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22-12-2015 A Europa depois do 13 de Novembro António Freitas de Sousa [email protected] Daquela vez, a 13 de Novembro, uma sexta-feira, eles decidiram atacar – como se quisessem transformar a data num azar que nunca mais se esquece – onde por ventura o Ocidente é mais distante do Oriente: no la- zer, no divertimento, naquilo que confirma a convicção pro- funda de que a felicidade é uma decisão pessoal e não um desí- gnio dos deuses. Nessa noite, morreram nas ruas ruidosas e iluminadas da capital do Ocidente, Paris, 130 pessoas. Estavam a divertir-se: ouviam música, viam um jogo de futebol, bebiam uns copos, comiam umas tapas e foram metralhados com as velhas AK 47 de todas as andanças do dia- bo ou detonados por bombas pessoais. “A minha filha está em Eras- mus em Paris e vive muito perto do Bataclan”, a sala de espectá- culos do 11.º ‘arrondissement’ de Paris, que foi atacada por essa gente, ou quase, do auto- -proclamado Estado Islâmico (EI). “Não teve nenhum proble- ma, mas não pôde regressar a casa; teve de contar com uma rede de solidariedade que se instalou de imediato nas redes sociais. Nesse dia, ela dormiu em casa de um casal que não conhecia de lado nenhum”, conta ao Económico um admi- nistrador do grupo Symington, revelando um aspecto paralelo aos atentados que nunca che- gou a ser notícia. Nessa noite, juntamente com as 130 pessoas, era a Europa de 1957 que chegava ao fim – a acreditar em muitos cronistas, analistas, comentaristas e ou- tros especialistas que isso escre- veram ou afirmaram. Era tam- bém a França libertária, repu- blicana e laica que tombava: como dizia o politólogo António Costa Pinto ao Económico, “os franceses quiseram impor um modelo de integração que os não-ocidentais entenderam como uma iniciativa contra a diversidade” – e que, ao falhar, se tornou odioso para os que a ele deviam submeter-se. Foi das suas fileiras – e não de nenhum deserto asiático cheio de escor- piões – que saíram os assassinos nessa noite de sexta-feira 13. Isso mesmo é referido ao Económico pelo ex-embaixa- dor Francisco Seixas da Costa: “Os soldados desta guerra já estão cá [na Europa], em parti- cular nos países onde a multi- culturalidade não foi consegui- da”. Ou seja: “Nenhuma fron- teira teria evitado os atentados de Paris”. Mas as fronteiras fecharam- -se. Uma portuguesa que viaja- va para a China e fez escala em Paris alguns minutos depois dos atentados e aí regressou três se- manas mais tarde, relata que, “no dia dos atentados, a bara- funda era total; três semanas depois, estava tudo organizado, mas os dispositivos de seguran- ça eram muitos e as revistas e outras formalidades faziam re- cordar os meses a seguir aos atentados de 11 de Setembro de 2001 em Nova Iorque”. Desta vez, foi razoavelmen- te consensual que Schengen ti- vesse de sofrer uma espécie de hibernação até chegarem dias mais desanuviados: “Schengen foi vítima do seu próprio su- cesso” e, neste momento, “há a noção de que é preciso intro- duzir restrições”, refere Seixas da Costa – havendo agora em cima da mesa uma coisa a que alguns chamam uma versão menor do Acordo de Schen- gen. Era só um estudo: um novo espaço Schengen estava a ser pensado por parte do Go- verno holandês, apenas para os Países Baixos, Bélgica, Lu- xemburgo, Alemanha e Áus- tria. A Holanda produziu uma espécie de desmentido, mas toda a Europa percebeu que o Schengen está profundamente Atentados Há um antes e um depois do 13 de Novembro, sexta-feira, no continente europeu. Os atentados de Paris mudaram a Europa. Schengen, os refugiados e até o Pacto de Estabilidade têm de esperar por melhores dias. Acontecimento Internacional 2015 ferido – só faltando saber se de morte ou não. Mais culpados: os refugiados A relação da Europa com os re- fugiados que lhe batem às portas nas fronteiras Leste e Sul nunca foi pacífica – nem vai nunca fi- gurar em qualquer manual de boas práticas. “Mais importante que os atentados de Paris, e a marcar o ano de 2015, é a crise dos refugiados”, afirma Seixas da Costa. (ver págs. 30 e 31) Num ano em que o fluxo de refugiados à Europa bateu todos os recordes conhecidos ou ima- ginados, o continente começou por construir muros que pudes- sem ser intransponíveis; depois, muito depois, engendrou um sistema de quotas que teve de ser sufragado por toda a gente; mais tarde, achou que o melhor seria pagar à Turquia para tomar conta dos migrantes e a diversos países africanos para impedir as partidas para a Europa. Se do ponto de vista moral a iniciativa não deixa dúvidas, no que diz respeito aos refugiados nada mudou: continuam a percorrer caminhos europeus que não vão dar a lado nenhum. Em Portugal, como noutros países, atingiu-se mesmo o pa- radoxo – que seria hilariante se não fosse trágico – de haver ha- bitações, empregos e sorrisos à espera dos refugiados, só faltan- do mesmo os ditos refugiados fazerem o favor de aparecerem. A crise dos refugiados e a sua soma com os atentados de Paris produziu uma consequência óbvia (vem nos livros mais bá- sicos): a direita na sua generali- dade e a extrema-direita nas suas particularidades mais sór- didas desatou a crescer em qua- se todos os países europeus – com a Península Ibérica a ficar à parte destes movimentos. O último e talvez mais evi- dente caso é o de França. A ex- trema-direita da Frente Nacional ganhou a primeira volta das elei- ções regionais e os restantes par- tidos fizeram de conta que ga- nharam a segunda volta. “A Frente Nacional não perdeu as eleições, simplesmente não foi eleita em lado nenhum”, recorda o ex-embaixador, para enfatizar que a extrema-direita francesa arregimentou milhões de votos e é hoje uma força incontornável – e também um exemplo encoraja- dor para os países onde essas for- ças políticas estão sempre à es- pera de se lançarem à luz do dia: a Alemanha, parte da Escandiná- via, algumas bolsas nos Balcãs e a totalidade dos países eslavos. A Torre Eiffel iluminada com as cores da bandeira francesa uma semana depois dos atentados na capital parisiense. O politólogo Antó- nio Costa Pinto diz que o problema eu- ropeu está no fracasso do multi- -culturalismo. Em França, essa políti- ca é odiada pelos que a ela deviam submeter-se. O PRIMEIRO ATAQUE Je suis Charlie “A nossa melhor arma é a unidade, nada nos deve opor ou dividir nesta hora”, disse François Hollande, depois de decretar luto nacional durante três dias pela primeira vez este ano. A razão foi a primeira execução terrorista de contornos jihadistas no espaço europeu que fez 12 mortos e 11 feridos contra o jornal satírico “Charlie Hebdo”. Os três homens envolvidos tinham por objectivo executar os autores dos desenhos que parodiavam o Islão, o profeta Maomé e alguns chefes da jihad islâmica. Os ataques geraram uma onda de solidariedade – “Je suis Charlie”.

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22-12-2015

A Europa depoisdo 13 de NovembroAntónio Freitas de [email protected]

Daquela vez, a 13 de Novembro,uma sexta-feira, eles decidiramatacar – como se quisessemtransformar a data num azarque nunca mais se esquece –onde por ventura o Ocidente émais distante do Oriente: no la-zer, no divertimento, naquiloque confirma a convicção pro-funda de que a felicidade é umadecisão pessoal e não um desí-gnio dos deuses.

Nessa noite, morreram nasruas ruidosas e iluminadas dacapital do Ocidente, Paris, 130pessoas. Estavam a divertir-se:ouviam música, viam um jogode futebol, bebiam uns copos,comiam umas tapas e forammetralhados com as velhas AK47 de todas as andanças do dia-bo ou detonados por bombaspessoais.

