março de 2004 - cadernogestão

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Direcção e Gestão das Escolas Defender e Aprofundar a Democracia na Gestão Escolar Depoimentos e Propostas Este Caderno é parte integrante do Jornal da FENPROF nº 184

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Jornal da FENPROF - Março de 2004

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Page 1: Março de 2004 - CadernoGestão

CADERNOS DA FENPROF 9Direcção e Gestão nas Escolas

Direcção e Gestão das Escolas

Defender e Aprofundar a Democracia na Gestão Escolar

Depoimentos e Propostas

Est

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184

Page 2: Março de 2004 - CadernoGestão

10 CADERNOS DA FENPROF Direcção e Gestão nas Escolas CADERNOS DA FENPROF 11Direcção e Gestão nas Escolas

No âmbito da campanha que tem como

lema Defender e Aprofundar a Democracia

nas Escolas, Contra a Nomeação de Ge­

stores Profissionais, a FENPROF solicitou

a investigadores da área da administração

escolar e a outras persona lidades depoi­

mentos sobre as alterações ao regime de

direcção e gestão das escolas que respon­

sáveis do Ministério da Educa ção têm

vindo a anunciar.

Este caderno edita esses depoimentos,

a cujos autores a FENPROF agradece a

colaboração. Estamos certos de que o con­

junto de textos que contém contribuirá para

alargar a reflexão e promover o debate em

torno do sentido e objectivos das medidas

de política educativa que o actual governo

pretende levar à prática.

Este caderno reedita igualmente as pro­

postas da FENPROF para a direcção e

gestão democráticas das escolas, como

contributo para o equacionar de alterna­

tivas que permitam ultrapassar os constran­

gimentos que existem no actual regime

de autonomia e gestão das escolas, tendo

como referência um quadro de princípios

que vão no sentido do aprofundamento da

democraticidade na organização escolar.

Grupo de Trabalho

Direcção e Gestão das Escolas

NOTA DE APRESENTAÇÃO

SumárioNão tiro o meu chapéu ao Senhor Director

12Gestão Escolar Profissionalizar ou democratizar?

13Democratizar a Gestão é o maior dos desafios

17

Compromissos de direita com a direita

19

Democracia e gestão profissional:Os equívocos de uma proposta governamental

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Paulo SucenaSecretário Geral da FENPROF

João BarrosoUniversidade de Lisboa

Manuela EstevesUniversidade de Lisboa

Licínio C. LimaUniversidade do Minho

António Sousa FernandesUniversidade do Minho

Direcção e Gestão Democráticas das EscolasPropostas da FENPROF

Mais uma “reforma da gestão” das escolas?Rui CanárioUniversidade de Lisboa

Em defesa de uma escola humanista e democrática ou:O primado da pedagogia sobre a técnica

Isabel BaptistaUniversidade Portucalense

A “Autonomia” das Escolas e os “Poderes”Luís ParganaVereador da Educação na Câmara Municipal de Portalegre e Professor

A “profissionalização” da gestão:Uma crítica às propostas neocon servadoras para a administração das escolasFernando Bessa RibeiroUniversidade de Trás­os­Montes e Alto Douro

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10 CADERNOS DA FENPROF Direcção e Gestão nas Escolas

Page 3: Março de 2004 - CadernoGestão

12 CADERNOS DA FENPROF Direcção e Gestão nas Escolas CADERNOS DA FENPROF 13Direcção e Gestão nas Escolas

az parte da retórica do discurso político a referência aos docentes como actores principais e insubsti­

tuíveis de qualquer reforma do sistema educativo, do mesmo modo que se reitera sistematicamente a ideia de que a quali­dade do ensino e das aprendizagens passa pelo empenhamento e pela motivação dos professores e educadores.

Tal pensamento exige que se aposte, sem ambiguidades, na mobilização dos professores, na criação de condições para o exercício de uma efectiva autonomia, no incremento de meios e recursos huma­nos e materiais para o desenvolvimento eficaz da gestão democrática das escolas enca radas não como empresas a serem geridas primacialmente sob rígidos e deter­minantes preceitos técnico­administrativos mas como comunidades de cuja natureza ressumam naturalmente os aspectos ped­agógicos como foco orientador de todo o trabalho docente, discente e não­docente. Escola não pode ser sinónimo de empresa. Escola deve ser um espaço de paixão quotidianamente construído pela razão e sensibilidade dos que nele se movimentam. Construção que implica ser esse espaço um viveiro de estímulos da capacidade reflexiva dos seus actores e de incentivos a práticas pedagógicas inovadoras, visando a melhoria do ensino e das aprendizagens. É uma escola que pretende propiciar as condições indispensáveis ao êxito profis­sional e educativo dos que a integram e não o sucesso técnico­administrativo do Senhor Director que passará sempre pelo grau de obediência aos ditames do poder central e do poder regional e local. É por isso dramático que o futuro Senhor Director não perceba que o que o espera é sempre o mais rotundo fracasso perante a escola/agrupamento porque o seu suc­esso é apenas o sucesso de uma política educativa que em nada tem contribuído para a democratização da escola e a con­sequente formação da população activa portuguesa.

O país não pode teimar em alimentar um sistema educativo que continua a centrifugar um elevado número de alu­

nos, realidade que exige a coragem política ne­cessária à ope­racionalização de mudanças que, como es­creveu algures João Barroso, i m p l i c a m des cons t ru i r primeiro para construir depois. Creio que esse processo de desconstrução/construção deve ser conduzido de modo a obrigar o sistema a adaptar­se ao aluno e não o con­trário. Tal via futura estende­se em sentido contrário daquela outra, muito mais mes­quinha do que a actual, que seria a do aluno ter de adaptar­se ao Senhor Director.

Do que falo é de uma escola que muitos autores propõem que seja construída para se impor como um bem comum o que exige uma autonomia colectiva, isto é, de todas as estruturas da escola em límpida e estimulante articulação; autonomia que supera ­ inclui em si e excede ­ a autonomia individual do professor na sala de aula e se opõe obviamente ao poder unipessoal do Senhor Director. É uma autonomia que pressupõe um movimento dialéctico de superação de interesses divergentes, mudança indispensável à edificação do referido bem comum que se situa no avesso de uma monolítica doação de poderes dos senhores da 5 de Outubro e suas sucursais ao Senhor Director. Aliás isso não seria uma mudança mas um acrescento.

O Senhor Ministro da Educação costuma dizer que é escravo das suas palavras mas dono dos seus silêncios, o que implicita afirmar que não retira uma vírgula ao que diz mas só diz o que quer dizer. Ancorado nos exemplos de António Sérgio e de Bento de Jesus Caraça que não tinham medo de errar porque possuíam a humildade necessária para corrigir os erros, apetece­me desafiar o Ministro da Educação a libertar­se de algumas das suas palavras, diria que de todas as que ditas ou mal interpretadas se referiram à gestão das escolas, e quebre os seus silêncios sobre esta matéria, de um modo claro e frontal, e

a ponha à discussão com os parceiros com a grandeza de espírito de quem sabe que não é dono da verdade absoluta e de quem reconhece aos pro fessores, que há mais de um quarto de século dinamizam as escolas, um saber de experiência feito que deve obrigato ria mente ser tido em conta antes de qualquer decisão do Governo.

Uma das personagens de J. Rodrigues Migueis sorriu à morte com meia cara, o Ministro da Educação parece, por vezes, sorrir ao país com meio pensamento sobre a problemática da educação. É que se fica pela avaliação da qualidade do sistema educativo e pela afirmação da necessidade de superar o estado das coisas com um impulso, no sentido de reforçar a qualidade de vida das escolas. Depois, quando se espera que a outra metade do pensamento (passe o jogo metafórico) do Ministro da Educação conduza à consecução dos objectivos formulados, constata­se o con­trário porventura porque o pensamento não se afirmou na sua totalidade, como se verifica no caso vertente da gestão das escolas e dos agrupamentos, desde logo porque o Ministro pretende decidir contra os docentes, apoucando­lhe o seu perfil profissional quando deveria tomar me didas, a nível da formação inicial e da formação contínua, para reforçar a vertente relativa à gestão das escolas; depois porque pretende agir mal e dispenso­me de provar esta afirmação porque já o fizeram as deze­nas de milhar de educadores e professores que subscreveram um abaixo­assinado a dizer NÃO ao Senhor Director.

Senhor Ministro, quebre o silêncio e negoceie com a FENPROF de alma aberta ou dentro em breve sorrirá à morte política com a cara inteira.

Não tiro o meu chapéuAo Senhor DirectorPaulo SucenaSecretário Geral da FENPROF

oi­me pedido, pela FENPROF, um depoimento sobre as declara­ções/intenções do actual governo

relativas à profissionalização da gestão das escolas do ensino básico e secundário. No mo mento em que escrevo desconhecem­se, ainda, os princípios, estruturas e proces­sos que irão ser propostos, no quadro da prometida alteração dos normativos que regula mentam a “autonomia e gestão” das escolas e agrupamentos, na sequência da entrada em vigor do decreto­lei nº 115­A/98. Por isso, seria prematuro e descabido qualquer comentário específico sobre esta “revisão” legislativa. Contudo, como, por um lado, as tentativas de introduzir a “profissionalização da gestão” já têm antecedentes em Portugal e, por outro, elas correspondem a medidas equivalentes que têm vindo a ser tomadas em outros países, no quadro da alteração dos modos de regulação da escola pública, é possível fazer, desde já, alguns comentários gerais a esta intenção.

Por força das circunstâncias (limitação de espaço e tipo de depoimento que me foi pedido) o meu comentário é meramente in­dicativo de um conjunto muito mais vasto de temas e problemas que é preciso ter em conta se se quer debater com seriedade e de maneira sustentada esta questão. O seu principal objectivo é pôr em evidência o facto do debate não poder confinar­se a uma mera opção entre a “eleição”, a “no­meação” ou a “contra tação” dos respon­sáveis pela gestão das escolas, ou a uma pretensa discussão técnica para saber se os “gestores profissio nais são melhores que os professores”, para gerirem uma escola do ensino básico ou secundário. Ainda que es­tas questões sejam importantes, dum ponto de vista instrumental, elas deverão ser postas em perspectiva, para se apreender o seu verdadeiro significado e alcance, no contexto de opções ideológicas (os fins da educação), políticas (os modos de governo e de administração do serviço público de educação) e teóricas (princípios e moda­lidades de gestão escolar) mais amplas.

