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2 A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DO CAMPO NO BRASIL
A Educação do Campo nasceu das lutas dos movimentos sociais
camponeses, em contraponto à Educação Rural. Para Caldart (2009) esse modelo
de educação nasceu vinculada aos trabalhadores pobres do campo, aos
trabalhadores sem-terra, sem trabalho, dispostos a reagir, a lutar, a se organizar
contra situação em que se encontravam ampliando o olhar para o conjunto dos
trabalhadores do campo.
Nessa perspectiva, a Educação do Campo é diferente da educação rural, pois
é construída por e para os diferentes sujeitos, práticas sociais, territórios e culturas
que compõem a diversidade que compõem o campo. Ela se apresenta como uma
garantia de ampliação das possibilidades dos camponeses que criarem e recriarem
as condições de existência no campo. Portanto, a educação é uma estratégia
importante para a transformação da realidade dos sujeitos do campo, em todas as
suas dimensões (sociais, ambientais, culturais, econômicas, éticas, políticas), por
esse motivo para entendermos essa modalidade de educação, será necessária uma
abordagem histórica sobre todo o seu processo histórico. Neste sentido esse
primeiro capitulo visa discutir essas transformações que agregaram e envolvem a
educação do campo.
2.1 A EDUCAÇÃO DO CAMPO E SEU PROCESSO HISTÓRICO NO BRASIL: da
chegada dos jesuítas até a atualidade
Para compreender a história da educação do campo no Brasil é preciso
conhecer a situação do país desde o período colonial, quando os Jesuítas chegaram
ao país por volta de 1549, juntamente com o primeiro governador geral, Tomé de
Sousa. A missão dos Jesuítas era difundir a moral, os costumes, a língua, e a
religião europeia, por serem padres, eram capacitados para esse trabalho. Dessa
forma, os índios eram catequizados pelos Jesuítas, os quais ensinava-os tanto a ler
a escrever como, também outras atividades como práticas agrícolas como afirma
Aranha:
[...] sabe-se que os Jesuítas conseguiram tornar essas missões auto-suficientes ensinando não só a ler e escrever, mas a se especializar em
diversas artes e ofícios mecânicos, além, é claro, de submetê-lo á conversão religiosa. A aldeia organizava-se em torno de rigorosa, administração fortalecida durante os séculos XVII e XVIII e sustentada por invejável infraestrutura. Asilo, escola, casa; os índios aprendiam as práticas agrárias e de criação de gado bem como a fabricar instrumentos musicais, artigos em couro, embarcações, tecelagem etc.(ARANHA, 2012, p.124).
Pode-se perceber que nesse processo de catequização dos índios, havia
também o interesse da corte portuguesa em explorar a mão de obra dos mesmos.
No que se refere à questão educacional vale ressaltar que os Jesuítas segundo
Silva, Pereira e Lima (2010) contribuíram com a educação no Brasil criando escolas
e trazendo não apenas a cultura europeia, mas também métodos pedagógicos, os
quais penduraram por mais de duzentos anos,quando foram expulsos em1759,
pelas novas diretrizes da economia da política portuguesa.
Após a saída dos Jesuítas estabeleceu-se um grande caos na educação
quando o então primeiro Ministro Sebastião José Carvalho, denominado de Marques
de Pombal instituiu reforma educacional pombalina, essa reforma tirou o comando
da educação das mãos de Jesuítas e passou o para o Estado. De acordo com Seco
e Amaral:
Os objetivos que conduziram a administração pombalina a tal reforma, foram assim, um imperativo da própria circunstância histórica. Extintos os colégios jesuítas, o governo não poderia deixar de suprir a enorme lacuna que se abria na vida educacional tanto portuguesa como de suas colônias. Para o Brasil, a expulsão dos jesuítas significou, entre outras coisas, a destruição do único sistema de ensino existente no país (Seco; Amaral, 2006, p.3.).
O governo de Pombal desestruturou o sistema de educacional organizado
pelos Jesuítas, confiscando os bens e fechando os colégios fundados por eles,
criando assim, as aulas régias as aulas de Latim, Grego, Filosofia e Retórica, para
substituir os extintos colégios Jesuítas, segundo Seco e Amaral (2006, p.4):“As
aulas régias eram autônomas e isoladas, com professor único e uma não se
articulava com as outras”. Desta forma o ensino passou a ser fragmentado e
disperso, as aulas eram ministradas por professores leigos que não tinham o
preparo adequado. As autoras ressaltam ainda que as aulas régias foram a primeira
experiência promovida pelo Estado, entretanto essas aulas era destinada a poucos,
a maioria filhos da elite colonial.
Portanto, a organização educacional instituída pelo Marquês de Pombal não
representou avanço, principalmente pela dificuldade de obter recursos e pessoas
preparadas para ensinar. Com o enfraquecimento político e econômico de Portugal,
ocorreu na década de 1822, uma grande conquista brasileira, a Independência do
país, conforme Nascimento, (2006) essa conquista se deu com base em acordos
políticos de interesse da classe dominante, formada pela camada senhorial
brasileira, a qual entrava em concordância com o capitalismo europeu. De acordo
com a autora:
A Assembleia constituinte e Legislativa após a proclamação da Independência para legar nossa primeira constituição, iniciou os trabalho propondo uma legislação particular sobre a instrução, com o objetivo de organizar a educação Nacional (NASCIMENTO, 2006, p.1).
Essa primeira Constituição outorgada em 1824 durou todo o período imperial,
ela estabelecia que a instituição primária fosse gratuita para todos os cidadãos.
Segundo Nascimento (2006), em 15 de outubro de 1827, a Assembleia Legislativa
aprovou a primeira lei relacionada à instrução política nacional do Império do Brasil,
a qual estabelecia que nas cidades vilas e lugares populosos houvessem escolas
primeiras letras, quantas fossem necessárias, entretanto a autora explica que os
relatório do ministro do Império Lino Coutinho de 1831 a 1836 demonstraram que os
resultados da implantação da Lei de 1827 foram negativos, pois o ensino elementar
no país estava em péssimo estado, conforme a autora, Lino Coutinho:
Argumentava que, apesar dos esforços e gastos do Estado no estabelecimento e ampliação do ensino elementar, a responsabilidade pela precariedade do ensino elementar era das municipalidades pela ineficiente administração e fiscalização, bem como culpava os professores por desleixo e os alunos por vadiagem. Admitia, no entanto, que houve abandono do poder público quanto ao provimento dos recursos materiais, como os edifícios públicos previstos pela lei, livros didáticos e outros itens. Também apontava o baixo salário dos professores; a excessiva complexidade dos conhecimentos exigidos pela lei e que dificultavam o provimento de professores; e a inadequação do método adotado em vista das condições particulares do país. (NASCIMENTO, 2006, p.1).
O governo, portanto dizia estar preocupado em oferecer a instrução ao povo
sem providenciar os recursos para dar condições para as existências das escolas e
para o trabalho dos professores. Com a descentralização da educação, que ocorreu
através do Ato Adicional de 6 de agosto de 1834, surgiu a primeira Escola Nova do
Brasil situada em Niterói no ano de 1835.Segundo Nascimento (2006), após a
referida escola foram fundadas outras, já em 1837 foi criado o Colégio Pedro II, o
qual oferecia o diploma de bacharel, que era o título necessário para cursar o nível
superior. Com a reforma Leôncio de Carvalho em 1879, a qual institucional a
liberdade de ensino foram criados os colégios protestantes e positivistas. Apesar de
todos esses a acontecimento a situação educacional no Brasil no período imperial
não foi satisfatório, pois além de ser um período de escravidão as melhores escolas,
o melhor ensino era para a elite, portanto:
A presença do estado na educação no período imperial era quase imperceptível, pois estávamos diante de uma sociedade escravista, autoritária e formada para atender a uma minoria encarregada do controle sobre as novas gerações. Ficava evidente a construção da lei que propugnava a educação primária para todos, mas na prática não se concretizava (NASCIMENTO, 2006, p.2).
Segundo a referida autora o quadro geral do ensino no final do império era de
poucas instituições escolares, os cursos normais eram de quantidade insatisfatória.
Percebe-se, portanto o abismo educacional que a população brasileira se
encontrava, principalmente os pobres excluídos do interesse do governo imperial.
Na chamada República Velha de 1889 a 1930, ocorreram muitas
transformações políticas e econômicas no país, com a elaboração da Constituição
de 1891, o Brasil passou a ter um regime presidencialista e representativo, no
entanto somente a elite participava das discussões políticas, ficando a povo
excluído. Nesse período, segundo Paiva (1990), a maioria da população era
analfabeta, não tinham direito ao voto. Com esse analfabetismo a situação
educacional do país entra no caos, entretanto para tentar modificar essa situação,
no período de 1889 a 1925 foram feitas diversas reformas no país. Segundo Clark:
Durante o período de 1889 a 1925 várias reformas educacionais foram promovidas com o objetivo de melhor estruturar o ensino primário e secundário. Depois de ser criada a Escola Normal Caetano de Campos (1891) em São Paulo, O governo paulista através do Decreto Estadual nº 248, de 26 de setembro de 1894 (São Paulo - Estado 2000), resolveu criar o Grupo Escolar (CLARK, 2006, p. 10).
Esse foi um período em que a educação passou por transformações,
entretanto, percebe-se que em nenhum momento da história dede dos Jesuítas até
1930 não foi citada a educação do campo, muito menos dada essa modalidade ou
especificidade de ensino no Brasil, só então por volta de 1940, que surgiu no
período final do regime militar, as políticas públicas voltadas para a educação do
campo com a finalidade de encontrar na educação a ideologia da mão de obra
barata das classes operárias agrícolas vinculando uma política centralizada e sendo
modelo para todo o país.
Após a II Guerra Mundial foi criada a Comissão Brasileiro-Americana de Educação das Populações Rurais, no âmbito da interferência da política norte-americana no país. Foram instaladas as Missões Rurais e, ao final dos anos de 1940, foi criada a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural. As ações governamentais eram marcadas pelo entendimento do camponês como carente, subnutrido, pobre e ignorante. A educação desenvolvia-se com o intuito de proteção e assistência ao camponês. Na década de 1950 foi criada a Campanha Nacional de Educação Rural e o Serviço Social Rural, com preocupações voltadas à formação de técnicos responsáveis pelo desenvolvimento de projetos de educação de base e programas de melhoria de vida, porém não discutia efetivamente a origem dos problemas vividos no campo. (LEITE, 1999, p. 67).
Na década de 1960, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 4024/61)
deixa a educação rural a cargo dos municípios. Na mesma década, Paulo Freire
oferece contribuições significativas à educação popular, com os movimentos de
alfabetização de adultos e com o desenvolvimento de uma concepção de educação
dialógica, crítica e emancipatória valorizando a prática social dos sujeitos, portanto,
uma proposta oposta à prática educativa bancária predominante na educação
brasileira. Com a Lei 5692/71 não houve avanços para a educação rural, uma vez
que nem se discutia o ensino de 2º grau (atual Ensino Médio) para as escolas rurais.
