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Lucila Vilela

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Lucila Vilela

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tudo dançahospedado numa casaem mudança

Leminski

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4 CASA EQUIPE

Concepção Geral: Lucila Vilela

Bailarinas: Diana Gilardenghi e Juliana FigueredoMúsico: Diogo de HaroDJ: NeggoBillyAtriz: Bárbara BiscaroAtor: Marlon Spilhere

Parceria de Realização dos Vídeo-Objetos: Roberto FreitasConcepção de Luz / Planta Baixa: Marcelo N. SchroederAssistente Técnico: Giorgio FilomenoProjeto Gráfico / Ilustrações: Zé Antonio LacerdaWebdesigner: Christina GrammatikopoulouFotografia: Cristiano PrimAssessoria de Imprensa: interartive.orgProdução: Christiano ScheinerDona da Casa: Rachel de AraújoFaxineira: Ana Cristina Lemos de SousaPedreiro: Reinaldo de Vasconcelos

Website: www.casaflorianopolis.interartive.org

Organizaçao do Catálogo: Lucila Vilela e Victor da Rosa

Agradecimento Especial: Roberto Freitas

Agradecimentos: André Vilela, Artur de Vargas Giorgi, Bia Vilela, Cecilia Vilela, Christina Grammatikopoulou, Cláudio Trindade, Cynthia Pimenta, Eduardo Jorge, Ernani Vilela, Euza Vilela, Fernando Boppré, Fifo Lima, Hedra Rockenbach, Herman Bashiron Mendolicchio, Ida Mara Freire, Janaina Santanna, Leticia Cardoso, Luciano Chaves (Smart Graph), Marisa Gomez, Modesta Di Paola, Rachel Reis de Araújo, Sandra Meyer, Vera Torres

Realização do Projeto: Florianópolis / Outubro / 2010

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O esforço que empreendemos na organiza-ção deste catálogo, afinal de contas, é um esforço paradoxal: como será possível fixar uma exposição que aposta sobretudo na ins-tabilidade? Diante do paradoxo, então, além de uma lista com as principais informações, buscamos oferecer também uma idéia – ainda que parcial e rarefeita – de como foi a vida na Casa durante os dias em que per-maneceu aberta, em outubro de 2010.

O catálogo conta com alguns textos críticos, refletindo a exposição segundo diferentes abordagens, e com uma série de pequenos depoimentos que sugerem apreensões mais rápidas e fugidias; as fotos, por sua vez, re-tratam os vídeos, as performances, e as pe-quenas situações que não podem se repetir; ainda, foi criada uma seção justamente para dar notícia sobre algumas intervenções (pre-vistas e imprevistas) realizadas por outras pessoas que passaram a fazer parte da expo-sição; enfim, uma receita da sopa de abóbo-ra pode fazer o leitor imaginar que nem tudo na Casa era arte. Esperamos que este catá-logo seja, portanto, além de um documento de cultura, também um meio de experiência.

*

Sendo a Casa uma experiência essencialmen-te coletiva, fazemos questão de agradecer a todos aqueles que contribuíram tanto para a realização da exposição – antes, durante e depois de sua abertura – quanto para a finali-zação deste catálogo. A realização do projeto Casa foi possível graças ao Prêmio Elisabete Anderle de Estímulo à Cultura, lançado pela Fundação Catarinense de Cultura, em 2009.

A CASAMODO DE USAR

Lucila Vilela e Victor da RosaFlorianópolis, 25 de janeiro de 2011

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Lucila Vilela

Ao redor da CASA

Biografias

Quarto 3

Quarto 2

Banheiro 1

Entrada / Garagem

Sala

Quarto 1

Jardim

Banheiro 2

Cozinha

Fora de Casapor Victor da Rosa

Mais Além da Exposiçãopor Modesta Di Paola

Casas & CASApor Fernando Boppré

A Casa revisitadapor Fifo Lima

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A CASAMODO DE USAR

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CASA EQUIPE

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A primeira pergunta que a exposição Casa nos faz diz respeito a sua natureza indistin-ta: nem tudo ali, a rigor, é arte. Neste pon-to, sejamos óbvios: a Casa não é um Mu-seu; ou poderíamos imaginar que se trata, antes, de um Muzeu, escrito com a grafia errada, se visto, mas com o mesmo som, se lido, para lembrar o ensaio de Roland Bar-thes sobre Sarrasine, de Balzac, intitulado justamente S/Z. A Casa deve provocar uma experiência – e provoca com certa radicali-dade, mas também com cuidado – que faz o público justamente oscilar entre a posi-ção mais contemplativa, de testemunha; e outra, mais participativa, digamos, de cúm-plice. E é esta experiência – que só pode ser medida e vivida pelo próprio visitante – que faz da Casa, afinal, também uma casa.

Isso pode ser dito, como tentativa de repre-sentar uma experiência, de modo ainda mais simples: todos os móveis, por exemplo, continuam cumprindo suas funções reais (ou pelo menos grande parte deles) mes-mo após terem sofrido intervenções com os vídeos – os vídeos, aliás, quase sempre, te-matizam os próprios móveis dentro do qual estão inseridos, em um jogo de presença e

virtualidade, dando uma volta a mais no pa-rafuso que aproxima arte e vida. Em outras palavras, o mesmo fogão que contém um vídeo no forno – vídeo que permanece em loop, funcionando durante as quatro horas de exposição – serve também para a preparação de um jantar, feito por uma das bailarinas, que geralmente é servido no final da noite. No dia da abertura, foi preparada uma sopa, além de pipoca e suco de laranja nos inter-valos; no dia seguinte, bolinhos de arroz.

Experência nº 1: A posição do público em rela-ção à natureza indistinta da exposição, de fato, encontrou todas as variantes possíveis. Havia pessoas que tratavam a Casa como se fosse um museu, dentro de um regime retiniano, visitan-do cada cômodo com uma postura distanciada, sem tocar em qualquer objeto, por exemplo; e havia outras pessoas que permaneciam inte-ragindo durante as quatro horas de exposição, abrindo as portas dos guarda-roupas e dos ar-mários, ajudando a varrer a cozinha e deitando na cama ao lado de uma das bailarinas, che-gando ao ponto de fazer mais performance do que os próprios performers, talvez. Por sua vez, os performers, que não eram exatamente ato-res, muitas vezes se cansavam e paravam de

Fora de Casapor Victor da Rosa

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atuar, digamos, por alguns momentos, fazendo oscilar também suas posições de protagonistas e espectadores mesmo. De outro modo, o tem-po de exposição escolhido por Lucila – quatro horas, das 20h às 24h – não é aleatório: não se trata do tempo tradicional de uma peça teatral, a rigor, e nem de uma exposição. Nisso era pos-sível perceber, enfim, que a exposição variava a todo tempo, instável e aberta, de casa a Museu.

