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Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 5 Módulo 2 • Unidade 1 Vivendo a vida do seu jeito Para início de conversa... Não somos todos iguais. Essa afirmação pode parecer, a princípio, evidente. É só você olhar para alguém ao seu lado e perceber que não somos iguais. No entanto, por muitas vezes as pessoas pelo mundo afora parecem se esquecer de que essa afirmação não se restringe à nossa aparência. Não é apenas fisicamente que não somos iguais. Personalidade, educação, cultura, modo de vida e muitas outras coisas variam de pessoa para pessoa e de povo para povo. Figura 1: O mundo é formado por povos de diferentes culturas, que se vestem, comuni- cam-se e comportam-se de formas diferentes. Esquimós, muçulmanos, monges tibeta- nos, africanos, aborígenes e índios brasileiros são exemplos dessa diversidade cultural, existente no mundo. Nesta unidade, vamos olhar para essa diversidade cultural, de modo a entendermos melhor o nosso lugar nesse arranjo de tão diferentes formas. Para tanto, vamos dedicar especial atenção aos elementos formadores de nossa cultura que mais se distinguem culturalmente de nossa formação atual, ou seja, os das culturas indígenas e africanas.

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Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 5

Módulo 2 • Unidade 1

Vivendo a vida do seu jeito Para início de conversa...

Não somos todos iguais. Essa afirmação pode parecer, a princípio, evidente.

É só você olhar para alguém ao seu lado e perceber que não somos iguais. No

entanto, por muitas vezes as pessoas pelo mundo afora parecem se esquecer de

que essa afirmação não se restringe à nossa aparência. Não é apenas fisicamente

que não somos iguais. Personalidade, educação, cultura, modo de vida e muitas

outras coisas variam de pessoa para pessoa e de povo para povo.

Figura 1: O mundo é formado por povos de diferentes culturas, que se vestem, comuni-cam-se e comportam-se de formas diferentes. Esquimós, muçulmanos, monges tibeta-nos, africanos, aborígenes e índios brasileiros são exemplos dessa diversidade cultural, existente no mundo.

Nesta unidade, vamos olhar para essa diversidade cultural, de modo

a entendermos melhor o nosso lugar nesse arranjo de tão diferentes formas.

Para tanto, vamos dedicar especial atenção aos elementos formadores de nossa

cultura que mais se distinguem culturalmente de nossa formação atual, ou seja,

os das culturas indígenas e africanas.

Módulo 2 • Unidade 16

Objetivos de aprendizagem. � Compreender e valorizar a diversidade cultural do mundo;

� Compreender o conceito de etnocentrismo;

� Identificar as sociedades indígenas e africanas como povos organizados política e socialmente;

� Interpretar as consequências do processo de colonização, para essas sociedades;

� Entender nossa formação cultural como o resultado da união de diversas culturas.

Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 7

Seção 1 Um mundo diverso

Para podermos conviver em um mundo repleto de diferenças culturais, é importante compreender que a

diversidade é natural, que nosso estilo de vida não é o “jeito certo” de se viver. Tampouco é ele o “melhor” modo de

vida, ainda que assim possa nos parecer – afinal, estamos acostumados a viver, conforme nossa própria cultura.

Ao nos situarmos como indivíduos dentro de um mundo de grande diversidade e aceitarmos que nosso modo

de viver e de compreender o mundo é apenas um entre os muitos possíveis, estaremos mais próximos de evitar o

etnocentrismo.

Etnocentrismo é a ideia de que uma cultura diferente da sua é menor, pior, errada, atrasada. Uma

visão etnocêntrica desconsidera a diferença cultural como algo natural, compreendendo que seu mo-

delo cultural seria o ideal, modelo o qual todos os outros deveriam seguir.

Figura 2: Os kilts (saiotes) escoceses, os anéis no pescoço das mulheres gi-rafa da Tailândia, o peito desnudo de mulheres caiapó no Brasil e insetos vendidos como comida em uma feira na Tailândia. Para a nossa cultura, podem ser estranhos, no entanto são todos elementos valorizados da cultura de seus povos.

