legendary: a expressão do mito no seriado how i met your mother
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Monografia de conclusão de curso em Comunicação Social - Publicidade e Propaganda. Aborda de que forma a função mitológica está presente no seriado How I Met Your Mother e de que forma ele é apreendido através de uma abordagem semiótica.TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS - UNISINOS UNIDADE ACADÊMICA DE GRADUAÇÃO
CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL – PUBLICIDADE E PROPAGANDA
GLAUCO FERNANDO CAVALHEIRO
LEGENDARY: A expressão do mito no seriado How I Met Your Mother
SÃO LEOPOLDO
2015
Glauco Fernando Cavalheiro
LEGENDARY: A expressão do mito no seriado How I Met Your Mother
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Publicidade e Propaganda, pelo Curso de Comunicação Social da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS
.
Orientador(a): Prof(a). Dr(a) Ione Bentz
São Leopoldo
2015
Aos meus pais que, mesmo diante da escassez de recursos, nunca mediram
esforços para mudar o curso de uma vida que iniciou desprovida de sorte.
AGRADECIMENTOS
A minha gratidão a algumas pessoas que participaram do meu
desenvolvimento até aqui não cabe em palavras, mas não posso deixar de citá-
las neste momento.
Primeiramente, eu dedico este trabalho aos meus pais, pela imensurável
grandeza de espírito. Vocês me ensinaram que só o trabalho e a vontade são
necessários para mudar uma vida e alcançar objetivos que podem parecer
impossíveis. Meu amor, orgulho e admiração por vocês mal cabe em mim,
embora, muitas vezes, eu tenha dificuldade em expressar. A missão que se
iniciou há mais de vinte anos está cumprida e, a partir de agora, aproveitaremos
juntos os frutos dela.
Aos compatriotas da República do Chai: Lemos, William, Mateus, Fávero,
Jacometo e o agregado, Tiago. Vocês me ensinaram do que realmente é feita
uma amizade verdadeira e me mostraram o que é o amor de irmão. Dividir a
casa e a vida com vocês me dá força para os dias difíceis e é um catalisador da
alegria naqueles felizes. Que nossas chaleiras estejam sempre cheias desse
companheirismo e nunca falte amor em nossas canecas. Chai!
Aos grandes mentores intelectuais da minha vida, especialmente à minha
orientadora neste trabalho, professora Dra. Ione Bentz. A senhora me ensinou o
que realmente significa ser mestre. Me guiou magnificamente por um caminho
que eu desconhecia, me mostrando com honestidade e leveza toda a beleza e
as dificuldades da aventura na pesquisa. Obrigado por ter aceitado ser minha
guia nessa jornada e por ter conduzido nosso trabalho com doçura e firmeza na
medida certa.
Aos demais amigos que são muito numerosos para essas poucas
páginas. A sorte que eu tenho em tê-los na minha vida é surreal. Que o curso, às
vezes duro, da vida adulta não separe e nem mude que nasceu na leveza da
adolescência.
Finalmente, aos demais familiares que, de alguma forma estiveram
presente nesse caminho, com menção especial ao meu tio, Elizandro da Costa,
por ter sido a primeira pessoa a despertar em mim a curiosidade pelas coisas do
mundo e ter mostrado a possibilidade de descobri-las nos livros. O bem que tu
me deste, tiozinho, não tem valor calculável nem jamais poderá ser retribuído a
altura.
Haja ou não deuses,
deles somos servos.
(PESSOA, 1986)
RESUMO
Em meio à escassez de subjetividade numa sociedade que se desenvolveu
no pensamento positivista, percebe-se a falta da função orientadora da narrativa
mitológica, presente nas sociedades primitivas. Considerando este fenômeno como
um fator intrínseco ao ser humano, buscamos sua atualização nas possibilidades
narrativas de nossos tempos. Encontramos no seriado de televisão How I Met Your
Mother um objeto de pesquisa passível de nos auxiliar a entender este tema.
Iniciamos, então, compreendendo como o mito nasce na psique humana e qual o
seu papel na sociedade. A seguir, olhamos as características da linguagem, a fim de
entender como a narrativa mitológica pode se estruturar como sistema de
comunicação. Em seguida, o autor realiza uma série de entrevistas em profundidade
e as analisa à luz da teoria levantada diante da experiência inicial do problema.
Desta análise resulta na identificação de duas categorias pertinentes para este
trabalho na narrativa do seriado e conclui que a série de TV How I Met Your Mother
pode configurar uma narrativa mitológica e tem resultado prático na vida dos
telespectadores no que diz respeito à reflexões e ações.
Palavras-chave: Mitologia. Seriado. How I Met Your Mother. Semiótica.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Processo gerativo de significação ........................................................... 29
Tabela 2 – Conceitos de operação empregados no presente trabalho ..................... 52
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Estrutura da linguagem mitológica ........................................................... 26
Figura 2 – Cena 1, sequência 1 – Marshall sofre após o término do relacionamento
................................................................................................................................... 36
Figura 3 – Cena 1, sequência 2 – Barney dá sua sugestão sobre qual deve ser a
atitude de Ted nesse momento ................................................................................. 37
Figura 4 – Cena 2, sequência 1 – Os amigos se surpreendem ao ver a mulher, de
quem Ted falava, na TV ............................................................................................ 38
Figura 5 – Cena 2, sequência 2 – Ted resolve agir de uma forma diferente do seu
natural e quer começar naquele momento. ............................................................... 38
Figura 6 – Cena 3, sequência 1 – Lilly discursa sobre os caminhos da vida com Ted,
que está em crise. ..................................................................................................... 39
Figura 7 – Cena 3, sequência 2 – – Marshall interpreta de forma concreta a metáfora
proposta por Lilly. ...................................................................................................... 40
Figura 8 – Cena 3, sequência 3 – Um a um, os amigos dão “o salto”. ..................... 41
Figura 9 – Cena 3, sequência 3 – Ted faz uma recapitulação menta de seu ano
antes de “dar o salto” e explica por que aquele ano foi o melhor de sua vida. ......... 41
Figura 10 – Estrutura barthesiana aplicada à construção de personagem no seriado
HIMYM. ...................................................................................................................... 51
Figura 11 – Expressão e experiência do mito no seriado de televisão ..................... 66
LISTA DE SIGLAS
HIMYM How I Met Your Mother
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 11 2 FUNDAMENTAÇÃO .............................................................................................. 14 2.1 Os Caminhos do Mito e a Psique Humana ...................................................... 14 2.1 A Atualização Contemporânea do Mito ........................................................... 20 2.3 A Forma de Expressão do Mito ........................................................................ 23 2.4 As Curvas do Percurso Significação ............................................................... 27 2.5 A Materialização do Mito no Seriado ............................................................... 31 3 METODOLOGIA .................................................................................................... 33 3.1 Pesquisa Bibliográfica ...................................................................................... 33 3.2 Pesquisa Documental ....................................................................................... 34 3.2.1 Dados do seriado: coleta e recorte ................................................................... 34 3.3 Entrevista em Profundidade ............................................................................. 42 3.3.1 Seleção de Amostragem .................................................................................. 46 3.3.2 Coleta de Dados com os Entrevistados ........................................................... 47 4 ANÁLISE ................................................................................................................ 49 4.1 O Mito em HIMYM .............................................................................................. 50 4.2 A percepção do mito pelos telespectadores .................................................. 52 4.3 O Discurso de Superação no Seriado ............................................................. 54 4.3.1 Resiliência ........................................................................................................ 57 4.3.2 Coragem ........................................................................................................... 61 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 65 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 68 ANEXO A – TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS ................................................. 69 ANEXO B – ROTEIRO DE ENTREVISTAS ............................................................ 112
11
1 INTRODUÇÃO
Histórias dão tempero à vida. Não é à toa que elas são elemento indissociável
da comunicação, dos folclores e das relações humanas. Elas vêm em incontáveis
formatos: contos, crônicas, músicas, propagandas, livros, e, desde o começo do
século XX, o audiovisual chegou para ser mais um meio de propagação narrativa.
Assistir um filme ou um seriado que, por algum motivo, converse com nosso estado
de espírito, pode mudar o nosso humor ou gerar uma profunda reflexão sobre a
vida. Neste século, o audiovisual se mistura às novas tecnologias e dinâmicas
comunicacionais, tornando o material audiovisual cada vez mais rico, fácil de
acessar, sendo ainda mais presente como ofertas de consumo. Aqui, trataremos
consumo do seriado de TV como uma apropriação complexa do conteúdo sensível
por parte do telespectador, um fenômeno de fruição do material apresentado na vida
de quem o assiste, proporcionado por um ato de leitura deste conteúdo através dos
códigos por ele usados.
As mudanças nas formas de narrativa que se atualizam desde tempos
remotos não foram capazes de mudar um aspecto que parece ser inerente à forma
de contar histórias: existem elementos e matrizes que as estruturam e que parecem
levar consigo um caráter universal: temas se repetem, se redesenham e se
atualizam das mais variadas formas, sem perder, aparentemente, sua essência.
Esses padrões motivaram e seguem motivando pesquisas, indagações e hipóteses
para entender como se relacionam com o ser humano e que efeitos a sua presença
tem em nossas vidas. Essa característica de narrativa é a essência do mito. Uma
estrutura aparentemente atemporal cuja matriz é constantemente atualizada e tem a
função, como falaremos à frente, de ser um guia de vida para o homem.
Tendo em mente estes fatores, fomos buscar, em nossa atual realidade, onde
essas histórias poderiam atualizar-se. Quais as narrativas da contemporaneidade
poderiam estar desempenhando esta função?
Em 2005 estreava, no canal americano CBS, o seriado How I Met Your
Mother (HIMYM). O seriado trata da história de Ted, um jovem adulto que, ao
completar 30 anos, entra em conflito com seu momento de vida e acredita que é
chegada a hora de conhecer a pessoa com que ficará junto para sempre. Assim,
começa a sua saga, narrada in media res, a partir do futuro, para os filhos do
personagem que, já adolescentes, escutam a história de como Ted conheceu a mãe
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deles. Este movimento de narrativa que dá o nome ao seriado: em tradução livre
“como conheci sua mãe”.
Encontramos na série de TV HIMYM nossa fonte de investigação para a
exploração da presença do mito no seriado de TV. Apesar de seu conteúdo cômico,
HIMYM apresenta um drama em seu arco narrativo principal. A luta de Ted para
encontrar a mulher de sua vida segue até a última temporada. Em todos os
momentos, a série apresenta ao telespectador os percalços da vida e nos
relacionamentos que o personagem deve passar até o encontro com sua amada,
onde ele passa por situações caricatas e de fácil acesso para qualquer pessoa que
entenda os modos de vida da cultura ocidental, principalmente das américas. Assim,
na iminência deste trabalho, acreditamos que, por ser uma série que atrai pelo seu
humor, mas que consegue incluir, em sua narrativa, dramas da vida identificáveis
por qualquer pessoa culturalmente letrada no contexto no qual se passa a história,
HIMYM se apresenta como o objeto de pesquisa para a realização desta pesquisa.
Iniciamos nossa abordagem com perguntas que expressam o problema de
pesquisa: É possível que o seriado HIMYM constitua uma narrativa que possa ser
chamada de mitológica? Se sim, esta narrativa poderia influenciar ações e decisões
na vida dos telespectadores por conta de sua forma e/ou conteúdo?
Com base nestes questionamentos, chegamos ao seguinte objetivo geral:
entender se a narrativa presente em HIMYM pode ser uma narrativa mitológica
contemporânea e de que forma se dá a experiência do telespectador. Para tanto,
definimos os seguintes objetivos específicos: estabelecer conexões conceituais
entre mitos e símbolos; definir os elementos constitutivos da narrativa mitológica e
suas formas de articulação; analisar a composição do seriado no que diz respeito à
forma e linguagem; e, por fim, identificar os modos de apropriação da narrativa
pelos expectadores. A partir da experiência com o material do seriado, buscamos o
apoio teórico para iniciar o processo de responder nossos questionamento.
Através de pesquisa qualitativa e exploratória, organizamos o processo para
buscar esse entendimento em duas etapas. Na primeira, realizamos pesquisa
bibliográfica buscando entender como a relação entre algumas teorias podem juntar-
se para ajudar-nos a entender o processo pelo qual passa a narrativa mitológica até
chegar como produto midiático e oferta de consumo. Partiremos da ideia do
inconsciente coletivo de Jung. Com Campbell, faremos uma revisão sobre a
experiência do mito pelo indivíduo. Complementamos o estudo sobre mitologias com
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o trabalho de Eliade e Cassirer, notáveis mitólogos. Também, buscaremos na
semiótica Barthes uma explicação sobre a estrutura narrativa do mito. Por fim,
utilizaremos a obra de Fontanille para entender como acontece a significação em
diferentes níveis de pertinência semiótica.
Finalizada a revisão teórica, retomamos o material do seriado. Através de
entrevistas em profundidade, analisamos o conteúdo da série sob a perspectiva dos
telespectadores. Tendo em mãos o resultado deste diálogo com pessoas que
acompanharam a série na sua completude, ele será analisado à luz das teorias
apresentadas, buscando a relação com a experiência da narrativa mitológica em
dois temas recorrentes no andamento do seriado e também no das questões
humanas: a resiliência e a coragem.
Acreditamos na relevância desse projeto porque as histórias, independente de
suas molduras e formatos, são as ferramentas de trabalho do profissional da
comunicação. Entender como elas agem naqueles que as consomem faz parte do
processo de enriquecer e aparelhar essa área com conhecimento que auxilie na
compreensão das diferentes formas de consumo do material midiático.
Este trabalho está organizado da seguinte maneira: no capítulo dois, faremos
a revisão teórica do tema proposto, dividido em cinco subcapítulos que explicam
cada um dos aspectos e questionamentos levantados à luz dos autores
selecionados. No capítulo três, faremos um apanhado das metodologias usadas no
desenvolvimento desta pesquisa, listando os métodos e técnicas para esclarecer
como se deu nosso procedimento. No quarto capítulo, desenvolveremos a análise,
buscando o tensionamento pela teoria daquilo que se enxergou na prática e que se
retomou com os dados coletados nas entrevistas. Por fim, no capítulo cinco, serão
apresentadas as conclusões deste trabalho.
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2 FUNDAMENTAÇÃO
A pesquisa se alimenta do passado para enxergar o presente e antecipar, na
medida do possível, o futuro. Olhando para trás, encontramos referências deixadas
por estudiosos que fizeram esforços para entender como o homem se relaciona com
o mundo em que vive. Assim sendo, juntamos, neste trabalho, as pesquisas de
alguns autores que se dedicaram à compreensão do papel das narrativas e da
mitologia, na existência humana. O objetivo desta parte é fundamentar teoricamente
aquilo que, incialmente, se observa na experiência do seriado. Aqui, encontramos
em Jung e Campbell os papeis social e psicológico do mito; de Barthes, vem a
proposta para organizar a estrutura narrativa que está por trás do mito e indicações
de quais são as características e elementos que produzem a sua significação. Por
fim, com Fontanille, entenderemos como os diferentes níveis do sensível emergem
no decorrer do processo gerativo de significação, a fim de descrever a totalidade dos
elementos presentes no ato de dar sentido ao conteúdo consumido. É preciso, primeiro, seguir os passos do mito na sociedade e, em seguida,
entender como ele se estrutura na mensagem, para, então, entender as maneiras
com as quais o contexto influencia na interpretação da narrativa mitológica, ou seja,
como se completa a cadeia da significação e da comunicação.
2.1 Os Caminhos do Mito e a Psique Humana
Em um primeiro olhar, pode parecer curiosa a tentativa de enxergar que, em
um seriado de televisão contemporâneo, exista uma relação com um aspecto da
cultura presente na humanidade desde tempos remotos. Fazer esta leitura não será
tarefa fácil, mas, fazendo dialogar os episódios e as temáticas teóricas, de modo a
ver como se dá a relação entre eles, abriremos um caminho que possibilite
identificar a existência ou ausência deste fenômeno. Veremos de que maneira a
mitologia se relaciona com o homem e como ela marca a sua presença em nossa
sociedade para identificar como se dá essa relação e, posteriormente, como ela se
expressa no seriado HIMYM.
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A mitologia e a narrativa mitológica talvez sejam as expressões mais antigas
da capacidade reflexiva do ser humano. O poder de compreender a natureza daquilo
que está dentro e do que esta fora de nós mesmos é uma das características que
nos diferenciam como espécie. No entanto, essa necessidade traz ao homem uma
angústia latente: estamos sempre à procura de respostas para aquilo que não
podemos explicar.
Desenvolvêmo-nos como sociedade através do conhecimento do meio:
domesticamos plantas e animais. Dominamos a matéria e aprendemos a transformá-
la para o nosso benefício. Carl Jung (2008) diz que “os sentidos do homem limitam a
percepção que este tem do mundo à sua volta. Utilizando instrumentos científicos,
ele pode compensar a deficiência dos sentidos” (p.21). Em uma época onde o
conhecimento sobre os fenômenos da natureza não nos eram disponíveis, era
através do mito que se resolviam as angustias internas e dava-se significação aos
acontecimentos em nossa volta. Era através do conto mitológico que os mais
diversos eventos da natureza eram explicados: desde o porquê da chuva, sol,
trovões e terremotos até as questões mais íntimas do homem, como o sentido da
vida e da morte. Mircea Eliade (2013), grande estudioso dos mitos, diz que o ato de
tomar conhecimento sobre a história mítica significa entender a origem das coisas.
Temos, assim, uma válvula de escape. Um intrincado mecanismo humano
para lidar com um problema que vem da natureza de sua existência. Vemos na obra
de Joseph Campbell (1997) que o mito tem como principal função, fazer o homem
“entrar em sintonia com o universo” (p.7). Pode parecer uma visão mística, mas o
autor esclarece dizendo que essa sintonização que, julga ele, ser a função do mito,
liga a pessoa com o ciclo de sua existência, seu ambiente e a sociedade. Assim
sendo, o mito funcionaria como um fator da cultura cuja função seria de orientação
do indivíduo em diversos planos de sua realidade, desde seus conflitos internos, sua
temporalidade e sua interação com o mundo externo, funcionando, assim, como
uma ferramenta psicológica.
Mas como toda essa estrutura é criada? De onde nasceria tal mecanismo?
Ora, se estamos falando sobre a origem de uma criação humana, é para a mente do
homem que devemos voltar nossa atenção.
Com o advento da psicologia, mais precisamente da psicanálise, começa-se a
ter indícios de como esses processos acontecem. A teoria psicanalítica postula que
não somos guiados somente por ações racionalizadas e intencionais em resposta a
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estímulos externos, mas que nossos medos, desejos e angústias são resultado de
processos que acontecem numa camada inacessível da mente: o inconsciente.
Dentre as várias fontes bibliográficas possíveis de serem utilizadas, optamos pela
abordagem de Carl G. Jung.
Jung preocupou-se em entender a relação da mente humana com os
símbolos criados pelo homem para dar sentido aos seus anseios. Por enquanto,
simplesmente diremos que um símbolo é uma imagem ou palavra usada para
significar outra coisa que não ela mesma. Para o autor (JUNG, 2008), os símbolos
“têm um aspecto inconsciente, que nunca é precisamente definido ou inteiramente
explicado” (p.19). Ele diz que não cabe à razão explorar o significado do símbolo, e
nem pode. Há um movimento quase que automático que conduz este símbolo a
ideias que estão fora do alcance da razão e chama a atenção daqueles que
pretendem enxergar as manifestações simbólicas através da luz da ciência
positivista: “Para o espírito científico, fenômenos como o simbolismo são um
verdadeiro aborrecimento por não poderem formular-se de maneira precisa para o
intelecto e para a lógica” (JUNG, 2000, P. 113).
Jung (2008) separa os símbolos inconscientes em dois grupos: os naturais e
os sociais. Este primeiro representa aqueles que são derivados da matéria
inconsciente da psique e tem sua origem nos períodos mais arcaicos. O segundo é
composto pelos símbolos que foram usados para representar as verdades eternas e
que se utiliza em muitas religiões. Talvez para uma mente moldada numa sociedade
onde a ciência experimental é a única produtora de verdade, a manifestação desses
símbolos pode parecer insensata, uma vez que, racionalmente, pareçam fruto da
fantasia de uma mente criativa. Porém, Jung (2008) lembra que desaparecer com
esses símbolos resulta numa grave perda para o inconsciente. O autor denuncia,
aqui, que a falta da manifestação desses símbolos é responsável por consequências
que percebemos hoje na sociedade e na vivência dos indivíduos. O fato de alguns
princípios que parecem saudáveis para a manutenção da mente humana terem se
tornado eventos abstratos apresenta uma dificuldade maior de dar sentido à vida,
deferente de como acontecia em um tempo onde os rituais materializavam esses
símbolos em práticas da rotina da comunidade e os fazia significar psiquicamente
para o homem (JUNG, 2008). O decantar do mito do imaginário à prática é ponto de
grande relevância em nosso estudo e fala diretamente com a questão do seriado
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apresentar-se como uma atualização da mitologia. Mais à frente, exploraremos a
falta de hábito da leitura simbólica, tratada por Campbell.
Para Jung (2008), “a maioria dos símbolos são criados nos sonhos” (p. 43).
Embora esta pesquisa não requeira tal aprofundamento, é importante saber que, do
estudo das imagens oníricas, nascem os primeiros entendimentos das relações do
mundo simbólico presente no nosso inconsciente com a vida cotidiana. No entanto,
a teoria junguiana postula que o aparecimento dos símbolos não está limitado às
imagens dos sonhos, mas está presente na fluidez da vida diária. Existem
pensamentos, sentimentos, situações e atos simbólicos (JUNG, 2008). Sobre a
importância de estudar-se mitos e símbolos, Jung (2008) diz que, em tempos
socialmente difíceis e de grandes mudanças, é importante entender sobre o ser
humano e suas capacidades, uma vez que a construção do nosso caminho conjunto
depende de suas qualidades mentais e morais.
Um dos pontos do estudo do mito que nos chama a atenção é o fator de
incidência dos temas mitológicos ao redor do mundo. Os temas da mitologia, mesmo
aqueles usados pelas tribos mais isoladas e primitivas, se repetem nos quatro
cantos. Com diferenças significativas entre distância geográfica e temporal, é
possível perceber um paralelismo entre simbologias, estruturas narrativas e suas
atribuições nas mais diversas expressões culturais da mitologia. Fisicamente, seria
impossível povos tão distantes terem contato entre si, mas a cadeia simbólica usada
por diversos deles isolados geograficamente, parece semelhante. Esses elementos
presentes na psique humana deviam pertencer a uma espécie de memória
compartilhada, uma capacidade inata do inconsciente humano que unia a todos com
uma propensão a gerar, em suas mitologias, símbolos análogos e estruturas
narrativa similares. Campbell traz uma explicação filosófica. Quando perguntado
sobre qual era a história única da espécie humana, ele responde que “nós
procedemos de um só fundamento de ser, como manifestações na esfera do tempo”
(CAMPBELL, 1990, P. 57).
A esse paralelismo dos motivos mitológicos, Jung denominou arquétipos. À
versão latina da palavra (archetypum) pode se dar o significado de primeiro modelo.
Para ele (JUNG, 2007), o arquétipo representa um conteúdo inconsciente, e, vale
ressaltar, o autor diz que esse conteúdo “se modifica através de sua conscientização
e percepção, assumindo matizes que variam de acordo com a consciência individual
na qual se manifesta” (p. 17). Nas palavras de Campbell (1990), “arquétipos são
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ideias de base” (p.54). Assim, podemos entender que o arquétipo, tal como
postulado pelo autor, é um material plástico, uma forma básica que pode assumir
diferentes roupagens através da análise consciente. Ele é uma tendência instintiva,
segundo o autor. Para Jung (2008) e sua manifestação acontece de tal forma, que o
arquétipo tende a formar a mesma representação do motivo com inúmeras variações
de detalhes, sem perder suas características originais. Para Campbell (1990, p. 53):
[...] a psique humana é essencialmente a mesma, em todo o mundo. A psique é a experiência interior do corpo humano, que é essencialmente o mesmo para todos os seres humanos, com os mesmos órgãos, os mesmos instintos, os mesmos impulsos, os mesmos conflitos, os mesmos medos.
Desta forma, o acreditamos que é possível fazer uma relação dos achados do
inconsciente do homem moderno e relacioná-los com as expressões da mente
primitiva, suas imagens coletivas e seus motivos mitológicos (JUNG, 2000). A esta
memória que, segundo Jung (2008), todos nós compartilhamos, foi dada o nome de
inconsciente coletivo. Assim, o autor nos traz uma teoria que relaciona as
manifestações dos símbolos em diferentes épocas da sociedade com a necessidade
inata do ser humano de vivê-los. Para ele, essa psique que é infinitamente antiga, é
a base da nossa mente (JUNG, 2007). Em seu livro Os Arquétipos e o Inconsciente
Coletivo (JUNG, 2008), o autor diz que estes primeiros são “tipos arcaicos”, imagens
que existem desde incontáveis tempos. Dessa forma, o autor nos mostra que essas
imagens primordiais estão presentes no inconsciente de cada ser humano, e, deste
inconsciente, emanam influências que vão determinar semelhanças aos indivíduos,
independente de suas crenças, culturas e experiências. Mas é este material
inconsciente que irá moldar suas experiências simbólicas (JUNG 2008).
É, pois, o conceito de inconsciente coletivo que norteará nosso estudo e será
uma de suas bases, auxiliando na compreensão sobre o papel da narrativa
mitológica na vida do homem e de que maneira ela se reinventa. Começamos, aqui,
a enxergar os primeiros traços de onde o mito pode se manifestar no seriado
HIMYM, mesmo que, nesta fase do trabalho, essa ideia possa parecer um pouco
nebulosa para o leitor.
Jung (2008) tende a relacionar as manifestações simbólicas ao que seria mais
primitivo na mente humana. Ele a compara com o “impulso das aves para fazer seu
ninho e o das formigas para se organizarem em colônia” (p.83). O autor também
trata de esclarecer a relação entre imagens simbólicas e instinto (JUNG, 2008, p.83).
19
Chamamos de instinto os impulsos fisiológicos percebidos pelos sentidos. Mas, ao mesmo tempo, esses instintos podem também manifestar-se como fantasias e revelar, muitas vezes, a sua presença apenas por meio de imagens simbólicas.
Todos esses elementos são as formas que usamos para outorgar sentido às
coisas. O processo de dar sentido é central nesta reflexão. Aqui, podemos entender
por dar sentido, o processo pelo qual o indivíduo dá significado às suas experiências
(JUNG, 2008). Esse processo de significar as experiências diz respeito, em certo
ponto, a dar sentido à própria existência. Dessa forma, o mito está associado ao
inconsciente coletivo como um elemento que proporcionou o desenvolvimento
psicológico, e, consequentemente, emocional do homem ao longo de sua história.