Tudo na Casa é circular. O liquidificador, por outro lado, ou qualquer outro utensílio mais barulhento, na medida em que é ligado para desempenhar sua função, na cozinha – e na medida em que provoca os ruídos que todos conhecem – também interage aleatoriamen-te com um músico que, no outro cômodo, realiza algumas experiências musicais com louças e outros utensílios. O DJ, por sua vez, usa o toca-discos e os discos originais da casa, alugada especialmente para o proje-to, além de seu equipamento tradicional, ou seja: se apropria de móveis e objetos que não passaram por qualquer modificação simbóli-ca da artista – isso também acontece com muitos outros móveis (armários, mesas) e, no limite, com toda a memória material ou imaterial da casa – para trazê-los até o con-

texto da exposição. A própria casa contribui com sua história: tapetes, sujeiras, jardim.

Experiência nº 2: No quarto onde não havia per-formances, mas apenas dois vídeo-objetos – um tabuleiro de xadrez e um laptop – havia também alguns objetos mais antigos que eram, embora pouca gente soubesse, originais da casa: um apa-relho de vinil com dezenas de discos, duas máqui-nas de escrever e outros objetos que eu não soube identificar. Há quem pensasse que aqueles objetos haviam sido comprados em uma loja de antigui-dades e, de modo paradoxal, fossem mais artís-ticos do que a arte, mas não: o gesto da apro-priação, neste caso, dilui a autoria e a origem. Nas máquinas de escrever, aliás, estavam escritas certas frases também originais da casa: algo sobre uma escritora de auto-ajuda que teve seu livro re-cusado por alguma editora; sendo que nos últimos dias da exposição, como um palimpsesto, a partir de intervenções espontâneas e anônimas, como se a folha branca da máquina fosse mesmo um ca-derno de assinaturas, era possível ler comentários sobre a própria Casa. A sobreposição, neste caso, não diz respeito apenas à materialidade da es-crita, mas também a um jogo entre ficção e do-cumento, memória da Casa e memória da casa.

Quero dizer que as ações não estão a ser-viço de uma mimese, que representaria o ambiente doméstico através de uma simu-lação; as ações, sobretudo, querem cum-prir funções úteis – ou inúteis, tanto faz, como a atriz que passa papel com um ferro de passar roupa – e específicas de um am-biente doméstico. Neste sentido, se há algo de teatral na exposição, trata-se de um te-atro aproximado da instalação, pois não se pode dizer que existam personagens. Antes disso, porém, a exposição torna-se um es-paço de convivência, onde ninguém ocupa posições muito estáveis. Na Casa, para usar uma metáfora sua, não há a quarta pa-rede; e é como se não houvesse nenhuma. Mesmo a parte do público que opta por en-trar, olhar e sair, tratando a casa como se fosse mesmo um Museu, acaba incluída, de um modo ou de outro, em uma espécie de atuação coletiva. Em poucas palavras, para repetir um enunciado de vanguarda, arte não é representação, mas processo.

De fato, pela característica coletiva do pro-jeto – tanto os performers, com grande li-berdade de criação, como também o públi-co, co-criador, e até mesmo outros artistas

convidados, todos têm participações funda-mentais no processo de construção de senti-do – digo, por estas características também as assinaturas autorais aparecem diluídas. As etiquetas convencionais de catalogação, e nem poderia ser diferente, são ignoradas. Não há nenhum texto que indique ou dê segurança sobre a participação do público na casa. Não há cartazes que indiquem o evento. Os performers, então, na medida em que dividem algumas funções com as visitas – no dia da abertura, por exemplo, muitos resolveram ajudar na limpeza da co-zinha – devem abrir mão de suas posições de protagonismo. A exposição Casa talvez seja, neste sentido, mais uma testemunha de que a arte autoral tornou-se autoridade.

Experiência nº 3: Houve um dia em que uma garota permaneceu certo tempo dormindo no sofá da sala, deitada com as pernas encolhidas – não era um sofá tão grande – de frente para a porta de entrada. Durante o tempo em que per-maneceu ali, protagonizou a cena, entre todas as cenas paralelas, que mais chamou a aten-ção. Era impossível ignorá-la dormindo no sofá. Muitos desavisados permaneceram ao seu lado, quando entravam na exposição, esperando que

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alguma coisa acontecesse, mas nada aconte-cia. Tempo depois, a garota acordou, se espre-guiçou, olhou para os dois lados e foi embora.

O pensamento de Lucila Vilela sobre a arte, seja como for, desde o período em que a artista cursava a graduação em artes plás-ticas na UDESC, sempre foi tomado por um desejo de discrição e até de desapareci-mento. O procedimento inaugural da Casa, sem dúvida, é a cópia. Se a artista começou sua trajetória copiando pinturas da história da arte – alguns resquícios disso ainda es-tão presentes nesta exposição, como a pin-tura de Gauguin na geladeira ou o tapete do Kandinsky na sala, logo na entrada, feito pela mãe da artista e pendurado na parede como se fosse uma pintura – agora a casa pode ser lida como uma grande cópia, um ready-made arquitetônico, alterado. A crítica Rosalind Krauss nos lembra que a apropria-ção nos coloca afinal uma pergunta sem resposta: quem diz? – a voz é de quem?

Quem percebe o jogo que a exposição propõe e no qual está inserido – jogo sempre provi-sório, que se refaz a todo o momento, mas contínuo – passa a olhar a Casa com alguma desconfiança; digamos, sabendo que a Casa

também nos olha. Há alterações discretas, segredos mínimos, portas trancadas, textos escondidos, situações de risco, limites, enfim, coisas que apenas são percebidas se procura-das – como uma cena que só pode ser vista, com a porta do quarto trancada, através do buraco da fechadura. Descobrir as regras e os segredos da exposição, o que se torna possí-vel naquele contexto, também faz parte do seu processo de visita. A metáfora de uma chave sem segredo deve ser esta: a certeza de que, dentro de Casa, as regras não são as mesmas.

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17Entradapor Marcelo Schroeder

Espaço entre a porta de entrada e o portão da rua. Caminho que leva ao interior.

Um porteiro - ou “recepcionista elegante” - se posiciona na entrada.Em trajes negros dá instruções aos visitantes sobre o acesso à Casa que pode ser pela frente ou pelos fundos, através da porta ou pelas janelas se assim o preferirem.Tambem os adverte para não causarem danos a qualquer objeto da Casa.

No alpendre um DJ recebe as pessoas com musica e sons domésticos amplificados.

Algumas pessoas ensaiam uns passos de dança - sozinhos ou em duplas - uma especie de baile na calçada.

O porteiro e o DJ tambem dançam e andam nos ambientes interagindo com os outros participantes, o que confere certa atmosfera curiosa à Casa.

Os visitantes partilham a experiência de habitar neste lugar rico em expressões individuais e coletivas. Eles fazem parte da Casa.