Posições etnocêntricas podem ir

do mero estranhamento de uma cultura

diferente (como frente ao hábito de se

comerem cães e insetos em alguns países

asiáticos) até chegar a atos de intolerância

e xenofobia, que levem a violência, física

ou psicológica. Mais importante do que

compreender as diferenças, é saber lidar

com elas. Ainda que o desconforto perante

outra cultura exista, é necessário aceitá-la

como algo natural, ainda que aparentemente

estranha para nossos padrões.

XenofobiaRepulsa, antipatia profunda ou até mesmo ódio

a estrangeiros.

Módulo 2 • Unidade 18

O historiador Fernando Novais, em entrevista concedida ao jornal Folha de São Paulo em 2000, por ocasião das

comemorações de 500 anos da chegada de

Pedro Álvares Cabral ao Brasil, aponta para o etnocentrismo presente na concepção de “descobrimento” do

Brasil naquela ocasião.

Caracterizar a viagem de Cabral como a do “Descobrimento do Brasil” e a carta de Pero Vaz de Caminha como uma “certidão de batismo” tem pressupostos que precisam ser discutidos. Há um etnocentrismo evi-dente que expressa a visão do conquistador, do vencedor. Os portugueses seriam o agente e os índios, os “descobertos”, os protagonistas passivos do episódio.

(Fernando Novais. Folha de São Paulo, 24/04/2000, Primeiro Caderno, p. 6.)

De acordo com o que vimos sobre o etnocentrismo e nos argumentos de Fernando

Novais expostos acima, explique por que não deveríamos caracterizar a chegada dos portu-

gueses em 1500 como o “descobrimento” do Brasil.

Seção 2As sociedades indígenas

Muitos grupos indígenas habitaram as Américas. Só no território atual do Brasil, quando da chegada de Pedro

Álvares Cabral, existiam milhões de nativos, divididos em milhares de tribos, falando centenas de idiomas diferentes.

Com muito pouco contato entre si, a diversidade cultural entre esses grupos era enorme.

Povos indígenas das Américas

Dos povos indígenas que habitavam as Américas, os maias, astecas e incas foram certamente os que for-

maram sociedades mais complexas e atingiram conhecimentos científicos e técnicos mais avançados.

Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 9

O templo na antiga cidade maia de Tikal mostra o grau de de-senvolvimento técni-co desse povo.

Maias: Sabemos pouco sobre os maias. Quando os espanhóis chegaram à re-

gião da América Central que habitavam (atualmente o sul do México, Hondu-

ras e Guatemala), eles já haviam desaparecido, por motivos ainda desconheci-

dos pelos historiadores. Restavam apenas as ruínas de suas grandes cidades,

como: Copán, Tikal e Palenque.

Astecas: Os astecas dominavam a região do México atual até serem dizimados

pelos espanhóis no século XVI. Sua capital, Tenochtitlán, tinha uma popula-

ção de aproximadamente 200.000 habitantes, cobrindo uma área duas vezes

maior do que Sevilha, a maior cidade espanhola do período.

Ruínas da cidade inca de Machu Pic-chu, principal vestí-gio da cultura mate-rial inca.

Incas: Império formado na região dos Andes, situado principalmente na

região onde hoje são o Peru e a Bolívia. Sua capital era Cuzco, mas a cidade

inca mais conhecida é Machu Picchu, um importante patrimônio da huma-

nidade de nossos dias.

Na América do Norte, também existiam diversos grupos indígenas, como os sioux, cheyennes, apaches,

navajos e moicanos, entre outros. Grande parte desses povos perdeu suas terras e vivem hoje em pequenas reservas,

mantendo parte de suas tradições. O único grupo que manteve a maior parte de suas terras são os inuit, também

conhecidos como esquimós, que vivem nas terras geladas do Alasca e do norte do Canadá.

Agora vamos nos deter um pouco nas sociedades indígenas brasileiras. Tendo em vista facilitar o seu estudo, vamos

examinar aqui algumas de suas principais características. Isso não quer dizer que todas vivessem da mesma forma.

É importante lembrar-se sempre da grande diversidade cultural, existente entre as sociedades indí-

genas. As sociedades nativas não viviam todas da mesma forma, tendo uma enorme variedade de

hábitos, costumes e tradições.