O meu comentário organiza­se, por isso, em função de quatro tipo de questões

que remetem para os diferentes níveis de análise atrás referidos:

1. Profissionalização ou qualificação?

O conceito de “profissionalização da gestão” é ambíguo e tem tido diferentes usos: para uns, ele traduz, fundamen­talmente, a ideia que é preciso aumentar a qualificação dos professores capacitando­os para o exercício de cargos de gestão; para outros, ele pretende significar que a gestão das escolas é uma função distinta da docência, a que deve corresponder uma formação específica e uma carreira au­tónoma (mesmo que o recrutamento seja feito só com base nos professores e em outros técnicos de educação); para outros ainda, significa que a gestão escolar não se distingue da gestão empresarial e que só os “gestores profissionais”, com formação ou experiência neste tipo de actividade, reúnem as condições essen ciais para ex­

ercerem estes cargos.A diversidade e amplitude destes sig­

nificados remete para a discussão de saber: se a gestão de uma escola é uma “função” ou uma “profissão”; se a for mação dos seus responsáveis é uma “especialização” ou uma “graduação”; e se, na “gestão escolar”, é mais importante o substantivo que o adjectivo.

Sendo certo que o termo “profissio­nalização” é desajustado para cobrir a diversidade de hipóteses de formação, recrutamento e modalidades de exercício profissional que estão em aberto, a sua insistente utilização traduz, uma evidente preocupação retórica: a sacralização das “técnicas de gestão” como se elas fossem neutras do ponto de vista dos fins e dos contextos de aplicação, fazendo crer que os problemas da escola são essencialmente problemas de gestão e que só os “espe­cialistas” desta área têm competências para os resolver.

GESTÃO ESCOLAR Profissionalizar ou democratizar?João BarrosoUniversidade de Lisboa

FF

Page 4: Março de 2004 - CadernoGestão

14 CADERNOS DA FENPROF Direcção e Gestão nas Escolas CADERNOS DA FENPROF 15Direcção e Gestão nas Escolas

O problema que se coloca hoje no domínio da gestão escolar não é o da “profissionalização dos gestores”, mas sim o da “qualificação dos professores” no domínio da gestão (quer dos professores em geral, quer dos que exercem cargos específicos na gestão intermédia e de topo). Isso passa, fundamentalmente por três tipos de medidas: criação de um dispo­sitivo de reconhecimento e certificação das competências adquiridas por centenas de professores que se formaram pela expe­riência acumulada ao longo de vários anos de exercício de cargos de gestão; criação de um dispositivo de “formação em ex­ercício” tendo em vista o complemento e desenvolvimento da formação adquirida; alargamento e melhoria de um sistema de formação contínua especializada, no domínio da administração educacional, dirigida especificamente ao exercício de cargos de gestão nas escolas.

2. Eleger ou não eleger, eis a questão?

A administração da educação tem uma história e, em Portugal, existe já um núme­ro significativo de investigações e estudos sobre estas matérias (desde um passado próximo a um passado mais longínquo) que não podem ser ignorados no momento em que se pretende com preender a situação existente e propor mudanças para o futuro. Embora não seja, por si só, um factor es­sencial à definição de um modelo de gestão (e muito menos à caracterização das suas práticas), a eleição dos responsáveis pela direcção das escolas tem em Portugal um significado político e simbólico evidente 1. Não podemos esque cer que na sequência da Revolução Republicana de 1910 os reitores dos liceus passaram a ser eleitos pelo conselho escolar (só constituído por professores), situação que, apesar de várias tentativas anteriores de alteração legislativa, só terminou em 1928, com os alvores do Estado Novo. Do mesmo modo, não podemos esquecer que foi na sequência da Revolução de 1974 que se introduziu o princípio da eleição dos órgãos de gestão das escolas, situação que, com recurso a diferentes modalidades de concretização e recentemente alargada à participação de não­docentes, se manteve até à actua lidade. Querer reduzir este fenómeno a uma mera manifestação de “corpora tivismo docente” (como fazem alguns comentaristas da nossa imprensa) é ignorar a complexidade dos processos históricos que lhe deram origem, bem

como os estudos que têm sido produzidos sobre as características organizacionais das escolas e a especificidade da administração escolar e da educação enquanto serviço público de proximidade.

3. Burocratas, professores, gestores ou políticos?

A história da administração escolar em Portugal permite identificar quatro con­cepções dominantes na evolução dos perfis

funcionais dos responsáveis pela direcção das escolas 2:

­ uma concepção burocrática, estatal e administrativa, em que o director é visto, fundamentalmente, como um repre sentante do Estado na escola, executante e vigilante do cumprimento das normas emanadas do centro e um elo de ligação/controlo entre o Ministério e sua admi nistração central ou regional e o conjunto de professores e alunos que frequentam a escola.

­ uma concepção corporativa, profis­

sional e pedagógica, em que o director é visto como um primus inter pares, inter­mediário entre a escola (principalmente os professores) e os serviços centrais ou regionais do Ministério, garante da defesa dos interesses pedagógicos e profissionais docentes, perante os constrangimentos burocráticos e financeiros impostos pela administração.

­ uma concepção gerencialista, em que o director é visto como se fosse o gestor de uma empresa, preocupado essencial­mente com a administração dos recursos, com formação e competências técnicas específicas, com o grande objectivo de garantir a eficiência e a eficácia dos resul­tados alcançados.

­ uma concepção político­social, em que o director é visto como um negociador, mediador entre lógicas e interesses difer­entes (pais, professores, alunos, grupos sociais, interesses económicos, etc.), tendo em vista a obtenção de um acordo ou com­promisso quanto à natureza e organização do “bem comum” educativo que a escola deve garantir aos seus alunos.

Estas concepções informaram de modo diferente os vários quadros legislativos que se foram sucedendo desde os finais do século XIX até à actualidade, embora, na prática, elas se sobrepusessem num sistema de estratificação sucessiva, fazendo com que estas dimensões coe xistam (com maior ou menor expressão) na diversidade de modos de exercício dos cargos de gestão que encontramos nas escolas.

Hoje em dia, o grande desafio que se coloca aos responsáveis pelo governo da escola consiste no reforço da dimensão político­social da sua acção. Isto significa que eles devem possuir, não só, compe­tências no domínio da educação, da peda­gogia e da gestão, mas também capacidade de liderança e sentido de serviço público.

Esta concepção do cargo aparece as­sociada a uma visão da escola como um lugar social, como uma “cidade política” (na acepção de Ballion) onde, como diz este autor, os professores, os alunos e outros membros constróem a sua iden­tidade (ou pelo menos uma parte dela) pela pertença ao grupo a que estão unidos, por laços de solidariedade, resultantes da partilha de um bem comum. A construção de uma democracia política requer, assim, a afirmação de um sentido de comunidade de modo a que as escolas funcionem, claramente, como lugares de construção do colectivo, através da acção de três tipos de

órgãos: participação comunitária, técnicos de gestão e técnico­pedagógicos. É no con­texto desta governação tripartida que deve ser analisado o perfil do director de uma escola e o seu processo de selecção.

4. Profissionalizar ou democratizar?

Uma última observação tem que ver com o facto de as propostas de “profissio­nalização da gestão” surgirem num con­texto mais vasto de alteração dos modos de regulação da escola pública, de que são exemplo: a redução (e progressiva extin­ção) do papel do Estado na educação, com o consequente aumento da priva tização do serviço educativo; prioridade às reformas de gestão (inspiradas na gestão empre­sarial) e subordinação das preocu pações pedagógicas aos critérios de eficiência e qualidade, definidos segundo uma lógica

de mercado; redução dos poderes dos pro­fessores e seus sindicatos com a “abertura à sociedade civil” corpori zada no aumento da influência dos pais e das empresas na configuração da oferta educativa e sua gestão 3.

Sem pôr em causa a necessidade de introduzir alterações no modo como são governadas e geridas as nossas escolas é importante chamar a atenção para o facto de a defesa da cha mada “moder nização da gestão” ser utilizada, muitas vezes, como pretexto para reduzir o funcionamento democrático das instituições educativas.

Em abstracto, poderíamos dizer que as duas preocupações (mo dernização e de mo cracia) não são antagónicas. Isto é, nada obrigaria (antes pelo contrário) que

Não basta ter em conta só os eventuais efeitos

que a chamada “profissio­nalização

da gestão” pode ter em termos de “produtivi­

dade” e eficácia” da gestão

de recursos, mas também os efeitos que produz

no domínio da justiça e da equidade do serviço educativo, da pro moção da cidadania, da coesão social e da democracia

nas escolas.

o desejo de uma maior eficácia e qualidade do serviço público prestado pela escola fosse incompatível com a democraticidade do seu funcio namento e a equidade da sua acção. Contudo, a análise política e a investigação empírica têm mostrado (nos mais diversos países e contextos) que as medidas de “moder ni zação da admi nistração pública”, não passam, muitas vezes, de uma simples recomposição do poder e controlos perdi­dos pela admi nistração, sem que em nada se alterem as relações de dependência entre admi nistradores e administrados e, pior ainda, muitas vezes à custa do próprio funcio namento democrático das insti­tuições e da lógica de serviço público.

Por isso, o problema actual da gestão escolar é o de saber como é possível dispor de boas formas de coordenação da acção pública sem que isso ponha em causa o funcionamento democrático das orga nizações. Não basta ter em conta só os eventuais efeitos que a chamada “profissi o nalização da gestão” pode ter em termos de “produtividade” e eficácia” da gestão de recursos, mas também os efeitos que produz no domínio da justiça e da equidade do serviço educativo, da pro moção da cidadania, da coesão social e da democracia nas escolas.

Lisboa, Janeiro de 2003

1 Para desenvolver esta questão consultar em es­pecial o capítulo 3 da obra: BARROSO, João (1995). Os Liceus: organização pedagógica e administração (1836­1960). Lisboa: Junta Nacional de Investiga­ção Científica e Fundação Calouste Gulbenkian. (2 volumes).

2 Para desenvolver esta questão consultar: BARROSO, João (2002). “ Reitores, presidentes e directores : evolução e paradoxos de uma função”. In: Administração Educacional. Revista do Fórum Português de Administração Educacional, nº2, 2002, pp. 91­114.

3 Para um maior desenvolvimento desta questão consultar: BARROSO, João, org. (no prelo). A es­cola pública. Regulação, desregulação, privatização. Porto: Edições ASA.

Page 5: Março de 2004 - CadernoGestão

16 CADERNOS DA FENPROF Direcção e Gestão nas Escolas CADERNOS DA FENPROF 17Direcção e Gestão nas Escolas

ão é surpreendente que o ac­tual Ministério da Educação pretenda eliminar a gestão

democrática dos estabelecimentos de ensino básico e secundário.