De acordo com a LDB de 1971 (Lei nº 5.692/71), sancionada em pleno regime
militar, fortaleceu a ascendência dos meios de produção sobre a educação escolar,
colocando como função central da escola a formação para o mercado de trabalho,
em detrimento da formação geral do indivíduo. A educação para as regiões rurais foi
alvo dessa mesma compreensão utilitarista ao ser colocada a serviço da produção
agrícola.
Com a aprovação da Constituição de 1988, a educação destaca-se como um
direito de todos. E, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96,
há o reconhecimento da diversidade do campo, uma vez que vários artigos
estabelecem orientações para atender esta realidade adequando as suas
peculiaridades, como os artigos 23, 26 e 28, que tratam tanto das questões de
organização escolar como de questões pedagógicas. Entretanto, mesmo com estes
avanços na legislação educacional, a realidade das escolas para a população rural
continuava precária.
A LDB em seu artigo 28 estabelece as seguintes normas para a educação do
campo:
Na oferta da educação básica para a população rural, os sistemas de ensino proverão as adaptações necessárias à sua adequação, às peculiaridades da
vida rural e de cada região, especialmente: I- conteúdos curriculares e metodologia apropriada às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural; II- organização escolar própria, incluindo a adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas; III- adequação à natureza do trabalho na zona rural (BRASIL, 1996).
Ao reconhecer a especificidade do campo, com respeito à diversidade
sociocultural, o artigo 28 traz uma inovação no sentido de acolher as diferenças sem
transformá-las em desigualdades, o que implica que os sistemas de ensino deverão
fazer adaptações na sua forma de organização, funcionamento e atendimento para
se adequar ao que é peculiar à realidade do campo, sem perder de vista a dimensão
universal do conhecimento e da educação.
No final dos anos de 1990 espaços públicos de debate sobre a educação do
campo foram efetivados, a exemplo do I Encontro de Educadores e Educadoras da
Reforma Agrário (I ENERA), em 1997,organizado pelo Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), com apoio da Universidade de Brasília
(UnB) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), especialmente,
dentre outras entidades. Neste evento foi lançado um desafio: pensar a educação
pública a partir do mundo do campo, levando em conta o seu contexto em termos de
sua cultura específica, quanto à maneira de conceber o tempo, o espaço, o meio
ambiente e quanto ao modo de viver, de organizar família e trabalho. Uma nova
agenda educacional contemplando a educação do campo foi lançada. Ainda, em
1998 foi realizada a I Conferência Nacional Por uma Educação Básica do Campo,
uma parceria entre o MST, a UnB, UNICEF, Organização das Nações Unidas para o
Desenvolvimento da Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) e Confederação
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Cabe, portanto a nós educadores,
caracterizar as práticas socioculturais vividas na comunidade onde a escola está
inserida, fazendo inserção de conteúdos devidamente selecionados que possam
auxiliar os alunos no exercício e na reflexão. Este procedimento leva o educando a
reconhecer as particularidades culturais do país, e especificamente a sua própria,
para então, obter uma visão de superação e libertação frente ao modelo de
subordinação a que o homem do campo foi submetido ao longo do processo de
colonização.
No paradigma da Educação do Campo, busca-se a superação do
antagonismo entre a cidade e o campo, que passam a ser vistos como
complementares e de igual valor. Ao mesmo tempo, considera-se e respeita-se a
existência de tempos e modos diferentes de ser, viver e produzir, contrariando a
pretensa superioridade do urbano sobre o rural e admitindo variados modelos de
organização da educação e da escola (BRASIL, 2007). Deste modo, segundo
Caldart (2002) a Educação do Campo entende campo e cidade enquanto duas
partes de uma única sociedade, que dependem uma da outra e não podem ser
tratadas de forma desigual.
Nessa perspectiva existem dois elementos que fundamentam a Educação do
Campo: a superação da dicotomia entre o rural e o urbano; e a necessidade de
recriar os vínculos de pertença ao campo. A concretização desses fundamentos,
exige a implementação de políticas que compreendam a Educação e a Escola do
Campo a partir de alguns princípios citados nos Referências para uma Política
Nacional de Educação do Campo, a seguir:
I A Educação do Campo de qualidade é um direito dos povos do campo.II. A Educação do Campo e o respeito às organizações sociais e o conhecimento por elas produzido.III. A Educação do Campo no campo.IV. A Educação do Campo enquanto produção de cultura.V. A Educação do Campo na formação dos sujeitos.VI. A Educação do Campo como formação humana para o Desenvolvimento Sustentável.VII. A Educação do Campo e o respeito às características do Campo.(Referências para uma Política Nacional de Educação do Campo - caderno de subsídios, p. 32 -34, 2003).
Neste contexto, a Educação do Campo deve possibilitar vínculos de pertença
ao campo, para isso, faz-se necessário que a educação como formação humana
deva estimular os sujeitos à capacidade de criar com outros um espaço humano de
convivência social desejável. Para isso, a educação como estratégia fundamental
para o desenvolvimento sustentável do campo deve se constituir nas políticas
públicas como uma ação cultural comprometida com o projeto de reinvenção do
campo brasileiro (BRASIL, 2003).
Fernandes & Molina, (2005. p, 89) defendem o campo,
Como espaço de particularidades e matrizes culturais. Esse campo é repleto de possibilidades políticas, formação crítica, resistência, mística, identidades, histórias e produção das condições de existência social. Cabe, portanto, à educação do campo, o papel de fomentar reflexões que acumulem forças e produção de saberes, no sentido de contribuir para a negação e/ou desconstrução do imaginário coletivo acerca da visão hierárquica que há entre o campo e a cidade. Essas são ações que podem
ajudar na superação da visão tradicional do imaginário social do jeca-tatu e do campo como espaço atrasado e pouco desenvolvido.
Neste sentido, a educação do campo tem sido historicamente marginalizada
na construção de políticas públicas, sendo inúmeras vezes tratada como política
compensatória. Suas demandas e especificidades raramente têm sido objeto de
pesquisa no espaço acadêmico ou na formulação de currículos em diferentes níveis
e modalidades de ensino. Neste cenário de exclusão, a educação para os povos do
campo vem sendo trabalhada a partir de discursos, identidades, perfis e currículos
essencialmente marcados por conotações urbanas e, geralmente, deslocado das
necessidades da realidade local e regional (SOUZA & REIS, 2009).
Contudo, as medidas de adequação da escola à vida do campo não estavam
contempladas anteriormente na sua especificidade. Segundo Leite (1999), a LDB
promoveu a desvinculação da escola rural dos meios e da performance escolar
urbana, exigindo da escola rural um planejamento ligado à vida rural e, de certo
modo, desurbanizado. Mesmo diante das mudanças propostas pela Lei, a
problemática ligada à escola rural permaneceu. Leite (1999) aponta alguns
problemas a serem considerados nos anos 1990:
Quanto à clientela da escola rural: a condição do aluno como trabalhador rural; distâncias entre locais de moradia/trabalho/escola; heterogeneidade de idade e grau de intelectualidade; baixas condições aquisitivas do alunado; acesso precário a informações gerais. 2. Quanto à participação da comunidade no processo escolar: um certo distanciamento dos pais em relação à escola, embora as famílias tenham a escolaridade como valor sócio-moral; 3. Quanto à ação didático-pedagógica: currículo inadequado, geralmente, estipulado por resoluções governamentais, com vistas à realidade urbana; estruturação didático-metodológica deficiente; salas multisseriadas; calendário escolar em dissonância com a sazonalidade da produção; ausência de orientação técnica e acompanhamento pedagógico; ausência de material de apoio escolar tanto para professores quanto para alunos; (LEITE, 1999, p. 55-56).
Vale ressaltar que por meio da Emenda Constitucional nº 14 e da Lei nº
9.424/1996, foi instituído o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef). Esse fundo acelerou o
processo de universalização do acesso ao ensino fundamental, redistribuindo
recursos financeiros para o financiamento dessa modalidade de ensino em todo o
país. Esses recursos variam em função do número de alunos efetivamente
matriculados em cada sistema de ensino, definindo valores diferenciados para as
modalidades em que os gastos são maiores, o que beneficiou a educação nas
escolas localizadas em zonas rurais, mas não o suficiente para reverter o quadro de
abandono em que estas se encontravam (SECAD, MEC, 2007, p.16).
Em 2001, foi promulgado o Plano Nacional de Educação (Lei nº 10.172/2001), o
qual, embora estabeleça entre suas diretrizes o,
tratamento diferenciado para a escola rural”, recomenda, numa clara alusão ao modelo urbano, a organização do ensino em séries, a extinção progressiva das escolas unidocentes e a universalização do transporte escolar. Observe-se que o legislador não levou em consideração o fato o fato de que a Unidocência em si não é o problema, mas sim a inadequação da infraestrutura física e a necessidade de formação docente especializada exigida por essa estratégia de ensino (SECAD, MEC.2007. p, 17).
Por outro lado, a universalização do transporte escolar, sem o necessário
estabelecimento de critérios e princípios, gerou distorções, tais como: o fechamento
de escolas localizadas nas áreas rurais e a transferência de seus alunos para
escolas Urbanas; o transporte de crianças e adolescentes em veículos inadequados
e sucateados; e a necessidade de percorrer estradas não pavimentadas e perfazer
trajetos extremamente longos.
Finalmente, as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica das Escolas
do Campo, aprovadas também em 2001 pelo Conselho Nacional de Educação,
representam um importante marco para a educação do campo porque contemplam e
refletem um conjunto de preocupações conceituais e estruturais presentes
historicamente nas reivindicações dos movimentos sociais. Dentre elas o
reconhecimento e valorização da diversidade dos povos do campo, a formação
diferenciada de professores, a possibilidade de diferentes formas de organização da
escola, a adequação dos às peculiaridades locais, o uso de práticas pedagógicas
contextualizadas, a gestão democrática, a consideração dos tempos pedagógicos
diferenciados, a promoção, através da escola, do desenvolvimento sustentável e do
acesso aos bens econômicos, sociais e culturais (SECAD, MEC, 2007. p, 17).
Diante dessas problemáticas, Leite (1999), Arroyo, Caldart e Molina (2004)
afirmam que, nas últimas décadas do século XX, assistimos a uma instigante
presença dos sujeitos do campo na cena política e cultural do País, como por
exemplo os movimentos sociais do campo. Tais sujeitos se mostram diferentes e
exigem respeito. Denunciam o silenciamento e o esquecimento por parte dos órgãos
governamentais e lutam por uma escola do campo que não seja apenas um
arremedo da escola urbana e, sim, uma escola que esteja atenta aos seus sujeitos
específicos.