Na década de 1950, um estudo feito pelo antropólogo Eduardo Galvão introduziu a ideia de se agrupar as

sociedades indígenas brasileiras em áreas culturais. A partir dessa ideia, o Brasil foi dividido em onze áreas distintas,

cada uma reunindo um grande número de sociedades que compartilhavam certos costumes comuns ligados à

religião, vestimenta, alimentação e à cultura material.

Módulo 2 • Unidade 110

É importante também salientar que as relações entre essas sociedades e a nossa civilização são desiguais.

Existem grupos indígenas que mantêm um estilo de vida bem parecido com o que tinham há 500 anos, ao passo

que outros precisam se esforçar para preservar suas tradições e sua cultura, e não desaparecerem em meio à cultura

urbana brasileira.

Figura 3: Nem todo índio veste tanga e usa o arco e flecha o dia inteiro. Várias sociedades indígenas têm grande contato com a cultura de povos não índios.

Organização

Os povos indígenas brasileiros não construíram cidades nem formaram Estados centralizados. Eles não

utilizavam moeda, não possuíam propriedades privadas e não havia desigualdade social entre membros de uma

mesma tribo. Nessas sociedades, não havia um poder político que determinasse as regras que as pessoas deveriam

seguir. Grupos pequenos possuíam seus líderes, normalmente de autoridade temporária, que comandavam seus

homens em uma guerra ou em uma caçada, por exemplo.

Grande parte das tribos era seminômade e dividia-se em aldeias. Algumas aldeias chegavam a ter milhares de

pessoas, enquanto outras possuíam apenas algumas centenas. O relacionamento entre as aldeias variava. As guerras

eram frequentes e alianças eram comuns.

SeminômadeGrupos que migram periodicamente, vivendo em moradias temporárias e portáteis e que possuem um acampamento onde

praticam a agricultura.

Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 11

Alguns dos relatos, feitos por viajantes europeus no século XVI, retratam o costume de algumas sociedades

indígenas em guerra praticarem a antropofagia , como parte de um ritual. Um prisioneiro de guerra era levado

à aldeia inimiga, onde aguardaria a execução. Enquanto permanecia por lá, o prisioneiro era muito bem tratado,

podendo até mesmo ter uma esposa da aldeia. No dia da execução, aldeias amigas reuniam-se para uma grande festa,

onde o prisioneiro era executado e seu corpo era limpo, cozido e degustado por todos os presentes. O canibalismo

não era motivado pelo prazer em se consumir carne humana, ele tinha como objetivo vingar a morte de antepassados

em guerras contra a tribo inimiga e absorver as virtudes guerreiras do prisioneiro.

AntropofagiaAto de comer carne humana.

Figura 4: A ilustração do canibalismo dos tupinambá, feita por Theodore de Bry, mostra a visão que os europeus tinham do ritual antropofágico

Esse ritual antropofágico de sociedades indígenas brasileiras foi representado no cinema no filme

“Como era Gostoso o Meu Francês” (Nelson Pereira dos Santos, 1970).

A divisão do trabalho era essencialmente sexual. Os homens eram encarregados da caça, da pesca, da

construção das casas e da guerra. Já as mulheres, dedicavam-se às atividades domésticas, do artesanato e do trabalho

agrícola, sendo que em diversas localidades os homens auxiliam no trabalho com a mandioca.

Algumas sociedades indígenas não conheciam a agricultura e viviam exclusivamente da caça/pesca e coleta.

No entanto, grande parte das tribos cultivava inúmeros produtos, como: batata-doce, caju, cará e mandioca, sendo

esta última o principal elemento de sua alimentação.

Módulo 2 • Unidade 112

A mandioca, também conhecida como aipim, macaxeira, castelinha e pão-de-pobre, dependendo da região,

é uma raiz de alto valor nutritivo que seria originária do Brasil, tendo se espalhado pela América antes mesmo da

chegada dos europeus. Com a mandioca, fazia-se farinha, tapioca, beiju, pirão e paçoca, comendo-a com carnes,

folhas e frutos. Ela é também a matéria- prima da caiçuma, uma bebida alcoólica. Algumas espécies da mandioca são

venenosas, por isso devem ser cuidadosamente preparadas para o consumo, sendo torradas e prensadas.