Jung (2008) considera a possibilidade que a origem do poder de reflexão do homem
seja fruto de experiências dolorosas e choques emocionais violentos. Não se pode
afirmar que efetivamente esse foi o início da consciência, mas o autor não tem
dúvida que a violência emocional é um gatilho para o indivíduo dar-se conta das
coisas que faz. Para este autor (JUNG, 2008), o inconsciente parece provido da
mesma capacidade de análise do consciente, inclusive para antecipar fatos e
possíveis resultados.
A defesa do inconsciente coletivo para prevenir os danos causados por esses
impactos emocionais se apresenta de forma diferente das defesas do inconsciente
individual. Este trata os males e ansiedades individuais através de compensações.
Da mesma forma, podemos enxergar as saídas do inconsciente coletivo – a
manifestação de mitologias, mitos e religiões – uma espécie de terapia mental
generalizada (JUNG, 2008). Para o autor, esses aspectos são responsáveis por
influenciar nações e épocas inteiras.
Ora, se essa relação do homem com a mitologia é tão enraizada na essência
do ser, como é possível que tenhamos tão poucas manifestações simbólicas como
os mitos do passado que representavam o sagrado e tinham um papel actancial
presente na sociedade? Com uma juventude que valoriza cada vez menos a religião
e não se importa com rituais, para onde se direciona o mito na vida do homem?
Isso significaria que a construção de uma mentalidade social voltada para o
empirismo, conforme avançamos com a ciência experimental e seus achados
revolucionários, irá levar o homem a uma ruina mental? Acreditamos que não. Neste
trabalho, levaremos em conta o princípio de que, sendo a manifestação arquetípica
um elemento da natureza da psique humana, ela deve estar presente nas
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manifestações que interessam ao indivíduo e que trazem, em algum ponto, uma
recapitulação de suas questões existenciais. Se, em nome de notáveis benefícios, o
avanço científico e as consequências socioculturais causadas pela forma de visão
do mundo em um período positivista e industrialista privou o homem da apropriação
desses símbolos na religião e na mitologia, em que esfera da vida se alojam essas
características nos dias de hoje? Entender como se transformam os mitos através
do tempo e da evolução humana é importante para identificar como ocorre a sua
apropriação.
2.1 A Atualização Contemporânea do Mito
Uma vez compreendida a forma como o mito se manifesta a partir da mente
humana e qual a possível fonte de sua existência, passaremos agora a olhar um
pouco mais atentamente sobre as manifestações míticas nos nossos dias.
Na antiguidade, inúmeras eram as formas do homem chegar ao mito. Na
verdade, a mitologia era fator tão enraizado na cultura que podemos considerar um
ponto indissociável da vida naquela época. A questão é que, antes, a mitologia
estava cercada e delimitada pela cultura à qual pertencia. Quando as sociedades se
fundem, acaba-se criando uma fusão entre as histórias e surge, assim, uma
mitologia mais complexa (CAMPBELL, 2009). Nossos antepassados conheciam
muito bem seus papeis na terra e a mitologia lhes dava o caminho para saber de
onde vinham e para onde iam. Eliade (2013) diz que “o homem dessas sociedades
encontra nos mitos os modelos exemplares dos seus atos. Os mitos lhe asseguram
que tudo que ele faz ou pretende fazer, já foi feito [...]” (p. 111). É dessa maneira que
o mito apazigua a angústia de viver. Sabendo o homem, através do mito, que existe
um caminho já pensado para suas ações e suas pretensões, isto “ajuda-o a eliminar
as dúvidas que poderia conceber quanto ao resultado de seu empreendimento”
(ELIADE, 2013, p. 125). Isso acontece de maneira muito natural em uma sociedade
primitiva. “O homem das sociedades nas quais o mito é uma coisa vivente, vive num
mundo ‘aberto’, embora ‘cifrado’ e misterioso” (ELIADE, 2013, p.125). Assim, uma
vez que o homem conheça os mitos, basta-lhe decifrar seus símbolos a fim de
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significar seus momentos de existência. Mas e quanto a nós? Como acontece a
manifestação mitológica em nossa cultura atual?
Por um conflito histórico, é comum atribuirmos à palavra “mito” o sentido de
mentira, inverdade ou fantasia. O caminho tomado pelas representações simbólicas
das religiões ocidentais mais populares foi de compreender de forma concreta as
narrativas de suas crenças. Para Joseph Campbell (1991), isso é fazer com que as,
por ele denominadas, metáforas de transcendência sejam conhecidas apenas nessa
forma de conotação e perdem, assim, a sua característica principal: a de apresentar
uma metáfora capaz de fazer o homem relacionar esta narrativa com aspectos
gerais da vida e de gerar, assim, uma epifania que vai além das palavras. Temos,
assim, a construção de uma cultura sem a capacidade de ler os mitos e apreender o
seu material sensível, como se fazia nos tempos mais antigos. Eliade (2013) denota
este processo chamando-o desmistificação. Para Campbell, a retirada das literaturas
míticas da educação, perdeu-se a tradição mitológica do Ocidente. Mesmo em
culturas arcaicas, “houve mitos que foram despojados de significação religiosa,
convertendo-se em lenda ou conto infantil” (ELIADE, 2013, p.100). Porém, o autor
hesita em afirmar que tenha sido abolido o pensamento mítico. Este sobrevive,
mesmo que tenha sido radicalmente modificado ou perfeitamente camuflado
(ELIADE, 2013). Mas de que forma é possível a sobrevivência do mito em uma
sociedade onde há tanto valor na realidade empírico-positiva das coisas?
O mito, quando presente na cultura primitiva, falava de aspectos relevantes
para a sociedade na qual atuava. Tendo a narrativa mitológica como vivência, torna-
se fácil fazer uma relação das histórias da mitologia com o que se está vivendo. Viva
na memória do indivíduo, a presença da história mitológica faz com que ele tenha
um melhor entendimento sobre os dilemas de sua vida no momento em que eles
acontecem. Isso aconteceria pelo fato de que essas informações, que vêm de
tempos antigos, falam sobre “os temas que sempre deram sustentação à vida
humana” (CAMPBELL, 1990, p.4), dando a ele um direcionamento, tirando o
acontecimento do plano da completa incerteza e dando uma perspectiva para o
indivíduo. Assim, as histórias mitológicas que tenham, em sua narrativa, a função de
ser um ponto de referência para as mazelas humanas, são capazes de capturar a
atenção do indivíduo. Campbell (1990) diz que não acredita na possibilidade de
alguém se interessar por um assunto simplesmente porque alguém lhe disse para
fazê-lo. Para ele, é necessário que haja uma introdução apropriada à leitura dos
22
mitos e critica o fato de que hoje não estamos mais familiarizados com o que o autor
chama de leitura do espírito. Ao distanciar-se do seu aspecto subjetivo, o homem
pode acabar perdendo o norte de seu interior, quando, no fluxo de sua vida, ele
encontra problemas que o conhecimento prático não dá conta de resolver
(CAMPBELL, 1990).
Aqui, novamente, faz-se a relação com o seriado de TV HIMYM. Através de
histórias que demonstram as questões do cotidiano nos dias atuais, torna-se
possível uma relação daqueles acontecimentos do telespectador com a sua vida. As
situações apresentadas no seriado e a forma como sua narrativa é construída
podem ter relação direta com o sucesso da série enquanto produto midiático, uma
vez que parecem apresentar temas pertinentes e do interesse do telespectador de
uma maneira que prende a sua atenção.
Campbell (1997) diz que, “estando viva a mitologia, sua explicação faz-se
desnecessária” (p. 23). As histórias tradicionais e as lendas mitológicas não vinham
com manual de instruções sobre seus significados. O que acontece, na visão do
autor, é que nos identificamos com os fragmentos dessa história. Para ele, essa
identificação os liga no fluxo temporal da narrativa e nos posiciona de forma que nos
encontramos na realidade da história. Todavia, o conteúdo dessa mensagem deve
estar ligado à conjuntura atual daquele que a lê. Para este autor, os mitos são
modelos de vida, mas esses modelos têm que ser atualizados ao tempo no qual se
está vivendo. Ele diz que “os motivos básicos dos mitos são e têm sido sempre os
mesmos” (CAMPBELL, 1990, p. 13).
A condensação de todo esse conteúdo mitológico acontece na linguagem. É
através dela que a mensagem se materializa e pode ser transmitida através de um
código compreensível para aqueles que o dominem. Campbell (1990) pontua o uso
da metáfora na linguagem mítica. Para ele, a linguagem metafórica amplia o
conceito para além de si mesmo e põe a linguagem mítica numa posição onde sua
mensagem deve ser entendida como conotação, e não denotação. Ainda sobre este
tema, o autor pontua que a metáfora apresenta um potencial de evento. Este evento
ganha uma roupagem fantástica que permite vivenciar o aspecto mitológico por trás
do evento como uma experiência legítima. Eliade diz que, “o mito, portanto, é um
ingrediente vital da civilização humana; longe de ser uma fabulação vã, ele é ao
contrário uma realidade viva” (MALINOWSKI em ELIADE, 2013, p. 23). O caminho
da cultura parece que tentou reduzir o mito a uma simples ficção cujo uso tem uma
23
finalidade prática, “mas à qual não podemos aplicar a rigorosa medida da verdade,
se quisermos evitar que se dilua no nada.” (CASSIRER, 2009. p.21).
Temos assim, o entendimento de que, com o passar do tempo e o
desenvolvimento cultural do homem, a presença do mito, da forma que acontecia em
tempos primitivos, se esmaeceu. No entanto, percebemos que, sendo o mito um
fruto da natureza humana, sua presença pode se atualizar em nossos tempos,
embora nenhum autor apresente uma resposta concreta para esta questão.
Sabendo, então, que a mitologia carece de atualização para os modos de vida
contemporâneos, em que aspecto da cultura ela poderia se inserir? Pensamos que,
se a função mítica se apresentava, na antiguidade, no formato de histórias, é nelas
que vamos procurar sua atualização. Enxergamos, portanto, no seriado HIMYM, um
objeto passível de desempenhar essa função, uma vez que se trata de uma história
que remonta às questões cotidianas e apresenta resoluções das questões humanas
ao telespectador, mostrando-lhe um modelo de vida. Para Campbell (1990), mostrar
um modelo de vida é uma das funções do mito.
Aparentemente, esse mito precisa se atualizar e trazer sua função numa
linguagem que funcione na atualidade. Veremos, agora, como as questões até aqui
trabalhadas organizam-se em uma linguagem possível de recriar a função mítica.
Enfim, trata-se de perguntar: quais são os fatores relevantes para a produção de
significado da linguagem na narrativa mitológica e como ela se organiza como
sistema?
2.3 A Forma de Expressão do Mito
“Mitologia, no mais elevado sentido da palavra, significa o poder que a
linguagem exerce sobre o pensamento, e isto em todas as esferas possíveis da
atividade espiritual” (MÜLLER em CASSIRER, 2009, p. 19). Mas de que forma essa
linguagem precisa ser organizada para falar como um mito?
Em seu livro Mitologias, o autor Roland Barthes (2001) diz que “o mito é uma
fala” (p. 131). Esta fala à qual se refere, não é simplesmente uma fala comum, mas
uma fala que tem algumas condições para funcionar, “o que faz do mito um sistema
de comunicação” (p. 131). Essas histórias transcendem o plano da mensagem e
acabam ganhando um grau maior de significação. O conto mitológico das
24
sociedades primitivas tinha diversas funções, como denotou Campbell. Mas, como já
vimos, se faz pertinente entender de que forma essas histórias, cujo significado é
metafórico e fala sobre aquilo que parece ser profundo na mente humana,
configuram-se de uma forma que seja possível a sua existência em nossa sociedade
civilizada que é orientada tão fortemente pelo pensamento concreto.
A metáfora facilita o processo de projeção daquilo que estamos vendo para as
questões de nossa vida. Portanto, é essencial entender o processo da linguagem na
materialização do mito e sua responsabilidade na completude desta experiência.
Cassirer (2009) diz que “apenas a expressão simbólica cria a possibilidade da visão
retrospectiva e prospectiva, pois determinadas distinções não só se realizam por seu
intermédio, mas ainda se fixam como tais dentro da consciência” (p. 57). A
linguagem metafórica, no caso do mito, materializa uma sabedoria milenar através
de uma história que caiba na realidade presente. Talvez um exemplo para esse
fenômeno de reinvenção do mito na atualidade numa estrutura que faça com que
sua significação aconteça, seja a maneira como a publicidade expõe seus
personagens ou produtos em um anúncio. Por exemplo: um jogador de futebol entra
em um campo lotado. Sua face demonstra confiança e compromisso. Um flashback
passa em sua cabeça reconstruindo a história de uma infância pobre e difícil, de
lugares precários, campinhos de futebol de chão batido. Também mostra a
insistência sustentada pelo talento, os pequenos passos de uma conquista difícil, a
presença de uma figura orientadora e o tortuoso trajeto que o guiou a este momento,
onde o gol simboliza o seu triunfo. Toda essa imagem é construída para ser
emprestada ao produto em questão, mas o que nos interessa aqui é este processo,
onde uma história de vida que é instigante e inspiradora, mas não incomum, se
transforma em um acontecimento transcendental, tem uma roupagem quase que
sagrada e tem o poder de nos tocar além do plano material.
Dessa forma, podemos ver que o conteúdo do mito não está no objeto em si,
mas, sim, no processo de construção dos sentidos de maneira metafóricos e/ou
alegórica com que os objetos são apresentados (BARTHES, 2001). O uso das
linguagens é responsável pelas representações que chegam aos leitores, e essa
linguagem mítica, por assim dizer, recupera as variáveis do uso social que dá vida
ao mundo que nos cerca.
Barthes (2001) acredita que a construção do mito está na roupagem que a
história ganha. Segundo o autor, não é possível a existência de mitos eternos, até
25
porque, a produção de sentidos ou os efeitos de sentido acontecem no cenário
sociocultural que é variável. O que se pode pretender é que eles tragam alguma
regularidade ou redundância que permite identificar nas variadas narrativas, alguns
elementos definidores de uma significação. O autor postula isso argumentando que
é a história que faz com que fatos e acontecimentos da nossa civilização se tornem
mitos e deem forma. Para ele, o mito é “uma fala escolhida pela história”
(BARTHES, 2001, p. 132).
A publicidade, o cinema, a fotografia, o esporte, os espetáculos, por exemplo,
constituem falas e podem servir de suporte à fala mítica. O autor (BARTHES, 2001)
deixa claro que, para ele, cada uma dessas diferentes formas de apresentação da
mensagem requer um tipo diferente de percepção. Por exemplo, em relação à
imagem, quando a vemos e interpretamos, podemos ter diversos modos de leitura.
Uma imagem de um esquema, por exemplo, terá uma significação muito diferente de
uma ilustração, sendo ambos classificados como imagem. O grau de consciência e
os mecanismos ativados para a compreensão desse objeto serão distintos. Isso tudo
vai depender de quão controlada será feita a significação deste objeto. Uma obra
pode ser totalmente abstrata e estará sujeita a interpretações infinitas, variando de
pessoa para pessoa. Porém, alguns outros objetos terão sua significação em um
nível mais direcionado. Se tratando de mitos, essa imagem precisa ser analisada em
função de determinada significação. O mito pressupõe uma matéria já trabalhada,
de alguma forma já conhecida pelo leitor (seja de um texto ou de uma imagem).
Dessa forma, o material mítico é interpretado independentemente de sua moldura.
Para Barthes (2001), a estrutura de construção de significado já conhecida
através da semiologia, ganha um adendo quando falamos da construção da
narrativa mítica. O sistema que pressupõe a construção de um signo a partir do
encontro entre significante e significado ganha mais uma camada igual, onde o signo
do primeiro sistema serve de significante para um próximo, no qual se cristaliza o
mito. Vemos a expressão desta teoria na seguinte imagem:
26
Figura 1 – Estrutura da linguagem mitológica
Fonte: Barthes (2001, p. 137)
Observando este esquema, notamos que o significante do mito, que é o signo
do sistema primeiro, tem potencial de polissemia. Forma e sentido, neste esquema,
constituem um signo, mas também, um novo suporte de significação que está aberto
a receber um segundo significado, aqui chamado de conceito. Este outro significado
vem das histórias da humanidade, de conceitos já compreendidos pelo homem, ou
por uma determinada cultura. Eles dão um novo valor de significação ao signo
primeiro, criando um segundo signo no terceiro nível, que é o mito cristalizado. Ou
seja, um objeto que já carrega em si uma significação, é enformado em um outro
significado, resultando no produto que é o mito. É esse jogo de deslocamento entre
a forma e o sentido que define o mito. O jogador de futebol, que superou as
dificuldades impostas pela vida, empresta a sua história para um motivo maior que
ele mesmo: a glória da superação.
Entendendo a maneiro com que o mito se estrutura como linguagem, resta
saber como isso se manifesta e cria sentido para quem acompanha a narrativa
mitológica. Aqui, vale lembrar Cassirer (2009, p. 57)
“O pensamento não se coloca livremente diante do conteúdo da percepção a fim de relacioná-lo e compará-lo com outros, através da reflexão consciente, mas, colocado diretamente perante esse conteúdo, é por ele subjugado e aprisionado. Repousa sobre ele; só sente e conhece a sua
27
imediata presença sensível, tão poderosa que, diante dela tudo o mais desaparece”
A construção da linguagem é um processo elaborado mas, vemos na fala do
autor que ela se expressa de uma forma simples. Quando se trata do mito que se
expressa pela linguagem, Campbell (1990) nos diz que “a metáfora é uma imagem
que sugere alguma outra coisa” (p.59) e que ela fala “aquilo que está além do
próprio conceito de realidade, que transcende todo pensamento. O mito coloca você
lá, o tempo todo, fornece um canal de pensamento com o mistério que você é”
(p.59). A metáfora, então, tem um papel fundamental na expressão do mito. Mas
como ela alcança o indivíduo? Quais os fatores pertinentes para a significação de
um material? Veremos, a seguir, que a interpretação de uma mensagem vai muito
além de uma simples leitura dos signos. Ela é, na verdade, um processo complexo e
com alguns pontos relevantes a serem observados para além da análise pontual da
estrutura da linguagem.
2.4 As Curvas do Percurso Significação
O consumo de um produto midiático pressupõe uma experiência. Um material
nos é apresentado e seu conteúdo deve falar conosco, de forma que sua
mensagem, em algum nível, faça sentido no âmbito de nossos desejos e aspirações.
Esse contexto criado pelo ambiente externo ou mesmo o nosso ambiente interno, no
que diz respeito ao nosso estado de espírito no momento da apreciação deste
material faz parte do conjunto de significados que vai formar este momento de
interação entre o nosso eu, o ambiente externo e o produto de comunicação. Essas
relações nos tocam no nível da sensação e da percepção, onde a identificação com
um contexto e situações que nos são familiares nos faz dar atenção, apreciar e dar
ouvidos à mensagem produzida por determinado produto da mídia. Nesse ponto, é
gerada uma situação de significação, onde as relações culturais que nos fazem
identificar com um produto, neste caso, um seriado de televisão, são geradas pelo
conjunto de elementos comuns ao nosso entendimento, que, através de uma ordem
de estruturação, utiliza-se da cultura e da recorrência de nossas vivências para
significar e dar fruição à essa relação do nosso eu com a experiência midiática.
28
Para Eliade (2013), “o homem das sociedades nas quais o mito é uma coisa
vivente, vive num mundo ‘aberto’, embora ‘cifrado’ e misterioso” (p. 125). Nos
nossos tempos, compreender essa linguagem do mito requer uma adaptação no
processo de significação para que ela nos faça sentido. Para isso, buscamos na
semiótica de Jacques Fontanille uma resposta sobre como essas interações do
telespectador do seriado de TV com a linguagem mitológica acontecem. Para
Jacques Fontanille (2005), a significação de determinada mensagem acontece por
uma cadeia de níveis. O conteúdo expressa a sua mensagem através de uma rede
de significados que interagem com o sujeito em relação à sua posição perceptiva.
No seu entendimento, essa experiência se dá em níveis de pertinência que são
hierárquicos e interativos entre si. Estes são os níveis de pertinência semiótica. A
análise destes níveis em um material de comunicação ajuda a entender como se dá,
neste determinado material, aquilo que o autor chamou de experiência semiótica.
Assim, Fontanille propõe que seja analisado o que chamou de percurso de
integração dos níveis de pertinência. É este percurso que gera o plano da expressão
(FONTANILLE 2005). Elizabeth Duarte diz: “Fontanille propõe que a situação
semiótica seja compreendida como uma configuração heterogênea que comporta
todos os elementos necessários à produção e à interpretação da significação”
(DUARTE 2005, p.12). Fontanille propõe seis níveis no processo gerativo de
significação. Veremos agora quais são e o que sugere cada um deles.
No primeiro nível deste percurso, encontram-se as figuras. São as pequenas
unidades de significação. Elas têm a propriedade e o dever de captar o nosso fluxo
de atenção e, para tanto, precisam ter uma capacidade de significação rápida, quase
que icônica. Porém, sozinho este elemento é pouco. Ele é parte de um sistema e
seu significado isolado não é capaz de passar uma mensagem completa, levando
em conta que existe uma intensão de significar algo maior. A partir dele, se faz
necessário atribuir uma direção significante, afinal, neste nível, os objetos
apresentam apenas no nível da percepção.
No segundo plano, o dos textos-enunciados, é que os signos iniciais apontam
para uma intencionalidade de sua existência. Fontanille (2005) explica que o nível
textual funciona como um dispositivo de inscrição. Elementos mínimos se juntam
para falar de algo que não são eles mesmos, mas para representar, através de sua
forma e organização, um sistema maior. É aí que os signos se organizam e tomam
corpo e intenção. Para o autor, só se tornam pertinentes os elementos sensíveis e
29
materiais da imagem, do ponto de vista semiótica, no momento de sua integração,
que acontece no texto-enunciado. Porém, todo conteúdo precisa de forma, e para
uma compreensão mais completa do sentido, Fontanille (2005) sugere um nível
seguinte, o do objeto.
O nível terceiro, do objeto-suporte, compreende a complexidade morfológica
do objeto de pesquisa. Os elementos de significação necessitam de um suporte para
se mostrarem. Algo que lhes dê forma e lhes disponibilize em algum lugar, seja ele
físico ou virtual. Além da disponibilidade, o objeto também organiza o conteúdo
numa prática que carrega em sua existência propriedades de solidez, como diz o
autor (FONTANILLE, 2005). Dessa forma, o objeto-suporte condensa o conteúdo e
restringe a sua significação nas paredes de sua própria prática.
O quarto nível é o das cenas predicativas. São elas que fazem o elo entre
aquilo que é material e o que está presente no entendimento e compreensão do
enunciatário. Aqui é o nível onde a mensagem, composta por todos os elementos
anteriores conversa com o espectador e cria significação, no momento em que
relaciona o acontecimento do material midiático com a experiência de vida de quem
assiste. O contexto cultural aqui fomenta a fruição entre o material midiático e a vida
do espectador/leitor.
Passamos, então, para o quinto nível, o das estratégias, que é onde o
material analisado interage no espectro temporal. Neste nível, Fontanille (2005) nos
lembra que a experiência subjacente já não é mais uma prática particular, mas sim
uma prática relacionada à conjuntura, onde “várias práticas interagem em diferentes
dinâmicas: sobreposição ou concorrência” (p. 26). É nesse nível que a conjuntura
valora o conteúdo e o faz pertinente nesse determinado espaço no tempo.
Lembrando que, se tratando de audiovisual, vivemos em um momento de mudança
das suas dinâmicas, quando a televisão se condensa no meio virtual os meios não
só convergem, mas se misturam em práticas envolvendo múltiplas telas, o que influi
no momento onde o telespectador estará disposto a apreciar determinado material.
Isso tem a ver com a relação do telespectador com o material midiático e o papel
que este tem na vida daquele que o assiste. O antigo ritual de sentar-se à frente da
televisão em um horário quase que pré-programado acompanhado da família não é
mais regra. O material midiático pode ser consumido, nos nossos tempos, em
diferentes momentos do dia, ficando mais próximo do espectador.
30
Fontanille (2005) fala que as experiências subjacentes, a percepção de uma
regularidade e a percepção de uma identidade de comportamento leva a criação do
sexto e último nível, que ele chamou de forma de vida. É aqui que o conteúdo e os
diferentes níveis de pertinência se juntam em uma possibilidade de análise global,
sendo possível estabelecer uma relação com as práticas culturais.
Podemos ver a redução sistemática desta teoria na tabela abaixo. Nela estão
expressos os nomes de cada nível que são as instâncias formais. A tabela também
expressa o tipo de experiência que deve acontecer em determinado nível e a
constituição material de cada um.
Tabela 1 – Processo gerativo de significação
Tipo de experiência Instâncias formais Instâncias materiais
Figuratividade Signos Propriedades sensíveis e
materiais das figuras
Interpretação Textos enunciados Propriedades sensíveis e
materiais dos textos
Corporeidade Objetos Propriedades sensíveis e
materiais dos objetos
Prática Cenas predicativas Propriedades sensíveis e
materiais das práticas
Conjuntura Estratégia Propriedades sensíveis e
materiais das estratégias
Ethos e comportamento Forma de vida Propriedades sensíveis e
materiais das formas de vida Fonte: Fontanille (2005, p.36).
Assim, percebemos a importância de uma semiótica holística para a
compreensão do processo de significação da mitologia presente no seriado. Se é a
estrutura metafórica que permite a polissemia de uma mensagem, se faz necessário
uma ferramenta que possa mapear o caminho dessa mensagem à compreensão do
telespectador e encontramos em Fontanille uma instrumentação pertinente à
construção deste raciocínio no presente trabalho.
31
2.5 A Materialização do Mito no Seriado
Como se dá a materialização do mito no seriado, é um ponto de atenção. A
proposta de uma consciência compartilhada trazida por Jung no seu extenso
trabalho nos mostra que, para ele, o ser humano tem uma capacidade natural de
produzir símbolos para expressar e organizar seu mundo interno. Ele (JUNG, 2008)
diz que, “no mundo primitivo, as coisas não têm fronteiras tão rígidas como as
pessoas das nossas sociedades ‘racionais’” (p. 48) e que, “assim como uma planta
produz flores, a psique cria os seus símbolos” (p. 78). Assim, a simbologia surgiria
na mente humana como instinto, sem uma intencionalidade anterior. A partir disso,
surge a mitologia, cujo papel, se desenvolve no coletivo e tem uma função na vida
de cada indivíduo. Ela serve como um guia para os problemas padronizados e,
como vemos nos relatos dos autores, pode ser de grande utilidade nos momentos
difíceis da vida. Campbell (1990), “o momento crucial é aquele em que a verdadeira
mensagem de transformação está prestes a surgir. No momento mais sombrio surge
a luz (p. 40). Além desta função de remediação frente à uma situação problemática,
o mito ainda funciona como um instrumento de preparação para o que ainda está
por vir através destes mesmos temas-padrão das problemáticas que implicam em
estar vivo. “O mito garante ao homem que o que ele se prepara para fazer já foi
feito, e ajuda-o a eliminar as dúvidas que poderia conceber quanto ao resultado do
seu empreendimento” (ELIADE, 2013, p. 125). O momento em que ocorre o
reconhecimento do mito é descrito pelo mitólogo Cassirer (2009) como um “saltar de
faísca” (p. 53). Para o autor “a tensão diminui a partir do momento em que a
excitação subjetiva se objetiva” (p. 53), isto é, quando a dúvida frente a um problema
se torna palpável e, portanto, sua resolução, possível.
