam às custas da dependência gradativa de Portugal. A dependência em relação à Inglaterra estava expressa no Tratado de Methuen, assinado em 1703. Por ele, Portugal era obrigado a dar preferência aos tecidos fabricados na Inglaterra, em troca de certas concessões tributárias aos vinhos portugueses. Além disso, a Coroa fazia empréstimos de banqueiros ingleses e usava o ouro do Brasil para pagá-los. Em 1750, com a morte de D. João V, assumiu D. José I. O novo rei tinha de governar um imenso império colonial, porém com um a lto déficit público, acordos a cumprir e atraso socioeconômico. Além disso, no ano de 1755, Lisboa foi abalada por um terremoto, que matou muitas pessoas e destruiu boa parte da cidade. Para agravar ainda mais a situação de Portugal, após 1760, o Brasil, sua principal colônia, começou a viver momentos críticos de

depressão econômica, provocada pela diminuição da produção aurífera e pela queda do preço e da exportação do açúcar. Portugal tinha dificuldade em manter seus compromissos com os ingleses. Em meio a esses fatos, D. José I nomeou para o cargo de primeiro-ministro o conde de Oeiras, Sebastião José de Carvalho e Melo, mais conhecido como marquês de Pombal. Era um homem preocupado com o futuro de Portugal e seus domínios ultramarinos, um ilustrado que defendia reformas imediatas para o país. Entretanto, Pombal, como profundo conhecedor da realidade portuguesa, uma sociedade fechada sobre si mesma, sabia que as reformas tinham de acontecer de forma imediata, porém deviam partir do próprio Estado – as reformas do

Estado pelo Estado. Nesse sentido, ele procurou articular o seu ideário ilustrado com o Mercantilismo. Previa para a colônia a centralização político-administrativa como forma de resolver os impasses coloniais e abrir a economia colonial à burguesia européia, porém de uma forma

que a Coroa de Portugal e a classe mercantil portuguesa não perdessem o efetivo controle. Liberava-se, em parte, o monopólio, desde que a elite metropolitana lucrasse com isso. Na verdade, Sebastião José almejava criar uma autêntica burguesia portuguesa, permitindo-lhe a acumulação capitalista.

No século XVIII, as elites das principais cidades européias discutiam as idéias iluministas tão em voga. O Iluminismo foi o movimento

cultural europeu cujos pensadores defendiam o uso da razão como a luz que ilumina o conhecimento humano. Os iluministas, ou ilustrados, rejeitavam as crenças do passado e as tradições, buscando explicações racionais para o universo e para a sociedade humana. Desenvolviam teorias políticas e sociais que combatiam os governos absolutistas e os privilégios sociais, que excluíam a burguesia do poder político e a penalizavam, sobrecarregando-a de tributos.

Economia colonial

A partir de 1755, percebe-se um crescente controle sobre as atividades econômicas do Brasil e uma exploração mais intensa por parte da classe mercantil portuguesa, amplamente tutelada pela Coroa, porém com a participação dos capitalistas ingleses, holandeses e hamburgueses. Em 1755, o primeiro ministro português criou a Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará e Maranhão, que atuou de 1756 até 1778. Essa Companhia tinha por objetivo dinamizar a produção regional do Grão-Pará e do Maranhão, como o cacau, o café, o arroz e o açúcar. Esses produtos eram exportados e, em troca, a Companhia introduzia escravos.

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No ano de 1759, foi criada a Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba, que atuou até 1780. Essa companhia também reativou a agricultura de exportação e o tráfico de escravos. Em contrapartida, aumentou o consumo das mercadorias européias no Nordeste. Os navios

mercantes saíam abarrotados de produtos de Londres, Hamburgo e Amsterdã, para serem vendidos em Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba e Ceará. Essas Companhias nasciam com 90% do capital privado dos mercadores de Lisboa e do Porto e, em menor escala, 10% apenas dos comerciantes da colônia, principalmente de Pernambuco. Portanto, o lucro maior ficava nas mãos dos portugueses. O Estado participava através dos incentivos fiscais, empréstimos, carta de crédito, isenção temporária de tributos, tudo que favorecesse o enriquecimento da classe mercantil metropolitana. Como resultado da criação dessas companhias, o Estado português recuperou o controle do comércio das exportações coloniais e intensificou o intercâmbio. Dessa forma, dividia-se o monopólio colonial, entregando o comércio externo da colônia a certas companhias,

aos particulares portugueses e aos capitalistas das nações amigas. Era a forma encontrada de abrir a economia portuguesa ao mundo capitalista. Uma outra medida pertinente à política econômica foi a decretação da derrama, a cobrança forçada dos impostos atrasados sobre o ouro, que visava auferir bons lucros para o Estado. Porém, a mineração, já deficitária e em declínio, não cumpriu o esperado. Nesse conjunto de reformas é que se deve entender a atitude de Sebastião José ao expulsar os jesuítas de Portugal e dos domínios ultramarinos, em 1759. Ele almejava confiscar os bens da Companhia de Jesus e terminar com o seu exclusivismo na administração das missões, para então incrementar economicamente a Amazônia e criar uma política de liberdade do indígena. O confisco dos bens dos jesuítas favoreceu os intentos do ministro, que entregou as terras e a administração das fazendas principalmente aos militares. Além disso, acabou com a hegemonia dos jesuítas no ensino e na cultura, tanto na metrópole como na colônia.

Rebeliões Nem sempre os colonos foram submissos à ordem colonial estabelecida. Os excessos da dominação da metrópole levou-os a se

insurgirem em diferentes momentos e em vários locais do Brasil. No período colonial ocorreram diversas rebeliões, ou seja, sublevações dos colonos contra a ordem instituída, que desafiavam o controle do Estado português. Podemos classificá-las da seguinte forma:

Rebeliões dos indígenas e dos negros contra a escravização;

Rebeliões anticolonialistas, ocorridas entre 1680 e 1720. O monopólio ou os rigores na cobrança dos tributos, impostos pelo Estado português, foi o ponto nevrálgico da oposição.

Rebeliões pela emancipação política, ocorridas de 1789 a 1817. A Inconfidência Mineira representa um movimento das elites; a Conjuração Baiana, do povo; e a Revolução Pernambucana de 1817, da camada média. Era a luta pela ruptura definitiva com o Estado português, através de propostas regionais e separatistas, as quais revelam um profundo descontentamento dos colonos com as atitudes da metrópole.

Rebeliões indígenas A partir do momento em que o português deu início ao processo de colonização do Brasil, trouxe consigo a opressão aos povos indígenas. O branco iniciou uma longa guerra de escravização do indígena, considerada por ele uma “guerra justa”, que na verdade justificava a escravização. Nesses conflitos entre colonos portugueses e indígenas destacaremos a Confederação dos Tamoios e a Guerra Guaranítica.

Confederação dos Tamoios e a Guerra Guaranítica A Confederação dos Tamoios foi uma aliança de guerra feita por vários povos que habitavam São Paulo e Rio de Janeiro – tubinambás, tupiniquins, carijós e guayanás. Esses povos se uniram para reagir contra a escravização que lhes era imposta pelos portugueses e como protesto contra as aldeias dos jesuítas. Contaram com o apoio dos franceses.

Na guerra, que durou de 1562 a 1567, destacaram-se os líderes tupinambá, Cunhambebe e Aimberê. Em meio à luta, uma epidemia de varíola grassou no litoral, matando centenas de indígenas, inclusive Cunhambebe. Quando os franceses foram expulsos do Rio de Janeiro, a Confederação dos Tamoios se enfraqueceu, pois deixaram de receber armas de fogo. Portugal enviou um contingente militar e a intervenção de José de Anchieta e Manuel da Nóbrega foi decisiva para a vitória dos portugueses. Eles conseguiram estabelecer com os nativos a paz de Iperoig. Outra rebelião indígena de que se tem conhecimento foi a Guerra Guaranítica, ocorrida no atual Rio Grande do Sul, entre 1754 e 1756. Foi resultado das demarcações do Tratado de Madri (1750) no sul do Brasil. Antes do Tratado aquela região pertencia à Coroa de Espanha e ali existiam, desde 1682, os Sete Povos das Missões. O Tratado de Madri exigia que os guarani missioneiros saíssem das Missões e fossem morar a oeste do rio Uruguai. Os índios tinham de

deixar toda a riqueza, milhares de cabeças de gado e plantações, além das residências. As Coroas ibéricas exigiam que 30 mil índios abandonassem tudo para os portugueses ocuparem. Os índios das Missões não aceitaram essa determinação e, quando os demarcadores chegaram para tomar posse da terra, eles se revoltaram. Os guaranis perderam a guerra e os portugueses ocuparam os Sete Povos, já bastante destruídos, mas depois o abandonaram. Dessa forma, a Guerra Guaranítica foi a reação dos indígenas às decisões das Coroas ibéricas; eles mostraram com persistência que se sentiam os donos da terra.

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Rebeliões dos escravos negros “A rebelião escrava era sem dúvida alguma um atentado ao poderio metropolitano na colônia – ao fundamento e origem de suas riquezas.” Silvia H. Lara. Campos da Violência. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p. 38. O povo negro lutou sempre contra a opressão da elite branca escravista. Desde o final do século XVI, para livrarem-se da condição de escravos, muitos negros fugiam das fazendas e refugiavam-se nas florestas. No interior da mata, os “negros fujões” fundavam núcleos

autônomos, chamados quilombos, que representavam um espaço de liberdade ao negro. Os habitantes desses núcleos eram denominados de quilombolas. O quilombo era uma comunidade com organização econômica e política própria, onde os negros plantavam, pescavam e criavam animais de pequeno porte, sempre pensando na auto-suficiência. Também produziam um excedente que era comercializado com os povoados próximos. Durante os séculos XVII e XVIII, muitos quilombos formaram-se em Sergipe, Pernambuco, Ceará, Rio de Janeiro, Bahia, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. O mais famoso deles foi o Quilombo dos Palmares, surgido na Serra da Barriga, em Alagoas, que resistiu por mais de 65 anos às investidas militares da elite colonial branca.

O Quilombo de Palmares tinha fortificação militar regular, pois precisava proteger seus quase 20 mil habitantes. A partir de 1670, os senhores de engenho de Pernambuco, diante do perigo que aquele espaço de liberdade representava, começaram a se organizar e enviaram expedições para destruir Palmares. Até 1678, foram organizadas 25 expedições. Nesse ano, o chefe negro Canga-Zumba firmou com os luso-brasileiros o compromisso de respeitar as fazendas, não libertando seus escravos. Entretanto, quando Zumbi assumiu a liderança do Quilombo, esse compromisso foi rompido. Em 1687, a situação se agravou, pois além de continuarem as fugas para Palmares, os senhores dos engenhos começaram a enfrentar a grave crise do açúcar no mercado internacional. A elite canavieira de Pernambuco e o governador recorreram aos serviços do bandeirante Domingos Jorge Velho para que destruísse Palmares. Este organizou uma expedição que representou um dos maiores esforços militares feitos na colônia até então.

A primeira tentativa de destruição ocorreu em 1692, porém fracassou perante a organização militar de Palmares. Em 1694, quando

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Domingos Jorge Velho avançou com quase 3 mil homens e muitas peças de artilharia, foi aberta uma passagem na cerca tripla que protegia o “Quilombo”. Os soldados invadiram a fortaleza, obrigando os negros a fugirem. Nessa fuga, estava Zumbi. Em 1695, Zumbi foi descoberto e

entregue às forças militares do governador de Pernambuco, que ordenou a morte do líder negro, em Recife, fato que ocorreu no dia 20 de

novembro de 1695 – considerado, hoje, o Dia da Consciência Negra. “No Alvará de 1682, ordenava-se uma devassa sobre o crime de traição intentado pelos Negros Palmarinos, mandando que as cabeças dos dois principais conspiradores, condenados à morte, fossem levadas „ao lugar do delito, onde serão levantadas em postes altos e públicos, que possam ser de todos vistas‟. A identificação entre a rebelião dos escravos e o crime de traição, com penalidade semelhante à ministrada aos crimes de lesa-majestade, é significativa.” Silvia H. Lara. Campos de Violência. Op. cit, p. 38.

Rebeliões anticolonialistas Durante o domínio espanhol, os senhores de engenho desfrutaram de uma relativa autonomia econômica. Nesse momento, as câmaras municipais conseguiam controlar a situação econômica e muitas vezes, os edis chegavam a viajar até a Corte para resolverem problemas

internos da vila ou da cidade. Ao término do domínio espanhol, a Coroa de Portugal tomou uma série de medidas em relação ao Brasil, entre elas, centralizou o poder e reduziu a autonomia das Câmaras Municipais. No tocante à economia, foi proibido que os navios saídos do Brasil aportassem em portos que não os portugueses, ou dos países aliados de Portugal. Para completar o quadro de opressão colonial, foram criadas as Companhias

Privilegiadas:

Companhia Geral do Comércio do Brasil, 1647, que detinha o monopólio do comércio do Rio Grande do Norte até São Vicente;

Companhia Geral do Comércio do Maranhão e Pará, 1682, que ficou responsável em abastecer a população local de gêneros de primeira necessidade como o trigo, azeite, sal e vinho, e suprir a falta de braços às lavouras da região, fornecendo negros escravos. Em contrapartida, a companhia venderia os produtos do Maranhão no mercado europeu.

Revolta de Beckman (Maranhão, 1684) Tomás Beckman, refugiado, após o fracasso do movimento contra a Companhia do Comércio do Maranhão e Grão-Pará. A Revolta de Beckman, um movimento da elite insatisfeita com o monopólio da Companhia Geral do Comércio do Maranhão, foi o primeiro levante declarado contra a opressão do sistema colonial português. Na cidade de São Luís, em 1684, os revoltosos aproveitaram os festejos religiosos e reuniram-se no convento dos franciscanos para

decidir uma revolta que pretendia a abolição do monopólio da Companhia de Comércio e a expulsão dos jesuítas do Estado do Maranhão. Os revoltosos, liderados pelos proprietários de terras e escravos, Manuel e Tomás Beckman, chegaram a tomar o poder e organizar um governo provisório. Porém, não conseguiram conservá-lo. O movimento foi sufocado pela metrópole, com a prisão de Tomás Beckman. O rei enviou Gomes Freire, em 1685, para governar o Maranhão, que tomou posse do governo, sem muitas contestações. Após, Manuel Beckman foi julgado e condenado à forca.

Guerra dos Emboabas (Minas Gerais, 1708-1709)

Guerra dos Emboabas Essa guerra, que ocorreu entre 1708 e 1709 na região de Minas Gerais, não foi uma revolta contra a opressão colonial, mas demonstrou que as contradições coloniais começavam a estourar na colônia. Vejamos: A descoberta do ouro em Minas Gerais provocou um grande afluxo de pessoas para aquela região. Eram brasileiros e portugueses que desejavam enriquecer com a exploração do ouro. Os paulistas, descobridores das jazidas, achavam-se com o direito de monopolizar a exploração do ouro. Chamavam todos os forasteiros de “emboabas”. Eram freqüentes os choques entre paulistas e emboabas, que não reconheciam a autoridade do superintendente paulista, Borba Gato. O

que fizeram os forasteiros? Elegeram para governar a região o comerciante e minerador português Manuel Nunes Viana. Os paulistas se revoltaram, a partir de 1708, e sofreram várias derrotas. A Coroa de Portugal precisou intervir no conflito e, em 1709, enviou um novo governador: D. Antônio de Albuquerque Coelho, que convenceu Nunes Viana a renunciar. Nesse momento, todos os revoltosos receberam anistia e a “paz colonial” foi restabelecida. Entre os resultados desse movimento: separação de São Paulo e Minas da Capitania do Rio de Janeiro; retirada dos paulistas para Goiás e Mato Grosso; elevação de São Paulo à categoria de cidade.

Guerra dos Mascates (Pernambuco, 1709-1711) A Guerra dos Mascates foi um grande conflito entre os senhores de engenho de Olinda e os comerciantes portugueses do Recife. No começo do século XVIII, Olinda e Recife disputavam para si a preferência administrativa da Coroa de Portugal. Olinda, apesar de ser um povoado mais antigo e possuir privilégios de vila, enfrentava a crise econômica resultante do declínio do açúcar. Os comerciantes do Recife viviam dias de euforia e prosperidade. Esse fato se refletia em toda a população, que desejava a condição de vila, pois possuía uma posição privilegiada devido à atividade comercial que exercia, o que lhe garantia supremacia econômica na região. Quando, em 1710, Recife foi elevado à categoria de vila, os olindenses declararam guerra aos recifenses, chamados pejorativamente de “mascates”. Vinte mil homens revoltados atacaram o Recife, libertaram os presos, ocupando os fortes e postos estratégicos. Os senhores de engenho de Olinda ficaram tão exaltados que já falavam em rompimento com Portugal e até numa possível proclamação

de um governo republicano. Nesse momento, a Coroa de Portugal preocupou-se e resolveu intervir, enviando um novo governador para a região, Felix Mendonça, que tratou de reprimir os revoltosos. Na realidade, o Recife saiu vitorioso do movimento, pois além de ser mantido como vila, foi elevado à condição de capital da capitania do Pernambuco. A guerra confirmou a supremacia dos comerciantes portugueses na capitania. O capital mercantil-colonial triunfava, apesar da oposição da elite proprietária colonial.

Revolta Felipe dos Santos (1720)

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A Revolta de Felipe dos Santos, 1720, foi uma reação à política econômica da metrópole. As razões desse levante foram os suce ssivos

aumentos da opressão fiscal e administrativa da Fazenda Real portuguesa. Nesse momento, a Coroa adotava medidas no intuito de assegurar o máximo de rendimentos sobre os metais preciosos. A criação da Casa de Fundição trouxe consigo a proibição de circular na colônia ouro em pó ou em pepitas. As pessoas que fossem pegas com ouro, sem o selo real, seriam presas e julgadas e as penalidades eram bastante rigorosas, indo do confisco dos bens até o degredo na África. O descontentamento contra essas medidas gerou a revolta de Felipe dos Santos, abastado fazendeiro e tropeiro, líder do movimento. A revolta se iniciou quando foram denunciados os funcionários da Coroa de corruptos, questionando, assim, o destino do ouro. Durante 20 dias, Felipe e seus homens ocuparam Vila Rica e exigiram o fim das casas de fundição. Convictos de suas idéias marcharam até a vila de Ribeirão

do Carmo, onde estava o governador da Capitania, o Conde de Assumar, e exigiram dele o compromisso de rever a cobrança dos impostos. Assumar contemporizou, aceitando as reivindicações. Felipe dos Santos e seus homens saíram supostamente vencedores. Tão logo o governador se organizou, mandou prender os implicados no movimento e ordenou que as suas casas fossem queimadas. Os rebeldes foram derrotados e seus líderes, deportados. Apenas Felipe dos Santos foi condenado à morte na forca. A repressão ocorreu de forma bastante violenta! O resultado dessa revolta foi a criação da Capitania de Minas Gerais e o funcionamento regular das Casas de Fundição. Foi a forma que a metrópole encontrou para administrar de maneira mais centralizada as minas.

Rebeliões pela emancipação política No final do século XVIII, ocorreram duas grandes rebeliões, a primeira em Minas Gerais, em 1789, e a segunda, na Bahia, em 1798, e no começo do século XIX, uma terceira em Pernambuco. Esses três movimentos tinham algo em comum: desejavam a emancipação política. “O final do século XVIII viu a eclosão, no Brasil, de duas conspirações em si insignificantes, mas que, além de revelarem a influência da

independência norte-americana e das idéias libertárias francesas, mostram também que uma eventual independência da América portuguesa já se tornara algo que podia ser imaginado, sendo objeto de cogitação em certos círculos e circunstâncias.” Ciro Flamarion S. Cardoso. Op. cit., p. 117.

Inconfidência Mineira (1789)

A Inconfidência Mineira estava diretamente vinculada ao declínio da mineração. Quando os mineradores já não podiam pagar os impostos, a Coroa decretou a derrama. Em Vila Rica, a elite econômica e cultural, inspirada nos princípios de liberdade tão em voga naquele momento, reunia-se constantemente para discutir e avaliar as imposições da Coroa. Dessas discussões nasceu a proposta de um movimento de libertação de Minas Gerais, que se desencadearia no dia da derrama de 1789, momento em que toda a sociedade mineradora estaria descontente com os excessos de cobrança de Portugal. A senha para iniciar o movimento seria: “Amanhã é o batizado.” A partir desse instante, o governador de Minas seria preso e uma junta governativa assumiria o poder. O regime de governo que adotariam seria a República e a capital passaria para São João del Rey. Além disso, eles pretendiam: instituir o serviço militar obrigatório; estabelecer uma pensão às famílias numerosas; criar uma Universidade

em Vila Rica; incentivar as manufaturas, o que vinha de encontro à decisão da Coroa, que pelo Alvará de 5 de janeiro de 1785, havia proibido a instalação de fábricas e manufaturas no Brasil, excetuando-se as de panos grosseiros; criar uma bandeira própria, cujo lema seria: “Libertas quae sera tamen” (Liberdade, ainda que tardia). O movimento tinha poucas condições de atingir os seus resultados, visto que faltavam armas, a organização militar era precária e, principalmente, a massa da população estava ausente do movimento. Por fim, houve traição. O plano de revolta foi denunciado pelo inconfidente Silvério dos Reis, coronel de um regimento de cavalaria e dono de muitas propriedades. Na delação ainda participaram o português Brito Malheiros e o açoriano Correia Pamplona. O governador, visconde Barbacena, suspendeu a derrama, ordenou a devassa, sindicância para apurar um ato criminoso, e a prisão dos

inconfidentes. Os réus foram julgados e todos condenados à morte. D. Maria I, rainha de Portugal, no entanto, comutou a pena de morte para a de degredo. Tiradentes, o único condenado à morte, foi enforcado no dia 21 de abril de 1792.

Lema da Inconfidência Mineira, símbolo atual da bandeira do Estado de Minas Gerais.

Conjuração Baiana (ou Revolta dos Alfaiates)

A Conjuração Baiana ou Revolta dos Alfaiates, 1798, teve um caráter mais popular. Participaram dela artesãos, alfaiates, soldados e trabalhadores negros e mulatos, além de alguns escravos. Desde que a Coroa transferira a sede do governo colonial para o Rio de Janeiro, em 1763, iniciara-se um processo de declínio socioeconômico e político de Salvador. Em 1797, a alta dos preços dos produtos levou uma série de incidentes nas ruas da cidade, pois soldados e populares invadiam repetidas vezes os armazéns para roubar carne e farinha. As idéias contrárias à opressão colonial encontravam um clima favorável para serem aceitas. Em agosto de 1798, apareceram afixados nas paredes das casas, igrejas e lugares públicos de Salvador vários panfletos manuscritos direcionados ao “povo baiano”, propondo a instalação da “República Baiense”. Os revoltosos queriam que todos aderissem ao novo regime e

que as autoridades metropolitanas fossem depostas. Na proposta aparecia também a pretensão de abolir a escravidão e instaurar a liberdade de comércio. Porém, não faltaram os traidores. O movimento foi delatado ao governador que, imediatamente, ordenou a prisão dos conjurados. No dia 7 de novembro de 1799, foi pronunciada a sentença. Entre os conjurados encontramos Cipriano Barato, que foi absolvido, enquanto outros

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participantes foram condenados ao degredo na África. Lucas Dantas, Luís Gonzaga, João de Deus e Manuel Faustino foram condenados à morte na forca e esquartejados.

Revolução Pernambucana (1817) Outro movimento de libertação que ocorreu foi a Revolução Pernambucana de 1817. Foi uma manifestação de descontentamento com a administração de D. João, protagonizada pelas camadas médias. Os motivos foram:

o açúcar e o algodão, os principais produtos econômicos da região, tinham cada vez mais os seus preços reduzidos no mercado externo, fazendo com que a capitania declinasse economicamente;

o custo de vida ficava cada vez mais alto;

a Coroa Portuguesa, mesmo estando no Brasil, pouco se importava com o declínio econômico de Pernambuco e, ao invés de ajudar os produtores de açúcar e algodão, aumentava ainda mais os impostos.

Os pernambucanos, insatisfeitos com essa situação, reunidos nas lojas maçônicas, criticavam a atuação do príncipe regente e discordavam das ordens do governador Caetano Pinto de Miranda Montenegro, representante local da Coroa. Os revolucionários estavam influenciados pelas idéias liberais em voga e acreditavam que somente o fim do domínio colonial e a prática liberal poderia salvar Pernambuco do caos. O movimento estourou quando um brigadeiro português foi assassinado no quartel, ao dar ordem de prisão aos capitães rebeldes Domingos Teotônio e José Barros de Lima, os quais eram conspiradores. A tropa aderiu aos líderes e o governador fugiu para o Rio de Janeiro. Os rebeldes proclamaram a República e organizaram um governo provisório revolucionário formado por um padre, um senhor de engenho, um militar e um comerciante. O governo provisório apoderou-se dos estabelecimentos administrativos e do tesouro público e

adotou uma nova bandeira. O movimento se transformou num sucesso, pois passou a contar com a adesão das capitanias do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Alagoas, que aderiram ao movimento. O príncipe regente D. João mandou reprimir violentamente a revolução liberal dos pernambucanos, pois temia que o Nordeste se emancipasse de Portugal, desmembrando-se da colônia. As forças da Coroa conseguiram sufocar os revoltosos, que mantiveram o movimento durante 75 dias. A reação da Coroa constituiu-se no julgamento e condenação à morte dos principais líderes, entre eles: o coronel Domingos José Martins, o padre João Ribeiro e Manuel de Correia Araújo. Todos fuzilados.

De Colônia a Estado (1808-1821) Depois de três séculos vivendo sob o regime colonial, o Brasil, no início do século XIX, transformou-se em sede da Monarquia portuguesa, com a vinda da Corte para o país. Mas faltavam as condições necessárias para abrigar o governo português. A presença da

Corte no Brasil (1808-1821) foi decisiva na ruptura do pacto colonial. O resultado final foi a emancipação política do Brasil, que deixou de ser colônia e virou um Estado.

Vinda da família real ao Brasil

No século XVIII, a Inglaterra viveu um dos momentos decisivos de sua história. Com os capitais acumulados através de uma atividade comercial intensa e com condições internas favoráveis, teve início nesse país a Revolução Industrial. No final do mesmo século, ocorreu a Revolução Francesa, movimento burguês que derrubou o governo absolutista daquele país. Nesse processo, emergiu Napoleão Bonaparte, que em 1804, através de um plebiscito, tornou-se imperador dos franceses. Tinha por objetivo expandir militarmente o país e fortalecer a sua economia e, para isso, teria de enfrentar a sua maior rival, a Inglaterra. Em 1806, Napoleão decretou o Bloqueio Continental contra a Inglaterra, com a finalidade de vencê-la economicamente. Pelo bloqueio, os países da Europa ficavam proibidos de comerciar com os ingleses. Portugal, governado pelo príncipe regente D. João, estava numa situação bastante difícil. Tradicional aliado da Inglaterra, não poderia

aderir ao bloqueio. Napoleão começou a pressionar Portugal. Em 1807, com a assinatura do Tratado de Fontainebleau, pelo qual a Espanha permitia a Napoleão atravessar suas terras, a ameaça da invasão francesa sobre Portugal tornou-se evidente. Quando os exércitos franceses, liderados pelo general Junot, invadiram Portugal, o regente decidiu transferir a Corte para o Brasil. Essa medida foi incentivada pelo ministro inglês Lord Strangford, que ofereceu a proteção da esquadra inglesa para a viagem, em troca de vantagens econômicas para o seu país. Para a Inglaterra interessava a abertura dos mercados das colônias portuguesas até agora fechadas ao seu comércio. Além da família real, vieram para o Brasil a Corte, grande parte do funcionalismo e uma comitiva imensa. O Rio de Janeiro transformou-se em sede da Monarquia portuguesa.

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Abertura dos Portos às Nações Amigas Ao chegar ao Brasil, D. João assinou, em 28 de janeiro de 1808, a Abertura dos Portos às Nações Amigas. Através desse ato, as nações consideradas amigas – e a principal era a Inglaterra – poderiam fazer comércio livremente com o Brasil. Essa abertura alterava substancialmente a situação de monopólio mercantil-colonial, pois a Coroa deixava livre os portos do Brasil à burguesia inglesa.

Liberdade para a indústria Pelo ato de 1o de abril de 1808, foi revogado o alvará de 1785, que proibia a existência de fábricas e indústrias no Brasil. Foram abertas fábricas e oficinas, dentre as quais as fábricas de tecidos de algodão. Também iniciou-se uma atividade siderúrgica, com a construção de uma fábrica de ferro em Minas Gerais. Essas pequenas indústrias logo sofreram o impacto dos acordos assinados por D. João no que se refere às

taxas alfandegárias.

Tratados com a Inglaterra Em 1810, foram assinados com a Inglaterra dois tratados: Tratado de Paz, Aliança e Amizade e o Tratado de Comércio e Navegação.

O primeiro dispunha sobre a redução gradual do comércio de escravos no Brasil; o segundo instituía novas tarifas alfandegárias, onde os capitalistas ingleses ficavam com os privilégios das importações brasileiras. As tarifas eram as seguintes: os produtos ingleses pagavam 15% de imposto; os produtos portugueses, 16%; e os dos demais países, 24%. Mesmo quando, em 1816, Portugal conseguiu uma taxa igual à da Inglaterra, a situação não mudou. Competir com a Inglaterra seria impossível, porque esta contava com um bem montado aparelho comercial, industrial e uma imensa marinha mercante, além disso, seus produtos tinham boa qualidade e preço competitivo. A elite brasileira passou a consumir quase que exclusivamente o produto inglês, o que não estimulava a produção nacional.

Realizações de D. João no Brasil

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Como a Corte estava instalada no Rio de Janeiro, D. João se viu praticamente obrigado a criar várias instituições para que o Brasil funcionasse como sede da Monarquia. Essas suas realizações

contribuíram para o desenvolvimento da colônia em vários níveis. Instituiu o ensino superior no Brasil, criando o curso de medicina em Salvador; criou o Real Arquivo Militar; fundou o Arsenal da Marinha; criou o Banco do Brasil; instituiu a casa da moeda; instalou a escola anatômica cirúrgica médica do Rio de Janeiro; criou uma fábrica de pólvora; inaugurou o Horto Real, origem do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro; instalou o Museu e a Biblioteca Real. Uma medida que consideramos de extrema valia foi a criação da Imprensa Régia no Brasil, em 13 de maio de 1808, que no dia 10 de setembro do mesmo ano publicou a Gazeta do Rio de Janeiro (veja figura abaixo). No intento de manter ocupados os altos dignatários da Corte, D. João criou vários cargos

inúteis, o que gerou um aumento das despesas públicas. Para resolver esse problema, o governo criava mais impostos. Para completar esse quadro de medidas, acrescentamos a elevação do Brasil à categoria de Reino Unido de Portugal e Algarve, em 16 de dezembro de 1815. Nesse momento, acontecia a autonomia administrativa do Brasil. Aos poucos, os brasileiros começavam a respirar os ares de liberdade, pois a Abertura dos Portos, de 1808, e o Brasil Reino Unido, de 1815, são medidas que podem ser vistas como liberdade econômica e administrativa do Brasil. Aos poucos, a antiga elite colonial, tratada desde 1808 como aristocracia rural, já não se sentia vivendo num espaço colonial. Os burgueses de Portugal sentiam-se prejudicados com a quebra do

monopólio colonial, visto que isso afetou o seu lucro. Pairava no ar o sentimento de que a permanência da sede da Coroa no Brasil invertera para Portugal a situação de colônia. Os ingleses não precisavam mais dos portugueses para comercializarem com o Brasil, por isso, apoiavam ao máximo a permanência da Corte aqui.