Não ser surpreendente não significa não ser muito preocupante.

Explico­me. Assistimos, diariamente, à deflagração de medidas (exactamente, deflagração: como se de um ataque à bomba se tratasse...) contra alguns dos principais pilares em que a democracia portuguesa se tem sustentado desde o 25 de Abril, sejam eles factos, sejam ideais ainda por atingir ­ o direito ao trabalho, o trabalho com direitos, a segurança social, o direito a um salário justo, um rendimento mínimo garantido, a igualdade de condi­ções de acesso pleno de todos os cidadãos a bens tão relevantes como a saúde e a educação.

Chegou (está anunciada, pelo menos) a vez da gestão das escolas, uma gestão que tem sido democrática e participada por todos aqueles a quem o que se passa em cada escola interessa vitalmente: professo res, estudantes, funcionários não docentes, pais e encarregados de educação, repre sentantes dos poderes e interesses locais. Uma gestão democrática que, desde 1974, lidando muitas vezes com recursos parcos ou muito parcos, os tem geral­mente sabido gerir e rentabilizar, fazendo funcionar as escolas, fazendo­as melhorar e inovar, fazendo­as responder tão bem quanto possível, a exigências crescentes da sociedade.

Do que se trata, então, agora?Consultando a página do M.E. na inter­

net, encontramos entre uma longa lista de compromissos o de “criação de con dições para a modernização e profissio nalização da gestão dos estabelecimentos de ensino, simplificando processos, clarificando responsabilidades e presti giando a figura do director de escola”.

Pode perguntar­se se não é desejável e porque é que não é desejado “modernizar a gestão”, “simplificar processos”, “clari­ficar responsabilidades”, “prestigiar os cargos de direcção” sem eliminar a

Compromissos de direita com a direita

elegibi lidade, a colegialidade, a prestação de contas dos eleitos aos eleitores, numa palavra, a democraticidade relativamente à gestão das escolas.

Ora, porque provavelmente todas aquelas expressões não visam mais do que fazer “passar” a figura do gestor profissio­nal, representante do Governo na escola e não mais representante da escola junto do poder político e administrativo. Regres­sando­se, obviamente, à velha figura dos reitores e dos directores de escola que alguns de nós ainda conhecemos, num exercício de revivalismo de velhas solu­ções de um passado que agora é mitificado como o “paraíso perdido”, por alguns.

Veja­se o despudor com que o Ministro da Educação se terá referido a esta matéria, insultando de passagem a gestão demo­crática das escolas e faltando gravemente à verdade. Segundo o Diário de Notícias de 6.01.2003, “O Ministro da Educação defende uma gestão mais profissional das escolas, para rentabilizar recursos e evitar

Manuela EstevesUniversidade de Lisboa

s programas eleitorais dos dois partidos que suportam o actual Governo contemplam a figura

do “director” de escola, claramente asso­ciada, no caso do PSD, à “modernização e profissionalização dos estabelecimentos de ensino”.

No contexto de outras medidas pro­postas (liberdade de escolha, competi­tividade entre escolas, reforço dos exames nacionais, produção de rankings) o gestor profissional (designado, ou não, direc­tor) remete para políticas educativas que tiveram a sua máxima expressão nos EUA e em certos países europeus durante a década de 80; muitas das quais geraram grande controvérsia e agitação nos meios educativos, tendo várias sido poste­riormente abandonadas. A ideia é a de que os principais problemas da escola pública são, sobretudo, problemas de gestão, que só uma liderança (preferencialmente uni­pessoal) orientada por critérios de raciona­lidade técnica e por conceitos de eficácia e eficiência de inspiração empre sarial, poderá resolver. Esta orientação, que tem sido brilhantemente criticada através de investigações teóricas e empíricas de circu­lação internacional (também em Portugal), ficou conhecida por “geren cialismo” e foi associada às ideologias da “Nova gestão pública” e da “Admi nistração pública empresarial”.

No contexto de uma administração tradicionalmente centralizada do sistema escolar português, radicalmente descon­centrada ao longo dos últimos anos e, recentemente, alvo de um processo de reconcentração através da nova lei orgâ nica do Ministério da Educação, a insis tência na figura do director ou gestor profissional acentuará mais ainda o controlo centralizado­desconcentrado sobre as escolas e tenderá a transformar aquele gestor num verdadeiro comissário político­administrativo. O contrário, por­tanto, daquilo que seria de esperar dos discursos jurídicos em torno da defesa da autonomia e da política educativa cen­

Democratizar a Gestão é o maior dos desafios

trada nas escolas, porém mais congruente com acepções meramente operacionais e técnicas de autonomia e com a delegação política de responsabilidades e encargos por parte do Estado.

Num sistema que se caracteriza já pela existência, sem paralelo na administração pública, de um elevado número de educa­dores e professores com larga experiência e com formação pós­graduada em Admi­nistração Educacional, o maior desafio é o da democratização do governo das escolas, dotando cada estabelecimento de órgãos de direcção próprios, com adequada rep­resentação escolar e comunitária. Até ao momento, o verdadeiro órgão de direcção

Licínio C. LimaUniversidade do Minho

O

de cada escola localiza­se no seu exterior (órgãos centrais e desconcentrados do ministério), impedindo objectivamente que cada escola se afirme como co­con­strutora das políticas escolares e assuma responsavelmente o seu projecto educativo próprio.

Contra decisões erradas, baseadas em critérios puramente ideológicos que desprezam as realidades históricas e socio­educativas da escola portuguesa, espera­se algum “profissionalismo” por parte de quem prepara as decisões e informa o leg­islador. Conhecer a inves tigação realizada no País sobre estas questões e observar as conclusões dos principais estudos solici­tados e editados pelo próprio ministério (dos trabalhos da Comissão de Reforma do Sistema Edu cativo de 1987/88 ao estudo sobre Auto nomia e Gestão das Escolas, passando pelo Relatório do Conselho de Acompanha mento e Avaliação, ambos de 1996) seria seguramente uma opção responsável e prudente. Ela permitiria concluir que o problema é muito mais o da governação democrática de cada escola e do poder de decisão de cada “comuni­dade educativa” do que o da inexistência de directores ou gestores profissionais, subordinados ao poder do centro.

6 de Janeiro 2003

N

Veja­se o despudor com que o Ministro da Edu­cação se terá referido a esta matéria, insultando de passagem a gestão

democrática das escolas e faltando gravemente

à verdade.

a insis tência na figura do director ou gestor

profissional acentuará mais ainda o controlo

centralizado­desconcentrado sobre as escolas e tenderá

a transformar aquele gestor num verdadeiro comissário

político­administrativo

Page 6: Março de 2004 - CadernoGestão

18 CADERNOS DA FENPROF Direcção e Gestão nas Escolas CADERNOS DA FENPROF 19Direcção e Gestão nas Escolas

desperdícios. Como David Justino já disse, «o problema é que, em muitos casos, temos professores a gerir professores, tal como temos médicos a gerir médicos...Não queremos que seja assim»”. Portanto, gastadores compulsivos e esbanjadores, conluiados uns com os outros para o mal — eis a imagem dos professores que se quer “vender” a uma opinião pública que se alheia excessivamente do que se passa, de facto, nas escolas. Não diz o Ministro que os orçamentos que ele entrega às escolas para efectiva gestão local (excep tuando­se evidentemente as verbas desti nadas aos salários) são tão magros que é necessário fazer autênticos prodígios e que se pode desafiar qualquer “gestor profis sional” a, com o mesmo, fazer mais e melhor. Não diz o Ministro que os profes sores são “geri­dos” pelo Ministério da Educação de quem recebem a função que desempenham e perante quem respondem discipli narmente (e não perante os seus pares).

Mas, provavelmente, não é de nada disto que se trata. É sim de restaurar o autoritarismo burocrático, remetendo para “nunca mais” a já, em si, difícil autonomia das escolas para reconceberem e concre­tizarem o currículo nacional, tornando­o mais adequado às populações discentes a quem servem. Anote­se de passagem quão revelador é o facto de, nos dizeres ministe­riais, palavras como “pedagogia” e “ped­agógico” estarem ausentes, podendo pôr­se a hipótese de serem desconhecidas...

Está tudo bem na actual gestão demo­crática das escolas? Evidentemente que não.

Muito há (haverá) a corrigir, quer no modelo formal de gestão (por forma a, por exemplo, tornar mais efectiva a parti­cipação dos estudantes, com criação de es­truturas mais adequadas à abordagem dos problemas que lhes dizem respeito), quer nos modos como essa gestão é exercida. A actual função de gestão, numa escola, não se esgota apenas no exercício que os órgãos máximos asseguram: distribui­se pelos conselhos escolares e pedagógicos, pelos conselhos de directores de turma e de turma, de departamento e de disciplina.

Nem sempre, convenhamos, nós, pro­fessores, temos reforçado e prestigiado o funcionamento de todos esses órgãos. Nem todos temos estado tão disponíveis quanto necessário para participar empe­nha damente na vida da escola. Nem sem­pre a autoridade — mas uma auto ridade democrática — se tem afirmado, como deveria, sobre algumas veleidades indi­viduais e/ou sectoriais que se mani festam

onvém esclarecer desde já um equívoco frequente na discussão sobre a profissionalização da

gestão escolar. Profissionalizar a gestão não significa necessariamente profis­sionalizar o governo das escolas com todas as implicações visíveis ou sublim­inares que derivam desta proposta: uma gestão escolar meramente tecnocrática, o controlo político e adminstrativo desta gestão através da nomeação dos gestores, a dependência hierárquica do Ministério da Educação e a imposição de orientações políticas concretas no governo e gestão quotidiana das escolas. Neste caso teria relevância menor a forma de designação, seja ela a nomeação directamente política, como foi o caso da Reforma de João Franco de 1894 e do Estado Novo, ou o concurso efectuado pelo Governo, pois o

Democracia e gestão profissional:Os equívocos de uma proposta governamental

governo da escola está em qualquer dos casos centrado no poder central do qual a escola é uma mera repartição periférica ou serviço local.

A primeira interrogação que se coloca em relação à proposta anunciada em dis­curso oficial é se, subjacente ao discurso da profissionalização da gestão, está a pretensão inconfessada de recentração política e administrativa que curiosamente acompanha como contraponto o discurso de alguns epígonos modernos do neo­liberalismo.