“A minha filha está em Eras-mus em Paris e vivemuito pertodo Bataclan”, a sala de espectá-culos do 11.º ‘arrondissement’de Paris, que foi atacada poressa gente, ou quase, do auto--proclamado Estado Islâmico(EI). “Não teve nenhum proble-ma, mas não pôde regressar acasa; teve de contar com umarede de solidariedade que seinstalou de imediato nas redessociais. Nesse dia, ela dormiuem casa de um casal que nãoconhecia de lado nenhum”,conta ao Económico um admi-nistrador do grupo Symington,revelando um aspecto paraleloaos atentados que nunca che-gou a ser notícia.

Nessa noite, juntamente comas 130 pessoas, era a Europa de1957 que chegava ao fim – aacreditar em muitos cronistas,analistas, comentaristas e ou-tros especialistas que isso escre-veram ou afirmaram. Era tam-bém a França libertária, repu-blicana e laica que tombava:como dizia o politólogo AntónioCosta Pinto ao Económico, “osfranceses quiseram impor um

modelo de integração que osnão-ocidentais entenderamcomo uma iniciativa contra adiversidade” – e que, ao falhar,se tornou odioso para os que aele deviam submeter-se. Foi dassuas fileiras – e não de nenhumdeserto asiático cheio de escor-piões – que saíram os assassinosnessa noite de sexta-feira 13.

Isso mesmo é referido aoEconómico pelo ex-embaixa-dor Francisco Seixas da Costa:“Os soldados desta guerra jáestão cá [na Europa], em parti-cular nos países onde a multi-culturalidade não foi consegui-da”. Ou seja: “Nenhuma fron-teira teria evitado os atentadosde Paris”.

Mas as fronteiras fecharam--se. Uma portuguesa que viaja-va para a China e fez escala emParis alguns minutos depois dosatentados e aí regressou três se-manas mais tarde, relata que,“no dia dos atentados, a bara-funda era total; três semanasdepois, estava tudo organizado,mas os dispositivos de seguran-ça eram muitos e as revistas eoutras formalidades faziam re-cordar os meses a seguir aosatentados de 11 de Setembro de2001 emNova Iorque”.

Desta vez, foi razoavelmen-te consensual que Schengen ti-vesse de sofrer uma espécie dehibernação até chegarem diasmais desanuviados: “Schengenfoi vítima do seu próprio su-cesso” e, neste momento, “háa noção de que é preciso intro-duzir restrições”, refere Seixasda Costa – havendo agora emcima da mesa uma coisa a quealguns chamam uma versãomenor do Acordo de Schen-gen. Era só um estudo: umnovo espaço Schengen estavaa ser pensado por parte do Go-verno holandês, apenas paraos Países Baixos, Bélgica, Lu-xemburgo, Alemanha e Áus-tria. A Holanda produziu umaespécie de desmentido, mastoda a Europa percebeu que oSchengen está profundamente

AtentadosHáumantes eumdepois do 13deNovembro, sexta-feira, nocontinente europeu.Os atentadosdeParismudaramaEuropa. Schengen,os refugiados eaté oPactodeEstabilidade têmdeesperar pormelhores dias.

Acontecimento Internacional 2015

ferido – só faltando saber se demorte ou não.

Mais culpados: os refugiadosA relação da Europa com os re-fugiados que lhe batem às portasnas fronteiras Leste e Sul nuncafoi pacífica – nem vai nunca fi-gurar em qualquer manual deboas práticas. “Mais importanteque os atentados de Paris, e amarcar o ano de 2015, é a crisedos refugiados”, afirma Seixasda Costa. (ver págs. 30 e 31)

Num ano em que o fluxo derefugiados à Europa bateu todosos recordes conhecidos ou ima-ginados, o continente começoupor construir muros que pudes-sem ser intransponíveis; depois,muito depois, engendrou umsistema de quotas que teve deser sufragado por toda a gente;mais tarde, achou que o melhorseria pagar à Turquia para tomarconta dosmigrantes e a diversospaíses africanos para impedir aspartidas para a Europa. Se doponto de vista moral a iniciativanão deixa dúvidas, no que dizrespeito aos refugiados nadamudou: continuam a percorrercaminhos europeus que não vãodar a lado nenhum.

Em Portugal, como noutrospaíses, atingiu-se mesmo o pa-radoxo – que seria hilariante se

não fosse trágico – de haver ha-bitações, empregos e sorrisos àespera dos refugiados, só faltan-do mesmo os ditos refugiadosfazerem o favor de aparecerem.

A crise dos refugiados e a suasoma com os atentados de Parisproduziu uma consequênciaóbvia (vem nos livros mais bá-sicos): a direita na sua generali-dade e a extrema-direita nassuas particularidades mais sór-didas desatou a crescer em qua-se todos os países europeus –com a Península Ibérica a ficar àparte destesmovimentos.

O último e talvez mais evi-dente caso é o de França. A ex-trema-direita da FrenteNacionalganhou a primeira volta das elei-ções regionais e os restantes par-tidos fizeram de conta que ga-nharam a segunda volta. “AFrente Nacional não perdeu aseleições, simplesmente não foieleita em lado nenhum”, recordao ex-embaixador, para enfatizarque a extrema-direita francesaarregimentou milhões de votos eé hoje uma força incontornável –e tambémumexemplo encoraja-dor para os países onde essas for-ças políticas estão sempre à es-perade se lançaremà luzdodia: aAlemanha, parte da Escandiná-via, algumas bolsas nos Balcãs e atotalidadedospaíses eslavos.

A Torre Eiffel iluminada comas cores da bandeira francesauma semana depois dos atentadosna capital parisiense.

O politólogo Antó-nio Costa Pinto dizque o problema eu-ropeu está nofracasso do multi--culturalismo. EmFrança, essa políti-ca é odiada pelosque a ela deviamsubmeter-se.

O PRIMEIRO ATAQUE

Je suis Charlie“A nossa melhor armaé a unidade, nada nosdeve opor ou dividir nestahora”, disse FrançoisHollande, depois dedecretar luto nacionaldurante três dias pelaprimeira vez este ano.A razão foi a primeiraexecução terroristade contornos jihadistas noespaço europeu que fez 12mortos e 11 feridos contrao jornal satírico “CharlieHebdo”. Os três homensenvolvidos tinham porobjectivo executar osautores dos desenhos queparodiavam o Islão,o profeta Maomé e algunschefes da jihad islâmica.Os ataques geraram umaonda de solidariedade –“Je suis Charlie”.

22-12-2015

Ataques terroristas

A instabilidade do Pactode EstabilidadeNão há defesa contra o terroris-mo sem dinheiro, lembrou oPresidente francês, FrançoisHollande, no dia a seguir aosatentados de Paris. Um recadocom destino a Berlim e a Bruxe-las: o aumento da intensidadedos ataques franceses ao EstadoIslâmico não se compadeciacom o tecto do défice nos 3%.Aparentemente, tanto Berlimcomo Bruxelas entenderam amensagem e não parecem dis-postos a colocar grandes entra-ves ao crescimento da facturamilitar francesa.

Mas essa factura militar fezmais uma vez regressar ao pri-meiro plano a questão da faltade capacidade de defesa militarda Europa. O continente está‘pendurado’ na NATO, mas,segundo consta, não é verda-deiramente uma força militarque esteja sob o comando daEuropa ou sequer sob a alçadados seus interesses. Para não seir mais longe (até aos Balcãsnos anos 90 do século passado)vale a pena recordar como aNATO conseguiu não fazernada ao longo dos muitos me-ses que já leva a crise entre aRússia e a Ucrânia na sua fron-teira comum. A organização

tem, apesar de tudo um papelimportante na Europa: a novasede, cuja construção em Bru-xelas se iniciou em 2010, deviater custado 460 milhões de eu-ros, mas as sucessivas derrapa-gens foram um benefício para aeconomia real, para a criaçãode postos de trabalho e para oanedotário europeu. Custo fi-nal da obra? 1,05 mil milhões

de euros, segundo as estimati-vas mais recentes.