PERFORMANCE: NeggoBilly, DJ.Proposta: o DJ, na garagem, toca e altera sons e ruídos de casa com seu equipamento: sons de campainha, passos, cachorros, etc.

PERFORMANCE: Marlon Spilhere, Ator. Proposta: o vigilante da casa recebe as pessoas no portão e controla os ambientes internos através das janelas.

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A CASA tem sala. Porta de entrada e saída; centro e passagem. Caixa de reverberação: utensílios de jantar reviram-se em aparelho sonoro. Gente se espalha pelo sofá, Diogo de Haro cutuca copos, alisa pratos, invade cumbucas. Som e fúria. Sala é livro aberto para inscrições com TV de outrora de imagens lisas, corridas, manifestações do nada. O telefone toca e o inesperado do outro lado pergunta de quem é esta casa, quem faz música, afinal de contas, o que se passa ali? É casa de maluco, por isso mesmo não tem nome nem dono. É simplesmente, a CASA.

Salapor Fernando Bopré

PERFORMANCE: Diogo de Haro, Músico.Proposta: fazer música com os utensílios da casa: copos, pratos, garrafas, talheres, etc.

TAPETE: feito por Cecilia Vilela, mãe da artista. Reprodução de Wassily Kandinsky (Paisagem com torre, 1908).

TELEVISÃO: TV dos anos 70, que exibe imagens distorcidas das emissoras de televisão aberta.

Em uma pequena mesa encontram-se um vaso de flor, um caderno para comentários, cartas recebidas, um telefone antigo e o jogo infantil “Brincando de engenheiro”.

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20 O quarto em palavraspor Vera Torres

No quarto... será que eu posso entrar?? Um corpo descansa, uma mulher a dormir. Perfeita! Os cabelos percorrendo o cobertor... seria uma pintura?

Na pequena cômoda, aquela gaveta abrindo... abrindoincessantemente mostrando... mostrando fragmentos de fogo, restos de ar... resquícios de intimidade? Poderia eu... fechá-la?

Ainda a dormir, ainda perfeita e ainda pintura... a personagem muda o espaço... e toma a vertical de seu sono. No descanso tranqüilo da parede/cama (talvez fria?) faz sorrir alguma “lei da gravidade” e gargalhar meu pobre imaginário. Sim... sim tudo parece possível!

Pisco os olhos e… vejo um quarto desarrumado: a bagunça, a brincadeira, a alegria infantil tomam forma no corpo da “descabelada” performer que encarna agora uma outra “intimidade”.

Mais um instante e a cena já é outra: Um entra sai entra… da janela para a cama para a rua para o quarto...E já não percebo mais os limites: quarto, casa, parede, porta, pátio, mulher… será que existem? E a moradora continua a borrar estas paredes... agora enrolada no azul do cobertor, vagueia pela sala, cozinha, banheiro levando o quarto em si num passeio... possível?

PERFORMANCE: Diana Gilardenghi, Bailarina. Proposta: investigar as possibilidades de movimento na cama.

VÍDEO-OBJETO: CÔMODA.Uma televisão é inserida dentro de uma cômoda. No vídeo aparecem gavetas abrindo e fechando com os quatro elementos: água, ar, terra e fogo.

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1, Desde a idade moderna até a nossa con-temporaneidade, a exposição tem sido o principal veículo de difusão, de circulação e de comércio de obras de arte. O termo exposição, portanto, se relaciona à prática de museus ou galerias que apresentam ao público determinadas obras de arte, depen-dendo das tendências teóricas dominantes, de regimes escópicos1 e do saber empresa-rial. Neste contexto, o discurso da arte con-temporânea deveria atualizar-se principal-mente através das exposições, já que estas não funcionam somente como espaços de apresentação, mas como instrumentos para projetar idéias sobre a produção artística e para transformar sua recepção. A exposição é, definitivamente, um dispositivo percep-tivo em si mesmo, uma máquina de ver.

1 O termo “regime escópico”, provém do teórico de cinema francês Christian Metz, que entende o termo como próprio do olhar cinematográfico. O teórico Martin Jay utiliza o termo de Metz para aplicar à cultura visual. O “regime escópico” é para Jay o campo ocular ou o modelo visual dominante de uma época. Ver em: M. Jay, “Scopic Regimes of Modernity”, Hal Foster (ed.), Vision and Visuality, Discussions in Contemporary Culture 2, Nueva York, Bay Press, 1988.

No entanto, uma olhada rápida para a arte contemporânea nos oferece inúmeros exem-plos de uma postura rebelde em relação ao sistema convencional de exposição: obras complexas que resistem à exposição porque têm revolucionado as estratégias de ver e de mostrar, chegando até a mostrar pouco ou nada ao olhar – como as obras feitas com va-por, ar, gás, obras invisíveis, escuras, escondi-das, veladas, impossíveis de serem vistas. En-tretanto, nunca na história da arte, como em nosso tempo, foram produzidas obras de ca-ráter interdisciplinar que, ao invés de mostrar pouco ou nada, mostram ao olhar do espec-tador um excesso, confundem, incomodam e até divertem ou surpreendem. Em alguns casos são obras que se definem por si mes-mas, que para ser exibidas não necessitam do trabalho de um curador, de organização do espaço, de montagem e das estratégias que manipulam o olhar. São obras que exis-tem em lugares não convencionais de arte, fora do museu ou da galeria. Algumas destas obras chegam a ser um instrumento interdis-ciplinar para que as artes visuais estabeleçam múltiplos pontos de olhar e de reflexão e im-põem ao espectador uma participação mais ativa. Em todo caso, são obras que decepcio-

Mais Além da Exposiçãopor Modesta Di Paola

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nam e frustram o olhar do espectador pela falta de coerência e de critério expositivo.

O projeto Casa, de Lucila Vilela, se auto-define por escapar às regras acomodadas da exposição: seu lugar está fora do cubo bran-co ou da galeria, tem seu próprio número cí-vico e é, de fato, uma casa. A Casa de Lucila Vilela é um lugar de interação entre vários sujeitos: os protagonistas da cena (os atores e o público), as artes (arquitetura, vídeo-arte, performance, dança, música), o espaço real (a casa) e seu alter-ego digital (a exposição online na revista de arte e pensamento con-temporâneo Interartive). A obra, portanto, se constitui a partir de una interdisciplinaridade que determina uma visualidade alternativa e descentrada, uma outra maneira de ver, um olhar que não é regido pelas leis da visão já instituídas. O projeto, em outras palavras, se desenvolve a partir da experimentação, da improvisação e da prática performativa den-tro do espaço da casa. A artista, desta ma-neira, mais do que criar uma obra com um fim em si mesma, concluída e acabada, cria um evento artístico que se desenvolve no es-paço de uma casa alugada e que se recalca no tempo da atuação de seus protagonistas:

uma atriz no jardim, uma bailarina na cozi-nha e outra no quarto de dormir, um músi-co na sala de estar, um porteiro na entrada da casa e um DJ na garagem. Além disso, em todo o espaço da casa, a artista disse-mina vídeo-objetos domésticos: o visor da máquina de lavar e do forno, os espelhos dos banheiros, o jogo de xadrez, a tela do computador e a cômoda do quarto. Dentro e fora da casa tudo gira em torno do especta-dor ao invés de situar-se em frente dele, tudo se move ao invés de permanecer fixo: o ritmo da música improvisada com copos e pratos, o movimento das bailarinas que dormem ou cozinham, a atuação da atriz que passa papel, o DJ tocando na entrada, o porteiro que recebe as pessoas no portão, os vídeos situados nos objetos comuns da casa, até o telefone de vez em quando toca para intera-gir com alguém da casa. Neste amplo leque de input perceptivos, a visão se auto-define, ninguém a impõe ou a manipula.