Ora há um outro ponto do discurso cujo conteúdo, esse sim, parece muito mais esclarecedor quanto a essa inter­rogação. É quando propõe que possam ser desi gnados gestores de escolas pessoas, profissionais ou não, de várias origens, mas sem qualquer formação nem experiência

pedagógica. Foi o que já aconteceu com os gestores hospitalares onde o critério definitivo de aptidão para o cargo acabou por ser o da fidelidade partidária. A ver­ificar­se este caso, a proposta terá como último objectivo não a qualidade científica e pedagógica da educação nem a cons­trução de uma escola democrática como instituição de formação para a cidadania mas simplesmente a sua domesticação e subordinação à agenda política do governo em funções. É a emergência deste último propósito que pode oferecer uma chave de leitura para a dimensão equívoca da pro­posta governamental de designar gestores profissionais para as escolas. E isso seria preocupante.

Penso porém que a resposta a estas investidas governamentais tem de ir além de um impulso apenas reactivo ou de de­

António Sousa FernandesUniversidade do Minho

C

em algumas escolas. Nem todas as nossas escolas funcionam tão bem como deve­riam, seja em termos organizativos, seja em termos relacionais, seja em termos pedagógicos e produtivos.

Mas é, em primeiro lugar, a nós, pro­fessores, que cabe promover com todos os nossos parceiros na função educativa uma avaliação de cada escola para o seu aperfeiçoamento.

Defender a gestão democrática das escolas é parte de um combate cívico e profissional em defesa e pela melhoria da escola pública e da qualidade da educa­ção e do ensino que ela deve assegurar. Estou confiante em que, dando força e parti cipando activamente nas iniciativas dos nossos sindicatos, empenhando­nos na vida das nossas escolas, ganharemos estes combates.

Defender a gestão democrática das escolas é parte de um combate cívico e profissional em defesa e pela melhoria da escola pública e da qualidade da educação e do ensino que

ela deve assegurar.

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20 CADERNOS DA FENPROF Direcção e Gestão nas Escolas CADERNOS DA FENPROF 21Direcção e Gestão nas Escolas

fesa intransigente de regulamentações de administração e gestão das escolas cujas fragilidades são conhecidas não obstante a existência de inegáveis progressos. O problema central a debater é se entre democracia e gestão profissional existe uma incompatibilidade intrínseca ou se essa incompatibilidade surge no modo de entender, regular e exercer uma e outra.

Em relação à primeira parte da alter­nativa, a minha reposta é que não há incompatibilidade entre as duas. Pelo contrário, o profissionalismo e a autonomia profissional constituem conquistas demo­cráticas, que por um lado fornecem el­ementos imprescindíveis para uma decisão política esclarecida e para uma execução competente, e por outro lado, defendem os cidadãos contra as decisões políticas prepotentes por mero autori tarismo ou ignorância. A própria escola é um exemplo onde se tem progressivamente afirmado a necessidade de competência docente através de uma adequada for mação cientí­fica e pedagógica dos profes sores. Também as áreas de intervenção do profissional e do político estão relati vamente delimitadas embora se reconheça que há áreas de in­definição. Mas aí é evidente que a última palavra pertence ao decisor político. O único debate que aqui é relevante é o de saber se a organização escola requer para a sua competente gestão um saber profis­sional especializado e assegurado por profissionais de carreira como no caso da docência ou não e, no caso de resposta afir­mativa, qual o perfil desses profissionais. No meu entender acho que sim e sem poder desenvolver aqui uma argumentação mais extensa evoco como ilustrações o facto de isso ser uma prática corrente nos países europeus, mesmo os mais democráticos, e a crescente expansão de pós­graduações em admi nistração e organização escolar no nosso país que confirmam a necessidade e oportunidade da formação profissional. Considero, porém, que se exige um perfil adequado que passa pela experiência do­cente, como é prática comum na Europa, além da formação especializada onde, de algum modo, Portugal foi inovador.

Fica como mais relevante para debater a segunda parte da questão acima enun­ciada, a saber, como tem sido entendida, regulada e exercida a democracia na escola e qual o superavit ou déficit que uma gestão profissional acrescenta a esse entendi­mento, regulação e prática.

Ora o entendimento que resulta das regulamentações da administração e gestão das escolas produzidas desde a instauração do regime democrático é que subjaz em

todos eles uma concepção selectiva e re­stritiva de democracia que disfarça, através de uma proliferação de órgãos participati­vos, a permanência de uma centralização de decisões e de controle das escolas pelo Ministério da Educação, transferindo para os órgãos escolares pouco mais que fun­ções executivas. De todos os normativos, o Decreto­Lei 769­A/76 era o mais transpar­ente na afirmação desta orientação nuclear mas as normas posteriores mantêm­se, com pequenos desvios, coerentes com ele. A não cele bração de qualquer contrato de autonomia prevista no Decreto­Lei 115­A/98 vem, aliás, ilustrar expressivamente o que fica dito.

Para reforçar este entendimento note­ ­se que a figura do reitor ou director não desapareceu totalmente, apenas se atenu­aram algumas das arestas mais chocantes do seu perfil, através da eleição e da influência da cultura democrática nas es­colas. Daí que as práticas democráticas, que felizmente existem, derivam mais dos estilos de gestão e do clima resultante das culturas docentes do que das normas. Estas, e temos presente como exemplo paradigmático o último decreto de gestão, estabelecem uma dependência hierárquica forte do director executivo ou comissão ex­ecutiva em relação à Administração Cen­tral e uma dependência débil em relação à assembleia de escola que, em teoria, seria o órgão perante o qual respondiam e pelo qual poderiam ser sancionados os restantes órgãos internos da escola se o modelo fosse verdadeira mente democrático.

Dentro deste entendimento e regula­men tação da gestão das escolas, a nomea­ção de um gestor profissional, nos termos em que aparece enunciado, apresenta vários riscos que vão debilitar ainda mais ou impedir mesmo as práticas demo­cráticas que muitas escolas contra ou praeter legem desenvolveram, ou seja, as práticas de escolas que foram capazes de construir uma autonomia criativa e origi­nal, apesar das limitações ou restrições administrativas.

Os riscos são de duas ordens. A co­locação de um gestor profissional num sistema de administração que se mantém estruturalmente centralizado vai reforçar o controle administrativo e político das escolas. De facto, o Ministério, nomeando um gestor especializado que fica sob a sua directa depen dên cia, dispõe de um ins tru mento tecni ca mente mais efi caz e politi camente mais dependente para a ex­ecução da sua política edu cativa. Esta mos pe rante um efeito politicamente per verso da eficácia técni ca. Além disso, se no

perfil seleccio nado prevale ce rem não as compe tências pedagóg ica s e cívicas mas apenas as competências gestionárias do universo empresarial, então a perversão acentua­se, pois implica a identificação da escola com uma empresa e a subordinação dos resultados formativos à lógica econo­micista do liberalismo capitalista. Dentro desta lógica qualquer autonomia local, mesmo que criativa e pedagogicamente inovadora, corre o risco de ser simples­mente eliminada, a pretexto de custos acrescidos ou de desadequação aos objec­tivos económicos prosseguidos.

Mas é possível descobrir as vantagens que a competência profissional na gestão pode trazer à autonomia e democracia na escola. Para isso é preciso que se verifique uma autonomia real da escola, processos efectivos de participação alargada e uma dupla responsabilização interna e externa da escola. Internamente perante os seus órgãos de governo eleitos e externamente perante as comunidades que a escola serve. E nestas comunidades incluem­se não apenas a comunidade profissional docente, mas as comunidades locais servidas e a comunidade nacional repre­sentada natural mente pelo Estado. Desde que se estabe leçam os adequados canais de responsa bilização, a competência profis­sional vai reforçar as dimensões internas e externas da democracia na escola, aliás, uma questão que se põe também relativa­mente à docência em geral.

Rematando este breve comentário direi que a questão da gestão profissional se subsume à questão da democracia na escola, não porque entre as duas haja uma oposição insanável mas porque é a moldura democrática que baliza e dá o sentido ori­entador ao profissionalismo quer na escola quer fora dela. E por isso apresentar uma proposta parcial para a gestão profissional sem propor uma alternativa democrática que aprofunde e corrija a regulamentação actual não pode ser seriamente aceite como um processo de reforçar a qualidade e a responsa bilização da escola perante os desafios educativos.

Braga, Fevereiro de 2003

eclarações recentes do actual Ministro da Educação anunciam a intenção de introduzir mudanças

no normativo legal que rege a gestão das escolas do ensino básico e secundário, tendo como objectivos declarados “profis­sio nalizar a gestão” e restringir, neste campo, a influência dos professores. Quer pelo conteúdo, quer pela forma como foi feito o anúncio, tudo indica que estamos face a uma intenção pouco sensata e pouco credível. Tentarei, nos limites do curto depoimento que me foi solicitado pela FENPROF, explicar o fundamento da minha opinião.

Um erro de métodoSe alguma coisa de seguro aprende mos,

no último quarto de século, no que respeita ao modo de induzir mudanças no funciona­mento dos sistemas educativos, a ineficácia das estratégias de reforma, em particular baseadas em decretos, constitui uma veri­ficação indesmentível. Como é sabido, na maior parte dos casos, são as escolas que “mudam as reformas” e não o contrário, pelo que as discussões formais em torno dos articulados legislativos que deveriam nortear a actividade das escolas se têm transformado em exercícios de retórica estéril e crescentemente caricatos, com a sucessão vertiginosa de “novos modelos de gestão”. A única mudança de fundo, bem sucedida e que se tem revelado estável e eficaz, do ponto de vista do funcionamento das escolas, foi a que, na sequência do 25 de Abril, resultou da iniciativa dos

Mais uma “reforma da gestão” das escolas?

professores e das escolas, instituindo uma ruptura simbólica e política consagrada em modalidades de gestão baseadas na democracia e na participação.

Um erro de diagnósticoO conhecimento da experiência portu­

guesa, do último quarto de século, mostra que, no quadro de uma mesma moldura normativa, se afirmam e coexistem práticas de gestão muito diferenciadas, bem como resultados e níveis de satisfação igual­mente muito diferenciados. Isto quer dizer que não só não existe uma corres pondência linear entre as “leis” da gestão e as “práti­cas” de gestão, como também não existe uma correspondência linear entre modelos formais de gestão e níveis de desempenho das escolas. Uma com paração entre a re­alidade portuguesa e a de países da área da OCDE mostra como, apesar de diferenças substanciais no modo de, formalmente, conceber e praticar o governo das escolas, emerge um conjunto idêntico de problemas estruturais da escola e dos sistemas educa­tivos que seria ingénuo pretender superar com “mais uma” reforma da gestão.