Retorno de D. João VI a Lisboa O Império Napoleônico se esfacelara com a prisão e o exílio forçado do imperador em Santa Helena, em 1815, e, além disso, os governos das principais nações européias se reuniram no Congresso de Viena para restaurarem o absolutismo. No Brasil, com a morte da rainha-mãe, D. Maria I, D. João foi, em 1818, coroado rei com o título de D. João VI (veja figura abaixo). Em Portugal, o povo começava a demonstrar o seu descontentamento com o governo do general inglês Beresford, um ditador militar. Esses fatos favoreceram aos burgueses que defendiam uma monarquia constitucional, ao estilo da ideologia liberal daquela época. Entre 1817-1818 ocorreu o primeiro levante burguês de cunho liberal e em 1820, teve início a Revolução Liberal do Porto, a qual desejava que

D. João VI assinasse e jurasse fidelidade à Constituição, transformando assim o país numa monarquia constitucional, e a volta de D. João VI para Portugal. Quanto ao Brasil, os liberais portugueses resolveram que todas as concessões feitas aos colonos deviam ser anuladas, pois defendiam a recolonização do Brasil. Dessa forma, no dia 25 de abril de 1821, D. João VI deixava o Reino Unido do Brasil, rumo a Lisboa. Ele transferia a sede da Coroa para Portugal, porém, no Reino Unido deixou um dos seus filhos, D. Pedro, como príncipe regente. Quando deixou o Brasil, D. João VI levava consigo a certeza de que o Reino Unido possuía as condições objetivas para a definit iva ruptura política com Portugal.

Regência de D. Pedro De 1821 a 1822 o Reino Unido do Brasil foi governado pelo príncipe regente D. Pedro. Nesse período a aristocracia rural brasileira, sediada no Rio de Janeiro e São Paulo, e os grandes comerciantes se aproximavam cada vez mais de D. Pedro, pois não queriam perder as vantagens adquiridas. Além disso, muitos brasileiros já demonstravam que pretendiam um país soberano, dono de sua própria vontade e expressavam as suas idéias pelos jornais da época.

As Cortes de Lisboa estavam bastante apreensivas com as ligações do príncipe regente com os brasileiros e trataram de tomar medidas que tolhiam a autonomia administrativa do Brasil, entre elas:

o governos provinciais tinham de obedecer as ordens que vinham das Cortes e desconsiderar as do príncipe regente.

o exército era mantido, enquanto unidade militar. Isso possibilitava a nomeação de portugueses para o Brasil e a remoção de brasileiros para Portugal.

o retorno imediato de D. Pedro para Portugal, o que siginificava o retorno do Brasil à condição de colônia.

Independência do Brasil

A aristocracia rural e os grandes comerciantes criaram o clube da resistência, cuja finalidade era manter o príncipe regente no Brasil. Ele fez uma aliança com essas camadas sociais e aceitou ficar. Isso ocorreu no dia 9 de janeiro de 1822. Alguns dias depois, 16 de janeiro, D. Pedro nomeou José Bonifácio de Andrada e Silva para o cargo de Ministro da Justiça, principal representante da aristocracia brasileira. Como Ministro, José Bonifácio:

decretou o cumpra-se, exigência que todas as leis vindas de Portugal só seriam observadas no Brasil se tivessem o consentimento de D. Pedro;

concedeu a D. Pedro o título de Defensor Perpétuo do Brasil;

convocou, em 3 de junho, a primeira assembléia constituinte e legislativa do Brasil, ratificando o separatismo;

proibiu a entrada de tropas portuguesas no Brasil sem a prévia autorização do Defensor Perpétuo. Somado a essas decisões, D. Pedro ordenou que o general português Jorge de Ávilez saísse do Brasil, o que gerou a reação das tropas portuguesas aquarteladas. Algumas figuras políticas se destacaram na luta pela Independência do Brasil. José Bonifácio defendia a monarquia como melhor regime

político para o Brasil e, nesse momento, era grande aliado de D. Pedro. Gonçalves Ledo também lutava pela soberania, mas de uma forma mais radical. Era republicano e queria o fim de todos os laços do Brasil com Portugal, e por isso, foi expulso do país. Com o passar do tempo, a pressão sobre D. Pedro aumentou. No final do mês de agosto de 1822, ele foi a São Paulo para apaziguar as discórdias políticas. Em setembro, quando voltava da cidade de Santos para São Paulo, às margens do riacho Ipiranga, recebeu documentos de Portugal ordenando-lhe a volta imediata. D. Pedro, após ler as mensagens de Portugal, de José Bonifácio e de sua esposa, D. Leopoldina, exclamou: É tempo. Estamos separados

A Gazeta do Rio de Janeiro, o primeiro jornal do Brasil, publicava os atos oficiais do governo.

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de Portugal. A nossa divisa de hoje em diante será Independência ou Morte! Esse era o dia 7 de setembro de 1822. Ainda na mesma noite, D. Pedro foi aclamado rei dos brasileiros livres da dominação portuguesa!

D. Pedro partiu para o Rio de Janeiro e, no dia 12 de outubro, numa cerimônia, foi aclamado Imperador Constitucional e Perpétuo Defensor do Brasil, D. Pedro I. Nessa ocasião, Clemente Pereira proferiu uma saudação com caráter acentuadamente radical que descontentou o novo imperador. Em represália, ele mandou prender muitos liberais radicais e ordenou o fechamento de seus jornais. No dia 1º de janeiro de 1823, D. Pedro I foi coroado em uma cerimônia solene e privada, sem a participação popular.

Império: Primeiro Reinado (1822-1831) No século XIX, o Brasil era um país essencialmente rural, onde os senhores de terras e de escravos compunham a elite ou camada dominante. Essa camada era conhecida como aristocracia rural, pois muitos de seus membros receberam títulos honoríficos de fidalguia de D. João VI e do próprio D. Pedro. A aristocracia rural, concentrada basicamente no Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, teve seu padrão de vida significativamente alterado pelas concessões feitas por D. João VI. Quando as Cortes de Lisboa passaram a tomar medidas que visavam recolonizar o Brasil, suspendendo todos os privilégios concedidos por D. João VI, a aristocracia rural tornou-se ferrenha opositora da Metrópole, passando a lutar pela emancipação política do país.

Focos de resistência à Independência do Brasil Alguns setores da sociedade brasileira não aceitaram a ruptura com Portugal. Eram os antigos funcionários da Coroa portuguesa, comerciantes e militares portugueses, que estavam interessados na preservação do sistema colonial. Concentrados principalmente na Bahia,

Maranhão, Piauí, Pará e Província Cisplatina, logo após o Sete de Setembro, resistiram com armas ao movimento de emancipação. Identificados com os interesses econômicos e políticos de Portugal, pretendiam a restauração do domínio português no Brasil. Para sufocar os revoltosos e pôr fim à resistência anti-independência, D. Pedro I contratou oficiais estrangeiros para comandar o exército. Eram eles Lorde Cochrane, Taylor, Labatut e Greenfell. Na Bahia concentrou-se o maior foco de resistência portuguesa, comandada pelo general Madeira de Melo. Na tentativa de impedir a Independência, os portugueses cometeram vários excessos, chegando, inclusive, a assassinar Soror Joana Angélica, superiora de um convento, sob a alegação de que ela dera refúgio aos “inimigos brasileiros”. Labatut dirigiu o primeiro ataque a Salvador e às suas forças somaram-se as de Cochrane e Taylor. No dia 2 de julho de 1823, derrotado, Madeira de Melo regressou a Portugal. Idêntica capitulação sofreram as tropas portuguesas no Piauí, Maranhão e no Pará. Na Província Cisplatina as tropas portuguesas foram

cercadas em Montevidéu, pelo general Frederico Lecor, que havia aderido ao movimento emancipacionista do Brasil. Os portugueses, comandados por Álvaro da Costa, acabaram rendendo-se pela fome, pois não chegavam alimentos até eles. Com a vitória do governo imperial sobre esses focos de resistência, estava assegurada a integração territorial do Brasil. Vencidos os inimigos da Independência, a aristocracia rural brasileira e o imperador D. Pedro I tinham dois problemas a resolver. O primeiro, criar uma política administrativa onde pudessem de fato exercer o seu poder, ou seja, organizar um Estado que melhor servisse às suas conveniências. O segundo, vencer a crise econômico-financeira que se abatia sobre o Brasil.

Crise econômica e financeira Foram vários os motivos que levaram a nova nação independente a enfrentar uma grave crise econômica e financeira, entre eles os acordos assinados com a Inglaterra no governo de D. João e os gastos com a estruturação do Estado brasileiro. Além disso, faltava um produto que sustentasse a economia. Para suprir o déficit orçamentário, o novo governo, em 1824, fez empréstimos com os ingleses, superior a três milhões de libras esterlinas.

Em troca, os brasileiros passaram a consumir, em larga escala, os produtos ingleses. As poucas manufaturas instaladas no Brasil, por serem de baixa qualidade, não tinham condições de concorrer com os produtos estrangeiros. Se não bastasse a concorrência estrangeira dentro do país, a economia brasileira eminentemente escravista, latifundiária e monocultora, teve de enfrentar a diminuição das importações. O açúcar havia perdido grande parte do mercado mundial, o algodão tivera concorrência da produção norte-americana e o couro concorria com o da bacia Platina, especialmente da Argentina, então já independente. Também o tabaco decaiu com a diminuição do mercado de mão-de-obra, devido às pressões da Inglaterra contra o tráfico negreiro.

Assembléia Constituinte Com a função de elaborar a primeira Constituição do Brasil, no dia 3 de maio de 1823, foi instalada a Assembléia Constituinte. D. Pedro, chegando ao local onde a Assembléia estava reunida, proferiu: “É hoje o dia maior que o Brasil tem tido, dia em que, pela primeira vez, começa a mostrar ao mundo que é Império livre. Quão grande é o meu prazer, vendo juntos representantes de quase todas as províncias, fazerem conhecer uma às outras seus interesses, e, sobre eles

basearem uma justa e liberal Constituição que os reja.” Quem fazia parte da Assembléia Constituinte? Os donos de terras e de escravos, advogados, alto clero, militares, altos funcionários públicos, enfim, diversos setores da camada dominante do Brasil. Essa camada precisava consolidar o seu poder, organizando o Estado, instituindo o governo e obtendo o reconhecimento internacional de que o Brasil era uma nação soberana. Os deputados provinciais estavam divididos em dois grupos políticos: o português e o brasileiro. O grupo português, contrário à emancipação política do Brasil, defendia a soberania absoluta para D. Pedro I e, por isso, eram chamados “Absolutistas”. Já o grupo brasileiro defendia uma soberania constitucional. Apesar de dominar a Assembléia, estava dividido em duas tendências: conservadora e liberal.

Os conservadores defendiam um regime monárquico centralizado que impedisse o acesso da massa da população ao poder. Entre seus líderes estavam José Bonifácio de Andrade e Silva, além de seus irmãos Martim Francisco e Antônio Carlos. O ala radical, minoritária, era composta por segmentos da camada média urbana. Os radicais estavam mais próximos às aspirações populares e pretendiam reformas profundas na estrutura política do Brasil, como a autonomia provincial. Seus representantes mais expressivos eram os deputados Gonçalves Ledo e José Clemente Pereira. A Assembléia Constituinte, cujo líder era Antônio Carlos, elaborou um projeto de Constituição que tinha como características o fortalecimento do poder legislativo, o voto censitário e a aversão aos estrangeiros. Esse projeto ficou conhecido como a Constituição da Mandioca, porque, segundo ele, só teriam direitos políticos os indivíduos com rendimentos superiores a 150 alqueires de mandioca. Os irmãos Andrada procuraram atenuar as divergências que surgiram entre o imperador e os constituintes. Mas descontentaram D. Pedro I

ao apoiarem um projeto que propunha a naturalização de todos os portugueses residentes no Brasil e expulsão das pessoas com opiniões

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contrárias à Independência. No mês de junho, José Bonifácio e seu irmão, Martim Francisco, pediram demissão dos cargos que ocupavam no ministério. Passaram,

então, à oposição, combatendo D. Pedro I através de dois jornais: Sentinela da Liberdade e Tamoio. O imperador fez aliança com o grupo português, nomeando-os para o ministério, em lugar de José Bonifácio. Com o agravamento da crise, o imperador ordenou o fechamento da Assembléia Constituinte. No dia 11 de novembro, as tropas do governo cercaram o prédio onde os constituintes estavam reunidos, que se declararam em sessão permanente. A noite do dia 11 para o dia 12 de novembro é historicamente chamada de Noite da Agonia. Na manhã do dia 12, D. Pedro I assinou um decreto dissolvendo a Assembléia Constituinte. Muitos deputados foram presos, outros deportados e os irmãos Andrada, exilados. Esse ato do imperador consolidou os absolutistas no poder. Houve o temor pela recolonização do Brasil. Foi criado um Conselho de Estado para redigir a Constituição que regeria a nação.

A Constituição outorgada No dia 25 de março de 1824, D. Pedro I (veja figura abaixo) apresentou à nação a sua primeira Constituição. Foi outorgada, isto é, imposta. Suas principais características são:

regime político: Monarquia Constitucional hereditária;

a religião católica passou a ser oficial, sendo permitido às outras religiões apenas o culto particular ou doméstico;

quatro poderes governariam o Brasil: Moderador, exercido pelo imperador, com amplos direitos, e dando a este o poder de nomear ministros, juízes, presidentes das províncias e intervir nos demais poderes. Executivo, exercido pelo imperador e seus ministros;

Legislativo, exercido pela Câmara dos Deputados e Senado; Judiciário, exercido por juízes e tribunais;

liberdade econômica e de iniciativa;

manutenção do direito de propriedade (a aristocracia rural teve assegurado seu patrimônio, adquirido nos tempos coloniais);

voto indireto e censitário, isto é, baseado na renda. Como o mínimo de renda estabelecido pela Constituição era bastante alto, a maioria da população não tinha direitos políticos. A eleição de um deputado ou senador tinha como pré-requisitos a renda e a religião católica. Para deputado a renda deveria ser superior a 400$000 (quatrocentos mil réis) e para senador 800$000 (oitocentos mil réis). Como se pode observar, a primeira Constituição do Brasil centralizou todo o poder nas mãos do imperador e estabeleceu a participação

política apenas à elite econômica.

Confederação do Equador

A partir do momento em que o imperador fechou a Assembléia Constituinte, começou em Pernambuco uma forte reação ao seu governo. Os pernambucanos, com o retorno de seus representantes,

viram que suas reivindicações de melhoria de condições de vida e redução das taxas de impostos ficavam completamente tolhidas. Além disso, a

outorga da Constituição teve uma reação desfavorável. Surgiu então a idéia de separação. Pernambuco conseguiu a adesão do Rio Grande do Norte, da Paraíba e do Ceará. Liderados por Manuel Carvalho de Paes de Andrade e Frei Caneca, deram início a uma revolta denominada Confederação do Equador. Adotaram a Constituição da Colômbia, que era liberal e republicana. O coronel Francisco de Lima e Silva e Lord Cochrane comandavam as tropas imperiais para sufocar o movimento. Paes de Andrade conseguiu

refugiar-se em um navio inglês e Frei Caneca (veja figura abaixo) foi condenado à morte. Esse episódio contribuiu para aumentar a impopularidade do imperador.

Guerra Cisplatina Em 1821, enquanto D. João VI ainda estava no Brasil, o território do

Uruguai foi anexado ao Brasil com o nome de Província Cisplatina. Como a Cisplatina foi colonizada por espanhóis, havia grande diferenças culturais em relação ao Brasil, o que dificultou a integração dessa região. Em 1825, Lavalleja e Rivera iniciaram uma guerra contra o Brasil, visando a independência da Cisplatina. Após sustentar três anos a guerra e gastar enorme quantidade de dinheiro, além da

perda de 8 mil homens mortos na luta, D. Pedro I, em 1828, teve de aceitar a independência da Cisplatina, que passou a se chamar República Oriental do Uruguai.

Sucessão no trono de Portugal

Ainda na política externa houve a questão de sucessão no trono de Portugal. Em 1826, com a morte de D. João VI, D. Pedro I foi nomeado seu sucessor. Porém, ele abdicou em favor de sua filha, Dona Maria da Glória. D. Miguel, irmão mais novo de D. Pedro I, sentindo-se prejudicado, iniciou uma luta em Portugal como a finalidade de tomar a Coroa para si. A fim de manter a filha no trono, D. Pedro I passou a enviar dinheiro brasileiro para financiar a luta contra D. Miguel. Os brasileiros desconfiaram do imperador, pois achavam que ele estava mais preocupado com acontecimentos portugueses do que com os brasileiros.

Abdicação de D. Pedro I D. Pedro I ia se tornando cada vez mais impopular. A imprensa fazia violenta campanha contra ele. Havia muitas agitações nas províncias. As Câmaras não lhe eram favoráveis e em todas as sessões eram feitas críticas ao seu governo. A situação tornava-se insustentável para o imperador. Agravou-se ainda mais devido aos seguintes acontecimentos:

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o assassinato do jornalista liberal Líbero Badaró, atribuído aos adeptos do governo, em São Paulo, devido às suas críticas;

a Revolução Liberal de 1830, na França. A deposição do rei francês foi explorada pelo jornalista Evaristo da Veiga, redator do jornal A Aurora Fluminense, que comparava D. Pedro I com aquele rei;

as viagens às províncias. Para acalmar os ânimos, em dezembro de 1830, D. Pedro I resolveu fazer uma viagem às províncias. Em Minas Gerais foi recebido friamente e, em algumas cidades, até com dobres de sinos de finados;

a Noite das Garrafadas. Os portugueses residentes no Rio de Janeiro começaram a preparar uma festa para receber D. Pedro I, de regresso das viagens às províncias. Os brasileiros não gostaram e entraram em confronto com os portugueses;

o Ministério dos Marqueses. Em março de 1831, D. Pedro I havia organizado um ministério popular e brasileiro. No dia 5 de abril, demitiu esse ministério e, em seu lugar, nomeou outro, o chamado Ministério dos Marqueses, composto por adeptos seus, a maioria dos quais portugueses. Tal medida desagradou muito o povo, que começou a exigir a volta do Ministério popular. As tropas imperiais colocaram-se ao lado do povo. Quando uma representação popular foi a São Cristóvão pedir a volta do antigo Ministério, D. Pedro I respondeu: Tudo farei para o povo; nada porém pelo povo. Ao saber da resposta de D. Pedro I, a reação popular foi ainda maior. D. Pedro I, não querendo ceder nas suas decisões, abdicou em favor de seu filho, D. Pedro de Alcântara, então com apenas cinco anos de idade. Era o dia 7 de abril de 1831. Em seguida, D. Pedro I partiu para

Portugal.

Regência (1831-1840) Quando D. Pedro I abdicou, seu filho D. Pedro de Alcântara estava com apenas cinco anos de idade. Nesse caso, a Constituição

brasileira previa que o trono fosse ocupado por regentes que deveriam governar até a maioridade do imperador menino. Vejamos o que dizia a Constituição:

Capítulo V Da Regência, na menoridade, o impedimento do imperador.

Art. 121º – O imperador é menor de idade até a idade de 18 anos completos. Art. 122º – Durante sua menoridade, o Império será governado por uma Regência, a qual pertencerá ao parente mais chegado do imperador, segundo a ordem de sucessão, e que seja maior de 25 anos. Art. 123º – Se o imperador não tiver parente algum que reúna estas qualidades, será o Império governado por uma Regência permanente nomeada pela Assembléia Geral, composta de três membros, dos quais o mais velho em idade será o presidente.

O período regencial, que vai de 7 de abril de 1831 até 23 de julho de 1840, é subdividido em: Regência Trina Provisória, Regência Trina Permanente, Regência Una do padre Feijó e Regência Una de Pedro de Araújo Lima.

Regência Trina Provisória e Regência Trina Permanente Como na época da abdicação de D. Pedro I, o Parlamento brasileiro estava em recesso, apenas alguns deputados elegeram a Regência

Trina Provisória, formada por Francisco de Lima e Silva, Carneiro de Campos e Nicolau de Campos Vergueiro. Governou o Brasil até junho de 1831 e os seus principais atos foram: readmissão do ministério deposto por D. Pedro I, anistia a todos que se achassem envolvidos em processos políticos e demissão dos estrangeiros do Exército Brasileiro. Nesse período, regulamentou-se o processo da Regência, determinando que os regentes não podiam exercer o poder moderador, que era exclusivo do imperador.

A Regência Trina Permanente assumiu em 1831, permaneceu até outubro de 1835 e era formada pelo brigadeiro Francisco de Lima e Silva e pelos deputados José da Costa Carvalho e João Bráulio Muniz. Nesse período, o então ministro da justiça, padre Diogo Antônio Feijó, baixou ordens proibindo os ajuntamentos noturnos em ruas e praças. Foram também criadas as guardas municipais, com pessoas das várias camadas sociais, que tinham como encargo a ronda noturna da cidade.

Criação da Guarda Nacional Em agosto de 1831, o Ministro Feijó (veja figura ao lado) extinguiu as guardas municipais e criou a Guarda Nacional. Era

uma organização semimilitar, com elementos civis da camada alta da sociedade, nomeados pelo poder central. Tinha como objetivo reprimir os motins e levantes, justificando que defendiam a ordem e a

Constituição. Sua criação era uma medida que limitava a liberdade de reunião e as garantias individuais. Ela exemplificava a política repressiva do governo. Diretamente ligada ao Ministério da Justiça, a Guarda Nacional se organizou e se estendeu pelas

províncias, ratificando a autonomia das elites provinciais. Por outro lado, corroborava com a centralização do poder regencial, preservando o unitarismo do Império brasileiro. Para fazer parte da Guarda Nacional, era necessário uma renda superior a 200 mil réis, o que a configurava como uma organização de elite. Nela só estavam os ricos proprietários de terras e de escravos, que a usavam para defender seus próprios interesses. Eram chamados de “coronéis”, o que definia os amplos poderes que tinham. Os proprietários de escravos, que se viam em situação difícil com a resistência do negro ao trabalho, ficaram satisfeitos com essa lei, pois podiam empreender a caça ao escravo fujão, usando a Guarda Nacional

para si.

Partidos políticos Foi no período regencial que surgiram os primeiros partidos políticos do Brasil. Observe o esquema abaixo. Os Restaurados ou Caramurus, desapareceram do poder em 1834, com a morte de D. Pedro I, em

Portugal.

Restauradores ou Caramurus Liberais Moderados ou Chimangos Liberais Exaltados

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ou Farroupilhas

Defendiam: a volta de D. Pedro I ao governo do Brasil e a Monarquia centralizada. Quem compunha: comerciantes portugueses, alto comando do exército,

certos proprietários de terras e de escravos. Líder: José Bonifácio. Jornal: Caramuru.

Defendiam: a ordem, a monarquia, poder centralizado no Rio de Janeiro, voto censitário. Quem compunha: ricos proprietários de terras e de escravos de São Paulo e Rio

de Janeiro. Líderes: padre Feijó e Evaristo da Veiga. Jornal: Aurora Fluminense.

Defendiam: a República, a federação, união de províncias soberanas, voto universal. Quem compunha: profissionais liberais,

militares de baixo oficialato. Líderes: Miguel Frias e Cipriano Barata. Jornais: A Malagueta e O Repúblico.

Ato Adicional de 1834 Em 1832, o padre Feijó renunciou ao cargo de Ministro da Justiça, para, em 1833, retornar ao cenário político como senador pelo Rio de Janeiro e fortalecer os Liberais Moderados no poder. Nessa época, os políticos passaram a defender uma reforma constitucional. Os Moderados se fortaleciam criando uma ampla frente dos “cidadãos ordeiros”, combatendo acirradamente os Exaltados. Os jornais, principal meio de comunicação da época, noticiavam os embates

políticos em torno da proposta federalista e republicana dos exaltados, contra o unitarismo e monarquismo centralizador dos moderados. Chegou-se até a discutir a extinção do poder Moderador. Em meio a essa discussão, foi aprovado, em 1834, o Ato Adicional à Constituição. Esse ato teve como características: a transformação da capital do Império, o Rio de Janeiro, em município neutro; a transformação da Regência Trina em Regência Una; a concessão de liberdade política limitada às províncias, através da criação das assembléias provinciais, as quais gerenciavam a vida econômica dos municípios; e manutensão da monarquia unitária, centralizada e o poder moderador, o que ratificava a forma autoritária do Estado Monárquico.

A Regência Una de Feijó Em 1835, o padre Feijó venceu as eleições, por uma boa margem de votos, para ocupar o cargo de Regente do Brasil. Contou com o apoio de Evaristo da Veiga, que, em seu jornal, fazia propaganda aberta para Feijó, e dos homens ricos, os “coronéis”. Na verdade, essa era uma “experiência republicana” em meio à monarquia, pois o chefe de governo era eleito periodicamente, cuja eleição se caraterizava por voto de Província e por votação nacional. O regente governou com mão de ferro, sufocou rebeliões e via nos pobres e nos escravos rebeldes inimigos poderosos da ordem.

Entretanto, muitos políticos que não queriam Feijó no poder fundaram, em 1836, o Partido Conservador para se opor ao regente. Além disso, duas rebeliões estouraram: a Cabanagem, no Pará, e a Farroupilha, no Rio Grande do Sul. Em 1837, Feijó renunciou ao cargo de Regente, quando tinha início mais uma revolta, a Sabinada, na Bahia. Os conservadores, agitados, se preparavam para assumir o poder central.

Regência de Araújo Lima Devido à renúncia de Feijó, assumiu o senador pernambucano Pedro de Araújo Lima, sendo efetivamente eleito em 1838. Organizou o Ministério das Capacidades, que tinha como participantes Bernardo Pereira de Vasconcelos, Miguel Calmon, Antônio Peregrino Maciel Monteiro, entre outros. Araújo Lima governou de forma centralizada. Teve de enfrentar revoltas internas iniciadas no governo anterior, mas houve a eclosão de mais uma rebelião, a Balaiada, no Maranhão. No tocante à autonomia provincial, o regente decretou a Lei Interpretativa, que restringiu essa concessão, regulando a nomeação dos

cargos públicos e a magistratura. A intenção era deter as rebeliões. Houve também a fundação do colégio D. Pedro II, no Rio de Janeiro, e a criação do Instituto Histórico e Geográfico. Em 1838, o padre Feijó fundou o Partido Liberal para fazer oposição a Araújo Lima. Nessa época, a opinião geral era a de que os problemas que assolavam o Brasil só seriam resolvidos quando D. Pedro II assumisse o poder. Aproveitando-se disso, os membros do Partido Liberal propuseram a antecipação da maioridade de D. Pedro de Alcântara.

Rebeliões no período regencial Durante o período regencial, o Brasil foi palco de rebeliões que contestavam a forma autoritária do governo central. As rebeliões foram diferentes nos objetivos propostos. “O período regencial foi um dos mais agitados da história política do país e também um dos mais importantes. Naqueles anos, esteve em

jogo a unidade territorial do Brasil, e o centro do debate político foi dominado pelos temas da centralização ou descentralização do poder, do grau de autonomia das províncias e da organização das Forças Armadas.” Boris Fausto. História do Brasil. 2ª ed. São Paulo: EDUSP, 1995, p. 161.

Cabanagem (Pará, 1835-1840) A Cabanagem, também conhecida como Revolta dos Cabanos, ocorrida na província do Pará, foi uma das lutas mais violentas do período regencial. O nome do movimento deve-se à maciça participação de negros, índios e mestiços que trabalhavam na extração de produtos da floresta e moravam em cabanas à beira dos rios. Mas, para entender o grande alcance desse movimento, é preciso conhecer como se estruturava a Província do Pará, a nível econômico, social e político. A Província do Grão-Pará foi desmembrada do Maranhão, em 1722, e estendia-se por toda a região amazônica, englobando os atuais estados do Pará e Amazonas. A sua população, composta basicamente de índios, negros escravos e mestiços, concentrava-se nos arredores de Belém, em pequenos núcleos à beira dos rios e igarapés e nas ilhas do estuário do rio Amazonas. Subindo os rios em direção ao interior,

lugarejos dispersos pontilhavam as rotas de colonização e de circulação de mercadorias. O quadro da população completava-se com o grande número de indígenas arredios, dispersos por toda área. Foi muito importante a participação dos índios na Cabanagem, pois eles constituíram os últimos focos rebeldes a serem alcançados pela repressão.

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Os motivos que levaram ao movimento foram: o descontentamento dos fazendeiros e comerciantes da região com a nomeação do presidente da província, pelo governo central, e a situação de miséria em que vivia a população paraense.

Em janeiro de 1835, os cabanos tomaram a cidade de Belém e mataram o presidente da província Lobo de Souza. Félix Malcher foi aclamado presidente e Francisco Pedro Vinagre passou a ser o comandante das armas. Assim, iniciou-se o primeiro governo dos cabanos. Malcher, acusado de trair o movimento, foi assassinado por Pedro Vinagre, que assumiu a presidência. As forças do governo central conseguiram retomar o poder, mas, depois de combates violentos, os cabanos, liderados por Eduardo Angelim, reconquistaram Belém. Instalou-se o governo de Angelim, realmente popular e revolucionário. A permanência desse governo, que durou dez meses, desgastou bastante o governo regencial, contribuindo para a queda de Feijó, sem, no entanto, destruir o poder das oligarquias locais. Em 1836, Feijó enviou uma poderosa força militar para a região. Os cabanos resolveram deixar a capital e resistir no interior. A repressão

foi violenta, deixando um saldo de 40 mil mortos. A revolta foi sufocada em 1840.

Revolução Farroupilha (Rio Grande do Sul, 1835-1845)

No século XVIII, o Rio Grande do Sul foi incorporado ao Brasil. A ocupação da terra ocorreu através da doação de sesmarias aos tropeiros e aos militares. Esses recebiam as terras com o compromisso de defendê-las, em nome da Coroa portuguesa, e fornecerem gado a Minas Gerais. A região adquiria um traço peculiar, era o “curral” e a “sentinela militar” da colônia. Dessa forma, a terra rio-grandense se apresentava no contexto colonial como área de extremidade, o avanço máximo português na zona do Prata, região de fronteira onde ocorreram muitas lutas, conquistas e intercâmbio econômico, social, político e cultural entre os povos, brasileiro e platino. Os descendentes dos tropeiros e dos militares se transformaram numa poderosa classe dominante, proprietária de terra, escravo e gado, cuja unidade de produção era a estância, as fazendas pecuaristas. O trabalhador escravo convivia com trabalhadores livres, o peão de estância e o capataz.