Vimos, também, que o mito se manifesta na linguagem através de um
sistema. Barthes (2001) nos mostra que “o mito não se manifesta o mito tem limites
formais, mas não substanciais” (p. 131), ou seja, o que define o mito na estrutura de
linguagem é a forma pela qual ele se apresenta, e não o seu conteúdo. É o sistema
de construção de uma metáfora universal que dá à mensagem a condição de mito.
Para Cassirer (2009, p. 104):
32
Seria inteiramente impossível apreender e reter o mundo exterior, conhecê-lo e entendê-lo e designá-lo, sem esta metáfora fundamental, sem esta mitologia universal, sem este ato de insuflar nosso próprio espírito no caos dos objetos e de refazê-los, voltar a cria-los, segundo nossa própria imagem.
Percebemos, assim, que esta mensagem percorre uma espécie de caminho
na produção do seu sentido, que contempla momentos de significação que são
hierarquizados, partindo desde a unidade mínima o signo, até as formas de vida que
influenciam no processo de geração de significados no plano da expressão. Como
nos diz o autor (FONTANILLE, 2005): “Pode-se, pois, considerar que esse percurso,
de níveis de pertinência, configurado progressivamente a partir de um horizonte
material e sensível, é um percurso gerativo de plano da expressão” (p.36). É a
semiótica de Fontanille que nos instrumentaliza para a próxima parte desta
pesquisa.
A significação e comunicação são processos que andam de mãos dadas e,
para tanto, é necessário que exista uma mediação entre a mensagem e o
telespectador. O seriado em questão só tem sua existência possível por conta do
meio da televisão, que produz o conteúdo. Em uma era de convergência, a moldura
selecionada já não é fator determinante para a produção de sentido, porém, a
linguagem oriunda deste canal se mantém perceptível e quase intocável. A
televisão, desde a sua origem, abriu caminho para uma nova possibilidade de unir
imagens em sequência ao áudio, criando uma forma de se comunicar com uma
riqueza de signos não vista antes. A televisão atrai, pois cerca a visão e audição e
faz com que seu conteúdo seja envolvente. Não é a toa que, com o seu
desenvolvimento, sua presença nas casas do mundo inteiro é quase que
mandatória. Ela passou a ser como um membro da família, tendo influência não só
no entretenimento, mas na organização de rotina de uma família.
A presença de um meio de comunicação tão próxima e pessoal nos traz a
necessidade de entender quanto a variedade de fatores influi no percurso de
geração de significado através do processo de comunicação.
As reflexões teóricas até aqui apresentadas respondem às provocações que
os episódios do seriado HIMYM trouxeram à tona. Esclarecido este ponto, voltamos
ao material à luz da teoria e confrontando-o com a percepção do telespectador.
33
3 METODOLOGIA
A escolha de metodologia adequada é parte essencial de uma pesquisa que
tenha como intenção ser relevante para a sua área de conhecimento.
Frente ao objetivo deste trabalho, entender se narrativa de HIMYM ser uma
narrativa mitológica contemporânea e de que forma se dá a sua experiência pelo
telespectador. Optamos por utilizar o método qualitativo e exploratório. Ele nos
auxilia a montar o caminho através dos objetivos específicos que são: estabelecer
conexões conceituais entre mitos e símbolos. Também definir os elementos
constitutivos da narrativa mitológica e suas formas de articulação. Analisar a
composição do seriado no que diz respeito à forma e linguagem e, por fim, buscar
identificar os modos de apropriação da narrativa pelos expectadores.
Foram escolhidas três técnicas: a pesquisa bibliográfica, a pesquisa
documental e, por fim, a entrevista em profundidade. Gil (1987) afirma que o método
científico como “um caminho para se chegar a determinado fim” (p. 27). Ele forma,
assim, um conjunto de procedimentos que, aliados entre si e selecionados
cuidadosamente em relação ao problema, são a ferramenta para se desenvolver o
conhecimento em pesquisa social.
3.1 Pesquisa Bibliográfica
O tema desde trabalho busca sua construção na diversidade teórica que
tenha uma relação entre si, mesmo que não da forma mais óbvia. No objetivo de
encontrar essas relações e entender melhor o que a comunidade acadêmica já
descobriu acerca do presente problema, a pesquisa bibliográfica se mostra como a
única maneira de construir esse conhecimento inicial. Para Duarte (2012), a
pesquisa bibliográfica “é um conjunto de procedimentos para identificar, selecionar,
localizar e obter documentos de interesse para a realização de trabalhos
acadêmicos e de pesquisa (p. 218). Segundo Gil (1987), uma das vantagens da
pesquisa bibliográfica é permitir ao pesquisador a possibilidade de ter contato com
muito mais dados e informações do que as que ele conseguiria pesquisar
diretamente. Isso o situa-se nos diferentes âmbitos da sua pesquisa, tornando
34
possível que ele aborde diferentes pontos de vista e entre em contato com inúmeras
formas pelas quais suas ideias já foram desenvolvidas, afinal, a varredura
bibliográfica ainda é a maneira mais segura e completa de conhecer a fatos do
passado e entender melhor o que já foi trabalhado sobre o tema proposto.
3.2 Pesquisa Documental
Quando se trabalha um seriado de televisão, faz-se necessário separar este
material e juntar as peças que são importantes para o andamento da pesquisa. Por
este motivo, a técnica de pesquisa documental. Sua diferença da pesquisa
bibliográfica é pequena, porém, importante: as fontes. Na pesquisa bibliográfica
buscamos o conhecimento consagrado de autores que analisaram a realidade e a
traduziram em teoria, ensaios e experimentos. Já, a pesquisa documental é o
recolhimento de material cujo conteúdo ainda não passou por uma análise (GIL,
1987). Nesta parte do trabalho, buscamos acumular tudo que fosse possível de
material audiovisual correspondente ao seriado HIMYM.
3.2.1 Dados do seriado: coleta e recorte
O seriado HIMYM foi lançado em 19 de setembro de 2015 nos Estados
Unidos. A série é composta por cinco personagens centrais. Aqui, entendermos por
personagem todos os indivíduos que se relacionam no seriado, que foi ao ar través
de seu episódio piloto. Nele, Ted, o personagem principal, começa a contar para
seus dois filhos como foi que ele conheceu a mãe deles. Tudo começa quando seu
colega de quarto e melhor amigo, Marshall, comenta que vai pedir sua namorada em
noivado naquela noite. Ted responde: “cara, você vai ficar noivo esta noite” e é
acometido de uma reflexão: “o que eu vou fazer essa noite?”. Decidido de que já
está na hora de encontrar a pessoa certa para viver o resto de seus dias, Ted nos é
apresentado como um homem ansioso por esse momento, vivendo as frustrações
que uma vida cheia de expectativas irreais pode trazer. Porém, ele está sempre com
35
seu grupo de amigos, cada um com características marcantes e com um papel
representativo no universo do seriado e que, também, têm que lidar com as
questões da vida. Marshall é o melhor amigo de Ted e inicia o seriado dividindo
apartamento com ele. Ele nos é apresentado como um amigo generoso e sensível.
Sua noiva, Lilly, tem o perfil de conselheira. De personalidade determinada, mas,
muitas vezes, frágil, ela apoia e diverte os amigos. Robin, a outra mulher do grupo, é
uma imigrante do Canadá que está tentando a vida em Nova Iorque, cidade onde se
passa o seriado. Ela entra no seriado quando Ted a vê pela primeira vez e diz a
Barney que, uma dia, casaria com ela. A primeira tentativa é frustrada, mas ela se
junta ao grupo, que permanece unido até o fim do seriado. O último integrante é
Barney. Ele representa o homem seguro e confiante, que não se intimida de passar
a noite com uma mulher e ir embora no outro dia. Apesar de parecer um culto a essa
atitude de valores morais duvidosos, o seriado trata de mostrar a fragilidade por trás
desta casca.
Podemos considerar o seriado como uma grande narrativa composta de
muitas subdivisões. Aqui, para separar o material pertinente para estudo,
utilizaremos as cenas como menor unidade de significação. Isso acontece porque
acreditamos que ela possui o caráter de síntese suficiente para nossa pesquisa,
uma vez que leva em si uma pequena narrativa completa, que, mesmo fazendo
parte de um arco narrativo maior, pode ser compreendida sem a necessidade da
apreciação do todo. Durante a série HIMYM, foram exibidos 208 episódios ao longo de 9 anos em
9 temporadas. Selecionar o material para análise em uma fonte tão extensa requer
atenção e critério. Levamos em consideração, primeiramente, os papeis de cada
cena para dentro do seriado. Todas elas marcam etapas importantes na vida dos
personagens: a primeira, mostra o término do casal icônico do seriado e a
consequente luta do personagem Marshall para lidar com o fim de um
relacionamento de 6 anos, o que resulta e uma das frases motivacionais mais
famosas do seriado, proferida pelo personagem Barney. Na segunda cena, vemos o
primeiro encontro dos personagens Ted e Robin, que marca o início da busca de
Ted pela mãe, que dá nome ao seriado. Nesta cena, é evidenciada a tentativa do
personagem de mudar um aspecto de sua personalidade que o faz sofrer: a falta de
coragem. Por fim, vemos o momento em que Ted perde o emprego e, com ele, as
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esperanças na vida, cena que marca a virada de seu destino e o faz enxergar que a
vida não aceita planejamento.
Acreditamos que, dentre todos os momentos importantes do seriado, estes
têm potencial para mostrar lições de vida e exemplos de problemas globais do ser
humano. Sua escolha para a análise dá espaço para o entrevistado expressar o seu
entendimento deste caráter metafórico da mensagem e, através da entrevista em
profundidade, explorar quais são as suas percepções dele sobre este material.
As cenas foram mostradas ao entrevistado no momento da entrevista
compiladas em um único vídeo que continha uma pequena contextualização, para
que o entrevistado situasse em que momento no tempo da série a cena em questão
acontecia. Veremos, agora, o conteúdo detalhado de cada cena apresentada neste
trabalho.
As cenas possuirão um número para serem identificadas ao longo desta
pesquisa, dados de acordo com sua aparição nas páginas seguintes. Para cada
cena, mostraremos, em imagens, um número de sequências para ilustrar o seu
conteúdo em forma de imagens. Elas não estão organizadas pela ordem cronológica
de aparecimento no seriado, uma vez que sua compreensão, nesta análise,
depende apenas do conhecimento prévio da totalidade do produto midiático em
questão e de seu conteúdo, e não na ordem de aparição dentre os episódios.
Figura 2 – Cena 1, sequência 1 – Marshall sofre após o término do
relacionamento
Fonte: How I Met Your Mother EP01S02
O primeiro recorte, ao que daremos o nome de Cena 1, é um excerto do
episódio primeiro da segunda temporada. O personagem Marshall está sofrendo
pelo término de um relacionamento de nove anos com sua então noiva, Lilly. O casal
marca o seriado por viverem uma história de união e companheirismo. O término do
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relacionamento se apresenta como um grande para todos, mas os outros
personagens juntam-se para confortar Marshall, que é apresentado, neste momento,
em um processo de sofrimento profundo.
Em um determinado momento do episódio, os amigos discutem a miséria do
companheiro numa mesa de bar, ao que o personagem Barney, conhecido por suas
características aparentemente frias e objetivas no que diz respeito a
relacionamentos postula:
- Quando eu estou triste, eu paro de ficar triste e fico incrível em vez disso.
Pura verdade.
Esta frase torna-se icônica àqueles que apreciam a série. Sua força pode ser
percebida pelo grande número de material promocional gerado posteriormente.
Figura 3 – Cena 1, sequência 2 – Barney dá sua sugestão sobre qual deve
ser a atitude de Ted nesse momento
Fonte: How I Met Your Mother EP01S01
A cena seguinte, Cena 2, está presente no primeiro episódio da primeira
temporada. Neste que é o episódio piloto do seriado, começamos entendo o drama
de Ted, que dá nome à toda a trama. Ele se dá conta do momento em que se
encontra na vida e acredita firmemente que agora é a hora de encontrar o amor
verdadeiro, de encontrar aquela que será a mãe de seus filhos. Em um determinado
ponto do episódio, Ted vê, no outro lado do bar, uma mulher que lhe chama a
atenção. Após um inusitado desenrolar da situação e um encontro frustrado, ele
aparece no bar contado aos seus amigos sobre seu insucesso na noite anterior. Os
amigos comentam o fato dizendo que talvez ele não tenha sido corajoso o suficiente
e tenha perdido a oportunidade de criar um momento mais significativo, um beijo, na
ocasião do primeiro encontro. Eis que, durante a conversa e uma expressão de
arrependimento de Ted:
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- Eu devia tê-la beijado
Eis que a personagem em questão, Robin, aparece na TV.
Figura 4 – Cena 2, sequência 1 – Os amigos se surpreendem ao ver a
mulher, de quem Ted falava, na TV
Fonte: How I Met Your Mother EP01S01
Ela aparece num noticiário contando uma história: um potencial suicida
desiste de se jogar de uma ponte. Extasiado com essa aparição mágica, Ted
discursa sobre a forma como leva a sua vida, como isso o tem prejudicado e como
ele gostaria de, a partir daquele momento, passar a agir de uma forma diferente,
começando por ir beijá-la naquele exato momento:
- Eu nunca faço nada louco. Eu estou sempre esperando pelo momento,
planejando o momento. Ela está partindo amanhã, talvez essa seja a única chance
que eu vou ter. Eu tenho que fazer o que aquele cara não conseguiu. Eu tenho que
dar o salto.
Ao fim deste discurso, ele e os amigos saem juntos para esta empreitada de
coragem.
Figura 5 – Cena 2, sequência 2 – Ted resolve agir de uma forma diferente do
seu natural e quer começar naquele momento.
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Fonte: How I Met Your Mother EP01S01
Por fim, mostramos a cena final do último episódio da quarta temporada. A
Cena 3 de nosso trabalho. Mais uma vez, Ted se encontra em conflito. Dessa vez,
com sua profissão. Após uma série de fracassos como arquiteto, ele está relutante
em aceitar um emprego como professor, imaginando que esse seria a coroação da
sua derrota, uma vez que o seu plano sempre fora atuar como arquiteto, fora da vida
acadêmica. Os amigos intervêm e a personagem Lilly dá um discurso retomando
fatores para ele refletir. Ted diz:
- Isso é um desastre, como eu vou sair dessa?
Lilly responde:
- Ok, eu vou perguntar: você realmente quer sair dessa? A arquitetura está
matando você, Ted. E ver isso te matar, está nos matando. Você é como aquele
bode com o pano de chão: cada vez que o mundo lhe tenta tirá-lo, você continua
agarrado nele. Sabe, é só um pano de chão. Por que sequer você o quer?
Figura 6 – Cena 3, sequência 1 – Lilly discursa sobre os caminhos da vida
com Ted, que está em crise.
Fonte: How I Met Your Mother EP24S04
Ted contesta:
- Porque eu tenho que ser um arquiteto... esse era o plano!
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Lilly responde:
- Ah, dane-se o plano. Eu planejava ser uma atriz famosa, Marshall planejava
ser um advogado de meio ambiente, Robin planejava ser uma repórter de TV.
Após uma pequena intervenção (alívio cômico) de Robin e Barney, Lilly
continua:
- Olha, você não pode desenhar a sua vida como um prédio. Não funciona
dessa forma. Você tem que viver e, assim, ela vai se desenhando.
Ted responde um pouco incrédulo:
- Então, eu deveria não fazer nada?
Lilly responde:
- Não. Escute o que o mundo lhe diz para fazer e... dê o salto.
Quando Lilly termina sua fala, Marshall tem um insight e toma para si o
conselho de Lilly, imediatamente saindo para cumprir sua tarefa dizendo:
- Eu te amo, Lilly.
Durante todo o episódio, Marshall está obcecado por saltar do terraço de seu
prédio e chegar no terraço do vizinho, onde ele acredita ser um lugar muito
interessante para estar. Ao fim do discurso, ele toma como literal a linguagem
metafórica usada por Lilly e engaja na sua empreitada para saltar ao outro prédio.
Figura 7 – Cena 3, sequência 2 – – Marshall interpreta de forma concreta a
metáfora proposta por Lilly.
Fonte: How I Met Your Mother EP24S04
Lilly insiste que o salto era metafórico, mas não consegue impedir o ímpeto de
seu noivo. Ao fim, Marshall finalmente realiza seu sonho de tanto tempo e é seguido
pelo seus amigos, inspirados pela atmosfera criada. Ao fundo, a música diz: one ,by
one, by one, by one. Em tradução livre, significa “um após o outro e após o outro...”.
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Figura 8 – Cena 3, sequência 3 – Um a um, os amigos dão “o salto”.
Fonte: How I Met Your Mother EP24S04
Quando chega a vez de Ted, ele faz uma recapitulação do seu ano. Ele se
lembra de várias situações que causaram dor na sua vida: a perda do emprego, ter
sido deixado no altar, ter apanhado de um garçom e também de um bode... Mas ao
fim ele conclui pensando:
- Mas esse foi o melhor ano da minha vida! Porque, se não fosse por tudo
isso, eu não teria acabado no melhor emprego que eu já tive. E, mais importante, eu
não teria conhecido a mãe de vocês.
Figura 9 – Cena 3, sequência 3 – Ted faz uma recapitulação menta de seu
ano antes de “dar o salto” e explica por que aquele ano foi o melhor de sua vida.
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Fonte: How I Met Your Mother EP24S04
Estes são os trechos escolhidos de acordo com os critérios citados acima, de
que estes, dentre a numerosidade de material passível de ser estudado no seriado,
estes têm potencial para mostrar o aspecto ilustrativo e projetivo que o seriado pode
ter no contato com o telespectador, devido ao seu conteúdo que apresente lições de
vida e exemplos de problemas globais do ser humano.
Em um vídeo que reúne as três cenas com uma breve contextualização
textual, eles serão apresentados durante determinada parte da entrevista em
profundidade, após entendermos qual a relação do entrevistado com a série.
Acreditamos ser importante que ele discurse sobre o que a série representa em sua
vida antes de assistir às cenas para não ser influenciado pelo conteúdo específico
do material selecionado.
3.3 Entrevista em Profundidade
A entrevista em profundidade, ou entrevista aberta, propõe um diálogo entre
um pesquisador e seu entrevistado. Ela tem como principal característica o fato de
não ter um questionário fechado, mas sim um roteiro, que pode ser flexível de
acordo com o decorrer da conversa. É uma ferramenta bastante útil para resolver
problemas complexos, pois faz uso dos relatos e das interpretações das
43
experiências (DUARTE E BARROS, 2012, p.63). Optamos por esta técnica
acreditando que era necessário um contato próximo e profundo com as percepções
do entrevistado, uma vez que a complexidade do tema mitológico mora em
encontrar as nuances de sua apropriação nas relações e interpretações por parte do
indivíduo.
As desvantagens da entrevista em profundidade devem ser atentamente
observadas para garantir o bom andamento da pesquisa. Gil (1987) aponta, dentre
outras, uma possível falta de motivação do entrevistado para responder, um uma
inadequada compreensão por parte do entrevistado sobre o entendimento das
perguntas. Também lembra o autor que pode haver uma influência exercida do
entrevistador sobre o entrevistado, tanto na formulação de suas perguntas quanto
em sua opinião (p. 114-115). No momento da realização desse estudo, buscamos
observar com cuidado cada um desses aspectos, tentando minimizar tanto quanto
fosse possível, a influência destas questões na obtenção dos resultados pertinentes
à pesquisa.
Por isso, o entrevistador deve lembrar-se que ele é um instrumento de coleta
de dados, no momento que ele não poderá dar conta de interpretar dados
qualitativos sem usar a sua experiência, imaginação e intelecto (McCRACKEN,
1988, p.18). McCracken pontua que dados qualitativos são, geralmente, confusos e
desorganizados, o que, segundo ele, exige do entrevistador profunda atenção para
encontrar perspectivas de padrões que se formam e precisam ser constantemente
tensionados em relação aos dados até o surgimento de ligações que façam sentido.
Duarte (2012) também orienta que as informações sejam cruzadas e que se
verifique a consistência da argumentação, buscando articulações entre relatos e
documentos no momento de redigir (p.74).
O tipo de entrevista escolhido no âmbito deste trabalho é a entrevista em
profundidade por pauta, ou, entrevista com questionário semi estruturado. Para Gil
(1987), nesse tipo de entrevista, as perguntas atuam mais numa forma de conduzir a
conversa. A ideia aqui é que o entrevistado discorra livremente a respeito das pautas
assinaladas e, quando este se afasta delas, “o entrevistador intervém de maneira
suficientemente sutil, para preservar a espontaneidade do processo” (p.117). Por
isso, lembramos que a intuição e sensibilidade do entrevistador devem sempre estar
aliadas à prática da entrevista em profundidade. Uma das vantagens apontadas
dessa técnica é que, receoso de que o entrevistado não tenha se expressado de
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forma clara ou elaborada o suficiente, o entrevistador tem a possibilidade de voltar à
questão desejada (DUARTE E BARROS, 2012, p. 74). Gil (1987) afirma que é
impossível determinar o comportamento correto no momento de conduzir uma
entrevista (p. 118), no entanto, alguns aspectos podem ser observados,
considerando que a condução da entrevista deverá levar em conta diversas
circunstâncias, como o objetivo, o ambiente, etc.
Dessa forma, podemos entender que no caso da entrevista, a relação entre
entrevistador e entrevistado é mais complexa do que numa pesquisa quantitativa,
por exemplo. É necessário algum grau de envolvimento para deixá-lo a vontade com
uma conversa inicial amistosa e pontuar claramente o fator confidencial da entrevista
são pontos a serem levados em conta (GIL, 2012, p. 119). A atmosfera de
cordialidade e simpatia deve ser mantida desde o início da conversa, deixando o
entrevistado a vontade, livre de qualquer pressão sobre o conteúdo de suas
respostas, estabelecendo, assim, o rapport (conexão, quebra de gelo) entre o
entrevistado e o entrevistador.
Numa técnica que precisa dispor de algum grau de informalidade, se mostra
necessário a aplicação de alguns conceitos para que se possa alcançar os
resultados esperados. Ter um roteiro que apresente ao entrevistador de forma clara
qual caminho a entrevista deve seguir é um ponto merecedor de atenção. Para Gil
(1987, p. 119): “Nas entrevistas estruturadas, a formulação das perguntas assume
um caráter metódico. Já nas entrevistas não estruturadas, o desenvolvimento das
perguntas depende do contexto da conversação”. McCracken (1988) lembra que
uma das importâncias do questionário padrão é permitir ao entrevistador que cubra o
mesmo campo de informações em todas as entrevistas, garantindo a padronização
dos dados obtidos (p. 24).
Em busca dessa padronização, importante para a análise futura, vale lembrar
outro aspecto levantado por Gil: o do estímulo a respostas completas. O autor nos
lembra que, frequentemente, o entrevistado nos surpreende com uma resposta
incompleta ou obscura (GIL, 1987, p. 120). Neste momento, o entrevistador deve
usar alguma técnica para estimular o entrevistado. No entanto, isso deve ser feito
sem que haja indução. Uma pergunta como “Você não acha que...”, segundo o
autor, poderia sugerir uma resposta. É preciso escolher uma forma de indagação
que leve o entrevistado a pensar, sem conduzi-lo diretamente ao raciocínio. Mais
uma vez, mostra-se necessário que haja um balanço na condução da técnica, já que
45
uma entrevistada em profundidade costuma garantir dados abundantes e ser uma
potencial caixa de Pandora (McCRACKEN, 1988, p.22). Para isso, como já foi
mencionado, um roteiro elaborado de forma clara e organizada ajuda o entrevistador
a manter o entrevistado no foco das informações que precisa.
O roteiro da entrevista em profundidade tem como objetivo ser um guia para a
entrevista, que deve seguir um curso natural, onde o entrevistador aproveita os
ganchos de informações para desenhar, em cada entrevista, o curso mais natural
possível em direção às informações desejadas. McCracken (1988) lembra que o
roteiro tem, como um de seus objetivos, preservar o mesmo contexto de conversa
em todas as entrevistas, bem como direcionar o escopo das falas, amenizando a
característica da entrevista de gerar um número abundante de informações (p.24).
Essa padronização irá ajudar a encontrar as informações pares e as ligações de
ideias que darão corpo à análise. É importante lembrar, segue o autor, que a
natureza aberta da técnica deve ser mantida. A oportunidade de explorar cada
questão permanece. Nas palavras do autor (McCRACKEN 1988): “In sum, the
questionnaire that is used too order data and free the interviewer must not be
allowed to destroy the elements of freedom and variability within the interview” (p.
25). Também vale lembrar que Duarte (2012) também postula algo semelhante
quando diz que as perguntas devem ser feitas de forma flexível, uma vez que “cada
entrevistado é único e exige compreensão, paciência e flexibilidade”.
A partir desses princípios, foi elaborado um roteiro usado em todas as
entrevistas feitas para este trabalho. Sua primeira versão foi testada em uma
entrevista que não entrará no âmbito da análise e aprimorada para a versão final
(anexo B), que foi utilizada em todas entrevistas restantes. Neste questionário,
buscou-se um caminho de interrogação que permitisse ao entrevistado elaborar
sobre suas percepções, sentimentos e projeções a respeito do seriado. Também,
buscou-se analisar se e quanto a narrativa do seriado influenciava a sua vida
prática, para além do plano reflexivo.
As entrevistas foram realizadas em diferentes locais, sempre a critério do
entrevistado, visando sua comodidade, conforto e privacidade, para que fosse mais
fácil sua abertura para falar de suas impressões e sentimentos sobre o seriado.
Uma quantidade tão numerosa de dados, como é obtida pela entrevista em
profundidade, necessita de um registro apurado. Dessa forma, optou-se por registrar
todo o material em áudio, com o auxílio de um aparelho gravador. Gil (1987) defende
46
o registro feito durante a entrevista, pois, segundo o autor, as anotações feitas após
o momento podem sofrer distorções da memória do entrevistador, distorcendo
importantes detalhes presentes na subjetividade da fala do entrevistado (p. 121). As
entrevistas foram gravadas através de um telefone celular com a permissão dos
entrevistados e catalogadas de acordo com as iniciais de cada entrevistado e seu
número na ordem cronológica das entrevistas.
Apesar da entrevista em profundidade ter a característica de ser uma
conversa informal, ela necessita de alguma organização para tornar possível a
análise. Assim, optamos por organizá-la da seguinte forma: em primeiro momento da
entrevista, buscamos entender um pouco sobre quem era o entrevistado, saber um
pouco sobre seus hobbies e sobre aquilo que fazia no tempo livre, a fim de entender
qual o papel do conteúdo televisivo em sua vida. Depois, passamos a falar sobre a
série, buscando entender um pouco sobre como ele se relaciona com os
personagens a nível de identificação. Apresentamos, então, as cenas 1, 2 e 3,
previamente selecionadas. A partir dos excertos assistidos, passamos a investigar
uma relação mais profunda do seriado em suas reflexões e ações, buscando
entender se o conteúdo do seriado tem alguma influência no telespectador para
além do momento do consumo da peça midiática.