2.2 OS PRIMEIROS PASSOS PARA INCLUSÃO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO
Embora, a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública tenha sido
criado em 1930 e “a instituição desenvolvia atividades pertinentes a vários
ministérios como saúde, esporte, educação e meio ambiente. Até então, os assuntos
ligados à educação eram tratados pelo Departamento Nacional do Ensino, ligado ao
Ministério da Justiça” (MEC). O marco histórico da educação rural só iniciou em
1934, onde começou as primeiras inclusões na legislação brasileira, como mostra no
referido, Art. 156 - A União e os Municípios aplicarão nunca menos de dez por cento,
e os Estados e o Distrito Federal nunca menos de vinte cento, da renda resultante
dos impostos na manutenção e no desenvolvimento dos sistemas educativos.
Constituição Federal de 16 de Julho de 1934. Parágrafo único - “Para a realização
do ensino nas zonas rurais, a União reservará no mínimo, vinte por cento das cotas
destinadas à educação no respectivo orçamento anual” (BRASIL, 1934).
No entanto, temos assistido ao longo do tempo que a inclusão no texto da Lei,
não tem significado garantia de recursos e atenção ao desenvolvimento de um
projeto de educação do campo.
É no bojo da Constituição Federal de 1988, que estabelece e estende a
obrigatoriedade e a garantia ao ensino fundamental a toda população, que a
educação do Campo vai encontrar espaço para se desenvolver. Nessa Constituição
de 1988, que realçou a garantia ao acesso a educação contemplando as populações
que vivem no campo, pois partindo do princípio Constitucional a LBD - Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/96 reconhece a possibilidade
de uma educação voltada às singularidades do campo dando autonomia as
instituições que nele atuam, na educação do campo e,
Reconhece, em seus artigos. 3º, 23, 27 e 61, a diversidade sociocultural e o direito à igualdade e à diferença, possibilitando a definição de diretrizes operacionais para a educação rural sem, no entanto, romper com um projeto global de educação para o país. A ideia de mera adaptação é substituída pela de adequação, o que significa levar em conta, nas finalidades, nos conteúdos e na metodologia, os processos próprios de aprendizado do estudante e o que é específico do campo. Permite, ainda, a organização
escolar própria, a adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas. (SECAD, 2007, p. 16)
Assim em 2001, fruto da luta dos movimentos sociais do campo, institui-se às
Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, essa luta
por uma educação do e no campo e não apenas para o campo nascida dos e nos
movimentos sociais do campo tomou contorno nacional e gerou o que Munarim
(2008) nomeou de Movimento Nacional de Educação do Campo. A experiência
acumulada pelo Movimento Sem Terra (MST) com as escolas de assentamentos e
acampamentos, bem como a própria existência do MST como movimento pela terra
e por direitos correlatos, pode ser entendida como um processo histórico mais amplo
de onde deriva o nascente Movimento de Educação do Campo (MUNARIM, 2008, p.
59).
E mais no Art. 2 Parágrafo único diz que:
A identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação às questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções exigidas por essas questões à qualidade social da vida coletiva no país. (MEC, 2001)
Contudo, o reconhecimento de que as pessoas que vivem no campo têm
direito a uma educação diferenciada daquela oferecida a quem vive nas cidades é
recente e inovador, e ganhou força a partir da instituição, pelo Conselho Nacional de
Educação, das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do
Campo. Esse reconhecimento extrapola a noção de espaço geográfico e
compreende as necessidades culturais, os direitos sociais e a formação integral
desses indivíduos. Para atender a essas especificidades e oferecer uma educação
de qualidade, adequada ao modo de viver, pensar e produzir das populações
identificadas com o campo – agricultores, criadores, extrativistas, pescadores,
ribeirinhos, caiçaras, quilombolas, seringueiros – vem sendo concebida a Educação
do Campo.
Na sequencia, houve a aprovação das Diretrizes Operacionais para a Educação
Básica nas Escolas do Campo, destacando que:
A educação do campo, tratada como educação rural na legislação brasileira, tem um significado que incorpora os espaços da floresta, da pecuária, das minas e da agricultura, mas os ultrapassa ao acolher em si os espaços, pesqueiros, caiçaras, ribeirinhos e extrativistas. O campo, nesse sentido,
mais do que um perímetro não-urbano, é um campo de possibilidades s que dinamizam a ligação dos seres humanos com a própria produção o das condições da existência social e com as realizações de sociedades humana. (BRASIL, 2001, p. 1)
Na Resolução CNE/CEB Nº. 01 de 03 de abril de 2002 que institui as
Diretrizes Operacionais da Educação do Campo, significando um grande avanço na
educação do campo, e grande conquista dos movimentos sociais do campo. Pode-
se dizer que esse é um importante momento histórico que demarca a emergência de
um novo paradigma educacional, para a educação do campo. A partir daí inicia-se a
criação de uma infraestrutura para responder às demandas que daí advém, assim.
Em 2004 foi criada a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade – SECAD no âmbito do Ministério da Educação. Nessa secretaria foi criada a Coordenação Geral da Educação do Campo. Este fato significou a inclusão na estrutura federal de uma instância responsável, especificamente, pelo atendimento das demandas do campo, a partir do reconhecimento de suas necessidades e singularidades. Sendo assim, podemos sinalizar com algumas iniciativas no âmbito do governo federal quanto à representação das identidades da escola do campo. (SANTOS, 2001, p.8)
Portanto o dever da resolução era estar garantindo a oferta a oferta de
educação básica para todos, mas esta garantia era apenas superficial.
Conforme Santos (2001),
Como podemos perceber, a história da educação do campo foi marcada profundamente pelo abandono e tropeços do poder público. Foi em oposição a esta situação que surgiram diversas iniciativas de movimentos sociais, sindicais e populares que paralelamente construíram inúmeras experiências educativas de reflexão acerca da realidade e interesses dos povos do campo. São iniciativas que defendem o meio rural como espaço de diversidade cultural e indenitário e, portanto, territórios que carecem de políticas direcionadas a essa realidade e não uma mera transposição do que é elaborado no meio urbano. (SANTOS, 2001, p. 6)
Em 2004, foi criado, no Ministério de Educação, a Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), na qual existe uma coordenação
de educação do campo. Ainda, no MEC, foi organizado o Grupo Permanente de
Trabalho (GPT) sobre educação do campo e foi elaborado o documento intitulado
“Referências para uma política nacional de educação do campo”. O Grupo anuncia
dois fundamentos da educação do campo: a superação da dicotomia entre rural e
urbano; relações de pertença diferenciadas e abertas para o mundo.
Os princípios da educação do campo, explícitos pelo GPT, são os seguintes:
A educação do campo de qualidade é um direito dos povos do campo; a educação do campo e o respeito às organizações sociais e o conhecimento por elas produzido; a educação do Campo no campo; a educação do campo enquanto produção de cultura; a educação do campo na formação dos sujeitos; a educação do campo como formação humana para o desenvolvimento sustentável; a educação do campo e o respeito às características do campo (SECAD, MEC, 2007).
Cabe destacar que esse tipo de organização buscou entendimentos entre os
protagonistas da educação do campo. Eles representam a sistematização das
reflexões empreendidas, tanto nas instâncias governamentais, quanto nas
organizações e movimentos sociais. É o espaço para formação continuada, para
reflexões conjunturais, relatos de experiência e elaboração de proposição para todos
os níveis de ensino, dando especificidade ao conteúdo que se quer ver discutido,
quando se trata do campo como lugar de cultura e de identidades. Evidencia o
encontro entre a sociedade civil organizada e o Estado, possibilitado por uma
conjuntura política de abertura governamental para o diálogo com a classe
trabalhadora.
Entre os anos de 2004 e 2005, foram realizados 25 Seminários Estaduais de
Educação do Campo, com o objetivo de debater e difundir as Diretrizes
Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, publicadas pelo CNE
no ano de 2001. A partir dos Seminários foram instituídos os Comitês e/ou Fóruns
Estaduais de Educação do Campo com o objetivo de promover a regulamentação e
implementação das Diretrizes pelos sistemas estaduais e municipais de ensino. As
Diretrizes Operacionais da Educação do Campo, do CNE, deverão ser
regulamentadas nos sistemas de ensino, estaduais e municipais por meio de
Resoluções próprias com vistas à sua efetivação nos sistemas.
Percebe-se que é colocado com muita ênfase o tratamento específico à
educação do campo quando se explicita que a inclusão somente poderá ser
garantida através de uma política pública específica (PIRES, 2012, p.102). Essa
concepção deixa transparecer que a forma dicotômica tão questionada no
Documento de Referências da Política está sendo, de forma contraditória,
considerada, ao se propor uma política específica para as áreas rurais, embora, por
outro lado, trata de políticas públicas que garantam a universalização à educação.
Nesta perspectiva a Resolução nº 2, de 28 de abril de 2008, estabelece
diretrizes complementares, normas e princípios para o desenvolvimento de políticas
públicas de atendimento da Educação Básica do Campo.
Art. 1º A Educação do Campo compreende a Educação Básica em suas etapas de
Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio e Educação Profissional
Técnica de nível médio integrada com o Ensino Médio e destina-se ao atendimento
às populações rurais em suas mais variadas formas de produção da vida –
agricultores familiares, extrativistas, pescadores artesanais, ribeirinhos, assentados
e acampados da Reforma Agrária, quilombolas, caiçaras, indígenas e outros.
Art. 2º Os sistemas de ensino adotarão medidas que assegurem o cumprimento do
artigo 6º da Resolução CNE/CEB nº 1/2002, quanto aos deveres dos Poderes
Públicos na oferta de Educação Básica às comunidades rurais.
Art. 9º A oferta de Educação do Campo com padrões mínimos de qualidade estará
sempre subordinada ao cumprimento da legislação educacional e das Diretrizes
Operacionais enumeradas na Resolução CNE/CEB nº 1/2002.
Art. 10 O planejamento da Educação do Campo, oferecida em escolas da
comunidade, multisseriadas ou não, e quando a nucleação rural for considerada,
para os anos do Ensino Fundamental ou para o Ensino Médio ou Educação
Profissional Técnica de nível médio integrada com o Ensino Médio, considerará
sempre as distâncias de deslocamento, as condições de estradas e vias, o estado
de conservação dos veículos utilizados e sua idade de uso, a melhor localização e
as melhores possibilidades de trabalho pedagógico com padrão de qualidade.
Anos mais tarde, Neste sentido, na Conferência Nacional de Educação
(CONAE), em 2010 foram aprovadas emendas no Eixo VI-Justiça social, educação e
Trabalho: inclusão, diversidade e igualdade propondo assegurar uma política pública
nacional de educação do campo e da floresta como direito humano, articulada com o
projeto alternativo de sustentabilidade ambiental e atrelada a uma política pública de
financiamento da Educação, incorporando assim os anseios dos movimentos sociais
organizados quanto à construção da educação do campo como uma política pública.