No final do século XVIII, teve início a produção de charque. A charqueada era uma unidade de produção industrial, do tipo artesanal, fundamentada nas relações escravistas de produção. Em pouco tempo, as charqueadas rio-grandenses abasteciam o mercado interno brasileiro. Na época da formação do Estado Monárquico brasileiro, fazia parte da classe dominante rio-grandense os estancieiros, os charqueadores, os membros do primeiro escalão militar e da burocracia estatal e os grandes comerciantes. Deve-se destacar que nesse momento chegavam ao Rio Grande os primeiros imigrantes alemães, que vieram para colonizar as terras devolutas do Estado e dinamizar a produção através da policultura e do trabalho livre e familiar. Quando foi outorgada a Constituição de 1824, os estancieiros e charqueadores (veja figura acima) viram frustradas as suas intenções

políticas. O primeiro presidente de Província nomeado por D. Pedro I se apresentava tão – somente como um homem do governo, desvinculado dos problemas locais. A oligarquia rio-grandense mal pôde refletir sobre a falta de participação política, visto que em 1825 se viu envolvida nos episódios da Guerra Cisplatina e assim se manteve até 1828. O Brasil perdeu a guerra e surgiu a República Oriental do Uruguai. Os estancieiros, militares e charqueadores foram grandemente afetados. Os rio-grandenses perderam as terras que possuíam na antiga Cisplatina, os militares – pela

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primeira vez – perdiam fragorosamente a Guerra, muito mais pela péssima atuação do governo imperial do que pelas batalhas travadas, e os charqueadores ficavam impedidos de se utilizarem do gado e das pastagens do Uruguai. Além disso, no pós-guerra, os charqueadores

platinos incrementaram a sua produção de charque, o qual fazia concorrência com o rio-grandense e era de superior qualidade. Uma comoção generalizada antigoverno imperial tomou conta do Rio Grande. Em meio a essa situação, foi fundado em 1831 o Partido Farroupilha com o ideário liberal exaltado que reivindicava a autonomia provincial, ou seja, a escolha do presidente de Província, sensível aos problemas socioeconômicos e que pudesse resolver os impasses enfrentados na queda da exportação de charque, que sofria a concorrência da zona do Prata. Nos anos que se seguiram à abdicação de D. Pedro I até o Ato Adicional de 1834, a agitação político-partidária tomou conta das ruas da Corte e das principais cidades do Rio Grande de São Pedro. Os liberais exaltados não poupavam esforços em criticar o governo regencial e propagavam a sua ideologia através da imprensa partidária A Trombeta dos Farroupilhas, O Grito dos Oprimidos, A Malagueta e A Estrela

do Sul. Os farroupilhas propunham mudanças radicais na estrutura do poder, entre elas o federalismo, a abolição do poder moderador e a promulgação de uma nova carta constitucional. Nas vilas de Alegrete e Piratini os estancieiros se reuniam e tomavam contato com as idéias políticas contrárias ao governo regencial que, no caso, vinham ao encontro das suas reivindicações.

A aprovação do Ato Adicional apenas segurou os ânimos dos pecuaristas rio-grandenses, que ratificaram a substituição do conselho legislativo geral do Rio Grande pela assembléia legislativa provincial. Todavia, a crise político-institucional e socioeconômica se acentuava e a revolução era inevitável. Em seguida vieram os desentendimentos locais entre o executivo e o legislativo. O presidente da Província continuava sendo nomeado e descumpria as decisões da assembléia. Por tudo isso, em 20 de setembro de 1835, eclodiu a Revolução Farroupilha, cujo objetivo imediato era pressionar o regente do Brasil, padre Feijó, a apoiar a deposição do presidente da Província, Antônio Rodrigues Fernandes Braga. Todavia, os rio-grandenses se dividiram.

Em alguns locais se concentravam os legalistas, aqueles que defendiam a ordem monárquica brasileira e, em outros, os farroupi lhas. Em sua primeira fase (setembro de 1835 a setembro de 1836), o movimento farroupilha não era separatista. Os revolucionários queriam apenas mais autonomia diante do governo imperial e os principais fatos que marcaram esse período foram: a conquista de Porto Alegre pelos farroupilhas; a deposição do governo provincial, substituído por José de Araújo Ribeiro; o fortalecimento dos farroupilhas nas cidades de Caçapava, Cachoeira e Piratini; a definição de Rio Grande, Pelotas e São José do Norte como anti-farroupilhas; perda de Porto Alegre, por parte dos farroupilhas, que se torna “mui leal e valerosa” ao governo imperial; e a centralização das operações farroupilhas em Piratini. A partir de setembro de 1836 até março de 1845, temos a segunda fase, quando o movimento foi separatista. Os farroupilhas queriam transformar o Rio Grande de São Pedro num país independente. Entre os principais fatos destacam-se: a proclamação da República Rio-

Grandense nos Campos de Seival (Bagé), por Antônio Souza Neto; a escolha do líder Bento Gonçalves, como presidente da República; a

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elevação de Viamão à categoria de vila, com o nome de Setembrina; a conquista de Lages e Laguna, em Santa Catarina, criando assim a República Juliana, agregada da Rio-Grandense; e o estabelecimento de capitais farroupilhas em Piratini, Caçapava e Alegrete.

Em 1845, depois de terem sido derrotados por Caxias, os farroupilhas assinaram a Paz de Ponche Verde. Por esse acordo, que buscava a “paz” de todos os envolvidos, foram tomadas várias decisões, entre as quais se destacaram: a reintegração do Rio Grande ao Brasil; a indenização monetária aos senhores de terras envolvidos no movimento e a emancipação dos poucos escravos sobreviventes que participaram da guerra.

Balaiada (Maranhão, 1838-1841) A Revolta dos Balaios ou Balaiada foi uma manifestação resultante da crise pela qual passava a sociedade brasileira durante o período regencial. A denominação deveu-se ao fato de um dos líderes, Manoel dos Anjos Ferreira, ser fabricante de balaios. Eram também conhecidos como bem-te-vis, nome derivado de seu jornal. Nessa época, a economia agrária do Maranhão atravessava grave crise. O algodão, sua principal riqueza, vinha perdendo preço e compradores no exterior, devido à forte concorrência do algodão produzido nos Estados Unidos, mais barato e de melhor qualidade. A população maranhense era constituída, em grande parte, de escravos negros, que, muitas vezes, demonstravam sua rebeldia formando quilombos nas matas. Além dos negros, havia homens livres, denominados sertanejos, que trabalhavam na pecuária. A participação destes

grupos na revolta foi muito importante e responsável pelo caráter popular do movimento. Além de Manoel Francisco dos Anjos Ferreira, outros líderes populares destacaram-se: o vaqueiro Raimundo Gomes e Cosme Bento das Chagas, chefe de um quilombo que reunia aproximadamente três mil negros fugitivos. O negro Cosme denominava-se Tutor e Defensor das Liberdades Bem-te-vis. O episódio que marcou o início do movimento foi o assalto à cadeia onde o irmão de Raimundo Gomes estava preso. Ocorreram várias manifestações, inclusive no interior da província. Em 1839, os revoltosos, durante sete dias, cercaram a cidade de Caxias, uma das maiores do Maranhão. Após esse período, a cidade foi tomada, o que significou para eles uma grande vitória. Frente ao grande vulto do movimento, foi nomeado para reprimi-lo o coronel Luís Alves de Lima e Silva. Em 1840, o governo imperial conseguiu a rendição de muitos rebeldes, oferecendo-lhes anistia, inclusive aos chefes que ajudassem a perseguir aqueles que continuavam

rebelados. Assim, o movimento foi dominado e Luís Alves de Lima e Silva recebeu o título de Barão de Caxias.

Sabinada (Bahia, 1837-1838) A Sabinada foi um movimento que agitou a Bahia entre novembro de 1837 e março de 1838, sendo liderado pelo médico Sabino Francisco da Rocha Viera, que em seu jornal Novo Diário da Bahia criticava o governo dos regentes e o presidente da província e convocava o povo para separar a Bahia do resto do Brasil e organizar uma República com caráter provisório, até a maioridade de D. Pedro de Alcântara. Para manter a República era necessário expandir o movimento para o interior da província. Contudo, isso não ocorreu e os revoltosos acabaram encurralados na capital, pelas tropas da polícia local. Em 1838, chegaram as tropas do governo central para reprimir o movimento. Com o apoio da aristocracia rural baiana, organizou-se um

violento ataque a Salvador. Inúmeras casas foram incendiadas, muitos revoltosos foram queimados vivos e mais de mil pessoas morreram na luta.

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Aqueles que conseguiram escapar foram entregues a um grupo, composto pelos grandes proprietários rurais da província, cuja crueldade valeu-lhe o apelido de Júri de Sangue.

É preciso dizer que a violência da repressão esteve muito além do significado da revolta.

Revolta dos Malês (Bahia, 1835)

Rebelião escrava na Bahia: a Revolta dos Malês. “Na noite do dia 24 para 25 de janeiro de 1835, um grupo de escravos de origem africana ocupou as ruas de Salvador, Bahia, e durante mais de três horas enfrentou soldados e civis armados. Os organizadores do levante eram “malês”, como eram conhecidos na Bahia da época os africanos muçulmanos. Embora durasse pouco tempo, foi o levante de escravos urbanos mais sério ocorrido nas Américas. Centenas de africanos participaram,

cerca de 70 morreram e mais de 500, numa estimativa conservadora, foram depois punidos com penas de morte, prisão, açoites e deportação. A rebelião teve repercussão nacional. No Rio de Janeiro a notícia provavelmente chegou ao público através dos periódicos que publicaram o relatório do chefe de polícia da Bahia. Temendo que o exemplo baiano fosse seguido, as autoridades cariocas passaram a exercer vigilância estreita sobre os negros. Os rebeldes da Bahia também reavivaram no Parlamento nacional os debates sobre a escravidão e o tráfico de escravos da África. Os malês encontraram na Bahia de 1835 um campo fértil onde semear a rebeldia escrava e tentar mudar a sociedade em favor dos africanos. Fundada na desigualdade étnico-racial e social, a Bahia vivia uma profunda crise econômica e política. As revoltas das classes livres e pobres e dos dissidentes liberais de um lado, e do outro as dos escravos africanos, ameaçavam a hegemonia dos senhores da Bahia e a ordem escravocrata.

Os conspiradores de 1835 certamente idealizaram seu projeto de rebelião levando em conta a divisão entre os homens livres e a insatisfação rebelde entre os escravos africanos. Estes últimos se caracterizavam por forte identidade étnica, que também os dividia, mas que contraditoriamente constituía sua principal referência de ruptura com o mundo branco. Com base nas raízes africanas, eles construíam uma nova cultura de resistência, no interior da qual o islã ganhou força. Organizados em torno de uma combativa religião multiétnica, os malês se acreditavam preparados para dar início à luta e liderá-la. A conquista da Bahia seria consumada pela mobilização geral dos escravos de Salvador e, posteriormente, do Recôncavo.” João José Reis. Rebelião Escrava no Brasil. São Paulo: Brasiliense,1987, p. 7.

Império: Segundo Reinado (1840-1889) Em 1840, os rumos da história do Brasil mudavam rapidamente, pois a classe dominante, temerosa pelos movimentos revolucionários que estavam levando à fragmentação política no país, optaram pela maioridade de Pedro de Alcântara, que deveria governar a nação imediatamente.

A maioridade de D. Pedro de Alcântara Afastados do poder pelos conservadores, os liberais iniciaram o movimento pela Maioridade de D. Pedro de Alcântara, que legalmente só ocorreria a 2 de dezembro de 1843. Com isso, os liberais esperavam substituir os conservadores no poder. Contaram com o apoio da aristocracia rural, que via no restabelecimento da soberania imperial o fim da crise de autoridade que levava o país a uma instabilidade muito grande. Mobilizou-se uma grande campanha através do recém-fundado Clube da Maioridade, com o apoio de jornais liberais, que publicavam

quadrinhas como esta: Queremos D. Pedro II,

Embora não tenha idade

A Nação dispensa a lei

E viva a maioridade.

Mas havia também aqueles que não tinham esperanças que as coisas melhorassem. As quadrinhas populares mostram isso:

Por subir Pedrinho ao trono

Não fique o povo contente

Não pode ser boa coisa

Servindo pra mesma gente. Em 23 de julho de 1840, com o apoio de alguns conservadores, D. Pedro de Alcântara foi aclamado D. Pedro II. Os liberais, que sustentaram a campanha, foram chamados para compor o ministério que assessoraria o imperador. Faziam parte dele os dois irmãos Holanda Cavalcanti, Francisco de Paula e os dois irmãos Andrada (Antônio Carlos e Martim Francisco). A declaração da maioridade de D. Pedro II,

três anos antes do previsto, foi um golpe dos liberais que faziam oposição à Regência Una de Araújo Lima. Ora, os conservadores não tinham outra saída senão apoiar a proposta dos liberais, que acalmava os ânimos rebeldes no país.

Revoltas do Segundo Reinado O governo conseguiu pacificar a Balaiada e a Guerra dos Farrapos, revoltas iniciadas no período regencial, mas teve de enfrentar também

dois movimentos que eclodiram logo no início do Segundo Reinado: a Revolução Liberal de 1842, em São Paulo e Minas Gerais, e a Praieira, em Pernambuco.

Revolta Liberal (São Paulo e Minas Gerais, 1842) A Revolta Liberal foi uma revolta decorrente da disputa do poder político entre os dois partidos: liberal e conservador. Os liberais, que compuseram o primeiro ministério de D. Pedro II, passaram a controlar a política brasileira, inclusive vencendo as eleições para a Câmara, em 1842. O Partido Conservador alegou que houve fraude nessas eleições e exigiu do imperador a dissolução da Câmara. A seguir, o ministério liberal foi substituído por um conservador. Esses fatos desencadearam duas revoltas liberais, uma em São

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Paulo e outra em Minas Gerais. Em São Paulo, o movimento foi liderado pelo Brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar e pelo padre Diogo Antônio Feijó. No dia 17 de maio,

a Câmara revolucionária da cidade de Sorocaba aclamou Tobias de Aguiar como presidente da província. Houve a adesão imediata das Câmaras de Taubaté, Pindamonhangaba, Silveiras e Lorena. Os revoltosos marcharam em direção à capital. Mas, como eram apenas aproximadamente mil homens e não dispunham de muitos recursos militares, foram vencidos próximos a Campinas pelas tropas comandadas pelo tenente-coronel Amorim Bezerra, sob as ordens de Luís Alves de Lima e Silva, Barão de Caxias. Pouco tempo depois, Caxias entrou em Sorocaba, pondo fim ao movimento. O padre Feijó foi preso e Tobias de Aguiar, com alguns revolucionários, retiraram-se para o Rio Grande do Sul. Em Minas Gerais, o movimento liberal, liderado por Teófilo Otoni, alastrou-se rapidamente. Os liberais bloquearam a estrada que ligava Ouro Preto ao Rio de Janeiro, e conseguiram obter algumas vitórias e dominaram Santa Bárbara, São João Del Rei, Barbacena, Baependi,

Diamantina, Araxá e Caeté. O movimento mineiro também foi dominado por Caxias, que derrotou os revoltosos em Santa Luzia.

Revolução Praieira (Pernambuco) Em 1848, Pernambuco viveu um processo revolucionário, apoiado por um partido liberal radical. A Praieira foi um movimento com um programa definido, com a participação popular de dois mil homens em armas e com a perspectiva de mudança social, contrária ao poder da camada latifundiária. Poucos foram os movimentos brasileiros que tiveram um apelo às massas tão significativo quanto esse. Em Pernambuco, o poder local dos proprietários rurais era muito grande. A região que produzia açúcar há mais de três séculos, era praticamente dominada pelas famílias poderosas do passado. A família Cavalcanti possuía um terço dos engenhos e o restante era dividido entre outras grandes famílias. Em razão disso, elas detinham o poder político, controlando o Partido Conservador, mas também participando do Liberal.

Em 1842, os liberais autênticos fundaram o Partido da Praia, cujo nome derivava da localização do jornal Diário Novo, órgão de divulgação do partido, situado na rua da Praia. Esse partido aproveitou-se da hostilidade nutrida pelos pernambucanos contra os comerciantes portugueses, que dominavam o comércio a varejo e não davam emprego aos brasileiros. Os mais radicais estendiam a hostil idade aos estrangeiros em geral. Uma das mais importantes reivindicações dos praieiros era a nacionalização do comércio. Dentre os participantes do movimento destacam-se Borges da Fonseca, Abreu de Lima, Inácio Bento de Loyola, Nunes Machado e Pedro Ivo. Em outubro de 1848, foi nomeado o conservador mineiro Herculano Ferreira Pena para governar Pernambuco. O descontentamento gerado por esse fato criou um ambiente favorável para a deflagração do movimento, que ocorreu no dia 7 de novembro. Começou de forma espontânea em Olinda, mas logo ganhou a Zona da Mata. Pedro Ivo, na cidade de Água Preta, passou a comandar as forças militares dos

pequenos arrendatários, boiadeiros, mascates, mulatos e negros. Em janeiro de 1849, os praieiros apresentaram o seu programa revolucionário no Manifesto ao Mundo. Constava de dez itens entre os quais: voto livre e universal, liberdade de imprensa, nacionalização do comércio e extinção do Poder Moderador. O poder central nomeou um novo governador para Pernambuco, e começou a enfrentar o movimento; os principais líderes acabaram sendo presos. O fim da Revolução Praieira assinalou o desaparecimento dos últimos resquícios do liberalismo radical e democrático, iniciado durante o processo de Independência. Quem saiu ganhando foi a elite política conservadora, que pôde seguir fazendo as suas conciliações tão características do Segundo Reinado.

Parlamentarismo Em 1847, o imperador D. Pedro II, criou a Presidência do Conselho de Ministros, dando início ao regime parlamentarista no Brasil. No parlamentarismo, o poder mais forte é o legislativo, que além de elaborar as leis, fiscaliza o executivo. No caso brasileiro, o imperador continuava a dar as decisões finais, pois, pela Constituição, ficava com o Poder Moderador. O Presidente do Conselho dos Ministros ou Primeiro-Ministro era escolhido pelo imperador para ocupar o poder executivo. Normalmente

era um elemento do partido que tinha maioria na Câmara. O Primeiro-Ministro compunha o gabinete e os nomes eram levados à aprovação da Câmara, onde receberia (ou não) o voto de confiança. O regime parlamentarista vigorou até 1889. Nesse período, tivemos vários gabinetes liberais ou conservadores. Os partidos pol íticos revezavam-se no poder. É importante destacar o ministério escolhido em 1853, que foi uma tentativa de apaziguar as lutas partidárias. Foi formado por Honório Hermeto Carneiro Leão, reunindo liberais e conservadores e é conhecido como Ministério da Conciliação. Esse ministério governou até 1858 e, nesse período, tivemos significativas realizações: construções de estradas de ferro, introdução da navegação a vapor, instalação de bancos, modernização do Rio de Janeiro, iluminação a gás, etc.

Quando esse ministério caiu, as lutas partidárias recomeçaram.

Guerra do Paraguai A Guerra do Paraguai, ou a Guerra da Tríplice Aliança, foi o conflito de maior duração no continente latino-americano, que reuniu três países – Brasil, Argentina e Uruguai –, contra o Paraguai. Os interesses eram múltiplos e o início do conflito ocorreu em 1865,

prolongando-se até 1870.

Situação do Paraguai Antiga colônia espanhola, o Paraguai, desde a proclamação de sua independência, em 1811, manteve uma política de isolamento em

relação aos demais países do continente e aos grandes mercados internacionais. Isso lhe garantiu uma independência econômica e política, inclusive em relação à Inglaterra. Em 1814, foi eleito para ocupar o poder executivo do Paraguai José Gaspar Rodrigues Francia. Alegando dificuldades econômicas e políticas que o país atravessava, ele se auto-intitulou El Supremo Dictador. Governou até 1840, organizando a administração, fazendo o Estado intervir cada vez mais na economia, isolando o país de contatos diplomáticos. O primeiro ato de Francia foi terminar com a influência da camada que detinha o poder econômico e que poderia agir contra o seu governo. Os espanhóis e os seus descendentes, herdeiros dos privilégios da Coroa, foram perseguidos até o extermínio. Em seguida, organizou um eficiente sistema de informações. Nada era feito que ele não tivesse conhecimento e ninguém entrava ou saía do país sem a sua autorização.

Esse isolamento também se devia ao fato de a Argentina não cumprir o acordo assinado em 1811, que permitia o escoamento dos

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produtos paraguaios através da livre navegação pelos rios, até atingir os portos marítimos. Como o Paraguai não possuía saída para o mar, este acordo era fundamental para viabilizar a sua exportação.

Outro ato do governo de Francia foi o confisco ou compra a baixo preço das terras dos grandes proprietários. Em seguida, essas terras foram arrendadas aos camponeses a um custo insignificante. Criou as Estâncias da Pátria, onde os trabalhadores do campo produziam com o auxílio do Estado e poderiam dispor de uma parte da produção. Também suprimiu as ordens religiosas do Paraguai e transformou seus conventos em quartéis. Fez a Igreja Católica do país romper com Roma e tornar-se nacional. Com a morte de Francia, assumiu o governo Carlos Antônio Lopes. O novo governo contratou colonos e técnicos estrangeiros, especialmente franceses, e modernizou a esquadra, comprando embarcações da Inglaterra.

O Governo de Solano Lopes e a deflagração da guerra Em 1862, Antônio Lopes foi sucedido por Francisco Solano Lopes. Durante o seu governo, a economia paraguaia se encaminha para uma situação de autonomia, não se enquadrando no modelo proposto pela Inglaterra. Incentivando a produção interna na agricultura e na

manufatura e evitando as importações, o Paraguai se diferencia da maioria dos países latino-americanos. As exportações paraguaias equivaliam ao dobro das importações. Graças a medidas de proteção à produção nacional, a balança comercial era sempre favorável. A moeda era forte e estável. No Paraguai, o índice de analfabetismo era muito baixo, ao contrário do restante da América Latina. Bloqueado entre o Brasil e a Argentina, o Paraguai exigia novas alternativas para o seu desenvolvimento. O isolamento não poderia ser mantido por mais tempo. Para rompê-lo, em 1864, Solano Lopes iniciou uma política ofensiva com a finalidade de conseguir uma saída para o Atlântico.

O Brasil contra o Uruguai e a Argentina No Uruguai, logo após a proclamação da independência, formaram-se dois partidos políticos: Blanco, liderado por Oribe, com ideologia federalista, e Colorado, defensor do unitarismo, cujo grande chefe era Rivera. O partido Blanco estava ligado à política do ditador Rosas, da

Argentina, enquanto o Colorado era aliado do Brasil e de uma facção argentina. Em 1830, com a promulgação da primeira Constituição uruguaia, Rivera foi eleito presidente. Quando o seu mandato terminou, foi substituído por Oribe, líder dos blancos. Essa eleição provocou um conflito entre os adeptos dos dois partidos políticos. Oribe obteve logo o apoio de Rosas, dos colorados e do governo brasileiro.

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Como os argentinos disputavam com o Brasil a hegemonia da zona do rio da Prata, seus interesses eram contrários aos dos brasileiros, isto é, que o Blanco fosse o partido dominante. Quando o blanco Oribe assumiu o poder, o ditador argentino Rosas apoiou-o integralmente. O

Brasil aliou-se a Urquiza, presidente das províncias argentinas de Corriente e Entre-Rios e inimigo de Rosas. Caxias invadiu o Uruguai e depôs Oribe e, em seguida, atacou a Argentina. A batalha decisiva travou-se em 1852, em Monte Caseros, onde o ditador Rosas foi derrotado. No Uruguai, apesar da queda de Oribe, continuaram as disputas internas. Em 1864, estava no poder o blanco Aguirre. Como os interesses brasileiros novamente foram afetados, D. Pedro II apoiou o colorado Venâncio Flores e de novo invadiu o Uruguai. O general brasileiro Mena Barreto efetuou o ataque por terra e o almirante Tamandaré comandou a esquadra aliada. Um ano depois, o governo de Aguirre se rendeu e Flores foi colocado no poder.

O conflito com o Brasil não demorou. Quando o governo brasileiro recusou o presidente paraguaio como mediador na questão com Aguirre e, em seguida ocupou o Uruguai, Solano Lopes rompeu relações com o Brasil, principalmente porque tinha com Aguirre um acordo de defesa mútua. Em ação fulminante, Solano Lopes invadiu o Mato Grosso e as províncias argentinas de Corrientes e Entre-Rios. Com essa invasão,

objetivava garantir as comunicações até Corumbá, abastecer-se de gado e manter relações com a Bolívia que, nessa época, tinha saída para o mar. As províncias argentinas foram ocupadas para permitir a passagem das tropas paraguaias rumo ao Uruguai, onde se uniriam aos blancos, e ao Rio Grande do Sul, onde contaria com o apoio dos republicanos, segundo equivocada avaliação de Solano Lopes. Em maio de 1865, o Brasil, a Argentina e o Uruguai formaram a Tríplice Aliança para combater o Paraguai. Esses países tiveram o apoio da Inglaterra, que via no Paraguai um país auto-suficiente, um mau exemplo para os outros países latino-americanos. A Inglaterra, através de sua política imperialista, queria toda a América Latina subordinada aos seus interesses.

Os anos da guerra Na tentativa de arregimentar soldados que lutassem contra o Paraguai, o governo imperial brasileiro lançou uma grande campanha para que os Voluntários da Pátria se apresentassem. Em 1865, foi assinado um decreto onde eram oferecidas recompensas àqueles que participassem da guerra. Os primeiros batalhões de voluntários que partiram para o Paraguai eram formados por jovens patriotas, saídos da elite, em sua maioria estudantes de faculdades de direito, desejosos de prestígio.

Contudo, a maioria da população brasileira continuava indiferente e pouco mobilizada para o conflito. O governo, encontrando sérias dificuldades para conseguir voluntários, acabou lançando mão do recrutamento forçado. Esse recrutamento consistia em obrigar que os jovens filhos e parentes dos fazendeiros fossem para a guerra. Entretanto, caso não desejassem, podiam enviar escravos em seu lugar, os quais lutariam e se tornariam livres, se voltassem vivos do conflito. Dessa forma, o Exército Brasileiro era formado em boa parte pelo contingente de negros escravos, esperançosos pela liberdade. A primeira grande batalha foi travada em junho de 1865, no rio Paraná, diante da foz do pequeno afluente chamado Riachuelo. Os aliados, comandados pelo Almirante Barroso, venceram a Batalha do Riachuelo, afundando as principais embarcações paraguaias. No entanto, Lopes continuou confiante na força de seu exército.

Nas batalhas de Tuiuti e do Passo da Pátria, os paraguaios sofreram novas derrotas. Contudo, a retirada das tropas brasileiras na província do Mato Grosso, conhecida como a Retirada da Laguna, em 1867, deu novo ânimo aos paraguaios. Comandadas por Caxias, as tropas da Tríplice Aliança avançam, a partir de julho de 1867, vencem o conjunto de fortalezas paraguaias, entre elas a de Humaitá (veja figura abaixo), e enfrentam Solano Lopes em batalhas vitoriosas: Avaí, Itororó, Lomas Valentinas e Angostura. Em janeiro de 1869, os aliados ocuparam Assunção. Após esse fato, é empreendida uma perseguição a Solano Lopes até as Cordilheiras. O líder paraguaio e os seus asseclas continuavam escapando dos aliados e em fevereiro de 1870, após atravessar pântanos, selvas e rios, situaram-se na planície de Cerro Corá. No mês de março de 1870 o exército imperial brasileiro chegou ao local e arrasou o acampamento. O líder Solano Lopes foi morto, terminando a guerra.

O armistício entre o Brasil e o Paraguai foi assinada em 1872, apesar de muitas divergências surgidas entre os aliados quanto à questão de limites e posse de regiões, como foi o caso do Chaco com a Argentina. Depois dessa guerra o Paraguai estava totalmente arruinado. Sobreviveram apenas pouco mais de 50% de sua população e ficou uma enorme dívida de guerra. A Argentina passou a deter a hegemonia na bacia platina e as suas províncias de Corrientes e Entre-Rios lucraram muito no fornecimento de suprimentos para o exército aliado. Para o Império Brasileiro, que perdera cem mil homens, os gastos com o conflito agravaram a situação financeira, pois foram necessários novos empréstimos da Inglaterra. O exército fortaleceu-se e profissionalizou-se, o que trouxe sérias questões políticas à Monarquia. Além disso, os militares e os escravos alforriados durante a luta passaram a criticar duramente a permanência da escravidão no Brasil.

– Para onde vais garboso, meu querido General? – Vou brigar com seu Solano, conquistador do Paraguai.

– E quem levar na jornada, nessa marcha marcial? – Vai comigo a Argentina, vai comigo o Uruguai. Milton Nascimento e Fernando Brant A passagem refere-se à Guerra do Paraguai, quando a Tríplice Aliança dizimou 600 mil paraguaios. A guerra aconteceu, fundamentalmente, em função dos interesses dos ingleses, que buscavam abrir o mercado paraguaio aos seus produtos industrializados.

Expansão da economia brasileira Durante a segunda metade do século XIX o Brasil experimentou um progresso jamais visto. Várias foram as razões desse acontecimento, que contou com a expansão da economia brasileira, apoiada pelo imperador D. Pedro II, o primeiro brasileiro a governar o Brasil.

O café Durante a Monarquia, o café passou a ser o sustentáculo da economia brasileira e ainda hoje ocupa um lugar de destaque entre os produtos brasileiros. Originário da Abissínia, o café foi cultivado durante muitos séculos pelos árabes. No século XVIII, os franceses trouxeram as

primeiras sementes para a América e iniciaram a plantação na Guiana Francesa. No Brasil, o café chegou em 1727, trazido por Francisco de Melo Palheta, e foi plantado nas regiões próximas a Belém do Pará.

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Em 1761, João Alberto Castelo Branco trouxe algumas sementes para o Rio de Janeiro, onde o produto desenvolveu-se graças à existência de mão-de-obra abundante, às facilidades de transporte e à proximidade do porto. Algum tempo depois, a lavoura cafeeira espalhou-se

também por províncias vizinhas, que contavam com boa qualidade do solo, umidade e temperatura apropriadas. No prazo de alguns anos, o café se tornou a principal riqueza do Brasil, levando-o a primeiro produtor mundial. No final do período monárquico, devido à existência de terra roxa e à mão-de-obra dos imigrantes, São Paulo tornou-se o grande produtor nacional de café. A acumulação de capital gerada por essa atividade favoreceu o seu desenvolvimento industrial.

O processo de expansão do complexo cafeeiro do Oeste paulista, a partir da década de 1870, ganhou um poderoso impulso e transformou

a zona da “terra roxa” no verdadeiro centro dinâmico da economia brasileira. Na mesma época, houve a decadência da produção de café nas áreas fluminense e vale-paraibanas. Esse declínio foi devido à escassez de terras próprias para o cultivo do café, à má distribuição dos cafeeiros e ao acelerado esgotamento das reservas naturais. Finalmente completou o quadro dessa decadência a utilização de tecnologia rudimentar, tanto no preparo da terra, quanto no beneficiamento do café. O uso do arado era feito em escala desprezível e o beneficiamento, nos antiquados “engenhos de pilão” . Constituindo-se numa economia tipicamente baseada em relações de produção escravistas, a economia cafeeira vale-paraibana e fluminense ressentiu-se das limitações ao tráfico negreiro e, ainda mais, da sua completa proibição, a partir de 1850. Além disto, o preço dos

escravos aumentou muito após 1850. Já no Oeste paulista, o principal fator favorável ao plantio do café foram as condições geoclimáticas. Além disso, contribuíram também a topografia pouco acidentada e a utilização de técnicas mais sofisticadas no plantio e beneficiamento do produto, o que reduziu o custo de produção e aumentou a produtividade.

O café provocou várias transformações no panorama brasileiro, entre elas:

a implantação e desenvolvimento do sistema ferroviário para resolver o problema de transporte;

dinamização das atividades industriais de máquinas de beneficiamento de café e sacaria, além do incentivo à indústria têxtil;

crescimento ou aparecimento de diversas cidades;

dinamização das atividades do comércio de importação e exportação e do sistema bancário;

introdução do trabalhador livre a assalariado depois da extinção do tráfico, em 1850, devido à crescente necessidade de braços para a lavoura.