Mudar a escola com os professoresO conhecimento acumulado sobre

o funcionamento das escolas também autoriza uma conclusão que para muitas pessoas será altamente irritante mas, nem por isso deixa de ser menos verdadeiro: a motivação e o investimento profissional dos professores consti tuem requisitos indis pensáveis para pro ceder a melhorias

do funcionamento das escolas. A natureza es­sencial deste funcio­namento reside no ti po de interacções que são estabelecidas ente os professores e os alunos que, em contexto, constroem comunidades de aprendizagem que reme­tem para uma específica experiência e atribuição de sentido. Este processo, que corresponde à construção da autonomia de cada escola, e os modos de o favorecer, representa hoje o problema principal que se coloca no que diz respeito à regulação da escola pública. A estratégia de inter­venção, baseada na ideia de “meter na or­dem” os professores e alunos, que norteia a acção do ministro actual é totalmente desajustada.

Não “fazer mal” às escolasA orientação preconizada por António

Sérgio para um programa de acção das escolas (“não fazer mal aos alunos”) poderia ser, com grande vantagem trans­portada para uma eventual recomendação aos actuais governantes. O actual quadro legislativo sobre a gestão das escolas consagra modalidades de participação e democracia que são concomitantes com a afirmação de soluções diferenciadas no que diz respeito à liderança e com a consagração de exigências de qualificação profissional para os órgãos executivos de gestão. Não é sensato, nem oportuno, nem útil, reabrir um conflito em torno desta questão. Acresce que a credibilidade do actual ministro para realizar mudanças de fundo no sistema educativo se tem vindo a reduzir à medida que se torna mais evidente o carácter inadequado das suas propostas e a sua incapacidade para as concretizar. Lembremos, a título de exemplo, o encerramento inconsequente do Instituto de Inovação Educacional; a extinção irresponsável da ANEFA preju­dicando um sector que “funcionava”; o modo incompetente como foi “liquidado” o processo de acreditação dos cursos de formação de professores, sem qualquer ideia alternativa; o modo desastrado como tem sido “gerida” a “reforma do ensino secundário” e as sucessivas contradições com intenções anunciadas; a total inca­pacidade para fazer “descolar” as mega direcções gerais criadas no Ministério da Educação. Para quem coloca como objecti­vo essencial “profissionalizar a gestão” das escolas, é caso para dizer que “em casa de ferreiro, espeto de pau”.

Rui CanárioUniversidade de Lisboa

D

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22 CADERNOS DA FENPROF Direcção e Gestão nas Escolas CADERNOS DA FENPROF 23Direcção e Gestão nas Escolas

cialização nos domínios da organização e gestão escolares.

Os imperativos de construção de uma escola humanista e democrática implicam um prolongado, perseverante e, por vezes, doloroso, processo de mudança de menta­lidades e de hábitos de trabalho no que diz respeito à dinâmica organizacional das escolas. O sentido da evolução deste processo só pode ser o do reforço das práticas democráticas que permitem o permanente reajustamento de modos de fazer e de pensar. Precisamente, é esse sentido de evolução que se encontra agora posto em causa com a possível introdução dos designados gestores profissionais. Na verdade, estamos perante a ameaça de um grave retrocesso no processo de mudança que os professores, juntamente com outros parceiros das comunidades educativas, têm vindo a dinamizar com ousadia e sentido de responsabilidade.

Desrespeitando o capital de experiên­cia já realizada e reflectida, e denunciando a opção por uma racionalidade de tipo instrumental perigosamente redutora, as anunciadas intenções do actual governo vêm introduzir uma lógica de desenvol­vimento absolutamente contrária ao ideal humanista proclamado. Elas chegam­nos através de um discurso que, demago­gicamente, se serve de conceitos equívocos como eficácia, qualidade ou profissio­nalismo. Como dissemos, o desafio que temos pela frente em termos de mudança organizacional reclama a existência de bons profissionais. Mas profissionais de quê, exactamente? Para quê, para quem, para que fim se organiza a escola? Estas questões, incontornáveis em qualquer projecto educativo, têm que ser obrigato­riamente colocadas por todos quantos se preocupam, e ocupam, da tarefa peda­gógica.

A escola é hoje valorizada como or­ganização dotada de autonomia. Ou seja, ela é vista como uma unidade social com uma identidade singular e não apenas como um serviço local do Estado. Uma organização específica, necessariamente articulada num sistema, mas uma organi­zação. Como tal, a escola deverá aprender com outras organizações, adoptando, sem receio, procedimentos de ordem técnica considerados pertinentes de acordo com a sua própria lógica de funcionamento. Mesmo que, eventualmente, os proce­dimentos em causa sejam os mesmos que servem unidades empresariais, reconheci­damente orientadas por princípios alheios à lógica educativa. O que não podemos

esquecer é que se trata disso mesmo, de meros procedimentos técnicos subor­dinados a uma filosofia de funcionamento decidida, necessariamente, a partir de uma autoridade pedagógica.

Pela sua formação profissional, cabe aos professores garantir que os valores democráticos consensualizados depois de séculos de uma aventura humana, nem sempre feliz, sejam respeitados pela escola enquanto organização aprendente. Precisa­mente porque só eles se encontram em posição de perspectivar esses valores numa lógica pedagógica. Do nosso ponto de vista, o domínio de competências ao nível da organização e gestão escolar inscreve­se no conjunto mais lato dos saberes profis­sionais dos professores. As tarefas de direcção e de gestão dos estabelecimentos de ensino surgem no prolongamento das tarefas curriculares constituindo, nessa medida, espaços de exercício da função docente que, como outros espaços, devem obedecer a uma decisão democrática cole­gialmente partilhada.

Confrontada com a ameaça da guer­ra, da violência e do agravamento dos fenómenos de exclusão social, a sociedade contemporânea tem na escola um lugar privilegiado para a concretização do ideal de humanidade construído em torno dos valores da democracia, da justiça, da paz e da solidariedade. Importa que para isso a escola funcione no seu todo como um au­têntico laboratório de democracia. Claro, já sabemos, a democracia não é fácil e dá muito trabalho. Mas, sobretudo em educa­ção, ela é sempre mais do que um meio. Ela repre senta um fim em si mesmo. E é por

isso que preci sa mos de uma cultura organiza­cional favorável ao desenvol vimento de competências práticas de cidadania. A inversão de rumo que repre sen taria a profissionalização da gestão no sentido da sua sepa ração da dimensão pedagógica como se de outro espaço profissional se tra tasse, hipotecaria o futuro que temos procurado construir. E é disso, afinal, que se trata na escola, do futuro. Do futuro das pessoas e da própria sociedade.

Desrespeitando o capital

de experiência já realizada

e reflectida, e denunciando

a opção por uma raciona­

lidade de tipo instrumental

perigosamente redutora,

as anunciadas intenções do

actual governo vêm intro­

duzir uma lógica de desen­

volvimento absolutamente

contrária ao ideal humani­

sta proclamado.

econhecendo pragmaticamente a utilidade das utopias que co­locam o humano como primeira

priorida de da vida dos homens, e em consonância com as metas de desenvol­vimento procla madas pela sociedade do século XXI, defendemos a existência de uma escola humanista e democrática. Democrática na definição da sua estratégia, nos modos de liderança que a regulam, nas regras que determinam o seu funcio­namento e no estatuto de participação dos diferentes actores, de acordo com as respectivas legitimidades profissionais e sociais. Democrática também no que se refere aos espaços de relação e de comunicação e, nessa medida, atenta à

Em defesa de uma escola humani­sta e democrática ou:O primado da pedagogia sobre a técnica

qualidade emo cional e ética das mediações institucionais que viabilizam a prática de encontro interpessoal.

Por estas razões, e considerando que há que ter em conta uma adequada articulação entre fins e meios, advogamos o primado dos critérios pedagógicos em todos os aspectos que se referem à vida da organiza­ção escola. Importa, no entanto, esclarecer que critérios são esses, lem brando qual é a concepção pedagógica que temos em refer­ência e a imagem profis sional do professor que lhe está subjacente. Porque é aí que, a nosso ver, radica o sentido da mudança organizacional em que nos temos vindo a empenhar nos últimos anos, procurando adequar os espaços e tempos da escola às

novas exigências educacionais.Inscrita no quadro da preocupação

humanista ligada a uma aprendizagem vivida por todos durante toda a vida, a pedagogia pretende­se diferenciada, sub­ordinada a dinâmicas curriculares devida­mente contextualizadas e apelando para valores profissionais incompatíveis com o carácter meramente didáctico e técnico que caracterizava a imagem do professor numa pedagogia de matriz tradicional ou tecnológica. Convocada ao exercício de novas funções, a autoridade profissional do professor passa hoje pela autonomia técnica e científica, pelo poder de decisão, pelo espírito empreendedor, pela atitude de cooperação colegial e, também, pela espe­

Isabel BaptistaUniversidade Portucalense

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24 CADERNOS DA FENPROF Direcção e Gestão nas Escolas CADERNOS DA FENPROF 25Direcção e Gestão nas Escolas

tência de uma divergência insanável entre aqueles que olham para a escola como mais um espaço de mercado, subordinada aos interesses dos privilegiados, e todos os outros que, conscientes das condições em que elas operam e dos seus mecanismos, muitas vezes não evidentes, de reprodução das desigualdades e opressões que atra­vessam as sociedades modernas, não de­sistem de lutar por uma escola amarrada à construção de uma cidadania demo crática e solidária, onde nenhuma criança ou jo­vem seja excluído por força do dinheiro, da origem étnica ou das desiguais expec­tativas que a família projecta sobre o seu destino escolar.

Étienne de la Boétie, no seu Discurso sobre a Servidão Voluntária, conta­nos

uma história sobre Licurgo, o reformador de Esparta. Em certa altura da sua vida terá criado dois cães de uma mesma ninhada, alimentados pelo mesmo leite, um acos­tumado a ficar na cozinha, o outro livre de correr pelos campos. Desejando mostrar ao seu povo que os homens são aquilo que a educação faz de cada um deles, levou os cães para o centro de uma praça, junto dos quais colocou um prato de sopa e uma lebre. Um correu atrás desta, enquanto que o outro mergulhou o focinho naquele. Ontem como hoje o papel da educação não

mudou. Resta escolher o que desejamos: cidadãos conformados, não pensando ter outro direito senão o de se acomodarem no que existe ou, ao invés, cidadãos críticos e livres, comprometidos com a construção de um mundo melhor para todos, em lu­gar de um mundo desejável apenas para alguns, a quem a riqueza e a propriedade atribuíram o privilégio de gozarem os benefícios proporcionados pelo trabalho de gerações de homens e mulheres que nos antecederam.