Quanto ao resto, importapouco: a luta contra o Estado Is-lâmico – e é essa que neste mo-mento enche o medo dos euro-peus – já passou para as mãosdos generais norte-americanose russos. A Europa ficará maisuma vez sentada no sofá a assis-tir pela televisão.

Os SeljúcidasAprimeira vez queo império tur-co – ou aquilo que foi a génese doimpério turco – se acercou mili-tarmente da Europa (por volta doano 1000) eram os Seljúcidasquemdominavamo futuro impé-rio otomano. Mil anos depois, aEuropa hesita, sem saber muitobem o que fazer da Turquia. Hádécadas que os turcos pretendem

Christian Hartmann / Reuters

Bombeiros ajudam umadas vítimas dos atentadosnas imediações do Bataclan.

Polícia francês ao lado de umavítima que jaz no passeio àporta de um café na sequênciado tiroteio em Paris

Christian Hartmann / Reuters

Christian Hartmann / Reuters

Infografia: Mário Malhão | [email protected]

O ataque ao jornal satírico francês“Charlie Hebdo”, a 7 de Janeiro,que fez 12 mortos, gerou uma ondade solidariedade na Europa.

Paulo Alexandre Coelho

entrarnaUniãoEuropeia ehádé-cadas que não o conseguem. Opapel da Turquia na Europa é, porestes dias, um enigma: aceita di-nheiro europeu para tomar contados refugiados antes de eles en-trarem na Europa; serve de vál-vula de escape ao Estado Islâmico– pelo menos a acreditar no Pre-sidente russo Vladimir Putin; etem no seu próprio Chefe de Es-tado, Recep Erdogan, mais umcandidatoacalifa.

Os políticos europeus estãodivididos: alguns consideramque a entrada da Turquia naUnião Europeia permitiria aconstituição de uma espécie decordão sanitário entre a Europa eo maior foco de instabilidade domundo (Síria, Iraque, Irão, Afe-ganistão e amigos). Outros pen-samque seria acomodar o inimi-go (o Islão) no interior das pró-prias fronteiras europeias, comum rol de consequências impos-síveis de determinar.

Todos estes problemas, que fi-zeram a Europa encolher-se so-bre si própria ao longo de 2015,transitam para o ano seguinte.Juntamente com eles, transitatambém a sensação de que o(muito) velho continente (e a UEe a zona euro por arrasto) não fazamais pequena ideia do que fazeremrelaçãoaeles.■

22-12-2015

Acontecimento Internacional 2015 Ataques terroristas

Custo Atentados tiveram impacto na economia,mas espera-se que o efeito acabe por se concentrarno curto prazo e não seja de grande dimensão.

Atentadospesaramno comércioe no turismo

Luís Reis [email protected]

Os custos económicos dos aten-tados terroristas em Paris fize-ram-se sentir, sobretudo, atra-vés do comércio e do turismo.Não foram negligenciáveis, massentiram-memais no curto pra-zo, dissipando-se com o passardas semanas.A expectativa é queo impacto no PIB gaulês acabepor não sermuito significativo.

Em 2005, um estudo do Fun-do Monetário Internacional(FMI) concluiu que, comosmer-cados financeiros a funcionarembem, e devido à resposta eficazdas autoridades competentes, oscustos financeiros dos váriosatentados nos EUA, em Londrese emMadrid tinham sido absor-vidos semefeitos demaior.

Os franceses têm agora amesma expectativa em relaçãoaos vários ataques que se regis-taram este ano em Paris - come-çando no ataque ao “CharlieHebdo” e acabando nomassacrede 13 de Novembro. No entanto,há umapreocupação adicional: aeconomia gaulesa continua comdificuldades em entrar no ritmode recuperação - no terceiro tri-mestre, o PIB não foi além de0,3% -, pelo que todas as déci-mas contam.

Em entrevista ao Económico,Martine Pinville, a secretária deEstado francesa do Comércio,disse que o impacto inicial nocomércio foi “bastante signifi-cativo”. “Os primeiros númerosdão conta de uma redução signi-ficativa, de pelo menos 20% a30%, na actividade comercial”,frisou, na entrevista publicado a23 de Novembro. Segundo o ins-tituto de estatísticas francês (In-see) o impacto dos atentados so-bre o consumo será de 0,3 pon-tos percentuais no quatro tri-mestre, ou seja 0,1 pp do PIBneste período.

Com os restaurantes, os mu-seus, as lojas eosbaresvazios-ou

mesmo fechados - nos dias se-guintes aos atentados, o impactomais negativo foi mesmo no co-mércioeno turismo.Foi-sedissi-pando ao longo das últimas se-manas, com Paris a regressar ànormalidade. “Os atentados têmsemdúvida um impacto na hote-laria e restauração”, admitiuAgnès Benassy-Queré, investi-gadora da Escola de Economia deParis, à AFP. “Mas Paris não étoda a França. E não me pareceque os efeitos se prolonguemparaládealgumas semanas”, frisou.

No entanto, há umreceio coma actividade económica no Na-tal. “O que nos inquieta são osclientes que vêm normalmentepara o período das festas”, ad-mitiu Evelyne Maes, presidenteda UMIH 75, uma organizaçãopatronal da hotelaria e restaura-ção, também em declarações àAFP.O turismopesa perto de8%doPIB francês e, no ano passado,83,7 milhões de estrangeiros vi-sitaramFrança.

Além do impacto económico,há também um efeito nas contaspúblicas, com o Estado a gastarmais dinheiro em segurança eno combate ao terrorismo, alémdas verbas canalizadas para in-demnizações às vítimas e suasfamílias.

Se no primeiro caso Paris jádisse que vai pôr de lado a metado défice para aumentar os gas-tos militares e com segurança,no caso das indemnizações ocusto pode chegar aos 300 mi-lhões, de acordo com a ministrada Justiça francesa. “O fundo degarantia já pagou seis milhões deeuros às famílias das vítimas quemorreram. E 771 mil euros paradespesas de viagem ou estadados seus familiares, aos feridos erespectivas famílias. O orça-mento para a indemnizaçãopode chegar a 300 milhões deeuros “, disse Christiane Taubira,numa entrevista publicada naquinta-feira passada o jornal “LeParisien”.■

Infografia: Marta Carvalho | [email protected]

22-12-2015

Acontecimento Internacional 2015 Ataques terroristas

Insegurança Os atentados contribuíram para aumentar o sentimento de vulnerabilidade nas pessoas.

Xenofobia e receio de viajar sãoo principal efeito dos atentadosPaula Cravina de [email protected]

Os atentados este ano contri-buíram para aumentar a sensa-ção de insegurança e vulnerabi-lidade das pessoas. Mas de queforma é que isso se sente?

Mais receio de viajar paradeterminados destinos, au-mento de comportamentos eopiniões xenófobos ou simples-mente uma discussão maior so-bre o que é o terrorismo e comose propaga são alguns dos efei-tos mais imediatos apontadospelos especialistas ouvidos peloEconómico.

Um dos principais impactostem a ver, segundo o sociólogoElísio Estanque, com o medo deviajar. “Enquanto a situação não

começa a diluir e a apagar, aspessoas têm mais receio de via-jar, havendo já agências de via-gens que se começam a quei-xar”, considera. Para o especia-lista, “o caso francês é, talvez oque mais sofre” (ver pág. 22).“Há um espectro que paira no are que se sente, que atinge o quo-tidiano das pessoas e, sobretu-do, quem vive em locais maiscentrais tem mais esta sensaçãode vulnerabilidade”, explica. Nomesmo sentido, o economistaJorge Malheiros refere que “aspessoas interrogam-se maisquando viajam para determina-dos destinos” como a instabili-dade no Egipto, na Turquia, naTunísia, por exemplo. Mas dizduvidar que esse receio “se es-tenda às capitais europeias”.