Os cafeicultores: tradição e inovação

Primeiramente é necessário registrar que havia diferenças entre os cafeicultores do Vale do Paraíba e os do Oeste paulista. O cafeicultor fluminense possuía um comportamento muito ligado às antigas tradições coloniais, ao esquema patriarcal e escravista, não diferindo muito do antigo senhor de engenho. Vivia na fazenda e sua posição social era determinada pela quantidade de escravos que possuía. Não era muito propenso a adotar técnicas novas e não controlava a comercialização do café que produzia, deixando-a nas mãos de intermediários exportadores. O grande fazendeiro paulista, ao contrário, possuía seus próprios esquemas de comercialização do café. Não vivia na fazenda. Tinha sua residência em mansões de várias cidades, principalmente de São Paulo, possuindo valores muito mais urbanos que rurais. Como o grande impulso do café paulista se deu na época da extinção do tráfico, o cafeicultor paulista procurou trazer para sua fazenda os imigrantes europeus, como trabalhadores assalariados. Aceitava com entusiasmo a moderna tecnologia e a aplicava, obtendo uma

produtividade cinco vezes maior que a das fazendas fluminenses.

Modernização do Brasil A partir de 1850, ocorreu um processo de modernização com o aparecimento de novas técnicas de transportes (ferrovias e navegação); as comunicação avançaram com o uso do telégrafo, iniciou-se a produção de máquinas para a incipiente indústria de transformação e houve um razoável aumento da atividade comercial. O desenvolvimento econômico foi acompanhado de um crescimento dos centros urbanos. Algumas cidades cresceram, principalmente

aquelas próximas dos centros produtores de café e dos portos. Outras nasceram ao longo das linhas férreas que acompanhavam a expansão

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do café. Na segunda metade do século passado, quando o café se transformou no principal produto de exportação, a rede ferroviária (veja figura abaixo) brasileira pulou de 1.000 km para quase 9.000 km de trilhos.

Principais produtos agrícolas para exportação (em porcentagem sobre o valor global das exportações)

Período Café Açúcar Algodão Fumo Cacau

1831-1840 1841-1850 1851-1860 1861-1870 1871-1880 1881-1890 1891-1900

43,8 41,4 48,8 45,5 56,6 61,5 64,5

24,0 26,7 21,2 12,3 11,8 9,9 6,0

10,8 7,5 6,2 18,3 9,5 4,2 2,7

1,9 1,8 2,6 3,0 3,4 2,7 2,2

0,6 1,0 1,0 0,9 1,2 1,6 1,5

Fonte: Anuário Estatístico do Brasil, 1939. Nos grandes centros urbanos, as atividades profissionais se multiplicaram, gerando novas exigências de uma sociedade mais heterogênea. Tornaram-se possíveis novas formas de convivência social, surgiram associações artísticas e profissionais: as idéias mais progressistas – abolicionismo, república, reformas do processo eleitoral – passaram a ter os seus adeptos e defensores. Eram cada vez mais freqüentes os comícios urbanos onde se pregavam essas novas idéias. A praça passou a ser um lugar de reivindicações. A vida cultural e política se dinamizou. O analfabetismo regridiu com o aumento do número de escolas. Em 1835 a cidade de São Paulo tinha 95% de analfabetos; em 1872, 65%; em 1887, 55%.

Nas últimas décadas do século XIX, novo fator viria somar-se aos demais, acentuando as diferenças entre os grandes centros e as cidades do interior e entre as várias regiões do país: o aparecimento das indústrias. Um significativo número de indústrias foram criadas. Em pouco mais de 10 anos, o número de indústrias passou de 175, em 1874, para mais de 600. Localizavam-se no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, onde a concentração de mão-de-obra e capitais, a existência de um mercado relativamente desenvolvido e uma infra-estrutura de transporte criavam possibilidades para o seu desenvolvimento. Contudo, até os fins do século XIX, a industrialização não chegou a afetar profundamente as estruturas socioeconômicas do país. Seus efeitos mais profundos se fariam sentir no século XX.

Lei de Terras (1850) Enquanto o café se expandia gerando altos lucros aos latifundiários, o pequeno proprietário encontrava-se em uma situação bem menos privilegiada. Tendo se dedicado à produção de gêneros de subsistência, via suas possibilidades de crescimento limitadas.

Não bastasse as melhores terras serem absorvidas pelo café, os grandes proprietários elaboraram a Lei de Terras (1850). Essa lei determinava que só era possível a aquisição de terras através de compra, ficando vetada a posse por ocupação ou doação, permitidas até então. No início da colonização, a terra era vista como parte do patrimônio do rei. Para adquirir um lote de terra era necessário solicitar uma doação pessoal. Nesse caso, a propriedade da terra conferia prestígio social, pois implicava o reconhecimento pela Coroa dos méritos do beneficiário. Portanto o poder econômico derivava do prestígio social. A partir da Lei de Terras de 1850, a única maneira de se adquirir terra era comprando-a do governo, que atuava como mediador entre o domínio público e o provável proprietário. Nesse caso, o prestígio pessoal derivava do poder econômico. Expressando os interesses da elite econômica brasileira, essa lei representou uma tentativa de regularizar a propriedade rural e o

fornecimento de mão-de-obra, de acordo com as novas necessidades e possibilidades da época. Toda terra que não estivesse utilizada ou ocupada de forma adequada deveria voltar ao Estado como terras públicas. Seriam vendidas por um preço suficientemente alto para dificultar a compra da terra pelos recém-chegados. Com o dinheiro acumulado pela venda das terras, o governo poderia subsidiar a imigração, trazendo europeus para o Brasil, para substituir os escravos das fazendas. Assim o problema da força de trabalho estaria resolvido.

Extinção do escravismo e início do trabalho do imigrante A partir de 1850, a economia brasileira passou por sensíveis transformações e um dos fatores importantes desse processo foi a interrupção do tráfico de escravos com a Lei Eusébio de Queirós. De 1850 a 1888, a extinção do escravismo foi lenta e gradual. A partir de 1888, os ex-escravos foram vender a sua força de trabalho no mercado livre e em condições desiguais. Vários motivos levaram a um desgaste da escravidão no Brasil. A extinção do tráfico, as restrições ao tráfico interprovincial, o alto

índice de mortalidade e o envelhecimento precoce dos escravos provocaram a escassez de mão-de-obra nas lavouras cafeeiras.

Extinção do tráfico negreiro A Inglaterra, desde 1810, vinha interferindo no tráfico de escravos. Nesse ano, exigiu de D. João o compromisso de reduzi -lo, o que não foi cumprido. Logo após a Independência, fez a mesma exigência a D. Pedro I, que também não a obedeceu. No Segundo Reinado, a pressão

inglesa tornou-se ainda mais forte. Em 1845, o Parlamento inglês votou o Bill Aberdeen, que autorizava a marinha inglesa a aprisionar navios negreiros e julgar os traficantes em um tribunal inglês. Nesse momento, a burguesia industrial inglesa tinha o maior interesse em relação à África negra, pois estava implantando o neocolonialismo para o fornecimento de matéria-prima. Para isso, entretanto, era necessário utilizar a mão-de-obra nativa, e, assim, não era mais vantajoso exportá-la na forma de escravos e sim fixá-la na região. Devido às pressões inglesas, em 1850, foi aprovada a Lei Eusébio de Queirós, que proibia definitivamente o tráfico de negros africanos para o Brasil e estabelecia severas penas a quem a desrespeitasse. Essa determinação foi complementada pela Lei Nabuco de Araújo, de 1854, que autorizava a marinha a perseguir e punir os traficantes de escravos.

Com a proibição do tráfico externo, a saída encontrada foi realizar o tráfico interprovincial, mas as taxas cobradas para transferir escravos de uma província para outra eram muito altas. A partir da década de 70, o preço do escravo subiu assustadoramente.

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Lei do Ventre Livre e Lei Áurea Os fazendeiros do Oeste paulista, a classe média (que queria o livre acesso aos empregos públicos) e os intelectuais promoveram uma grande campanha contra a escravidão. Essa campanha foi intensificada em fins da década de 70 e início da década de 80, graças aos pronunciamentos militares e à mobilização popular.

A Guerra do Paraguai modificou a forma de pensar dos oficiais do Exército Brasileiro, que conviveram com exércitos de países republicanos e não escravistas. Oficiais fizeram pronunciamentos condenando a escravidão e anunciando que o exército não mais cumpriria o papel de capitão-do-mato em busca de negros fugitivos. De outro lado, não se pode esquecer a pressão política internacional sobre o governo brasileiro. Em 1870, o Brasil era o único país independente a manter a escravidão. Em 1871, embora o abolicionismo estivesse longe do possuir a grande força que teria alguns anos mais tarde, já preocupava o governo imperial, a ponto de este tomar algumas medidas conciliatórias para diminuir seu crescimento. É nesse sentido que se deve entender a promulgação da Lei Rio Branco (mais conhecida como Lei do Ventre Livre (veja comentário abaixo)), que dava liberdade para os filhos de

escravos a partir daquela data. O senhor tinha a obrigação de criá-los até 8 anos de idade. Essa lei não passou de uma manobra política para acalmar as forças dos abolicionistas: os senhores poderiam manter os escravos durante o período de maior produtividade de seu trabalho, até os 21 anos de idade, ou receber uma expressiva indenização do Estado pela liberdade concedida.

A Lei do Ventre Livre “Esta lei – Nº 2.040, de 28 de setembro de 1871 – liberta os escravos que nasceram a partir da data e providencia sôbre a criação e tratamento dêsses menores e sôbre a liberdade anual de escravos. A Princesa Imperial Regente, em nome de S. M. o imperador e Sr. D. Pedro II, faz saber a todos os cidadãos do Império que a Assembléia Geral decretou e ela sancionou a lei seguinte: Art. 1º – Os filhos de mulher escrava que nasceram no Império desde a data desta lei serão considerados de condição livre. 1º – Os ditos filhos menores ficarão em poder e sob a autoridade dos senhores de suas mães, os quais terão a obrigação de criá-los e tratá-los

até a idade de oito anos completos. Chegando o filho da escrava a esta idade, o senhor da mãe terá opção, ou receber do Estado a indenização de 600$000, ou de utilizar-se dos serviços do menor até a idade de 21 anos completos. No primeiro caso, o Govêrno receberá o menor e lhe dará destino, em conformidade da presente lei...”

Em 1880, no Rio de Janeiro, foi fundada a Sociedade Brasileira contra a escravidão e pouco tempo depois, haviam numerosas agremiações emancipadoras e abolicionistas em outras províncias do país. No Norte e Nordeste, onde a economia se achava muito menos baseada no escravismo, o movimento alastrava-se em grau ainda maior, com uma acentuada participação popular. O Ceará, em 1884, tornou-se a primeira província a libertar os seus escravos. Ali ocorrera um movimento de jangadeiros, que se recusavam a transportar para os navios os escravos vendidos para as províncias do Sul. No Rio Grande do Sul e no Amazonas também ocorreram libertações de escravos. Ao mesmo tempo que o movimento abolicionista crescia, os quilombos também prosperavam. O Quilombo Jabaquara, fundado em 1882, perto da cidade de Santos, em São Paulo, é um dos exemplos de resistência negra, pois reuniu

cerca de dez mil pessoas. Esse reduto era chamado paternalmente de “libertos de Antônio Bento”, um abolicionista que organizou o grupo dos caifazes para ajudar os negros a fugirem de seus senhores para o Jabaquara. Os quilombos não acabaram com a escravidão, mas contribuíram para o desgaste do regime escravista brasileiro, pois representavam a resistência negra à escravidão. O crescimento da campanha abolicionista e suas vitórias levaram o governo à aprovação de mais uma lei abolicionista, a Lei do Sexagenário (1885), também conhecida como Lei Saraiva-Cotegipe, que dava liberdade aos escravos com mais de 65 anos. Essa lei, na verdade, era mais um “bom negócio” para os senhores, que não precisavam alimentar os velhos escravos que não produziam, praticamente, mais nada. Essa lei, devido ao seu caráter reacionário, conseguiu exacerbar os ânimos e encaminhar mais rapidamente ao fim

da escravidão. Em 13 de maio de 1888, a princesa Isabel assinou a Lei Áurea (veja comentário abaixo), extinguindo a escravidão no Brasil. Foi a última tentativa da Monarquia de salvar-se de seu trágico fim.

“Lei – número 3.353, 13 de maio de 1888 – extingue a escravidão no Brasil.

A Princesa Imperial Regente, em nome de S. M. o imperador e Sr. D. Pedro II, faz saber a todos os cidadãos do Império que: Art. 1º – É declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil. Art. 2º – Revogam-se as disposições em contrário.”

O Movimento Negro e a Abolição “A sociedade brasileira tem uma dívida para com o povo negro. Apesar de o povo negro ter erguido as estruturas econômicas de nosso país, hoje, nesta sociedade capitalista, ele é considerado um cidadão de segunda categoria. O povo negro trabalhou muito para o desenvolvimento desta nação, através de atividades nos canaviais, na mineração nos cafezais, nas charqueadas, enfim em todos os segmentos formadores da economia nacional. Apesar dessa realidade histórica, o povo negro nunca foi tratado como igual. A comunidade branca, embora seja minoria no Brasil, tem mantido a exclusividade do poder, do bem-estar e da renda nacional. Mais da metade da população brasileira é descendente de povos africanos e a maioria vive em estado de extrema miserabilidade. Há, atualmente, 23 milhões de crianças brasileiras sem estudar, sendo que dessas, 20 milhões são negras. O índice de analfabetismo da população negra é bem maior do que o da população branca. De cada 100 brancos 12 entram para a universidade, porém de cada 100 negros

apenas um consegue seu ingresso. Ultimamente muitas pesquisas têm evidenciado em número significativo de desigualdades raciais no acesso ao emprego, à educação, à participação política, à saúde, à moradia. As pesquisas mostram também que a violência policial atinge muito o homem negro, mas é também muito cruel contra as crianças e os jovens negros. O negro está já cinco séculos no Brasil. Há cinco séculos que ele tem sido força motora da acumulação capitalista, sempre localizado nos piores setores da economia e vivendo, na maioria, em condições desumanas. Historicamente, o negro passou dos porões dos navios negreiros

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para os porões da sociedade brasileira. O povo negro muito contribuiu para o desenvolvimento do país, entretanto, foi o primeiro a ficar sem-terra.”

Vera Triumpho*. Rio Grande do Sul: Aspectos da negritude. Porto Alegre: Martins, 1991. * Líder do movimento negro.

Imigração européia Os primeiros imigrantes chegaram ao Brasil em 1819, ainda no governo de D. João VI. Entraram, entre outros, suíços-alemães, que fundaram uma colônia, origem da cidade de Nova Friburgo no atual estado do Rio de Janeiro. Em 1824, no Primeiro Reinado, vieram os imigrantes alemães, que se fixaram no Rio Grande do Sul, onde deram origem a várias cidades: São Leopoldo, Novo Hamburgo, Estrela. Durante o Segundo Reinado, a imigração (veja figura acima) tomou novo impulso devido a várias razões: pacificação do país, encarecimento da mão-de-obra, expansão da lavoura cafeeira. Com essa expansão, houve a exigência do aumento da mão-de-obra na região de São Paulo. A única alternativa para solucionar esse problema era importar mão-de-obra européia. As primeiras tentativas nesse sentido estão ligadas ao nome do Senador Nicolau de Campos Vergueiro, que instituiu o sistema de

parceria. O proprietário faria adiantamentos aos imigrantes para o seu transporte e sustento, a serem pagos num certo prazo e com juros de 6% ao ano. No Brasil, os imigrantes deveriam plantar, cultivar, colher e beneficiar o café. O produto da venda seria dividido em partes iguais entre o colono e o fazendeiro. Esse sistema não deu resultado, pois os imigrantes não conseguiam sequer lucros com a parte que lhes era determinada. A solução desse problema veio a partir de 1870, com a implantação da imigração subvencionada. O governo ficou com a responsabilidade do transporte e o fazendeiro manteria o trabalhador imigrante durante o prazo de um ano. Houve, então, o desenvolvimento da imigração de italianos. A maioria fixou-se em São Paulo, pois a lavoura cafeicultora era produzida em maior escala nessa região. Entre 1850 e 1910, São

Paulo recebeu mais de 1,5 milhão de imigrantes italianos. A partir de 1875, os italianos também foram para o região do Rio Grande do Sul, onde passaram a desenvolver o cultivo da uva. Esse fluxo migratório originou as cidades de Caxias do Sul, Garibaldi, Farroupilha. Durante o Segundo Reinado entraram no Brasil também imigrantes alemães, que se dirigiram para Santa Catarina, onde fundaram várias cidades: Blumenau, Joinville etc. O Estado escravista brasileiro objetivava basicamente, com a colonização do Sul do Brasil, desenvolver o minifúndio (pequena propriedade) e produzir alimentos para o mercado interno. Assim, as colônias de imigrantes responsabilizaram-se pela diversificação da economia, o que garantiu ao Rio Grande do Sul ser cognominado “celeiro do Brasil”. São Paulo e Rio de Janeiro abasteciam-se dos gêneros

alimentícios provenientes da zona colonial.

O trabalho e o imigrante Quem substituiria o escravo nas lavouras cafeeiras? Esta era a discussão que se fazia ao final da escravidão.

Cogitou-se utilizar o trabalhador livre nacional, mas havia um discurso que o considerava vadio, indolente, viciado e sem afeição ao trabalho. Isso ocorria porque os homens livres não se sujeitavam às condições de trabalho dos escravos. Preferiam viver na miséria, trabalhando esporadicamente nas fazendas, a submeter-se ao trabalho disciplinar, o que, na sua visão, era a degradação da liberdade. Surgiu, então, a proposta do imigrantismo. A idéia era trazer trabalhadores europeus sem instrumentos produtivos e sem acesso à terra. O trabalhodor livre nacional e o liberto, no mercado de trabalho livre, realizaram as tarefas mais penosas e menos remuneradas, rejeitadas pelos imigrantes, principalmente as derrubadas de matas, em que havia risco de vida. O mais importante nisso tudo é que o negro, considerado a base da economia brasileira por mais de quatro séculos, foi marginalizado no mercado de trabalho livre. Na tentativa de controlar a mão-de-obra, a classe dominante promoveu a substituição do negro em maior parte

pelo imigrante e em menor pelo trabalhador livre nacional. Couberam ao negro os piores trabalhos, e ele só será inserido no mercado de trabalho após a Revolução de 30. A força de trabalho do ex-escravo foi rejeitada pelos patrões. O governo e as classes dominantes, em vez de criar uma política de trabalho para o ex-escravo, preferiu estimular e subsidiar a imigração branca européia, marginalizando o negro.

República Velha (1889-1930) Em 1889, por um golpe militar, o Estado Monárquico brasileiro sucumbiu ante o regime político republicano. Aquele momento foi propício para que os militares republicanos dessem um golpe na Monarquia e proclamassem a República: a abolição da escravidão, os primeiros sinais de crise da cafeicultura, a ascensão da classe média urbana, a expansão dos partidos republicanos nas províncias, somados aos problemas políticos enfrentados pelo Presidente do Conselho de Ministros, o Visconde de Ouro Preto. Na segunda metade do século XIX, a economia brasileira estava passando por sensíveis transformações. Entretanto, na política tudo permanecia inalterado. D. Pedro II, pelo poder Moderador, continuava controlando os demais poderes, conforme seus interesses. Assim, no

executivo nomeava os presidentes das províncias e o Presidente do Conselho dos Ministros; no legislativo, nomeava os senadores e controlava o poder judiciário, nomeando o corpo burocrático. Governava de maneira centralizada, portanto, autoritária. Esse modelo, iniciado em 1840, chegou ao fim em 1889. Entretanto, convém salientar que os primeiros sinais desse esgotamento já eram visíveis entre os anos de 1868 e 1870, com o fim da Conciliação, a divulgação do Manifesto Republicano e a fundação do Partido Republicano.

Movimento republicano Enquanto liberais e conservadores se alternavam no poder, os republicanos iam, gradativamente, ganhando espaço. Em 1870, lançaram o Manifesto Republicano (veja comentário abaixo), onde propunham uma nova ordem política, a República, para o país atingir o progresso pleno. Pregavam uma mudança pacífica do regime político, sem derramamento de sangue, portanto, sem fazer a revolução armada. Fundaram, no Rio de Janeiro, o jornal A República, porta-voz de seus anseios inovadores.

Manifesto Republicano de 1870

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“É a voz de um partido que se alça hoje para falar ao país. E esse partido não carece demonstrar a sua legitimidade. Desde que a reforma,

alteração ou revogação da carta outorgada em 1824 está por ele mesma prevista e autorizada, é legítima a aspiração que hoje se manifesta para buscar em melhor origem o fundamento dos inauferíveis direitos da nação... De todos os ângulos do país surgem queixas, de todos os lados políticos surgem os protestos e as revelações estranhas que denunciavam a existência de um vício grave, o qual põe em risco a sorte da liberdade pela completa anulação do elemento democrático... Neste país, que se presume constitucional e onde só deverão ter ação poderes delegados, responsáveis, acontece, por defeito do sistema,

que só há um poder ativo, onímodo, onipotente, e esse é justamente o poder sagrado, inviolável e irresponsável... O voto do povo foi dispensado. A fórmula da aclamação fictícia preteriu a sanção da soberania nacional, e a graça de Deus, impiamente aliada à vontade astuciosa do rei, impôs com o Império o imperador que o devia substituir... A centralização, a tal qual existe, representa o despotismo, da força ao poder pessoal que avassala, estraga e corrompe os caracteres, perverte e anarquiza os espíritos, comprime a liberdade, constrange o cidadão, subordina o direito de todos os arbítrios de um só poder, nulifica de fato a soberania nacional, mata o estímulo ao progresso local, suga a riqueza peculiar das províncias, constituindo-as satélites obrigados do grande astro da Corte – centro absorvente e compressor que tudo corrompe e tudo concentra em si – na ordem moral e política, como na ordem econômica e administrativa.

O regime da federação, baseado, portanto, na independência recíproca das províncias, elevando-as à categoria de Estados próprios, unicamente ligados pelo vínculo da mesma nacionalidade e da solidariedade dos grandes interesses da representação e da defesa exterior, é aquela que adotamos no nosso programa, como sendo o único capaz de manter a comunhão da família brasileira. Se carecermos de uma fórmula para assinar perante a consciência nacional os efeitos de um ou de outro regime, nos resumiríamos assim: – Centralização – Desmembramento – Descentralização – Unidade. A soberania nacional só pode existir, só pode ser reconhecida e praticada em uma nação cujo parlamento, eleito pela participação de todos os cidadãos, tenha a suprema direção e pronuncie a última palavra nos públicos-negócios.” Manifesto assinado por 58 brasileiros.

Em julho de 1873, foi realizado o primeiro congresso dos republicanos, conhecido como a Convenção de Itu, onde foi fundado o Partido Republicano Paulista (PRP). Esse partido era composto pela nova aristocracia cafeeira (do Oeste paulista), que via a monarquia como um impecilho ao progresso do Brasil.

Na década de 80, a necessidade de reformas sociais e políticas levou o Partido Republicano a acentuar o seu caráter inovador. Agora, em sua plataforma política, dava ênfase à questão servil, tomando também para si a campanha pela libertação dos escravos; ao federalismo, combatendo a centralização monárquica; às eleições diretas, onde o povo pudesse escolher os governantes; e, por fim, à reforma do

exército, que passaria a ter um corpo próprio. Os jovens oficiais, como seguidores que eram de Benjamim Constant, professor da Escola Militar, que pregava a idéia de um governo forte e republicano, engajaram-se no movimento republicano. Em São Paulo, os republicanos procuravam agir com cautela ao solicitar reformas na legislação e, às vezes, para consegui -las, aliavam-se aos conservadores. No Rio de Janeiro estavam divididos em duas posições: radical e moderada. Os radicais, liderados por Aristides Lobo,

Silva Jardim e Benjamin Constant, queriam a proclamação imediata da República. Os moderados, liderados por Quintino Bocaiúva e Saldanha Marinho, preferiam aguardar o momento da sucessão monárquica. Nesse momento surgiu uma terceira força republicana, a do Rio Grande do Sul. O Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) foi fundado em 1882, por um grupo de jovens estudantes: Joaquim de Assis Brasil, Antônio Augusto Borges de Medeiros, Júlio de Castilho e Fernando Abott. Sua proposta estava engajada às questões nacionais, como a abolição da escravidão e o federalismo. Os republicanos rio-grandenses adquiriam notoriedade local e nacional, aproveitando a Questão Militar, que veremos mais adiante.

A Questão Militar A partir de 1880, a força política do exército avolumou-se. Ficava cada vez mais evidente a contradição entre a oficialidade do exército e o caráter escravista do Estado brasileiro. O exemplo marcante disso foi o fato de os militares se recusarem a capturar escravo fugitivo, o que contrariava os interesses dos senhores de escravos.

Os ressentimentos do exército para com a monarquia começaram em 1831, com a criação da Guarda Nacional, que fez com que as forças armadas fossem postas de lado. A partir de sua criação, o exército imperial foi reduzido a um pequeno grupo de oficiais, formados na Escola Militar, que dirigia um contingente inexpressivo de mercenários e de pessoas recrutadas por voluntariado. Com a Guerra do Paraguai o Exército Brasileiro expandiu-se. Contou com o apoio do Estado para organizar-se melhor, recrutando novos oficiais das classes médias urbanas, e o maior efetivo das tropas era formado por negros de origem escrava. Essa foi uma recomposição popular do exército. Voltou dessa guerra combatendo a Monarquia e a escravidão. Enquanto os proprietários de escravos esperavam que os militares se aliassem a eles, ao contrário, foram combatidos com veemência. Iniciava-se uma oposição ao Estado escravista brasileiro.

O anti-escravismo dos militares ficou bem marcado em 1884, quando o jangadeiro cearense Francisco do Nascimento, herói da luta abolicionista, foi recebido na Escola de Tiro do Exército (RJ), pelo tenente-coronel Sena Madureira. Esse ato custou a Sena Madureira uma repreensão do Ministro da Guerra e sua transferência para Rio Pardo (RS), onde foi recebido calorosamente pelos republicanos rio-grandenses.

“Em 1874, fora constituído o serviço militar obrigatório, mas ninguém tinha a intenção de levar a sério a execução da lei. Continuava o

exército a alimentar-se de voluntários recrutados à força e engajados. Procuravam os quartéis indivíduos sem profissão, desocupados, fugitivos da escravidão, não poucos criminosos para se livrarem das perseguições.” Leôncio Basbaum

A insatisfação militar levou o senador do Império, o general gaúcho Antônio Correia da Câmara (Visconde de Pelotas), a pronunciar inúmeros discursos no Senado, entre eles o Manifesto à Nação, em que enfatizava o descaso com os militares, devido às péssimas condições dos quartéis, à retrógrada legislação vigente e à arbitrariedade no recrutamento militar que impunha a escória da população ao exército. Ainda referindo-se ao ano de 1884, afirmava que o exército tinha um efetivo de 13.500 homens, sendo registradas 7.326 punições, das quais 54 eram oficiais.

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No ano de 1885 o coronel Cunha Matos, ao fazer uma inspeção de rotina em guarnições no Piauí, verificou uma série de irregularidades. Para ele, o responsável era o comandante da guarnição e propôs a sua remoção. A atitude de Cunha Matos foi criticada na Câmara,

obrigando-o a dar uma resposta através da imprensa. O resultado foi a sua punição e repreensão. Essa questão teve destaque nas páginas do jornal republicano A Federação, do Rio Grande do Sul, onde o Marechal Deodoro da Fonseca, que na época era o presidente da Província e Comandante das Armas, manifestou-se a favor dos militares punidos. Desse episódio, resultou a aliança do PRR (Partido Republicano Rio-Grandense) com o exército. Em seguida, Deodoro conseguiu a sua exoneração e seguiu para o Rio de Janeiro, onde foi recebido com festividades pelos seus colegas e alunos da Escola Militar. O prestígio que alcançou, possibilitou-lhe fundar, em 1887, o Clube Militar, do qual foi o primeiro presidente. Nesse mesmo ano, apresentou à Princesa Isabel o requerimento em que os militares se recusavam a prender escravos fugidos. O movimento militar se expandia e, no início de 1889, já havia mais de 250 clubes no Brasil.

Fica claro que o exército imperial lutava por uma organização burocrática própria, independente do Estado escravista. A vigência do direito escravista impedia a formação de um quadro de carreira militar desde o recrutamento até a promoção. Os oficiais perceberam que lutar contra a escravidão, e sua conseqüente persistência, significava abrir espaço à reestruturação do exército. E eles lutaram na conquista desse espaço, comprometendo a conservação do poder da classe escravista. Esses atritos, no seu conjunto, levaram à ruptura entre o exército e a Monarquia, geralmente denominada de Questão Militar.

Formação da classe média urbana Em meio a todas essas mudanças no quadro político brasileiro, aos poucos, formava-se e aumentava gradualmente a classe média urbana. Apesar de se constituir em pequena parcela da população, num Brasil eminentemente rural, ela teve participação na mudança do regime político brasileiro. O processo de modernização em nosso país, ocorrido a partir de 1850, fez nascer importantes centros urbanos, com toda uma rede de empreendimentos ligados às atividades de comércio, transporte, finanças e indústria. Também aumentava o espaço de trabalho para os

profissionais liberais: médicos, advogados, farmacêuticos, professores, jornalistas, etc. A classe média urbana estava assim formada: uma parte, por imigrantes e antigos brasileiros que desenvolveram o trabalho livre, e a outra, por pessoas ainda vinculadas às atividades rurais e, por isso, usavam o trabalho escravo. Os escravos urbanos eram também conhecidos como escravos de ganho. Possuíam uma atividade profissional: pedreiro, sapateiro, oleiro, etc. e entregavam parte do seu ganho ao proprietário, sendo também alugados por eles. Geralmente, trabalhavam em oficinas de reparos ou artesanato. Havia negros de ganho obrigados a trabalhar como besta de carga, substituindo o transporte animal. A extinção da escravidão, em 1888, atingiu os proprietários de escravos urbanos, visto que nas cidades o controle ao cumprimento da lei era mais eficaz. Portanto, esses proprietários passaram a reforçar as fileiras dos clubes republicanos. Só no Rio de Janeiro, eles fundaram 25

novos clubes, após maio de 1888.

O alto clero da Igreja Católica contra o Governo Desde a Constituição de 1824, a Igreja foi controlada pelo governo. Os bispos eram quase funcionários do imperador. Muitos elementos do clero participavam da vida econômica, política e intelectual do país. Alguns elementos do clero brasileiro eram bastante l iberais e grande número de padres fazia parte da maçonaria (sociedade política secreta). A divergência entre a maçonaria e a Igreja surgiu quando, em 1864, o papa Pio IX, numa bula, condenou a participação de católicos na maçonaria. Essa bula, entretanto, não recebeu beneplácito imperial. Em 3 de março de 1872, as lojas maçônicas do Rio de Janeiro homenagearam o seu grão-mestre Visconde do Rio Branco pela aprovação da Lei do Ventre Livre. O discurso de saudação foi feito pelo padre Almeida Martins, fato que lhe valeu a suspensão das ordens por parte do bispo diocesano D. Pedro Maria de Lacerda.