3.3.1 Seleção de Amostragem
Levando em conta as necessidades da presente pesquisa foi escolhido
buscar uma amostragem por acessibilidade. Gil (1987) salienta que esse tipo de
amostragem é o que menos tem rigor estatístico (p. 97). No entanto, é o que se
acredita representar o determinado universo com certa qualidade. Iniciamos uma
busca por pessoas que tivessem uma ligação íntima com a série. Através da página
pessoal no Facebook do autor deste trabalho, foi feito um post informando que
estava sendo realizada uma pesquisa sobre o seriado How I Met Your Mother e
convidando fãs da série que tivessem acompanhado o programa até, ao menos, a
sexta temporada, que se manifestassem para uma possível entrevista. O resultado
foi positivo e uma amostragem qualificada em número mais que suficiente
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voluntariou-se para a pesquisa. Uma rápida conversa com cada um esclareceu seu
nível de familiaridade e ligação com a série.
Assim, para selecionar a amostragem foi levado em conta um contato de
longo prazo com o seriado HIMYM. Por se tratar de uma série com o arco mitológico
longo, é importante para nossa compreensão que a amostragem tenha uma
experiência prévia com o universo da série, a fim de que faça a leitura dos trechos
escolhidos também baseada na sua experiência prévia com o seriado e sua relação
afetiva com as características de cada personagem. Esse fator também se mostra
importante, pois, para Barthes (2001, p.136), o mito faz parte de um sistema
segundo, o qual necessita de um conceito já construído anteriormente, para que sua
fala possa cumprir a devida função.
O número de pessoas recrutadas para uma pesquisa qualitativa difere
muito do número para pesquisas quantitativas. Para McCracken (1988), o objetivo
da entrevista qualitativa é ter acesso aos conceitos e percepções de um
determinado grupo, o que seria muito mais sobre intensidade do que extensão em
números. Pré-agendamos o número de dez entrevistas, buscando sempre pelo
índice de saturação dos dados, que aconteceu na sétima entrevista, quando as
respostas começaram a se repetir de forma que nos fizesse crer que tínhamos
dados suficiente para uma análise de qualidade suficiente para este trabalho.
3.3.2 Coleta de Dados com os Entrevistados
Tendo em mãos todos os elementos necessários, o procedimento de
pesquisa acontece da seguinte forma: Uma vez selecionados os entrevistados e marcadas as entrevistas, damos
início a elas, uma a uma. Nesta ocasião, inicia-se o processo de entrevista em
profundidade, já descrito anteriormente cujo roteiro encontra-se no Anexo B deste
trabalho. Começamos com questões abertas sobre o perfil, os interesses e o
primeiro contato do telespectador do seriado e as primeiras relações de identificação
estabelecidas. Completada esta parte, passamos para a apresentação dos trechos
do seriado, quando convidamos o entrevistado a discorrer livremente a respeito do
que viu, com o intuito de compreender como a memória desses episódios o afeta e
como a mensagem passada o faz refletir. Esse trecho tem como objetivo salientar o
48
que há de representativo na narrativa mitológica presente no seriado e sentir as
reações do espectador quanto à reflexão gerada, caso ela aconteça, e as possíveis
ações decorrentes.
Todo o conteúdo das entrevistas é gravado em arquivos de áudio por um
aparelho celular. De posse das gravações, inicia-se o trabalho de transcrição das
entrevistas. A transcrição é feita o quanto antes, como aconselha Duarte (2012), o
fato de o ambiente e as respostas estarem mais vivos na memória, facilita as
conexões, inferências e ideias tidas anteriormente.
Ao realizar a análise destas entrevistas, trazemos de volta o conhecimento
adquirido no início desse trabalho. Relembramos o leitor que, em Jung, temos a
identificação do surgimento do mito na sociedade e de que forma ele atua no
comportamento humano. Em Campbell atualizamos esta ideia onde o mito tem uma
função de direcionar e auxiliar o ser humano em seus momentos de dificuldade, que
fazem parte da experiência de se estar vivo. Ainda em Campbell e com o suporte de
Cassirer e Eliade, observamos a função mitológica e sua relação com a linguagem.
Com a semiótica de Barthes, fazemos uma análise mais estrutural de como se
organiza a narrativa e quais os aspectos morfológicos que possibilitam que uma
narrativa contemporânea possa ser considerada de mito. Aqui, é importante dizer
que trataremos a análise barthesiana considerando que o modo com que o conteúdo
se organiza é o responsável por atribuir à mensagem, a característica de mito.
Finalmente, com Fontanille buscaremos entender o percurso gerativo do significado
através dos vários níveis sensíveis que um material comunicacional pode ter.
Iniciaremos pela própria mensagem do seriado que compõe uma cena predicativa,
dando sentido a uma prática. Em seguida, passaremos para o nível da situação-
estratégia, que diz respeito à conjuntura, ou seja, a interação entre as diferentes
práticas relacionadas ao momento de consumo do seriado. Por fim, analisaremos o
nível dos modos de vida, que dizem respeito às estratégias adjacentes do
telespectador que compõe uma prática mais atemporal.
49
4 ANÁLISE
O material coletado em nossa pesquisa trouxe-nos informação e
aprendizagem. Neste capítulo, buscaremos entrelaçar os conceitos já estudados
com a riqueza dos dados coletados. A partir da análise das cenas escolhidas
juntamente com os dados fornecidos pelos entrevistados, buscaremos desenhar a
teia de conexões que relacionam os assuntos e nos ajudam a dar um passo em
direção à compreensão, aqui proposta, de como os telespectadores se apropriam da
narrativa mitológica do seriado HIMYM. Buscaremos entender de que forma se estrutura a narrativa presente nas
cenas selecionadas e disseca-las à luz dos referenciados autores, buscando
entender mais sobre a natureza e o conteúdo de sua mensagem. Também, com
base na observação das informações coletadas, buscaremos definir categorias de
análise, que nos guiarão na busca de nosso objetivo auxiliando na organização da
vasta quantidade de dados e na complexidade narrativa do seriado. Juntamente a
isso, será analisada como a conjuntura presente nas práticas relacionadas ao
consumo do seriado é presente no seu processo de significação e comunicação.
Selecionamos duas categorias temáticas para orientar a análise deste
trabalho. Dentre as muitas questões acerca das relações humanas tratadas no
seriado, escolhemos duas que, durante as entrevistas, se mostraram mais evidentes
na percepção dos entrevistados. São elas resiliência e coragem. Na fala dos
entrevistados, elas se aparecem indiretamente sob a forma de exemplos e relações
das metáforas apresentadas no seriado com acontecimentos da sua vida. Estas
virtudes, segundo os dado coletados, nos pareceu de grande valor para os
entrevistados como ferramentas para superar dificuldades emocionais causadas por
questões-chave da vida. Através delas parece ser possível dar sentido a uma fase
difícil ou criar forças para enfrentar o medo, que aparece como um entrave ao
caminho da felicidade.
Convida-se o leitor para acompanhar-nos no caminho por nós traçado,
seguindo o rastro das investigações. Esta parte configura a resolução daquela que é
a razão de ser deste trabalho: fazer uma leitura da complexidade dos fatores
envolvidos neste processo de apropriação do seriado por parte do telespectador e
encontrar, em meio à numerosidade de informações disponíveis, pistas que nos
guiem em nosso objetivo.
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4.1 O Mito em HIMYM
Vimos, até agora, que o mito se expressa na linguagem sob a forma de
metáfora. Ele pressupõe um sistema onde um signo serve de significante para um
segundo processo de significação. Sendo assim, poderíamos dizer que a linguagem
mitológica se atualiza no seriado de televisão. A seguinte análise mostra que sim.
O grande arco narrativo de HIMYM mostra uma história cujas fundações se
encontram em temas universais: o amor, o ciúme, a expectativa de encontrar um
amor e assim por diante. Essas categorias temáticas se desenrolam pela ações e
decisões tomadas pelos personagens, apresentando uma solução possível e
identificável ao telespectador pelas características arquetípicas de cada
personagem. É esta construção da mitologia de cada personagem que entrega à
narrativa do seriado a característica de mito.
Através da constituição de comportamento dos personagens, é possível traçar
um histórico claro de suas atitudes e de seu papel naquele universo. Esta condição
quase que arquetípica de cada personagem constrói sobre ele um sistema de
significação primeiro, no qual a corporeidade do personagem serve como
significante e seu histórico de atitudes que é contado através de flashbacks ou da
experiência do telespectador ao longo do seriado: Se considerarmos o personagem
Ted como um significante, ele poderia ter como seus significados, esperança,
insistência, fragilidade e insegurança, por exemplo. Barney poderia carregar consigo
os significados de vigor, virilidade, coragem, impulsão, desrespeito, impetuosidade...
etc. Como vimos em Barthes (2001, P. 137), essa estrutura faz dos personagens
signos, a partir da totalidade que é o resultado da soma de sua imagem física e
daqueles significados a eles atribuídos. Isto se pode aplicar a todos os personagens
da série. Estes personagens, na qualidade de signos, passam a integrar o primeiro
nível de um novo processo de significação e de comunicação que inicia-se no
momento da atuação dentro do universo da série e das situações que ela apresenta.
Essa organização pode ser expressa no seguinte esquema:
51
Figura 10 – Estrutura barthesiana aplicada à construção de personagem no
seriado HIMYM.
Fonte: Elaborado pelo autor
Estes personagens que já são signo e têm, por si só, sua representatividade,
passam a ser suporte, significantes, de um outro sistema. Neste novo sistema, o
significado vem da situação apresentada através de um conflito dentro da história:
as dores da separação de Marshall trabalhada por Barney na primeira cena, a culpa
de Ted por não ter aproveitado o momento para beijar sua amada na segunda cena
e sua frustração por sua vida não seguir as metas de seu plano na última cena.
Tendo os personagens e sua representatividade anterior somados ao
significado da situação imposta, gera-se um novo signo, que representa aquilo que
significa a totalidade da cena analisada. Desta forma, analisando a estrutura de
significação do ponto de vista de Barthes, podemos entender que o seriado
analisado segue a estrutura sugerida pelo autor para os mitos contemporâneos e,
portanto, podemos entende-lo a partir de agora, como uma narrativa mitológica.
52
4.2 A percepção do mito pelos telespectadores
Esse seriado apresenta um discurso funcional, ficcional e, muitas vezes, sob
a forma de narrativa metafórica. Até aqui, através da observação do seriado e o
cruzamento com o ponto de vista barthesiano, conseguimos enxergar como,
estruturalmente o mito se manifesta no seriado. A partir de agora, olharemos para
esse fenômeno através do ponto de vista do telespectador.
Quando nos aproximamos da relação entre nosso objeto de estudo e os
indivíduos que são atraídos por esse material, nos deparamos com o momento em
que vem à tona os pontos da mitologia levantados por Campbell, Cassirer, Eliade e
Jung. É nesse momento, na interação do mito no cotidiano da vida, que os aspectos
práticos da relação mito-homem tornam-se observáveis. Se, como pregam estes
autores, o mito tem um papel no processo de significação das questões da vida,
servindo como um guia espiritual e aliviando as tensões do desconhecido, é na
exploração da fala dos entrevistados que a presença ou ausência desta
característica deve manifestar-se. O desencadeamento de ações e uma postura
reflexiva em relação à vida que pode acontecer por inspiração do material
apresentado pelo seriado HIMYM nos guiam nos últimos passos deste trabalho.
Também estaremos atentos à ausência desse aspecto relacional na interação dos
entrevistados com o seriado.
Para analisar estes aspectos no material coletado durante as entrevistas em
profundidade, é necessário um método que dê conta dos múltiplos aspectos
pertinentes à geração de significado do seriado. Para isso, nos sustentamos na
semiótica de Fontanille. Como colocado nos capítulos anteriores, ela nos apresenta
um caminho, o que o autor chamou de “percurso gerativo da significação”. Em seu
trabalho, Fontanille propõe um percurso pelo qual a informação percorre no seu
processo de compreensão.
O modelo proposto pelo autor (FONTANILLE, 2005) apresenta uma
possibilidade de entender a amplitude do processo gerativo de significação. Como já
foi mencionado, este modelo representa uma visão holística e nos dá um sistema
sob o qual apoiar-nos neste momento do trabalho. Todas as categorias
apresentadas pelo autor fazem sentido na natureza deste trabalho, no entanto,
apenas algumas servem prioritariamente ao nosso propósito. A seguir, organizamos
os conceitos de operação usados neste trabalho bem como as etapas do percurso
53
gerativo de significação que consideramos importante para o desenvolvimento desta
pesquisa. Eles são importantes na medida que condensam conceitos em palavras e
erradicam a ambiguidade da interpretação.
Tabela 2: Conceitos de operação empregados no presente trabalho.
Situação semiótica Configuração heterogênea que comporta todos os elementos necessários à produção e à interpretação da significação de uma interação comunicativa.
Percurso de integração O caminho percorrido pelos níveis de pertinência semiótica do qual resulta o encadeamento que gera sentido.
Categorias utilizadas do percurso gerativo de significação
Texto-enunciado A mensagem da enunciação. Um conjunto de informações organizadas de forma homogênea em um mesmo material.
Cenas Predicativas É a dimensão onde uma prática é convertida em situação semiótica.
Conjuntura/estratégia É a dimensão das experiências subjacentes às quais as cenas predicativas se ajustam.
Formas de vida Ethos, identidade de comportamento que se ajusta à estratégia e configura um dispositivo de expressão pertinente à analise.
Fonte: Elaborado pelo autor com base em Fontanille (2005)
Uma vez que este trabalho não se propõe a interpretar as minúcias do
material imagético do objeto de pesquisa, como a particularidade de cada signo
apresentado, deixaremos o primeiro plano de pertinência, do dos signos, de fora de
nossas categorias interpretativas. Também não pretendemos, aqui, trazer à luz da
análise as diferentes consequências causadas na interpretação do seriado por conta
das plataformas. Sabemos que, hoje, um produto como um seriado de TV não se
limita ao seu suporte tradicional, mas pode ser consumido, também, em
computadores, tablets ou qualquer outro equipamento que tenha a capacidade de
reproduzir vídeos. Entendemos que a moldura pela qual o seriado passa não
apresenta uma pertinência suficiente para este estudo e não será considerada em
nossa abordagem.
Agora, veremos como as categorias consideradas pertinentes para este
trabalho fazem a trama de relações com as categorias temáticas previamente
selecionadas: resiliência e coragem.
54
4.3 O Discurso de Superação no Seriado
A temática do seriado e os assuntos gerados durante seu andamento
percorrem variados temas da vida. Esta amplitude, podemos inferir, é um movimento
de roteiro que visa tornar projetivo o material sensível presente na série para quem
assiste. Episódio após episódio, durante os anos decorridos, Ted, Robin, Barney,
Lilly e Marshall viveram fases importantes de sua vida e vivenciaram de forma, às
vezes exageradamente dramática, as diferentes faces que compõem o prisma da
experiência de estar vivo.
Este trabalho não tem a ambição de ser um manual sobre a amplitude dos
temas tratados durante a série. Nosso esforço, aqui, será identificar, dentro deste
universo, aqueles temas que foram observados com mais frequência durante a
coleta de dados com os entrevistados, e a partir das cenas previamente
selecionadas. Como já dissemos, acreditamos que as três cenas selecionadas são
competentes em sintetizar a complexa trama de assuntos tratados nos anos que a
série seguiu. Analisando os trechos já apresentados em conjunto com a ampla
quantidade de dados obtidos na coleta de campo, podemos observar duas temáticas
centrais pelas quais se desenrolam diversos aspectos da vida humana e das quais
dependem a superação e significação de muitos percalços da vida. Acreditamos que
a presença dessas temáticas e o caminho gerativo de significação que elas fazem
até chegar na compreensão do telespectador entregam, da parte do seriado, uma
“experiência de vida” (CAMPBELL, 1990, P.6) que, para Campbell (1990) é quando
a vida se ocupa do sentido.
É interessante lembrar que o autor (CAMPBELL, 1990) critica, na sociedade
moderna, excesso de atenção nos assuntos práticos do cotidiano e pontua que nós
“não estamos familiarizados com a literatura do espírito” (p. 3). Para ele, esse fato
dificulta que os mitos apreendam os indivíduos e passem a fazer significado,
cumprindo sua função de guiar e orientar e podemos concordar que em nossa
realidade, o apego com a mitologia parece se exaurir.
No entanto, estamos, aqui, considerando que no seriado há uma narrativa
mítica. Mesmo que se apresente em moldes distintos daquilo que estamos
habituados a chamar de mitologia, esta narrativa configura-se mítica pela forma
como é apresentada. Isso é possível se levarmos em conta Barthes (2001), quando
afirma que “o mito é um sistema de comunicação, é uma mensagem” (p. 131). Se o
55
mito pode ser um sistema, então qualquer mensagem que seja montada nesse
sistema pode caracterizar-se como narrativa mitológica. Para o autor (BARTHES,
2001), “o mito não se define pelo objeto de sua mensagem, mas pela maneira como
a profere” (p. 131).
Feitas essas considerações, podemos observar um contraponto à crítica de
Campbell a partir da análise dos dados coletados. Nossa amostragem apontou
apenas um indivíduo que não encontrou, no seriado, um tema para a reflexão de sua
vida e suas ações. Todos os outros se mostraram muito interessados em falar sobre
os temas do seriado. A forma como os temas são abordados parece instigar e trazer
convidar o telespectador à reflexão, fazendo uma conexão das práticas de sua vida
com as do seriado:
[...] no meu relacionamento às vezes eu vejo coisas que acontecem na série eu vejo, assim, acontecendo comigo [...] É até engraçado isso, porque, como já é um campo conhecido, porque eu já vi no seriado como é que é eu fico: tá, e se tal coisa acontecesse, como seria pra mim, na minha vida, sabe? Meio… louco pensar isso, mas sabe, acaba acontecendo (Entrevistada 3).
Em tempo, entendemos aqui que, o conceito de ocupar-se de sentido, dito por
Campbell (1990), é o momento onde ocorre a relação, por parte do telespectador, do
material sensível apresentado na série com seu cotidiano, e é esta identificação que
estamos chamando de apropriação do conteúdo mitológico. Essa prática pode
resultar em uma reflexão ou insight e pode gerar, ou não, uma ação por parte deste
indivíduo. Podemos constatar este movimento ao analisar a seguinte de um
entrevistado:
Eu, pelo menos, sempre que eu vejo alguma coisa eu quero aprender, tirar uma lição daquilo ali. Então eu estou constantemente vendo o episódio e vendo: bah, isso daí não é legal, melhor eu não fazer isso um dia, sabe? (Entrevistada 3).
Em alguns momentos, alguns entrevistados ainda se mostraram propensos a
agir em função do material que apreenderam a partir do conteúdo do seriado.
[...] já terminei amizades depois de assistir um episódio meio... por ficar pensando demais naquilo e me dar conta de algumas coisas na vida que não estavam muito... (Entrevistada 2).
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Uma entrevistada, ao ser questionada sobre a reflexão do seriado se
transformar em uma ação, respondeu:
Sim! Em atitudes ou sentimentos, sim... acho que resulta em como eu me vejo e aí eu acabo tomando uma atitude diferente (Entrevistada 1).
A mesma também constatou em relação ao que apreende do seriado:
Eu acho que eu acabo tomando atitudes... melhores (Entrevistada 1).
Desta maneira, podemos começar a enxergar o poder que este discurso pode
exercer sobre os telespectadores. Isso reforça nossa crença a respeito da
pertinência para a área das comunicações em abrir essa discussão.
Serão, então, as duas categorias de mensagem presentes no seriado a serem
analisadas no presente momento: a resiliência e a coragem. Estas categorias foram
identificadas no discurso presente nas cenas selecionadas e na fala dos
entrevistados, quando questionados sobre elas. A primeira categoria, a resiliência,
trata da capacidade uma humana de enfrentar uma dificuldade sem esmorecer-se. A
segunda, coragem, é a virtude que nos permite enfrenar o medo em nome de algum
objetivo. No caminho desta pesquisa, identificamos que estes temas são recorrentes
no seriado e podemos vê-los com clareza na análise que segue sobre as cenas
selecionados. Não obstante, também pudemos identificar na fala dos entrevistados o
uso da linguagem mitológica em seu dia a dia dentro dessas duas categorias
temáticas. Por fim, resiliência e coragem são virtudes que estão presentes na fruição
de nossos modos de vida e dos quais a mitologia se apropria no seu
desenvolvimento.
Assim, com estes temas buscamos abrir um assunto da narrativa mitológica
no seriado de TV, cuja amplitude pode ser vasta, mas que, no presente momento,
trabalharemos dentro das limitações apresentadas pelo contexto ao qual esta
pesquisa está submetida. Estas categorias vêm dos materiais e foram identificadas a
partir de sua apreciação. É a partir do desenvolvimento criativo do seriado, das
decisões tomadas por produtores e roteiristas que as relações complexas se
estabelecem entre telespectadores e material televisivo. É desta riqueza que nos
alimentamos, tentando remontar parte desse complexo esquema relacional, a fim de
desenvolver o nosso objetivo neste trabalho.
57
4.3.1 Resiliência
Iniciamos nossas investigações pela categoria da resiliência. Esta qualidade
humana representa a quanto somos capazes de superar uma dificuldade sem o
resquício de traumas. O termo, que vem emprestado da física, é tema recorrente em
pesquisas de psicologia, onde é posicionado em contraponto ao trauma. É
empregado pelo mundo empresarial como uma categoria definitiva para um
funcionário de qualidade, uma vez que é de grande valor no mercado de trabalho
alguém que pode lidar sob pressão sem desmontar sua estrutura psíquica.
Percebemos que na vida relacional não é diferente. A resiliência parece estar ligada
a capacidade de identificar as armadilhas do temperamento e saber manter a
constituição de personalidade equilibrada a fim de superar uma crise. Isso não
significa não sentir dor, mas, sim, reconhecer o papel dela no curso da vida e
significa-la dentro de uma situação dolorosa.
Esta virtude, por assim dizer, está circunscrita em todo o seriado e sua
presença é notada no material que recortamos. Na Cena 1, previamente
selecionada, o personagem Barney postula a frase que tornou o personagem
famoso e foi alvo de muitas reproduções na internet: “When I get sad, I stop being
sad and be awesome instead. True story”. A qualidade moral deste conselho pode
ser questionada por um indivíduo mais crítico, mas, aqui, mostra a intenção em
superar um momento difícil de forma leve, apresentando uma nova forma de agir
frente ao problema. Entendendo esta cena como uma situação semiótica
(FONTANILLE, 2005), poderíamos classificá-la como uma cena predicativa, isto é,
uma cena que preenche de sentido uma ação. Aqui, o personagem aponta uma
atitutde a ser tomada frente a um problema. Vendo o amigo acometido por uma
grande tristeza, ele dá um conselho quando se está triste, independente do motivo,
dada a universalidade e complexidade desse sentimento. Barney propõe uma saída
aparentemente simples, reforçando sua característica de homem confiante e seguro.
Sabemos que, de fato, por em prática o conselho proposto é tarefa dificílima. Porém,
o personagem, aqui na sua função mítica, extrapola o conceito de segurança e auto
confiança com o intuito de inspirar uma ação. No momento que este material
sensível é apreendido pelo telespectador, ele passa a fazer sentido para este que
assiste e dá significação àquele momento em que lhe foi apresentada uma solução
para o problema que todos os personagens estavam lidando. Vemos isso em
58
Campbell (1990), quando ele postula que a mitologia ensina às pessoas “sobre sua
própria vida”.
A frase proferida por Barney não traz em seu conteúdo uma solução prática,
mas um diferente modus operandi em relação a uma questão-chave da vida: como
lidar com a tristeza decorrente de um rompimento. Para um de nossos entrevistados,
o entendimento foi o seguinte:
Ajuda a tomar muitas decisões que eu tomei, eu refleti: bah, eu acho que eu não devo ir pelo caminho de sempre. E a série mostra muitos outros caminhos (Entrevistado 6).
A relevância que tem a frase dita pelo personagem, no que diz respeito a sua
significação para os telespectadores, se deve ao que Barthes (2001) trata como a
cadeia semiológica que existe antes do mito. Ora, a esta altura do seriado (primeiro
episódio da segunda temporada), Barney já se configura com sua semântica
estruturada: ele tudo pode, e tudo faz. Suas ações e vontades são realizadas sem
muitos esforços e seu comportamento reflete esta certeza de quem sempre sabe o
que está fazendo. Uma mitologia antiga talvez o configurasse como um deus ou
heroi. Aqui, características de um homem acima da problemática da vida adjetivam
caricatamente o personagem tornando-o uma representação quase pura do mais
alto grau que a onipotência humana pode ter. Encarando o personagem como um
signo, nos conceitos de Barthes, temos em sua fala segundo sistema que vem
apoiado no primeiro. O efeito desta estrutura pode ser observado na fala do
entrevistado.
Ahn, a frase do Barney é muito Barney, e eu acho que um monte de gente meio que quer ser daquele jeito: tentar... não se deixar abalar por coisas assim e ser legal... ser awesome (Entrevistado 6).
Este raciocínio permite-nos acender uma luz sobre os dados colhidos em
nossos processos investigativos, no que diz respeito à resiliência.
Aquela cena foi bem legal, porque, como eu disse, eu estava solteiro, então eu tinha acabado um relacionamento e o Barney falando: 'ah, quando eu fico triste, eu paro de ficar triste...'. É uma coisa simples, mas que é verdadeira. Ele deu a real ali e é um daqueles tapas na cara que a série dá. É uma das coisas que eu me identifiquei e por isso a série é bem importante pra mim. (Entrevistado 6).
59
Aqui podemos perceber que o momento de vida do entrevistado acabou por
ser mais uma prática, mais um elemento de significação presente na experiência de
assistir a cena. Isso tudo soma-se ao que já falamos sobre os outros elementos que
têm parte nesta prática, como o prévio conhecimento das características do
personagem e o discurso por ele pronunciado. Isso configura o que Fontanille
chama de ajustamento entre cenas predicativas práticas. Os diferentes elementos
de significação ajustam-se a fim de construir conjuntos significantes novos, ou seja,
através desta prática de organização, cria-se um novo significado que diz respeito
àquele que assiste, à relação que aquela mensagem tem com o seu contexto. Esta é
a situação-estratégia que, na semiótica de Fontanille, diz respeito ao papel da
conjuntura no processo de significação e comunicação. Ao ser perguntada sobre
sentir que, em alguns momentos, a série lhe tocava no plano dos sentimentos e
emoções, uma entrevistado respondeu:
Alguns, dependendo de como estava a minha vida, do que eu estava passando... alguns momentos do Ted acabando um relacionamento... A Robin com o pai dela. Algumas coisas assim (Entrevistada 2).
