ingold, tim. humanidade e animalidade (paper)

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INGOLD, Tim. 1995 [1994]. Humanidade e animalidade. Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, s/v, n. 28. jun., 1995.(:1-15) Salomão Alves Pereira 3º período, Ciências Sociais – IFG/Anápolis INTRODUÇÃO Como construir uma ciência da humanidade? Ou: como construir a antropologia enquanto ciência da humanidade, já que é este o tema central nesta ciência? Tim Ingold propõe-se a caracterizar tal empreendimento em Humanidade e animalidade. Como o próprio afirma, algumas pessoas contestariam isso, apoiados em duas posições distintas, quais sejam, a) é desnecessária uma ciência da humanidade, pois o Homo sapiens é uma espécie dentre milhares: por que existir uma ciência exclusiva a esta espécie se ela está em pé de igualdade com todas outras, ao passo que a estas cabe à biologia explicá-las em certa medida indistintamente?; b) é obviamente possível a existência da antropologia enquanto ciência autônoma, justamente porque o ser humano transcende a condição animal, adquirindo uma diferença qualitativa radical com o restante dos animais, o que faz com que a biologia não o consiga explicar totalmente. Em suma, Ingold apresenta essas duas posições acerca da relação humanidade e animalidade para opor sua proposta de 3ª via a

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Paper caracterizando o texto "Humanidade e Animalidade", de Tim Ingold.

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INGOLD, Tim. 1995 [1994]. Humanidade e animalidade. Revista Brasileira de Cincias Sociais. So Paulo, s/v, n. 28. jun., 1995.(:1-15)

Salomo Alves Pereira3 perodo, Cincias Sociais IFG/Anpolis

INTRODUO

Como construir uma cincia da humanidade? Ou: como construir a antropologia enquanto cincia da humanidade, j que este o tema central nesta cincia? Tim Ingold prope-se a caracterizar tal empreendimento em Humanidade e animalidade. Como o prprio afirma, algumas pessoas contestariam isso, apoiados em duas posies distintas, quais sejam, a) desnecessria uma cincia da humanidade, pois o Homo sapiens uma espcie dentre milhares: por que existir uma cincia exclusiva a esta espcie se ela est em p de igualdade com todas outras, ao passo que a estas cabe biologia explic-las em certa medida indistintamente?; b) obviamente possvel a existncia da antropologia enquanto cincia autnoma, justamente porque o ser humano transcende a condio animal, adquirindo uma diferena qualitativa radical com o restante dos animais, o que faz com que a biologia no o consiga explicar totalmente.Em suma, Ingold apresenta essas duas posies acerca da relao humanidade e animalidade para opor sua proposta de 3 via a elas. Em suma, a primeira posio esto apoiadas em pressupostos diferentes quanto relao humanidade e animalidade: a primeira, ao pressuposto de que o elemento central na compreenso do ser humano sua continuidade com os outros animais, ou seja, animalidade e humanidade no esto dissociadas; a segunda, descontinuidade radical e qualitativa entre o ser humano e os outros animais, ou seja, Humanidade com H maisculo e animalidade esto radicalmente dissociados. Cabe-nos perguntar: qual, portanto, o significado dos dois termos nas duas posies? Qual a importncia em se abordar isso no texto de Ingold? Porque as duas posies so abordadas na introduo do texto?Como afirmado anteriormente, parto da ideia de que Ingold introduz as duas posies para apontar suas incongruncias com a realidade, e propor uma via de superao. Quanto s definies de humanidade e animalidade nas duas posies, compreendo que elas so elementos centrais, operadores cosmolgicos das posies acerca da experincia humana da relao humanos x outros animais. Ingold apresenta, em trs partes, respectivamente: na primeira, a primeira posio e sua compreenso dos termos animalidade e humanidade, e sua devida problematizao; o mesmo para a segunda posio; na ltima parte do texto, mostra como os limites estabelecidos entre as duas posies deveriam ser rompidos para que se reformule a antropologia como uma cincia da humanidade.