A partir destas premissas, a obra de Luci-la Vilela parece ter escolhido todos aqueles elementos que se posicionam no inverso da visão moderna; escolhe, digamos, um olhar incômodo, que interage e, desta maneira,

torna-se difícil de manipular. O público que comparece à casa participa de um evento artístico pouco usual que reclama frente ao olho imóvel e à visão mono-ocular uma per-cepção ativa. Assim o espectador da Casa assume um status de visão diferente, experi-menta uma visão outra em relação à habitu-al. O espectador da Casa também deve ser um espectador atípico que explora o mo-vimento, a pluralidade de pontos de vista, que necessita temporalidade, tato e corpo-reidade para penetrar a obra.

2, A casa como meio para criar arte não é novo. Desde a modernidade, a casa tem sido espaço para a exposição de obras, objetos de arte, instrumentos para a reali-zação de obras de caráter performativo e o lugar mesmo onde se produz arte. A casa em arte é privada ou pública, é um atelier, um museu, uma fundação ou uma galeria. A casa-arte é ainda um organismo vivo.

Historicamente, a casa representa o domí-nio privado por excelência, fundamento ma-

terial da família e o pilar da ordem social.2 No entanto, qualquer discurso sobre o espa-ço da casa tem que reconhecer ao mesmo tempo seu valor privado e público. De acordo com Jürgen Habermas, no interior mesmo da casa pode-se estabelecer as linhas entre ambas esferas. Não é arbitrário afirmar que os valores simbólicos que se manifestam entre o privado e o público deveriam se es-tabelecer a partir da análise mesmo do con-ceito de “exposição”. No âmbito domésti-co, por exemplo, os objetos carregados de valor simbólico têm seus espaços para a exposição: dispositivos como as paredes e as vitrines são funcionais para a visibilidade de objetos de caráter simbólicos, afetivos e representativos da memória familiar. Obje-tos de naturezas variadas – produtos de ar-tesanato ou de arte, fotos familiares, obje-tos de fé, pinturas e imagens considerados decorativos ou significativos para a história pessoal do indivíduo e de sua família – po-voam seus quartos e lhe concedem vida, animam, injetam um fôlego de memória. A

2 Ver: Michelle Perrot, “Formas de habitación”, in Perrot, M. (eds), Historia de la vida privada, Tomo 8, Taurus, Madrid 1992, p. 9.

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casa é um organismo vivente que se nutre da memória de quem a vive. A exposição como conceito relacionado à casa é, por-tanto, de índole representativo-intimista.

A casa como organismo, na arquitetura, é um conceito desenvolvido a partir das primeiras décadas do século XX. A teórica Beatriz Colomina, refletindo sobre arte e ar-quitetura, nos lembra que alguns arquitetos modernos entendiam a casa como “um ins-trumento condutor de saúde, uma espécie de instrumento médico para a proteção e poten-cialização do corpo. Um edifício é um orga-nismo dotado de vida e respiração, com es-queleto, nervos, membros, pele, órgãos, etc. (…) A escada são os pés, o sistema de ventila-ção é o nariz”.3 Frederick Kiesler, por exemplo, descreveu a casa como “um organismo vivo com a reatividade de uma criatura de carne e osso”; Mies van Der Rohe, por sua vez, cha-mou sua obra de arquitetura de “pele e osso”; e recentemente a artista Rachel Whiteread fala também de edifícios que respiram.4

3 Beatriz Colomina em Doble exposición. Arquitectura a través del arte, Akal, Madrid 2006, p. 144.

4 Ibídem.

No projeto de Lucila Vilela, a casa também se manifesta como um organismo que em cada ambiente representa metaforicamente atividades produzidas pelo corpo, por exem-plo: a digestão na cozinha, o sono no quarto, a conversa na sala de estar, etc. A casa já não é somente um recipiente de vivência, mas ela mesma é viva. Consciente desta vida na casa, o público vive o espaço, quer descobri-lo e percebê-lo em todas as suas variantes. Como a mesma metáfora do corpo, a casa manifesta o privado publicamente. A Casa de Lucila Vilela é vivida intimamente por seus habitantes, os performers, que levam a cabo suas tarefas cotidianas não-usuais, mas para o espectador é o espaço mesmo da exposição.

3, De fato, a casa como lugar para a exposi-ção de objetos de arte, encontra já a partir do Renascimento numerosos exemplos: o Stu-diolo, o Cabinet des curieux e o Wunderkam-mer eram quartos da casa destinados à cole-ção de obras de arte e de objetos preciosos ou insólitos, os mirabilia, que suscitavam maravilha. Geralmente muito ricos, de deco-rações e de pinturas murais com temas sim-bólicos, estes quartos eram realizados para os príncipes e a nobreza. O caso do Studiolo

do Renascimiento é emblemático por mui-tos aspectos: fundado na idéia de espaço de concentração solitária, locus literário dos príncipes, sancta sanctórum localizado no mais remoto lugar da casa, representa tam-bém a idéia primogênita de lugar dedicado à criação literária e artística. Para Petrarca sua cameretta é um porto; para Vasari e Ru-bens é um studiolo secreto; para Leonardo e Michelangelo, um lugar para a comodidade e privacidade; para Cellini, um momento de solidão; e para Tintoretto é um estúdio de pensamentos isolados.5 O studiolo repre-senta um refúgio, mas também o lugar de criação e ao mesmo tempo de exposição dos objetos mirabili, obras de arte e memórias.