A maçonaria iniciou uma violenta campanha contra a Igreja em todas as partes do Império. Ainda nesse mesmo ano, o bispo de Olinda, D. Vital Gonçalves de Oliveira, proibiu os padres de sua diocese de participarem da maçonaria e mandou fechar as capelas dirigidas pelos maçons. O bispo do Pará, D. Antônio Macedo, publicou vários opúsculos em defesa de D. Vital. O governo, não aceitou a atitude antimaçônica dos bispos e levou-os a julgamento no Rio de Janeiro. Julgados em 1874, foram condenados a quatro anos de prisão. Em 1875, os bispos receberam anistia do Gabinete chefiado por Caxias. Porém, isso não foi suficiente para acalmar o povo e a Igreja, que ficaram contra o governo. O Império perdia uma de suas bases de sustentação: a Igreja.

Proclamação da República Elementos do exército, republicanos de diversas províncias do Brasil, cafeicultores (especialmente do Oeste paulista) e a classe média urbana estavam unidos contra a Monarquia. A insatisfação aumentou após a abolição e até mesmo aqueles que a apoiavam, ressentiram-se economicamente. Por isso, D. Pedro II escolheu o Visconde de Ouro Preto, político do Partido Liberal, para o cargo de Presidente do Conselho de Ministros. Ele procurou formular um programa que se aproximava muito dos interesses republicanos, tais como: autonomia

provincial, limite ao mandato dos senadores, democratização do voto, desenvolvimento econômico e, ainda, prometeu restaurar a disciplina no exército. Esse programa foi amplamente combatido no Parlamento pelos conservadores. Sentindo-se ameaçado, Ouro Preto decidiu dissolver a Câmara e convocar novas eleições. Teve início uma conspiração para derrubá-lo, liderada por Quintino Bocaiúva e Benjamim Constant, que trataram de buscar o apoio do Marechal Deodoro da Fonseca. Os conspiradores marcaram para 20 de novembro a derrubada de Ouro Preto e a indicação de um novo Presidente do Conselho de Ministros. Entretanto, temendo à repressão anteciparam o ato para o dia 15. Na manhã desse dia, o Gabinete de Ouro Preto reuniu-se no Ministério da Guerra, para tentar uma resistência. Porém, era tarde demais. As tropas comandadas pelo marechal Deodoro cercaram o edifício e, com o apoio da tropa que o guarnecia, prenderam os membros do Gabinete. A quartelada estava consagrada. Ouro Preto era refém

e estava deposto! D. Pedro II, que não se encontrava no Rio de Janeiro (estava em Petrópolis), nomeou imediatamente um novo Presidente do Conselho de Ministros: o gaúcho e líder do Partido Liberal, Silveira Martins, inimigo do exército, dos republicanos e, em particular, de Deodoro. O

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imperador punha por terra o seu governo, com essa medida impopular. Na tarde do dia 15, a Câmara dos Deputados, no Rio de Janeiro, presidida por José do Patrocínio e com o apoio do exército, declarou

extinta a Monarquia no Brasil. Começava a República. A Abolição e a República fazem parte de uma mesma realidade e são reflexos das mudanças ocorridas na estrutura econômica brasileira, a partir de 1850. A classe proprietária de escravos foi afetada com o fim da escravidão, que era o grande alicerce da Monarquia. A proclamação da República permitiu que os cafeicultores e outros setores não ligados à escravidão assumissem o poder. Adotaram a forma federativa de governo, o que agradava às oligarquias regionais e reforçava os partidos republicanos locais. Entretanto, é importante considerar que o exército era a força que dominava, naquele momento de desestruturação do Estado escravista. Esse domínio possibilitou aos militares estabelecerem alianças com os setores da sociedade descontentes com o regime monárquico e, assim, eles não só se tornaram líderes do movimento republicano, como também vão ocupar a Presidência nos primeiros anos do novo regime.

Governo Provisório (1889-1891) Em 1889 os republicanos proclamaram a República no Brasil. Denomina-se República da Espada o período compreendido entre 1889 e 1894, devido ao fato de o Brasil, nessa época, ter sido governado por dois militares: Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. Entretanto,

persistiam muitas dúvidas a respeito do novo regime político, conforme podemos ver: Na noite de 15 de novembro de 1889, os militares reuniram-se com os republicanos e formaram o governo provisório. O marechal Deodoro da Fonseca assumiu o governo e nomeou os ministros: Rui Barbosa (Fazenda), Benjamim Constant (Guerra), Quintino Bocaíuva (Relações Exteriores), Aristides Lobo (Interior), Campos Sales (Justiça), Demétrio Ribeiro (Agricultura, Comércio e Obras Públicas) e Eduardo Wandenkalk (Marinha). O governo provisório (1889 a 1891) tomou as seguintes medidas: expulsão do Brasil de D. Pedro II e da Família Real; transformação das províncias em estados, seguindo o princípio do federalismo; separação da Igreja do Estado, instituindo o casamento civil e o registro de nascimento; naturalização de estrangeiros; adoção de uma bandeira republicana; convocação da Assembléia Constituinte para elaborar uma

nova constituição que instituísse o regime republicano, federativo e presidencialista.

A Carta de D. Pedro II “A vista da representação escrita que me foi entregue hoje, às 3 horas da tarde, resolvo, cedendo ao império das circunstâncias, partir,

com toda a minha família, para a Europa, deixando esta Pátria, de nós tão estremecida, à qual me esforcei para dar constantes testemunhos de entranhado amor e dedicação, durante quase meio século em que desempenhei o cargo de chefe de Estado. Ausentando-me pois, com todas as pessoas da minha família, conservarei do Brasil a mais saudosa lembrança, fazendo os mais ardentes votos por uma grandeza e prosperidade.” Rio de Janeiro, 16 de novembro de 1889. D. Pedro de Alcântara

Quando o novo grupo se instalou no poder, o Brasil passava por muitos problemas:

dívidas que o antigo governo havia deixado e que era compromisso dos republicanos saldá-las;

indenização pela emancipação dos escravos;

crescimento da dívida externa;

desemprego gerado pela emancipação dos escravos, sem plano social algum. A abolição dos escravos colocou nas ruas milhares de pessoas sem emprego, sem moradia, que ficavam vadiando pelas cidades à procura de trabalho. Os ex-escravos vão construir favelas nas periferias urbanas e outras vezes, vão amontoando-se em cortiços;

o crescimento desordenado das cidades com o aumento numérico de imigrantes ao lado do ex-escravo;

a necessidade de incrementar o mercado nacional, visto que havia mão-de-obra abundante e possibilidade de expandir o sistema produtivo.

A política econômica dos republicanos

A política econômica do governo provisório visava promover uma industrialização no país. O ministro das finanças, Rui Barbosa, propôs aumentar a quantidade de moeda em circulação. Afirmava que, ampliando o crédito, ocorreria uma natural diversificação da economia e o desenvolvimento da indústria e do comércio. O decreto assinado em janeiro de 1890 regulamentava as emissões bancárias determinando uma reforma financeira para o Brasil. Foram feitas grandes emissões de moeda sem o equivalente lastro. Essa moeda seria dada, sob a forma de empréstimos bancários, a indivíduos que quisessem iniciar uma empresa. A única exigência do banco para conceder o empréstimo era o aval pelas ações da nova empresa. Contudo, o povo brasileiro não estava preparado para um liberalismo tão grande. Os “empresários” passaram a criar empresas “fantasmas”, que não existiam senão no papel, ou utilizavam apenas uma parte do capital que haviam tomado emprestado.

Houve uma euforia tal, que a aparência era de que a República se iniciava com um grande desenvolvimento econômico. Na bolsa, as ações eram cotadas em valores altos, completamente irreais. Essa situação era um campo aberto aos especuladores. Quando a situação real veio à tona, já era tarde, a crise havia se espalhado. O resultado foi uma grande quantidade de dinheiro em circulação, sem nenhum valor. Essa crise ficou conhecida como Crise do Encilhamento, porque era um jogo de dinheiro que lembrava o jogo de corrida de cavalos. A Crise do Encilhamento levou:

ào enorme aumento de papel moeda em circulação, sem a garantia de uma reserva metálica e sem perspectiva de retorno;

à alta geral do custo de vida. O aumento desenfreado dos preços no mercado, levou o comércio e a indústria a exigirem cada vez mais dinheiro. O governo cedia às exigências, agravando a crise inflacionária;

à desvalorização da moeda, o que encareceu os produtos estrangeiros e, com isso, as importações diminuíram;

à queda cambial e à insuficiência de reservas metálicas para cobrir tanto dinheiro em circulação, o que impedia o Brasil de cumprir seus compromissos no exterior;

à venda desenfreada de ações, provocando a baixa nas cotações e a falência de numerosas empresas.

Primeira Constituição republicana

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Em meio a essa crise, em 15 de novembro de 1890, foi eleita a Assembléia Constituinte. Durante os trabalhos para elaborar a primeira Constituição republicana os políticos se dividiram e surgiram dois grupos:

os federalistas extremados eram uma ala de rio-grandenses que almejavam a autonomia total para os estados;

os federalistas moderados, formados por paulistas, fluminenses, mineiros, almejavam um presidente forte. Pretendiam um federalismo com pouca autonomia, concentrado na união de estados, onde o presidente pudesse exercer o poder de fato e de direito como chefe de Estado. A primeira Constituição republicana, inspirada na Constituição dos Estados Unidos, foi promulgada em 24 de fevereiro de 1891 e estabeleceu:

a República Federativa presidencialista; o presidente eleito por voto direto, com um mandato de quatro anos, menos o primeiro que seria eleito pela Assembléia Constituinte;

que poderiam votar os maiores de 21 anos, independentes da renda. Mulheres, analfabetos, religiosos de ordem monástica e praças do exército não tinham o direito de voto;

maior autonomia para os estados, que poderiam estabelecer impostos, organizar a sua política, fazer empréstimos no exterior;

que a religião católica deixava de ser oficial;

que seriam respeitados: liberdade de reunião, liberdade de imprensa e de habeas corpus. Observe que o Brasil passou a ter três poderes independentes:

poder executivo: ocupado pelo presidente da República e ministros de Estado. O presidente era eleito por quatro anos, juntamente com um vice-presidente que, em caso de impedimento ou afastamento do presidente, assumiria o cargo;

poder legislativo: constituído pela Câmara dos Deputados e Senado Federal. Juntos, esses dois órgãos formavam o Congresso Nacional;

poder judiciário: formado por juízes de direito e desembargadores. Seu órgão máximo era o Supremo Tribunal Federal. Quanto à forma de votação, é importante salientar que o voto era aberto, ou seja, a descoberto. Assim, quando uma pessoa votava, todos ficavam sabendo quais eram os seus candidatos. Com esse tipo de voto os donos do poder local, também chamados “coronéis”, exigiam das pessoas que dependiam economicamente deles que votassem no candidato que eles indicassem. Esta prática era conhecida como voto de

cabresto, expressão popular que significava voto obrigado, imposto. Através da fraude, da violência ou de favores, o coronel conseguia eleger o prefeito, os vereadores, os deputados, os senadores, o presidente do estado (atual governador de estado) e o presidente do Brasil. O prestígio do coronel dependia do número de eleitores que tinha sob seu controle. Esse fenômeno político no Brasil denominou-se coronelismo. Dependia de um compromisso assegurado entre o coronel e a população, uma verdadeira troca de favores e influências.

A República Velha O período de nossa história que vai de 1889 a 1930 ficou conhecido como República Velha. Nesta época, a vida política do País foi dominada pelos grandes proprietários rurais, entre os quais se destacavam os fazendeiros de café. Era a chamada oligarquia cafeeira, que se

concentrava em estados como São Paulo, Minas e Rio de Janeiro. O seu domínio político e econômico sobre os destinos do país foi tão grande que a República Velha ficou também conhecida como República dos Fazendeiros ou República do Café.

Primeiro Presidente da República: Deodoro da Fonseca Venceram as primeiras eleições republicanas, para presidente, Deodoro da Fonseca, e para vice-presidente, Floriano Peixoto. Como Deodoro não representava a classe que detinha o poder, a aristocracia do café, teve de enfrentar violenta oposição do Congresso e críticas a seus projetos. No dia 3 de novembro de 1891, dissolveu o Congresso e, para isso, contou com o apoio dos governos estaduais.

Porém, civis e militares de estados política e economicamente fortes reagiram ao golpe. O presidente, temendo uma guerra civil, renunciou no dia 23 de novembro de 1891. Como a Constituição estabelecia, assumiu o poder o vice Floriano Peixoto que recebeu o país em grave crise financeira e política.

Floriano Peixoto: Revolta da Armada e Revolução Federalista Ao assumir, Floriano reabriu o Congresso e substituiu os governos dos estados adeptos de Deodoro. Setores das Forças Armadas exigiram do presidente a realização de novas eleições. Mas o governo reprimiu os movimentos. No Rio de Janeiro, explodiu a Revolta da Armada, chefiada por Custódio de Melo, que acusava Floriano Peixoto de governar sem base na Constituição. No Rio Grande do Sul, começou a Revolução Federalista contra o presidente do estado, que não era aceito pela maioria do povo sul-rio-grandense.

Os rebeldes dos dois movimentos se aliaram e ocuparam Santa Catarina e Paraná. As forças do governo derrotaram a revolta do Rio de Janeiro, mas a revolução do Sul continuou por mais algum tempo. O Partido Republicano Rio-grandense (PRR) foi fundado em 1882 por Júlio de Castilhos, principal divulgador das idéias do federalismo. Durante o governo provisório foi empossado no Rio Grande do Sul o marechal visconde de Pelotas, que nomeou Júlio de Castilhos para secretário. Castilhos montou uma poderosa máquina política, contando com o apoio dos funcionários públicos e da Guarda Cívica (posteriormente denominada Brigada Militar). Em 14 de julho de 1891, foi aprovada a primeira Constituição rio-grandense, orientada pela política castilhista. Por ela, o presidente do estado concentraria os poderes e teria um mandato de cinco anos. Estabelecia também limites à Constituição Federal. Na prática, o governo estadual ganhou poderes ditatoriais, consolidando o castilhismo. No mesmo dia da promulgação da Constituição,

Júlio de Castilhos foi eleito e empossado no cargo de presidente do estado. Ainda em 1891, formou-se um grupo de oposição ao governo, que depôs Castilhos, anulando a Constituição. Porém, em 1892, foi feita uma aliança entre o PRR e o exército, que permitiria o retorno do presidente do estado ao poder. Aliando-se aos coronéis do Planalto (zona de extração de erva-mate, agricultura e pecuária), nova eleição ocorreu e Júlio de Castilhos saiu vitorioso. Em janeiro de 1893, reassumiu o governo do estado. Em fevereiro, o Rio Grande foi invadido por tropas federalistas, organizadas no Uruguai por fazendeiros gaúchos, apoiadas pelos grupos que estavam fora do poder. Eles queriam rever a Constituição castilhista e fazer modificações, no sentido de impedir a reeleição sucessiva do presidente de estado.

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Para vencer os federalistas – chamados maragatos –, Castilhos contou com o apoio da Brigada Militar. Seus partidários foram apelidados de pica-paus. A disputa entre os dois grupos se prolongou por 30 meses e teve um saldo de 10 mil mortos. Esse movimento, também

conhecido como Revolução da Degola, é considerado uma das mais cruéis guerras civis brasileiras. Em 1895, os federalistas depuseram as armas, aceitando a anistia decretada pelo então presidente da República Prudente de Morais. Floriano conseguiu, pela força, manter e consolidar e República, com o apoio de parte do exército e do povo do Rio de Janeiro, que havia sido beneficiado com o tabelamento de preços dos aluguéis e da carne. Por isso ficou conhecido como “Consolidador da República” e “Marechal de Ferro”, devido a sua ação repressiva nos movimentos políticos. No final do seu mandato, o Partido Republicano Paulista decidiu lançar como candidato à presidência o paulista Prudente de Morais, representante dos cafeicultores. Sua eleição pôs fim à República da Espada e deu início a uma nova fase da história do Brasil, a República de Oligarquia, também conhecida como República dos Coronéis.

Economia: o café O tempo dos cafeicultores remonta um período da história do Brasil onde os paulistas, mineiros e fluminenses eram hegemônicos nas decisões políticas do país. Veremos as razões econômicas que sustentavam os barões do café no poder e as suas artimanhas políticas.

Durante o período da República Velha, a economia brasileira manteve as mesmas características dos períodos anteriores. Continuou sendo agrária, monocultora e dependente do mercado externo. Essa dependência tornava a economia muito frágil. Quando os países consumidores atravessavam uma crise, reduziam as compras, e quando outro país vendia o mesmo produto a preço mais baixo, o Brasil perdia mercado. Além do café, o Brasil exportava alguns outros produtos como a borracha, o mate e o fumo, e importava manufaturados e gêneros alimentícios. O café brasileiro dominou o mercado mundial e os maiores consumidores eram os Estados Unidos e a Inglaterra. Essa situação estimulou os cafeicultores a expandirem as plantações e tinham a seu favor a abundância de terra e a mão-de-obra barata. Além da população rural, contaram com o trabalho do imigrante, que se localizou principalmente em São Paulo, onde havia uma política oficial para atra í-los.

Devido ao grande volume da produção de café, houve, nos primeiros anos do século XX, uma crise de superprodução e conseqüente queda de seu preço. Isso levou os cafeicultores de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro a assinarem com o governo, em 1906, o Convênio de Taubaté. Por esse acordo, o governo se comprometia a comprar o excedente da produção para estocar e esperar melhores preços no mercado. O governo tentou também controlar a expansão da lavoura cafeeira, taxando novas plantações. O preço do café voltou a subir e os altos lucros estimularam os cafeicultores a continuar investindo no café. Quando o preço do café caía, o governo emitia dinheiro e fazia empréstimos no exterior para comprar o excedente do produto. Com isso, a moeda era desvalorizada, o que provocava a alta do custo de vida. Assim, o prejuízo, que deveria ser do fazendeiro, era dividido entre todos.

As perspectivas de lucros levavam o cafeicultor a continuar expandindo as plantações. Iria chegar o momento em que o governo não conseguiria garantir essa política.

Diversificação econômica

No final do século XIX, a borracha, com o desenvolvimento da indústria automobilística, teve o consumo aumentado na Europa e nos Estados Unidos. A valorização do produto contribuiu para aumentar a sua produção no Brasil. A região amazônica atraiu muita gente, porque era rica em seringueiras, árvores das quais se extrai o látex para a fabricação da borracha. O maior contingente de mão-de-obra veio do Nordeste, devido à proximidade da região e à miséria provocada pela seca. A produção, antes insignificante, aumentou muito e, em 1910, o Brasil era o primeiro produtor de borracha do mundo. Essa posição foi perdida quatro anos depois para a Inglaterra. Os ingleses plantaram mudas de seringueiras em suas colônias asiáticas e conseguiram vender o produto a preço mais baixo.

O principal responsável pela crise da borracha brasileira foi o processo de exploração primitivo. Não havia preocupação com a conservação da planta, as árvores estavam espalhadas pela floresta (o que dificultava o trabalho), o transporte do produto por via fluvial era lento, o seringueiro ganhava muito pouco e estava sempre devendo para o seringalista, que lhe fornecia os produtos alimentícios. Nas colônias inglesas, ao contrário, as árvores foram plantadas próximas uma das outras. Por isso, conseguiram produzir mais e a preço mais baixo. A produção de açúcar no Nordeste já vinha decaindo desde a abolição do tráfico de escravos. No período republicano, o açúcar brasileiro perdeu mercado para Cuba. O consumo ficou limitado ao mercado interno e o maior consumidor era o estado de São Paulo. Com as crises constantes de café, alguns cafeicultores paulistas começaram a investir na produção açucareira. Contando com mais capital,

São Paulo acabou superando a produção nordestina. O cacau, cultivado no litoral baiano, adquiriu importância com o progresso da indústria de chocolate nos Estados Unidos e na Europa. A concorrência dos domínios ingleses na África provocou a queda da exportação do cacau brasileiro.

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Desenvolvimento industrial A implantação da indústria no Brasil enfrentou muitos obstáculos, mesmo depois da proclamação da Independência. Os produtos estrangeiros, sobretudo ingleses, concorriam com os brasileiros, porque pagavam taxas de alfândega baixas para entrar no Brasil. No final do período monárquico, houve um pequeno desenvolvimento industrial, favorecido pela liberação de capital com a abolição do tráfico de escravos e a elevação das tarifas alfandegárias, a partir de 1844. No governo provisório da República Velha, o ministro da Fazenda, Rui Barbosa, liberou a emissão de dinheiro (veja figura ao

lado) para financiar a indústria. Os resultados foram pequenos devido à crise inflacionária. A partir de 1910, São Paulo substituiu o Rio de Janeiro, tornando-se o principal centro industrial do Brasil. Contribuíram para a industrialização de São Paulo: o capital acumulado com o café e a ampliação do mercado consumidor decorrente do aumento da população. A maioria dos imigrantes que esse estado recebeu se dirigiu para a zona rural, mas alguns deles instalaram manufaturas, que se transformaram, mais tarde, em grandes indústrias, como por exemplo: Matarazzo, Kablin, Filizola, etc. O desenvolvimento industrial da República Velha foi favorecido também pela eclosão da Primeira Guerra Mundial. Durante esse período, o Brasil não podia importar dos países em conflito. Houve o desenvolvimento da indústria de tecidos, de alimentos, de vestuário, de calçados, de vidros, etc.

As finanças e o capital estrangeiro No governo provisório, as emissões sem controle provocaram uma desvalorização da moeda e a elevação do custo de vida. A crise financeira provocou muitos conflitos políticos e revoltas sociais. O Brasil estava endividado e não conseguia mais empréstimos no exterior.

Em 1896, os preços do café caíram e a crise se agravou. O presidente Campos Sales negociou a dívida com banqueiros ingleses. Conseguiu um novo empréstimo e mais tempo para saldá-lo. O pagamento dos juros seria iniciado somente três anos mais tarde. Em troca dessa concessão, os banqueiros exigiram que o governo combatesse a inflação. Para aumentar a renda do Estado, o governo cortou gastos públicos, aumentou os antigos impostos e criou novos. Conseguiu restabelecer o equilíbrio financeiro e a credibilidade do Brasil no exterior. Por outro lado, o Brasil ficou mais dependente do capital estrangeiro. Com as finanças restabelecidas, o presidente Rodrigues Alves, sucessor de Campos Sales, pôde investir no saneamento do Rio de Janeiro, na instalação de portos e construção de estradas. Quanto ao capital estrangeiro, sua entrada no Brasil ocorreu desde a Monarquia, sob a forma de empréstimos e investimentos. Na

República Velha, a tomada de empréstimo destinava-se ao pagamento da dívida e ao financiamento da produção de café. A outra forma de entrada de capital estrangeiro foi o investimento direto. Países desenvolvidos, como a Inglaterra, a França e os Estados Unidos, tinham interesse em investir seu capital nos países menos desenvolvidos. Preferiam aplicar dinheiro em atividades mais rendosas como construção de estradas, de portos, empresas de eletricidade, de gás, etc. Até o início do século XX, a maior parte do capital estrangeiro investido no Brasil era de origem inglesa. Quando os Estados Unidos se tornaram o maior consumidor de café brasileiro, o investimento norte-americano superou o inglês.

A política dos cafeicultores Consolidando o regime republicano, os cafeicultores paulistas trataram de organizar o Estado de forma que atendesse aos seus interesses. Após apoiarem Floriano Peixoto, indicaram o paulista Prudente de Morais à presidência da República, que se tornou presidente para o período 1894-1898.

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A posse de Prudente de Morais foi significativa porque era o primeiro civil a ocupar a presidência e ratificava a classe cafeicultora no poder. De 1894 a 1930, as oligarquias paulista e mineira controlaram a vida política do país.

Para substituí-lo no cargo de presidente, Prudente de Morais lançou a candidatura de outro paulista, Campos Sales. Era um republicano histórico, ex-ministro da justiça, que havia regulamentado o casamento civil no Brasil e, naquele momento, presidia o estado de São Paulo. Em 1898, Campos Sales foi eleito presidente, governando até 1902. Era a supremacia da elite cafeeira. Como a situação financeira do país havia se tornado caótica, o novo presidente, ao assumir o cargo, foi à Europa procurar os banqueiros do grupo Rothschilds (poderoso grupo britânico) para negociar a dívida externa, que já havia atingido 80 milhões de libras. Voltou vitorioso, pois conseguiu a moratória e um novo empréstimo de 10 milhões de libras, com juro de 5% ao ano e um longo prazo de pagamento de 63 anos. Em 1961, o então presidente Jânio Quadros saldou a dívida. Campos Sales também se comprometeu a cumprir um rigoroso programa deflacionário. Para isso incumbiu o ministro da Fazenda

Joaquim Murtinho de organizar um programa de saneamento financeiro e o aumento das rendas públicas. A partir dele, houve o aumento das taxas de importação, a criação de novos impostos e a contenção dos salários e das despesas públicas. Os resultados desse programa foram benéficos para a balança comercial, que obteve saldo positivo, para o câmbio, que teve sua elevação, e para a balança de pagamentos, que obteve um superávit. Por outro lado, implicou carestia, desemprego e elevação dos preços dos produtos de primeira necessidade. No plano político, Campos Sales, para obter o apoio do Congresso de que necessitava para o seu programa econômico, não hesitou em propor a política dos governadores (veja comentário abaixo), um acerto político entre o governo federal e as oligarquias regionais. Nessa política, o governo federal se comprometia a apoiar os governos estaduais, não interferindo na política local e, em troca, esses governos estaduais se comprometiam a apoiar o governo federal. O presidente prestigiava o reconhecimento dos deputados e senadores federais

indicados pelos governos dos estados. Isso explica a “degola” dos candidatos da oposição e a garantia da execução da política financeira de Joaquim Murtinho.

A gênese da Política dos Governadores, por Campos Salles “Parece oportuno tratar da escolha do meu sucessor, a fim de poder entender-se com alguns membros do Congresso, antes do encerramento da sessão. Sei que Rodrigues Alves encontra o seu apoio e estou em pleno acordo na indicação deste nome, que considero competente no duplo ponto de vista político e administrativo, e faço por ele decidido empenho (...) mas tenho motivos para acreditar que Minas só aceitará a combinação em que entrar também um mineiro, e, para evitar embaraços, julgo conveniente indicar Silviano para vice-presidente, assegurando assim apoio decisivo daquele grande Estado.” Campos Salles. Da propaganda à presidência.

A política dos governadores evitava o choque entre o presidente da República, o presidente do estado e o Congresso nacional. No Congresso foi instituída a Comissão Verificadora, que era uma comissão de verificação dos poderes e das eleições. Na verdade, era um órgão legislativo que funcionava a serviço do executivo. Essa comissão ratificava ou anulava as atas das eleições, assinadas pelas câmaras municipais, apurando a veracidade dos resultados.

Dessa forma, o coronel lançava o candidato do seu partido, acertava com o presidente de estado e a população referendava, já que o voto era aberto. A maior beneficiada, a nível federal, era a oligarquia paulista. Por isso, não hesitaram em indicar para a sucessão de Campos Sales outro paulista, Rodrigues Alves. Os políticos do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Maranhão e Pernambuco reagiram a essa indicação. Campos Sales procurou equilibrar a situação buscando apoio da oligarquia mineira, fazendo uma aliança que previa a eleição de Rodrigues Alves para o período 1902-1906 e a indicação de um mineiro para a legislatura posterior. Surgia assim a política do café-com-leite, que era a união de São Paulo e Minas Gerais. Enquanto a economia de São Paulo se sustentava na cafeicultura, a de Minas era na pecuária. Para as demais oligarquias, o executivo se comprometia a honrar os compromissos da política dos governadores.

Rodrigues Alves (1902-1906): recuperação financeira Em 1902, foi eleito Rodrigues Alves, o terceiro paulista consecutivo a governar o Brasil. Quando assumiu, teve de enfrentar os seguintes problemas: a revolta da Escola Militar, a superprodução de café, o pagamento das dívidas públicas anteriores.

No final do seu governo, em 1906, a cidade do Rio de Janeiro estava remodelada, as estradas de ferro estavam melhores e novas construções tomavam conta da velha capital, como o teatro Municipal, o Palácio Monroe, a Biblioteca Nacional e a remodelação do porto.

Foi um período de recuperação financeira que oportunizou grandes empreendimentos públicos.

Afonso Pena (1906-1909) Em 1906, o mineiro Afonso Pena assumiu o governo central. O novo presidente procurou desenvolver a agricultura, construir estradas, incentivar a indústria e estimular a entrada de mais imigrantes para o café. Em relação aos militares, aproximou-se deles, implantando o serviço militar obrigatório, o que favoreceu o quadro militar. Entretanto, a superprodução de café estava se tornando problemática à economia brasileira. Em 1906, havia 19 milhões de sacas em excedente.

Afonso Pena implantou o Plano Nacional de Valorização do Café, comprando toda a safra do produto para armazená-lo e vendê-lo no final da crise. Para executar o plano, o presidente realizou novos empréstimos com a Inglaterra. Os interesses dos cafeicultores

estavam sedimentados, enquanto trabalhadores brasileiros pagavam com sacrifício essa medida. Afonso Pena morreu em 1909 e seu mandato foi completado pelo vice, Nilo Peçanha.

A sociedade na República Velha Durante esse período, o desenvolvimento industrial acentuou o processo de urbanização da sociedade brasileira. As cidades ganharam importância, atraindo os proprietários de terra, imigrantes e trabalhadores rurais. No entanto, a maior parte da população continuava vivendo no campo, o que caracterizava o Brasil ainda como um país rural. É importante notar que foram os grupos sociais urbanos que abalaram o poder dos coronéis. A classe dominante, camada rica da sociedade, nas cidades era formada pela burguesia industrial, aparecendo também os banqueiros. Alguns desses industriais eram imigrantes

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estrangeiros, que começavam com pequenas oficinas e assim enriqueciam, outros eram cafeicultores que investiam na indústria. Os interesses dos industriais e dos proprietários de terras nem sempre eram os mesmos. Por exemplo: enquanto os industriais defendiam

taxas alfandegárias altas para os produtos estrangeiros, para não fazerem concorrência com a produção industrial nacional, os fazendeiros, ao contrário, queriam essas taxas baixas, pois eram consumidores de produtos estrangeiros e não queriam que os seus preços fossem altos. A classe média urbana era formada pelos funcionários públicos, profissionais liberais, militares, pequenos comerciantes e artesãos. Defendia o voto secreto e almejava maior participação política. O operariado era constituído por imigrantes estrangeiros e trabalhadores brasileiros que deixavam o campo. O operário trabalhava de dez a onze horas por dia. Não tinha direito a férias, nem a indenização por acidentes de trabalho. Os salários eram muito baixos e por isso alimentavam-se mal e moravam em habitações precárias.

Rebeliões na República Velha A realidade social da República brasileira pode ser vista sob dois aspectos. De um lado, uma sociedade que se modernizava rapidamente, apresentando um crescimento urbano e populacional, que trazia consigo problemas sociais inerentes à modernidade. E, de outro, uma sociedade tradicional, rural, onde persistiam as antigas e arcaicas formas de convívio social, baseadas nos laços de fidelidade pessoal. Em ambas, formou-se uma massa de trabalhadores que vivia em estado de extrema pobreza, sem terra, alijados do mercado de

trabalho. Essa massa da população estava excluída da propriedade dos meios de produção, das decisões políticas, dos direitos trabalhistas, vivendo completamente à margem do poder. Esses excluídos enfrentavam a situação de opressão cotidiana e responderam através da rebelião, o protesto trágico contra a opressão e a miséria. No caso de Canudos e do Contestado, o protesto à injustiça social estava mesclado com a religiosidade popular. Essas rebeliões sociais ocorreram no Brasil tanto no meio urbano – as revoltas da Chibata e da Vacina – quanto no meio rural – os movimentos messiânicos de Canudos e do Contestado.