UMA QUESTO DE TER OU NO TER CAUDAIngold apresenta um relato, feito em 1647, sobre animais com cauda que apresentavam comportamentos semelhantes aos considerados humanos (comrcio, construo de barcos para navegao etc.). Mesmo possuindo cauda, compreensvel, e um contemporneo de Lineu, James Burnett, compreendeu tal dinmica, a ideia de que sejam humanos tais animais descritos em tal relato. Burnett, tambm conhecido como Monboddo, no descr na possibilidade de tais indivduos serem humanos, mesmo com a diferena fsica (as caudas). Aqui Ingold ressalta que tal posio coerente, embora se perca no meio do caminho. Monboddo vai afirmar, por exemplo, que se existem diferenas na estatura, cor etc., por que no seria possvel a existncia de humanos com cauda?. Assim, no existiria uma essncia humana em relao forma fsica, colorao da pele, estatura etc. Se a diferena na estatura e colorao da pele no consiste em uma evidncia emprica suficiente para se excluir este ou aquele indivduo da humanidade, por que a existncia de uma cauda o seria, uma vez que uma manifestao fsica anloga variao de estatura e cor?No entanto, biologicamente uma espcie no se adequa mecanicamente a tipos naturais. Cada organismo vivo (i.. cada indivduo de uma espcie) possui ADN (DNA), apresentando consequentemente um campo de variao biolgica. Ingold comea assim sua problematizao sobre o foco que dado nesta posio ideia de uma espcie humana. Em linhas gerais, h esse grau de variabilidade gentica nos seres humanos, assim como em outros animais. Todo organismo vivo possui ADN varivel de indivduo para indivduo. Como, portanto, deve ser aplicada a taxionomia biolgica, uma vez que mesmo indivduos uma vez agrupados em uma mesma classe so diferentes geneticamente? No texto de Ingold, tais princpios de taxionomia distinguem espcies com base em aspectos genealgicos, ou seja, de descendncia, entendida aqui como uma mesma base que sustenta as variaes genticas individuais. Ingold define, assim, sua compreenso de espcie. justamente este o ponto que Monboddo no compreende ao afirmar a possibilidade de um animal com cauda ser um humano embora Ingold considere sua atitude plausvel de considerao, uma vez que no presa a um dos postulados apriorsticos subjacentes ciso entre natureza e cultura, a ser caracterizado posteriormente. O erro de Monboddo seria o de associar a humanidade a uma espcie animal especfica, a saber, o homo sapiens. No entanto, Ingold demonstra, recorrendo biologia, de que forma a existncia de uma cauda invalidaria a hiptese de que tais indivduos pertenceriam espcie humana. Variaes de cor e estatura mobilizariam menos elementos genticos estruturais que a manuteno de uma cauda. Portanto, embora Monboddo tenha acertado ao considerar a humanidade em indivduos com caractersticas fenotpicas diferentes daqueles que o so familiares, errou ao buscar identificar uma unidade de espcie entre tais indivduos, incorrendo no mesmo erro por caminho diferente. Aqui subjacente a ideia de que a humanidade uma caracterstica especfica da animalidade, como uma pequena propriedade em um bairro.