No século XIX, outros lugares da casa uti-lizados para a exposição de obras de arte eram os salões principais dos apartamentos burgueses, que tinham a função não só de exibir o patrimônio familiar, mas também de hospedar encontros entre literatos, músi-

5 Ver: Rossella Lauber, “I luoghi del collezionismo a Venezia nel Rinascimento. Diletto, refugio e meraviglia tra lo studiolo secreto e il camarino”, em A. Aymonino, I. Tolic, (ed.) La vita delle mostre, Bruno Mondadori, Milano 2007, p. 13,14 e 15.

cos e artistas. A casa como lugar de criação artística encontra outros modelos no sécu-lo XX. Um dos exemplos mais fascinantes é por exemplo a Eames House Studio, que une a concepção da casa como objeto artís-tico com a casa como atelier de artista. Nas primeiras décadas do século passado, ainda a mesma casa começa a ser exposta: o Pa-vilhão Mies van Der Rohe é a primeira casa modelo expositivo apresentada na Exposição Internacional de Barcelona. Hoje o mesmo Pavilhão abriga exposições temporárias. A casa privada pode ser também um Museu. Só para citar mais um exemplo: a Maison La Ro-che-Jeanneret de Le Courbusier é literalmente um edifício de exposições, ou seja, uma casa definida como museu privado. Hoje esta casa é a sede da instituição que conserva e promo-ve a herança de Le Courbusier: la Maison La Roche-Jeanneret é ao mesmo tempo museu, objeto expositivo, arquivo, biblioteca e galeria de arte. Apenas sua função originária de casa-vivência desapareceu com o passar do tempo.6

6 Ver: Colomina, Beatriz, Privacy and Publicity: Modern architecture as mass media, The MIT Press, Cambridge, 2006, p. 4f.

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A casa particular de Frank Gehry é uma escul-tura que se auto-expõe com certa determina-ção. A propósito de sua casa, aliás, o arquite-to disse: “Minha casa? Já se falou tanto sobre ela que é muito difícil para mim acrescentar alguma coisa exceto o fato de que viver nela é bastante cômodo”.7 Nesta frase se evidencia um esforço por apresentar uma imagem de vida doméstica normal dentro de una casa anormal. De fato, o polêmico e estridente exterior da casa, que parece incomodar os vizinhos, contrasta com um interior acon-chegante. Na Casa de Lucila Vilela acontece o contrário: apresenta uma vida doméstica anormal dentro de uma casa normal. O in-vólucro exterior da casa é cômodo, tradi-cional, disciplinado; seu interior é indisci-plinado, performativo, móvel.

O perímetro da casa é delineado e repre-sentado pelas paredes que comportam a casa, seu conteúdo é marcado pelos quartos e seus personagens lhe atribuem vida, assim

7 Gehry, comentario em La arquitectura de Frank Gehry, Gustavo Gili, Barcelona 1988, p. 34. Titul original: The Architecture of Frank Gehry, catálogo da exposição, Mineápolis, Walker Art Center/ New York, Rizzoli, 1986.

como os objetos de arte domésticos. Estes elementos deixam em evidência as diferen-tes perspectivas da casa transformando seu sentido tradicional em algo diferente, anô-malo, indisciplinado. Neste ambiente, o pú-blico não participa como espectador, mas é induzido a ter uma experiência que não se repete. Move-se em seu interior e descobre objetos únicos, mirabilis, que suscitam curio-sidade e maravilha. A casa e tudo o que a povoa choca com a visão escotómica e con-sequentemente o espectador perde suas re-ferências, se questiona, necessita participar para obter constância em sua percepção de uma realidade alterada que lhe foi propos-ta. A ação da casa e seus protagonistas não apenas convidam a relacionar-se com o en-torno e a interagir com os anfitriões, mas também habitar o espaço como se fosse em sua própria casa. A casa-arte nos sugere vi-ver a obra, enfim, mais além da exposição.

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31No escritóriopor Christiano Scheiner

Disco de vinil no aparelho. Escolho entre as possibilidades algo como Música Popular Brasileira e começo a teclar nos três modelos de antigas máquinas de escrever, as teclas duras contrastam com o oposto na escrivaninha: num notebook o vídeo da digitação rápida, delicada e macia, onde não temos acesso. O vídeo expõe a ironia entre a vontade de escrever e a tecnologia ultrapassada. O risco que corremos é o de silenciarmos. Da casa, o escritório é o “objeto” mais contraditório, onde o corpo está exposto de vontades como jogar num jogo de xadrez sem peças: a visão que se tem não é a de um tabuleiro completo, em algumas partes “brancas” vídeos de dois jogadores numa duna, a solidão do não-jogo: dois jogadores sem peças refletindo sobre o ataque e a defesa.

A utilidade do xadrez mais uma vez nos coloca em vias de incapacidade. Nesta semelhança irônica dos vídeos em relação ao contexto inserido, semelhança de inutilidade existencial, somos denunciados de outra coisa ainda: a de a sermos menos observadores e mais observados.

PERFORMANCE: NeggoBilly, DJ.O DJ, que circula pela casa, às vezes entra neste quarto e coloca uma canção dos discos que fazem parte do acervo original da dona da casa. Escuta e dança a música.

VÍDEO-OBJETO: TABULEIRO DE XADREZ.Em alguns dos quadrados do tabuleiro aparece um vídeo de dois jogadores jogando sem peças nas dunas da praia da Joaquina, Florianópolis. (Concepção coletiva: Lucila Vilela, Leticia Cardoso, Roberto Freitas, Victor da Rosa e Diogo de Haro sendo que os dois últimos também atuam no vídeo)

VÍDEO-OBJETO: COMPUTADOR.Na tela do computador aparece um vídeo espelhado de mãos que digitam. As mãos são do escritor Victor da Rosa que no vídeo está escrevendo um texto para ser publicado neste catálogo.

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Uma porta fechadapor Ida Mara Freire

Uma porta fechada em um espaço aberto chama a atenção. Mas, do que isso desperta a curiosidade. O que há neste quarto trancado, pergunto ao forçar a maçaneta. Uma pessoa desconhecida, familiarizada com o local, gesticulando indica-me a fechadura. Agacho-me de modo acomodar o corpo para olhar. O que estou a ver? Uma profundidade me é aberta. Aprendo com Maurice Merleau-Ponty que a profundidade é o meio que têm as coisas de permanecerem nítidas, ficarem coisas, embora não sendo aquilo que olho atualmente. Observo uma cena, percebo que os movimentos se repetem. O meu olhar não vence a profundidade, contorna-a, no formato dessa pequena fechadura.

VÍDEO-OBJETO: FECHADURA.A artista convidou outro artista – Roberto Freitas – para fazer um vídeo de animação erótica que pode ser visto somente através do buraco da fechadura.