Nesta Conferência foi aprovado também à criação de um fórum permanente
para discussão da implementação e consolidação das metas da educação do campo
nos planos nacional, estaduais, municipais e distrital de educação. Neste mesmo
sentido é estabelecido no inciso V do artigo 2º do Decreto nº 7352/2010 que Dispõe
sobre a política de educação do campo e o Programa Nacional da Reforma Agrária
(PRONERA) como princípio da educação do campo, o controle social da
qualidade da educação escolar, mediante a efetiva participação da comunidade e
dos movimentos sociais, o que aponta para um processo de construção democrática
da Educação do campo.
Neste sentido, ao tratar de educação no contexto do campo é necessário
pensar nas possibilidades de conhecer e vivenciar experiências diversas haja vista
ser esse um espaço diverso, com várias formas de cultura. Para ela é preciso
compreender a educação como os processos formativos que se desenvolvem na
vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e na
pesquisa, nos movimentos sociais e organização da sociedade civil e nas
manifestações culturais, propiciando o desenvolvimento de vários olhares sobre o
mundo e as pessoas (SANTOS, 2010. p, 39).
Conforme explicitado no parecer que embasou as Diretrizes Operacionais para a
Educação Básica nas Escolas do Campo, “[...] o especifico pode ser também como
exclusivo, relativo ou próprio de indivíduos [...]” (2004, p. 29). Isso justifica, segundo
o mesmo documento, muito mais que o acesso, mas a adaptação delas às
necessidades exclusivas, ou seja, especificas do campo.
Nessa perspectiva, o currículo da Educação do Campo deve contribuir para que os
estudantes reflitam sobre a sua prática, sobre as tradições culturais, as teorias que
são expressas, os pressupostos e os interesses a quem servem. Conforme
Fernandes (2009),
A Educação do Campo é um conceito cunhado com a preocupação de se delimitar um território teórico. Nosso pensamento é defender o direito que uma população tem de pensar o mundo a partir do lugar onde vive, ou seja, da terra em que pisa, melhor ainda: desde a sua realidade. Quando pensamos o mundo a partir de um lugar onde não vivemos, idealizamos um mundo, vivemos um não lugar. Isso acontece com a população do campo quando pensa o mundo e, evidentemente, o seu próprio lugar a partir da cidade. Esse modo de pensar idealizado leva ao estranhamento de si mesmo, o que dificulta muito a construção da identidade, condição fundamental da formação cultural. (FERNANDES, 2002, p, 67).
Cabe ainda salientar, que é necessário avaliar diversos aspectos desse, como
o espaço físico tanto da escola quanto da zona rural, as tradições destes familiares,
as condições sociais, entre outras, para entender a dimensão cultural-social e a
pluralidade do processo educativo, toda a gestão escolar; ou seja, todos que fazem
parte da comunidade escolar, direção, docentes, alunos, pais e funcionários podem
participar nas decisões da escola.
Ainda, é pertinente ressaltar que a concepção de educação do campo, dentre
as importantes conquistas e avanços, pode-se pensar numa proposta de
desenvolvimento e de escola do campo que leve em conta a urgência de superar a
dicotomia rural/urbano, resguardando, ao mesmo tempo, a identidade cultural dos
grupos que ali produzem sua vida. Isso indica que a escola do e no campo não
precisa ser, necessariamente, uma escola agrícola, mas será uma escola vinculada
à cultura que se produz, a partir das relações sociais mediadas pelo trabalho na
terra e o meio ambiente. A vida no campo, portanto, passa ao largo da escola e de
seus saberes, mesmo quando, aparentemente, a escola deveria ter se rearticulado
para dar respostas às pressões vindas da necessidade de aprender novas técnicas,
práticas e manejos da modernização.
Contudo para Fernandes (2012) podemos compreender o campo formado por
diferentes territórios, que exigem políticas econômicas e sociais diversas. No
entanto, a educação é uma política social que tem importante caráter econômico
porque promove as condições políticas essenciais para o desenvolvimento. Deste
modo, para o desenvolvimento no contexto do campo é fundamental uma política
educacional que atenda sua diversidade e amplitude e entenda a população do
campo como protagonista de políticas e não como receptores e ou usuários. Nesse
sentido, pensar a escola do campo é compreender o conjunto de transformações
que a realidade vem exigindo das questões sociais, ambientais, políticas, culturais e
econômicas.
3 O EDUCADOR E O ALUNO DO CAMPO NO PROCESSO DE ENSINO
APRENDIZAGEM
A própria diretriz operacional já explicita a identidade da escola do campo,
não circunscrita apenas a um espaço geográfico, mas vinculada aos povos do
campo, seja os que vivem no meio rural. Assim, a identidade da escola do campo é
definida a partir dos sujeitos sociais a quem se destina: agricultores/as familiares,
assalariados/as, assentados/as, ribeirinhos, caiçaras, extrativistas, pescadores,
indígenas, remanescentes de quilombos, enfim, todos os povos do campo brasileiro.
Essa concepção está expressa no parecer das Diretrizes e tem sua
identidade definida no art. 28. Parágrafo único das Diretrizes Operacionais para a
Educação Básica nas Escolas do Campo, ao afirmar que:
A identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação às questões inerentes a sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções exigidas por essas questões à qualidade social da vida coletiva no país (DIRETRIZES OPERACIONAIS PARA EDUCAÇÃO BÁSICA NO CAMPO, 2002. p, 79-80).
Nessa perspectiva, a identidade da Educação do campo definida pelos seus
sujeitos sociais deve estar vinculada a uma cultura que se produz por meio de
relações mediadas pelo trabalho, entendendo trabalho como produção material e
cultural de existência humana. Para isso, a escola precisa investir em uma
interpretação da realidade que possibilite a construção de conhecimentos
potencializadores, de modelos de agricultura, de novas matrizes tecnológicas, da
produção econômica e de relações de trabalho e da vida a partir de estratégias
solidárias, que garantam a melhoria da qualidade de vida dos que vivem e
sobrevivem no e do campo.
Essas relações econômicas e sociais são vividas e construídas por sujeitos
concretos, de diferentes gêneros, etnias, religiões, vinculadas (ou não) a diferentes
organizações sociais e diferentes formas de produzir e viver individual e
coletivamente. Homens e mulheres que, submetidos a um modelo agrícola
hegemônico que se revela a cada dia mais socialmente excludente, ambientalmente
insustentável e economicamente seletivo, impõem a necessidade de uma educação
que dê conta da compreensão crítica dos mecanismos que o produzem e sustentam,
assim como das possibilidades dos sujeitos de produzirem mudanças nessa
dinâmica.
Nas duas últimas décadas, a denominação do campo vem-se expandindo
para demarcar o papel dos sujeitos e a importância da educação na sua formação e
no seu desenvolvimento. Ela carrega consigo um conjunto de conhecimentos e
práticas que instigam as políticas a compreenderem o campo como um espaço
emancipatório, como um território fecundo de construção da democracia e da
solidariedade, ao transformar-se no lugar não apenas das lutas pelo direito à terra,
mas também pelo direito à educação, à saúde, à organização da produção, pela
soberania alimentar, pela preservação das águas, entre outros. Essas lutas
acabaram por colocar na pauta novas políticas culturais, econômicas e ambientais
para o país.
Muitas são as contribuições dos movimentos sociais e de diferentes
educadores e pesquisadores para outra compreensão do campo e da educação.
Estas reflexões situam-se tanto no campo prático quanto no campo teórico, e se
posicionam em favor de dois aspectos:
I. Uma educação que supere a dicotomia entre rural e urbano - j á superamos a ideia de que é preciso destituir a cidade para o campo existir, e vice-versa. O campo e a cidade são dois espaços que possuem lógicas e tempo próprios de produção cultural, ambos com seus valores. Não existe um espaço melhor ou pior, existem espaços diferentes que coexistem.No entanto, fica evidente a histórica ausência de políticas públicas que considerem, na sua formulação e implementação, as diferenças entre campo e cidade, no sentido de que a vida em ambos os meios se tece de maneira distinta e que políticas "universalistas", baseadas em um parâmetro único (e geralmente urbanizado), que não se aproxima das necessidades, potenciais saberes e desejos dos que vivem no campo, acabam por reproduzir a desigualdade e a exclusão social, distanciando cada vez mais os sujeitos do campo do exercício de sua cidadania.II. Uma educação que afirme relações de pertença ao mesmo tempo diferenciadas e abertas para o mundo - o sentimento de pertença é o que vai criar o mundo para que os sujeitos possam existir, uma vez que a condição para o desenvolvimento das suas competências e dos seus valores é a pertença a um lugar. É a partir dele que o ser humano elabora a sua consciência e o seu existir neste mundo. Pertencer significa se reconhecer como integrante de uma comunidade e um sentimento que
move os sujeitos a defender as suas ideias, recriar formas de convivência e transmitir valores de geração a geração (RAMOS et al, 2002, p. 100).
Ao lutar pelo direito a terra, à floresta, à água, à alimentação e à educação, os
sujeitos vão recriando as suas pertenças, reconstruindo a sua identidade com a terra
e com a sua comunidade. Esta é uma característica própria dos sujeitos do campo,
não excludente, mas de afirmação, porque os sentimentos dos que vivem na e da
terra com todo o ecossistema não são os mesmos para os que vivem na cidade.
Por isso a Educação do Campo, porque "o lugar não é apenas um quadro de vida,
mas um espaço vivido, isto é, de experiência sempre renovada, o que permite, ao
mesmo tempo, a reavaliação das heranças e a indagação sobre o presente e o
futuro” (SANTOS, 2001, p. 114).
Tanto a superação da dicotomia entre o rural e o urbano, quanto à necessidade de
recriar os vínculos de pertença ao campo, são apenas dois dos aspectos que
caracterizam a Educação do Campo e que caracterizam os sujeitos predominantes
deles.
O campo tem diferentes sujeitos. São pequenos agricultores, quilombolas, povos indígenas, pescadores, camponeses, assentados, reassentados, ribeirinhos, povos da floresta, caipiras, lavradores, roceiros, sem-terra, agregados, caboclos, meeiros, assalariados rurais e outros grupos mais. Entre estes há os que estão ligados a alguma forma de organização popular, outros não; há, ainda as diferenças de gênero, de etnia, de religião, de geração; são diferentes jeitos de produzir e de viver, diferentes modos de olhar o mundo, de conhecer a realidade e de resolver os problemas; diferentes jeitos de fazer a própria resistência do campo, diferentes lutas (SANTOS, 2001. p, 90-91).