Leia atentamente o texto abaixo e responda as perguntas a seguir:

(...) As sociedades indígenas têm um sistema econômico que não permite o

acúmulo de excedentes e, por serem igualitárias, não permitem a exploração do trabalho. Desta forma, cada família, ao produzir, está produzindo para sua própria subsistência. Ela tem o exato controle de suas necessidades, o exato controle sobre sua produção e sobre o valor do que produziu.

Se fosse uma sociedade dividida entre patrões e empregados, a realidade seria muito diferente. Essa mesma família teria de trabalhar para si e para seu patrão. Esse trabalho seria transformado em salário, que ela trocaria por bens de sua necessidade, e o restante do produto do trabalho seria o lucro de seu patrão.

Como nas sociedades indígenas não existem patrões, como a terra é um bem comum e todos têm a capacidade de produzir os instrumentos de trabalho, não existem pobres ou ricos. Todos têm direitos iguais, quanto ao acesso à terra e aos conhecimentos que permitem explorar os recursos naturais, produzir o que é necessário para si próprios e para saldar suas necessidades sociais de retribuição. E aquele tanto da produção que não é utilizado diretamente nas necessidades básicas, é consumido em festas e rituais. Dizendo em linguagem antropológica, o excedente é socializado, dividido entre todos, e não desti-nado a criar a desigualdade entre os homens, para explorar o semelhante. Os mecanismos de reciprocidade, isto é, de trocas e retribuições, garantem a redis-tribuição, garantindo a igualdade econômica.

O restante do tempo não dedicado ao trabalho é gasto na convivência com a família, no lazer e em atividades sociais. Desta forma, os índios têm muito mais tempo para serem seres humanos plenos, do que nós, que pretendemos ser ‘civilizados’. E são livres para fazê-lo!

(Joana A. F. Silva. Economia de subsistência e projetos de desenvolvimento econômico em áreas indígenas. In: SILVA, Aracy L.; GRUPIONI, Luís D. B. (Orgs.). A temática indígena na escola: novos subsídios para professo-res de 1º e 2º graus. Brasília: MEC: Mari: Unesco, 1995, p. 348. Disponível em <http://www.pineb.ffch.ufba.br/downloads/1244392794A_Tematica_Indigena_na_Escola_Aracy.pdf>. Acesso em: 06 jan. 2012.

ExcedenteSobra, montante de produ-

ção que não é consumido.

Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 13

a. De acordo com o texto, qual é a relação entre a organização social das socieda-

des indígenas e o pequeno tempo por eles dedicado ao trabalho?

b. Se a sociedade indígena fosse uma sociedade com desigualdades sociais como

a nossa, seria possível a eles dedicar pouco tempo ao trabalho? Justifique a sua

resposta.

c. Por que a autora afirma que “os índios têm muito mais tempo para serem seres

humanos plenos, do que nós, que pretendemos ser ‘civilizados’. E são livres para

fazê-lo!”?

As sociedades indígenas brasileiras na atualidade

Na época da chegada dos portugueses, estima-se que existissem 3 milhões de nativos, vivendo no território

hoje denominado Brasil. Atualmente, de acordo com o censo do IBGE de 2010, os povos indígenas no país somam

817.963 pessoas, das quais cerca de um terço vive em cidades e o resto em áreas rurais. A maior parte destes últimos

reside em terras indígenas, ou seja, em áreas demarcadas pelo Estado brasileiro.

A Constituição Federal de 1988 reconheceu o princípio de que os povos indígenas são os primeiros e naturais

senhores da terra no Brasil. A partir desse princípio, em teoria, esses povos passaram a ter direito sobre as terras

que ocupam, sendo demarcadas Terras Indígenas, das quais os índios teriam posse permanente e direito sobre suas

fontes naturais de riqueza (o solo, os rios e a natureza). Através da posse dessas terras, esses povos teriam os recursos

necessários para manterem vivas suas tradições e sua cultura.

No entanto, na prática, grande parte dessas terras ainda não está juridicamente consolidada ou é desrespeitada.

Interesses na exploração das terras para garimpo, extração de madeira ou por posseiros são hoje os principais motivos

de conflitos que se desenvolvem nas terras indígenas.