Rebeliões sociais de caráter messiânico Os movimentos messiânicos de Canudos e do Contestado reavivavam nos excluídos a crença no caráter salvador e redentor de um personagem que aparecerá no futuro, o Messias, conforme a tradição judaico-cristã. Na tradição cristã, o Messias já apareceu. O cristianismo funda-se na palavra do Messias. Essa crença era traduzida para o seio da população na convicção de que uma figura redentora viria para destruir a ordem existente, injusta, e inauguraria uma nova ordem de justiça e fidelidade. Os excluídos viviam numa ordem injusta,

comandada por coronéis, e projetavam os seus sonhos e futuro para uma ordem idealizada, pregada pelo profeta, Antônio Conselheiro, na Bahia, ou o monge João Maria, em Santa Catarina. O Dia do Juízo Final chegaria e então se viveria com mais justiça. Essas prédicas eram o porvir do movimento messiânico e se constituíam no lenitivo em que os excluídos acreditavam com arraigada fé, e pela qual lutaram e morreram.

Guerra de Canudos

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Em 1893, durante o governo de Prudente de Morais, estourou no interior da Bahia um conflito popular, a Guerra dos Canudos. Nessa região vivia uma população sertaneja que, por não ter acesso à terra, trabalhava nas grandes fazendas, recebendo salários extremamente baixos. Os poderosos políticos da região e os padres não davam importância nenhuma a esses sertanejos.

Um místico peregrino, que tinha fama de fazer milagres, Antônio Conselheiro (Antônio Vicente Mendes Maciel), e seus seguidores fixaram-se numa velha fazenda às margens do rio Vaza-Barris, originando o Arraial de Canudos, que chegou a ter 25 mil habitantes. Em Canudos, todos deveriam trabalhar e a terra era propriedade coletiva, onde tudo que se produzia era para a comunidade. Antônio Conselheiro pregava uma vida cristã dentro do amor e da fraternidade e afirmava ser um enviado de Deus para minorar os sofrimentos dos sertanejos e anular os grandes pecados da República (casamento e certidão de nascimento civis, separação da Igreja do Estado). Também pregava a restauração da Monarquia, onde o rei seria D. Sebastião (rei português desaparecido desde 1578, na Batalha de Alcácer-Quibir). Entretanto, ele referia-se a uma monarquia idílica, imaginária, não de verdade. Devido a essas prédicas, logo adquiriu a fama de santo. Aos poucos, os crentes que viviam em Canudos começaram a ficar alheios às

ordens dos coronéis, do governo estadual, federal e da Igreja. Em 1893, revoltaram-se contra um imposto criado pelo poder público local. Foi o argumento que os poderosos da Bahia usaram para se opor às práticas igualitárias de Canudos. Em 1895, a Diocese da Bahia enviou três frades missionários com o objetivo de dispersar os crentes do Conselheiro e pôr fim à comunidade. Os frades fracassaram. Conselheiro resolveu construir um templo religioso para abrigar os crentes. Deu início à construção, mas teve de pará-la por falta de madeira. Fez o pedido do material em Juazeiro (BA) e pagou adiantado. Como a madeira não chegava, mandou avisar que enviaria os seus adeptos para buscá-la. As autoridades de Juazeiro ficaram temerosas pois entenderam a proposta de Conselheiro como uma ameaça de invasão. Assim, articularam uma força policial junto ao governo da Bahia, que foi enviada a Canudos, em novembro de 1896, com a desculpa de conter a

agitação promovida. Quando os soldados estavam acampados em Vauá, foram atacados inesperadamente pelos adeptos de Conselheiro que, com cruzes e entoando rezas, os fizeram debandar. Entre dezembro de 1896 e março de 1897, aconteceram mais duas expedições do Exército Brasileiro contra o arraial, porém fracassaram. Na capital da República, as constantes derrotas dos militares repercutiam contra o presidente. Os republicanos exaltados, liderados pela corrente florianista, utilizavam-se da campanha antimonárquica e da incompetência do presidente civil para resolver o problema. Propagavam a idéia de que os fiéis do Conselheiro estavam promovendo uma guerra civil para derrubar a República e que eram patrocinados pelos monarquistas, o que não era verdade. O caso teve repercussão nacional, ocasionando uma mobilização anticanudos.

O ministro da Guerra, marechal Bittencourt, sob ordens de Prudente de Morais, partiu para a Bahia no intento de pacificar os revoltosos. Em abril de 1897, os primeiros batalhões já estavam em Queimadas e no final de setembro desfechavam a última investida. No di a 5 de outubro, os soldados do presidente atearam fogo no pouco que restava do arraial de Canudos (veja figura abaixo). Antônio Conselheiro foi

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encontrado morto. Ao final, 4.000 homens morreram na Guerra de Canudos. O jornalista do jornal, O Estado de S. Paulo, Euclides da Cunha, fez a cobertura da Guerra de Canudos. Suas observações e artigos deram origem ao livro Os Sertões.

Contestado (1912-1916) Desde a criação da província do Paraná, em 1853, seus dirigentes questionavam os limites estabelecidos com Santa Catarina. Essa divergência, entre outros fatores, levou à Questão do Contestado, como ficou conhecida a região disputada por Santa Catarina e Paraná. Em 1890, catarinenses solicitaram ao governo brasileiro a definição de limites entre Santa Catarina e Paraná. Sem resposta, resolveram

entrar com uma ação judicial para ficarem com a posse da região situada ao sul dos rios Negro e Iguaçu. Por duas vezes, o governo federal deu ganho de causa a Santa Catarina (1904 e 1910) e o Paraná conseguiu impedir a demarcação de terras. Concomitante a essa questão, no ano de 1910, a companhia norte-americana Brazil Railway Company ganhou a concessão para construir uma estrada de ferro que ligava o estado de São Paulo ao Rio Grande do Sul. Para cumprir um dos termos do contrato, a companhia se responsabilizou por 9 km de cada lado da via férrea. Isto ocasionou a desapropriação de terras dos antigos habitantes, que não possuíam a propriedade legal. Em 1911, a Lumber, poderosa empresa madeireira ligada à Brazil Railway, estabeleceu-se na zona contestada. Tinha autorização para

explorar a madeira da região, comprometendo-se pela colonização. Isso afastava a possibilidade de um acordo entre Paraná e Santa Catarina, pois ambos queria ficar com a posse da região, onde se esperava um grande desenvolvimento econômico. Quando a construção da estrada e ferro terminou, deixou cerca de oito mil trabalhadores desempregados. Eles haviam sido recrutados em vários estados brasileiros. Os donos das fazendas ficaram preocupados com tantos desocupados que, para sobreviverem, invadiam constantemente as propriedades. Na região de Campos Novos, surgiu um monge, João Maria, na realidade um desertor do exército paranaense. Partidário da monarquia, agrupou a população pobre, sem terra e desempregada, que via nele um curandeiro e profeta, formando grupos semimilitarizados. Em 1912, conseguiu reunir, em Taquaraçu, no município de Curitibanos, grande número de seguidores. Ele pregava a existência de um Reino

Milenarista, ou seja, a crença de que o Messias (o Salvador) destruiria o mal e inauguraria um reino de felicidade, um reino paradisíaco de mil anos. Nesse reino, vigoraria a lei de Deus, onde todos teriam lugar para plantar e haveria prosperidade e justiça.

Os fazendeiros paranaenses, preocupados com esse grupo, requisitaram uma força policial para afastar o monge e seus seguidores. Eles

viram na ação dos sertanejos uma manobra catarinense para ocupar a área. Então, o governo do Paraná deu ordens para a desocupação imediata. O coronel João Gualberto de Sá Filho, comandante do Regimento de Segurança do Paraná, assumiu a chefia das tropas e, no dia 22 de outubro de 1912, investiu sobre o acampamento dos rebeldes. Travou-se uma luta sangrenta, na qual João Maria foi morto. Logo em seguida, porém, as tropas paranaenses foram cercadas e o coronel, morto a golpes de facão. A derrota paranaense repercutiu em todo o Brasil. As armas deixadas pelos soldados foram recolhidas pelos sertanejos e surgiu um novo líder, Eusébio Ferreira dos Santos. Várias foram as tentativas de destruir o reduto de Taquaraçu. Somente em 1914, quando um contingente dos rebeldes se retirou para Caraguatá, é que o acampamento de Taquaraçu foi destruído. Enquanto isto, os rebeldes criavam novos redutos, entre eles o de Santa Maria,

o maior de todos. Decidindo dar fim ao movimento, o governo federal designou o general Fernando Setembrino de Carvalho, que assumiu o comando geral das operações. Como a tentativa de uma solução pacífica fracassou, os redutos rebeldes foram sendo gradativamente destruídos. Santa Maria caiu em 1916, e os poucos sobreviventes fugiram. A Guerra do Contestado caracterizou-se como insurreição camponesa. Rejeitando os poderes da região (coronéis e forças militares), os sertanejos organizaram-se nos moldes igualitários do cristianismo primitivo e formaram grupos guerrilheiros inspirados nos “doze pares da França”, conforme a literatura sobre o imperador Carlos Magno. Tudo isto deu o caráter religioso da luta desses camponesas.

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Nesse mesmo ano, foi assinada a Convenção de Limites entre Santa Catarina e Paraná. Do total da área disputada, estimada em 47.820 quilômetros quadrados, o Paraná ficou com 20.310 quilômetros quadrados e Santa Catarina, com 27.510 quilômetros quadrados.

Rebeliões sociais urbanas Os trabalhadores urbanos também se revoltaram contra a ordem injusta vigente. Na cidade viviam em péssimas condições de vida, geralmente em cortiços, faltava-lhes saneamento, higienização, alimentação e condições de trabalho. Esse problema social levou a revoltas.

Revolta da Vacina No início do século XX, a capital do Brasil vivia momentos difícies. Houve um aumento da população devido à vinda dos ex-escravos da

zona rural à procura de emprego, às maiores possibilidades de ingressar no funcionalismo público e à constante chegada de imigrantes no porto do Rio de Janeiro. Em 1890, a população do Rio de Janeiro era de 522.651 habitantes. Em 1920, já era de 1.157.873 habitantes. A maior parte da população passou a viver nos cortiços, sem a menor higiene, sem esgotos e sem uma sistemática coleta de lixo. Isso disseminou pela cidade uma série de doenças. Em 9 de novembro de 1904, Rodrigues Alves publicou a lei da vacinação obrigatória e autorizou o higienista Osvaldo Cruz a desencadear a vacinação em massa na população, para deter o surto de varíola. O governo alegava que a vacinação era de interesse da saúde pública, pois, nesse mesmo ano, já haviam morrido de varíola 4.201 pessoas.

Entretanto, os opositores do governo alegaram que o decreto da vacina propunha a aplicação de forma truculenta, pois o material era pouco confiável e insistiam que a decisão deveria ser pessoal. Como o povo não fora devidamente esclarecido sobre a necessidade de vacina, reagiu e passou a agredir os vacinadores. O Rio de Janeiro transformou-se num campo de batalha. A partir do dia 10 de novembro, a cidade do Rio de Janeiro foi tomada pelos populares que ergueram barricadas, depredaram lojas e a iluminação pública, incendiaram bondes etc. A Revolta da Vacina teve três focos de sublevação:

os jacobinos da liga contra a vacina obrigatória: trabalhadores do serviço público, profissionais autônomos, pequenos empresários, bacharéis desempregados e locatários de imóveis em má situação financeira, que viam no movimento uma alavanca para impor uma plataforma política que se opunha à hegemonia dos cafeicultores paulistas no poder;

oficiais e cadetes do exército, os antigos florianistas que desejavam recuperar sua posição de influência;

a população, pouco esclarecida, que estava revoltada com o método arbitrário do governo de impor a vacina. No dia 12 de novembro, centenas de populares concentraram-se no Centro das Classes Operárias, em frente ao Palácio do Catete. No dia

14, foi a vez da revolta na Escola Militar na Praia Vermelha, aumentando os combates na rua. Insatisfeito com os acontecimentos, Rodrigues Alves decretou estado de sítio na capital federal (16 de novembro) e teve início o processo para sufocar a revolta. Ele prorrogou o estado de sítio até 18 de março de 1905. Nesse período revogou a obrigatoriedade da vacina, mas deportou para o Acre e Amazônia uma massa de populares que eram aprisionados sem justificativa e degredados sem julgamento. Muitos morreram a bordo de navios-prisão quando iam para o Norte. Assim, o governo sufocou esse movimento popular.

Revolta da Chibata (ou Revolta dos Marinheiros) Em 1910, eclodiu no Rio de Janeiro a Revolta dos Marinheiros, também conhecida como Revolta da Chibata. Os marinheiros revoltaram-se contra os castigos corporais a que eram submetidos. Para discipliná-los era comum o castigo da chibata. O estopim da revolta foi o açoitamento, em 22 de novembro de 1910, do praça Marcelino Rodrigues de Menezes (250 chibatadas). O marujo João Cândido, chamado o Almirante Negro, assumiu a liderança de um movimento de rebeldia, que se opunha a esses castigos.

Os rebeldes tomaram vários navios que estavam na baía de Guanabara e passaram a controlá-los, expulsando os oficiais e matando aqueles que resistissem. Ainda ameaçavam bombardear a cidade, caso o governo não atendesse suas reivindicações. Após quatro dias, o Presidente Hermes da Fonseca aboliu os castigos e concedeu anistia aos marinheiros. Ao deporem as armas, perceberam que foram enganados pelo presidente, que expulsou da Marinha os revoltosos, nomeou novos oficiais e determinou a prisão imediata de João Cândido e seus seguidores. Eles foram lançados nos porões do navio Satélite e nas masmorras da Ilha das Cobras.

Crise do Estado Oligárquico cafeeiro A oligarquia cafeeira dominava o Estado Oligárquico brasileiro. A política do café-com-leite e a dos governadores nada mais eram do que os mecanismos da dominação dos cafeicultores, por isso eles sobrepunham-se na política nacional. Ao longo da década de vinte, a conjuntura internacional e as questões nacionais levaram esse Estado a entrar em uma crise contínua, vindo cair em 1930, com a Revolução de outubro. Os donos do poder tiveram de enfrentar:

o fortalecimento contínuo da burguesia industrial paulista, que discordava do domínio da oligarquia cafeicultora;

a renovação cultural a partir da Semana de Arte Moderna, em 1922;

a organização da classe operária, que fundou o Partido Comunista Brasileiro em 1922;

a contestação dos jovens tenentes, iniciada em 1922, com a revolta do Forte de Copacabana e continuada com a Coluna Prestes;

a Reação Republicana de 1921, que obrigou o presidente Artur Bernanrdes a governar em estado de sítio.

São Paulo e o desenvolvimento industrial Em 1914, os países capitalistas europeus, que disputavam mercados e matéria-prima, deflagraram a Primeira Guerra Mundial, que se prolongou até 1918. Durante essa guerra, teve início a primeira revolução socialista do mundo, a Revolução Russa. Esses acontecimentos

alteraram o comércio internacional. As indústrias dos países em guerra passaram a produzir quase que exclusivamente material bélico, necessitando importar alguns produtos básicos. O Brasil, que até 1914 exportava produtos agrícolas, além de matérias-primas, e importava produtos industrializados, viu-se beneficiado, porque teve de expandir sua indústria e produzir para o mercado interno, além de vender alguns produtos industriais para o mercado europeu.

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Porém, ao final da guerra, houve a recuperação dos países europeus e um novo país industrializado se impôs, os Estados Unidos, que passou a exportar os produtos manufaturados. O Brasil ressentiu-se da concorrência, mas as indústrias continuaram produzindo para o mercado

interno. Nesse contexto, São Paulo tornou-se o centro industrial por excelência. O fator que mais contribuiu para que São Paulo se industrializasse foi a existência de capitais originários da cafeicultura. Assim, surgiu uma burguesia industrial interessada em acumular capital tanto quanto a oligarquia cafeeira. Entre 1914 e 1920, mais de 5.940 indústrias estabeleceram-se no Brasil e no ano de 1920 já havia por volta de 13.500. Em 1919, São Paulo concentrava 31,5% da produção industrial brasileira e em 1939, atingiu 45,4%. Um dos efeitos do crescimento industrial foi o aumento populacional.

Dados populacionais

Ano São Paulo Rio de Janeiro Distrito Federal Minas Gerais Brasil

1910 3.256.619 1.206.997 905.013 4.619.809 23.142.667

1920 4.628.720 1.568.603 1.167.560 5.921.182 30.829.292

1930 5.882.634 1.879.253 1.505.595 6.991.564 37.625.516

Em São Paulo, o aumento populacional não se dava só pelo crescimento vegetativo, mas também pela entrada de imigrantes de diversas

nacionalidades. Como se pode observar pelo quadro abaixo, no período da Primeira Guerra houve uma acentuada diminuição do fluxo imigratório, aumentando novamente após o conflito.

Imigrantes em São Paulo – 1910-1929

Ano Italianos Portugueses Espanhóis Japoneses Outros Total

1910/1914 88.692 111.496 108.154 14.465 40.096 362.898

1915/1919 17.142 21.191 27.172 12.649 5.530 83.684

1920/1924 45.306 48.200 36.502 6.591 61.713 197.312

1925/1929 29.472 65.166 27.312 50.573 111.418 289.941

Total 180.612 246.048 199.140 84.278 224.757 933.835

Desse aumento populacional resultou a aceleração da urbanização paulista. Os imigrantes concentraram-se em várias cidades, tais como Campinas, Piracicaba, Marília, Ribeirão Preto. Na cidade de São Paulo, vieram para os bairros do Brás, Moóca, Bom Retiro e Bela Vista (também denominado Bexiga). Com eles, vieram também novos padrões culturais. Com a industrialização, surgiram várias questões sociais, motivadas por várias contradições: fábricas de aspecto hostil; péss imas condições de trabalho, com a utilização maciça de menores e mulheres e inexistência de leis trabalhista, pois não havia aposentadoria, pensão

para familiares, férias, descanso semanal remunerado ou indenização por acidente de trabalho. O operariado era excluído da participação na vida política por ser analfabeto ou estrangeiro não naturalizado. A classe patronal procurava, por todos os meios, reagir contra o operariado e, em 1921, criou o Centro Industrial de Fiação e Tecelagem de São Paulo (C.I.F.T.S.P). O Centro Industrial deveria intervir na vida das indústrias como um elemento mediador, para solucionar as questões entre patrões e empregados. Um dos instrumentos encontrados pelo Centro para atenuar a contradição classista foi o sistema de

prêmios e benefícios. Assim, estimulavam-se a produtividade, a concorrência e a fidelidade às ordens das fábricas.

Semana da Arte Moderna Ao mesmo tempo que ocorriam no país transformações socioeconômicas, a produção artístico-cultural ainda era essencialmente tradicional. Entretanto, em 1922, aconteceu em São Paulo a Semana de Arte Moderna, que iniciou um processo de ruptura com a tradição acadêmica. Os preparativos para o centenário da independência eram intensos. A cidade de São Paulo ganhava novos jardins, edifícios, museus, teatros, entre os quais o teatro Municipal, onde iria acontecer a Semana da Arte Moderna.

No auge dos acontecimentos, Graça Aranha retornou da Europa, e os jornais publicam a seguinte nota:

“Por iniciativa do festejado escritor, Sr. Graça Aranha, da Academia Brasileira de Letras, haverá em São Paulo um semana dedicada à arte moderna, em que tomarão parte os artistas, que, em nosso meio, apresentem as mais modernas correntes artísticas.”

O Estado de S. Paulo – 29/01/22

A Semana de Arte Moderna foi uma explosão do espírito literário que trouxe para o Brasil uma renovação artístico-intelectual radical e

estava inspirada nos movimentos artísticos de vanguarda da Europa. Foi noticiada nos jornais Gazeta de São Paulo, Folha da Noite e no Correio Paulistano, órgão do Partido Republicano Paulista. Nele escreviam, entre outros, Menotti del Pichia, Cassiano Ricardo e Cândido Motta Filho, ligados ao movimento modernista. Foram três noites explosivas, 13,15 e 17 de fevereiro. Na primeira noite, Graça Aranha inaugurou a Semana, proferindo “Emoção Estética na Arte Moderna”. Na segunda noite, enquanto Menotti del Pichia expunha a plataforma geral do movimento, Mário de Andrade dec lamou “Paulicéia Desvairada” e Ronald de Carvalho, “Os sapos”, de Manuel Bandeira. Foi a noite das vaias. Houve quem latisse como cachorro e quem cantasse como galo, ouviram-se miados, relinchos. As galerias tiveram que ser fechadas, tamanho o manifesto. A terceira noite foi reservada somente à música. O movimento modernista foi esteticamente influenciado pela Europa, mas produzindo uma doutrina nacionalista. Mas o melhor de tudo

isso foi que os intelectuais e artistas brasileiros passaram a dirigir sua produção para uma problemática bem mais próxima do povo.

As questões sociais e a formação do Partido Comunista Brasileiro

Entre os vários aspectos que caracterizam o movimento operário do início do século destacam-se as greves e os congressos operários. O I Congresso Operário Brasileiro realizou-se em abril de 1906, no Rio de Janeiro, onde ficou clara a predominância do anarco-

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sindicalismo como tendência do proletariado no Brasil. Contra a proposta dos delegados socialistas de formar um partido político, foi aprovada a tese anarco-sindical de criação da COB (Confederação Operária Brasileira).

O II Congresso Operário foi convocado pela COB, em 1913, para se opor à lei que previa a expulsão dos estrangeiros envolvidos em greves. Também traçou um plano de ação para lutar pela fixação de um salário mínimo e pela limitação da jornada de trabalho. Em 1917, iniciaram-se greves em fábricas têxteis e cervejarias de São Paulo. A Força Pública reprimiu violentamente uma concentração de operários, sendo assassinado o sapateiro anarquista Antônio Martinéz. Seu enterro foi o marco de violentas manifestações contra a polícia. A greve acabou se generalizando por toda a cidade. A burguesia industrial paulista, ao perceber que a repressão não daria conta do conflito, procurou organizar uma comissão de jornalistas que serviria de mediadora entre operários e patrões. Os grandes empresários acabaram aceitando algumas das reivindicações dos operários: 20% de aumento salarial e a promessa de não

dispensar os grevistas. O presidente do estado e o prefeito de São Paulo prometeram fiscalizar as condições de trabalho das mulheres e dos menores, o preço e a qualidade dos gêneros alimentícios e libertar os presos. Os grevistas aceitaram a proposta patronal, o que pôs fim à greve geral de 1917. A organização do Partido Comunista A criação do Partido Comunista, em fevereiro de 1922, foi o resultado da união de vários grupos políticos de esquerda espalhados pelo país. Tornou-se conhecido pela sua ação junto aos sindicatos e às lutas operárias, e, principalmente, através do seu jornal, Movimento Operário. Contudo, o partido teve vida curta. Após quatro meses de sua fundação foi considerado ilegal pelo presidente Artur Bernardes. Apesar dos poucos meses de legalidade do PC (em 1922 e 1927), a organização vai se tornar um referencial importante para a oposição anticapitalista, especialmente a partir dos anos 30.

A Reação Republicana Em 1919, o gaúcho Borges de Medeiros, líder do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), apoiou o nordestino Epitácio Pessoa à

presidência. Com isso, surgiu uma aliança entre o Rio Grande do Sul e o Nordeste. Epitácio Pessoa, vitorioso para o mandato que se estenderia até 1922, desenvolveu um programa contrário à política do café-com-leite. Suspendeu o financiamento federal ao café, levando a oligarquia cafeeira a reagir. Por outro lado, investiu maciçamente em obras contra a seca. Além de descontentar os cafeicultores, entrou em atrito com a ascendente burguesia industrial ao colocar entraves à entrada de produtos estrangeiros no Brasil, prejudicando importadores e exportadores. Inclusive, parte da indústria nacional precisava importar bens de produção. Para o mandato seguinte, a oligarquia cafeeira, como forma de protesto às medidas de Epitácio Pessoa, apontou como candidato o mineiro Artur Bernardes. Borges de Medeiros, tentando mais uma vez ir contra a política do café-com-leite, indicou Nilo Peçanha. Estrategicamente

se uniu ao Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco. Tinha início a Reação Republicana, que tumultuou o ano de 1921. A campanha nilista representou uma contestação ao regime e contou com o apoio de parcelas da sociedade que estavam dispostas a romper com aquela situação: setores urbanos, jovens tenentes e algumas dissidências burguesas. Dessa Reação Republicana se ergue a voz dos tenentes, a juventude militar imbuída de propósitos radicais contra a dominação oligárquica. Mas, naquele momento, pouco adiantou, pois Artur Bernardes assumiu a presidência, em 15 de novembro de 1922, provando que triunfava o situacionismo.

Tenentismo Em 1921, durante a campanha política para substituir o presidente Epitácio Pessoa, a imprensa publicou cartas criticando a atuação dos militares, cuja autoria foi atribuída ao candidato Artur Bernardes. Essas críticas levaram os jovens oficiais do exército a apoiar abertamente Nilo Peçanha. Também combatiam o coronelismo e as eleições fraudulentas. Foi exatamente o poder dos coronéis que garantiu a fraudulenta vitória de Arthur Bernardes (março de 1922). Isso revoltou ainda mais os

tenentes. Através da imprensa e de inflamados discursos no Clube Militar, o ex-presidente, marechal Hermes da Fonseca, criticou a atitude de Epitácio Pessoa que aceitou o pleito de março e não questionou os resultados eleitorais. A reação foi imediata: a 3 de julho Epitácio Pessoa ordenou o fechamento do Clube Militar e a prisão de Hermes da Fonseca. Isso foi o estopim para que os tenentes se revoltassem. Marcaram para o dia 5 de julho o início de uma rebelião que deveria impedir a posse de Artur Bernardes. Iniciava-se, assim, o Tenentismo. Estão ligadas ao movimento tenentista a Revolta do Forte de Copacabana ou Os Dezoito do Forte e a Revolução de 1924.

O Tenentismo foi um movimento político-militar que objetivava realizar mudanças na sociedade brasileira, diminuindo o poder das

oligarquias e acabando com a corrupção eleitoral. Planejava o voto secreto e contou com a simpatia dos setores médios e da classe operária.

Revolta do Forte de Copacabana (ou Os Dezoito do Forte) Para impedir a posse de Artur Bernardes, os militares planejaram que várias guarnições do exército deveriam marchar do Forte de Copacabana, da Fortaleza Santa Cruz, da Academia Militar do Realengo e da Vila Militar até o Palácio do Catete (sede do governo federal) e

depor Epitácio Pessoa. O marechal Hermes da Fonseca assumiria a presidência provisoriamente e seu primeiro ato seria rever a apuração das eleições e declarar a vitória de Nilo Peçanha. Os tenentes estavam convictos que era ele que havia ganho o pleito. Na madrugada do dia 5 de junho de 1922, alguns oficiais tomaram o Forte de Copacabana. Em seguida, atacaram o quartel general do exército e outras unidades militares se rebelaram no Rio de Janeiro, Niterói e Mato Grosso. O Congresso decretou estado de sítio. Então, dezessete cadetes e o civil Octávio Correia saíram em marcha pelas praias de Copacabana até que foram impedidos de continuar pelas tropas do governo. Só dois sobreviveram: Siqueira Campos e Eduardo Gomes. Nada impediu a posse de Arthur Bernardes, que governou o Brasil de 1922 a 1926, em meio ao sangue dos tenentes, aos descontentamentos da classe operária e às cisões das oligarquias regionais. O Estado oligárquico estava se exaurindo e os donos do poder

nem percebiam!

Revolução de 1924 (São Paulo) A Revolução de 1924 ocorreu em São Paulo e foi liderada pelo general Isidoro Dias Lopes.

A partir de 5 de julho, mais de 1.000 homens ocuparam lugares estratégicos da cidade de São Paulo. O objetivo era depor o presidente

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Artur Bernardes. Entretanto, novamente os tenentes foram derrotados e passaram a formar a coluna paulista. Após abandonarem São Paulo, liderados por Siquera Campos e Juarez Távora, os paulistas partiram para o interior do estado.

Enquanto isso, no Rio Grande do Sul, outro jovem tenente estava descontente com os rumos da política brasileira: Luiz Carlos Prestes, comandava um levante militar em Santo Ângelo. Sua tropa se dirigiu ao estado do Paraná e lá encontrou-se com a coluna paulista. Assim, surgiu a Coluna Prestes, uma numerosa e bem armada tropa que objetivava interiorizar a luta contra o governo e seus mecanismos de poder. Essa coluna percorreu doze estados e mais de 20.000 km.

Coluna Prestes Após a derrota do levante gaúcho em Santo Ângelo, Luís Carlos Prestes e seus mil homens entraram em Santa Catarina, onde organizaram a coluna. Ela foi dividida em três destacamentos, comandados respectivamente por Cordeiro de Farias, João Alberto e Siqueira Campos. Contudo, as decisões eram tomadas por Prestes, depois de ouvir o comando. O general Rondon foi designado para combater a coluna. As forças legalistas conseguiram isolar o posto avançado rebelde, mas não detiveram a coluna, próximo a Catanduvas, obrigando a rendição de muitos. Reunidas as tropas do Rio Grande do Sul e de São Paulo, Prestes propõe atravessar a fronteira e percorrer um pequeno trecho do território

paraguaio para invadir o Mato Grosso. Com essa invasão, iniciou-se uma longa marcha militar. O presidente da República valia-se das milícias estaduais e incitava os chefes locais contra os rebeldes, oferecendo prêmios a quem matasse os chefes da coluna. Assim, o major Bertoldo Kliengler perseguiu a coluna que, em junho de 1925, entrou em Goiás. Desse estado seguiu para a Bahia e Minas Gerais. Como essa região era muito pobre, os rebeldes resolveram voltar a Goiás. Em seguida, atingiu o Maranhão e o Piauí, onde obteve adesões e vitórias. Em 1926, o comando revolucionário decidiu que a coluna deveria buscar refúgio nas fronteiras e entrar em país vizinho. A contramarcha, segundo Prestes, deveria durar um ano. Assim, não abandonariam a luta enquanto Artur Bernardes fosse o presidente. Entraram em território baiano e mineiro, onde muitos morreram e outros foram presos. Dirigiram-se ao Piauí e de lá seguiram para Mato Grosso e Goiás. Em

seguida, entraram em território boliviano, onde conseguiram asilo político. Acabavam assim, os 647 dias de marcha da Coluna Prestes.

Luís Carlos Prestes – o cavaleiro da esperança Luís Carlos Prestes foi 1º tenente da companhia Ferroviária de Deodoro (RJ), onde serviu entre 1920 e 1922. Participou da conspiração do levante de 1922 e só não tomou parte por estar doente. Em 1924, participou da tomada do 1º Batalhão Ferroviário, em Santo Ângelo (RS). Foi o líder inconteste da coluna que combateu duramente Artur Bernardes. Ao ser convidado para participar da Revolução de 1930, Prestes não concordou, pois participariam dessa Revolução as velhas ol igarquias que tinham ajudado a combater os revolucionários da Coluna. Na opinião de Prestes, eles pretendiam apenas trocar os donos do poder.