Desta forma, há que se compreender que desenvolver a educação do campo,
implica em construir aprendizagens básicas sobre as diferenças que incidem na
construção de identidades diferentes, mas que conduzem à percepção de que
apesar das diferenças há um só povo que compõem a identidade brasileira que vive
no campo ou na cidade, mas que necessita situar-se historicamente para se libertar
da opressão e da discriminação econômica, política, social e cultural. A inserção da
educação no campo da proposta pedagógica do estabelecimento vai além da
determinação de conteúdos voltados para a educação do campo, pois não se trata
de ver o campo como um fato do passado que se introduz na história e nem do
desenvolvimento de métodos e técnicas para se aplicar ao campo, mas da
construção de uma identidade e valorização humana e real que deve ser permeada
pelo ambiente e pelas práticas educacionais, valorizando conhecimentos, meios
sociais e diferentes formas de organização, vencendo principalmente o preconceito
que se estabelece quando se julga sem conhecer fatos, pessoas e culturas.
Essa identidade tem uma concepção e princípios que a sustentam e a
fundamentam. Os princípios da Educação do Campo são como as raízes de uma
árvore, que tiram a seiva da terra (conhecimentos), que nutrem a escola e fazem
com que ela tenha flores e frutos (a cara do lugar onde ela está inserida e dos
sujeitos sociais a quem se destina). São pontos de partida de ações educativas, da
organização escolar e curricular e do papel da escola dentro do campo brasileiro.
3.1 O PERFIL E A IDENTIDADE DO ALUNO DO CAMPO
A educação do campo nesta vertente se identifica pelos seus sujeitos é
preciso compreender que por trás da identidade geográfica e da frieza de dados
estatísticos se encontra em uma parte do povo brasileiro que vive neste contexto e
desde as relações sociais especificas que compõem a vida no e do campo, em suas
diferentes identidades, e em sua identidade comum; estão pessoas de diferentes
costumes e idades, estão famílias, comunidades, organizações, movimentos sociais
(ARROYO; CALDART E MOLINA, 2008. p, 150).
Ainda de acordo com o autor, a perspectiva da educação do campo prevê
exatamente educar este povo que trabalha no Campo, para que se articulem e se
organizem e assumam a condição de sujeito em direção do seu destino. Sendo
assim, a escolas do campo organizou-se como espaços de diálogos por meio de
atividades pedagógicas que visem os elementos constitutivos da identidade e cultura
do local, para que os estudantes possam desenvolver um conhecimento mais amplo
sobre si mesmo, sobre sua comunidade e a realidade local. Para que, por meio
dessas práticas dialógicas se formem um conhecimento construído coletivamente
sobre onde mora, o que plantam o que extraem do seu espaço, como coletam, como
colhem, como se organizam, quais são as relações de parentesco existentes dentro
da comunidade rural.
Trata-se de uma educação dos e não para os educandos do campo. Feita-se através de políticas publicas, mais construídas com o próprio sujeito dos direitos e as exigem. A afirmação deste traço que vem desempenhando
nossa identidade e especialmente importante se levarmos em conta que na história do Brasil, toda vez que se ouve alguma sinalização de política educacional ou de projetos pedagógicos específicos, isto foi feito para o meio rural, e muito poucas vezes com o sujeito do campo além de não reconhecer o povo do campo como sujeito da política e da pedagogia, sucessivos governos tentaram sugeri-lo um tipo de educação domesticadora e atrelada a um modelo econômico do campo (ARROYO, CALDART e MOLINA, 2008. p, 151).
Neste sentido, os educandos do campo são aquelas pessoas que sentem na
própria pele os efeitos desta realidade Rural, mas que não se conforme com ela.
São os sujeitos da resistência no e do campo, sujeitos que lutam para continuar
sendo agricultores, apesar de um modelo agrícola cada vez mais excludente; sujeito
da luta pela terra e pela reforma agrária; sujeito da luta por melhores condições de
trabalho e de educação no campo; sujeitos da resistência na terra dos quilombos e
pela identidade própria desta herança; sujeito da luta pelo direito de continuar ser
indígena, brasileiro, em terras demarcadas e em identidade e direitos sociais
respeitados; e sujeitos de tantas resistências culturais, políticas e pedagógicas
(ARROYO, CALDART e MOLINA, 2008. P, 152).
Cabe salientar Fernandes & Molina, (2005) defendem o campo como espaço
de particularidades e matrizes culturais. Esse campo é repleto de possibilidades
políticas, formação crítica, resistência, mística, identidades, histórias e produção das
condições de existência social. Cabe, portanto, à educação do campo, o papel de
fomentar reflexões que acumulem forças e produção de saberes, no sentido de
contribuir para a negação e/ou desconstrução do imaginário coletivo acerca da visão
hierárquica que há entre o campo e a cidade. Essas são ações que podem ajudar na
superação da visão tradicional do imaginário social do Jeca-tatu e do campo como
espaço atrasado e pouco desenvolvido.
Parte-se da compreensão da necessária vinculação da Educação do Campo
com o mundo da vida dos sujeitos envolvidos nos processos formativos. O processo
de reprodução social destes sujeitos e de suas famílias, ou seja, suas condições de
vida; trabalho e cultura não podem ser subsumidos numa visão de educação que se
reduza à escolarização. A Educação do Campo compreende os processos culturais;
as estratégias de socialização; as relações de trabalho vividas pelos sujeitos do
campo em suas lutas cotidianas para manterem esta identidade, como elementos
essenciais de seu processo formativo. (Molina, 2009: 188)
Dessa forma, essas mudanças têm como horizonte a construção de uma
escola que seja capaz de contribuir com a promoção da autonomia de seus
educandos. Uma escola que garanta o direito das crianças e jovens do campo ao
acesso ao conhecimento universalmente produzido, entendendo-o como um produto
histórico-social, e que, simultaneamente, possibilite e promova a formação de uma
visão crítica dessa produção, instrumentalizando-os para seu uso e manuseio
contextualizada mente. Compreende-se como tarefa desses processos educativos a
formação das habilidades necessárias para que as crianças e jovens do campo
tornem-se, não só críticos consumidores de conhecimentos produzidos por outrem,
mas, principalmente, tornem-se produtores de novos conhecimentos, articulando os
saberes científicos aos conhecimentos adquiridos e produzidos a partir de sua
própria vivência sócia histórica como sujeito camponês. Nesse sentido, trata-se de
um exercício teórico-prático individual e coletivo de produção de conhecimento,
voltado para os desafios de intervenção sociais identificados junto às escolas,
comunidades e organizações sociais de origem dos estudantes.
3.2 O PERFIL E A PRATICA DO EDUCADOR DO CAMPO:
Nas escolas do campo é comum a existência das classes multisseriadas ou
unidocentes, as quais segundo Mouros e Santos (2012), são caracterizadas pela
junção de alunos de diferentes níveis de aprendizagem, pertencentes a várias
séries, em uma mesma classe, sob a responsabilidade de um único professor.
Essas classes geralmente não são valorizadas, muitas vezes alguns docentes que
lecionam nessas turmas não possuem formação politica e pedagógica para lidar
com a realidade do multisseriamento, além disso, a carência de politicas púbicas
destinadas a educação do campo agrava ainda mais a situação. Segundo Santos:
A falta de um olhar mais sensível e atento dessas políticas tem levado os
professores que atuam nas classes multisseriadas a vivenciarem processos
formativos, práticas orientações para o trabalho pedagógico e um currículo que são
alienígenas ao contexto da Educação do Campo e das classes multisseriadas, por
ter como égide a lógica da racionalidade técnica. Isso tem levado muitos professores
negarem-se a exercer a docência nessas classes, pois, tais políticas têm criado um
contexto educativo marcado pela precarização do trabalho docente (SANTOS, 2012,
p. 72).
Esses aspectos contribuem para a existência de uma visão negativa em torno
do trabalho pedagógico em classes multisseriada, muitos possuem uma visão
preconceituosa em relação a educação do campo. Entretanto, apesar desse
contexto desfavorável, muitos professores que atuam em classes multisseriadas
conseguem desenvolver estratégias didáticas a partir de suas próprias experiências,
extraídas de história de vida e de saberes construídos no desempenho diário de sua
função, fazendo do educador autor e sujeito de sua própria prática.
Vale salientar ainda que as classes multisseriadas são responsáveis pela
iniciação escolar de muitas pessoas, de acordo com Hage (2005), essas escolas
assumem uma importância social e política muito significativa se não fossem elas os
índices de analfabetismo no país seriam mais altos.
Nesta perspectiva, o perfil do educador do campo deve se sê dá através da
vocação, do conhecimento do meio rural e da adaptação ao meio rural, otimismo,
abertura, bondade, sociabilidade preparação profissional e outras qualidades
humanas para resistir às limitações do ambiente social e de trabalho: sofrido,
paciente, abnegado, sacrificado, (CERVI e KALÓ, 2000. p, 10).
Partindo deste contexto, os princípios que regem as práticas formativas para
atuação do educador do campo trazem como pano de fundo questões sobre as
especificidades do perfil de Educador do Campo que esta graduação intenciona
formar, em conjunto com os movimentos sociais participantes neste processo
histórico. Estas práticas formativas desenvolvida em parceria com os movimentos
sociais e sindicais do campo têm caminhado no sentido da formação dos
educadores que atuem para muito além da educação escolar. Neste sentido, esta é
considerada uma das dimensões do processo educativo. Mas, pela própria
compreensão acumulada na Educação do Campo, da centralidade dos diferentes
tempos e espaços formativos existentes na vida do campo, nas lutas dos sujeitos
que aí vivem e que se organizam para continuar garantindo sua reprodução social
neste território, a ação formativa desenvolvida por estes educadores deverá ser
capaz de compreender e agir em diferentes espaços, tempos e situações.
Esta compreensão, portanto, articula a formação e a preparação para gestão
dos processos educativos escolares e também para gestão dos processos
educativos comunitários: pretende-se formar educadores capazes de promover
profunda articulação entre escola e comunidade.
Este perfil de educador do campo que os movimentos demandam exige uma
compreensão ampliada de seu papel. Tem a compreensão da educação como
prática social; da necessária inter-relação do conhecimento; da escolarização; do
desenvolvimento; da construção de novas possibilidades de vida e permanência
nestes territórios pelas lutas coletivas dos sujeitos do campo. Possibilidades estas
cujas estratégias de construção devem contar com a atuação destes educadores do
campo, comprometidos com suas comunidades.