Módulo 2 • Unidade 114

As terras indígenas e Belo Monte

O impacto sobre terras indígenas no Pará é hoje uma das principais críticas ao projeto da usina hi-

drelétrica de Belo Monte. Apesar dos responsáveis pela usina afirmarem que a mesma não afetará os

povos indígenas em sua área de influência, uma vez que suas terras não seriam inundadas pela hidro-

elétrica, outros especialistas afirmam que o impacto ambiental, causado na região, poderia ter graves

consequências para o ecossistema da região, afetando também os povos indígenas, que dependem

dos recursos naturais para sua subsistência.

Figura 5: Terras indígenas do Brasil

Observando o mapa com as terras indígenas brasileiras acima, explique por que

podemos afirmar que os povos indígenas brasileiros foram vítimas da opressão dos povos

não índios que ocuparam as terras brasileiras.

Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 15

Seção 3As sociedades africanas

Assim como os povos nativos das Américas, os nativos africanos apresentam uma grande variedade cultural,

linguística e étnica. Muitas pessoas possuem a falsa impressão de que a África é um continente homogêneo, onde

todas as sociedades nativas são do mesmo grupo, possuem o mesmo desenvolvimento tecnológico, falam o mesmo

idioma, têm os mesmos costumes e tradições. Nada poderia estar mais errado. A diversidade presente entre os povos

nativos do continente africano é um fator que não pode ser esquecido, ao se estudar suas sociedades.

Existem milhares de línguas nativas da África, apesar dos países africanos terem em geral adotado como línguas

oficiais os idiomas europeus de seu período de colonização. Mandinga, ioruba, suaíli, banto e zulu são algumas das

línguas faladas pelos nativos africanos antes da chegada dos europeus que se mantêm vivas até hoje.

No período da escravidão, o Brasil teve a maior parte de seus escravos proveniente de grupos que

falavam idiomas da família linguística banto, que tiveram importante contribuição na formação cul-

tural nacional. Elementos como a cuíca, o berimbau, a congada, o lundu e o candomblé são heranças

provenientes do contato da cultura em formação no Brasil e esses povos.

Figura 6: A pintura de Debret representa escravos brasileiros no século XIX e demonstra elementos da cultura africana que se associavam à cultura brasileira

Organização

A existência de sociedades complexas e urbanizadas na África pré-colonial foge do

estereotipo de uma África essencialmente selvagem e não civilizada. Tal imagem é em grande

parte fruto de uma visão etnocêntrica de que todas as civilizações devem ter a mesma aparência

do que a nossa, de que só é civilizada a sociedade que se porta como a civilização ocidental.

Módulo 2 • Unidade 116

Para entendermos um pouco melhor as sociedades africanas e suas civilizações, vamos olhar para suas formas de

organização.

A organização política dos grupos nativos africanos também era muito diversificada. Pequenas aldeias e

grandes reinos coexistiram durante o mesmo período histórico. A maior parte da população africana vivia em aldeias.

Essas eram formadas por diversas famílias, cada uma com seu chefe, em geral o homem mais velho, que obedecia

ao chefe da aldeia. Trabalhava-se em conjunto e repartia-se a produção entre as famílias. Já os reinos eram formados

pela união de diversas aldeias, com uma capital na qual residia um chefe maior, um rei, com autoridade sobre os

outros chefes locais.

Os reinos africanos funcionavam de modo muito semelhante aos reinos absolutistas europeus: o rei detinha

poder quase que total e não havia separação dos poderes. Sua capacidade em arrecadar fundos (em geral através

do controle do comércio) e de formar fortes exércitos era o principal meio de se manter no poder. Entre os principais

reinos da África Ocidental (de maior contato com o Brasil), podemos destacar os reinos de Gana, Mali e Ioruba. Vamos

ver as principais características de cada um deles?

Figura 7: Mesquita de Djinger-ber, em Tombuctu, no atual Mali. Construída na época de Mansa Musa, ainda hoje está de pé e em funcionamento. Os pedaços de madeira que revestem a fachada da construção, típicos da arquitetura da região, serviam de andaimes para o reparo das paredes de adobe (barro ressecado), após os breves períodos de chuvas intensas.