Os atentados de Parisespalharam o terror.

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OS PIORESATENTADOSNA UNIÃOEUROPEIA

Entre as 7h36 e as 7h40 damanhã, um total de dez engenhosexplosivos explodem em quatrocomboios que transportavampessoas para os seus empregos nacapital espanhola, matando 193pessoas e ferindo outras 1.853. Omaior número de vítimas ocorreuna estação de Atocha, já que asexplosões neste local ocorreramquando o comboio estava a fazero embarque de passageiros. Aautoria dos ataques foi atribuída aum grupo afiliado à al-Qaeda,

tendo as investigações posterioreslevado à condenação de vinte euma pessoas, a maior partemarroquinos.

Madrid, 11 de Março 2004Às 8h49 da manhã, no auge dahora de ponta da manhã, trêsbombistas suicidas detonam osexplosivas em estações separadasdo metro britânico. Pouco depoisum quarto extremista faz-seexplodir num autocarro de doisandares perto do centro dacidade. Cinquenta e duas pessoasperdem a vida e outras 700 ficamferidas. Um vídeo distribuído maistarde pela organização terroristaal-Qaeda descreve os bombistascomo “soldados”, três dos quais

foram identificados como filhosde imigrantes paquistaneses. Oquarto era um jamaicanoconvertido ao Islão.

Londres, 7 de Julho 2005

Jorge Malheiros consideraainda que, no caso português,nota-se um receiomaior em re-lação ao outro. As vagas de re-fugiados suscitaram reacçõesxenófobas, sobretudo quantoaos muçulmanos e pessoas vin-das do Médio Oriente, reacçõesessas que ganharam força comos atentados recentes em Paris.O sociólogo Vila Verde Cabralrefere a este respeito quemuitasvezes isto faz com que “os emi-grantes mais antigos sejam osprimeiros a opor-se à vinda denovos”.

Por outro lado, Jorge Malhei-ros considera que as pessoas in-terrogam-se mais se “Portugalpode ser um alvo ou faz parte dotrajecto dos terroristas e se emLisboa pode acontecer alguma

coisa”. Da mesma forma, au-menta o debate “sobre a amea-ça terrorista e sobre os motivosque podem levar jovens portu-gueses a envolver-se em gruposterroristas”.

No entanto, Elísio Estanqueadmite que “a vida está a voltar ànormalidade nesta altura do Na-tal”. “Há um efeito destes con-textos de consumo que é muitoapelativo e as pessoas deixam-seinebriar, também pela necessi-dade de evasão que existe causa-da pela crise económica”, rema-ta. Por sua vez, Jorge Malheirosdiz queos atentados “nãomuda-ram os hábitos das pessoas den-tro do país, isto é, as pessoas nãodeixaram de sair à noite ou fre-quentar sítios públicos dentro doseu próprio país”.■

O sociólogo ElísioEstanque afirmaque um dos efeitosmais visíveisé o medo e viajar,havendojá agênciasde viagensque começama queixar-se.

Jorge Malheirosaponta o medo dooutro e osurgimento dereacçõesxenófobas,sobretudo contramuçulmanos.

Os ataques de Paris foramo segundo atentado maissangrento levado a cabopor jihadistas em solocomunitário. O lugar cimeirocontinua a pertencer aos ataquesde 2004 em Madrid, enquanto oterceiro lugar é ocupado pelosatentados de 2005 em Londres.

ID: 6238607622-12-2015

Acontecimento Internacional 2015 Ataques terroristas

Carla [email protected]

Entre o cepticismo e o pessi-mismo, não surpreende queseja difícil encontrar optimis-mo entre os analistas e vis-lumbrar uma solução dura-doura para a Síria nos temposmais próximos. Mas uma coisaparece certa: qualquer soluçãotem de passar pela Rússia e nãovale a pena “a UE e os EUAcontinuarem a exigir a saídade Assad do poder, porque aRússia não o vai deixar cair”,defende Paulo Gorjão, directordo Instituto Português de Re-lações Internacionais e Segu-rança (IPRIS).

“Os EUA e a UE têm cons-ciência de que a exigência deuma demissão prévia de Assad éum não ponto de partida”, frisao analista acrescentando queterão de acabar por “aceitar a

Há cerca de 12,2milhões depessoas na Síriaque precisam deajuda humanitária.

Osman Orsal / Reuters

possível ainda no mandato deBarackObama”.

“Realisticamente”, diz oautor de “A Síria em Peda-ços”, Bernardo Pires de Lima,“já todos perceberam que amudança de regime é um erro,quer na luta contra o EstadoIslâmico e a al-Qaeda quer novazio que criaria em plenasrondas negociais patrocinadaspela UE, EUA e Rússia”. Ouseja, todos estes países, in-cluindo o Irão, podem ter nar-rativas diferentes sobre Assad,mas no essencial aceitam a suapermanência.

“A grande questão estánuma fase posterior, caso seatinja um cessar-fogo com asoposições: UE e EUA negocia-rão uma transição de poderdentro do regime ou vergarão àperpetuação de Assad?”, per-gunta Pires de Lima, investiga-dor do Instituto Português de

Médio Oriente Analistas cépticos em relação ao futuro e uma certeza: Rússia não vai deixarcair Assad, por isso não vale a pena exigir a sua saída do poder. Tudo se jogará na transição.

Síria: o difícil puzzlesem solução à vista

XADREZ POLÍTICO

Resoluçãosó no pós-ObamaA UE e os EUA terão deacomodar os interessesda Rússia na Síria “tantoquanto possível”, porquea sua presença éincontornável no xadrezsírio. Mas “não sei se talserá possível ainda nomandato de BarackObama”, defende PauloGorjão, director doInstituto Português deRelações Internacionaise Segurança.

Relações Internacionais (Uni-versidade Nova) e do Center forTransatlantic Relations, daUniversidade Johns HopkinsemWashington.

“Há sinais de que a Rússiapode convergir no sentido deencontrar uma alternativa ne-gociada a Assad numa fase maisà frente”, frisa omesmoanalista.

Assumindo o pessimismo,Paulo Gorjão sublinha que nãovislumbra uma janela de opor-tunidade, nos temposmais pró-ximos. “É preciso encontraruma solução que permita con-ciliar os interesses dos diferen-tes ‘players’ e, nesta fase, esta-mos muito longe disso. Nessamedida, o futuro parece prome-termais domesmo, defende.

Também Pires de Lima nãoconsegue calendarizar “a con-tinuação do infortúnio daquelagente, nem a entrada numeventual período de alguma es-tabilidade”.

De qualquer forma, no es-sencial, resta a via diplomáticapara chegar a algum lado. PauloGorjão acredita que “mais tardeou mais cedo terá de ocorreruma cimeira diplomática quesente à mesa todos os ‘players’:Arábia Saudita, EUA, Irão, Tur-quia, UE, entre outros.

UE e EUA correm atrásdo prejuízo“Em boa verdade, ninguém écapaz de afirmar que a Síria,enquanto nação, exista daqui auns anos. Neste momento o quetemos são várias Sírias e é sobreeste puzzle que o nosso olhardeve incidir”, diz o autor de “ASíria emPedaços”.

Pires de Lima acredita que,de certa maneira, UE e EUAnão têm feito mais do que“correr atrás do prejuízo”,reagindo às acções de Mosco-vo, sem no entanto moldá-laspreventivamente. E isso era aprimeira coisa a fazer: perce-ber melhor a Rússia, anteciparos seus passos, defender os va-lores políticos e estratégicosocidentais. A Rússia “aprovei-tou as indecisões americanasna Síria para liderar militar-mente a defesa do regime emi-nar a expansão do Estado Islâ-mico”, sublinha o analista.