Arroyo (2005) ressalta que,
essa estreita relação entre função educativa, diretiva e organizativa passará a ser um traço do perfil de educador que os movimentos demandam.(...) Se dará ênfase também às didáticas não apenas escolares, de ensino, mas a estratégias e didáticas para a direção e consolidação da Reforma Agrária e dos movimentos. A ênfase nesses vínculos entre educadores e dirigentes, “interventores” na realidade do campo, formuladores e implementadores de políticas mais amplas, com finalidades gerenciais educativas e políticas, traz consequências para o perfil de educador das escolas e para sua formação. Dá novas funções sociais à escola e a seus profissionais, assim como acresce no conjunto dos profissionais novas sensibilidades educativas para suas funções e os aproxima da escola e esta se aproxima da dinâmica das comunidades. (...) O campo não se desenvolve na lógica fragmentada com que a racionalidade técnica recorta as cidades, onde cada instituição e campo profissional é capacitado para dar conta de um recorte do social. No campo, nas formas produtivas em que os diversos povos se organizam, tudo é extremamente articulado. Os movimentos sociais percebem e respeitam essa dinâmica produtiva, social e cultural organicamente irrecortável. O produtivo, a sociabilidade, a educação, a cultura estão tão imbricados que seus profissionais e suas instituições têm de estar capacitados a intervenções totais. (ARROYO, 2005; p.10)
Cabe salientar que a formação deste novo perfil de educador tem elementos
importantes para o debate. Neste ponto parece residir um dos maiores desafios
colocados a todos aqueles que querem redesenhar as funções e papéis da escola
do campo: as práticas; as estratégias; as ações e centralmente, as omissões com as
quais tradicionalmente as escolas do campo (neste caso, mais adequada é a
expressão “escolas rurais”) têm lidado com o conhecimento. Por essa ótica, a
formação por área de conhecimento permite uma visão mais ampla do educador,
frente a realidade do campo, percebe as contradições problematizadas as questões
aparentemente imutáveis, buscando nos nexos dos antecedentes exercitar a
compreensão menos fragmentada do conhecimento que tem sido um enorme
desafio.
Neste contexto é notável que o perfil do educador, é o de superar, ensinar,
aprender por pedaços, ou seja, por disciplinas, é um desafio, a especialização por
disciplina dificulta a percepção das relações, interações, no processo de construção
do conhecimento nas áreas de profundo conhecimento, todos não anulam as partes;
as partes não são estudadas, analisadas, consideradas, separadas do todo.
Contudo são consideradas as especificidades e multiplicidades do objeto. A
formação nesta vertente por área aponta para a necessidade de um eixo capaz de
agregar e ao mesmo tempo deflagrar conflitos/necessidades de interação e diálogo
das disciplinas na área da educação do campo, neste caso acertadamente passa-se
o eixo escolar e seu sujeito para o eixo educação do campo.
4 OS PROFESSORES DO CAMPO E AS CONTRIBUIÇÕES DE SUA PRÁTICA
PEDAGÓGICA NA FORMAÇÃO DO EDUCANDO
Vários contextos marcaram a história da Educação do e para o campo, nesta
perspectiva, pode-se afirmar que essa trajetória impulsionou varias ações para
melhoria e qualidade dessa modalidade. O grande desafio neste sentido, é pensar
numa proposta de desenvolvimento de escola do campo que leve em conta a
tendência de superação da dicotomia rural-urbano, que seja elemento positivo das
contradições em curso, ao mesmo tempo em que resguarde a identidade cultural
dos grupos que ali produzem sua vida. Ou seja, o campo hoje é sinônimo de
agricultura ou de agropecuária.
Vale ressaltar que é necessário um projeto que respeite as particularidades e
singularidades para com a realidade do campo, mas, sobretudo deve ser uma
educação, no sentido mais amplo de processos de formação humana, que constrói
referências culturais e politicas para intervenção de pessoas na realidade do campo.
Contudo, haja vista que a educação do campo vai muito além de se estar em
uma sala, é necessário uma prática centrada nas diversas particularidades que
agregam o campo, no sentido do respeito precisamente ao tempo da colheita, assim
como suas mudanças climáticas, comtemplados nas especificidades e as reais
necessidades Educação do Campo.
Destaca-se neste sentido, uma das ações que provêm e fundamenta as
especificidades da escola no e do campo, o Programa Escola Ativa é uma iniciativa
do Ministério da Educação para desenvolvimento da aprendizagem nos anos iniciais
do Ensino Fundamental, especificamente em classes multisseriadas do campo.
Entre as principais estratégias estão: implantar nas escolas recursos pedagógicos
que estimulem a construção do conhecimento do aluno e capacitar professores.
E neste contexto, explicitando a formação e Prática docente no Subsistema
Gereba, da Escola APEAG, nos anos iniciais do Fundamental no campo, pode-se
notar que em seu PPP fica explicitado que se dá através de um conjunto de ações
que abarcam um conjunto de questões na prática da avaliação que pode ocorrer
sob- diversas formas, estando para isso relacionada com os demais princípios de
aprendizagens ao qual adotamos em função de escola para preparação de vida em
sociedade, numa construção de instrumentos, e interações advindas do próprio
ambiente escolar com os estudantes e suas possibilidades de entendimento dos
conteúdos que esta sendo trabalhados.
Para tal, é preciso dar mais elementos metodológicos para que os educandos
adotem sentido critico de opinião, visto que tanto a avaliação formativa, quanto a
somativa podem elevar a processos de exclusão e classificação caracterizadas das
concepções que sintetizam o processo educativo, sendo que para tanto os fatos e
conteúdos cheguem aos educandos pré-selecionados e analisados dando a
dimensão de como este possam interferir no cotidiano tanto escolar, quanto de vida
na perspectiva de que suas vidas possam ser colocadas também como fonte de
pesquisa, transformando de sujeito de conhecimento individual, para sujeito em sua
coletividade (PPP Do Gereba, 2011).
Para que os direitos de aprendizagem sejam garantidos e os sujeitos do
campo e seus saberes valorizados na escola, o ensino precisa ser orientado por
processos permanentes de avalição e planejamento de situações didáticas que
atenda às diferentes necessidades das crianças, levando-se em conta os contextos
reais em que estas se inserem.
Sua metodologia está voltada para o trabalho constante com Projetos e ações
que embasam uma Educação do campo contextualizada com as necessidades do
seu aluno, fundamenta-se em projetos e ações que permeiam a realidade de cada
aluno no e do campo, centrada no aluno e em sua realidade social, o Programa
Escola Ativa dentro da perspectiva da Educação do Campo, visa construir uma
educação de qualidade uma educação com novos conceitos de modo a reverter as
desigualdades educacionais historicamente construída entre o campo e a cidade.
Cabe salientar que o Projeto Escola Ativa, tem como estratégias
metodológicas; aprendizagem ativa, centrada no aluno e sua realidade social; o
professor como facilitador e estimulador; aprendizagem cooperativa; a gestão
participativa da escola; a avaliação contínua e processual; e a promoção flexível.
Para tanto, utiliza-se de trabalhos em grupos, ensino por meio de módulos,
livros didáticos produzidos exclusivamente para o programa. Incentivar, também, a
participação da comunidade e procurar promover a formação permanente dos
professores (ESCOLA ATIVA, 1997. p, 54).
De acordo com Arroyo (2008. p, 13)
o direito da escolarização ressginificado e reposto com maior abrangência e urgência. Nos documentos que integram esta coletânea que aparece a função social e cultural da escola, enriquecida na medida em que se articula organicamente social e cultural do campo e de seus movimentos. Se a escolarização não é toda a educação a que temos direito, ela é um direito fundamental social e humano. Mas estamos falando de uma educação e uma escola vinculada aos interesses e os desenvolvimento sociocultural dos diferentes grupos sociais que habitam e trabalha no campo
Neste contexto todo o processo de reformulação explora novos limites e tem
como referência a prática de uma educação integrada com o ser humano que vive e
trabalha no campo. A revisão do Programa procura ainda contemplar novos
conteúdos e metodologias, assim como aprofundar o debate sobre as classes
multisseriadas do campo.
Nessa compreensão a Educação do Campo busca resgatar essas dimensões sócio-
políticas, envolvendo os sujeitos educativos em uma distinta forma de organização
do trabalho pedagógico e do trato com o conhecimento, apontando tanto para a
busca de processos participativos de ensino aprendizagem, quanto de ação social
para a transformação.
Nesta perspectiva, advoga princípios que sustentam tais propósitos e
estabelecem coerência com esta concepção de educação: educação para a
transformação social - vínculo orgânico entre processos educativos, processos
políticos, econômicos e cultura; educação para o trabalho e a cooperação; educação
voltada para as várias dimensões da pessoa humana; educação voltada para
valores humanistas e educação como um processo permanente de formação e
transformação humana.
Cabe salientar, que a prática pedagógica se insere no Programa Escola Ativa
em sua reformulação. No trabalho pedagógico, os princípios acima referidos se
desdobram e orientam a relação com o conhecimento ao propõem que a
aprendizagem ocorra por meio da ação humana e mediante a apropriação (criativa)
e reelaboração de conceitos.
Os conteúdos escolares são pensados para estabelecerem a relação
especificidade/universalidade e na abordagem de temas que tratam de grandes
problemas que afetam a vida cotidiana. A compreensão da linguagem e do
conhecimento se faz a partir de sua consideração como mediação do processo de
aprendizagem e de formação da mente e a busca de relações interdisciplinares do
conhecimento e conteúdos articulados com o ensino e a pesquisa pedagógica.
[...] como dimensão pedagógica, à medida que se utiliza dos fatos cotidianos, ou dos que marcaram e marcam tanto a história da humanidade como do próprio Movimento Sem Terra. Ela sugere a reflexão sobre a realidade social em que vivem, possibilitando aos que a vivenciam entender sua condição de vida e a do coletivo em que vivem, como um fato social historicamente construído.
Dessa forma a valorização do saber docente está intrínseca ao modo de
pensar a vida do educador da escola do campo, o qual, alimentado pela autoestima,
permite-se aliar o trabalho na terra ao exercício docente. Ser e fazer estão
imbricados de forma consciente na prática educativa do campo, por meio da busca
de um projeto que vem sendo construído em coletividade. Sendo assim, essa
educação possibilita-nos um entendimento do exercício docente como um fluxo
constante entre o individual e o coletivo. A construção da identidade na coletividade,
advinda de experiências diferenciadas, permite um proceder refletido nas atividades
desenvolvidas na escola e no Movimento.
O distanciamento ou a aproximação dos sujeitos da consciência orgulhosa
envolve a maneira diferente e particular de cada um exercitar a docência por meio
da prática educativa. Entende-se a prática educativa como suporte em prol do
aprendizado, imbuída de respostas a questões que envolvem o primado que
compõe a escola do campo; pensamos a escola como um lugar de formação
humana e a educação enquanto vida.
4.1 AS ESPECÍFICIDADES DO CURRÍCULO NAS ESCOLAS DO CAMPO
Para começar pensar no currículo é preciso dizer que o processo educativo
deve colaborar para o bom desempenho dos alunos frente ao mundo imediato,
viabilizando com isto a compreensão e inserção social, como também habilidades
para adquirir novos conhecimentos. Destaca-se que a escola do campo possui
particularidades específicas que fazem parte da realidade sociocultural do campo
que devem ser consideradas na sua prática curricular e é com esse olhar que
pretendemos refletir sobre o currículo para o campo.