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Numa casa, em qualquer casa, para o visitante, talvez seja o banheiro o aposento de maior estranhamento: há algo da intimidade do outro ali exposto; no limite, algo obsceno, baixo, proibido. E tamanha exposição da intimidade alheia move no visitante, inevitavelmente, impulsos que são também íntimos; impulsos contraditórios, simultâneos: curiosidade e acanhamento, atração e repulsa. No banheiro de uma casa, na maioria das vezes um pequeno espaço onde se fica tão-somente o necessário, acredito que está o que nos chama para a maior proximidade e identificação com o outro que nos recebe, ao mesmo tempo em que nos impele para a maior distância possível, a recusa e a diferença.Um dos banheiros da Casa é, a meu ver, sobretudo, mas discretamente, sedutor: o que já havia, a luminosidade que acentua os elementos (visitei a Casa, acredito que ao contrário da maioria, numa tarde de sol, no dia do encerramento), o que foi alterado, xampu e sabonetes, toalha de cor viva e o espelho sobre a pia: um vídeo-objeto que traz diversas bocas – lábios singulares: grossos, finos, largos, escuros, mais claros, femininos – servindo-se continuamente dos batons de diferentes cores que estão bem ali, ao alcance, atrás do espelho menor, ao lado, para quem decidir abri-lo. Uma possibilidade é que esse atraente e falso espelho, que não exatamente reflete, mas oferece imagens de outros que não “eu” (há um projetor no alto da parede oposta), esteja desde antes de nossa visita cumprindo o gesto de um sentido erótico: como se esse banheiro da Casa apresentasse o desejo – de cada um, do outro – que gira à revelia de qualquer consciência presente, projeto ou objeto definitivo, como imagens que prescindem do olhar para existir e seduzir. Até que chegamos e nos colocamos diante delas: um “eu” e elas, uma imagem com cada outra, num encontro que é sempre tão amoroso quanto combativo, feito de entrega e resistência. A partir desse banheiro, tal Casa estranha, efêmera, por tudo que ela nos atrai e repudia, é assim um dos nossos lugares de estar: o não-doméstico.

Dos aposentos mais baixospor Artur de Vargas Giorgi

VÍDEO-OBJETO: ESPELHO.No centro do espelho do banheiro aparece um vídeo com uma série de mulheres passando batom.

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Nota sobre casas, lares, cafofos e afins

Territórios transformados em propriedade. Espaços da proteção do indivíduo lançado no interior de uma sociedade que ele não esco-lheu. A disposição dos móveis, o posiciona-mento dos pertences, a distribuição dos cô-modos deve refletir a personalidade daqueles que lá habitam. Não por acaso o mercado editorial oferece uma infinidade de revistas e livros que oferecem sugestões para o lar, publicações sobre a sala de jantar, o jardim, apartamentos, a casa de campo e tudo mais.

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Notas sobre CASA

1.Em meio a um típico bairro residencial da cidade de Florianópolis, em Santa Catarina, Brasil, instalou-se CASA. Contraponto ao ordinário do lar, abriu-se por três semanas para visitações. Passou a receber pessoas

diversas que tomaram conhecimento de que lá havia uma exposição. O convite era uma chave presa a um pequeno chaveiro que tra-zia o mapa para a localização da residência. Detalhe: a chave era lisa, não tinha fendas: não abria nada ou coisa alguma, portanto.

Ao chegar, recebia-se a seguinte saudação: “Sejam bem vindos à CASA! Possuímos duas entradas, uma pela porta da frente, e outra pela porta dos fundos, ao redor da casa te-mos algumas janelas que também poderão servir como entrada, caso prefiram... a área de fumantes é somente aqui nesta mesa na fren-te, não é permitido quebrar nenhum vidro ou objeto da casa, e por favor evitem entrar pela janela da cozinha, a pessoa que está lá não iria gostar... tomem o seu tempo para explorar ou vasculhar cada parte ou canto da casa!”. Com isso, desenhava-se uma espécie de portal, pré-texto que inseria o público num universo em que os vidros não serviam para separar, as portas não encerravam coisa al-guma, os cômodos não dividiam e a cozinha era espaço deliberado de subversão. Todos intrigados. O que se passava ali? Aos pou-cos, contudo, sentiam-se em casa. Porque

Casas & CASApor Fernando Boppré

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se, de uma parte, havia um desconcerto nas ações que os corpos e objetos executavam no interior da CASA, de outra parte, existia poesia em tudo aquilo. Um dos momentos de maior delicadeza se encontrava após o público atravessar todo o espaço da CASA. Ao final, chegava-se ao quintal dos fundos e lá estava uma atriz vestida de branco, cer-cada por alvos papéis estendidos nos varais feitos tecidos. Por vezes, ela estava deita-da sobre a divisória da casa, o muro – este substantivo concreto que separa uma coisa da outra, mas que ali servia de base abstrata para canções de amor.

Na CASA um músico cutucava copos, alisa-va pratos, invadia cumbucas. Som e fúria. Sala era livro aberto para inscrições com TV de outrora de imagens lisas, corridas, manifestações do nada. O telefone tocava e o estranho inesperado do outro lado da linha perguntava de quem era aquela casa, quem fazia música, afinal de contas, do que se tratava aquilo tudo? Eu respondia: era casa de maluco, por isso mesmo não tem nome nem dono. Era simplesmente, CASA.

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2.CASA tinha sala, quarto, varanda, cozinha, banheiro, quintal. Porta de entrada e saída; centro e passagem. Caixa de reverberação: utensílios de jantar reviravam-se em instru-mentos sonoros. Gente se espalhava pelo sofá. Um dos quartos deixava fresta pela fechadura: uma visada para o interdito. Fo-gão a todo o vapor. O espaço inventado pela CASA era o do viver junto barthesiano. O que era quarto tornava-se sede de uma arruma-ção obsessiva da cama onde uma dançarina de pijamas revirava-se sobre o colchão para depois invadir a parede com seu corpo na vertical, deslizando para baixo das cobertas para logo descobrir-se. Desde ali, a desco-berta era de que a CASA nos impunha uma sequência de imagens constituída de gestos, sons, luzes, ruídos, movimentos diversos. Janela aberta para a passagem de corpos.

* * *

3.CASA surgiu, existiu e desfez-se. Como a cama do quarto de dormir. Não há propo-sição de longa duração para ela. Algumas pessoas questionavam: qual a próxima ex-posição que vai acontecer aqui? A lógica

dos projetos culturais que propõem retori-camente a democratização aos bens artís-ticos e culturais não existia ali. Por essas e outras, muitas vezes seria mais pertinente encarar a casa como um palco, um tablado.

* * *

4.Este texto é dividido em cômodos, em boxes (a metáfora da caixa que serve para encerrar um corpo para tomar banho ou informações breviárias em páginas de jornal). Mas agora abandona o box e vai para o quintal. Como quem sai para fumar um cigarro e ver a lua. Olhar para ela no interior de um terreno é sempre uma experiência singular. Imaginar que a uma distância inconcebível há um terri-tório inteiro desprovido de algo, de coisa qual-quer. O homem envia seus desejos à lua e às estrelas porque eles se apresentam com uma metáfora do nada, do vazio. Lá, portanto, os desejos que não encontram espaço aqui por baixo podem ser projetados. CASA era uma espécie de projeção. E, como uma projeção luminosa, teve existência efêmera no espaço e tempo em que se constituiu. Meio termo entre lua e terreno, luz e sombra, propriedade privada e terra comunal, cabana e desterro.