Putin conhece muito melhoro Ocidente do que europeus eamericanos conhecem a políti-ca russa, defende Pires deLima, acrescentando: “Preci-samos todos de voltar a pensara geopolítica de forma reiteradae estratégica. O excesso de bu-rocracia política e de debate fi-nanceiro adormeceram a Euro-pa na última década. Estamos apagar por isso e não será tão ce-do que recuperaremos”. ■

“UE e EUA terãode aceitar apermanência deAssad durante umprocesso detransição”, dizPaulo Gorjão,director do IPRIS.

sua permanência durante umprocesso de transição”.

Para o director do IPRIS,“EUA e UE terão de procuraracomodar os interesses da Rús-sia na Síria tanto quanto possí-vel, na medida em que a suapresença é incontornável noxadrez sírio. Não será fácil, na-turalmente, e não sei se tal será

22-12-2015

BERNARDO PIRES DE LIMA

Investigador do Instituto Portuguêsde Relações Internacionais e doCenter for Transatlantic Relations

TRÊS PERGUNTAS A...

”Há sinais de quea Rússia pode cedera uma alternativaa Assad”UE e EUA negociarão uma transi-ção de poder dentro do regime ouvergarão à perpetuação de Assad,pergunta o autor de “A Síria emPedaços”.

Como vê o futuro da Síria?Com cepticismo e uma ponta míni-ma de esperança. Em boa verda-de, ninguém é capaz de afirmarque a Síria, enquanto nação, exis-ta daqui a uns anos. Neste mo-mento o que temos são várias Sí-rias e é sobre este puzzle que onosso olhar deve incidir.Que atitude deveriam adoptara UE e os EUA face ao Governode Assad na busca de uma so-lução?Realisticamente, já todos percebe-ram que a mudança de regime éum erro, quer na luta contra o ISISe a Al-Qaeda quer no vazio quecriaria em plenas rondas negociaispatrocinadas pela UE, EUA e Rús-sia. A grande questão está numafase posterior, caso se atinja umcessar fogo com as oposições: UEe EUA negociarão uma transiçãode poder dentro do regime ou ver-garão à perpetuação de Assad? Hásinais de que a Rússia pode con-vergir no sentido de encontraruma alternativa negociada a Assadnuma fase mais à frente.E que atitude deveriam adop-tar UE e EUA face à Rússia?De certa maneira, UE e EUA nãotêm feito mais do que “correratrás do prejuízo”, reagindo àsacções de Moscovo, sem no en-tanto moldá-las preventivamente.Putin conhece muito melhor oOcidente do que europeus e ame-ricanos conhecem a política rus-sa. Precisamos todos de voltar apensar a geopolítica de forma rei-terada e estratégica. O excesso deburocracia política e de debate fi-nanceiro adormeceram a Europana última década. Estamos a pa-gar por isso e não será tão cedoque recuperaremos.

Al-Qaeda e Daesh: o que oódio uniu, o método separaHelena Cristina [email protected]

Asdiferenças começamnasori-gens dos próprios nomes. ‘al--Qaeda’, que significa ‘base’ ou‘alicerce’, é uma organizaçãoterrorista quepretendeeliminara influência ocidental nos paísesmuçulmanospara, no seu lugar,instalar uma sociedade assenteno fundamentalismo islâmico.‘Daesh’ é uma expressão árabeque se refere ao Estado Islâmicodo Iraque e do Levante e é tam-bém o nome mais utilizado nomundoárabe– isto emoposiçãoa ISIS (Islamic State of Irak andSyria), a sigla favorita de líderesamericanoseeuropeus.

As duas forças extremistas,nascidas em momentos distin-tos,partilhampontoscomuns: aforte oposição ideológica aomundo ocidental, as ligações aoislamismo, os discursos extre-mistas e o recurso à violência –convergências que as tornaramaliadas durante algum tempo.Ambas divergem, contudo, na

abordagem do que consideramser uma guerra santa (‘jihad’),nos métodos seguidos e na for-ma como capitalizam as suasacções terroristas.

Aocontráriodoauto-procla-madoEstado Islâmico, a alQae-da – com origens no Afeganis-tão, para reagir à invasão daUnião Soviética em 1979 –nun-ca teve como prioridade a for-mação de um califado. A orga-nização, lideradaporOsamabinLaden até ao seu desapareci-mentoem2011, semprese reve-loumais preocupada em apare-cer aos olhos do mundo comoumgrupooperacional altamen-te especializado, cujos ataquesem larga escala na Europa e nosEUA (como o 11 de Setembro)eram uma forma de atrair mili-tantes para uma causa maior:um movimento global de mu-çulmanos para travar o poderocidental.

Já o Estado Islâmico émovi-do, sobretudo, pela ambição decontrolar território, ac omeç a r

pelo Iraque e pela Síria e, de-pois, por outros países sob in-fluência islâmica, como a Líbia– um plano que o tornou numrisco crescente para a estabili-dadedoMédioOriente eparaosinteresses ocidentais nessa re-gião.Aviolênciaé tambémumaarma, mas distingue-se da al--Qaeda pelo nível de brutalida-de e tortura. O seu impacto tem

sido tal que reduziuas acçõesdaal-Qaeda a uma visibilidademínima nos últimos tempos –foi preciso o recente ataque aohotel Radisson, no Mali, para omundo se lembrar que a orga-nização resiste.

O‘Daesh’ tambémsetemre-velado mais eficaz na mobiliza-ção de milhares de militantespara a sua guerra santa, muitosdeles saídos da própria al-Qae-da. A estratégia: uso das redessociais e de uma sedutora má-quina de propaganda, o quetambém explica a atracção detantos jovensparaoEstado Islâ-micocontraumcerto enfraque-cimento da al-Qaeda.Os jorna-listas da Newsweek, DanielByman e Jennifer Williams, re-sumiram essa diferença numapergunta: “O que é que vos pa-rece que vai atrair a atenção deum jovem de 18 anos que sonhacom aventura e glória: o vídeode um grupo de durões entrechamaseexplosõesouumases-são de leitura do Corão com umvelhodebarbasbrancas?”■

Extremismos As duas forças partilham origens e alvos, mas divergem em pontos distintos,como as estratégias de ataque ou os próprios planos de criação de um califado islâmico.

Osama bin Ladenfoi o principalrosto da al-Qaedaaté ser abatido,em 2011. Os aten-tados de 11 de Se-tembro, nos EUA,foram o seu actoterrorista maisvisível.

O líder Abu Bakral-Baghdadi anun-ciou em 2014 acriação do EstadoIslâmico e autode-nominou-se califa.O plano era unir omundo árabe numsó Estado regula-do pela ‘sharia’.

O ‘Daesh’ tem revelado métodosmais brutais do que a al-Qaeda – e

também maior eficiência nacaptação de militantes.

Kai Pfaffenbach / Reuters

22-12-2015

Acontecimento Internacional 2015 Ataques terroristas

OrçamentoOPresidente russo, Vladimir Putin, diz ter provas do envolvi-mento deAncara no tráfico. Até agora, toda a gente assobiava para o lado.

Turquia está sempreno radar de quemsegue petróleo do EI

António Freitas de [email protected]

Avendadepetróleodoscamposerefinarias caídas nasmãos do au-toproclamado Estado Islâmico(EI) é a mais importante fonte definanciamento dos terroristas su-nitas – capaz de fazer entrar noterritório por eles ocupado entreum e três milhões de dólares pordia. Sendo isso claro para todos ospaíses,menos claro é quemsãoosdestinatários desse petróleo –dado que, apesar da grandeza detudo o que envolve o tráfico (ca-miões, filas de camiões, com-boios, refinarias de envio e de re-cepção)parecequeas tecnologiasocidentais não conseguemmoni-torizar nada. As pistas do ‘roadmap’ desse tráfico ‘morrem’semprenummurodenegações.