Portanto, a inserção da educação no campo na proposta pedagógica do
estabelecimento vai além da determinação de conteúdos voltados para a educação
do campo, pois não se trata de ver o campo como um fato do passado que se
introduz na história e nem do desenvolvimento de métodos e técnicas para se
aplicar ao campo, mas da construção de uma identidade e valorização humana e
real que deve ser permeada pelo ambiente e pelas práticas educacionais,
valorizando conhecimentos, meios sociais e diferentes formas de organização,
vencendo principalmente o preconceito que se estabelece quando se julga sem
conhecer fatos, pessoas e culturas.
Essas discussões se acentuaram com o debate e a aprovação da
Constituição Federal de 1988 e da LDB, Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB 9394/96), que propõe, no artigo 28:
Na oferta da educação básica para a população rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias a sua adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente: I – conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural; II – organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas; III – adequação à natureza do trabalho na zona rural. (BRASIL/MEC, LDB 9.394/96, art. 28).
Nessa perspectiva as medidas de adequação da escola à vida do campo não
estavam contempladas anteriormente na sua especificidade. Segundo Leite (1999),
a LDB promoveu a desvinculação da escola rural dos meios e da performance
escolar urbana, exigindo da escola rural um planejamento ligado à vida rural e, de
certo modo, desurbanizado. Mesmo diante das mudanças propostas pela Lei, a
problemática ligada à escola rural permaneceu.
Dessa forma, a tarefa de sistematizar princípios norteadores para a
construção de um projeto político de educação do campo constitui desafio que deve
se pautar na reflexão a partir de uma história de lutas e discussões coletivas de
diferentes segmentos de populações exploradas, ligados direta ou indiretamente aos
movimentos sociais organizados do campo e da cidade.
Com isto, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), lei nº
9394/96, trouxe em si “avanços” e proporcionou conquistas voltadas às políticas
educacionais para o campo, mesmo que nas entrelinhas da LDB estejam os
interesses neoliberais. Santana (2006) discutindo tais interesses na LDB, diz que
“não é possível negar o neoliberalismo presente no cotidiano escolar” e acrescenta
“a subordinação da educação a valores de mercado [...]”.
Assim, o currículo é percebido como algo que se movimenta e ao se
movimentar muda de “cara”. Estas mudanças produzem novos efeitos. Estes efeitos
ajudam a construir os alunos e alunas e esta construção se aplica nos diferentes
convívios dos diferentes grupos sociais. Estas convivências também terão efeitos
sobre outros currículos que terão efeitos sobre outras pessoas. Ou seja: Nós
fazemos o currículo e o currículo nos faz. (SILVA, 1999, p.194).
Cabe salientar que é importante alguns elementos serem privilegiados na
composição do currículo: a realidade local, as religiões, as festas e outros rituais, as
relações com familiares e membros da comunidade e as relações com o próprio
corpo (a cultura local como um todo). A proposta curricular deve reafirmar o papel da
escola enquanto espaço de manifestação e da vivência da cultura, enquanto lugar
de encontro, de trocas, de vivências e convivências, com expressão das culturas
locais e gerais e, o currículo, como construção coletiva enquanto movimento
constante de proposição e reformulação de alternativas revisoras e criativas.
4.2 REFLETINDO SOBRE AS METODOLOGIAS APLICADAS POR EDUCADORES
DO SUBSISTEMA GEREBA
Escola Municipal APEAG (Associação de Pequenos Agricultores do Gereba)
fica Localizada no Município de Valença na Fazenda Una Mirim. Povoado do Gereba
da na Zona Rural do Subsistema, tendo como gestora a Diretora Ubirailda Santos de
Jesus. Funciona nos turnos matutinos, vespertino, a escola é composta por Anexo, 1
salas e 1 secretária, 1 cozinha, 3 banheiros. A estrutura física da escola é ótima, a
iluminação é boa a sala é arejada, uma ária de lazer ampla e cercada com gramas 1
diretora, 1 vice-diretora de 2 professores,1secretória, 1 coordenadora, 1auxiliares
escolar. Tendo como pasceria a Prefeitura Municipal de Valença. Na qual esta
inserida em um subestima composto por 9 escolas.
O histórico da escola APEAG, é fruto de uma luta dos agricultores assentados
agrários do Programa do Governo Cédula da Terra, composto por vinte famílias, que
sentiram a necessidade de fundarem uma escola na comunidade, pois não existia
uma escola que pudesse dar suporte aos seus filhos na localidade, sendo deslocado
para uma em que se percorria 4,5km, até chegarem ao destino, onde se percebia
que muitos ao chegarem à instituição de ensino encontravam-se cansados da
viagem, assim como era percebido pelos pais que ao retornarem encontravam-se
também esgotados da longa durabilidade da viagem no retorno a suas casas.
Muitas dessas crianças eram expostas a ações climáticas, tais como, chuvas,
sol constantes. Poeiras das estradas, altos perigos encontrados nas estradas, riscos
de mortes através de caminhões que transportam lenha da Companhia Valença
Indústria (C. V. I). Barragens na beira da estrada, uns a pé e outro muitos de
bicicletas, pois não existiam transportes para transportar essas crianças.
Dessa forma a APEAG, teve como principal objetivo suprir as necessidades
educacionais de muitos pais que estavam preocupados com os futuros dos seus
filhos, que visavam oferecer um ensino, assim como também uma escola de
qualidade que vinhesse a suprir tais necessidades. Sendo fundada, no final do ano
de 2002, onde aparentemente estudam cerca de 98 crianças, e que hoje cerca de 45
de crianças fazem uso do ensino, no seu começo funcionava em caráter dos turnos
matutino, vespertino e noturno (EJA), sendo que hoje somente funciona nos turnos
matutino e vespertino.
A escola pertence aos agricultores, tendo como parceria a Prefeitura
Municipal de Valença, tendo em seu quadro de funcionários professores, auxiliar,
concursados do referente município. A grade curricular da escola está divida em
disciplinas (Português, Matemática, História, Geografia, Ciências), tendo como
metas;
Explorar a memória coletiva recuperando o indenitário da comunidade;
Promover oficinas pedagógicas incentivando a qualificação dos educadores
por meio das ações didáticas pedagógicas;
Promover no currículo disciplinas que contemple a relação com o trabalho na
terra: sustentabilidade familiar, agricultura familiar.
Acompanhar a superação individual do aluno, mediante sua frequência e do
seu desempenho em avaliações que devem ser realizadas periodicamente;
Alfabetizar as crianças até, no máximo, os oito anos, aferindo os resultados
por exame periódico especifico;
Oferecer transporte escolar adequado e em condições satisfatória;
Sendo assim o projeto de planejamento, abre possibilidades À construção
intencionada de métodos aplicados a realidade da zona rural, consolidando desejos,
e esperanças na construção de uma prática voltada para autonomia da instituição,
baseando-se numa perspectiva de desenvolver uma ação educativa com êxito.
Neste sentido, a Escola APEAG, utliza-se de metodologias encontradas na
Escola Ativa, programa do Mec, que embasa os procedimentos metodológicos nas
escolas do campo, de mine projetos que constam no currículo da instituição tais
como, Nossa Roça, Nossas Histórias, que tem como objetivo trabalhar valorização
e a auto estima dos personagens e cultura local, incentivando estudos e resgastes
da história da comunidade, priorizando a escola como ponto de partida; Leita na
Roça, é pra lá de bom, que visa despertar o gosto pela leitura, ampliando-se no
repertorio para o trabalho com a leitura e a escrita, seja em gêneros, poesias,
parlenda locais e produções textuais; Projeto Didático Valença: Contos, Cantos e
Encantos, baseando-se na ideia de que educar é plenitude, e é preparar para viver
em sociedade, auxiliando o educando no conhecimento e nas discussões, a fim de
promover a criação de modalidades textuais transdisciplinares.
Projeto : Linha do Tempo, tendo como objetivo o registro dos relatos da vida do
próprio educando. O Projeto de Integração: A aula começa no pátio, que tem como
objetivo universalizar a educação por meio da integração social entre os indivíduos.
Dentre outros...
4.3 OS RELATOS DOS AGENTES ENVOLVIDOS NA EDUCAÇÃO DO
SUBSISTEMA GEREBA
Esta pesquisa, Educação do Campo: a busca pela identidade dos sujeitos do
campo em suas histórias de vida foi desenvolvida em uma comunidade rural,
APEAG (Escola Municipal dos Pequenos Agricultores do Gereba), no Município de
Valença/ Bahia, onde ainda encontram-se alunos que estudam em regime de salas
multisseriadas. Ressalta-se aqui que um dos principais motivos de ainda termos em
nosso município as classes multisseriadas está no fato de que alguns educados
residem nas proximidades da instituição educacionais outro distante, com séries
variadas.
Contudo foi importante observar nos depoimentos tomados através das
entrevistas, os traços referentes aos costumes dessas famílias para melhor
identificar a sua cultura e obter sinais das pegadas do caminho às suas raízes, pois
através destes elementos torna-se possível programar métodos educativos que
possam conduzir esses estudantes a assumirem as suas próprias identidades.
CORDÃO (2010) alega que o modo próprio de vida social e o de utilização do
espaço do campo são fundamentais, em diversidade, para a constituição da
identidade da população rural e para sua inserção cidadã na definição da sociedade
brasileira que é reconhecida nas Diretrizes Operacionais para a Educação Básica
nas Escolas do Campo, onde encontramos no Parágrafo Único do Artigo 2º a
afirmação de que:
A identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação às questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções exigidas por essas questões à qualidade social da vida coletiva no país. (RESOLUÇÃO 1/2002 - CNE/CEB).
Segundo Jaqueline Freire (2010), as escolas do campo foram compreendidas
como precárias nos seus desempenhos, pois não estavam vinculadas à realidade
das comunidades onde se encontravam inseridas. Freire apresenta no Plano de
Curso de Prática Educativa, o compromisso de que o PROCAMPO, através do
componente curricular da Prática Educativa precisa assumir diante dessa questão
afirmando que é preciso:
Superar concepções e práticas educativas fragmentadas e homogeneizadoras, contribuir com a ressignificação e organização da escola do campo sem confinar ação educativa apenas na escola, entendendo-a numa perspectiva mais ampla, como prática social manifestem múltiplos espaços no mundo do trabalho, na organização social e comunitária, no movimento social, na família, no lazer, etc. (FREIRE, 2010, p. 6).