Assim, podemos enxergar a pertinência dos diferentes níveis de significação
presentes no processo de interpretação do material contido no seriado. Se há
intencionalidade da parte dos produtores do seriado sobre esse fenômeno, não
sabemos responder, mas é notado que, por parte dos entrevistados, é dessa forma
que se dá o processo gerativo de significação.
No que diz respeito à resiliência, também podemos observar Cena 3
apresentada aos entrevistados. Nela, o personagem Ted desabafa com os amigos
sobre sua situação profissional. Frustrado, ele reclama que seu plano de ser um
arquiteto não deu certo, mas Lilly o encoraja dizendo que a vida não é como um
prédio que é projetada com antecedência, mas que vamos vivendo e ela vai se
projetando e se desenhando durante seu curso. Ora, se estamos dizendo que
resiliência é a capacidade humana de lidar com as adversidades sem que ocorra
uma perda de equilíbrio psíquico, podemos ver nesse discurso uma intencionalidade
de sugerir um caminho, uma maneira de pensar sobre o tema. Sobre esta mesma
cena, uma entrevistada comenta a sua experiência, dizendo que ela faz muito
sentido, pois aconteceu come ela de ser demitida no dia do aniversário, um dia
onde, para ela, coisas boas acontecem. Mesmo argumentando que o conteúdo da
60
cena é, em suas palavras, meio raso, quando perguntamos sobre existir uma flexão
a respeito da cena, ela afirma:
Não sei, eu acho engraçado, então... Talvez eu consiga rir um pouco de mim mesma nessas situações que, tipo, parecem ser terríveis, como ser demitida no dia do meu aniversário (Entrevistada 1).
Uma outra entrevistada comenta, sobre a mesma cena:
Não são histórias tão absurdas, apesar de ter umas partes engraçadas, tipo, a da cabra, tem muito sentimento que é exatamente o que eu vejo nos meus amigos sentindo. Eu tenho um amigo que é muito parecido com o Ted porque ele é muito assim, apegado, sensível às pessoas e faz tempo que ele procura uma guria que ele possa confiar. Ah, e acontece cada coisa com ele, e ele meio que desiste da vida, mas depois ele vai lá e tenta de novo. Acho que é uma coisa super válida que a gente vê eles passando. Super… humano, é bem cotidiano (Entrevistada 3).
No que diz respeito à mensagem de resiliência nesta cena, outra entrevistada
diz:
Eu acho que foi a análise racional dela (Lilly). Ela falou que: qual é o problema em não seguir o plano' Que isso é uma coisa que eu também faço. Eu planejo um negócio e eu tenho que fazer. Eu até tenho uma mania péssima de planejar as coisas com muita antecedência e quando elas não se realizam, isso frustra. E, no caso desse texto, qual é o problema de frustrar? Planejou um negócio e não deu certo. Qual o problema de planejar outro negócio em seguida? E isso é a vida, né (Entrevistada 7).
Podemos ver aí que os fatores exteriores ao seriado, como um problema
pessoal a ser superado e o convívio com o padrão de comportamento de um amigo,
contribuem para a geração de significado da cena e a apreensão do conteúdo
mitológico presente. Assim tomar corta a situação-estratégia do conteúdo analisado,
onde a o telespectador liga o conteúdo do seriado à sua experiência de vida e essa
experiência ajusta o material do seriado ao entorno de quem assiste, tornando,
assim, a apreensão do conteúdo mitológico, uma experiência fluída.
Finalmente, sobre a resiliência, perguntamos a alguns entrevistados qual
seria a mensagem final, definitiva, do seriado. De uma das entrevistadas, obtemos a
seguinte resposta:
61
Eu acho que seria algo como: ‘não deixar situações adversas mexer muito contigo [...] (Entrevistada 2).
Após observarmos as interações causadas pela experiência da narrativa
mítica no que diz respeito ao tema da resiliência, analisaremos, agora, a segunda
categoria identificada em nossa analise: a coragem.
4.3.2 Coragem
A coragem é virtude humana que consiste na superação do medo. Ela é tema
mitológico inesgotável e sua presença é reincidente nas narrativas míticas de todo o
mundo. É através da coragem que damos meio às nossas conquistas,
transformando em ação e resultado, aquilo que acreditamos e pelo que lutamos.
Apesar de ser tema recorrente de histórias claramente épicas, a coragem é uma
virtude constantemente revisitada em nosso cotidiano. A realização de um sonho, ou
um desejo muito forte muitas vezes tem que ver com a coragem de abandonar a
segurança e se aventurar na estrada desconhecida que leva aos nossos objetivos
mais enformados pela sensibilidade que configura um sonho. Na vida, exaltamos
aqueles que têm coragem para fazer o que querem e contamos as suas histórias,
dando, assim, continuidade à característica humana de mitificar acontecimentos que
tenham em seu conteúdo, material que exalte as virtudes humanas.
Na série HIMYM podemos encontrar a coragem em discursos que falam de
buscar um sonho, de tornar a vida espetacular e de fazer de cada dia um evento
memorável e digno de recapitulação. É na mesa do bar que o grupo de personagens
conta histórias e conjectura sobre a vida. A Cena 2, que selecionamos, se passa no
primeiro episódio da série. Nela, o personagem Ted comenta com os amigos que
está arrependido por não ter beijado a personagem Robin em seu primeiro encontro.
Os amigos concordam que ele devia tê-la beijado na primeira chance e que, uma
segunda, talvez não aconteça. Dessa forma, o seriado expressa um conceito
recorrente na vida humana de que, nem sempre na vida, temos duas chances de
realizar nossos desejos e objetivos. No decorrer da cena, o grupo vê a personagem
Robin na TV, onde trabalha como repórter. Ela está dando a notícia de que um
potencial suicida abandonou sua tentativa e não pulou de uma ponte. Neste
momento, Ted, envolto em um sentimento de coragem e inspirado pela metáfora da
segunda chance evocada pela história do potencial suicida, levanta-se e postula que
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irá beijá-la. Os amigos tentam alertar que talvez isso seja loucura, mas ele rebate
dizendo que nunca faz nenhuma loucura, que está sempre esperando pelo momento
certo e se mostra cansado de espera. No final da cena, os amigos apoiam a decisão
e o acompanham neste empreitada.
Aqui, mais uma vez vemos a característica que denotada por Barthes sobre o
mito fazer parte de um sistema terceiro. Ao queixar-se de seu comportamento
comedido e cauteloso, Ted apresenta sua forma de conduta perante aos problemas
e, mas importante, sua frustração com ela. Ao dar esse insight, o personagem
constrói sua personalidade perante o telespectador e é a partir dela que a
informação seguinte, o rompante de coragem para enfrentar sua frustração, entra
com a função de significante diante do sistema no qual Ted já faz parte.
Na Cena 3, Ted, mais uma vez frustrado com os percalços da vida, mostra-se
inconformado por ter sido demitido e estar numa situação de ter que aceitar um
emprego como professor de arquitetura. Ele justifica dizendo que esse não era o
plano e que seu plano era ser um arquiteto. Aqui, mais uma vez vemos o reforço
desta característica do personagem que já comentamos. Dentro do seriado, Ted se
mostra, frequentemente, frustrado com suas expectativas e com a característica não
linear da vida que faz com que seus planos nem sempre saiam como o esperado.
Neste momento, a história abre espaço para a intervenção de Lilly que, aqui, faz o
papel do sábio e dá uma nova perspectiva para Ted. Ela diz que ele deve esquecer
o plano e dar o salto, expressão que podemos entender, quer dizer que ele deve
enfrentar o medo de cair no desconhecido, tomar coragem e agir de acordo com o
que a vida apresenta. Vemos esta interpretação na fala de um entrevistado:
Então, aquilo ali também foi importante, foi mais um momento que eu me identifiquei: ah, não vou ficar esperando acontecer, vou fazer acontecer (Entrevistado 6).
A continuação desta cena se passa com o personagem Marshall ouvindo o
discurso de Lilly sobre a forma de lidar com a vida. Quando Lilly aconselha Ted a
ouvir o que a vida tem a dizer e “dar o salto”, Marshall toma o conselho pra si, e,
ignorando o caráter metafórico da frase, decide pular do terraço de seu prédio para o
terraço do prédio ao lado, coisa que durante toda a temporada ele havia planejado
fazer, mas lhe faltara coragem. Esta parte da corpo ao discurso de Lilly e torna
concreto o conselho que esta passa. Sobre esta parte, uma entrevistada comentou:
63
Quando eles falam a respeito de, tipo assim, pro Marshall ali de pular. Aí tu pensas: o que que eu deveria pular, porque tudo tem seus próprios problemas, aí eu penso a respeito deles a partir do que os personagens estão fazendo, sabe? (Entrevistada 4).
Podemos perceber como a linguagem metafórica, pela sua característica
polissêmica, permite uma fácil conexão do conteúdo do seriado com a vida da
pessoa que o assiste. E, a partir do material recolhido, constatamos que esta
característica pode, também, estar presente na totalidade do seriado, como
podemos ver na fala desta entrevistado que, ao ser perguntada sobre qual seria a
mensagem definitiva do seriado, respondeu:
Eu acho que o seriado tem muito a ver com: as coisas vão dar errado, mas vale a pena tentar. Não desistir. Pra mim é a mensagem que fica, porque, quantas vezes deu errado e só deu errado, nem consertou depois, mas pelo menos tu tentou, tu te esforçou (JR. ANEXOS, P. XX).
A mesma entrevistada justifica sua constatação com base na totalidade da
história de HIMYM:
Se o Ted não achasse a mãe, pelo menos ele saberia que ele tentou, foi atrás. Porque, todos os momentos da série que eles não ficaram tentando, desistiram da vida e resolveram ficar no sofá vendo TV e largaram de sair, sabe, pra vida, nada aconteceu. Então, se tu tenta, tem mais chance do que ficar sem tentar. Então, seria tipo isso. Às vezes tu sabe que não vai dar certo, mas o importante é tentar e se esforçar. Dar uma chance (Entrevistada 3).
E isso também está presente na totalidade do seriado, como podemos ver na
fala desta entrevistado que, ao ser perguntada sobre qual seria a mensagem
definitiva do seriado, respondeu:
Principalmente naqueles momentos que tu fica com medo de fazer alguma coisa e aí tu pensa: ah, não adianta ficar com medo, porque é como dizem no HIMYM, porque isso, isso e isso… eu acho que tem sim isso. Tu te motiva pelo que tu vê que dá certo só que, também, por outro lado é muito mais fácil dar certo numa série que é planejada para dar certo, mas acho que tem um pouco, assim, de um incentivo função do que eles fazem (Entrevistada 3).
Dessa forma, conseguimos enxergar de que maneira se organiza a situação
semiótica em função da geração de significado dentro do seriado HIMYM. Através
64
das unidades de cena (aqui, analisamos três) que carregam uma mensagem, o
telespectador faz o ajustamento dessa mensagem a partir do reconhecimento de
uma prática que lhe é comum, dando sentido àquela experiência visual. Este é o
nível da cena predicativa, que leva este nome porque ela confere sentido à prática a
partir da leitura do texto enunciado, que neste caso é o seriado. Ao conjunto dessas
práticas, dá-se o nome de situação-estratégia, que é o nível no qual elas se
relacionam e ganham significação, por meio de relações de “superposição,
sucessão, acavalamento ou concorrência” . É esta a experiência de conjuntura
(FONTANILLE, 2005, pp. 26 e 27).
A totalidade desses ajustamentos, em todos os níveis pertinentes ao processo
gerativo de significação, constitui uma regularidade que herda as práticas antes
comentadas. Isso quer dizer que os modos através dos quais o telespectador
interpreta e apropria-se do conteúdo mitológico presente na série acabam por
integrar uma prática global, que reúne todos os níveis anteriores, constituindo,
assim, o que Fontanille chamou de forma de vida. No caso de nossa análise,
percebemos esta padronização na repetição das interpretações apresentadas por
nossos entrevistados.
65
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Essa pesquisa não se encerra neste trabalho, que é apenas a primeira etapa
de um trabalho maior sobre a expressão do mito no seriado de TV e as experiências
decorrentes deste fenômeno. Por hora, apresentamos aqui as conclusões tiradas até
o presente momento.
Identificamos que o seriado HIMYM tem plenas condições de constituir uma
narrativa mitológica pelos termos de Barthes. A estrutura de sistema duplo
apresentado pelo autor pode ser identificada na forma de construção dos
personagens e de todas suas histórias, bem como as características a eles
atribuídas.
Uma vez integrados a essas características e ao tema da história, os
telespectadores criam uma relação de conexão com o conteúdo ali apresentado. O
conteúdo que é transmitido pelo seriado é apropriado pelo telespectador através de
um complexo processo gerativo de significação, antes descrito. As etapas deste
processo tornam possível que o material sensível presente em HIMYM seja
apropriado pelo telespectador baseado nas relações feitas entre o conteúdo das
cenas e os ajustamentos com a sua conjuntura. Isso resulta na formação do que
Fontanille chamou de formas de vida, que nada mais é do que o resultado da
totalidade do processo gerativo de significação que se encerra em uma prática que
compreende em si uma maneira de lidar com a totalidade dessa significação.
Essas práticas se desdobram em duas possibilidades: reflexão e ação. Na
primeira acontece uma avaliação de uma situação da vida que diga respeito ao que
foi visto no seriado. O tema do seriado desencadeia no telespectador um processo
de análise dos rumos da vida, fazendo uma relação de pareamento com o que o
material do seriado, na intenção de encontrar relações de igualdade ou diferença, a
fim de validar as ações futuras com mais assertividade. Esta reflexão pode terminar
em si mesma ou partir para uma segunda etapa. Nela, o telespectador, numa quase
que, mimetização, encontra no seriado justificativa e exemplos para conduzir ações
na sua vida, em situações análogas àquilo que ele interpretou.
O seriado, então, apresenta ao telespectador um modelo de interpretação de
determinados problemas do cotidiano apresentando uma proposição de solução a
esses problemas através de exemplos passíveis de gerar identificação com a
experiência de vida do telespectador que, por sua vez, usa estas meas experiências
66
e sua conjuntura como subsidio para a interpretação do conteúdo do seriado. Desta
dinâmica de comunicação e significação surge como resultado a reflexão e/ou a
ação. O seguinte esquema expressa graficamente este raciocínio.
Figura 11 – Expressão e experiência do mito no seriado de televisão
Fonte: Elaborado pelo autor
Neste ponto, percebemos que as características atribuídas à função
mitológica apresentadas ao início deste trabalho se fazem presentes no seriado How
I Met Your Mother. As significações míticas construídas através de uma estrutura
metafórica permitem ao seriado atuar na função de mito. Ele pode se apresentar
como um momento de experiência de vida em que o telespectador aprende sobre os
seus caminhos para enfrentar problemas aos quais todo o ser humano está exposto.
Através da experiência do seriado, conseguimos enxergar neste material midiático
uma atualização para a expressão do mito no cotidiano da sociedade, mostrando,
assim, que a narrativa mitológica não precisa enformar a realidade em uma história
fantástica que só é possível e pertinente a uma sociedade primitiva. A expressão do
mito pode e está presente em materiais midiáticos do nosso cotidiano, prendendo a
atenção do telespectador por conta da pertinência do seu conteúdo que é enformado
67
em uma estrutura que o caracteriza como narrativa mitológica. É o que faz com que
esta expressão cumpra a sua função milenar em pleno século XXI através da TV e
da convergência deste meio: ser uma bússola para o homem que não encontra seu
caminho frente às mazelas da vida, em uma sociedade onde a lição ensinada pela
narrativa mitológica ancestral está, aparentemente, adormecida.
68
REFERÊNCIAS
BARTHES, Roland. Mitologias. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 11ª ed. 2001
CAMPBELL, Joseph J. As transformações do Mito Através do Tempo. São Paulo: Cultrix, 1997.
______. O Poder do Mito. São Paulo: Palas Athena, 1990.
______. A Extensão Interior do Espaço Exterior. São Paul: Campus, 1991.
CASSIRER, Ernst. Linguagem e Mito. São Paulo: Perspectiva, 2009.
DUARTE, Jorge; BARROS, Antonio (org.). Métodos e técnicas de pesquisa em Comunicação. São Paulo: Atlas, 2005.
DUARTE, Elizabeth. PERSPECTIVAS PROCESSUAIS NO ESTUDO DA IMAGEM: o ponto de vista do texto e o ponto de vista do discurso. Caderno de semiótica aplicada, volume 7, número 1, Julho. 2009. <http://seer.fclar.unesp.br/casa/article/viewFile/1774/1437>. Data de acesso: 05/03/2015.
ELIADE, Mircea. Mito e Realidade. São Paulo: Perspectiva. 6ª ed. 2013.
FONTANILLE, Significação e Visualidade. Exercícios Práticos. Porto Alegre: Sulina, 2005.
GIL, Antonio C. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. São Paulo: Atlas, 1987.
JUNG, Carl G. O Homem e seus Símbolos. Rio de janeiro: Nova Fronteira, 2008.
______. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópolis: Vozes, 2007.
PESSOA, Fernando. Livro do Desassossego. Vol.II. Lisboa: Presença, 1990
69
ANEXO A – TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
1. Entrevistada L. Arquivo de áudio: 1_LT – Entrevista.amr
Qual teu ideal de ócio? 02:55 Ideal de ócio “Ai...dormir.”
Em que momentos assiste seriado?
03:53 “Ai, em casa, antes de dormir em dia de semana”.
04:40 Último seriado “Orange is the new black”.
Quando eu falo do seriado, qual a primeira coisa que vem na tua cabeça?:
04:45 “Eu acho tão bonitinho. Eu acho que vem o Ted e como ele é fofo”. “E
daí eu penso também, não é o Barney, o outro. O Marshall, é um querido, dá
vontade de abraçar. Acho as pessoas queridas, aí eu fico ‘aaah’”.
05:35 “Eu acho que eu me identifico muito com o Ted... e acho que é isso,
porque a gente tem a vida parecida, uma pessoa solteira que divide apartamento
com amigos. Que sai com várias pessoas e nunca consegue um relacionamento.
Mas eu não ‘tou buscando como ele(!), sabe?”.
O que te prendeu a assistir o seriado?
06:56 “Não sei, é porque é engraçado. Aquela coisa, tipo, antes de dormir, eu
vejo um negócio que eu dou risada e daí eu fico feliz...”.
FORAM MOSTRADOS OS TRECHOS SELECIONADOS.
Comente um pouco sobre isso (os trechos): 16:45 “Tá. A última me lembra muito uma coisa que aconteceu na minha vida.
Eu tava num emprego de merda, que pagava pouco e daí eu fui demitida no dia do
meu aniversário então, eu... ah, é o único dia que coisas boas acontecem (!!) Ai, eu
sou muito Ted, agora eu tou percebendo, tipo (rindo)...muito aquilo, sabe? Foi a
melhor coisa que me aconteceu porque, tipo, eu morava com meus pais ainda e em
um mês eu tava num emprego que pagava, tipo, bem mais, aí eu consegui com
70
minhas amigas sair da casa dos meus pais[...] E foi muito rápido, então, aquela
coisa... muito aquilo ali, sabe? Tipo, ai, tu acha que é uma merda ser demitido e tal,
e daí, na real foi uma coisa boa... ai(!) (sorrindo), a minha vida é um seriado
americano besta (risos)”.
E tu acha que o conteúdo do seriado faz a gente pensar?
17:49 “Faz! Ai (!) é que é meio raso, sabe?(!) Essa última cena foi brega,
assim, sabe? Ai, mas faz pensar sim! Mas, só que... tá. É meio raso, meio bobo...
mas faz”.
Já aconteceu outras vezes de tu te enxergar no episódio?
18:17 “’Siiim’, quase todos os episódios, eu acho”.
Por que tu acha que isso acontece?
18:20 “Porque eu sou muito parecida com o Ted”.
E o que isso desperta em ti além da reflexão?
18:32 “Não sei, eu acho engraçado, então... Talvez eu consiga rir um pouco
de mim mesma nessas situações que, tipo, parecem ser terríveis, como ser demitida
no dia do meu aniversário”.
18:52 “Porra, foi muito foda porque tava chovendo, eu lembro assim, tipo, foi
uma coisa, assim, cena de filme, daí, pelo menos te dá uma aliviada assim, tipo.. foi
engraçado, sabe, olhando agora...”.
Olhando agora...?
19:12 “Sim, pra essa situação, e... sei lá, ver essas coisas na série, assim,
sabe... mas foi engraçado, porque eu faço a associação com a série e acho
engraçado então eu não consigo achar tão trágico e ruim essas coisas que
acontecem comigo porque eu meio que faço essa relação e, sei lá. Acabo achando
engraçado”.
Que mais? Tu achas que isso faz alguma diferença pra ti? Já tinhas identificado isso em algum momento, antes da gente conversa?
19:54 “Sim, várias coisas no Ted, assim, quando eu via a série eu ficava, tipo:
‘hmmm, eu faço igual essa merda... é, era meio que uma (auto) análise assim, eu
71
acho, tipo... eu meio que prestava atenção em algumas coisas que eu não tinha
parado pra pensar que eu faço e daí ver que ele faz, e daí ver que tá errado... ou,
tipo, sabe?”.
E o que tu acha que isso gera, no que tu acha que isso resulta? Essa reflexão... resulta em alguma ação ou atitude, ou algum sentimento?
20:28 “Sim! Em atitudes ou sentimentos, sim... acho que resulta em como eu
me vejo e aí eu acabo tomando uma atitude diferente.”
Em relação a sentimentos, como isso mexe contigo? 20:51 “Ah... (suspiro). Eu sou uma pessoa muito sentimental... sensível.
(baixou o tom de voz, falou mais pausadamente) Eu acho que, nossa, o tempo
inteiro. Tudo me afeta. O que as pessoas dizem ou tudo que acontece. Então, sei lá,
as vezes a série, assim, é pra eu sentar, dar risada e ficar mais feliz, muda meu
humor. Mas, tipo, ai, sei lá, ficar refletindo sobre... é legal, essa série, porque não é
só dar risada a toa, né. Eu acabo refletindo sobre a minha vida... e tudo.”
E qual o resultado dessa reflexão?
21:36 “Eu acho que eu acabo tomando atitudes... melhores”.
Então, no geral, o que a série deixa? Qual é a mensagem da série, se ela pudesse se resumir em um “epitáfio”?
22:23 “Pra mim... é que não tem o certo e o errado, sabe? Mais pelo final da
série [...] O final eu achei legal que não foi um final óbvio tipo, conto de fadas, foi...
ai, não foi vida real porque é tudo muito idealizado o que acontece na série, mas
tipo, a mulher morreu e é isso que acontece na vida[...] Que não existe certo errado,
que não existe a coisa perfeita”.
E pra ti, um resumo final, o que a série representou, eu ainda representa pra ti? O que o ato frequente de assistir a série significava ou significa pra ti?
23:16 “Ah, era o momento de ver uma coisa querida e engraçada. Ai, ver
assim chega a dar uma saudadezinha, tipo, é uma coisa querida e agora não tem
mais”.
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2. Entrevistada G. Arquivo de áudio: 2_GA – Entrevista.amr
O que tu gostas de fazer no teu tempo livre? 00:51 “Ler. Ler bastante...”
O que é ideal de ócio pra ti?
02:12 “Ãh... haha. Dormir... Ããh... assistir qualquer merda... sei lá, entra no
Netflix e bota o pior filme do mundo... haha”
E como é que tu chegou em HIMYM?
04:03 “Por um ex. Ele me apresentou e depois a gente terminou e eu
continuei assisindo.”
Tu assistiu toda ela?
04:16 “Sim. Toda.”
Quando eu falo HIMYM, qual a primeira coisa que te vem à cabeça?
04:16 “Robin.”
Por quê?
04:33 “Eu gosto dela. É a minha personagem preferida. Ahn... Canadá.. .vem
muito à cabeça . E eu gosto da personalidade dela.”
Em que sentido?
04:49 “Sarcasmo... Ela ser meio tomboy . Eu consigo me identificar muito, que
eu sempre fui ‘guri’. O jeito que ela se relacionava com o Barney antes de eles terem
um relacionamento amoroso, de wingman ... É muito ‘afuder’”...
A guria que tá com o cara e dá uma mão...
05:20 “Aham. É, eu consigo me ver muito nela. ”
Se tu pudesses resumir o seriado em poucas palavras, frases...
73
05:37 “Ah... um... cara. Procurando meio desesperadamente uma pessoa...
para amar, para casar, mas que acaba não sendo o principal personagem. Com
amigos que são mais interessantes que ele muitas vezes no seriado. ”
FORAM MOSTRADOS OS TRECHOS SELECIONADOS Arquivo de áudio: 2-2_GA – Entrevista.amr
Comenta um pouco, e pode, já, pensar um pouco, sobre esses três discursos. (recapitulando as cenas assistidas).
01:05 “Eu acho que algumas várias vezes a série tentou ser meio Friends , e,
tipo, aquele discurso da Lilly é uma coisa que eu consigo ver em Friends. De ser,
meio, lição de moral, esse tipo de coisa. Ahn, a frase do Barney é muito Barney, e
eu acho que um monte de gente meio que quer ser daquele jeito: tentar... não se
deixar abalar por coisas assim e ser legal... ser awesome. E eu gosto de quando o
Ted vai atrás da Robin e a comparação dele de dar o pulo é bem How I Met Your
Mother... o tipo de piada. Eu acho que fica legal pra série. E é legal de assistir
momentos assim às vezes. Uma piadinha, assim, mas que tem um fundo de ‘vou
fazer alguma coisa’. Eu curto”.
Tu disseste que tu já viste isso em Friends. Qual tu achas que é o motivo dessas lições de moral estarem...
03:18 “Eu acho que é o que as pessoas querem escutar. As pessoas querem
se identificar com o que elas estão vendo e muita gente assiste pra fugir um pouco
do dia a dia e é bom ouvir esse tipo de coisa de uma pessoa que não esteja na tua
vida.. sei lá. Dá um certo ânimo.”
Por que tu achas?
04:00 “Porque... tá meio foda viver (risos). Tá meio foda viver...(ainda rindo
bastante, faz pausas). E... nesse escape, achar um ponto de, não é de confiança,
de... apoio, sabe de... é bom. Não sei me explicar muito bem, mas...”
Tu sentias isso quando tu olhavas? Tu percebias momentos e discursos que mexiam contigo de certa forma?
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04:45 “Alguns, dependendo de como estava a minha vida, do que eu estava
passando... alguns momentos do Ted acabando um relacionamento... A Robin com
o pai dela. Algumas coisas assim.”
Quando que o seriado mexia contigo? O que precisava, o que desencadeava isso?
05:35 “Ahn... momentos mais de ‘amigo’. Porque... eu não tenho muitos
amigos e sempre foi meio.. ahn, as pessoas não me entendem muito bem, assim.
E... é muito raro eu conseguir ser muito amiga de uma pessoa e eu já quebrei muito
a cara com amigos. E eu acho que ver uma relação de amizade que nem a deles,
por exemplo é meio ‘assim’ pra mim.”