SER HUMANO E CONDIO HUMANA DO SERSe por um lado a posio apresentada anteriormente compreende que humanidade e animalidade no esto separadas, a da filosofia no sculo dezoito e posteriormente insiste em dissociar os seres humanos das demais espcies. , por exemplo, a posio associada ideia de uma existncia humana transcendental que assumiria justamente o carter de essncia humana , a saber, a possibilidade de existncia da cultura, da conscincia, do simblico. Implcito fica, portanto, a ideia de que a humanidade algo radical e qualitativamente distinto da animalidade como uma esfera de existncia independente do ser material. A partir de tal posio, surgiria a diviso conhecida entre cincias humanas e naturais umas ficando com o campo transcendental da realidade, a saber, a humanidade; outras ficando com a realidade mesma independente da humanidade, a animalidade no caso dos organismos vivos. Ao dividir o ser humano em dois (humanidade e animalidade), essa segunda posio afirma que a essncia humana estaria localizada propriamente na humanidade.Caracterizadas as duas posies identificadas, no caso da primeira, com as cincias naturais e, no caso da segunda, com as cincias humanas , Ingold afirma estar em posio de abordar um paradoxo prprio do pensamento ocidental (cincia). Os humanos so animais, mas ser humano ser o oposto de um animal. Como solucionar tal paradoxo ocidental? Ingold afirma que em tal concepo est subjacente a ideia de que a espcie humana (taxionmica) a nica que consegue atingir a condio de pessoa. Ao aceitar tal noo, o pensamento fica estagnado. Fica impedido de investigar biologicamente os processos de funcionamento prprios da pretensa humanidade, esfera de existncia humana supostamente autnoma, como a linguagem humana, o pensamento, a razo, o simblico, a cultura etc., por um lado e, por outro, atravs das cincias humanas, buscar elementos de uma manifestao da condio de pessoa nas outras espcies animais.H aqui uma autonomia para a espcie (natureza) e pessoa (cultura). Tal autonomia manifesta-se no exemplo do animal que, podendo ser uma pessoa, no seria um humano (espcie). Essa distino no aquela clssica entre natureza e cultura, prpria do operador cosmolgico do ocidente. antes uma distino de campos de autonomia: a espcie no determina necessariamente a possibilidade de se ser pessoa. Tal condio colocada como possivelmente um resultado evolutivo, o que demonstraria um campo de penetrao das cincias naturais na investigao, at ento presa entre as paredes das faculdades de cincias humanas.Assim, existiria uma relao direta entre natureza e cultura, embora no se possa afirmar, como dito anteriormente, que a espcie (natureza) determina a pessoa (cultura). Isso evidente quando Ingold afirma que restringir a condio pessoa ao ser humano negar de antemo caminhos evolutivos que no temos tanto conhecimento quanto gostaramos. dessa forma que Monboddo estava errado percorrendo caminhos certos. Ao incluir os animais com caudas na humanidade, Monboddo percorre um caminho certo pois entendeu que a humanidade (a condio de pessoa) no restrita ao homo sapiens. Errou, mesmo demonstrando em certa medida o entendimento que ser pessoa no necessariamente possuir as caractersticas fenotpicas dos seres humanos, ao tentar incluir os animais com caudas e os orangotangos na espcie homo sapiens, incorrendo, por caminhos diferentes, no erro de compreender o ser pessoa como prprio a uma estrutura gentica especfica, qual seja, a do homo sapiens. Monboddo acerta ao considerar a humanidade nos animais; erra ao identificar tais animais com a espcie homo sapiens para validar sua suposio de humanidade neles.Se por um lado o ocidente cr na separao entre natureza e cultura, por outro insiste que natureza e cultura esto eminentemente conectadas, como no caso da restrio da humanidade a uma animalidade especfica (homo sapiens). O paradoxo o ser humano um animal, mas s humano por no o ser prprio do ocidente. este o operador cosmolgico da ciso entre cincias naturais e humanas. No caso de outras sociedades e outros operadores cosmolgicos, como a Ojibwa, no existe necessariamente uma restrio quanto ao ser pessoa, como o caso do ocidente. justamente a que se localiza a ideia de singularidade humana ou melhor, a possibilidade de sua existncia que possibilita a existncia da humanidade enquanto tema central da antropologia, para Ingold. A cincia deve retirar obstculos na sua compreenso da realidade. Aqui, os obstculos so os postulados apriorsticos sobre a relao humanidade e animalidade que so entraves para as pesquisas nesta temtica. Em linhas gerais, tais postulados so: a) separao qualitativa entre natureza e cultura, espcie e pessoa, animalidade e humanidade; b) a restrio da condio de humanidade, pessoa, cultura, a uma determinada espcie animal da natureza (homo sapiens). esta a ideia de terceira via de Ingold: o desvio do etnocentrismo na primeira posio (escala evolutiva na compreenso do ser humano), e superao do antropocentrismo inerente segunda posio (o ser humano nico e central na natureza); isso aplicado compreenso cientfica (antropolgica) da animalidade/humanidade.