Mas, entretanto, há umas se-manas, as tropas turcas decidi-ram abater um avião russo queestaria a violar o espaço aéreo daTurquia – e de repente, as tecno-logias russas começaram a fun-cionar: o Presidente russo,Vladi-mirPutin, jádisseque tememseupoder provas inabaláveis de que aTurquia está envolvida no tráficodo petróleo do EI. E, como lhe écostume,Putinnãousameiaspa-lavras ou imagens para dizer oque quer dizer: para o Chefe deEstado russo, é o próprio Presi-dente turco quemestá envolvido,juntamente com alguns familia-res seus e outros actores dosmaisaltos níveis da política turca. “Oprincipal consumidordopetróleoroubado aos legítimos proprietá-rios na Síria e no Iraque é a Tur-quia”, lê-se numa nota oficial doMinistério russodaDefesa.

E o certo é que, a Turquia estásempre a surgir nos radares dequem tenta descobrir quem estáa ajudar ao financiamento do EI.Será de recordar que, no dia 2 deSetembro de 2014, a represen-tante da União Europeia (UE) noIraque, JanaHybášková, disse noParlamento Europeu que algunspaíses da UE estavam a comprarpetróleo aoEI através daTurquia.Outra vez a Turquia. Bruxelasnegou qualquer ligação directa

ou indirecta ao tráfico de petró-leo por parte dos 27 Estados--membro, mas avançou ter pro-vas de que esse comércio estarianas mãos de rotas clandestinascontroladas por turcos, iranianose curdos iraquianos.

Os Estados Unidos, por seulado, alegam que o petróleo se-gue, grossomodo, asmesmas ro-tas de tráfico que foram criadasquando omundo ocidental deci-diu, nos anos 80 do século passa-do, um embargo ao petróleo ira-niano (que passava pelo Iraque) eque, neste momento, o petróleodo EI segue para a Turquia, Jor-dânia eArábia Saudita–país ára-be também acusado de financiardirectamente os sunitas radicais(nomeadamente os do EI) contraos xiitas. Todos os envolvidosne-garamoseuenvolvimento.

Segundo a imprensa interna-cional, o ‘desconto’ praticadopelo EI pode chegar aos 60%: noinício do anopassado, a imprensainternacional adiantava que obarril depetróleo ‘made in’ EI es-tava a cotar nos 30 dólares –numa altura em que nos merca-dos tradicionais o seu preço ron-dava os 100 euros. A curva daoferta e da procura terá retiradomargemaoEI,masocertoéque–enquantoosmembrosdaOPEPsequeixamdosactuaispreçosanor-malmente baixos (ver texto aolado) – o seu produto continua achegar aos depósitos dos auto-móveis. A imprensa internacio-nal diz tambémqueopesodope-tróleo no orçamento do EI é daordemdos40%–aparentementesabe-se tudo sobre o tráfico,me-nos a rota dos enormes camiões…

Outros produtosPara além de petróleo, o EI inun-da os mercados internacionaiscom ópio, arte (que rouba doscampos arqueológicos que tam-bém controla e que vai destruin-do), fosfatos, gás natural, cimen-to, trigo e cevada (e tambémmu-lheres xiitas vendidas para as re-des de prostituição) – cujo agre-gado pesa um pouco mais que opetróleonoorçamentodoEI.

De fora estão ainda os raptos,

A ECONOMIA DO EI

Que orçamento?Os dados mais recentesapontam para que o EIpossa ter um orçamentoanual da ordem dos trêsmil milhões de dólares(2,8 mil milhões deeuros). A venda derecursos naturaisrepresentará 90%.

Que rotas?Quem compra o petróleodo EI? Ninguém sabe,ninguém admite. Turquia,Jordânia, Irão e ArábiaSaudita negam o seuenvolvimento no tráfico.Na União Europeia todosnegam também.

Que alternativas?Para além doscombustíveis fosseis, o EIvende arte, cimento, trigoe cevada, ópio e mulherespara as redes deprostituição. O roubo, osraptos e a extorsão fazemo resto do orçamento.

os roubos, as extorsões e os do-nativos.Onegóciodos raptosnãoé linear e, aparentemente, valecada vezmenos, dadoque o restodomundo evita aproximar-se doterritório controlado pelos radi-cais islâmicos.

Quanto aos roubos, eles tam-bém são limitados. De qualquermodo, segundo a imprensa in-ternacional, quando oEI tomou acidade deMossul, os radicais ‘le-vantaram’ das várias agênciasbancárias qualquer coisa como450milhõesdedólares.

As extorsões parecem ser de

dois níveis. Por um lado, aquelasque têm por alvo os próprios ha-bitantes do território, obrigadosa pagar uma renda aos ocupantese com isso assegurando a própriaexistência; por outro, as que têma ver com uma espécie de porta-gem sobre quem passa no terri-tório. Segundoasmesmas fontes,só as caravanas de veículos pe-trolíferos que têmde passar pelosterritórios do EI para atingirem oOcidente deixam nos seus cofresqualquer coisa como meio mi-lhãodedólares por ano.

Parece ser no capítulo dos do-

22-12-2015

Apesar da descida a pique dospreços do crude, Riade não dásinais de querer cortar a produção.

Rui [email protected]

No início do mês os membros daOrganização deProdutores e Ex-portadores de Petróleo tiveramuma reunião tensa em Viena. AArábia Saudita, representadapelo poderoso ministro do pe-tróleo, Ali al-Naimi, recusou aspretensões de outros membrosda OPEP de se acordar um cortede produção como forma de tra-var a queda a pique da cotaçãodopetróleo.

O valor da matéria-prima quejá foi considerada como o ‘ouronegro’ desce quase 40% para 36dólares este ano e desvalorizaquase 70% desde Junho de 2014.Opreço está emmínimosdemaisde dez anos. A reunião entre ospaíses da OPEP, que senta à mesarivais como a Arábia Saudita e oIrão, tinha a duração prevista dequatro horas. Durou mais de setee, segundo as informações dasagências noticiosas, decorreu deforma caótica. Países como a Ve-nezuela e o Irão, por exemplo, lu-taram para um corte coordenadoda produção. Mas os argumentosesbarraramemal-Naimi.

Nummercado em que a ofertade petróleo é elevada e após osEUA terem começado a retirar osfrutos do investimento empetró-leo de xisto, Riade engendrou umplano paramanter a sua quota demercado, que se iniciou em 2014.Como consegue produzir petró-leo a preços mais baixos que nosEUA e na Rússia, e mesmo comooutros países do Médio Oriente,Riade apostounumaestratégia dederrotar aconcorrência compre-ços muito baixos do petróleo ecom guerras de preços abaixo domercado junto de refinarias umpoucopor todoomundo.

Mas o que começou por servisto como uma guerra para de-fender a quota de mercado euma forma de pressionar paísesfora da OPEP, como a Rússia, aacordar a cortar produção emcoordenação com a Arábia Sau-dita (como aconteceu em 1986 e1998), é agora visto de formaaindamais complexa.

“Como resultado das guerrasna Síria e no Iémen, as tensõesgeopolíticas entre aArábia Saudi-ta, de um lado, e a Rússia e o Irão,do outro, aumentaram”, referi-

Como a Arábia Saudita está acontrolar os preços do ouro negro

Andrey Rudakov/Bloomberg

ram os analistas do Natixis numanotaa investidoresaqueoEconó-mico teve acesso. Acrescentamque “manter os preços do petró-leo baixos tornou-se um método(efectivo) de enfraquecer a Rússiae o Irão”. Apesar desta perspecti-va, os responsáveis sauditas têmnegado que a estratégia seguidatenhamotivaçõespolíticas.

No entanto, a entrada directade Moscovo no conflito sírio, emOutubro deste ano, alimentouaquele argumento. E torna maisdifícil umacordo entre aRússia ea Arábia Saudita para decidiremcortes coordenados de produ-ção. Em vez disso, a concorrên-cia aumenta, com os dois paísesa tentarem compensar o menorpreço do barril de petróleo comum maior volume de vendas e aoferecer descontos em merca-dos-chave.