Assim como?
6:25 “Mexe um pouco porque... eu não tenho muito disso na minha vida.”
Tu achas que isso desencadeia alguma atitude tua? Tu achas que isso que tu pensas, sentes, ou refletes quando tu assistes o seriado sai do seriado e vai pra tua vida de alguma forma?
07:00 “Em alguns momentos sim. Quando eu estou mais vulnerável. Ahn.. já
terminei amizades depois de assistir um episódio meio... por ficar pensando demais
naquilo e me dar conta de algumas coisas na vida que não estavam muito...”
Tu te deste conta disso a partir de um momento do seriado. A partir de alguma coisa que tu viste no seriado, certo? Que tu achas que tinha no seriado, que tu achas que foi tão certo, assim, no que tu estavas passando, sentindo, na tua situação. O que tu achas que o seriado tem que te fez refletir sobre a tua situação?
07:58 “Ahn... diálogos bons a ponto de me fazer pensar, mas, ahn... ai...
(longa pausa, pensando). Acho que... a parte da amizade entre homem e mulher,
que eu sempre tive muito mais amigos do que amigas e o jeito com que eles se
tratam.”
Tu falaste sobre diálogos bons. Tem como tu definir um pouquinho o que é um diálogo bom nessa situação?
75
09:23 “Pra mim é um diálogo que tenha um ritmo bom de se acompanhar.
Ahm, que... ai, fugiu a palavra. Que... faça pensar um pouco em vez de só estar
olhando para passar o tempo e entreter, obviamente. Não tem como assistir cinco
minutos de diálogo e dormir no meio”.
E o que tu achas que está nesses diálogos que faz pensar? É o que eles falam, é o jeito de falar, é a maneira de escolher as palavras para pontuar um assunto...?
10:25 “Tem muito da maneira de falar e da escolha de palavras para a
ocasião, para o que está acontecendo, assim... meu deus (risos). Tipo... a cena que
o Marshall pula. A Lilly estava falando com o Ted e o Marshall ‘levou’ pra ele, assim”.
E tu achas que antes deste discurso que mexeu contigo acontecer, tudo que aconteceu na serie, o andamento, o ambiente que a série cria te dá mais suporte para dar ouvidos para o que está sendo falado ou tu achas que se tu ligasse a televisão naquele momento tu ia ter te identificado e prestado atenção da mesma forma?
11:38 “Eu acho que talvez, poderia, se eu ligasse a TV naquela hora e visse,
sim. Mas eu acho que a construção do relacionamento dos personagens me ajudou
bastante sim. Conhecer eles, saber o que estava acontecendo. Mas, eu poderia ter
me relacionado com aquilo mesmo tendo assistido só aquela parte;”.
E aí, por que tu achas que isso aconteceria?
12:22 “Bom, naquele... ahm, era em relação à Robin com o pai dela. E... eu
acho que, para mim, funcionaria em ambos os jeitos porque era uma coisa que já
tinha acontecido comigo.”
Como tu acha que essas situações da vida chegam no seriado?
13:21 “Olha. Eu acho que um bom roteirista tem que escrever coisas que as
pessoas consigam se identificar. Coisas que ele conheça, também. Pode ser que ele
tenha pego muitas situações que eles viveram, ou de outras pessoas que eles
conheceram viveram. E eu acho que é mais relacionável com a vida cotidiana, com
a vida real, do que um sci-fi (risos).”
76
Para finalizar, se a série fosse resumida em uma frase, como se fosse um epitáfio. O que seria?
15:09 “Eu acho que seria algo como: ‘não deixar situações adversas mexer
muito contigo e parar de procurar um pouco’.”
Tu achas que isso é ensinado ao longo da série e é aprendido, no teu caso, pelo menos?
15:31 “Eu acho! Toda vez que o Ted tentava com muito afinco, sempre dava
merda. Quando ele meio que parou, quando ele estava desistindo, ele encontrou a
mulher [...] pra mim sempre foi verdade isso , na real. Eu sempre consegui coisas
quando eu não estava tentando muito..”
3. Entrevistada J. Arquivo de áudio: 3_JR - Entrevista.m4a
O que tu gostas de fazer no tempo livre? 01:19 "É… basicamente o que eu faço quando eu estou com tempo livre é
comer, dormir e ver série. Mas às vezes eu saio bastante também, com meu
namorado. Mas em casa é só isso que eu faço, até sinto falta de fazer isso. Então,
quando eu tenho um tempo livre, assim, às vezes meu tempo livre é só na hora do
almoço, então eu sento, como e vejo série. Então, dá pra misturar tudo ao mesmo
tempo".
Como seria um dia ideal pra ti? 01:44"Acho que eu ia acordar a hora que eu acordasse, não ia ter que
levantar porque tem que levantar e aí ia ter um almoço da minha mãe, pronto… e
depois, de tarde, ia sair com meu namorado pra fazer alguma coisa que a gente
gosta, pode ser só ir na casa dele. Ficar com ele já é legal. E aí, de noite, chegar e
ficar no computador conversando com o pessoal no Face. Acho que seria isso. Faz
tempo que eu não tenho isso".
Tu costumas ir no cinema, olhar TV, ou olhar programas de TV mesmo em outro lugar?
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02:23: "Hmmm… no cinema eu vou bastante. Ver programa de TV…
basicamente eu vejo sempre os mesmos canais… tipo, eu não vejo muito TV aberta.
Eu vejo mais Warner, Sony… que tem bastante série..
E tu olha bastante série na televisão? 02:40: "Mais na TV que no computador".
Se tu pudesse definir o papel da TV ou dos produtos de TV na tua vida? 03:20: "[...] ai, TV é tão prático. Às vezes eu tou fazendo um desenho, deixo a
TV ligada porque mesmo que eu não esteja super prestando atenção naquilo ali já
dá um conforto, tem mais uma voz em casa… é, uma espécie de companhia. E é
uma diversão tão simples, que não precisa fazer esforço nenhum. É só tu ligar a TV
e tá ali".
E falando em seriado, assim. Qual o primeiro seriado que te vem na cabeça? 04:31: "Friends… Friends, que sempre, desde pequena eu odiava quando
minha mãe e minha irmã assistam, porque eu não entendia, era muito de adulto. Ou
de adolescente, eu era criança. Depois que eu comecei a dar uma chance, Friends
foi, tipo, a melhor série. Eu sei todos os episódeos de cor e depois de Friends eu dei
uma enjoada [...] e eu fui descobrir HIMYM e agora, também, sou muito fã".
Em que momentos tu costuma assistir seriado?? 05:10: "Quando eu estou almoçando ou jantando. E… quandoe eu estou com
a minha mãe, às vezes. É uma coisa que eu faço junto com ela, assistir. Ou, quando
eu já não tenho mais nada pra fazer, ou até tenho, mas eu não estou a fim, no final
de semana, assim".
E quando eu falo HIMYM, qual a primeira coisa que te vem na cabeça? 06:20: "Barney, hahaha".
Por quê? 06:27: "Ah eu não sei. Eu acho que ele não é o principal, mas, pra mim, se ele
não estivesse na série, talvez eu nem fosse ver, porque eu acho ele muito divertido.
Bah, eu acho ele sensacional, hahaha. Acho ele 'awesome', hahaha".
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O que mais da série vem na tua cabeça quando tu pensa em HIMYM, fora os personagens… ou outro personagem que… é o segundo...?
06:45: "Eu acho que tem uma coisa, não é bem uma palavra, no HIMYM que
eu acho legal que é a parte romântica dele, porque, querendo ou não, é uma série
baseada numa coisa extremamente romântica, né, que é a luta de uma pessoa para
conhecer alguém. Que ela, às vezes, desiste e as vezes pensa 'vou continuar'. Acho
que HIMYM passa essa boa sensação de que, no final, vale a pena tu ficar
esperando por alguém, que vai ter esse alguém".
Quando tu começou a assistir HIMYM, o que te prendeu? O que te levou a assistir o primeiro (episódio) e o que te fez continuar assistindo?
07:27: "É engraçado, porque eu comecei assistindo porque eu vi muita gente
falando bem, e isso já faz alguns anos. E aí eu estava com Netflix na época e só
tinha as duas primeiras temporadas. Daí eu só vi as duas primeira [...] numa
sentada, eu vi tudo com a minha mãe, acho que porque a série é fácil de assistir,
não é pesada, é divertida. Termina o episódio tu: 'ai, que legal, quer ver mais um'".
E se tu pensa nos personagens, tem algum com o qual tu te identificas mais? 08:39: "Hm… algumas situações eu me identifico com a Robin, porque ela
tem um pouco de… ela não gosta de mostrar vulnerabilidade, que eu tenho um
pouco disso, mas ao mesmo tempo eu sou muito sensível, então isso já não
combina muito com ela. Mas isso de, quando ela tenta fugir isso e tenta não se abrir
muito, eu entendo um pouco ela. Mas, também, com a Lilly, porque, principalmente,
a Lilly namora a muito tempo com o mesmo cara e eu namorei muito tempo a
mesma pessoa, e, quando eu comecei a assistir, eu ainda estava com essa pessoa,
agora não estou mais. E aí eu pensava: poxa, é possível uma pessoa namorar
desde nova, ser o primeiro namorado e passar tanto tempo. Então, eu me
identificava muito com ela. Mas agora que eu terminei com essa pessoa, que não
deu muito certo, talvez eu nem me identifique tanto, então, fica mais a Robin".
FORAM MOSTRADOS OS TRECHOS SELECIONADOS Arquivo de áudio: 3.2_JR - Entrevista.m4a
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Comenta um pouquinho sobre o que te passa pela cabeça vendo esses trechos.
00:06: "Acho que eu lembro do momento que eu vi pela primeira vez, a
sensação que eu tive. Vai lembrando, assim. E… sei lá, quando mostra, por
exemplo, o Ted na fossa, achando que a vida dele tá horrível, eu lembro que eu
pensava: ah, ele tá achando isso, mas eu sei que ele vai encontrar a mother, que
tudo vai ficar bem. Então dá um conforto que ele não tem e eu tenho, porque eu fico
triste junto com ele. Que nem o Marshall, quando a Lilly (o) deixou. Eu fico triste
junto com ele, mas eu sei que no final vai dar tudo certo. Aí eu vou lembrando da
sensação que dá de ver eles meio mal, mas que no final, tudo vai funcionar'".
E essa sensação que tu tens, olhando pros personagens, olhando para o seriado. Tu achas que é possível transferir isso pro cotidiano, para a vida vivida?
01:08: "Acho que sim, porque tem muita história parecida por aí que… é a
mesma coisa. Não são histórias tão absurdas, apesar de ter umas partes
engraçadas, tipo, a da cabra, tem muito sentimento que é exatamente o que eu vejo
nos meus amigos sentindo. Eu tenho um amigo que é muito parecido com o Ted
porque ele é muito assim, apegado, sensível às pessoas e faz tempo que ele
procura uma guria que ele possa confiar. Ah, e acontece cada coisa com ele, e ele
meio que desiste da vida, mas depois ele vai lá e tenta de novo. Acho que é uma
coisa super válida que a gente vê eles passando. Super… humano, é bem cotidiano.
Eu sinto. Várias vezes eu torcia muito para o Barney ficar com a Robin porque eu
me acho muito parecida com… a história deles é muito parecida com a minha
história com o meu namorado e quando eu vi que eles não iam ficar juntos, me deu
assim um… bah, será que vai ser o mesmo futuro pra eu e pra ele, né? Porque são
coisas parecidas, aconteceu com eles e terminou de uma maneira super real, não de
uma maneira 'contosde de fadas', então, a gente fica se comparando. Ah, se
aconteceu isso com ele, será que vai acontecer isso comigo? Porque tudo são
coisas bem possíveis".
Tu achas que isso acontece bastante no seriado, essa comparação, fazer essa projeção...?
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02:20: "Sim… sim! Bah, direto. Quando eu vejo gente parecida com eles eu
sempre penso: bah, será que essas pessoas que eu conheço vão ter o mesmo fim
que eles? Hahaha.".
E tu achas que quando tu pensas nisso e essa reflexão que o seriado gera… ela resulta em alguma ação prática na tua vida?
02:39: "Eu não vou mentir que alguma vez eu já não vi que alguma coisa
conteceu no HIMYM e eu quis viver isso na vida real. Tipo: eles terem o lugar em
que eles se reúnem, o lugar deles… já tentei criar esse lugar pra mim também, com
meus amigos, porque, tu vê eles terem aquilo ali e tu pensa: ah, que legal eles terem
um lugar para se encontrarem, eles não têm nada pra fazer, eles se encontram lá,
que nem no Friends, também tem isso. Aí tem coisas que eu tento trazer para a
minha vida, ver se acontece do mesmo jeito, viver aquilo que eles vivem que eu sei
que eles gostam. Ou coisas que eles não gostam, tentar repetir na minha vida,
também acontece...".
E por que tu achas que isso acontece? 03:21: "A gente vai se identificando com o personagem, vai se apegando e vai
vendo… na verdade, o roteirista tá lá escrevendo da maneira que ele quer que as
coisas aconteçam, mas ele se baseia no que humanos de verdade fariam, na
maioria das vezes. Então é como se tivesse assistindo exemplos de pessoas… tu tá
assistindo vias de pessoas, pode ser pessoas da rua, que seja. Naquele caso são de
pessoas inventadas, mas tu tá vendo exemplos deles e tu pensa se aquilo ali não é
real também, se aquilo ali não vai acontecer um dia contigo também, com alguém, e
tu tenta… eu, pelo menos, sempre que eu vejo alguma coisa eu quero aprender, tirar
uma lição daquilo ali. Então eu estou constantemente vendo o episódio e vendo:
bah, isso daí não é legal, melhor eu não fazer isso um dia, sabe? Trair meu amigo
ficando com a ex-namorada dele, bah, isso não dá certo, é melhor eu nunca fazer
isso também. Aquelas coisas que a gente vai pegando pra nós porque eles são
pessoas e a gente é pessoas, e a gente vive coisas parecidas e daí já mistura tudo e
já começa a achar que aquilo ali é muito real. Mesmo às vezes que tem umas coisas
forçadas, as vezes a gente ficava tomando como realidade".
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E por que tu achas que tem esses pontos-chave no seriado que tu te identificas com a tua vida, que tu identificas com o teu momento. De onde tu achas que vem isso?
04:32: "Hmm… como eles são, talvez, mais velhos que eu… é que nem
quando eu era criança e via história de princesa, por exemplo. E achava que aquilo
ali era o normal de acontecer. De conhecer alguém, se apaixonar e aí, depois, da
tudo certo, ter um filho, ficar junto… e aí tu pensa: tá, quando eu crescer vai ser
assim né. Só que, daí, tu vai crescendo, tu vai vendo que as coisas não são assim e
tu começa a procurar novas referências. E eu acho que o seriado que são com
pessoas um pouco mais velhas, ou, talvez, com pessoas na mesma faixa etária são
a nova referência. Porque são jovens da época atual, não são mais da idade média
e eles passam por problemas e te mostrar: tá, as vezes tu vai conhecer a guria e vai
casar com ela, tu vai ter filho com ela e ainda asism, às vezes não vai dar certo.
Então, que tu vai fazer quando tu chegar nessa hora? Os contos de fada, quando eu
era pequena, não me ensinavam isso. Aí agora eu olho e penso, tá, aqui, com eles,
eu posso aprender, quando situações surgirem, o que é bom de fazer ou não".
Eles vivem numa realidade meio diferente da nossa… como tu acha que isso te influencia quando tu tá assistindo? Não que isso te influencie a pensar de um jeito ou de outro, mas quais são as relações que tu fazes com eles estarem numa realidade diferente? Tu falaste que o fator temporal aproxima eles de ti.
06:10: "Tem algumas coisas que são parecidas, mas tem umas coisas que
não têm nada a ver, né, com o que eles vivem, com o que eu vivo e, sei lá, no meu
país se passa. Eles vivem numa realidade diferente, eles têm empregos diferentes,
eles têm costumes diferentes, mas… acaba tendo uma influência que, como eu
falei, esse negócio de eu querer ter um lugar para me encontrar com meus amigos…
essas partes diferentes que são boas a gente acaba querendo trazer pra cá, ou
querendo ir pra lá. Depois de ver Friends e HIMYM que se passam em Nova Iorque
eu tenho a sensação de que, se um dia eu for para Nova Iorque eu vou viver aquilo
que eles vivem. É uma besteira, porque, óbvio que não. Eu vou estar na cidade, mas
todo o resto não vai estar lá ainda. Mas eu acabo querendo trazer para cá ou, sei lá,
incorporar em mim, ou ir para lá viver algumas coisa assim. Ou conhecer gente
parecida com eles. Me aproximar de alguma maneira da realidade deles. Porque é
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tão legal aquilo ali. Por mais que eles sofram, eu sei que vai acabar bem e eu acabo
querendo ter aquilo ali também.".
E, tu disseste que várias vezes tu vê momentos que passam contigo ou que possam passar contigo[...] tu achas que em algum momento que tu não estás olhando o seriado, mas que tu estás vivendo, tu lembras disso? Tipo, eu já vi isso acontecendo.
07:36: "Sim, é. Ahm… acho que principalmente no meu relacionamento, como
o seriado trata muito de relacionamento, no meu relacionamento às vezes eu vejo
coisas que acontecem na série eu vejo, assim, acontecendo comigo, e ás vezes até
como meu namorado também assiste, eu até comento: ah, isso tá parecendo aquela
cena, que aconteceu. E, às vezes, eu até acabo forçando para a quela coisa
acontecer. É até engraçado isso, porque, como já é um campo conhecido, porque eu
já vi no seriado como é que é, eu fico: tá, e se tal coisa acontecesse, como seria pra
mim, na minha vida, sabe? Meio… louco pensar isso, mas sabe, acaba
acontecendo. Por exemplo, o Barney ser meio mentiroso, e tal, com a Robin. E isso
irrita ela. E meu namorado é muito… ele não é mentiroso comigo, né. Eu espero,
mas eu sei que ele é uma pessoa que mente para a mãe dele. Mente quando for
conveniente, né, e tal. E aí eu fico às vezes querendo saber como seria se fosse
comigo tal situação. Se, exatamente aquela cena do HIMYM acontecesse comigo,
se ele iria reagir de uma maneira que eu gostaria ou não ou se ele, sei lá. Faria
alguam coisa como o Barney fez com a Robin e ela não gostou. E aí, se tem a
oportunidade daquilo ali acontecer, eu identifico, baseado na série e tento criar
aquela situação para ver se ele vai reagir da mesma maneira ou não. Isso acontece,
sabe?".
Tu crias a situação para...? 09:08: "É, eu sou capaz de criar a situação só para ver se a minha vida tem
alguma relação com HIMYM".
E tu esperas que ela tenha? 09:15: "Quando é uma coisa boa, muito. Eu espero muito. Agora, quando é
uma coisa ruim, até não é tão ruim se tiver uma coisa a ver com HIMYM porque, se
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aconteceu com eles e foi uma coisa ruim e eles contornaram… então, sei lá. Dá uma
esperança que eu também vou conseguir contornar isso".
E tu saberias pensar o que te faz levar em consideração a possibilidade da tua vida ser parecida com o seriado?
09:45: "Ahm… eu acho engraçado porque, se eles fossem pessoas reais,
talvez eles nem imaginassem que a vida deles seria interessante o suficiente para
ser um seriado, né. Mas, ao mesmo tempo, a gente que tá assistindo, a gente acha
aquela vida deles muito legal, eles ter aquela amizade, aquele mundo todo, viver
naquela cidade legal, e todas aquelas aventuras, todas as histórias que elas já
tiveram. Queria que minha vida fosse legal como se fosse um seriado, sabe? Se
alguém um dia sentasse para assistir a minha vida num reality show, eu teria história
para contar, teria coisas divertidas acontecendo. Não seria só minha vida: sentar,
fazer meus desenhos, assistir TV e voltar pra dormir, sabe? Acho que eu queria ter
uma vida que seria tão legal de assistir quanto é a deles".
E se tivesse uma mensagem final do seriado. Se ele moresse e tivesse alguma coisa escrito na lápide. O que tu achas que seria?
10:47: "Eu acho que o seriado tem muito a ver com: as coisas vão dar errado,
mas vale a pena tentar. Não desistir. Pra mim é a mensagem que fica, porque,
quantas vezes deu errado e só deu errado, nem consertou depois, mas pelo menos
tu tentou, tu te esforçou. Tá, o Barney e a Robin não terminaram juntos, mas pelo
menos ele sabe que ele tentou ficar com alguém que ele gostava. Não deu certo,
paciência. Agora toca a vida de outro jeito, pelo menos ele sabe que ele tentou. Se
o Ted não achasse a mãe, pelo menos ele saberia que ele tentou, foi atrás. Porque,
todos os momentos da série que eles não ficaram tentando, desistiram da vida e
resolveram ficar no sofá vendo TV e largaram de sair, sabe, pra vida, nada
aconteceu. Então, se tu tenta, tem mais chance do que ficar sem tentar. Então, seria
tipo isso. Às vezes tu sabe que não vai dar certo, mas o importante é tentar e se
esforçar. Dar uma chance".
4. Entrevistada A. Arquivo de áudio: 4_APR - Entrevista.m4a
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O que tu gostas de fazer no tempo livre? 00:27 "Eu gosto muito de ver HIMYM, mas também eu gosto muito de ficar
ouvindo música, procurar músicas novas, assim".
Qual é o teu ideal de ócio? 01:46 "Acho que é ficar deitada no sofá, mexendo no Facebook e vendo TV".
Onde tu costumas assistir seriado? 02:22 "Normalmente eu vejo na TV e quando eu gosto muito de uma série,
que é o caso de HIMYM, eu assisto online mesmo, eu costumo baixar".
Qual a primeira coisa que te vem na cabeça quando eu te falo em televisão? 02:53 "Ah… não sei bem. Eu penso, assim, em ter tempo livre. Se a pessoa
pára para ver TV é porque ela não tem nada para fazer mesmo, sabe?".
Então onde está a TV no teu dia-a-dia? 03:12 "Tá naquele momento que eu tenho alguma coisa para fazer mas eu
estou protelando, tá ali a TV".
E o que tu mais costuma assistir além de seriado? 03:19 "O que eu mais assisto são os seriados mesmo, normalmente seriados
de comédias, mais tranquilinhos. Eu não costumo parar para assistir coisa muito
séria, embora eu goste também de ver filmes. Mas normalmente, quando eu paro
para assistir TV são esses seriados assim, esse estilo''.
E por que tu prefere esses seriados a outros mais pesados? 03:40 "Ah, não sei. É porque eu acho que esse é um momento de descontrair,
sabe. Ver uma coisa, assim, que te deixe tranquila, mais alegrinha e não tão num
estado mais concentrado, que é assim que tu tá quando tem as outras coisas para
fazer''.
E que tipos de seriado tu costumas assistir? 03:59 "Normalmente os de comédia, mesmo.''.
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Se eu falo em seriado, qual o primeiro que vem na tua cabeça? 04:06 "Ahn, HIMYM. E The Big Bang Theory, também''.
Tu lembra qual foi o primeiro seriado que te fez começar a gostar de seriado? 04:22 "Eu não sei. Eu acho que… é que eu via TV desde pequeninha, então
eu não sei se conta, os Bob Esponja da vida... ''.
E, pra ti, qual o seriado mais legal que tu já viu? 04:41 "É difícil. É porque eu gosto muito de HIMYM mesmo. Então eu diria
que é esse. No momento, assim. Eu gosto porque ele não é só engraçado, mas
também ele tem toda um história bonitinha por trás. Tu te conecta com os
personagens, coisas assim ''.
Então, falando isso: quando a gente começa falar de HIMYM, qual a primeira coisa que te vem na cabeça?
05:10 "Ah, o Ted. Porque ele é a alma da série, né. É por isso, eu acho que
todo mundo tem um ladinho Ted, assim''.
Tipo, como? 05:22 "Ele é uma pessoa muito positiva, assim. Ele tem um sonho. No caso, o
sonho dele é encontrar a mother, mas isso pode ser pensado de outras formas
também, né. Daí que a pessoa não desiste e acredita que vai conseguir mesmo,
assim, mesmo sem ter certeza nenhuma a respeito disso. E isso não vale só pro
relacionamento, mas a respeito de outras coisas assim, de carreira, ou de lazer… Eu
tenho muita vontade de conseguir aprender a tocar tal música, sabe? Esse tipo de
coisa''.
E tu te identificas com essa característica...? 06:00 "Do Ted? Ah, acho que sim, eu acho que eu tenho um pouco de Ted,
sim. Mas o que é legal é que, tipo, todos os personagens ali tu pode te identificar em
algum momento com eles, sabe? Com alguma característica de um ou de outro, tu
acaba te identificando sempre. Acho que isso que é o legal da série''.
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Tu disseste que tu te identificas com a característica de cada um. Tem algum em especial?
06:45 "Eu gosto bastante da Lilly. Mas eu não sei explicar muito bem, porque
eu não gostava muito dela no começo da série. Eu acho que é um personagem que
evoluiu. Por exemplo, no nosso grupo, a gente brinca que cada um corresponderia a
um, e dizem que eu seria a Lilly do grupo. Não sei, acho que é porque combina.
Principalmente tem a ver, no nosso caso é que tem um Ted e a Lilly é sempre
aquela que tá ajudando, sabe? Aí seria por isso''.
SÃO MOSTRADOS OS TRECHOS. Arquivo de áudio: 4.2_APR - Entrevista.m4a
Comenta um pouquinho sobre esses trechos. 00:03 "Esse tipo de cena são aquelas que conquistam as pessoas, sabe?
Porque não são cenas só de piadas. São cenas de crescimento do personagem,
esse tipo de coisa. Que mostrar realmente qual é o sentido da série. São legais de
assistir são aquelas que tu realmente te conecta com a história. Eu gosto dessas
cenas''.
Por que tu acha que elas fazem tu te conectar com a história? 00:28 "Ah, por que todo mundo consegue, acho que ver alguma coisa da sua
vida nos dramas dos personagens, assim, sabe? Uma coisa meio catarse. É legal
isso''.
O conteúdo da série te faz pensar nas coisas que são ditas e são mostradas? Em quê?
00:52 "Ah, é a aquela coisa, né. Quando eles falam a respeito de, tipo assim,
pro Marshall ali de pular. Aí tu pensas: o que que eu deveria pular, porque tudo tem
seus próprios problemas, aí eu penso a respeito deles a partir do que os
personagens estão fazendo, sabe? Mesmo que seja uma coisa bem rapidinha. Eu
pensei ali quando vi a cena e depois não pensei a respeito, mas ela passa assim''.
E tu enxergas coisas da tua vida no seriado? Tu já te pegaste pensando enquanto olhava o seriado: ah, isso já aconteceu comigo ou com alguém?
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01:28 "Ah, acho que sim. Acho que acontece, não consigo lembrar nenhum
exemplo para te dar agora, mas acontece quando eu estou assistindo''.