Até hoje, nunca governo algum tinha colocado em causa, pelo menos com este atrevimento, a na­

tureza democrática deste contrato educativo. É isto, precisamente, o que o ac­tual governo está a fazer.

esde que tomou posse, o Ministro da Educação tem defendido com denodo aquilo que designa por

“gestão profissional” para a administra­ção escolar. No seu entender trata­se de uma alteração decisiva para a melhoria geral do funcionamento do sistema, com efeitos positivos na qualidade dos serviços por ele prestados e largos benefícios para os alunos, sobretudo ao nível das apren­dizagens realizadas e da solidez dos sa­beres adquiridos.

Interroguemo­nos: qual é o objectivo deste governante quando fala em “profis­sio nalização”, “isenção” e “exigência” na gestão? Será que a actual gestão não é profissional, quando nós sabemos que os seus principais actores são profissionais da educação com formação superior e, não raro, com pós­graduações nas mais varia­das áreas do ensino e da admi nistração escolar, em todo o caso compe tências que interessam à comunidade escolar e às instituições onde trabalham e entregam boa parte das suas vidas? Quando é mani­festo, e este ministro não o desconhecerá, que eles exercem nas escolas um governo democrático e parti cipado, coadjuvados por um corpo de funcionários adminis­trativos bem treinado em áreas como a contabilidade e as finanças, sujeito ao controlo dos repre sentantes eleitos da comunidade educativa. Ou será que, para o Ministro e as elites que ele representa, a administração escolar se abrevia à gestão do “dever e haver”, no qual as escolas se constituem como espaços de mercado, os serviços prestados como mercadorias e os alunos como clientes consumidores?

Obviamente, nem aos menos atentos escapará que aquilo que está em causa, sumido no discurso pálido da eficácia gestionária, é a natureza democrática do

A “profissionalização” da gestão:Uma crítica às propostas neocon servadoras para a administração das escolas

sistema de ensino português estabelecida pelo Estado Democrático de Direito. Ape­sar das pressões permanentes promo vidas pelos ideólogos e conhecidos opinion makers liberais, mereceu até hoje a larga aprovação das partes envolvidas na escola: professores, encarregados de educação, alunos e funcionários. Foi neste sistema que a sociedade portuguesa e os governos pós­25 Abril ancoraram o seu esforço de combate ao analfabetismo, de alargamento da escolaridade obrigatória e da melhoria das credenciais escolares das novas gera­ções. Mais, foi nele que as nossas crianças e jovens fizeram o grosso da aprendizagem da cidadania demo crática, num espaço subordinado a regras electivas e de partici­pação, sujeitas a reformulações e mudan­ças negociadas e consensualizadas.

Postas as coisas assim, o conceito de “escola pública democrática” ganha um sentido preciso, definindo com rigor a intervenção de todos os que nele se revêm. Desde logo, a oposição intransigente à re­visão subversiva engendrada pelo governo do acervo legislativo que enqua dra e regula o nosso sistema educativo, em especial no que respeita à gestão demo crática conforme o definido pelo Decreto­Lei n.º 115­A/98. Agir neste sentido atrai de imediato as críticas dos pregoeiros liberais, acusando os que assim agem de imobil­ismo anti­modernizador. Ora, nada mais falso! Para além de não ser inte lectual­mente honesto considerar que as propos­tas neoconservadoras têm um conteúdo modernizador, na produção e intervenção críticas sobre a escola pública democrática por parte daqueles que a defendem é in­fundado concluir que se concebe o actual quadro jurídico­organi zativo fixado em definitivo. De facto, e não ignorando que ele resulta de processos negociais e

compromissos políticos delicadamente tecidos pelas instituições e actores sociais neles envolvidos, reconhece­se que a sua preservação facilita a invenção de novas soluções tendo em vista o alargamento e aprofun damento das formas de repre­sentação e participação democráticas nas escolas.

Até hoje, nunca governo algum tinha colocado em causa, pelo menos com este atrevimento, a natureza democrática deste contrato educativo. É isto, precisamente, o que o actual governo está a fazer. Tal como em muitos outros domínios da vida social, como o do trabalho e da saúde, a ruptura com este contrato educativo acalentado pela maioria neoconserva­dora e liberal é uma peça fundamental na configuração de um outro contrato social fundado na desigualdade extrema entre os cidadãos, em que a concentração dos recursos nas classes dominantes vai a par do arredamento da participação demo­crática das camadas mais despossuídas. Verdadeiro programa político de consoli­dação da hegemonia neoliberal, no fim da linha a democracia estará domesticada e circunscrita a campos muito limitados da vida social.

Interpelar­se­ão alguns, talvez guiados pelo pragmatismo prescritivo que ali­menta os discursos da direita, para quê uma escola democrática se na vida de todos os dias, nas empresas, nas relações internacionais entre Estados, às vezes até nas famílias, impera a lei do mais forte? Precisamente por isso, mas não só, a não ser que se entenda a escola como uma instituição que não tenha qualquer outra função que não seja participar, de um modo mecânico, na reprodução de um mundo onde nada escapa ao valor da troca mercantil. Declara­se, portanto, a exis­

Fernando Bessa RibeiroUniversidade de Trás­os­Montes e Alto Douro

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26 CADERNOS DA FENPROF Direcção e Gestão nas Escolas CADERNOS DA FENPROF 27Direcção e Gestão nas Escolas

a mudança de nome de uma estrutura que deveria garantir os níveis de participação adequados para os repre sentantes dos di­versos parceiros educativos de um sistema de gestão global do território educativo. Representa, de facto, mais um passo para retirar às escolas a capacidade de afir­mação enquanto estruturas cons trutoras dos seus próprios projectos educativos e política escolar, concentrando estas com­petências numa estrutura híbrida, de par­ticipação (e até representação) limitada e de difícil conciliação e com um enunciado de poderes exorbitados, em que a “análise do desempenho do pessoal docente e não docente”, assim como da “assiduidade e sucesso escolar das crianças e alunos” e a “apreciação dos projectos educativos a desenvolver no município” são expoentes máximos.

Objectivamente, o governo advoga um sistema de poder externo sobre as escolas capaz de exercer o que comummente é apelidado de “controlo burocrático”, em detrimento do “controlo profissional” que possibilitaria alargar as margens de autono­mia dos professores não só em relação aos aspectos curriculares e peda gógicos, como também nos aspectos políticos e organiza­tivos que permitissem afirmar o professor como profissional social e a esco la como

or ga n i za ­ção capaz de co or ­denar os seus re cur sos hu ma nos, fi nan ceiros e mate riais em função das suas pró prias me tas de de sen vol­vi mento curricular defi nidas soli daria mente por uma di­recção peda gógica centrada nos resul tados da aprendizagem. Neste figu rino, os municípios farão as vezes dos actuais Centros de Área Educativa, chamando a si, por intermédio dos seus Con selhos Municipais, competên cias em áreas como os “apoios a crianças e jovens com necessi dades educa tivas espe­ciais””, o desporto escolar”, a “educação para a cidadania” e as “acti vidades de comple­mento curricular”, seja lá o que for in cluído nesse conceito.

Sendo certo que nem sem­pre os aspectos relacionados com a dimensão organizacional das escolas são considerados como factores determinantes para a inovação pedagógica e,

portanto, como responsabilidade directa dos do centes, caindo­se frequen temente na errónea distinção entre as actividades de administração da educação e as funções lectivas tradicionalmente imputadas aos profes sores, é cada vez mais consensual que não se conseguirá a mudança na edu­cação enquanto se continuar a confinar a capa cidade de decisão dos docentes apenas às escolhas metodológicas das actividades educativas, privando­os da possibilidade de decisão sobre os aspectos organizativos e de gestão pedagógica dos recursos.

Ora, um dos aspectos essenciais à construção da autonomia é precisamente o desenvolvimento organizacional da es­cola, através da definição de expectativas partilhadas e objectivos colegialmente definidos, com a assumpção de culturas de participação e colaboração que afirmem processos de liderança e de abertura e permeabilidade com o exterior.

Não se entendam, portanto, as autar­quias como correias de transmissão das decisões superiormente tomadas pelo poder central e fiscalizadoras externas da sua execução por parte das escolas e professores. Esta concepção não serve o Desenvolvimento de que os autarcas devem ser fiéis dinamizadores.

um dos aspectos essenci­ais à construção da au­tonomia é precisamente o desenvolvimento or­ganizacional da escola, através da definição de expectativas partilhadas

e objectivos colegialmente definidos, com a assump­ção de culturas de par­ticipação e colaboração

que afirmem processos de liderança e de abertura e permeabilidade com o

exterior.

evantar o problema se a escola é, ou pode vir a ser, uma organização dotada de autonomia, não é uma

questão meramente académica. A comple­xidade organizativa das escolas e das suas interdependências ascendentes ou descen­dentes, faz com que as tentativas de análise e explicação corram o risco de se tornarem simplistas e redutoras de um universo ainda por explorar e desenvolver.

Efectivamente, o debate em torno do conceito de “autonomia das escolas” tem vindo a permitir a polarização de posicio­namentos entre os defensores da opção por uma política educativa (e por uma admi nistração) centralizada ou descen­tralizada.

Desde logo a Lei de Bases do Sistema Educativo afigura­se consideravelmente ambígua no que toca a importantes as­pectos da administração da educação, permitindo interpretações mais restritivas ou mais avançadas, e todas argumentando com base no seu articulado. Refira­se, a título de exemplo, que apesar de consagrar os princípios de democraticidade e de par­ticipação na administração do sistema de ensino (art.º 43º, 1) entre estruturas admin­istrativas de âmbito nacional, regional au­tónomo, regional e local (ponto 2 daquele artigo) e de anunciar que seriam adoptadas orgânicas e formas de descen tralização, mas também de descon cen tração dos serviços (ponto 3 do mesmo artigo), a lei

prevê como nível de admi nistração novo os departamentos regionais de educação, embora no quadro de uma administração desconcentrada, já que uma efectiva de­scentralização só poderia vir a acontecer com a criação das regiões administrativas previstas na Constituição da República Portuguesa.

Só que, afastada, no médio prazo, a perspectiva de criação das regiões admi­nistrativas, enquanto patamar do poder autárquico, reconceptualiza­se a “auto­nomia” conferindo­lhe como significado essencial o de autonomia processual e implementativa (despojada de sentido democrático e descentralizador) ou até de mera delegação política, remetendo para as escolas a execução das orientações políti­cas centralmente produzidas, procedendo em conformidade com os norma tivos, sem lhes permitir uma intervenção legítima na formulação dessas políticas e sem admitir que parte delas poderiam e deveriam ser assumidas a nível escolar.