Durante os anos de exílio na Argentina, Prestes tomou contato com os comunistas e estudou o marxismo. Sua proposta revolucionária era agora radical e transformadora. Do exílio, assistiu à ascensão de Getúlio Vargas ao poder estadual. Em 1935, Prestes liderou um levante militar antifascista, que ficou conhecido como Intentona Comunista (Intentona significa “intento louco”, “plano insensato”). Durante nove anos cumpriu prisão em cela solitária, por determinação de Vargas. Sua mulher, a judia alemã Olga Benário, grávida, foi entregue pela polícia de Getúlio aos nazistas, vindo a morrer em um campo de extermínio, em 1942. Prestes, que ficou conhecido como Cavaleiro da Esperança, foi libertado da prisão em 1945, quando se elegeu senador pelo Partido

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Comunista Brasileiro. Mas o seu mandato e o partido foram cassados. Com o endurecimento da ditadura militar, Prestes foi obrigado a se exilar na antiga União Soviética. Só em 1979 pôde retornar ao Brasil.

Discordando da orientação do Comitê Central, afastou-se do Partido Comunista, mas continuou defendendo as suas idéias até a sua morte, em março de 1990.

Fim do modelo agrário-produtor e do Estado Oligárquico Os problemas que Artur Bernardes teve de enfrentar o levaram a governar em estado de sítio. Acompanhando a crise política, o café

também não esteve muito bem. No período de 1922-23, houve uma superprodução de café, o que obrigou o governo a comprá-lo. A crise aconteceu porque, durante a Primeira Guerra, os países envolvidos no conflito reduziram sensivelmente o consumo de café. Como resultado houve uma queda do preço do produto. O governo, devido a seus compromissos com a oligarquia cafeeira, tratou de dar continuidade à valorização artificial do produto. A oligarquia cafeeira continuava fiel à idéia de que a valorização do café era um compromisso da União. Para honrá-lo o governo federal procurou equilibrar as finanças, instituindo o imposto sobre a renda. Também transformou o Banco do Brasil em banco emissor. Toda essa política econômica fazia com que crescesse a dívida interna. Entretanto, a classe dominante paulista começou a se dividir ao avaliar o significado dessas medidas. Vejamos.

A hegemonia da oligarquia cafeeira expressava-se através do Partido Republicano Paulista. Porém, a ascendente burguesia industrial paulista ingressou no partido, para defender seus interesses liberais. Na antevéspera da sucessão presidencial, a burguesia industrial e financeira paulista lançou o manifesto do Partido Democrático. Defendia as seguintes idéias: reforma eleitoral com voto secreto, autonomia financeira com os mesmos privilégios da cafeicultura para a indústria, livre negociação na questão social, princípios liberais consagrados na Constituição de 1891 e independência econômica da magistratura nacional. Na questão social, os industriais percebiam que o movimento social avançava perigosamente e que o Estado oligárquico mostrava-se incapaz de resolvê-lo, pois a repressão pura e simples era ineficaz.

A fundação do Partido Democrático representou uma ruptura no bloco de poder dos paulistas. A antiga oligarquia dos cafeicultores continuava defendendo os seus interesses, enquanto o novo grupo pensava em uma mudança na organização do Estado. Dessa forma, quando Artur Bernardes apresentou o nome de Washington Luís para sucedê-lo, já era um momento de desgaste daquele tipo de Estado. Washington Luís, temendo a oposição das oligarquias regionais, procurou compor o seu governo contando com nomes locais, por exemplo, nomeou o gaúcho e político Getúlio Vargas para o seu ministério e, assim, garantia o apoio daquela importante bancada. Mesmo enfrentando a divisão interna da bancada paulista, Washington Luís foi eleito para o período de 1926-30. Nos últimos suspiros da elite cafeeira, o presidente manteve a baixa cambial. Isso oportunizou a expansão da lavoura e da indústria. Porém, a classe operária saiu

grandemente prejudicada. A superprodução de 1928 e a crise mundial de 1929 (que levou ao desastre econômico a Bolsa de Valores de Nova Iorque) foram a gota d‟água para pôr fim ao modelo agrário-exportador e ao Estado oligárquico. A maioria dos cafeicultores e outros setores ligados à exportação tiveram inúmeros prejuízos.

A era Vargas (1930-1945) Até 1930, o domínio político esteve nas mãos de São Paulo e Minas Gerais, graças à força econômica desses dois estados. Como já vimos, o acordo pelo qual representantes das oligarquias paulista e mineira se revezavam no poder ficou conhecido como política do café-com-leite.

Revolução de 30 A questão sucessória do presidente Washington Luís provocou a cisão da oligarquia dominante e foi o estopim de uma revolução, que derrubou a República Velha. A partir dessa revolução, o governo passou a ser exercido por outro bloco de poder, do qual participaram as mais diversas frações da classe dominante: burguesia industrial, comercial, financeira, aristocracia agrária, etc. Pode-se afirmar que nenhuma dessas frações conseguiu impor a sua hegemonia sobre o processo político. Para as eleições presidenciais que escolheria o sucessor de Washington Luís, era a vez de Minas Gerais indicar o candidato, mas o

presidente, ligado à oligarquia de São Paulo, indicou o paulista Júlio Prestes, que garantia a continuidade da política de valorização do café. A crise mundial de 1929 afetou sobremaneira a cafeicultura paulista, pois houve queda do preço do café. Os mineiros, que esperavam a indicação de Antônio Carlos, presidente de Minas Gerais, romperam sua aliança com São Paulo e, juntamente com o Rio Grande do Sul e a Paraíba, criaram um novo partido, a Aliança Liberal, que lançou a candidatura de Getúlio Vargas, ex-ministro da Fazenda e presidente do Rio Grande do Sul. O candidato a vice-presidente era o paraibano João Pessoa. A Aliança Liberal, em sua campanha política, concentrou suas forças nos grandes centros urbanos, buscando, assim, a adesão das novas classes sociais emergentes: a burguesia industrial e o operariado. Aos operários prometia satisfazer suas reivindicações, tais como: férias remuneradas, regulamentação do trabalho da mulher e da criança e ampliação do direito de aposentadoria. Além disso, suas propostas de

anistia aos presos políticos e de instituição do voto secreto trouxeram-lhe o apoio dos líderes tenentistas. Realizada as eleições, em março de 1930, Júlio Prestes foi declarado vencedor, mas a ala mais radical da oposição, alegando fraude eleitoral, iniciou a organização de um movimento para derrubar Washington Luís pelas armas. Em julho do mesmo ano, o assassinato de João Pessoa, no Recife, por um adversário político, contribuiu para dar mais força à oposição. Tropas do Rio Grande do Sul marcharam em direção ao Rio de Janeiro. No Nordeste, a rebelião teve à frente Juarez Távora. O presidente Washington Luís esboçou uma resistência, mas foi deposto (24 de outubro). Inicialmente, o governo foi exercido por uma junta militar (Tasso Fragoso, Mena Barreto e Isaias de Noronha). No dia 3 de novembro, Getúlio Vargas assumiu o poder. Tinha início a Era Vargas. No decorrer dos quinze anos em que governou o Brasil, Getúlio foi chefe do Governo Provisório (1930-1934); presidente constitucional,

eleito por via indireta (1934-1937), e ditador de uma ordem autoritária conhecida como Estado Novo (1937-1945).

Getulismo Entende-se por getulismo o predomínio da ideologia do governo de Getúlio Vargas que se constituiu numa autêntica Era Vargas e influenciou governos posteriores, garantiu direitos sociais e concentrou em suas mãos decisões políticas e econômicas que redefiniram o

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Brasil. É necessário buscarmos suas raízes. Getúlio Vargas era filho de fazendeiro e pertencia à ala pecuarista do Partido Republicano Rio-grandense. Foi eleito presidente do estado

em 1928, e tinha por princípio a ordem burguesa para atingir o progresso, através de um governo autoritário, que usava a polícia para resolver os movimentos sociais, e o atendimento às questões cruciais, como jornada de trabalho e garantias ao trabalho da mulher e ao funcionalismo público. A Revolução de 1930 projetou Getúlio Vargas como líder nacional e o Getulismo se caracterizou pela: 1. promoção da indústria; 2. proteção ao trabalhador urbano; 3. atuação das Forças Armadas como fator de garantia.

Governo provisório (1930-1934) Logo que assumiu o poder, Getúlio Vargas dissolveu o Congresso Nacional, as Assembléias Estaduais e as Câmaras Municipais e nomeou interventores para os estados, com amplos poderes. Dois novos ministérios foram criados, o do Trabalho, Indústria e Comércio e o da Educação e Saúde. Demonstrando o seu autoritarismo, desde o início, Vargas controlou os meios de comunicação e os sindicatos. Estes, para funcionar, precisavam da autorização do Ministério do Trabalho e a sua atividade política ficou proibida.

No seu governo foram aprovadas algumas leis trabalhistas: regulamentação do trabalho feminino e infantil; descanso semanal remunerado; férias remuneradas; e jornada de trabalho de oito horas diárias.

Revolução Constitucionalista de 1932

Com a Revolução de 30, São Paulo perdeu sua hegemonia na política nacional e até mesmo o governo do estado passou para o controle de Getúlio. Em 1932, tentando retomar o poder, os paulistas desencadearam um movimento revolucionário. São Paulo enfrentava também, além da crise do café, a falência de várias indústrias, desemprego e greves operárias, que exigiam a aplicação das leis trabalhistas. Quando Getúlio nomeou como interventor de São Paulo o militar pernambucano João Alberto Lins de Barros, os ânimos se acirraram contra o governo federal. Os Partidos Democrático e Republicano Paulista se uniram, formando a Frente Única, que exigia, a autonomia política para São Paulo e a reconstitucionalização do país, com a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, já que a Revolução havia declarada extinta a Constituição de 1891. A Frente recebeu adesão de militares e industriais. Devido à pressão que sofreu, Vargas nomeou um novo interventor para São Paulo, agora civil e paulista, Pedro de Toledo, e marcou o dia para as eleições dos membros da Assembléia Constituinte.

Apesar dessas concessões, a oligarquia paulista continuou reagindo, pois queria controlar o poder e fazer uma política efetivamente favorável ao café. O preço desse produto continuava em queda, o que levou o governo a adquirir e queimar os estoques desse produto. Os conflitos ganharam as ruas não só da capital do estado como de muitas cidades do interior. Em uma das manifestações contra o governo de Getúlio, foram mortos na cidade de São Paulo os estudantes Martins, Miragaia, Dráuzio e Camargo, o que deu origem à sigla MMDC, que foi usada para denominar um grupo radical contra Getúlio. Em 9 de julho eclodiu a Revolução Constitucionalista. As forças paulistas foram comandadas pelo general Isidoro Dias Lopes. Depois de cerca de três meses de revolução, os paulistas foram derrotados pelas tropas federais.

A Revolução de 1932 “Afinal, às 23 h de 9 de julho, a revolução era uma fato (...); Correios e Telégrafos, a Telefônica, as rádios Educadora e Record são ocupadas. (...) abrem-se inscrições para o voluntariado, as adesões aumentam. (...) É indiscritível o entusiasmo da burguesia e da pequena-burguesia, aliadas numa Frente Única que elimina todas as divergências, eufóricas com a certeza de uma derrubada do Governo Provisório. Os problemas, porém, logo se acumulam esfriando o otimismo: o armamento e a munição em Quitaúna eram escassos, (...); as tropas e armas que Klingler prometera não vieram; o operariado olha friamente os acontecimentos; (...) as tropas paulistas aguardam nas fronteiras o anunciado apoio do Rio Grande do Sul e Minas. (...) A luta foi violenta e durou três meses. Sem auxílio externo, a oligarquia paulista incentiva ao máximo o entusiasmo da pequena burguesia

e obtém o seu sacrifício numa luta heróica e vã, que só a ela traria benefícios. Sublinhando os temas da humilhação de São Paulo e de volta à Constituição, procura identificar-se como democrática, mas o operariado olha este patriotismo com desconfiança e, compreendendo que a luta não é sua, dela não participa. A burguesia faz a campanha do “ouro para o bem de São Paulo”, a emissão de bônus, emprést imos no estrangeiro; por outro lado, as necessidades militares obrigam a indústria paulista a fabricar armamentos, em impressionante mobilização. Nada, porém, abala a supremacia das forças federais.” Edgard Carone. Revoluções do Brasil Contemporâneo. Buriti, 1965, pp. 119-21.

A Constituição de 1934 Em maio de 1933, foi eleita a Assembléia Constituinte e, em 1934, foi promulgada uma nova Constituição que tinha como características principais: garantia da autonomia dos estados, mandato presidencial de quatro anos, sendo o primeiro eleito por via indireta, voto universal secreto, direito de voto à mulher, instituição do salário mínimo, jornada de oito horas de trabalho, descanso semanal e férias remuneradas,

proibição do trabalho de menores de 14 anos de idade, indenização por dispensas sem justa causa, e deputados classistas. A Assembléia Constituinte também elegeu o presidente da República e Getúlio foi confirmado no cargo, agora como presidente constitucional.

O Governo constitucional (1934-1937) Esse período foi marcado pelo surgimento de duas correntes político-ideológicas antagônicas:

Ação Integralista Brasileira, de inspiração fascista, que tinha como líder Plínio Salgado. Contou com o apoio dos setores conservadores da sociedade.

Aliança Nacional Libertadora, que agregava os elementos de esquerda, com orientação marxista, liderada por Luís Carlos Prestes, chefe do Partido Comunista e, como frente antifascista, contava com o apoio dos liberais.

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Intentona Comunista O programa da Aliança Nacional Libertadora (ANL) era quase o mesmo aplicado pelos comunistas nas frentes populares de outros países: a luta por melhores salários, reforma agrária, antiimperialismo e democracia política. Prestes foi eleito presidente de honra da ANL e os comícios arrastavam milhares de pessoas às ruas. Isso fez com que Prestes, o Partido Comunista e a Terceira Internacional (reunião dos partidos comunistas de todo o mundo) acreditassem na possibilidade de derrubar Getúlio por meio de uma revolução.

Em 7 de julho de 1935, Prestes – ainda no exterior – divulgou um manifesto defendendo a luta armada. Era o motivo que Vargas desejava para colocar a ANL na ilegalidade, fato que foi usado como pretexto para fazer a revolução, conhecida como Revolução Vermelha. Sua forma – que havia sido aplicada com sucesso pelos comunistas da Rússia – seria um golpe militar com o apoio da população. A revolução estava planejada para fevereiro ou março de 1936, mas a tomada do quartel-general da Polícia Militar em Natal, Rio Grande do Norte, em 23 de novembro de 1935, precipitou-a. Porém o governo revolucionário durou apenas quatro dias. Houve a tentativa de estender o movimento ao Recife, também fracassada. Prestes começou a organizar o levante do Rio de Janeiro, acreditando contar com o apoio da Marinha para depor Getúlio. Em seguida, os sindicalistas ligados ao partido comunista comandariam uma greve geral.

O movimento nos quartéis do Rio de Janeiro não conseguiu ganhar as ruas, sendo reprimido sem muita dificuldade pelo governo. Na tarde de 27 de novembro todos os revolucionários se entregaram. Derrotada a rebelião, o governo de Vargas deu início a uma feroz repressão política. Prestes e seus assessores estrangeiros foram presos e torturados. Prestes pegou 16 anos de prisão. A revolta de 1935 não teve grande importância militar, mas deixou profundas marcas na sociedade brasileira. Usando a insurreição comunista como justificativa, Getúlio enterrou a Constituição de 1934, a mais liberal que o Brasil já tivera: em março de 1936 decretou o estado de guerra, o primeiro passo para o golpe que levou à ditadura do Estado Novo (1937-1945). A propaganda de Vargas criou vários casos falsos de “ameaças comunistas”, de modo a convencer a população de que um governo forte

era indispensável. Em 1937, às vésperas das eleições presidenciais, sob o pretexto de proteger o Brasil das ameaças totalitárias, Vargas deu um golpe de Estado, tornando-se ditador.

Estado Novo O trabalhismo Com o golpe de 1937, que instalou o Estado Novo, consagrou-se a proposta ditatorial e eliminaram-se politicamente os defensores remanescentes do liberalismo, que foram submetidos à Lei de Segurança Nacional. As bases da estabilidade do Estado Novo foram as seguintes:

a conjuntura internacional, marcada pela Guerra Mundial e pela ascensão do fascismo, favorecia a expansão industrial e a retomada do crescimento das exportações nacionais, situação que levava a maioria da classe dominante a apoiar a ditadura;

o consentimento de setores da burguesia industrial e agroexportadora e de boa parte das oligarquias latifundiárias, que se beneficiavam com a política governamental;

o apoio da classe média urbana que, por ser conservadora, ficava tranqüila ante a repressão aos comunistas e era beneficiada com a ampliação dos empregos, na burocracia pública e nas novas indústrias;

o apoio do alto comando do exército, que participava das decisões governamentais nos conselhos técnicos;

a desorganização das camadas populares em decorrência da repressão policial e do controle estatal dos sindicatos de trabalhadores. ao mesmo tempo em que as leis trabalhistas eram implantadas em grande parte pela consolidação do poder de Vargas e a instalação do Estado Novo. As leis trabalhistas “ganharam “ os trabalhadores urbanos. O governo de Vargas tinha fortes motivos para intervir nos assuntos ligados ao trabalho: conter o avanço do movimento dos trabalhadores e, paralelamente, criar mercado para alguns setores da indústria nacional. Por isso, passou a cuidar com enorme interesse da chamada questão social. Sua principal atitude foi a criação de uma legislação trabalhista e previdenciária que, embora tenha provocado reação dos empresários, não prejudicou os seus interesses.

Uma nova Constituição foi outorgada em 1937, era extremamente centralizadora, prorrogando o mandato presidencial até ser feito um plebiscito que, na realidade, nunca se realizou. O Estado Novo se caracterizou como uma ditadura, pois tivemos a extinção dos partidos políticos, a censura da imprensa, a dissolução do Congresso e a nomeação de interventores estaduais. No plano econômico, esse período foi marcado pela criação da Companhia Siderúrgica Nacional e pelo início das pesquisas de petróleo, em Lobato, na Bahia.

Derrocada do Estado Novo Contudo, a partir de 1942, os rumos da Segunda Guerra Mundial começaram a mudar, abalando um dos alicerces do Estado Novo e favorecendo a luta interna pela democratização. A entrada do Brasil na Guerra criou uma situação contraditória: o Brasil lutava no exterior contra o fascismo, enquanto se mantinha, internamente, num regime ditatorial inspirado por esse mesmo fascismo. As relações do governo com as Forças Armadas começaram a se deteriorar. As pressões externas também contribuíram para o fim da ditadura. O governo dos Estados Unidos não via com bons olhos as tendências nacionalistas de Vargas, que obstavam parcialmente a entrada

de capitais norte-americanos no Brasil. Diante das pressões internas e externas, cada vez maiores, o governo de Vargas obrigava-se a fazer recuos táticos e a articular novas manobras. Prometeu eleições gerais, diminuiu a censura da impressa e permitiu a volta dos partidos políticos. Os principais partidos que surgiram na época foram:

PSD (Partido Social Democrático), criado por Vargas, tinha sua base eleitoral na força dos interventores estaduais, nos industriais, nos banqueiros e na aristocracia rural.

UDN (União Democrática Nacional), que congregava os opositores do regime getulista. Era também anticomunista e tinha como base eleitoral setores da classe média, empresários e certas camadas dos militares. Júlio Mesquita Filho, Assis Chateaubriand, Armando de Salles Oliveira e o brigadeiro Eduardo Gomes eram os nomes mais representativos desse partido.

PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), era liderado pela burocracia sindical, criada pelo regime do Estado Novo. Idealizado por Getúlio, tinha a finalidade de servir de anteparo entre os trabalhadores e o Partido Comunista.

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Em 1945, Getúlio decretou o Ato Adicional, marcando o prazo das eleições gerais. Em março, pressionado por grupos de militares até então comprometidos com a ditadura, Getúlio lançou como candidato à sua sucessão o ministro da Guerra, General Eurico Gaspar Dutra. Em

abril, o ditador Vargas concedeu anistia a todos os presos e exilados políticos. No mês seguinte, o PCB voltou à legalidade. Vargas prometia eleições, porém, não se acreditava que elas fossem realizadas. As Forças Armadas, em 1945, depuseram o ditador, assumindo José Linhares, presidente do Supremo Tribunal Federal. Para as primeiras eleições após a época ditatorial, os partidos apresentaram os seguintes candidatos: Marechal Eurico Gaspar Dutra, apoiado pela coligação PSD-PTB; Brigadeiro Eduardo Gomes, lançado pela UDN; Yedo Fiúza, candidato do PCB (Partido Comunista Brasileiro). Foi eleito o general Eurico Gaspar Dutra. Apesar da redemocratização, mantinha-se ainda a clientela dependente dos favores (verbas, empregos, nomeações) dos “caciques” políticos estaduais e do governo federal. Esses favores eram retribuídos com a votação em massa nos candidatos governistas. Havia outras

razões para o predomínio do PSD. Além do apoio financeiro dos comerciantes, industriais e proprietários de terras, o programa do partido era amplo e genérico, o que facilitava a conciliação dos diferentes grupos oligárquicos e burgueses. Prejudicada pelas manobras getulistas, a UDN perdeu as eleições. A principal razão foi o fato de o partido estar dominado, desde a sua fundação, pelas oligarquias liberais conservadoras, representadas por velhos políticos, e uma geração nova, mas também conservadora e elitista, de “bacharéis”. Estes se limitavam a propor a “moralização” dos costumes políticos, não se preocupando com reformas econômicas e sociais e, menos ainda, em estimular a participação popular. Apoiado basicamente por setores da classe média conservadora e da classe dominante, a UDN tornou-se o “partido dos ricos”, defensor de posições conservadoras, como a manutenção da economia agrária. Apesar da derrota, a UDN não ficou totalmente fora o governo. O PTB era a terceira força partidária e teve maior penetração popular devido a uma mudança na composição social da classe trabalhadora,

a partir dos anos 30. Houve a substituição dos trabalhadores estrangeiros por migrantes do Norte e Nordeste, mais carentes do ponto de vista material e menos organizados e conscientes em termos políticos e ideológicos. Portanto, tornaram-se mais facilmente impressionáveis com a política social de Vargas.

Houve uma mudança significativa nos rumos do Estado brasileiro em 1930. Era uma nova classe que assumia o poder: a burguesia.

Getúlio governou segundo os interesses dessa classe, por isso, redimensionou a questão do trabalho e do capital numa ordem capitalista internacional. Assim, muitos estudiosos afirmam que o movimento de 1930 se constituiu numa autêntica “Revolução Burguesa” no Brasil.

República populista (1946-1964) O período republicano que vamos estudar agora, 1946 a 1964, é chamado de populista. O populismo foi uma política de massas que buscava conduzir o trabalhador, possibilitando-lhe alguns ganhos e manipulando as suas aspirações. Garantia benefícios econômicos e

sociais na medida em que atendia aos interesses das classes dominantes. Desde a década de trinta, o governo brasileiro concedia aos trabalhadores o direito à sindicalização e a uma legislação trabalhista. Entretanto, os sindicatos estavam atrelados ao governo e a oposição sindical era sempre que possível reprimida, o que limitava a participação política dos trabalhadores. Em 1964, no governo João Goulart, ocorreu o colapso do populismo. O Estado populista enquanto política de conciliação de classes perdia a sua eficácia ante o vertiginoso crescimento das forças populares e o radicalismo de seus movimentos; a organização dos trabalhadores rurais, que passavam a lutar pela posse da terra e reforma agrária, e, por fim, o capital internacional, se indispôs com o governo devido à restrição da remessa de lucros. A proposta do presidente Jango de reforma agrária, com emenda constitucional, em 1964,

provocou a oposição dos proprietários rurais ao governo e a derrocada do populismo.

Governo Dutra

No governo Dutra, foram mantidos alguns aspectos autoritários e corporativistas, como a preservação de um executivo forte o suficiente para manter o corporativismo sindical. A característica marcante de seu mandato foi a promulgação de uma nova Constituição (1946), tendo como principais destaques: República presidencialista; voto direto e universal; três poderes: legislativo, executivo e judiciário; mandato presidencial: 5 anos; senadores: 3 por Estado (mandato de 8 anos); deputados: proporcionais ao número de eleitores (mandato de 4 anos). Apesar de sua deposição, Getúlio Vargas continuou tendo um grande prestígio perante o povo brasileiro, já que nas eleições o antigo ditador foi eleito para o senado por dois estados, São Paulo e Rio Grande do Sul, optando por este último.

No plano econômico, o novo presidente reduziu a intervenção do Estado na economia, adotou uma política econômica liberal, manteve as condições favoráveis para a acumulação de capital e abriu o país ao capital estrangeiro. Com a liberação das importações, a indústria nacional sofreu grande concorrência estrangeira. Houve o crescimento da dívida externa e da inflação. O governo passou a controlar as importações e dirigir os investimentos para as áreas de saúde, alimentação, transporte e energia – Plano Salte. Houve a construção da hidrelétrica de São Francisco e a pavimentação da rodovia Rio-São Paulo (Via Dutra). No plano político, o novo governo caracterizou-se pela aproximação com os Estados Unidos, alinhando-se com o bloco capitalista, e pelo rompimento de relações diplomáticas com a União Soviética. Como reflexo da Guerra Fria, o PCB foi fechado e cassado o mandato de seus

parlamentares (1947).

O retorno de Vargas No final dos anos 40, a expansão capitalista e urbana aumentava a importância das classes sociais mais novas: a burguesia industrial e financeira, o proletariado urbano e as camadas médias ligadas à burocracia estatal, às empresas privadas e ao setor de serviços. A burguesia concentrava-se cada vez mais no Sudeste do país e mantinha-se dependente dos favores do Estado. Por isso, apoiava o PSD e era a classe mais interessada no retorno de Vargas à presidência. Esperava que, com ele, retomasse o crescimento industrial e o controle das massa urbanas.

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O apoio a Vargas provinha ainda de setores nacionalistas das Força Armadas, as facções oligárquicas estaduais representadas no PSD, a nova camada de tecnocratas do governo e as massas urbanas. Juntas, essas forças sociais constituíram uma “aliança” que foi chamada de

populista, cuja meta principal era o prosseguimento, sem maiores transtornos, da expansão capitalista e industrial, em bases nacionais. Combinavam, assim, um estilo político, o populismo, e uma ideologia que os unificava, o nacionalismo. A mobilização das massas em comícios e campanhas políticas, o uso dos sindicatos e a atuação do PTB tornavam-se o mais vigoroso meio de pressão dos populistas contra a oposição conservadora. Em 1950, Getúlio Vargas foi eleito para a presidência da República, derrotando os candidatos da UDN (Eduardo Gomes) e o PSD (Cristiano Machado). Nessa época, a indústria já representava 22% da produção nacional. Para manter o ritmo do crescimento da economia, sobretudo da indústria, o governo nacionalista de Vargas teria de continuar a política de confisco cambial, conciliar a política de massas com uma redução

relativa dos salários e conseguir maior nacionalização dos lucros. O declínio da receita externa intensificou a disputa pelas divisas entre os diferentes setores da classe dominante, sendo esta uma das razões da crise política dos anos 53-54. Nesse mandato, Vargas criou, em 1953, a Petrobrás, que passou a ter o monopólio da extração e da refinação do petróleo no Brasil. Essa medida gerou uma forte oposição ao seu governo, tanto por parte dos Estados Unidos quanto da UDN, cujo porta-voz era Carlos Lacerda. Esse jornalista carioca, sabendo que poderia sofrer atentados, tomara suas providências. Era guardado, dia e noite, por jovens oficiais da Aeronáutica. Em 5 de agosto de 1954, um pistoleiro atirou em Lacerda, matando um dos seus acompanhantes, o major Rubens Florentino Vaz, sendo acusado Gregório Fortunato, elemento da guarda pessoal de Vargas.

Após o crime da rua Toneleiros, a situação tornou-se insustentável para Vargas. A 24 de agosto de 1954, o presidente suicidou-se, deixando surpresa a Nação.

O povo exige a renúncia “O povo está nas ruas reclamando a punição dos criminosos, exigindo justiça. Temos agora, mais do que nunca, que exigir do presidente a renúncia do cargo que ele não soube honrar. (...) A conclusão já é certa e obrigatória: não é necessária maior apuração dos fatos. A responsabilidade moral do presidente da República! Esta é definitiva (...) (ele) está moralmente incapacitado de presidir este inquérito dada as suspeitas que recaem sobre sua excelência e pessoas de sua família (...) A renúncia é a solução que afastará a possibilidade de subversão, anarquia e golpe.” Rubens Fonseca. Agosto. São Paulo: Cia das Letras, 1990.

Juscelino Kubitschek de Oliveira (1956-1961) Com a morte de Getúlio, assumiu o poder o vice-presidente João Café Filho. Durante seu mandato, realizaram-se as eleições (3-10-55) para o novo período presidencial, saindo vitorioso o candidato do PSD, Juscelino Kubitschek de Oliveira, que derrotou seus adversários: Ademar de Barros (PSP) e Plínio Salgado (PRP). Em novembro, Café Filho afastou-se do governo por motivos de saúde, assumindo, então, o presidente da Câmara dos Deputados, Carlos Luz. Devido à derrota nas eleições presidenciais, alguns políticos udenistas passaram a advogar um golpe de Estado que impedisse a posse do candidato eleito. Em seu jornal, Carlos Lacerda escreveu no editorial de 9 de novembro: “Esses homens não podem tomar posse, não devem

tomar posse, nem tomarão posse”. No entender do Ministro da Guerra, general Lott, Carlos Luz estava de acordo com o golpe planejado pela UDN. No dia 11 de novembro de 1955, apoiado nas forças militares, depôs o presidente, assumindo o cargo o presidente do Senado, Nereu Ramos, que permaneceu no poder até a posse de Juscelino, em 31 de janeiro de 1956. O mandato de Juscelino Kubitschek (1956-1961) caracterizou-se por um grande desenvolvimento econômico. Nesse período, a produção industrial cresceu cerca de 80%. Destacou-se nesse processo a criação da indústria automobilística na região do ABC, no estado de São Paulo. A grande obra de seu governo foi, sem dúvida alguma, a transferência da capital federal para Brasília. A mudança da capital do Brasil já

era cogitada desde o início do século XIX, sendo incluída na primeira Constituição republicana (1891). Para realizá-la, Juscelino criou um organismo governamental, a Novacap, dirigida por Israel Pinheiro. O plano geral da cidade é de autoria de Lúcio Costa e foi executado pelo arquiteto Oscar Niemeyer. A inauguração oficial da nova capital deu-se no final do mandato de Juscelino Kubitschek, a 21 de abril de 1960.

A chegada dos candangos Boa Viagem! Boca do Acre! Água Branca! Vargem Alta! Amargosa! Xique-xique! Cruz das Almas! Areia Branca! Limoeiro! Afogados! Moreno! Angelim! Tamboril! Palmares! Taperoá! Triunfo! Aurora! Campanário! Águas Belas! Passagem Franca! Bom Conselho! Brumado! Pedra Azul! Diamantina! Capelinha! Capão Bonito! Campinas! Canoinhas! Porto Belo! Passo Fundo!

– Cruz Alta... – Que foram chegando de todos os lados da imensa pátria... – Para construir uma cidade branca e pura... – Uma cidade de homens felizes...