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Ingredientes:

- Uma abóbora ou moranga média- 10 a 12 folhas grandes de couve mineira- Alho picado a gosto- 2 cebolas médias picadas- Um tablete de caldo de legumes- 3 batatas médias- Sal e pimenta a gosto

Modo de preparo:

Cozinhe a abóbora inteira numa panela cheia de agua até que fique macia. Isso demorara aproximadamente 2 horas. Quando a abób-ora estiver pronta, corte a parte da “tampa”, ao redor do talo e reserve este pedaço. Agora sem destruir o exterior da abóbora, retire o seu interior, separando as sementes dos peda-ços bons, até que voce obtenha o maximo da parte de dentro sem deixar as paredes da mesma muito finas. Reserve a abóbora inteira.

Refogue em uma panela à parte o alho,a cebola, as batatas cozidas e picadas e as partes da abóbora retiradas do seu interior. As sementes devem ser descartadas. Tempere com sal e pimenta a gosto.

Ferva aproximadamente 1/2 litro de agua e dis-solva o caldo de legumes. Coloque o refogado de

batatas e abóbora no liquidificador e bata com a agua temperada e o caldo, até que atinja uma consistencia de creme. Leve este creme para a mesma panela e cozinhe nele a couve mineira picada em tirinhas finas até que a couve esteja cozida e firme. Sempre que sentir que o creme esta engrossando demais, acrescente um pouco da agua temperada. A consistencia da sopa deve ser cremosa, de acordo com o gosto de quem prepara.

Quando o creme estiver pronto, pegue a abóbora e a “tampa”, coloque em uma for-ma. Coloque o creme no interior da abóbora escavada, coloque a tampa, reconstituindo o aspecto original da mesma. Leve ao forno por aproximadamente 15min., somente para final-izar o prato e sirva dentro da propria abóbora.

Receita da CASA:

Creme de Abóbora

PERFORMANCE: Juliana Figueredo, Bailarina. Proposta: investigar as possibilidades de movimento através de ações domésticas e dos ruídos de utensílios de cozinha enquanto prepara um jantar.

GELADEIRA: a geladeira foi pintada por Lucila Vilela em 1996. É uma reprodução da tela “Jovens Taitianas com Flores de Manga”, 1893, de Paul Gauguin.

Lave a moranga com sabão, escorra a cabeça e corte couve em fatias finas. Salpique a perna e ponha a mesa, pegue uma cadeira, levante e deixe-a cair. O movimento da chama acompanha lentamente a dança dos pés e das mãos. Reparta os ingredientes aos convidados e combine com sal e pimenta. Esquente a água e cozinhe as batatas até ficarem no ponto. Acrescente uma pitada de interação mexendo o ar com uma colher de madeira. Toque as panelas em ritmo de samba. Cante a massa e saboreie a poesia. Mantenha o calor. Observe o vídeo ao forno sem abrir, para não alterar sua textura.

Durante o processo não esqueça de espremer as laranjas com carga elétrica e lançar as cascas contra a parede. Cuide com o público. Esconda seu corpo no armário e deixe refogar por alguns minutos. Abra a geladeira, feche o Gauguin e suba em cima dela. Salpique e espalhe a farinha no chão.

Finalmente distribua o molho e sirva imediatamente.

Incorpore o vinho nas taças de cristal e faça um brinde à celebração do evento artístico, ao canto e à dança.

Passos para cozinhar uma obra de artepor Modesta di Paola

VÍDEO-OBJETO: FOGÃO.Dentro do forno tem um vídeo em que aparece Lucila Vilela folheando um livro de receitas. Quando encontra uma receita, faz sua reprodução em pintura com tinta a óleo e leva ao fogo até que as imagens se desfaçam.

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42 Dos aposentos mais baixospor Artur de Vargas Giorgi

O outro banheiro, voltado para os fundos, também guarda – apresenta – um aspecto inquietante. Desta vez, contudo, sobressai o afastamento. No lugar do boxe que reservaria o banho, um amontoado de ferramentas de jardinagem parece estar ali há tempos, desde antes da Casa; ou seja, fez-se ou conservou-se um depósito de utilidades para o cuidado da Casa que se confunde com o lugar que deveria ser de alguma utilidade para a intimidade dos corpos que a habitam ou visitam – utilidades que devem tocar o baixo e o sujo da Casa e dos corpos, para preservá-los, para asseá-los, mas que estão ali, agora, instaladas, deslocadas, como potência. E novamente o espelho é um vídeo-objeto que parece reforçar esta leitura: ao abri-lo, há um tubo de pasta de dentes quase pela metade, e num dispositivo o vídeo propriamente dito: a imagem um tanto irônica do rosto de um homem que escova seus dentes sem a escova, ou melhor, um “outro” que apenas gestualiza o hábito – meu, seu – de escovar os dentes, produzindo inclusive seu ruído característico (que assedia os demais ruídos produzidos na casa, sua música), sem entretanto – isso é óbvio – cumprir o propósito. Esse gesto, inserido no espaço desse banheiro e ininterruptamente repetido, pode acentuar a expressão de uma suspensão das finalidades, gesto desprendido que encara e esvazia o que reside por hábito – por mais “asseado” que este seja. A partir desse banheiro, tal Casa estranha, efêmera, por tudo que ela nos repudia e atrai, é assim um dos nossos lugares de não-estar: o doméstico.

VÍDEO-OBJETO: ESPELHO (escova de dentes).A artista convidou o músico Diogo de Haro para inserir, no espelho do lavabo, um vídeo em que escova os dentes sem a escova, fazendo o som com sua boca. (Concepção: Letícia Cardoso e Diogo de Haro)

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45Alvopor Sandra Meyer

Lavar a roupa tornou-se tarefa relativamente fácil nos dias de hoje. Joga-se os pertences na máquina e ela, feito um moto-contínuo lava, enxágua, centrifuga e seca. Enquanto trabalha, a máquina permite à dona de CASA um tempo adicional, uma fuga das agruras, uma leitura, um telefonema, um devaneio, uma outra coisa qualquer. Dentro da lavadora da CASA um vídeo-objeto simula esta circularidade como num balé mecânico légeriano. Passar a roupa sim demanda exclusividade, tempo, alisamento, manuseio, repetição. São os afazeres domésticos. Corpos domesticados? Corpos dóceis? Tarefas cotidianas de tantas mulheres que sublimam desejos emoldurando-os em alvos véus. Um papel que não passa nunca, não cessa. Mas enquanto passa a ferro as folhas em branco a mulher da CASA engendra novas maquinações. Seu papel, fácil de rasgar? Nem tanto. No fundo da CASA e no jardim circulam intensidades. Reterritorializações. Bárbara(o). Nunca é tarde, nunca é demais.

Percepção instantânea de Sandra Meyer em visita à CASA.

PERFORMANCE: Bárbara Biscaro, Atriz.Proposta de Lucila Vilela e Letícia Cardoso: A atriz passa papel com o ferro de passar roupas enquanto canta canções no jardim.