Apesar dos pólos geopolíticosopostos da Arábia Saudita e deRiade, os dois países têmmanti-do conversações sobre a evolu-ção dos preços de petróleo e, nofinal de Novembro, estabelece-ram um grupo de trabalho paraaprofundar o diálogo.Mas a ten-são na Síria leva os observadoresa considerarem como remotauma possibilidade de entendi-mento. “A Arábia Saudita temsido uma das vozes mais críticasem relação à ofensiva russa e há

sinais de que o Reino está prepa-rado para aumentar o apoio fi-nanceiro e militar aos rebeldesanti-Assad como parte de umacampanha mais alargada paratravar a influência iraniana naregião”, observaram os analistasdoRBC CapitalMarkets.

A tensão com o Irão tornatambém mais difícil que al-Nai-mi e o homólogo iraniano, BijanNamdar Zanganeh, consigamconcordar numa solução pararesolver o problema do excessode petróleo no mercado, comofizeramno final dos anos 90.

Mas a estratégia de alto riscode Riade está a provocar danoscolaterais noutros países do Mé-dio Oriente que tentam travar ainfluência do Daesh. “Quatrodos cinco países frágeis da OPEP(Iraque, Líbia, Nigéria e Argélia)estão na linha da frente na guer-ra contra o Estado Islâmico e es-tes países dificilmente consegui-rão financiar os seus serviços desegurança num cenário de pe-tróleo a menos de 50 dólares”,refere oRBC.

Por outro lado, a estratégia deRiade exerce pressão financeirae económica sobre a própriaArábia Saudita e tem havido in-formações de que são cada vezmais os responsáveis do Reino amostrar discordância com a tác-tica adoptada.■

PETRÓLEO EM QUEDA

20

70

120

21 Dez 201519 Jun 2014

Evolução do preço do ‘brent’ desdeJunho de 2014 (valores em euros).

PRODUÇÃO DE PETRÓLEO

Valor a partir do qual se tornarentável produzir petróleo.

Médio Oriente 27

Rússia 50

Águas profundas 41

Águas ultraprofundas 65

Areias betuminosas 80

Xisto norte-americano 60

Ártico 75Fonte: Natixis, citando dados da Rystad Energy,

e da Morgan Stanley Commodity Research Estimates

Valores em Dólares

Infografia: Susana lopes | [email protected]

nativos que o EI temmaiores difi-culdades. Segundo os analistas,nãohá– fora talvez o casodaArá-biaSaudita–muitospaíses islâmi-cos interessadosemacudiraosus-tento do EI. O comparativo com aal-Qaeda dá algumas pistas sobrea matéria: enquanto que o grupode Bin Laden era fortemente fi-nanciadode formadirectaporvá-rios regimes estabelecidos e pordiversos ‘bem-feitores’ particula-res, o EI não consegue grandesproventos nessa área – com esteitem do orçamento a não valermaisde2%dototal. (verpág.27)■

Riade apostou numa estratégia dederrotar a concorrência com preços

muito baixos do petróleo e comguerras de preços abaixo do

mercado junto de refinarias umpouco por todo o mundo.

Fonte: Bloomberg

22-12-2015

Acontecimento Internacional 2015 Ataques terroristas

Helena Cristina [email protected]

Quatro famílias sírias e duasiraquianas, 30 pessoas no total,foram as primeiras recolocadasnoutro país europeu, no Lu-xemburgo, no âmbito do pro-grama comunitário para realo-jar cerca de 160 mil pessoas quechegaram à Europa para fugir daguerra. O acontecimentomere-ceu pompa e circunstância: nãofaltaram o primeiro-ministrogrego, Alexis Tsipras, o presi-dente do Parlamento Europeu,Martin Shulz, comissários e mi-nistros da União Europeia e atéfoi transmitida em directo natelevisão grega.

Mas nem todo o acolhimentode refugiados é feito assim, apósidentificação nos campos e via-gem de forma segura e contro-lada. Muitos tentaram a sorte apé atravessando as várias (emuitas) fronteiras da Europa.

A Alemanha foi um dos pri-meiros países a desbloquear oimpasse europeu quando, emAgosto deste ano, a chancelerAngela Merkel anunciou aabertura de fronteiras para aco-lher os milhares de refugiados,em especial sírios, que fugiam

número de entradas de refugia-dos na Alemanha. “Pretende-mos - e vamos conseguir - re-duzir a entrada de refugiados”,declarou em Karlsruhe, duranteo congresso da CDU.

Números oficiais de Berlimgarantem que mais de um mi-lhão de refugiados já terá passa-do as fronteiras alemãs este ano,a maioria proveniente da Síria,mas também do Iraque, Afega-nistão e outros países do MédioOriente. A média de entradasnas últimas semanas, segundodados divulgados pela‘Deutsche Welle’, tem sido dedez mil pessoas por dia. E umasondagem publicada no últimodomingo pelo ‘Bild Sonntag’revela que 62% dos inquiridosquerem um limite máximo paraa entrada de refugiados. “É umgrande teste que a Europa temde passar”, reconheceu Merkel.

Recorde de refugiadosApesar destas manifestações deapoio, a crise de refugiadoscontinua a dividir os 28 Esta-dos-membro. E, embora sejauma realidade há muito tempo,são várias as vozes europeias areconhecer que “o fenómenosurpreendeu a União Europeia

Migrações Este ano já entraram mais de 1,5 milhões de ilegais na Europa – cerca de 80% terãocondições para pedir estatuto de refugiado. Mas na Europa ainda falta uma reacção articulada.

Europa dividida e (ainda)com demasiadas fronteiras

ALAN KURDI, O MENINO SÍRIO

AlanKurdi.Omeninosíriode trêsanosconseguiues-caparàsatrocidadesdoEs-tado IslâmiconoseupaísNatal,masnãoescapouaodestino.Talcomonãoesca-paramosmaisde3.200re-fugiadosquemorreramnaságuasdoMediterrâneonatentativadechegaraportoseguro.Opequenocorpoinerte,demasiadoparecidocomqualquerbebéeuro-peu,chocouomundoe fezsoarcampainhasnascons-ciênciasadormecidaspe-ranteo flagelodemaisdequatromilhõesderefugia-dosqueprocuramasilonaEuropa,umdireito inalie-náveldoscidadãosde todoomundo.Opaidomenino,Abdullah, fugiracomamu-lher,Rehan,eoutro filho,Galip,decincoanos,paratentarchegaraoCanadá,ondevivemparentesda fa-mília. Issodepoisdasauto-ridadescanadianas lhes te-remnegadoumpedidodeasilo.Sóopai sobreviveu.

PortugalO compromisso é receber 4.574pessoas em dois anos. Mas hádisponibilidade para mais.

Mónica [email protected]

São 4.088.078 os refugiados quefogemda guerra. Cerca demeta-de são crianças. Portugal rece-beu na quinta-feira os primeiros24. Umespelho perfeito de comoo problema tem sido resolvido aconta gotas em toda a Europa.

Desde Setembro que o país sedisponibilizou a receber 4.574pessoas em dois anos. Mas foipreciso operacionalizar a re-cepção dos dois primeiros gru-pos provenientes da Grécia e daItália em cinco dias. A sua ori-gem é díspar: Síria, Iraque, Eri-treia e Sudão. Agora estão dis-tribuídos de Norte a Sul do país:Penafiel, Alcobaça, MarinhaGrande, Torres Vedras, Cacém,Lisboa e Setúbal.

“Se houvesse decisão políticatenho a certeza de que haveriacapacidade para fazer melhor”,

pela dimensão e gravidade. Nãoestão sozinhos nessa avaliação.“A Europa não estava preparadapara esta tragédia, não tinhamecanismos de resposta e nãoestava preparada para isto”, de-fendeu o antigo ministro dosNegócios Estrangeiros, AntónioMartins da Cruz, num programado Etv. Uma opinião partilhadapor António Beça Pereira, di-rector nacional do Serviço deEstrangeiros e Fronteiras: “OsEstados não têm actuado demodo uniforme e esse é o maiorproblema. Esta divergência estáa dificultar a resposta.”