Este condicionamento da “autonomia” ao plano jurídico­administrativo, limitado aos aspectos da gestão relacionados com a definição de objectivos, planeamento de actividades e aplicação de recursos, limita também a perspectiva sócio­orga­niza cional do conceito, entendida como a teia de interdependências que a escola é capaz de estabelecer com o seu meio e que são essenciais para a definição da sua iden tidade e eficácia educativa. Reduz­se, então, o conceito de escola enquanto sistema aberto, capaz de mobilizar os diversos agentes implicados directa ou indirectamente nos processos educativos, tanto numa perspectiva interna à escola como externa, de modo a potenciar ad­equada e eficazmente a participação de entidades indispensáveis à definição de uma política local de ensino em que a escola se enquadra.

Aliás, a renomeação dos Conselhos Locais de Educação como Conselhos Mu­nicipais de Educação, consagrados num decreto 7/2003 da responsabilidade não do Ministério da Educação, mas do Ordena­mento do Território, é muito mais do que

Luís ParganaVereador da Educação na Câmara Municipal de Portalegre e Professor

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A “Autonomia” das Escolas e os “Poderes”

Page 11: Março de 2004 - CadernoGestão

28 CADERNOS DA FENPROF Direcção e Gestão nas Escolas CADERNOS DA FENPROF 29Direcção e Gestão nas Escolas

Direcção e Gestão Democráticas das EscolasPropostas da FENPROF

1. INTRODUÇÃO

O primeiro desafio que se coloca a quem pretende intervir positivamente na área da direcção e gestão escolares, nomeadamente pela apresentação de pro­postas próprias, é o de saber situar essas propostas num contexto de administração educativa conforme ao preceituado na Lei de Bases do Sistema Educativo. Ou seja, é substancialmente diferente estruturar um modelo de organização da(s) escola(s) numa perspectiva de participação demo­crática, inserido num contexto de centra­lismo da administração educativa, sempre condicionador das margens de autonomia a exercer ao nível da escola, ou fazê­lo num contexto de descentralização, de que resultem claros os poderes próprios a ser exercidos a diferentes níveis, incluindo o nível escola.

Com a actual Lei Orgânica do Minis­tério da Educação, é de todo impossível pensar­se num modelo descentralizador e favorável ao exercício da autonomia. A FENPROF reafirma que a concretização dos direitos de participação democrática no ensino, consagrados na Constituição da República Portuguesa, exige uma aposta clara na autonomia das escolas e na descentralização da administração educa tiva.

Como contributo para a construção desse caminho de descentralização, a FENPROF apresenta as suas propostas de administração local do sistema educativo e para os órgãos de direcção e gestão das escolas e associações de escolas.

Tais propostas, para além de se situa­rem no respeito pelos princípios consti­tucionais e os consagrados na Lei de Bases do Sistema Educativo, partem ainda de um outro pressuposto essencial ­ a incompa tibilidade entre uma excessiva regula mentação do modelo e o exercício da autonomia nos planos local e de escola.

Assim, a FENPROF defende um modelo jurídico que apresente um tronco comum, a ser respeitado em todo o país e por todas as escolas/associações dos difer­entes níveis de ensino (mesmo prevendo algumas adaptações concretas resultantes das diferenças de organização inerentes à

nossa rede escolar), seguido de ramifica­ções construídas segundo as dinâmicas e as realidades concretas de cada estabeleci­mento de educação e ensino ou associação de escolas.

Trata­se, portanto, de conciliar a con­sagração de grandes linhas de força para a organização escolar com margens de liberdade significativas, que possi bilitem a implementação das soluções mais ajusta­das ao exercício da autonomia legítima que cabe às escolas e suas associações.

Este exercício carece de espaços próprios, sem os quais a autonomia cor­responderá a uma intenção apenas formal. As mudanças que agora se reclamam na área da organização e gestão escolares exigem alterações profundas do sistema. Alterações, nomeadamente, na articulação das escolas com a administração educativa, na dotação de verbas para orçamentos próprios, na valorização profissional dos professores, na política de formação e na criação de condições de estabilidade para o pessoal docente e não docente.

Assim, a FENPROF entende realçar quatro condições essenciais para o refor­ço da autonomia da organização escolar:

­ A consagração de margens de liber­dade, para os ajustamentos ao nív­el local que as escolas/associações reivindiquem, num normativo geral negociado com os diferentes actores sociais implicados, particularmente os professores.

­ Um acréscimo significativo do fi­nanciamento do Estado às escolas/associações, possibilitando a existência de orçamentos próprios ao nível das escolas/associações capazes de supor­tarem projectos educativos orientados para uma melhor educação e maiores índices de sucesso escolar. No caso da educação pré­escolar e do 1º ciclo do ensino básico, deve­se caminhar rapi­damente para uma política de dotação de recursos humanos ao nível dos serviços administrativos e do pessoal auxiliar de acção educativa.

­ A atribuição às escolas de uma bolsa

de horas de redução da componente lectiva, suficientemente ampla para permitir que as opções tomadas quanto à sua organização correspondam verdadeiramente a um caminho de sucesso escolar e educativo para os seus alunos.

­ A criação de condições de efectiva participação nos órgãos de direcção e gestão da escola/associação, para todos os intervenientes, ajustadas à especifi cidade da sua participação. No âmbito destas condições, e para que a partici pação corresponda a uma real capaci dade de intervenção, assume particular importância a existência de um plano de formação que vise qualificar os vários intervenientes para a direcção e gestão democráticas das escolas/associações de escolas.

2. ADMINISTRAÇÃO LOCAL DO SISTEMA EDUCATIVO:

CONSELHO LOCAL DE EDUCAÇÃO

Tendo como pressuposto a inserção de um novo modelo organizacional para a direcção e gestão democráticas das escolas num quadro de descentralização da administração educativa, a FENPROF apresenta como proposta para a adminis­tração local do sistema educativo a consti­tuição de Conselhos Locais de Educação, de âmbito geográfico coinci dente com o concelho, resultante da sua divisão, no caso dos grandes concelhos do país, ou da junção de pequenos concelhos quando tal se justifique. A iniciativa da sua constitu­ição deve partir das escolas envolvidas e da autarquia.

Estes órgãos deverão ser dotados de competências próprias, usadas com au­tonomia e num contexto de participação democrática de todos os seus membros. Dessas competências destacamos as seguintes:

­ Organização da rede escolar e da rede de transportes escolares;

­ Definição das áreas vocacionais a adoptar no ensino secundário;

­ Adopção de componentes curriculares de âmbito local;

­ Mobilização de recursos para a acção educativa;

­ Promoção da gestão integrada de recursos comunitários;

­ Elaboração de projectos de inter­venção educativa para o nível local;

­ Colaboração com a acção social es­colar no domínio dos incentivos a alunos com dificuldades;

­ Integração das escolas na comunidade e promoção do sucesso educativo.

Estes órgãos estarão essencialmente vocacionados para a coordenação educa­tiva, a conjugação de esforços e a partilha de responsabilidades, devendo ser­lhes ser afectados recursos suficientes para o desempenho cabal das suas funções.

(ver esquema 1)

Respeitando o princípio de que este deve ser o órgão de participação mais alargada, e não querendo apresentar­se um formato fechado, cerceador das adapta­ções que no plano local se considerem conve nientes, avança­se com a seguinte compo sição:

­ representantes das escolas/asso­ciações;

­ representantes da autarquia;

­ representantes das associações de pais e encarregados de educação;

­ representantes das associações de estudantes;

­ representantes das estruturas regio­nais de educação;

­ representantes dos interesses econó­micos;

­ representantes dos interesses culturais e sociais;

­ representantes das associações sindic­ais com intervenção ao nível local;

­ representantes da Acção Social Esco lar;

­ representantes dos Centros de Forma­ção das Associações de Esco las.

O número de representantes dos vários actores sociais enunciados é proposi­tadamente deixado em aberto, encon­trando­se em cada Conselho as fórmulas mais ajustadas à conjugação da partici­pação com a operacionalidade do seu funcionamento.

O presidente do Conselho Local de Educação será eleito, de entre os seus mem bros, logo após o órgão ser consi­derado definitivamente constituído.

A duração do mandato dos seus mem­bros será de 3 anos, acompanhando a du­ração prevista para os órgãos de direcção e gestão ao nível da escola/associação.

O funcionamento do Conselho será definido em regulamento próprio a aprovar

internamente, dispondo os seus membros de um estatuto que lhes permita reunir regularmente durante o horário laboral.

3. DIRECÇÃO E GESTÃO DAS ESCOLAS/ASSOCIAÇÕES

Para as escolas/associações reclamam­se vários domínios de autonomia, de forma a poderem responder diversa e contextuali za damente aos problemas com que as comunidades locais se confrontam. Ao Estado compete assumir o seu papel regulador e estruturador do sistema público nacional de educação e ensino. Destes domínios de autonomia destacamos:

­ autonomia para tomar decisões cur­riculares importantes ao nível ped­agógico, político e administrativo, que permitam a diversificação e a heteroge­

CONSELHO LOCAL DE EDUCAÇÃO[Coordenação Educativa]

ÓRGÃOS A NÍVEL LOCAL

FUNÇÕES:• Rede escolar• Transportes escolares• Áreas vocacionais do Ensino Secundário• Componentes curriculares locais• Gestão integrada dos recursos comunitários• Acção social escolar• Projectos de intervenção educativa, ao nível local• Integração das escolas na comunidade• Promoção do sucesso educativo

Escolas/Associações de escolas

Acção Social Escolar

Estruturas Regionaisda Administração Educativa Estudantes

Pais e encarrega-dos de Educação

Interesses Económi-cos, Sociais e Culturais

Autarquias

CONSELHOLOCAL

EDUCAÇÃO

ESQUEMA 1

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30 CADERNOS DA FENPROF Direcção e Gestão nas Escolas CADERNOS DA FENPROF 31Direcção e Gestão nas Escolas

neidade de soluções, sem prejuízo do projecto nacional (currí culo nuclear);

­ autonomia para definir o seu próprio modelo de organização do processo de ensino/aprendizagem, nomeadamente as competências e a composição das estruturas de gestão intermédia;

­ autonomia para alterar e organizar espaços, turmas, agrupamentos de alunos, para definir a unidade de tempo escolar, introduzindo outra flexibili da­de no horário das turmas;

­ autonomia para definir e gerir os créditos horários para desenvolvimento de projectos e desempenho de cargos, incentivando a colegialidade, a partilha das práticas, a cooperação;

­ autonomia para elaborar as suas próprias regras internas de funciona­mento, assumindo o regulamento inter­no como um instrumento ao serviço das opções expressas no projecto educativo de escola (sem constrangimentos buro­cráticos ou administrativos).