Vale ressaltar que nesse contexto os educadores entrevistados corroboram
quando respondem que a identidade do homem do campo deve vislumbrar toda a
necessidade para quem vive no e do campo. Ainda de acordo, com o Educador
Estrela, o PEA (PROGRAMA ESCOLA ATIVA, 2008), as conferências realizadas em
Luziânia (GO), desde 1998, visam ancorar o homem do campo no seu próprio
espaço, aprimorando os seus saberes e respeitando cada vez mais as suas
especificidades sociais, étnicas, culturais e ambientais.
O campo não é uma projeção da cidade. O campo tem sua identidade, sua cultura, suas raízes, suas formas de pensar. O trabalho no interior produz conhecimentos, valores, cultura. A infância e a adolescência estão inseridas radicalmente nessas culturas, nessas raízes. Então tem que ser gente do campo que vem dessas raízes, dessa cultura formada para ser educador do campo, esse projeto é muito interessante, mas ainda é muito tímido. (EDUCADOR ESTRELA, 2013).
Seguindo o mesmo pensamento, o Educador Raio (2013), transcreve que é
preciso conhecer, reconhecer, resgatar, respeitar e afirmar a diversidade
sociocultural dos povos que vivem/habitam no campo e do campo, nos diversos
níveis, vários aspectos podem ser trabalhados, como por exemplo, identificar quais
os povos do campo existem em cada região e como se constitui a identidade de
cada um destes povos. É importante, ainda, identificar: as diferenças de gênero, de
etnia, de religião, de geração; os diferentes jeitos de produzir e de viver; os
diferentes modos de olhar o mundo; os diferentes modos de conhecer a realidade e
de resolver os problemas.
Ainda de acordo Fábio Josué (2012),
destaca-se ainda que o estudo das escolas rurais, suas diferentes significações no contexto social/escolar e principalmente sua identidade, organizou-se a partir de três eixos: a) os sujeitos da escola rural; b) trabalho e prática pedagógica nas escolas rurais; c) instituições escolares rurais, por meio de análise das práticas educativas, na perspectiva de contribuir com a formulação e implementação de políticas públicas voltadas para os povos que habitam o meio rural, considerando o ambiente identitário dos sujeitos que dão vida e sentidos às produções culturais próprias do mundo rural (FÁBIO JOSUÉ, 2012. p 22).
Neste sentido a educação do Campo tem relação com cultura, com valores,
com jeito de produzir, com formação para o trabalho e para a participação social no
campo, apontando-se para a construção de um currículo na Educação do Campo a
partir das necessidades comunitárias contribuindo para que as pessoas possam se
conhecer através dele, bem como saber analisar criticamente os elementos
socioculturais de fora.
A título de finalização, a Educação do Campo, diferente do modelo neoliberal
de educação, contribui com a construção de uma memória coletiva, do resgate da
identidade do homem do campo por meio da educação junto às crianças, jovens e
adultos, criando o sentimento de pertença ao grupo social ao qual a educação do/no
campo está inserida, seja nas escolas dos assentamentos, acampamentos ou nas
escolas em distritos, glebas, patrimônios, seringais ou comunidades quilombolas. A
educadora Comilo (2008) traz uma contribuição interessante sobre o resgate da
memória coletiva e o resgate da cultura camponesa, no sentido de entendermos as
dificuldades na construção da identidade do homem do campo. Afirma que,
[...] Muitas vezes o camponês recusa-se a assumir sua identidade, pois, ao longo de sua história, foi considerado como “rude” e inferior. O próprio campo é visto como um espaço inferior à cidade. A consciência de classe passa pela consciência de identidade, que, no caso aqui discutido, é a da cultura camponesa [...]. (COMILO. 2008, p. 21).
Percebemos que a preocupação pela formação da consciência, do resgate da
memória coletiva e da cultura camponesa não estão presentes junto aos
camponeses contemporâneos nem junto aos diretores e corpo pedagógico das
escolas de municípios, distritos e patrimônios de características rurais que poderiam
desenvolver projetos de educação do campo, respeitando a realidade onde estão
inseridos.
Outra fala bastante peculiar que faz referencia a este contexto, diz respeito à
fala da gestora Linda (2013), pois, a mesma trata a questão da identidade do aluno
do campo como,
sendo essencial na formação das estruturas de elaboraram o homem do campo, como um ser de memoria, raízes natas vivenciadas pelo seu cotidiano, sendo necessário que haja mudanças culturais e comportamentais. A educação do/no campo enquanto fundamento histórico recria o conceito de camponês, utilizando o “campo” como símbolo significativo, referindo-se assim, ao conjunto de trabalhadores que habita no campo (LINDA, 2013).
Contudo, na proposta da Educação do Campo torna-se importante refletir
como vincular o cotidiano da escola, o currículo, a prática escolar com as matrizes
culturais e a dinâmica do campo. Acredita-se que os professores, as professoras,
deveriam se pergunta que matrizes são estas e que raízes culturais são estas?
Como incorporá-las nos currículos, nas práticas? Como se manifestam, por quais
processos de transformação estão passando? Como defender esses valores contra
a cultura. Neste sentido, o espaço da sala de aula torna-se importante, pois o
recorte no currículo escolar exige uma especial atenção a esta identidade, afirmando
que considera-se: “[...] as escolas e seus currículos como territórios de produção,
circulação e consolidação de significados, como espaços privilegiados de
concretização da política de identidade.” (COSTA, 1999, p.38)
Nessa perspectiva, a educação do campo busca refletir pedagogicamente
sobre a maneira de educar ao assumir uma identidade e o sentimento de
pertencimento a um local/ território em que a diversidade se sobrepõe referenciando
uma população multicultural, com modos de vidas bem característicos, portanto,
implica uma educação também, distinta.
É possível afirmar que a partir das Diretrizes Operacionais, o campo, passa a
ser considerado como um espaço de inter-relação entre os seres humanos e as
práticas que constroem e reconstroem condições específicas da sua existência
social. Há nas Diretrizes uma ressignificação no entendimento do conceito campo,
na perspectiva de romper com a ideologia burguesa que subsidiada num enfoque
econômico considerava o campo como o lugar do atraso e da não cultura.
Incorporando, as reflexões acumuladas pelos movimentos sociais, um documento do
MEC intitulado Referências para uma política nacional de educação do campo
explicita que o campo deve ser concebido como:
(...) um espaço emancipatório, um território fecundo de construção da democracia e da solidariedade, porque transformou-se no lugar não apenas das lutas pelo direito à terra, mas também pelo direito à educação, à saúde, entre outros e essas lutas acabaram por colocar na pauta novas políticas culturais, econômicas e ambientais para o campo, mas não apenas para o campo (MEC, 2003, p. 31).
Por fim, levando-se em consideração estes pressupostos, é possível perceber
que existe no documento supracitado a indicação da necessidade de superação da
dicotomia campo e cidade. É preciso ter clareza de que não existe um espaço
melhor ou pior, existem espaços diferentes. Portanto, torna-se inadmissível que uma
escola localizada no campo ignore as peculiaridades da comunidade em que ela
está inserida; as práticas desenvolvidas na escola devem ter o compromisso com a
formação critica e cidadã e não com a formação de indivíduos aptos a vender sua
força de trabalho para atender as demandas do capital.
Já com relação ao corpo docente, foi constatado que a maioria possui curso
superior, e os que ainda não tem, estão fazendo graduação à distância. A maior
parte dos professores não tem laços de pertença com a comunidade em que
leciona. Nas entrevistas realizadas com diretores das escolas ficou evidente que a
maioria dos professores tem pouco conhecimento das Diretrizes Operacionais para
a Educação Básica nas Escolas do Campo e alguns nem mesmo sabem da sua
existência.
No que se refere à prática pedagógica dos professores foi possível observar
que a maioria trabalha os conteúdos numa perspectiva abstrata, totalmente distante
da realidade dos alunos e focalizada nos livros didáticos. As atividades são
desenvolvidas essencialmente em salas de aula, ignorando em sua maioria a
utilização da área externa da escola. Constatamos que as possibilidades de fazer
algo diferente e mais significativo para os alunos são ignoradas em detrimento de
uma “prática social sentada” (PISTRAK, 2003) no interior das salas de aula.
É possível afirmar que as práticas pedagógicas desenvolvidas nas escolas do
Campo são as mesmas utilizadas nas escolas urbanas: alunos enfileirados em sala
de aula; aulas focalizadas nos livros didáticos; pouca ou quase nenhuma exploração
da área externa da escola. Isso demonstra a dificuldade de se compreender que as
escolas rurais, embora pertencentes à mesma rede de ensino, tem suas
especificidades.
De acordo com Libâneo (1995),
Educação constitui-se do conjunto dos processos de desenvolvimento integral dos indivíduos que ocorrem como mediação na relação ativa do homem com a realidade natural e social e em suas relações mútua, a fim de prepará-los para exercerem atividades num determinado contexto sociocultural (LIBÂNEO, 1995, p. 83)
Portanto, educação vai além da aquisição de certos conteúdos exigidos para
alocar os indivíduos nos setores produtivos da sociedade; educação é antes de tudo
um processo de libertação que proporciona aos indivíduos se perceberem com
sujeitos históricos, produtores de conhecimentos, culturas e novas formas de
socialização.
A gestão municipal precisar ter consciência que educação urbana e rural não
pode ser concebida a partir de um mesmo paradigma. Tanto a educação urbana,
quanto a rural tem especificidades e isso tem que ser contemplado nos projetos
pedagógico das escolas. Ignorar as especificidades de ambas as escolas é
referendar o processo de exclusão e segregação de políticas educacionais. A
problemática da educação do campo precisa ser discutida permanentemente nos
bastidores políticos, nas comunidades rurais e nos cursos de formação de
professores. No que se refere à formação de professores, temos a convicção de que
a maioria dos projetos pedagógicos sofre de um equivoco crônico, ou seja, a maioria
trabalha com uma realidade fictícia, onde as contradições sociais são ignoradas. Os
cursos de graduação, principalmente os da universidade pública, deveriam assumir
o compromisso com o social e não com o mercado.
Para Arroyo, Molina e Caldart (2009), somente haverá uma educação
endereçada às singularidades dos povos do campo se, simultaneamente, existir a
construção de um projeto de desenvolvimento para o campo, que seja parte de um
projeto nacional que priorize a sobrevivência do campo na sociedade brasileira.
Acrescentam, ainda, que tal projeto deve ter como protagonistas os sujeitos e
os seus processos de produção da vida. Esse ideal tem fomentado, no âmbito dos
movimentos sociais, a luta pela garantia do direito à escola, ao conhecimento, à
ciência e à tecnologia socialmente produzida, a construção de uma proposta
pedagógica, que considere as especificidades do campo, compreende a relação
campo-urbano, à luz das ciências sociais, dos modelos de desenvolvimento e
também do pensamento educacional, que projeta o campo como espaço de
democratização da sociedade brasileira e de inclusão social de seus atores como
sujeitos de história e de direitos.
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