Reino de Gana: Situado em região dos atuais Mali

e Mauritânia, Gana possuía uma economia, baseada no

comércio, ligando o norte da África, Egito e Sudão. Entre os

principais produtos comercializados por Gana estavam o sal,

tecidos, escravos e, especialmente, ouro. A quantidade de

ouro produzido por Gana era tão grande, que o reino ficou

conhecido como “a terra do ouro”, sendo a maior parte dele

comercializado com muçulmanos do norte da África. O reino

de gana conheceu seu apogeu entre os séculos VII e XI, sendo

conquistado pelo reino Mali, por volta do século XIII.

ApogeuO auge, o mais importante ou

mais alto grau de elevação.

Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 17

Império Mali: Situado no atual Mali e em partes do Senegal e da Guiné, o reino de Mali foi um dos maiores

impérios africanos, tendo conquistado grandes cidades, como Tombuctu. O auge de seu império ocorreu no século

XIV, com o governo de Mansa Mussa, que converteu seu império ao islamismo. Escolas corânicas, mesquitas e

universidades foram construídas em suas principais cidades, sendo o idioma árabe transformado na língua oficial.

Escolas corânicas MesquitaEscola dedicada ao estudo do árabe e do

alcorão, o livro sagrado do islamismo.

Templo religioso do islamismo.

Escravos de Mali no Brasil

No Brasil, os escravos originários de Mali distinguiam-se dos demais africanos. Além de usarem um

pequeno cavanhaque, eram alfabetizados em árabe, devido aos preceitos da religião muçulmana, que

prega que todos devem ser capazes de ler o Alcorão . Conhecidos como malês, lideraram diversas

rebeliões contra a escravidão, onde geralmente matavam tanto os senhores como outros escravos

que não aderissem a ela. A mais famosa dessas rebeliões foi a Revolta dos Malês, ocorrida na Bahia,

em 1835.

AlcorãoO livro sagrado do islamismo, também chamado de Corão.

Figura 8: A África pré-colonial possuiu diversos reinos e impérios, o comércio era intenso e existiam diversas cidades

Reino Ioruba: Formado por diversas cidades, o reino ioruba localizava-

se nos atuais Benin e Nigéria. Grande parte dos escravos, levados à Bahia, era

de origem ioruba, chamados também de nagô, no Brasil. A cultura ioruba tem

assim forte presença na cultura afro-brasileira, especialmente na Bahia. Pratos

típicos, como: o vatapá, o acarajé e o azeite de dendê são de origem ioruba.

O comércio era altamente desenvolvido e já ligava os povos da África

subsaariana com os muçulmanos do norte da África muito antes da chegada

dos Europeus, com as grandes navegações. As cidades de Tombuctu e Djenné

cresceram e prosperaram em função de sua condição de entrepostos comerciais

entre as rotas que atravessavam o saara (através de caravanas a camelo) e as que

vinham do sul do continente.

Módulo 2 • Unidade 118

Ali se cobravam taxas dos comerciantes que paravam para reabastecer seus suprimentos de água e comida,

assim como dos produtos lá comercializados. Com a riqueza adquirida pelo comércio, essas cidades tornaram-se

grandes centros urbanos, com templos (mesquitas), escolas e universidades. Por ali, passavam produtos, como: sal,

ouro, tecidos, alimentos e escravos.

Figura 9: Principais rotas comerciais que ligavam Tombuctu e Djenné ao norte da África, atravessando o deserto do saara

O comércio de escravos era uma prática existente na África, desde tempos remotos. No entanto, foi

apenas com a chegada dos europeus que o tráfico de pessoas tornou-se um grande negócio no con-

tinente, passando a ser o motivador de inúmeras guerras que tinham como objetivo a captura de

pessoas a serem vendidas, como escravos a mercadores europeus, que os levariam ao continente

americano.

A escravidão na África pré-colonial não era a mesma que no período posterior. O escravo era integrado a uma

família e era propriedade coletiva da mesma, não estando sujeito a um único indivíduo e era também vinculado a ela,

não podendo ser vendido. Seus filhos nasciam livres e ele mantinha certa autonomia econômica e cultural, embora

fosse obrigado a pagar diversos tributos aos seus senhores.