Para os órgãos de direcção e gestão ao nível da escola/associação, a participação dos diversos actores sociais deverá ser circunscrita aos intervenientes directos na vida da escola, que, no entender da FENPROF, são os professores, os pais e encarregados de educação, o pessoal não docente e os alunos, no caso do ensino secundário.

Deverá constituir­se uma matriz co­mum para os diferentes níveis de ensino, correspondendo­lhes órgãos com a mesma designação e o mesmo tipo de represen­tação, sendo essencialmente ao nível das estruturas pedagógicas intermédias que se estabelecem as distinções inerentes a especificidades próprias da organização de cada sector.

Partindo de três princípios essenci­ais, o da democraticidade, traduzido em condições de elegibilidade, colegialidade e garantias para uma participação efec­tiva, o da separação e complementaridade entre direcção e gestão, com a segunda logicamente subordinada à primeira, e o da prevalência de critérios pedagógicos sobre critérios administrativos, a FEN­PROF propõe, para a direcção e gestão das escolas/associações, a existência dos seguintes órgãos distintos:

- Conselho de Direcção- Conselho de Gestão- Conselho Administrativo

(ver Esquema 2)

3.1. Conselho de Direcção (Da Polí tica Educativa e Pedagógica da Escola/Associação)

O Conselho de Direcção, através do seu plenário, assume poderes no domínio das decisões de política educativa e de orientação pedagógica e é composto por professores, pais e encarregados de edu­cação, pessoal não docente e alunos, no ensino secundário.

Nas competências do órgão de direcção enquadram­se, nomeadamente, a apro­va ção do projecto educativo, dos planos anuais de actividades e do regulamento in­

O trabalho regular deste Conselho as­sentará em, pelo menos, duas secções, com funcionamento autónomo:

a) Secção Pedagógico­Científica,constituída exclusivamente por profes­sores e educadores, com competências no domínio da direcção pedagógica, em áreas como a gestão do currículo e dos programas, avaliação dos alunos, actividades de complemento curricu­lar e apoios educativos, avaliação do desempenho dos professores e educa­dores e na organização dos planos de formação do pessoal docente.

b) Secção Sócio­Educativa, constituída por

professores e educadores, pais e encar­re gados de educação, pessoal não docente e alunos, no caso do ensino secundário. Esta secção assume compe­tências ao nível da organização interna da escola, nomeadamente na definição de actividades extracurriculares, cultu­rais e de ligação à comunidade e ao nível da organização de espaços de formação próprios.

A componente professores e educado­res no órgão de direcção é constituída por:

­ nas associações horizontais

• coordenadores dos conselhos esco­lares (professor do 1º ciclo ou educa­dor, devendo acautelar­se a repre­sentação dos dois sectores);

• coordenadores de projectos;

• coordenadores de ano;

• todos os membros do Conselho de Gestão.

­ nas associações verticais e nas escolas dos 2º e 3º ciclos e ensino secundário

• delegados de grupo disciplinar e/ou coordenadores de departamento curricular;

• coordenadores dos directores de turma, a nível de ano e/ou de ciclo;

• coordenadores dos conselhos esco­lares;

• coordenadores de projectos;

• coordenadores de ano;

• todos os membros do Conselho de Gestão.

Os representantes dos pais e encarre­gados de educação, do pessoal não docente e dos alunos serão eleitos para o Conselho de Direcção em assembleias próprias, integrando a secção sócio­educativa ou outra(s) que o Conselho decida criar.

No desenvolvimento do seu trabalho regular, e de acordo com os seus regimen­tos próprios, estas secções deverão contar com a participação de outros elementos, designadamente orientadores pedagógicos, representantes dos serviços de psicologia e orientação escolar, dos serviços de saúde escolar, do ensino especial, do ensino recorrente ou outros, que, todavia, não farão parte do órgão de direcção.

3.2. Conselho de Gestão:

A este órgão caberá realizar a gestão quotidiana das escolas/associações nos domínios pedagógico, administrativo e de pessoal, no respeito pelas orientações do órgão de direcção, cujas decisões lhe cabe executar e fazer executar, sendo apoiado no domínio administrativo e financeiro por um Conselho Administrativo constituído por dois membros do órgão de gestão e pelo chefe de pessoal administrativo e/ou outro técnico/assessor contratado para o efeito.

O Conselho de Gestão será exclusiva­mente composto por professores, em número de três a cinco, consoante as características da escola/associação, e eleito, mediante apresentação de listas, em Assembleia Geral de Professores.

4. ESTRUTURAS PEDAGÓGICAS INTERMÉDIAS

Os espaços de participação dos interve­ni entes directos na vida da escola/associa­ção não podem esgotar­se nos órgãos de direcção e gestão atrás enunciados e muito menos no seu processo de eleição. De acordo com a especificidade própria de cada comunidade educativa, devem ser reforçados com uma participação e inter­venção mais próximas dos problemas e dos projectos a desenvolver. As estruturas pedagógicas intermédias constituem esse espaço.

Enunciam­se, de seguida, algumas das estruturas que consideramos vitais para a dinamização pedagógica do quotidiano escolar:

­ Associações de Escolas do 1º Ciclo e Jardins de Infância:

terno, as questões de natureza orçamen tal, a circulação de informação e as rela ções institucionais e com a comuni dade.

Para as escolas de todos os níveis de ensino, o Conselho de Direcção terá uma composição que garanta, também neste domínio, a prevalência de critérios de natureza pedagógica sobre outros, através de uma maioria de docentes, devendo o seu presidente ser eleito de entre estes.

Este Conselho funcionará em plenário e por secções, cabendo ao seu presidente a representação institucional da escola. Cada Conselho decidirá se o presidente do Con­selho de Gestão deverá ou não acu mular as funções de presidente do Conse lho de Direcção.

ÓRGÃOS A NÍVEL ESCOLA/ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS

Grandes decisões de política educativa e pedagógicaProjecto Educativo / Orçamento / Regulamento Interno / Rela-ções com a Comunidade

CONSELHO DE DIRECÇÃODocentes (incluindo os elementos do Conselho de Gestão)Pais e Encarregados de EducaçãoPessoal não docenteAlunos (Ensino Secundário)

Secções

Pedagógico- -científica

Sócio- -educativa

Funções Funções

DirecçãoPedagógica

Actividades extra­escolares e culturais.Ligação à comunidade

CONSELHO DE GESTÃO3 a 5 Docentes[membros por inerênciado Conselho de Direcção]

Funções

CONSELHO ADMINISTRA­TIVO2 elementos do Conselho de GestãoChefe do Pessoal Administra-tivo

Funções

Funções

Gestão nos domínios ped­agógico, administrativo e do pessoalExecuta / faz executar delibera-ções do Conselho de Direcção

Área administrativae financeira

ESQUEMA 2Dado que na educação pré­escolar e

1º ciclo do ensino básico a rede escolar contempla uma larguíssima maioria de escolas e jardins de infância de dimensão muito reduzida, a modalidade organizativa mais generalizada será a constituição de associações de escolas. Nestes territórios, proceder­se­á à organização de grupos de escolas e/ou jardins de infância, que darão origem à criação de CONSELHOS ESCO­LA RES e/ou de outras estruturas a definir no regulamento interno.

Na constituição das associações de escolas, deverá acautelar­se uma dimen­são que possibilite a criação de dinâmicas pedagógicas próprias e que exclua solu­ções que constituam meras reorganizações administrativas.

Como principais competências dos conselhos escolares destacam­se as seguintes:

• Contribuir para a elaboração do projecto educativo, do plano anual de actividades, do regulamento interno e da proposta de orçamento;

• Planificar, programar e coordenar as actividades educativas;

• Intervir na avaliação do desempenho dos professores e educadores;

• Constituir turmas e distribuir horá­rios;

• Eleger, de entre os seus membros, o coordenador do conselho escolar.

­ Escolas dos 2º e 3º ciclos do ensino básico, ensino secundário

e asso ciações verticais:

­ DEPARTAMENTOS CURRICU­LARES, agrupando um determi nado con junto de grupos disciplinares ou disci plinas, de acordo com as afinidades julgadas mais relevantes, em número a definir por cada escola e através de um processo de discussão que culmine com a sua aprova ção em Assembleia Geral de Professores.

­ CONSELHOS DE GRUPO, SUBGR­UPO, DIS CIPLINA OU ESPE CIALI­DADE

­ CONSELHOS DE TURMA

­ CONSELHOS DE DIRECTORES DE TURMA

­ CONSELHOS DE ANO, CICLO OU CURSO

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32 CADERNOS DA FENPROF Direcção e Gestão nas Escolas

­ CONSELHOS ESCOLARES (no caso das associações de escolas)

5. OUTRAS ESTRUTURAS

­ ASSEMBLEIA GERAL DE PRO­FES SORES, constituída pela totalidade dos professores e educadores de cada escola/associação.

Como principais competências desta assembleia destacam­se as seguintes:

• Emitir opiniões no domínio da política educativa;

• Reflectir sobre o sucesso e as causas do insucesso escolar;

• Tomar posição no domínio da avalia­ção das actividades desenvol vi das em cada ano escolar;

• Proceder à eleição do órgão de gestão da escola/associação;

• Decidir sobre o número e a com­posição dos departamentos curri cu­lares;

• Decidir sobre a organização dos con­selhos de directores de turma.

­ ASSEMBLEIAS DE TURMA con­stituídas por todos os alunos de uma mesma turma.

­ ASSEMBLEIA DE DELE­GADOS DE TURMA

­ ASSEMBLEIA GERAL DE ALUNOS DO ENSINO SECUN­DÁ RIO

­ ASSEMBLEIA DE PAIS E ENCARREGADOS DE EDU­CA ÇÃO

­ ASSEMBLEIA DO PESSOAL NÃO DOCENTE

Para além da eleição dos respec­tivos representantes no Conselho de Direcção, estas estruturas devem pos­sibilitar a análise e o debate da vida e do funcionamento das escolas e suas associações, bem como a apresenta­ção de propostas para dinamiza ção da sua actividade regular.

A direcção

e gestão das escolas/

associações não

se esgota nas

estruturas formais

de participação

enunciadas.

Uma maior riqueza

e profundidade

dessa participação

consegue­se,

também, através

da valorização de

outros espaços infor­

mais, resultantes das

dinâmicas próprias

de cada escola/

associação