E o contrário? Num momento da vida tu lembrares de alguma coisa que tu viste no seriado?
01:42 "Ah, isso sim. Sempre, hahah''.
E tu consegues pensar se ver essas coisas já motivou alguma atitude tua? Tu te lembrars de ter uma mudança de pensamento em relação a alguma coisa?
01:58 "Ah, acho que já aconteceu sim. Principalmente naqueles momentos
que tu fica com medo de fazer alguma coisa e aí tu pensa: ah, não adianta ficar com
medo, porque é como dizem no HIMYM, porque isso, isso e isso… eu acho que tem
sim isso. Tu te motiva pelo que tu vê que dá certo só que, também, por outro lado é
muito mais fácil dar certo numa série que é planejada para dar certo, mas acho que
tem um pouco, assim, de um incentivo função do que eles fazem.".
Relacionando a série com a vida real, assim. Como tu acha que as coisas se cruzam, que a história planejada se cruza com as histórias de verdade?
02:47 "Ah, porque mesmo sendo uma história planejada, ela tem muito de um
fundo de verdade, são situações que poderiam acontecer, então eu acho que é por
isso que ela… eu não sei se o que tu quis dizer, assim...''.
Onde que os acontecimentos da história do seriado se encontraram com a vida? Como tu consegues relacionar uma coisa coma outra? É possível relacionar uma coisa com a outra?
03:17 "Acho que sim, porque, como eu disse, se a gente consegue se
identificar com os personagens e com o que eles estão fazendo é porque a gente
consegue relacionar com algo que aconteceu com a gente. Se a gente entende
porque ele tá se sentindo de determinada forma é porque a gente ja sentiu isso. Ou
imagina como seja. Então tem coisas que tenham a ver com a vida real, sim. É um
seriado com fundo de verdade''.
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[...]tu achas que o que tu assiste o seriado pode te ajudar a superar alguma coisa ou repensar alguma coisa?
03:59 "Ah, eu acho que pode mas eu não diria, assim, que isso seria o
principal, sabe? De repente, alguma cosia suave, pode ajudar. Acho que a gente
lembra, mas é a aquela história: ah, mas é um seriado. Eu não posso me basear
nisso. Mas, ajuda um pouquinho assim, mas é uma coisa suave. Não chega a ser:
ah, não, vai dar certo, porque, olha só, o Ted superou então eu também vou. Sabe?
Não é tanto assim''.
E se tivesse uma mensagem final do seriado. Se ele moresse e tivesse alguma coisa escrito na lápide. O que tu achas que seria?
04:45 "Acho que seria isso de… de tu não desistir, sabe? As coisas vão
acontecer da forma que são para acontecer e que a gente tem que aproveitar o
caminho. Acho que isso é o do HIMYM, né''.
E tu achas que a gente só tá lembrando disso proque nós estamos conversando sobre isso ou é uma coisa que tu lembrarias em algum outro momento da tua vida onde o assunto do seriado não fosse trazido?
05:10 "Eu acho que dava pra lembrar disso. Até porque desde o final da
temporada, da série, eu pensei muito a respeito de todas as coisas que eles
quiseram dizer, qual a moral. Eu ja tinha pensado um pouco a respeito também. Não
foi só por causa da conversa. Talvez essa parte de associação com a vida não teria
pensado tanto. Mas, assim, pensando na moral da série, acho que eu teria pensado
mesmo sem estar conversando aqui''.
5. Entrevistada I. Arquivo de áudio: 5_IH - Entrevista.m4a
O que tu gostas de fazer no tempo livre? 00:50 "Eu gosto de ler, bastante. Eu vejo filme pra caramba, também. Séries
de TV, minissérie. Sair com os amigos, ir pra um bar".
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Como seria um dia ideal pra ti? 02:05 "Não sei. Acho que num dia ideal eu não acordaria cedo. Eu me
acordaria sozinha, faria uma comida em casa, acho que, não sei, veria alguma coisa
de tarde com meu namorado e depois sairia com meus amigos. Não sei, não teria
um dia ideal, tem dias bons, eles acontecem, sabe? Então não tem aquele dia
perfeito que eu queria que fosse assim".
E qual teu ideal de ócio? 02:35 "Ah, cara eu tive um ideal de ócio na semana passada que, tipo assim,
eu fiquei no sofá, pedi comida. Fiquei no sofá o dia inteiro e vi todos os episódios de
Master Chef Brasil, um atrás do outro".
E, falando em Televisão, o que tu costumas assistir na TV? 03:04 "É, eu não tenho televisão. Eu não tenho por um problema lá em casa,
a antena não pega. Tipo assim, os meus canais abertos são de uma qualidade
péssima [...] o que eu vejo mais é Youtube, Netflix, Popcorn Time. Ou, então eu
baixo alguma coisa, mas eu não tenho TV aberta".
E qual o papel, não da TV, mas dos produtos da televisão na tua vida? 04:13 "[...] Não tem programas na TV aberta que eu assista, eu não sou
impactada pela TV aberta. Nada dela chega em mim [...]".
E fora programas de TV aberta, falando do geral de conteúdo de TV, aberta, a cabo, Netflix… Onde isso tudo tá presente na tua vida?
04:58 "Ah, cara. Eu não sei. Eu acho que tá sempre presente na minha vida.
Tipo, hoje eu estava a fim de falar como Maurício (namorado) pra gente voltar a ver
House of Cards. Então, eu não parei a minha vida pra fazer isso. Já tá al, sabe? Já
tá entranhado em mim e eu acho interessante porque em possibilita papo com
outras pessoas que eu conheço a pouco tempo, porque, sei lá. Quase todo mundo
do meu círculo social vê game of Thrones, então vai ser um papo com alguém que
eu acabei de conhecer. Então eu acho que dá uma facilitada pra você conhecer
pessoas, ter assunto pra falar, as pessoas te acham mais interessantes quando
você vê série, quando você vê filmes. Então eu acho que é isso. Aproximação, né?".
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O que tu costuma assistir de programas? 05:50 "Tá. Minisséries, séries, filmes, documentários, tipo, eu vejo House of
Cards, agora estou vendo Good Wife. Vi Breaking Bad tudo, já vi Lost… Sim,
bastante seriado. Vi Felicity, e sei lá, Casa das 7 mulheres. Então, eu vejo e estou
vendo bastante coisa".
E quando eu te falo "seriado", qual a primeira coisa que te vem na cabeça?
06:19 "Ah, droga. Eu não consigo. Eu sou péssima nesse lance de primeira
coisa que vem na cabeça. Eu acho que é, sei lá, download: baixar os seriados".
E que tipo de seriado tu curte mais assistir? 06:34 "Cara, antigamente, antes de eu conhecer Netflix, eu curtia seriados
mais leves, mas acho que é porque eu era novinha. Eu curtia The Big Bang Theory,
curtia HIMYM, e, sei lá, curtia One Tree Hill, só que, quando eu fui ficando mais
velha e tive acessoa à Netflix, eu acabei curtindo séries um pouco mais densas, tipo
House of Cards, sabe? Até Breaking Bad, que é um pouco mais pesado. Então, sei
lá, depende. Acho que quando eu fiquei mais velha eu peguei séries, sei lá, mais
velhas".
E em que ambientes tu assiste? Sozinha, com teu namorado, na sala, no quarto...?
07:59 "É, o nosso Netflix é mais confortável na sala, na televisão, no
Playstation. Então, Netflix a gente assiste lá. É difícil, tipo assim, eu estar deitada e:
'ah, eu vou ver Netflix'… até porque, quando eu vou pegar o Netflix é uma coisa mais
longa. É um filme, uma série mais longa... House of Cards acho que tem uma hora e
pouca, então fica desconfortável na cama. Então, geralmente, a gente vai pro sofá
[...] A gente só vai assistir na cama, acho que, domingo de noite, antes de dormir
[...]".
Qual o último seriado que tu assististe? 08:36 "Hm… Good Wife. Eu não terminei ainda, mas foi o último episódio de
seriaod que eu assisti. Foi ontem, na hora do almoço".
E, na tua opinião, qual o seriado mais 'afuder' que tu já viste?
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08:47 "Hmm… eu acho que, tipo, pelo conjunto da obra, foi Breaking Bad.
Tipo, eu achei o roteiro muito bom, os cenários eram muito bons, e quando terminou
eu vi como eles conseguiram fechar tudo direitinho. Como cada personagem tinha
uma arco bacana. Então, pelo conjunto da obra, Breaking Bad".
E em que época tu olhou HIMYM? 09:13 "Pois é. HIMYM foi um negócio que eu comecei assistir e parei e depois
voltei a assistir. Como tinha muitas temporadas e HIMYM é… começou bem…
começou a enrolar, eu parei um tempo de assistir… tipo, parei um ano e meio de
assistir, aí depois eu voltei e assisti numa sentada também. Então eu comecei a
assistir quando eu tinha 16... 17 [...] eu comecei a assistir quando a primeira
temporada tava terminando, me falaram bem".
E quando eu falo HIMYM, quais são as primeiras coisas que te vem na cabeça? 10:01 "Ah… aquela corneta que parecia um pênis de Smurf. Ahm… deixa eu
ver… quando o Ted falava 'crianças', ele conversava com os filhos dele. As
bofetadas… acho que… e o Barney, que acho que era o melhor personagem, pelo
menos pra mim".
Tu falou que teve amigos que indicaram a série para ti. O que te fez continuar a assistir?
10:35 "Porque era uma série leve, era muito engraçada, cara. Tipo assim, eu
não lembro de nenhuma série na época que tinha um humor assim. A única que se
aproximava era Modern Family, e não… tipo assim, era a mais engraçada da época.
Era o humor mais fácil de ser entendido e eu acho que foi isso que me fez continuar,
porque era um negócio que, sei lá, eu conseguia ver e não me deixava mal depois,
eu ficava alegrinha e tal".
E por que tu acha que isso acontecia? 11:05 "Cara, porque a vida deles é perfeita, Ele moram em cima de um bar.
Eles não têm problemas no trabalho. Tipo assim, se você for ver, eles estão num
mundo muito pequeno, sem atritos. Os únicos atritos que eles têm são entre eles,
eles não têm dor de cabeça tipo: 'ai, vou pagar o meu aluguel', 'ah, fulano está
conspirando contra mim'. Tipo, House of Cards é uma tensão só. São só tensões,
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não tem momento de felicidade. E HIMYM não. Eu acho que é pra você ver pra
desestressar mesmo, pra se preparar para ver uma série um pouco mais densa. Não
dá pra você ver só série densa, senão você vai ficar meio deprimido. Mas acho que
é isso: vida perfeita, em cima de um bar, não pagam contas, têm um apartamento
enorme, mas o dinheiro vem da onde? Quando é que eles trabalham?".
E tu te identifica com algum personagem? 11:55 "Ai, eu não sei… acho que eu me identifico com a Lilly, assim, pelo
relacionamento que ela tinha com o marido dela que eu esqueci o nome agora...".
Marshall. 12:07 "Isso aí, como Marshall. Porque, sei lá. Meu relacionamento com o
Maurício é legal e ela é bacana também. Ela é feminina, mas ela não é mulherzinha,
sabe? E ela é engraçada e e inteligente, pelo que eu vejo na série. E, sei lá, é a que
eu mais me identifico".
FORAM MOSTRADOS OS TRECHOS SELECIONADOS Arquivo de áudio: 5.2_IH - Entrevista.m4a
Comenta um pouquinho sobre esses trechos. 00:18 "Ah, e como eu falei, a vida deles era numa boa. Era bar, eles estavam
sempre juntos e tal. Sei lá, os problemas deles não pareciam, assim, tão grandes,
sabe? Sempre tinha alguma coisa que deixava o problema meio ridículo. Por
exemplo: esse lance, ele perdeu o emprego e tinha um bode. Tipo, isso não
acontece, sabe?! Você perde o emprego você chora, você fica chateado. Isso daí é
o natural, sabe? Você não tem uma briga com um bode e vira uma metáfora sobre
uma toalha, sabe? Então, acaba que você… aconteceu uma merda e você fica
numa boa, você assistindo: 'Aha, que engraçado. Ele perdeu o emprego e brigou
com um bode'. Sendo que, sei lá, em outra série acho que você ficaria um pouco
mais tenso. Ahm… os episódios são legais e tal. Isso aí é legal, mas eu fiquei com
muita raiva porque deixou uma expectativa muito grande do lance da mãe e tal, aí
eu acho que eles pecaram muito por isso, de ficar botando essa expectativa e tirava
e botava. Até que chegou uma hora que, ah, foda-se. Foda-se a mãe''.
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E por que tu acha que tu ficaria mais deprimida vendo alguém perder o emprego em outro seriado e não neste? O que tu acha que esse seriado tem no conteúdo dele que faz isso acontecer?
01:31 "Tipo assim. Esse lance que eu te falei: sempre botam outras coisas do
lado de coisas do lado de outras… e os personagens, dá pra ver que eles não estão
sofrendo, sabe? A cara do Ted era sempre assim…(entrevistada faz uma cara sem
expressão) 'perdi meu emprego'. Cara, ele tá ali com os amigos dele de anos, sabe?
Se alguma coisa dessas acontecesse comigo perto da minha melhor amiga eu ia
chorar, eu ia 'meu deus, como eu sou fracassada, o que eu vou fazer da minha vida'
e tal. Aí eu não ia brigar com o bode depois, não sei. Tipo assim, pode ser também a
atuação dos personagens que pra mim não me passa que eles tão sofrendo tanto.
Em outro seriado seria tipo: a mina perde o emprego e a filha dela é cega, e ela não
consegue levar a filha dela para o colégio, aí depois o governo tira a filha dela…
entendeu? Tem mais coisas acontecendo. Ali ele só perdeu o emprego, era o
emprego que ele odiava, era o emprego que, a firma dele, o chefe dele era um
idiota… e… sei lá, cara. Eu não consigo levar a sério''.
Tu não consegue aplicar isso ao cotidiano? 02:54 "Não! Tem um bode! Tem um bode com uma toalha, sabe? Tem uma
jacuzi que eles querem pular, sabe? Não tem coisas palpáveis que eu consiga
absorver: 'Pô, já passei por isso' e tal. Até quando ele, tipo assim, ele termina com
as namoradas dele, eu não consigo conectar isso com algum término de namoro
meu, sabe?''.
E tu acha que isso te desperta alguma coisa, olhar o seriado? Esses discursos, esses momentos, esses acontecimentos te despertam algum sentimento, alguma reflexão?
03:22 "Ah, eu acho que sim. Tipo, sei lá, vendo House of Cards eu fico
pensando que, tipo, pô, aquele cara tá ali para mostrar o quanto os governos são
maliciosos e quanto eles sõa sedentos por poder. Você pega uma coisa que tá no
seriado e você faz, sei lá, faz crescer. Tem no Breaking Bad os relacionamentos
entre as pessoas. Não que, sei lá, um professor de química vai virar um traficante.
Mas, tipo assim, você como as pessoas podem mudar quando elas querem dinheiro,
sabe? Você como, tipo assim, qualquer pessoa tem um preço… pode ser uma nóia,
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mas, tipo assim, você sai daquele micro, vai para um macro. Agora, em HIMYM fica
naquele universinho perfeito e colorido deles''.
Em HIMYM alguma vez tu conseguiu enxergar momentos que aconteceram na tua vida? Exemplos de coisas da tua vida?
04:24 "Hmm… Cara, eu acho que mais esse lance de estar no bar com os
amigos. Não necessariamente esse lance de eles irem a qualquer hora pro bar, mas
você estar ali com pessoas que você gosta e você conversar com elas sobre
besteira e depois conversar alguma outra coisa mais do seu dia… e tal. Tipo assim,
o momento de você estar junto com os amigos. Essa reunião, sabe? E você ter
pessoas que você pode conversar sobre qualquer coisa. Eu acho que é isso".
Os sentimentos deles conversam contigo de algum jeito? 04:56 "Eu acho que não tanto. Tipo assim, esse lance da Lilly e do
relacionamento dela com o Marshall eu acho bacana, sabe? Eu acho que é um
relacionamento legal. Tudo bem que força a barra, até quando ela dá em cima da
Robin e tal. Dá uma forçada de barra, mas esse lance de eles estarem juntos a tanto
tempo. De eles se gostarem e se confiarem, eu acho que conversa. Eu penso assim:
se você tirar a forçassão de barra inteira, tirar toda a forçassão de barra. Toda essa
atuação deles que pode ser um pouco artificial. A base fica de coisas que você pode
aproveitar na sua vida, tipo, o momento com os amigos, alguém perdeu o emprego.
Ponto. Porque várias pessoas perderam o emprego. Relacionamento bacana com o
noivo/namorado/marido. Eu acho que sim, mas, quando você começa a dicionar
esses elementos, tipo, que são muito nada a ver. A série quando começou ela não
era tão loucona assim, sabe? Ela era engraçada, mas ela não tinha tanta coisa
louca, fora do comum, sabe? Aí, depois que eles foram botando, foram saindo mais
da casinha, acho que aí é que deu uma degringolada''.
O que são essas forçassões de barra, essas coisas…? 06:04 "Tipo esses lance aí do boda, aí tem, tipo… ai, eu não consigo me
lembrar agora, mas tem viagens que eles fazem do nada. Eles estão num lugar, ou
então, tipo assim, ah, a Lilly combina com o barman pro barman dar uma bebida pra
ela e ele sempre aparece do nada e dá uma bebida pra ela e some, sabe? Tipo
assim, é coisas que não acontecem, na real. Ela poderia muito bem ficar puta, ir
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para um bar sentar e pedir uma bebida. Sabe? Não o cara aparecer do nada e dar
uma bebida. Ou então eles vão para o hotel e o hotel é mau assombrado e tem
aquele O Capitão, sabe? Que o Capitão também é locão. Tipo, não era assim no
começo! O começo era sobre o Ted explicando pros filhos como ele conheceu a
esposa. Era uma história legal, sabe? Aí, sei lá. Eles forçaram muito a barra. Foi até
a época que eu parei de ver''.
E por que tu acha que, por ter forçado a barra, parou de conversar contigo ou de te pilhar de assistir?
07:09 "EU acho assim, eles tinham um objetivo. Quando eu comecei eles
firmaram um contrato comigo, que era 'vamos explicar como esse cara conheceu a
esposa dele'. E eles, tipo assim, davam um detalhe no início da temporada e ficavam
toda a temporada sem falar sobre e depois davam no final. Sabe? Eles começaram
a série falando que aquilo era um detalhe muito importante, que ia mostrar como
esse personagem cresceu e tal, como pessoa e depois que ele conheceu a esposa,
e parece que ficou esquecido para virar uma série cômica para competir com outras,
tipo The BIg Bang Theory e Modern Family. Porque Modern Family é tipo assim, é
só engraçada. Eles não firmaram nenhum contrato com ninguém, eles só falaram
que ia ser aquela família se relacionando e era isso''.
Algum outro seriado, dos que tu tem assistido, mexe contigo? 08:04 "Ahm, Breaking Bad mexeu bastante comigo. House of Cards mexe
comigo, por isso eu parei de ver um pouco até. Porque tava sendo muito pesado
para mim. Good Wife eu estou gostando. Agora, mais do que isso, por enquanto
não''.
Nestes dois que tu citou, tu enxerga aspectos da vida vivida, da vida cotidiana?
08:34 "Cara, em Good Wife, sim. House of Cards eu acho que sim. Eu não
estou perto de um político para ver, mas eu imagino que acontecem aquelas coisas,
sabe? De vir dinheiro, pessoas querendo muito poder e pisando nas outras, e tal. É
uma coisa que, tipo assim, não acontece na sua vida, mas ela te mostra tanta gente
suja que você fica pensando: isso pode acontecer, mas você não está nesse
universo. Então tem muita coisa acontecendo e você nem sabe, eles te botam essa
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dúvida. Good Wife, sim, porque… primeiro porque Good Wife eu comecei a assistir
por uma recomendação que eu vi num podcast, porque tem uma mulher e essa
mulher é muito forte, daí não é uma coisa comum e eu comecei a assistir por causa
disso. E eu acho que sim, porque, tipo, ela é uma mulher que ela foi traída pelo
marido dela e o marido dela foi preso. Aí ela teve que começar a criar os filhos dela
sozinha, e tudo bem que pode tirar a parte do cara ter sido magnata, de ele ter sido
pego com uma prostituta, mas isso acontece com muitas mulheres, sabe. De elas se
separarem e terem que cuidar sozinhas da família''.
E algum deles fala contigo, no sentido da tua vida. Dos teus sentimentos? Tu te enxerga refletida, a tua personalidade, teus sentimentos, as coisas que te machucaram ou te fizeram feliz?
09:54 "Hmm… deixa eu ver… eu acho que quando eu era mais novinha, sim.
Porque a minha vida era mais simples, então, se eu via uma série de mulherzinha,
sei lá, One Tree Hill, eu me identificava, porque assim: ah, tem o menino popular do
colégio que a menina gosta dele e ela fica tentando ficar com ele e tal. Daí eu me
identificava, mas acho que depois a minha vida foi começando a ganhar mais forma,
sabe? Eu fui começando a crescer que é difícil ter um espelho meu ali. Só se eles
pegassem, tipo assim, sei lá… uma mina que mudou de estado por causa do
namorado. Isso daí eu não vi em nenhum seriado parecido com isso. Você falando
agora, eu acho que o único que eu vi um pouco parecido foi Felicity, que é muito
antigo. Que a mina ela ia pra uma faculdade, aí ela conheceu um cara e ela resolveu
mudar de faculade pra seguir ele. Acho que, tipo assim, não é. Não é o espelho,
mas, sei lá. Tem informações ali que se batem''.
E se a gente for fechar com HIMYM, pensando numa frase que seria a frase final do seriado. Se o seriado morresse e deixasse uma frase final nuam lápide, qual tu acha que seria?
11:11 "Ahm… eu acho que seria: 'ah, crianças. Eu volto para essa história
depois'. Porque eles fizeram bastante isso. Pra mim, parece que essa história não
terminou. Foi tipo assim: 'vamos terminar por aqui, porque a gente precisa terminar.
O dinheiro tá acabando, acabou, acabou acabou...' e, pra mim, não terminou. Não foi
o final que eu gostaria. Pra mim é isso''.
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6. Entrevistado F. Arquivo de áudio: 6_FC- Entrevista.m4a
Qual é o teu ideal de ócio? 01:09 "Ah, ficar em casa assistindo série. E jogando vídeo game".
Que tipos de mídia tu consome? 01:22 "Eu consumia bastante revista, mas agora eu consumo bastante
internet. Não sou muito de ver TV. Eu tenho TV no quarto, mas, basicamente, fico na
internet".
Onde tu assiste seriado? 01:36 "No computador".
Tu baixa, tu usa Netflix…? 01:43 "Eu baixava há um tempo atrás, mas daí eu comecei a assistir online".
Tu costuma ir ao cinema? 01:55 "Pelo menos uma vez por semana eu vou no cinema. É uma das coisas
que eu gosto. Daí, quando eu vou no cinema, eu já vou na livraria, compro um
livro… Uma das coisas que eu mais gosto de fazer é ir no cinema".
Quando eu falo em televisão, e não necessariamente em TV, mas os produtos da televisão. Qual a primeira coisa que te vem na cabeça?
02:18 "Primeira coisa que vem na cabeça de televisão é novela e jornal".
A televisão ou os produtos de TV têm algum papel na tua vida? 02:29 "Geralmente tem. Geralmente a gente acaba influenciado com alguma
outra coisa, alguma tendência que, indiretamente… às vezes eu posso não assistir
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tv, mas sei que eu sou influenciado por alguma tendência que tem na televisão
através das pessoas".
Tu disse que tu gosta bastante de seriado. Quando a gente fala em seriado, qual a primeira coisa que te vem à cabeça?
03:01 "HIMY, haha. É o meu favorito".
O que mais tu assiste de seriado? 03:12 "Eu gosto bastante de drama, tipo Breaking Bad, Dexter… coisas que
envolvem suspense, ação. Supernatural, eu gosto bastante. Comédia eu gosto, mas
eu fiquei mais focado em HIMYM. Eu estou procurando substitutos, mas ainda não
encontrei".
Tu assistia alguma outra comédia antes de HIMYM? 03:37 "Assisti muito pouco Friends, mas mais pra ver por que todo mundo
falava. Mas nunca fui muito… nunca gostei… nunca ri, assim, muito".
Tu lembra qual foi o primeiro seriado que tu assistiu? 03:53 "Ah, o Um Maluco no Pedaço. Antes de passar no SBT eu assistia na
Warner, daí… é, foi o primeiro seriado que eu tive contato, assim. Claro, tirando
Chaves e tal que eu não sei se poder ser considerado um seriado, mas seriado
americano foi… Não era Um Maluco no Pedaço, era Fresh Prince of Bel-Air".
E em que momentos tu assiste seriado? Que espaço na tua rotina ele ocupa? 04:18 "Quando eu estudava eu assistia no final de semana, ou, se eu era
muito viciado em um seriado, quando eu chegava da aula. Agora, por incrível que
pareça, eu tenho mais tempo, mas eu assisto menos do que eu assistia antes.
Então, eu assisto, geralmente, quando eu chego em casa, mas, geralmente no final
de semana".
Então, agora, falando um pouco sobre HIMYM. Quando a gente fala do seriado, quais as primeiras coisas que te vêm à cabeça?
04:52 "É um seriado que, apesar de ele ser de humor, é bem realista, assim,
com algumas situações. Ele trata muito de situações cotidianas da vida. Então eu
99
acho que o que me chamou a atenção no seriado é isso, é a identidade que ele cria
com as pessoas, ah, todo mundo já viveu alguma situação que o seriado trabalha,
de relacionamentos, principalmente".
De onde tu acha que vem isso. Por que tu acha que tem essa semelhança com… essa identificação?
05:19 "Eu acho que é um seriado que não fantasia muito, apesar de ter uns
momentos românticos e tal, toda hora ele dá um tapa na cara da pessoa, assim. Não
tem aquela felicidade extrema e não tem aquela… é um balanço bem bom, assim,
entre felicidade e tristeza".
Quando tu começou a olhar, tu lembra o que te prendeu, o que te fez que tu curtisse o seriado?
05:46 "Eu tinha ficado solteiro na época, aí uma amiga falou: 'ah, tu vai gostar
muito do...' Eu acho que eu me identifiquei bastante com o Ted, com a busca dele
pela mãe".
E esse é o personagem com o qual tu te identifica no seriado? 06:08 "É que… isso eu acho o interessante na série, porque ela trabalha bem
o que as pessoas querem ser e o que as pessoas são. Aí tem três personalidades
completamente diferentes. Tem um cara que tem uma namorada desde adolescente
e só vê ela. Tem o Ted que, apesar de, ah, ter o discurso de que quer encontrar a
mulher, mas, se a gente perceber, ele é bem seletivo, bem chato, inclusive. Na real,
ele tá certo, porque ele não fica com qualquer pessoa ali. Tem o Barney que é, tipo,
o que todo o cara, em algum momento da vida, almeja ser, que é o pegador, o…
então, ele trabalha bem com esses três objetivos masculinos de vida: ter alguém
para compartilhar a vida, ser um cara mais repsonsáve e ser um cara irresponsável".