O trabalho e a construção – Foi necessário muito mais do que engenho, tenacidade e invenção. Foi necessário 1 milhão de metros cúbicos de concreto, e foram necessárias 100 000 toneladas de ferro redondo e foram necessários milhares e milhares de sacos de cimento e 500 000 metros cúbicos de areia e 2 000 quilômetros de fios. – E um milhão de metros cúbicos de brita foi necessário e 400 quilômetros de laminados e toneladas e toneladas de madeira foram

necessários. E 60 000 operários! Foram necessário 60 000 trabalhadores vindos de todos os cantos da imensa pátria, sobretudo do Norte! 60 000 candangos foram necessários para desbastar, cavar, estaquear, cortar, serrar, pregar, soldar, empurrar, cimentar, aplainar, polir, erguer as brancas empenas... – Ah, as empenas brancas... – Como penas brancas... – Ah, as grandes estruturas! – Tão leves, tão puras...

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Como se tivessem sido depositadas de manso por mãos de anjo na terra vermelho-pungente do planalto, em meio à música inflexível, à música lancinante, à música matemática do trabalho humano em progressão... O trabalho que anuncia que a sorte está lançada e a ação

humana é irreversível. Antônio Carlos Jobim & Vinícius de Morais, Brasília. Sinfonia da Alvorada, disco e encarte. In: José Dantas Filho e Francisco Fernando Monteoliva Daratioto. A República Bossa-Nova. Coleção História em Documentos. Atual Editora. pp. 34-35. Além da transferência da capital, outros fatores marcaram o mandato de Juscelino: construção de rodovias: Belém-Brasília; novas usinas hidrelétricas: Furnas e Três Marias; Criação da Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste). O período juscelinista, contudo, foi marcado por um grande processo inflacionário. Juscelino lançou um plano de metas realizando a

substituição de importações nos setores de bens de capital e de consumo duráveis. Também promoveu a isenção de cobertura cambial, que ajudava a economia brasileira, mas prejudicava o seu caráter nacionalista, pois ela levava os empresários a se associarem ao capital estrangeiro. No fim do governo Juscelino, a dependência ao capital estrangeiro já se evidenciava. Pressionado pelos setores que se beneficiavam com o crescimento industrial e pela situação, JK optou pelo prosseguimento do programa desenvolvimentista (os 50 anos em 5) com inflação, rompendo com o FMI (Fundo Monetário Internacional).

Jânio Quadros Com a maior votação já dada a um candidato até então, foi eleito, para a sucessão de Juscelino, Jânio Quadros. Esse tentou uma política externa independente e procurou combater a inflação, pois recebeu de herança do governo Juscelino uma volumosa e crescente dívida externa, o que resultava numa inflação galopante, gerando, assim, a instabilidade social. Para você ter idéia, a dívida brasileira ultrapassava a dois bilhões de dólares e deveria ser paga no governo de Jânio, que iria até 1965.

Além disso, o presidente pensava em constituir um bloco independente liderado por Brasil e Argentina, afastando-se um pouco da dependência em relação aos EUA. Tal política era execrada por norte-americanos e europeus. A condecoração com a Ordem do Cruzeiro do Sul, do ministro das Relações Exteriores de Cuba, Ernesto Guevara, um dos líderes da Revolução Cubana, foi mais um dos motivos para a investida conservadora. Para desapontamento de seus eleitores, todavia, Jânio renunciou em 25 de agosto de 1961, alegando que “forças terríveis” obrigavam-no a proceder dessa forma. “No dia seguinte, no seu editorial assinado, em A Verdade, Lucas Faia escreveu que a inesperada notícia da renúncia de Jânio Quadros

causara em Antares um impacto quase tão violento como o produzido pela primeira bomba atômica, a que explodira sobre Hiroxima em agosto de 1945. Embora muitas pessoas de bom senso achassem que o jornalista tinha sido um tanto exagerado na comparação, dum modo geral reconhecia-se que, depois do suicídio de Getúlio Vargas – ocorrido num outro agosto, mês do desgosto –, a renúncia de Jânio era o acontecimento mais sensacional e dramático da vida política brasileira dos últimos tempos.” Érico Veríssimo. Incidente em Antares. Rio de Janeiro: Globo, 1998..

Colapso do populismo Como, após a renúncia de Jânio Quadros, os militares não aceitavam a posse do vice-presidente, João Goulart, havia ameaça de guerra civil. Abriu-se uma profunda crise de sucessão. As forças conservadoras queriam que o vice desistisse do cargo ou que realizasse uma reforma na Constituição.

“Os ministros militares, receosos da posição „esquerdista‟ do vice-presidente, tentaram evitar sua posse, levando a público um manifesto onde explicavam suas desconfianças. No cumprimento de seu dever constitucional de responsáveis pela manutenção da ordem, da lei e das próprias instituições democráticas, as Forças Armadas do Brasil, através da palavra autorizada de seus ministros, manifestam a s. exa., o sr. presidente da República, como já foi amplamente divulgado, a absoluta inconveniência, na atual situação, do regresso ao País do vice-presidente João Goulart [...] Já ao tempo em que exercera o cargo de ministro do Trabalho, o sr. João Goulart demonstrara, bem às claras, suas tendência ideológicas, incentivando e mesmo promovendo agitações sucessivas e freqüentes nos meios sindicais, com objetivos evidentemente políticos e em prejuízo mesmo dos reais interesses de nossas classes trabalhadoras.[...]

E, ainda há pouco, como representante oficial em viagem à URSS e à China Comunista, tornou clara e patente a sua incontida admiração ao regime destes países, exaltando o êxito das comunas populares. [...] Na presidência da República, em regime que atribui ampla autoridade e poder pessoal ao chefe de governo, o sr. João Goulart constituir-se-á, sem dúvida alguma, no mais evidente incentivo a todos aqueles que desejam ver o País mergulhado no caos, na anarquia, na luta civil. [...] Assinam: vice-almirante Silvio Heck, ministro da Marinha; marechal Odilio Denys, ministro da Guerra; e brigadeiro-do-ar Gabriel Grum Moss, ministro da Aeronáutica.” Edgard Carone. A Quarta República – 1945-1964, pp. 74-6. José Dantas Filho e Francisco Fernando Monteoliva Daratioto. A República Bossa-Nova.

Coleção História em Documentos. São Paulo: Atual, 1998. pp. 48-9. Contra essa atitude, formou-se a Campanha da Legalidade, liderada pelo governador gaúcho Leonel Brizola, onde as emissoras de rádio do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná formaram uma rede que conclamava o povo a resistir. O movimento da legalidade exigia o cumprimento da Constituição, a qual determinava que o vice-presidente, João Goulart, assumisse o cargo de presidente que estava vacante. A solução encontrada pelas forças conservadoras foi implantar o Parlamentarismo para diminuir o poder de Jango. Assim, ficou mais difícil para ele pôr em prática suas reformas de base, que objetivavam reforçar a participação de capitais nacionais e estata is em setores

estratégicos da economia, reservando ao capital estrangeiro um papel secundário. Foi adotado o Parlamentarismo como forma de conciliação. Em janeiro de 1963, João Goulart realizou um plebiscito, em força do qual o

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Brasil voltou a ser governado pelo regime presidencialista. O populismo estava entrando em colapso. Outro motivo que se somou foi a ascensão de movimentos reivindicatórios dos trabalhadores

rurais, os quais, aos poucos, vinham adquirindo conteúdos políticos. Enfraquecido pela crise econômica, a resistência do Congresso e as forças conservadoras, Jango aproximava-se gradualmente das correntes reformistas radicais, da qual fazia parte Leonel Brizola, Miguel Arraes e organizações nacionalistas de esquerda. Dentre os acontecimentos que marcaram esse período, podemos citar: a criação do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT); a lei que limitava a remessa de lucros para o exterior; o comício de 13 de março de 1964, em frente à estação da Central do Brasil, no qual o presidente assinou publicamente dois decretos: a encampação de todas as refinarias particulares de petróleo e a criação da Supra (Superintendência da República Agrária). Tivemos durante o governo de João Goulart grandes agitações sociais, uma elevada taxa de inflação e grande alta do custo de vida. No

início de 64, a crise dominava o Estado populista. O governo não tinha mais o apoio de toda a burguesia, cujos investimentos diminuíam abruptamente, levando a economia à crise. Os integrantes do Estado populista não sabiam se seguiam o rumo da moderação ou do radicalismo. Nesse contexto é que devemos entender os episódios da nacionalização das refinarias particulares de petróleo por parte do governo e outros acontecimentos protagonizados por opositores, como a “Marcha da Família com Deus e pela Liberdade”, organizada por setores conservadores da Igreja e do empresariado. Em 31 de março de 1964, o golpe militar é posto em prática e os principais líderes reformistas são obrigados a deixar o país.

O Golpe de 1964 A situação tornou-se mais grave ainda quando, em 20 de março, a Associação dos Marinheiros e dos Fuzileiros Navais pediu a exoneração do ministro da Marinha, almirante Sílvio Mota, fato que demonstrava grave indisciplina. O governo da República colocou-se

numa posição favorável aos marinheiros. Em 31 de março, as Forças Armadas desencadearam o movimento que iria depor João Goulart. Os generais Olímpio Mourão Filho e Carlos Luís Guedes sublevaram suas tropas, recebendo o apoio do então governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto. Logo a seguir, quase todos os estados aliaram-se ao golpe militar. No dia seguinte, o presidente, vendo que não contava com o apoio das forças da capital federal, seguiu para o Rio Grande do Sul. O Senado declarou a vacância do cargo presidencial e empossou o presidente da Câmara Ranieri Mazzili.

Regime militar (1964-1985) Com o golpe de 1964, os militares instauram no país uma ditadura militar que durou 21 anos. Esta ditadura relaciona-se ao modo como o grupo vencedor entendeu que devia ser administrado um novo modelo econômico que superasse o nacional desenvolvimentismo e as políticas populistas. Vamos estudar todas as arbitrariedades utilizadas pelos militares, quando governaram os destinos políticos do Brasil.

Os militares no poder Em 1964, o Comando Supremo da Revolução (que assim se autodefiniu), nos primeiros dias de abril, editou o Ato Institucional nº 1, suspendendo as garantias constitucionais, estabeleceu eleições indiretas e o Executivo passou a ter direito de cassar mandatos políticos e

decretar estado de sítio, sem consultar o Congresso. Essas medidas atingiram principalmente os líderes do regime deposto e as organizações que exigiam as reformas de base como a CGT (Comando Geral dos Trabalhadores), a PUA (Pacto de Unidade e Ação) e as Ligas Camponesas. Após estas medidas foram instaurados inquéritos seguidos de processos políticos a cargo da Justiça Militar. O movimento vitorioso legitimava-se como restaurador da economia – abalada pelas constantes greves – e favorável à definição de um padrão de desenvolvimento baseado na livre empresa e associado ao capital estrangeiro. Politicamente, o projeto do general Humberto de Alencar Castelo Branco, escolhido como presidente, incluía o fortalecimento do executivo e a segurança do Estado, para os quais foram criados órgãos como o Serviço Nacional de Informações (SNI). A segurança nacional foi o argumento usado para justificar as arbitrariedades praticadas.

Em 1965, realizaram-se eleições para governador em onze estados e o governo perdeu em cinco deles. Em resposta, foi editado o AI-2, que permitia a intervenção do governo nos estados e municípios e que o executivo legislasse através de decretos-lei. Também extinguiu os partidos políticos e cancelou seus registros. A partir daí, passaram a existir apenas dois partidos, a ARENA (Aliança Renovadora Nacional) e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro). Em 1966, o Congresso Nacional foi fechado, o que provocou a reação de muitos que se identificavam com o movimento. As casações de mandatos continuaram. No início de 1967, o Congresso foi reaberto, desfalcado de alguns parlamentares, e aprovou uma nova Constituição elaborada por juristas do governo. As atribuições do poder executivo foram consideravelmente ampliadas e a autonomia dos estados foi diminuída. Instituiu, ainda,

um Tribunal Militar para julgar os civis. Mesmo com a institucionalização da “Revolução”, como desejava o Presidente Castelo Branco, a democracia estava longe de ser garantida. Os partidos não representavam os diferentes interesses em jogo, dificultando a participação popular. Ao nível econômico, o governo federal procurou exercer um controle sobre a inflação, incentivou as exportações e procurou atrair investimentos externos. Para controlar a inflação houve um arrocho dos salários, o aumento das tarifas públicas e uma diminuição dos gastos do Estado. Essa política favoreceu o negociação do governo com o FMI (Fundo Monetário Internacional), obtendo empréstimos. Os Estados Unidos renegociaram a dívida externa do Brasil e instalaram-se várias empresas norte-americanas no país.

O desenvolvimento capitalista brasileiro, do qual se beneficiavam a burguesia e as empresas estrangeiras ou associadas ao capital estrangeiro, precisava das Forças Armadas e dos tecnocratas para exercer funções de controle, no plano social, e modernizadoras, no plano administrativo. A sucessão de Castelo Branco não foi tranqüila. A escolha do presidente passou a ser encarada sob o ângulo de Segurança Nacional, com a decisão nas mãos do Alto Comando Militar. O Colégio Eleitoral referendava. De 1967 a 1969, governou o general Costa e Silva, representante dos radicais “linha dura” do exército. Governou de 1967 até 1969.

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Governo Costa e Silva Os políticos descontentes, tendo à frente Carlos Lacerda, organizaram uma “Frente Ampla” de oposição. Era formada por representantes do MDB, do governo deposto em 1964, políticos cassados, estudantes e trabalhadores. O programa da Frente era exclusivamente político, exigindo anistia geral, elaboração de uma Constituição democrática e restabelecimento das eleições diretas em todo os níveis. Devido à sua

heterogeneidade, a coesão ficou dificultada, levando-a ao fracasso. Mas era um sintoma do descontentamento que havia em relação aos caminhos que o regime estava tomando. As promessas de abertura democrática do Presidente Costa e Silva foram cobradas já em 1968. Protestando contra a política educacional e contra o próprio governo, os estudantes realizaram manifestações em diversas capitais, como a do Rio de Janeiro, que reuniu 100 mil pessoas. Também surgiram greves operárias, como a de Osasco, em São Paulo, e Contagem, em Minas Gerais. O Congresso Nacional foi fechado e a 13 de dezembro de 1968 foi editado o Ato Institucional no 5, o mais severo de todos. Inúmeros mandatos foram cassados, o Congresso foi colocado em recesso, as garantias individuais foram suspensas, enfim, houve um grande fortalecimento do poder executivo. Foi a época do “endurecimento”, com muita prisões e o silêncio da oposição.

No segundo semestre de 1969, a Junta Militar (que substituía Costa e Silva que ficara doente) outorgou uma reforma da Constituição de 1967. A emenda Constitucional reforçava ainda mais o poder do executivo, o mandato presidencial era de cinco anos, foram mantidos todos os atos institucionais decretados depois de 1967, foi estabelecida a pena de morte e o banimento do território nacional para os casos de subversão. Emílio Garrastazu Médici foi o general indicado para assumir a presidência da República.

Governo Médici O general Médici foi eleito indiretamente, ou seja, escolhido pelo Congresso Nacional, tomando posse em 30 de outubro de 1969. Seu mandato caracterizou-se pelo endurecimento político, com a implantação da censura prévia em livros e jornais, além da eleição dos governadores por via indireta. Houve também a diminuição dos poderes do legislativo, que se limitava a ratificar as decisões do executivo. Foi o período em que as perseguições políticas se tornaram mais violentas. As torturas e mortes nos órgãos de repressão não chegavam ao conhecimento público ou, quando chegavam, era de forma errônea.

Um setor da oposição partiu para o enfrentamento armado com o regime. Surgiram vários grupos clandestinos que praticaram ações armadas em algumas cidades. Entre esses grupos estavam a Ação Libertadora Nacional (ALN), liderada por Carlos Marighella, e a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), comandada por Carlos Lamarca. Um outro grupo, vinculado ao PC do B, organizou no início da década de 70 um movimento guerrilheiro na região do Araguaia (sul do Pará). Ali, com o apoio da população local, menos de 100 guerrilheiros empreenderam o que o general Hugo Abreu, comandante das tropas enviadas para sufocar revolta, classificou como “o mais importante movimento armado já ocorrido no Brasil rural”. No governo Médici (1969-1974), e em menor escala no governo seguinte (Ernesto Geisel – 1974-1979), esses grupos identificados com a guerrilha urbana e rural foram sendo progressivamente eliminados, com enorme mobilização de tropas. Contra os guerrilheiros do sul do

Pará, por exemplo, foram enviadas tropas de até 20 mil soldados. Foram mortos 61 militantes das forças guerrilheiras do Araguaia. A repressão atingiu centenas, talvez milhares de pessoas não envolvidas com a luta armada. O Estado aperfeiçoava seus mecanismos de segurança interna e o controle sobre as universidades, proibindo atividades políticas a estudantes, professores e funcionários. Foi nessas condições políticas que se deu o crescimento econômico conhecido como “milagre econômico”, sob a direção do ministro da Fazenda Delfim Neto. Militares, tecnocratas, firmas internacionais, burguesia – que inclui banqueiros, industriais e exportadores e uma nova classe média ascendente – viveram um momento de euforia.

Houve aumento e diversificação das exportações. O Brasil exportava matérias-primas (café, algodão, soja, carnes, açúcar, minérios) e alguns produtos como calçados, televisores, rádios, etc. A propaganda política exaltava o crescimento do país: “Ninguém segura esse país”, “Pra frente Brasil”, “Você constrói o Brasil”. Se, de um lado, o “milagre econômico”, modernizou o país, de outro levou a um empobrecimento do povo, pois houve uma grande concentração de renda, onde os ricos ficaram mais ricos e os pobres, mais pobres. No final de 1973 o modelo político e econômico já estava esgotado. O “milagre econômico” foi abalado pela diminuição dos lucros em alguns setores, pela retração dos investimentos e por uma inflação que repercutia diretamente no custo de vida.

Governo Geisel: distensão política O general Geisel assumiu em 1974 com o projeto de “distensão lenta, segura e gradual”. Os ideais de Castelo Branco voltaram a ser

citados: era preciso institucionalizar a “revolução”, que fora feita para “salvar a democracia”. O crescimento econômico já não era suficiente para garantir o fechamento político e muitos empresários criticavam o modelo brasileiro, pois os incomodava o tamanho do Estado na área econômica. Nas eleições parlamentares de 1974, o MDB recebeu votação maciça; era o “começo do fim”. Mas a ambigüidade do regime continuou. Falando em abertura, o presidente cassou mandatos e, em abril de 1977, fechou o Congresso por 15 dias. Usando sempre as atribuições que os atos institucionais lhe davam, Ernesto Geisel outorgou o “Pacote de Abril”. A oposição, entretanto, não aceitou passivamente essas medidas. No fim do governo Geisel, muitos daqueles que apoiavam o regime, como Magalhães Pinto, Severo Gomes, Hugo Abreu, agora estavam contra ele.

No primeiro semestre de 1978, a sociedade civil conseguiu organizar greves e os protestos se generalizam.

Governo Figueiredo: abertura política O general João Batista Figueiredo, indicado por Geisel, eleito presidente por via indireta, governou com uma Constituição reformada,

que permitiu a extinção dos atos institucionais.

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Em agosto de 1979, após uma ampla campanha pública, foi decretada a anistia. Muitos brasileiros presos e exilados se beneficiaram com a medida. Por outro lado, o governo forçou uma reforma partidária que tinha como objetivo principal dividir a oposição.

No final de 1979, a Arena e o MDB foram extintos e foram criados novos partidos: o PDS (Partido Democrático Social), em substituição à Arena, que possuía bancada majoritária no Congresso; o PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro); o PDT (Partido Democrático Trabalhista); o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) e o PT (Partido dos Trabalhadores). Em 1980, foi aprovada a emenda que restabeleceu as eleições diretas para os governadores estaduais. Mas a redemocratização não foi tranqüila, como prova o episódio do Rio Centro, em 1981. Grupos de direita tentaram impedir um ato político da esquerda; levaram uma bomba que explodiu antes do evento e desmascarou-os. O governo Figueiredo não incriminou os “terroristas”, mas retirou-os da cena política, visando a consolidação da democracia. Em 15 de novembro de 1982, foram realizadas em todo o país as eleições para governadores, senadores, deputados estaduais e federais,

prefeitos e vereadores. Os eleitos tomaram posse em 15 de março de 1983. Em janeiro de 1984, teve início a campanha pelas eleições diretas para presidente da República, com comícios em várias cidades. A emenda Dante de Oliveira, que restabelecia as eleições diretas foi, em abril, rejeitada pelo Congresso Nacional. Porém, a campanha continuou.

Nova República (1986- ) Com a eleição de Tancredo Neves, em 1985, à presidência da República, o regime militar chegou ao fim e teve início o processo de redemocratização do Brasil. A prova maior da redemocratização foi quando milhares de jovens foram às ruas do Brasil no movimento do “Fora Collor”; eram os caras pintadas que exigiam o impeachment do Presidente.

Eleição de Tancredo Neves Os partidos políticos, com a derrota da emenda que propunha eleições diretas para a presidência da República, começaram a se articular para lançar seus candidatos O Partido Democrático Social (PDS) lançou a candidatura de Paulo Maluf, mas a ala mais liberal do partido, tendo entre seus representantes Marcos Maciel, José Sarney e Aureliano Chaves, discordou da indicação do partido. Acabou sendo fundado um novo partido, o PFL (Partido da Frente Liberal).

O PMDB lançou a candidatura de Trancredo Neves e recebeu o apoio do PFL, formando a Aliança Democrática. O PFL, através de um acordo político, lançou o nome de José Sarney para concorrer ao cargo de vice-presidente. Por considerarem os candidatos ilegítimos, o Partido dos Trabalhadores e o Partido Comunista do Brasil negaram-se a participar das eleições. Em 15 de novembro de 1985, o Colégio Eleitoral, reunido em Brasília, elegeu Tancredo Neves, presidente do Brasil, encerrando o período da ditadura militar. Na noite anterior à posse do novo presidente, 14 de março, Tancredo, muito doente, foi internado no Hospital de Base de Brasília. Com o agravamento do seu estado de saúde, foi transferido para um hospital da cidade de São Paulo, vindo a falecer no dia 21 de abril, sem tomar posse. José Sarney, o vice, assumiu a Presidência da República, dando início a uma fase denominada de Nova República.

Governo Sarney José Sarney compôs o seu ministério com os nomes que haviam sido indicados por Tancredo Neves. Mandou ao Congresso várias

emendas à Constituição de 1967, com a finalidade de acabar com o seu caráter autoritário. Foram aprovadas as emendas que estabeleciam eleições diretas para presidente e para os prefeitos das capitais e das áreas de segurança nacional; mandato de cinco anos para presidente; direito de voto aos analfabetos; liberdade de criação de partidos políticos e representação política para o Distrito Federal. Sarney convocou uma Assembléia Nacional Constituinte e coube ao Congresso Nacional , que fora eleito em 15 de novembro de 1986, elaborar a nova Constituição para o país.

A Constituição de 1988 A Constituição promulgada em 5 de outubro de 1988 foi a mais democrática que o país já teve. Houve a participação popular, através de abaixo-assinados, orientados por sindicatos de classe, entidades religiosas e vários outros segmentos da sociedade. Por essa Constituição, o trabalhador conquistou o direito de ampliação da licença-maternidade para 120 dias, a licença-paternidade de 5 dias, a redução da jornada de trabalho de 48 horas semanais para 44 horas, o direito de greve, a liberdade sindical, o abono de férias de um terço do salário e o 13o salário dos aposentados.

O voto foi estendido aos analfabetos e tornou-se facultativo entre 16 e 18 anos. As eleições passaram a ser em dois turnos para os cargos de presidente, governador e prefeitos das cidades com mais de 200 mil eleitores, caso o candidato vencedor não ultrapassasse 50% dos votos. O mandato presidencial foi reduzido para 4 anos. Foi também abolida a censura em relação à família, aprovado o divórcio e houve o estabelecimento dos direitos da criança e do adolescente. A prática do racismo passou a ser crime inafiançável, sujeito à pena de reclusão. Os indígenas tiveram o reconhecimento de sua cultura e ficou a cargo da União a demarcação das terras, sua proteção como também de suas riquezas.

Plano Cruzado No governo Sarney houve uma grave crise inflacionária no país cujos índices chegaram a atingir 25% ao mês. O presidente, em 28 de fevereiro de 1986, anunciou um Plano de Estabilização Econômica, que ficou conhecido como Plano Cruzado. Elaborado pelo então ministro da Fazenda Dilson Funaro, esse plano substituiu o cruzeiro por uma nova moeda, o cruzado, valendo mil cruzeiros, e estabeleceu o congelamento dos preços e dos salários e o tabelamento de vários produtos.

Houve apoio popular ao plano, mas vários produtos começaram a desaparecer do comércio ou a sofrer pequenas modificações em sua fabricação ou embalagem para serem vendidos a preços mais elevados. O plano acabou fracassando e a inflação voltou a subir. Para equilibrar a situação financeira do país, o governo tentou, com outros ministros da Fazenda, novos planos econômicos.

pelo Plano Bresser, do ministro Luís Carlos Bresser Pereira, surtiu uma desvalorização da moeda e congelamento dos preços por 90 dias. Como não houve resultados positivos o ministro pediu demissão.

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pelo Plano Verão, do ministro Mailson da Nóbrega, que entrou em vigor em janeiro de 1989, a moeda passou a se chamar Cruzado Novo, valendo mil cruzados, e houve congelamento de preços e salários. Este plano também não funcionou e a inflação voltou a subir. Com o crescimento das dívidas externa e interna, o país ficou desacreditado no exterior, diminuindo os investimentos estrangeiros. Os

altos índices de inflação, as denúncias de corrupção no governo, as constantes greves, o assassinato de trabalhadores rurais e o aumento da criminalidade enfraqueceram o governo e fortaleceram a oposição. No final do seu mandato, o presidente convocou as eleições presidenciais. Entre vários candidatos que concorreram ao cargo, saíram vitoriosos no primeiro turno Fernando Collor de Mello, do PRN (Partido da Reconstrução Nacional), e Luís Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores. A campanha política de Collor voltou-se para a “caça aos marajás”, moralização da vida pública, melhoria das condições de vida da população pobre, os “descamisados”, o apelo da modernização tecnológica e a abertura ao capital internacional mais intensa. Collor, com grande apoio da imprensa, principalmente de redes de televisão, venceu as eleições.

Governo Collor Collor assumiu a presidência em março de 1990 e no dia seguinte à sua posse anunciou ao país o plano econômico elaborado por sua equipe econômica, liderada pela ministra Zélia Cardoso de Melo. Por esse plano, a moeda do país voltou a ser o cruzeiro, os preços e os

salários foram congelados, e as contas correntes bancárias e as cadernetas de poupança com saldo superior a 50 mil cruzeiros foram bloqueadas por 18 meses. Nos primeiros meses do plano a inflação foi baixa, mas voltou a subir. Houve denúncias de corrupção de pessoas ligadas ao seu governo que envolveram, principalmente, Paulo César Farias, tesoureiro de sua campanha eleitoral. Essas denúncias afetaram a popularidade de Collor. A situação se tornou mais grave quando seu irmão, Pedro Collor, acusou Paulo César de manter um esquema de corrupção, no qual também estava envolvido o presidente. Foi organizado o Movimento pela Ética na Política, que forçou os políticos a instaurarem uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar os fatos contra o presidente.

Pelos resultados da CPI a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) entrou com um pedido de impeachment do presidente. Houve em todo o país manifestações populares exigindo o afastamento de Collor. No dia 9 de setembro de 1992, a Câmara autorizou a abertura de um processo contra Collor. Ele foi afastado do cargo e asssumiu o vice, Itamar Franco. No dia 29 de dezembro, o Senado reuniu-se para julgar o presidente, que, informado da sua não-absolvição, renunciou.

Governo de Itamar Franco Ao assumir, Itamar Franco tentou medidas para reduzir a inflação, mas os resultados não foram significativos. Em maio de 1993, escolheu Fernando Henrique Cardoso para ocupar o Ministério da Fazenda. Fernando Henrique, com um grupo de economistas, elaborou um plano de estabilização econômica, o Plano Real. Foi criada uma nova moeda, o cruzeiro real que, mais tarde foi substituída por outra, o real. As pessoas de baixa renda tiveram um aumento do poder aquisitivo, pois os seus salários não estavam sendo corroídos pela inflação. Fernando Henrique deixou o Ministério da Fazenda para concorrer às eleições presidenciais de 3 de outubro de 1994. Dos candidatos

dois se destacaram: o próprio Fernando Henrique (PSDB) e Luís Inácio Lula da Silva (PT). Prometendo dar continuidade às reformas econômicas e com o apoio de grandes empresários, latifundiários e muitas empresas de comunicação, Fernando venceu as eleições ainda no primeiro turno.

Governo de Fernando Henrique Cardoso Fernando Henrique tomou posse no dia 1o de janeiro de 1995, tendo como metas de governo: manter a inflação baixa, sanear as contas públicas, privatizar as empresas estatais e privilegiar as áreas de educação, saúde, agricultura e buscar a integração da economia brasileira no mercado internacional. Na verdade, os eleitores davam o voto de confiança ao Plano Real, o qual deveria recuperar a economia brasileira. No período de 1995 a 1998 o governo de Fernando Henrique caracterizou-se pela política de privatizações de empresas estatais, o que mobilizou setores políticos e empresariais do país. O governo anunciou que dessa forma deveria conter o déficit público, aumentar a produtividade e reduzir os gastos com a máquina governamental. O resultado, no entanto, foi um aumento enorme da dívida pública, uma participação cada vez maior do capital estrangeiro na economia e

o início de uma estagnação econômica com grande número de desempregados. A política de estabilidade da moeda gera um custo social muito grande.

O Mercosul Dentro da abertura da economia aumentou a participação do Brasil no Mercosul, o que tem garantido uma ampliação da produção industrial e do mercado de trabalho. O Mercosul (Mercado Comum do Sul) surgiu com a assinatura do Tratado de Assunção, em 26 de março de 1991. Esse tratado foi assinado pelos presidentes Collor (Brasil), Menen (Argentina), Lacalle (Uruguai) e Rodriguez (Paraguai) e seus

objetivos são: possibilitar a inserção mais competitiva das economias dos quatro países num mundo em que se consolidam grandes espaços econômicos e onde o progresso técnico se torna cada vez mais essencial para o êxito dos planos de desenvolvimento; favorecer as economias de escala, reforçando as possibilidades de cada um dos países membros com o incremento da produtividade; estimular o fluxo do comércio com o resto do mundo. As características do Mercosul são: a livre circulação de bens e serviços e dos setores produtivos entre os países; o estabelecimento de uma tarifa externa comum; adoção de uma política comercial comum em relação a terceiros Estados ou agrupamento de Estados e a coordenação de posições em foros econômicos sociais, regionais e internacionais; e a coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados Partes – de comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial e de capitais, serviços, alfandegária, de

transporte, comunicação e outras. Os problemas sociais se agravam. É elevado o contingente populacional sem terra, decorrente do empobrecimento generalizado, da concentração da propriedade da terra e da lentidão do Estado na aplicação de projetos de reforma agrária. Além disso, aumentam os meninos de rua e os sem-teto, as favelas e os cortiços, enquanto o problema da fome torna-se caótico.

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No final de 1998, ocorreram eleições no Brasil para a presidência da República, governos de Estados e cargos legislativos estadual e federal. Nessa eleição, a população confirmou a reeleição de Fernando Henrique para o período 1999-2003. Boa parte dos estados não

tiveram governadores reeleitos e houve uma significativa renovação partidária do Congresso Nacional.