VÍDEO-OBJETO: MÁQUINA DE LAVAR.No visor de uma máquina de lavar aparece um vídeo do funcionamento de uma máquina lavando roupas. A máquina de lavar que aparece no vídeo exibe reproduções das telas O Baile, 1942; Os nadadores II, 1941-42; e Os acrobatas de cinza, 1942-44, de Fernand Léger, pintadas por Lucila Vilela em 1998.

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46 47A Casa revisitadapor Fifo Lima

Os espectadores não sabem muito bem como se comportar. A maioria leva algum tempo até ficar à vontade, mas nunca totalmente. Em seu interior, há moradores compenetra-dos no cotidiano rumoroso da habitação. No quarto, uma dançarina faz movimentos em torno e sobre a cama. Outra bailarina está na cozinha, dançando ao som de ruídos do-mésticos. Uma atriz passa papel a ferro no lugar de roupa. Na sala de jantar, a música é acústica. Um morador toca uma sinfonia com garfos e facas sobre copos e tigelas.

O fogão e a máquina de lavar roupa, em vez de exalar cheiro de comida assada ou lavar roupa, exibem vídeos. No tabuleiro de xadrez, os quadrados das peças foram substituídos por janelinhas audiovisuais. No espelho do banheiro principal, a imagem é de uma moça e não a do visitante que faz o gesto automático para tentar se enxergar no vidro. No banheiro dos fundos, o espelho exibe a imagem em movimento de um ho-mem escovando os dentes. Pela fechadu-ra de uma das portas internas da casa é possível observar imagens de um vídeo.

A reação dos espectadores era uma inter-

rogação para a própria Lucila Vilela. A obra é a casa inteira. Quem entra no imóvel entra no trabalho da artista. Não é um vídeo ou uma performance, mas uma habitação sub-vertida. Os espectadores estão vivendo no interior da construção e o tempo e o rotei-ro de visitação é determinado pelo próprio público. Durante todo o processo, Lucila se questiona sobre o que acontece, especial-mente porque a casa conjuga várias lingua-gens: teatro, música, performance, vídeo, dança, e nunca há total controle sobre elas.

Havia um público mais comportado, con-templativo, que vinha, observava, e muita gente se perguntava, em meio à obra, qual reação deveria ter. Havia pessoas que iam com a proposta de interagir, que achavam que a questão era esta e queriam fazer par-te das performances, abrir gavetas. De certa forma, a exposição jogou o público de volta para a posição de público, “como é que eu faço, o que devo fazer?”. Mais que interação, o projeto Casa é o convívio, o habitar o mes-mo espaço da obra. Esta questão estava clara para Lucila, mas ela sabia que somente após a realização do trabalho poderia conhecer a reação do público sobre a invenção - muito

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embora este não seja o pensamento norte-ador do trabalho. A ideia era integrar várias linguagens, compondo personagens em suas atividades cotidianas com sons e imagens pe-culiares a uma moradia, possibilitando aos vi-sitantes a circulação livre, a experimentação de um ambiente de movimentação doméstica. Ao longo da mostra, as perfomances e a relação entre os performes foi mudando. No dia seguinte havia sempre a possibilidade de refazer ou mudar a atuação, como um traba-lho em constante movimento. Com duração contínua, e intervalos aleatórios, determina-dos pelos próprios performers, a casa teve também “visitas” particulares. O escritor Eduardo Jorge, de Minas Gerais, escrevia car-tas endereçadas à Casa. Em meio às missivas do escritor, sempre disponíveis para o públi-co, havia a de um vizinho que reclamava do barulho provocada pela Casa. A artista plásti-ca Cynthia Pimenta, de São Paulo, e um tio da artista, de São José do Rio Preto, ligavam com regularidade para o telefone da casa e conver-savam com o espectador que atendesse. Os textos eram livres e a cada vez que o aparelho tocava, havia uma disputa para atender.

No âmbito particular, coincidência ou não, a Casa está ligada à vida pessoal da artista. Paulista, Lucila nasceu em 1978 e hoje vive entre Florianópolis e Barcelona, onde con-cluiu seu mestrado em história da arte. A Casa poderia fechar um ciclo, mas talvez seja o contrário. Lucila tem a sensação de reabrir um lado prático com as artes já que há a intenção de realizar o projeto em ou-tras cidades. É provável que a chave-convi-te do projeto Casa, sem segredo, que não abre nem fecha nada, seja o símbolo deste processo, tanto pessoal como artístico.

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CorreiosCartas enviadas pelo escritor Eduardo Jorge de Belo Horizonte – MG.

TelefoneChamadas telefônicas feitas pela artista Cynthia Pimenta, de São Paulo – SP, e Tio André , de São José do Rio Preto – SP que conversam com quem atender.

Formigas Formigas feitas com adesivo foram coladas pelo artista Giorgio Filomeno na janela da cozinha.

Bombril Um bombril foi colocado por um visitante anônimo para melhorar a imagem da TV.

Máquina de escrever Alguns escritos foram feitos por visitantes anônimos na máquina de escrever pertencente à dona original da casa.

Vizinhos Um convite foi feito a todos os vizinhos da rua. Alguns freqüentaram a casa e voltaram, mas outros não apreciaram a idéia. Um bilhete com a queixa de barulho foi deixado por um dos vizinhos, sem assinatura, na caixa de correios.

Ao redor da CASA(intervenções externas)

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52 Biografias

Lucila Vilela (1978)

Artista e pesquisadora. Natural de São Paulo, atualmente vive e trabalha en-tre Florianópolis e Barcelona nas áreas de dança e artes visuais. Graduada em “Artes Plásticas” pela Universidade do Estado de Santa Catarina e Mestre em “Estudos Avançados em História da Arte” pela Universidade de Barcelona.

Em Florianópolis, apresentou o Trabalho de Conclusão de Curso: “Objetos Diários”, em que fala de sua produção como artista e da construção de vídeo-objetos. Participou de algumas exposições na cidade e fez parte do Grupo Vaca Amarela. Desde 1998, trabalha como diretora artística no “Bia Vilela, Espaço de Dança”. Desenvolveu o Projeto “Casa”, através do Edital Elisabete Anderle, promovido pela Fundação Catarinense de Cultura no ano de 2010.

Em Barcelona, apresentou a dissertação de mestrado: “Cuerpo Tejido”, em que investiga a bailarina Loïe Fuller e a relação do movimento através de obras com tecido. Co-fundadora e representante no Brasil da revista online InterArtive de arte e pensamento contemporâneo.

Victor da Rosa

Ensaísta, curador independente e Mestre em Teoria da Literatura pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Modesta Di Paola

Pesquisadora, Doutoranda em História, Teoria e Critica de Artes pela Universidade de Barcelona (UB).

Fernando Boppré

Historiador, Mestre em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Fifo Limajornalista.

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