Aham. Tu consegue identificar o que te fez curtir tanto a série e te manter tanto tempo interessado?
07:19 "Além desse realismo aí que eu falei, eu gostava muito do roteiro. Da
criatividade do roteiro de não ter uma coisa muito linear, de… sempre ter uma
surpresa em algum momento, então acho que o roteiro me prendeu bastante e a
forma como os episódios eram escritos".
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FORAM MOSTRADOS OS TRECHOS SELECIONADOS. Arquivo de áudio: 6.2_FC - Entrevista.m4a
Comenta um pouquinho sobre esses trechos, o que vem na tua cabeça... 00:08 "O que vem na minha cabeça… a primeira cena era sobre o fim do
namoro do Marshall, né? Aquela cena foi bem legal, porque, como eu disse, eu
estava solteiro, então eu tinha acabado um relacionamento e o Barney falando: 'ah,
quando eu fico triste, eu paro de ficar triste...'. É uma coisa simples, mas que é
verdadeira. Ele deu a real ali e é um daqueles tapas na cara que a série dá. É uma
das coisas que eu me idenfiquei e por isso a série é bem importante pra mim. A
outra cena era do… ah, do primeiro episódio quando ele fica indeciso sobre o beijo,
daí ele decide. Também é uma coisa que caracteriza muito o Ted, aquela evolução
que ele tá tendo de cara acostumado com uma vida onde as coisas acontecem, aí
ele dá uma mudada pra fazer as coisas acontecerem. Então, aquilo ali também foi
importante, foi mais um momento que eu me identifiquei: ah, não vou ficar
esperando acontecer, vou fazer acontecer. E o último momento eu acho que é o
desfecho de todo esse papo inicial. É a continuidade e aquele momento da metáfora
do salto ali é muito importante porque são três momentos que falam sobre a mesma
coisa com atitudes diferentes. Um ele tá dando um conselho, outro ele tá iniciando
uma atitude e no outro eles tomam uma atitude. Então eu acho que eles se
completam bem ".
Por que tu acha que essas cenas falam contigo dessa forma? 01:46 "Porque provavelmente todo mundo tem uma insegurança, todo mundo
tem um momento de dúvida e a série trabalha bastante esses momentos de
dúvida… e ela não deixa de ser um pouco de autoajuda, mas uma autoajuda muito
mais realista… muito mais assim, tipo, ela não tenta enfeitar as coisas. Ela pega e
diz a real. Então essa é a coisa mais legal que eu aprendi na série. Tem um
momento muito legal, que é quando o Ted vai xingar a Stella, quando descobre que
ela está com o ex-marido. Aquele momento é um momento muito simbólico pra mim
na série, porque todo mundo vai com ele lá xingar ela por ela ter abandonado ele no
altar e naquele momento ele toma uma decisão muito corajosa que é não fazer
nada. O que parecia ser fácil, porque seria justificável ele xingar ela, ele
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simplesmente vê ela feliz e fala: 'ah… tipo, não era o momento, eu acho que eu devo
seguir a minha vida'. Então, a série surpreende muito com essas atitudes, assim,
inesperadas. Ela não joga no clichê. Então, acho que, ao mesmo tempo que ela
pega nossos clichês, a resposta que ela tem é diferente do clichê".
Aham. Tu acha que ela tem representatividade na vida vivida? 03:07 "Claro, com certeza. Com certeza. Ajuda a tomar muitas decisões que
eu tomei, eu refleti: 'bah, eu acho que eu não devo ir pelo caminho de sempre', e a
série mostra muitos outros caminhos. Por exemplo, o Ted namorou a Robin, depois
ela namorou o Barney e numa situação da vida real, isso é meio complicado, uma
ex-namorada estar com um amigo e tal. É uma situação que a gente não está
acostumado, mas é uma situação que foi bem trabalhada ali".
Tu acha que se tu olhasse as cenas soltas da série, não conhecesse o todo, teria o mesmo impacto pra ti?
03:51 "Eu acho que teria. Porque eu já convenci umas vinte pessoas a assistir
e sempre com cenas soltas assim. Sempre cenas que, apesar das pessoas não
saberem quem são os personagens, as coisas que as cenas falam dizem muito ali.
As pessoas acabam criando uma identidade pelo momento, pela situação".
Por que tu acha que essas cenas soltas e pequenas têm credibilidade pra quem não conhece o todo?
04:19 "Porque rola aquela identidade. Por exemplo, se eu botasse aquela
cena do salto, ali, para alguém, a pessoa ia falar: 'bah, eu já tive momentos, assim,
que eu planejei uma coisa e não deu certo e, em vez de tentar seguir em frente, eu
tentei ficar naquele mesmo lugar que eu estava. Qualquer uma dessas três cenas
que foram colocadas, as pessoas… o Barney falando que, quando ele fica triste ele
deixa de ficar triste, qualquer um ia se identificar ali. Todo mundo já teve um: 'ah,
será que era pra eu ter beijado, será que era pra não ter beijado, então, por essas
situações cotidianas estarem presente, com certeza as pessoas iam se identificar. E
eu também".
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Se tu fosse pensar que o seriado morreu e ele tem uma lápide. Qual seria a frase que estaria lá?
05:12 "Eu nunca tentei agradar ninguém. Eu acho que HIMYM tem a
característica de nunca tentar agradar o público. Tanto é que eles tentam inventar
várias coisas. A última temporada foi bem arriscada, o cara fazer uma temporada
inteira voltada num final de semana, foi uma coisa que muita gente não gostou mas
ele não estavam nem aí. Claro, toda série ligada à televisão tenta jogar com a
audiência. Eu via muita ousadia nessa parte. Muita coisa que podia dar errada e deu
certo".
7. Entrevistada R. Arquivo de áudio: 7_RS - Entrevista.m4a
O que tu gosta de fazer no teu tempo livre? 00:40 "Principalmente, assistir seriado. Ainda mais agora, com Netflix
facilitando tudo. Também gosto de ler mangá e quadrinhos e, por consequencia,
também gosto de ilustrar personagens de mangá e quadrinhos, que eu curto.
Basicamente isso".
Qual o teu ideal de ócio? 01:24 "Eu acho que são os hobbies que eu acabei de falar. Tem dias, depois
de muito tempo de trabalho, uma semana inteira com trabalho pra fazer, daí um final
de semana engata, aí na próxima semana, quando eu consigo um dia inteiro livre,
eu fique simplesmente, só olhando série, lendo, jogando um pouquinho. Gosto de
não pensar em nada. Só viver uma série, alguma coisa".
Tu costuma ir no cinema ou olhar TV? 01:55 "TV não e cinema não muito. É mais o seriado que eu assisto, que eu
baixo".
Tu baixa ou olha no Netflix? 02:05 "Mas mais fazer download. Tem mais opções, a gente consegue ter
mais coisas assim, pra assistir.".
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Tu consome esses produtos de TV em alguma outra plataforma, além do computador?
02:25 "Sim, eu tenho canal do Universal, que vem com a internet, junto com a
TV. Aí , quando não tem nada em especifico que eu queira assistir ou que eu queira
fazer, aí eu só ligo a TV nesse canal, ou até num SBT da vida e assisto o que tiver
passando, só pra passar tempo".
Quando a gente fala em seriado, qual a primeira coisa que te vem na cabeça? 02:53 "Primeiro seriado que eu assisti foi (Dr.) House, que até então… não sei
tu, mas eu tinha bastante costume de ver bastante TV, só que eu não era
aficcionada em acompanha um seriado. Eu olhava desenho animado, eu olhava
algum filme que passava na TV e tal. Mas eu comecei a olhar seriado de fato
quando eu comecei a assistir House. Então isso vai direto. E por consequencia
depois Dexter e… sei lá. Friends eu acabei vendo muito tempo depois, não na época
em que tava sendo lançado, ou termiar de ser lançado. Mas é principalmente isso,
principalmente esses".
Em que momentos da tua vida tu assiste seriado? Qual o espaço que tu dedica pra isso?
03:32 "Até uns anos atrás, eu assistia assim, coisa de fim de semana.
Durante a semana saiu um episódio novo de uma série que eu acompanhava, então
eu assistia numa sexta-feira, num sábado, assim. Mas agora é uma coisa bem mais
comum. Então, quando eu vou almoçar, eu gosto de assistir uma coisa quando eu
estou comendo. Então eu vou ali e vejo um Family Guy, algum seriado, assim, mais
curtinho. De meia hora, vinte minutos e tal. Mas é uma coisa que eu consumo
diariamente. Eu acho que eu não passo um dia sem ver um episódio de algum
seriado, porque eu acompanho vários".
Que tipo de seriado tu costuma assistir? 05:20 "Principalmente, se for analisar, acho que são os catalogados como
drama. Tipo, Dexter, House, Breaking Bad, Vikings, ahm… agora lançaram, agora
não, já tem um tempo: Arrow, Flash e Gotham, que são história de quadrinhos,
super herois, também, acho que classificados em drama. Pouca coisa de comédia,
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porque comédia tem aquelas risadinhas de fundo que eu não gosto. Mas acaba
sendo principalmente drama, por causa do roteiro, da histórias que tem por trás.".
Por quê? O que tem por trás dessas histórias em comum?
06:03 "Porque, acho que são histórias um pouco mais pesadas. No House
tinha aquela história dos narcóticos e de um médico que não seguia bem as éticas
médicas, né, que a gente tá acostumado. Dexter é sobre um psicopata. Ah, sim.
Também assisti Hannibal, um seriado muito, muito bom. Assisti com a minha irmã,
que também é uma coisa mais pesadinha: um psicopata que mata pessoas e tal.
Breaking bad é o cara que faz drogas. Vikings é histórico, né. Fala dos vikings, então
tem por trás toda uma função de liderança, de chegar em outro país e dominar. Eu
acho que eu gosto dessas histórias porque elas são completamente fora do
cotidiano. É uma coisa que eu não conseguiria, talvez, conviver ou realizar. Aí é
interessante lidar com esse tipo de fantasia ou de universo.
E quando a gente fala, então, de HIMYM, o que te vem na cabeça? 06:58 "Os cara num bar falando, sei lá, coisas do dia a dia como se fosse algo
muito grande. Agora, parando para pensar na pergunta que tu fez antes, o que eu
gostava de HIMYM é que é uma coisa que poderia acontecer comigo… claro, eles
têm uma idade um pouquinho acima da minha na série… mas eles transformam
uma saída de noite, uma festa, numa história épica e isso era muito genial. Eram
sempre épicos os episódios, por mais simples que fossem".
E o que tu acha que te chamou a atenção quando tu começou a assistir HIMYM. O que te fez continuar e te prendeu no seriado?
07:34 "Ah, boa pergunta. Boa pergunta porque tu pensa: 'ah, ele tá contando
a história de como ele conheceu a mãe, mas se acabar a história, acabou a série,
né. Que que me prendeu…? Não sei explicar direito, acho que é bem isso que eu
falei, tipo, os acontecimentos que eles tinham… primeiro que era um grupo legal de
amigos e isso era uma coisa que eu não via desde Friends. Só que Friends tinha um
ar, assim, muito bonzinho demais. HIMYM tinha umas tiradas que eu achava muito
engraçado. O Barney era uma presença essencial na série. Se fosse manter só com
o Ted, o Marshall e a Lilly talvez ficasse Friends demais, então o Barney tava ali
para forçar um pouquinho do que não fazer às vezes. E eu gostava também que
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tinha desde o começo aquele casal que tava junto para sempre, tava junto desde
sempre e eles eram foda juntos. Porque tem a ideia de que num relacionamento tu
fica chato e fica uma coisa repetitiva e eles tinham um relacionamento legal,
conseguiam continuar com os amigos. Mas em resumo é isso: o dia a dia normal se
transformar numa coisa que pudesse ser contada pros filhos como se fosse grande".
E o que isso representava pra ti, no teu cotidiano? 08:48 "Bom, quando eu comecei a ver eu ainda estava namorando e… eu
tinha poucos amigos junto com o namorado, então eu achava interessante ver que
dava para ter um grupo de amigos namorando e fazer aquelas coisas divertidas que
eles fazem e tal. Mas eu gostava de ver que, tipo… eu comecei a ver, acho que eu
devia ter uns vinte e um, vinte e dois anos, por aí. Não tinha sido muito depois da
série lançar. E a série era sobre pessoas que estavam lá nos trinta. Então, assim, tu
começa a chegar nos vinte e um, vinte e dois, tu vai pensando: Bah, minha vida tá
acabando, minha juventude tá acabando, não vai ter… e aí, na série, mostrava
gente que era mais velha que tu, que já tava numa etapa de casamento, de fazer a
vida e que saiam para fazer as mesmas merdas que tu faria numa sexta feira e num
sábado de noite. Então eu acho que foi isso".
Tu era uma pessoa preocupada em não ter amigos junto com o relacionamento?
09:47 "Sim. isso preocupava bastante, porque parecia que, não sei se era
uma ideia que eu tinha colocado na minha cabeça ou que foi vindo ao longo do
tempo, de que no momento que tu entra num relacionamento, tu perde contato com
as outras pessoas, e é o que acaba acontecendo, então, ver aquilo no seriado dá
um pouquinho de esperança, assim, pra gente. Tipo, não tem problema. Tu pode
continuar vivendo a tua vida normal e ter um relacionamento. por isso que eu me
identifiquei muito com a Lilly e com o Marshall. E também com o Ted, com aquela
história de ele querer encontrar o amor e viver. O Barney é o que cagava tudo e
foda-se".
E, dos personagens, tinha algum com o qual tu te identificava? 10:28 "É, eu comentei agora que com a Lilly eu me identificava um pouco por
conta do relacionamento dela forte com o Marshall, eu achava isso muito bonito. A
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Robin, pra mim, é o marco do que eu queria ser. É a guria que… ela faz o que ela
bem entende. Ela toma uísque, ela fuma charuto e ela conversa o que ela bem quer.
E ela não se importa muito com os rótulos. Claro, depois de um tempo na série a
gente vê que ela tem aquelas preocupações com o pai e aquelas coisas todas lá.
Mas isso era completamente relevante, assim. Dava pra tu deixar de lado. Eu acho
que a Robin era a que eu mais me identificava e a que eu mais eu queria ser. Ela
era independente, ela era forte, ela estava fazendo a vida dela em Nova Iorque. Isso
era bem legal".
Tinha mais alguma coisa na personalidade dela que te chamava a atenção, que te fazia identificar…?
11:23 "Ah, eu gostava que ela, quando ela tinha uma opinião sobre alguma
coisa. Alguma coisa que os amigos faziam ou alguma coisa no trabalho dela, tipo a
Patrice, a colega dela que ela vivia xingando: 'cala a boca!'. Eu não tenho muita
coragem de chegar nas pessoas e falar exatamente o que eu penso. Eu me
preocupo muito com o impacto das coisas que eu vou dizer. Então eu não
conseguiria chegar para uma colega de trabalho e dizer: 'cala a boca, Patrice!'. Isso
é uma coisa que eu gostava nela. Não que eu quisesse ser assim, mas que eu
respeitava e admirava. Bah, essa é uma personagem que fala o que quer e que ela
tem capacidade de lidar com o que vem de retorno a isso. Ataca e contra ataca, né".
Em algum momento, ver o comportamento da Robin na série te inspirou ou te fez pensar nisso enquanto tu estava agindo?
13:12 "Sim, tanto que, eu comentei que eu estava namorando na época que
eu comecei a ver o seriado, eu assistia com meu namorado, mas pouco tempo
depois, uns seis meses depois a gente terminou e eu acabei me tornando um pouco
a Robin, porque agora eu já não era mais a ideia da Lilly, eu já não era mais aquela
pessoa que estava num relacionamento e poderia construir um grupo de amizades
ali. Agora eu era a solteira que estava num grupo de amizades completamente
diferente. Então, durante um bom tempo, eu fui a Robin, eu agia da maneira que eu
queria e eu até entrei em alguns confrontos com o grupo novo de pessoal que eu
conheci na faculdade. Felizmente não deu nenhuma merda nisso daí, mas abriu
espaço pra ter dado coisas meio errado. A parte boa é que, agindo como a Robin eu
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fiz amigos diferentes e eu me tornei um pouco diferente. Claro, isso a gente falando
de HIMYM, mas tem outras influências que podem ter instigado isso".
Tu costuma ir no cinema ou olhar TV? 01:55 "TV não e cinema não muito. É mais o seriado que eu assisto, que eu
baixo".
FORAM MOSTRADOS OS TRECHOS SELECIONADOS. Arquivo de áudio: 7.2_RS - Entrevista.m4a
Tu falou que isso era uma coisa que tu tinha esquecido de HIMYM, o que era? 00:04 "Tipo… tem a parte das cenas engraçadas, do dia a dia que se torna
épico e é bem esse um bom exemplo do que se torna épico. O máximo que eles
fizeram foi ter uma conversa um pouco mais profunda sobre o futuro, sobre planos,
sobre a vida deles, e eles deram um salto, nesse caso foi real, só pularam de um
prédio pro outro e aquilo foi um momento que mostrou que eles poderiam, ainda,
crescer. E, de novo, a questão da idade, que é uma coisa que pesa bastante pra
mim. Eles já estava, o quê? Nos trina anos deles, talvez um pouquinho antes, né? E
o cara passou por uma no de merda, o cara foi demitido, o cara não sabia mais o
que fazer, ele tava completamente perdido. Então, eu esqueci que tinha momentos
na série que mostravam que é só tu dar um passo a diante que tu consegue
continuar. Eu acho que até dá pra colocar isso depois. Esse é um dos motivos pelos
quais eu tinha curtido bastante de acompanhar a série. Tinha momentos que eram
engraçados, talvez até ridículos. Mas tinham momentos bons, que tu tinha um
pouquinho mais de esperança e força de vontade. É legal quando uma série te
passa isso".
O que tu acha que faz esses momentos serem épicos? 01:18 "A edição de vídeo, haha. Não, mas, eu acho que eles conseguiram,
falando mais tecnicamente sobre a série, mesmo. Eles botaram um texto bom,
falando um coisa que fazia sentido, mostrando a expressão de cada um deles, o
salto que cada um deu, só de um telhado para o outro… é bem de edição de vídeo.
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A maneira com que tu mostra as coisas que se torna épico. Então, basta tu ver
aquilo como sendo épico que se transforma, de certa forma''.
Sim. E o que que tem nesse texto de bom. O que que faz esse texto ser bom? 01:52"Eu acho que foi a análise racional dela (Lilly). Ela falou que: 'qual é o
problema em não seguir o plano?' Que isso é uma coisa que eu também faço. Eu
planejo um negócio e eu tenho que fazer. Eu até tenho uma mania péssima de
planejar as coisas com muita antecedência e quando elas não se realizam, isso
frustra. E, no caso desse texto, qual é o problema de frustrar? Planejou um negócio
e não deu certo. Qual o problema de planejar outro negócio em seguida? E isso é a
vida, né. Nem tudo vai seguir no caminho direitinho que tu planejou desde o começo.
'Ah, eu vou ser um arquiteto e eu vou ser famoso'. Alguma coisa no caminho pode
não dar bem certo".
O fato de isso estar presente no seriado, tu acha que conversa contigo, tu sente que conversa contigo?
02:40 "Sim. Eu acho que conversa com qualquer pessoa que tenha um dia na
vida parado pra pensar: 'o que que eu vou fazer?'. Tipo, o seriado é uma comédia,
né. Ele não é entra nesses pontos, assim, com muita pressão. Ele não te força a
pensar nisso o tempo todo. Mas, agora na cena que tu mostrou ele me fez lembrar
que: 'ah, verdade, isso também existe'. E não foi uma coisa ruim. No final ele
mostrou que as quedas ao longo do ano passado proporcionaram um grau a mais
no ano seguinte, de ele se tornar professor. Então, nem tudo que a gente faz tem
que estar planejado e tem que estar certo. As coisas podem vir''.
E tu ja tinha pensado nisso antes, olhando o seriado? 03:26 "Já, já… não sei se foi exatamente nesse episódio, mas eu sei que teve
vários episódios que o Ted, ele tem aquela função de querer se apaixonar e querer
fazer… ah, até falando desse negócio do beijo, de: 'ah, eu deveria ter beijado ela,
por que eu não beijei ela'. Eu também faço isso. Tipo, eu tou numa situação em que
eu queria muito fazer uma coisa, mas eu me seguro porque: 'ai, não é uma boa. Ai,
não sei o que que vai acontecer'. Aí depois eu vou lá e me arrependo. Foram poucas
as vezes na vida que eu fiz uma coisa que realmente me deu vontade de fazer na
109
hora e eu realizei na hora. E, nas poucas vezes, na maioria delas, eu meio que me
arrependi depois.''.
E o seriado já motivou alguma atitude tua? 04:46 "Não… não que eu consiga lembrar''. Não consigo lembrar agora,
porque deu muita coincidência de eu estar assistindo a série na época que eu me
mudei, que eu vim para Porto Alegre, comecei uma faculdade nova. Então tudo era
muita novidade. Tinha muita coisa acontecendo. Não sei uma que seja específica
que poderia estar linkada"
E tem alguma cena que foi marcante pra ti? 05:19 "Ah, teve aquela época que o Ted construiu um prédio, não foi, do
GN...B. Que ele passou por um processo de ter uma boa ideia, de ela ser recusada
e depois ele fazer o prédio de uma maneira que não era bem o que ele queria e tal.
Mas no final foi um grande sucesso pra ele, ele conseguiu mudar a landscape de
Nova Iorque, que era isso que ele mais queria. E eu nunca cheguei nesse ponto de
fazer algo que fizesse uma mudança absurda, mas em pequenas coisas que eu
fazia, que eu passasse por esse processo de: 'é assim que eu quero, mas assim não
pode, então tem que ser assim', é uma coisa que diariamente a gente vê isso na
parte da criação, do design… então essa é uma cena que eu me lembrei muito,
porque ele fica frustrado, mas depois ele fica feliz. E é bem assim que acontece. A
gente fica frustrado na hora que a nossa ideia não é a melhor, mas depois a gente
fica feliz porque ela funciona. E isso acontecia seguidamente. Ah, e tinha outra cena
também. A do Barney e do irmão dele. Daquele episódio lá que ele pensa que o pai
dele é um apresentador de TV. Eu não fui criada pelo meu pai, eu sei quem meu pai
é, e tudo mais. Mas tinha situações que parecia que eu não sabia de onde eu tinha
vindo. Então, aquele episódio foi cômico! Ao último extremo, porque o Barney eu
acho que é o personagem mais cômico que tem ali, né? Mas tem um fundinho de
verdade. Tem uma coisinha que te finca ali. E eu achei aquilo interessante, mas, foi
só. Não consigo lembrar de mais um específico. Faz tempo que eu não vejo a
série.''.
E por que tu acha que o seriado tem relações com a tua vida em esferas tão diferentes?
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07:05 "Pois é, né? Tipo eu acho que parece que ele foi criado para abranger
um público grande. Ainda mais que cada personagem ali dentro tem uma
personalidade. É bem o que eu falei, a Lilly é a aquela pessoa que abraça, que quer
consertar, que quer ajudar as pessoas. O Ted tá vivendo a vida dele muito
alucinado, então ele tá sempre tropeçando. O Marshall tá indo atrás da função de
ser advogado, ele mesmo estava terminando a faculdade quando a gente via a
série, né? A Robin veio de outro lugar, tá vivendo uma outra vida, tá vivendo amigos
novos e o Barney ele é o cômico… ele tem um emprego que ninguém sabe o que
que é, então ele já é bem sucedido, ele já faz as coisas da maneira dele, ele já tem
um ponto de vista bem formado. Parece que tu pega um pouquinho de cada dentro
de ti. Tu tem uma Robin que veio de outra cidade, tu tem um Ted que tá perdido na
vida. Tu tem momentos de Lilly que tu vai lá e ajuda teus amigos, tem momentos de
Marshall que tu tá terminando a tua faculdade, fazendo as coisas. E tu tem
momentos de Barney, que tu simplesmente vai lá e faz uma coisa que é legendary
pra ti, mas pros outros não é. Eu acho que é pelos personagens. Por eles serem \
E, pra finalizar: se o seriado fosse uma pessoa que morreu e aí tivesse alguma coisa escrita na lápide dela? Pode pensar. O que tu acha que seria a mensagem final do seriado?
09:10 "Como é aquela frase que eles falam? 'Nada de bom acontece depois
das 2h da manhã'… (pausa longa). Eu acho que essa frase tá errada. Eu acho que
isso poderia ter na lápide. Não sei como, eu sou ruim com palavras. Mas eu acho
que essa frase tá errada. Porque, tá, um exemplo bem meu: das poucas vezes que
eu ia em festa, eu ficava cansada depois da 1h da manhã. Depois da 1h30 da
manhã eu tava querendo ir pra casa. Só que, nas festas que eu ficava até umas 3h
ou 4h da manhã, ou 5h da manhã, eram as melhores! Tipo, as coisas começavam a
acontecer depois das 2h da manhã. Um exemplo bem besta, assim, mas eu acho
que a gente não precisa limitar as coisas pelo horário. Minha mãe já me falava
desde sempre: 'ligação depois da meia noite é notícia ruim'. Não necessariamente.
Ai, agora uma frase para a lápide da série… ''.
Pensa se o seriado chegasse agora e te desse uma morta da vida e fosse embora. Se te desse uma dica...?
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10:58 "Não recuse o convite de amigos. Eu acho que esse é uma boa ideia,
assim. Que é uma coisa que acontecia muito. Boa parte das coisas que parecia que
estava sendo feita na hora. Eles pensavam numa ideia na hora e coisas aconteciam.
Se eles tivessem dito: 'Não, tenho que ficar em casa. Não, tenho que fazer tal coisa',
as coisas não aconteceriam, então, não recuse convite de amigos. Acho que é uma
boa.
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ANEXO B – ROTEIRO DE ENTREVISTAS
Qual teu ideal de ócio?
Tu costumas ir no cinema, olhar TV, ou olhar programas de TV mesmo em
outro lugar?
Em que momentos assiste seriado?
Quando eu falo do seriado, qual a primeira coisa que vem na tua cabeça?:
E quando eu falo HIMYM, qual a primeira coisa que te vem na cabeça?
O que te prendeu a assistir o seriado?
E se tu pensa nos personagens, tem algum com o qual tu te identificas mais?
MOSTRAR AS CENAS 1, 2 E 3, PREVIAMENTE SELECIONADAS.
Comente um pouco sobre os trechos (Buscar relações sobre sentimentos,
identificações, relações entre o seriado e a vida do entrevistado):
E tu acha que o conteúdo do seriado faz a gente pensar?
Tu te enxerga nos personagens?
Que sentimentos essas cenas despertam em ti?
O que desperta em ti assistir a estas cenas? (reflexão, ações)
O que a série representou para ti? O que ainda representa?
Se a série fosse resumida em uma frase, como se fosse um epitáfio, qual
seria?