A incapacidade tem resulta-do numa excessiva lentidão dosprocessos de acolhimento. Umdos alertas deixados no últimoConselho Europeu de 2015 ape-lava precisamente a um melhorfuncionamento dos chamados‘hotspots’, pontos de recepçãoe registo de refugiados, e a umamaior partilha de informaçãoentre os serviços de fronteirasde cada país. Entre as propostasque estão agora sobre a mesa,foi recuperado um projecto an-tigo: a criação de um sistema deguardas costeiras. O novo me-canismo, a partir da Frontex(agência de gestão das frontei-ras da UE), deverá articular asmarinhas e os instrumentos decada Estado-membro.

Mas ainda falta consenso euma resposta articulada paragerir a chegada diária de refu-giados à Europa. As estatísticasmedem o impacto dessas ima-gens. Este ano, prevêem os es-pecialistas do Alto Comissaria-do da Nações Unidas para osRefugiados (ACNUR), o númerode deslocados e refugiados nomundo inteiro deve superar os60 milhões, um novo recordedepois dos 59,5 milhões de pes-soas em 2014.

No caso da Europa, adiantamos mesmos peritos da ACNUR,entre Janeiro e Novembro desteano, terão chegado ilegalmenteà UE 1,5milhões de pessoas, dasquais perto de 80% têm condi-ções para pedir asilo e receber oestatuto de refugiados. Mais demetade chegaram à Grécia (742mil) e Itália (159 mil). Oficial-mente, 3671 morreram no Me-diterrâneo. ■ com M.S.

Infografia: Mário Malhão | [email protected]

PALAVRA-CHAVE

RefugiadoDiz a Convenção de Genebra de1951 que um refugiado é umapessoa que, “receando com razãoser perseguida em virtude da suaraça, religião, nacionalidade,filiação em certo grupo social oudas suas opiniões políticas, seencontre fora do país de que tema nacionalidade e não possa ou,em virtude daquele receio, nãoqueira pedir a protecção daquelepaís; ou que, se não tivernacionalidade e estiver fora dopaís no qual tinha a sua residênciahabitual, após aquelesacontecimentos não possa ou, emvirtude do dito receio, a ele nãoqueira voltar.”

da guerra. Uma decisão que lhevaleu uma forte oposição inter-na, mas que justificou por um“imperativo humanitário” - eque contribuiu até para que fos-se eleita pela revista “Time”como a figura do ano. Na últimasemana, contudo, a líder ger-mânica já prometeu reduzir o

22-12-2015Dogan News Agency / EPSA / Lusa

QUE CHOCOU O MUNDO

ainda só recebeu 24 refugiadosdefendeu Rui Marques, respon-sável pela Plataforma de Apoioaos Refugiados, num programarecente do Etv, dedicado aosmigrantes.

O primeiro-ministro, Antó-nio Costa, sexta feira, na confe-rência final da última cimeira de2015 de Chefes de Estado e doGoverno da UE, em Bruxelas,anunciou que Portugal se dis-ponibilizou para receber mais evai contribuir com 24 milhõesde euros para o pacote de trêsmil milhões de euros que a UEatribuirá para que a Turquia re-force o controlo das suas fron-teiras emelhore as condições deacolhimento de refugiados noseu território.

“Não há, neste momento,definido, por parte da UE, nemum calendário, nem um núme-ro de refugiados”, precisou An-tónio Costa, referindo o acordoentre a Europa e a Turquia deavaliar qual o número de refu-giados em condições de chegarao espaço comunitário e quaisosmoldes da repartição.

“A prioridade do Governo noque diz respeito ao Programa deRecolocação de Refugiados daUnião Europeia é garantir que osvários parceiros neste processo,que é complexo, assegurem oacolhimento e acompanhamen-to destes cidadãos à uma novarealidade, que representa paratodos eles uma etapa nova numpaís desconhecido”, disse aoEconómico a secretária de Esta-do para a Cidadania e Igualdade,Catarina Marcelino. “Portugaltem uma tradição de inclusão ede solidariedade em relação aosimigrantes que, estamos convic-tos, será também uma evidêncianeste processo”, acrescentou.

Mas à cautela a Câmara deLisboa, por exemplo, vai lançaramanhã uma campanha digitalcom fotografias de momentosem que o país acolheu refugia-dos, para combater a desinfor-mação e sensibilizar os muníci-pes para a necessidade de ajudaros outros. O vereador dos Direi-tos Sociais, João Afonso, revelouque o primeiro cartaz dirá

FRANCISCO SEIXAS DA COSTA

Embaixador e ex-secretário de Estadodos Assuntos Europeus

TRÊS PERGUNTAS A...

“Frente Nacionalnão perdeu aseleições em França”Com larga experiênciainternacional, o embaixadorconsidera que é no fracasso daestratégia multicultural -nomeadamente em França - queradica a capacidade de o EstadoIslâmico ‘gerar’ soldados nointerior da Europa.

Como vê a crise dosrefugiados?A crise dos refugiados é o factormais importante do ano. E elaprópria resulta de doisfenómenos de sinais contráriosocorridos no mundo árabe. Porum lado, as primaveras árabes,que pareciam uma explosão dedemocracia. E depois, por outrolado, a chocar com a primeira,aparecem os movimentosfanáticos – que resultam de umvazio do poder. Com o terrorismoa tornar-nos reféns do medo,corremos o risco de criar umacoisa que não é a Europa‘normal’. Schengen é um tratadopara uma Europa normal – e opróprio tratado acaba por servítima do seu próprio sucesso.Mas é preciso dizer que ossoldados desta guerra já estão cádentro: nenhuma fronteira seriacapaz de deter os homens quefizeram os atentados de Paris.

Entretanto, na Europa,a extrema-direita cresce.O exemplo de Françavai repetir-se?Só estamos preparados paraaceitar aquilo que aceitámossempre. É preciso dizer que aFrente Nacional não perdeu aseleições, simplesmente não foieleita em lado nenhum. Mas juntoà sua volta muitos milhões devotos.

Marine le Pen será Presidenteda pátria da República em2017?Na minha opinião, não há amenor hipótese de Marine le Penser eleita Presidente em 2017 emFrança. A.F.S.

“bem-vindos” e será divulgadonos painéis do tipo ‘mupi’, dis-positivos electrónicos ‘tomi’,nas redes sociais e nos ecrãs gi-gantes distribuídos pela cidade.

O primeiro contingente derefugiados deveria ter cerca de100 pessoas, sobretudo, eritreussírios e iraquianos, disse o alto--comissário das migrações, Pe-dro Calado. E no terreno estátudo a postos para receber ime-diatamente três mil pessoas,mas a ideia de começar com umgrupo mais pequeno é tambémtestar a resposta no terreno. Omapeamento da resposta noterreno está concluído desde fi-nais de Novembro, com um le-vantamento nacional das enti-dades públicas e civis do quepodem ser protocolos de aco-lhimentos dos refugiados. Hámais de 60 câmaras em todo opaís dispostas a colaborar.

Contudo,“nãohá,demomen-to, indicações da União Europeiasobre datas previstas para a che-gada de outros grupos de refugia-dos”, disse Catarina Marcelino. ■

“Não há, demomento, indica-ções da UE sobredatas previstaspara a chegadade outros gruposde refugiados”,dissea secretáriade Estado CatarinaMarcelino.

O primeirocontingente derefugiados deveriater cerca de 100pessoas, disse oalto-comissáriodas migrações,Pedro Calado.

“Se houvessedecisão políticatenho a certeza deque haveriacapacidade parafazer melhor”,defendeu RuiMarques,responsável pelaPAR.

22-12-2015

ACONTECIMENTOINTERNACIONAL

2015

QUANDO A EUROPA JÁ NÃOÉ UM PORTO SEGURO PARAESCAPAR AO TERRORISMO

➥ P 20 A 31

EPA/Dogan News AGency