Com o início do tráfico de escravos (conhecido também como “tráfico negreiro”), mobilizado pelos europeus,

a prática da escravidão espalhou-se por regiões onde até então esta atividade era escassa. A atração dos altos lucros,

obtidos pelo comércio de seres humanos com povos europeus, fez com que este se tornasse a principal fonte de

renda de muitos Estados, que passaram a concentrar seus esforços na captura e na venda de escravos. Para isso, o

investimento na força militar, com o crescimento de exércitos e a utilização de armas modernas, obtidas junto aos

colonizadores europeus, mudou a dinâmica entre os povos africanos.

Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 19

Leia o trecho abaixo e responda à pergunta a seguir:

Todos esses reinos, todas essas organizações, frequentemente instáveis, pos-suem longa história de lutas e guerras que poderiam bloquear alternativa-mente as rotas do tráfico ou, ao contrário, abrir aos negreiros novas fontes de

cativos . Em todo caso, é certo, porém, que a chegada à África das poderosas

nações europeias, bem armadas e ávidas de lucros, contribuiu para aviventar as rivalidades, alimentou as guerras tribais e sobretudo abalou fortemente es-ses conjuntos sociais e culturais, e fez desabarem certas tradições.

(Kátia de Queirós Mattoso. Ser escravo no Brasil. 3ª Ed. São Paulo: Brasiliense, 2001, pp. 27-28)

Tendo em vista o trecho acima, justifique por que é possível afirmar que a chegada

dos europeus ocasionou uma grande mudança na organização política e social dos povos

africanos?

Cativos ÁvidasPrisioneiros. Que deseja algo de forma muito intensa.

Seção 4Tradições ameaçadas

Um traço comum entre as sociedades indígenas e africanas é o atual risco de desaparecimento de suas culturas

tradicionais. O contato com povos europeus, a partir do século XV, impulsionados pela expansão ultramarina, pelos

“descobrimentos” e pelo controle de territórios nas Américas e na África, significou o início de um processo de

destruição da maioria das tradições sociais, culturais e políticas existentes entre esses povos.

Módulo 2 • Unidade 120

Com a colonização, além do domínio dos conquistadores sobre as terras e sobre os povos nativos, passou a

ocorrer um processo de imposição cultural, onde o modelo de cultura europeia era imposto sobre os povos locais.

Nesse processo, os hábitos e costumes dos povos colonizadores passaram a ser sobrepostos a tradições locais, que

foram perdendo força gradualmente.

Em nosso mundo atual, que assumiu seu contorno essencialmente urbano, a partir da Revolução Industrial, a

existência de comunidades tradicionais é um fato cada vez mais raro e suas particularidades são vistas em geral como

sinais de atraso e “incivilidade”. No entanto, cabe a nós deixar de lado nosso olhar etnocêntrico e compreendê-las pelo

que são: nem melhor, nem pior, apenas diferentes.

Veja ainda

Filmes

� Hans Staaden. Direção: Luiz Alberto Pereira. Brasil, 2000, 92 min.

Apresenta a história de um náufrago alemão que é capturado por uma tribo Tupinambá no século XVI.

Apresenta o cotidiano de uma sociedade indígena brasileira. Realizado a partir do relato real de Hans Staaden.

� Kiriku e a Feiticeira. Direção: Michel Ocelot. França/Bélgica, 2000, 71 min.

Desenho animado, premiado na Europa, que representa um mito de algumas sociedades tradicionais da África

ocidental. Nele podem ser observados valores e costumes de alguns povos africanos.

Sites

� Funai. http://www.funai.gov.br/

Site da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), órgão federal responsável pela política indigenista brasileira.

� Museu do índio. http://www.museudoindio.org.br/

Site do Museu do Índio, ligado à FUNAI.

� Casa das Áfricas: http://www.casadasafricas.org.br/

Espaço cultural, relacionado ao continente africano. Possui grande acervo de textos e imagens relacionadas à

África.

Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 21

Imagens

  •  http://commons.wikimedia.org/w/index.php?title=File:Eskimo_mother_and_child_in_furs,_Nome,_Alaska,_bust-length,_with_child_on_back,_1915_-_NARA_-_532339.tif&page=1 - anônimo

  •  http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Woman_walking_in_Afghanistan.jpg?uselang=pt-br  •  Steve Evans

  •  http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Tibetian_monks_on_a_Bir-Billing.jpg?uselang=pt-br  •  Okorok  

  •  http://www.sxc.hu/photo/804616  •  Brent Earwicker

  •  http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Kutia_kondh_woman_3.jpg  •  PICQ

  •  http://commons.wikimedia.org/wiki/File:%C3%8Dndio_patax%C3%B3.jpg  •  José Cruz/ 

  •  http://en.wikipedia.org/wiki/File:1981_Arnhemland_Aboriginal_Performance_on_Open_Air_Theatre.jpg.   •  Nambassa Trust and Peter Terry (http://www.nambassa.com)

  •  http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Kilt_Murray.jpg  •  Richard Murray  

  •  http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Kayan_woman_with_neck_rings.jpg  •  Steve Evans 

  •  http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Kayapo_3067a.JPG - http://veton.picq.fr 

  •  http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Insect_food_stall.JPG  •  Takoradee 

  •  http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Tikal_Temple1_2006_08_11.JPG  •  Raymond Ostertag  

  •  http://es.wikipedia.org/wiki/Archivo:Before_Machu_Picchu.jpg  •  Icelight 

  •  http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Indios_da_tribo_Tucuxi_participam_do_F%C3%B3rum_Social_Mundial_1006_FP6469.jpg?uselang=pt-br  •  Fábio Rodrigues Pozzebom  

  •  http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Cannibals.23232.jpg  

Módulo 2 • Unidade 122

  •  http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Indigenous_brazil.jpg 

  •  http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Debretberimbau.jpg

  •  http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Djingareiber_cour.jpg   •  KaTeznik

  •  Ricardo da Costa. A expansão árabe na África e os  impérios negros de Gana, Mali e Songai  (sécs; VII-XVI) – segunda parte. Disponível em <http://www.casadasafricas.org.br/banco_de_textos#183>. Acesso em: 05/01/2012.

Atividade 1

Falar em “descobrimento” do Brasil implica em etnocentrismo por se desconsiderar

a presença dos povos indígenas, nas terras brasileiras. O território encontrado pelos

portugueses já era ocupado por grupos humanos. Chamar a chegada de Cabral de

“descobrimento” implica na desqualificação dos índios como sociedades que já habitavam

a região.

Atividade 2

a. De acordo com o texto, por ser uma sociedade igualitária que não promove a ex-

ploração de muitos por poucos, a sociedade indígena permite que cada família

trabalhe para produzir apenas o que necessita, sem precisar produzir para o con-

sumo de outros (seus patrões). Assim, com poucas horas de trabalho já é possível

produzir o necessário, utilizando-se o restante do tempo para outras atividades

(como o lazer) e não para produzir excedente (sobras).

b. Caso houvesse desigualdade social, isso não seria possível, uma vez que famílias

teriam de produzir não só o que necessitavam para viver, mas também para o

grupo social mais alto, detentor das terras ou dos meios de produção.

Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 23

c. A autora faz essa afirmação devido ao fato de que os índios não precisavam de-

dicar sua vida ao trabalho. Trabalhavam apenas o necessário para obter sua sub-

sistência e utilizavam o resto de seu tempo no convívio social e com atividades

de lazer. Já na nossa sociedade, dita “civilizada”, precisamos dedicar a maior parte

de nosso tempo ao trabalho, tendo pouco tempo disponível para atividades que

nos dariam maior prazer.

Atividade 3

Observando o mapa, podemos ver os limites das terras indígenas no Brasil. Povos

que no momento da chegada dos portugueses ocupavam grandes regiões e não possuíam

um limite demarcado para suas terras, agora precisam viver dentro de terras delimitadas,

geralmente de tamanho reduzido. Ao longo dos séculos de contato com os povos que

dominaram as terras brasileiras a partir do século XVI, os povos indígenas perderam a

maior parte de suas terras e foram obrigados a viver em locais demarcados por outros.

Atividade 4

Com a chegada dos povos europeus, o tráfico de escravos torna-se a mais lucrativa

fonte de renda do comércio africano. No entanto, para se obter novos escravos que

alimentariam esse comércio, diversos Estados fortalecem seus exércitos e travam diversas

guerras, e ataques a povos que anteriormente se encontravam em paz.