monografia - lívia taís b
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SOCIEDADE DE PSICODRAMA DE SÃO PAULOPONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
COGEAE2006
LÍVIA TAÍS BELLOTTO MONTEIRO
O PERSONAGEM NAS RELAÇÕES DE EQUIPE
DE ALUNOS UNIVERSITÁRIOS -
UMA LEITURA SOCIODRAMÁTICA
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SOCIEDADE DE PSICODRAMA DE SÃO PAULOPONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
COGEAE2006
LÍVIA TAÍS BELLOTTO MONTEIRO
O PERSONAGEM NAS RELAÇÕES DE EQUIPEDE ALUNOS UNIVERSITÁRIOS -
UMA LEITURA SOCIODRAMÁTICA
Monografia de Conclusão do Curso de Pós
Graduação em Psicodrama para titulação de
Psicodramatista, pelo Convênio SOPSP-PUCSP,
foco psicoterápico.
Orientadora: Profª Drª Mariângela Pinto da
Fonseca Wechsler
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Aos meus filhos, Bruno e Thaís,
grande alegria do meu existir.Ao Paulo que, de nossos folguedos
de infância, tornou-se grande amor
e companheiro nas realizações e
sonhos da maturidade.
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Agradecimentos
Ao Cosmos, pelas possibilidades abertas à minha Existência,
À minha mãe, Antonieta Bellotto (in memorian ) por me trazer à Vida,
Ao meu Pai, Newton Monteiro, farol da minha jornada,
Ao meu irmão Gaus, por acreditar em mim e me colocar, sem o saber, ao
encontro do psicodrama,
Aos meus filhos, Bruno e Thaís, que apesar de minha ausência muitas vezes
reclamada, incentivaram-me e amaram sempre,
Ao meu marido Paulo, presença leal em todos os momentos e em muitos
papéis,
À minha grande amiga, Dalma Szalontay, que esteve ao meu lado nos
instantes mais difíceis,
À minha terapeuta, Mônica Chemin, pela generosa acolhida da criança ferida
que, com seus cuidados, pode tornar-se mulher,
À minha orientadora, Mariângela Wechsler, pelo apoio, incentivo e clareza
que me deram uma base segura na elaboração desta monografia,
À coordenadora das Faculdades Radial, Márcia Thomé, cuja contribuição ao
meu papel de professora-psicodramatista foi inestimável,
Aos meus Mestres, guias nesta trajetória,
Aos meus alunos, que me ensinaram a ser professora, especialmente aos
deste trabalho, por aceitarem o desafio da descoberta,
E a todos aqueles que trilharam comigo os caminhos onde pude re-significar
minha existência.
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Voltar a Ser Voltar a Ser Voltar a Ser Voltar a Ser
Lívia Taís Bellotto Monteiro
Como é bom estar aqui.E neste grito contido no peito
Uma chama ardente a se revelar,
Sentir, permitir-me arriscar
Novas possibilidades, novos recursos,
Tele, empatia, criatividade
Espontaneidade, encontro.
No momento, é o que buscamos alcançar.
Onde o saber?
Saber esperar
Saber ouvir
Saber não saber
Onde a experiência?
Do passado...
Só transformada, atualizada, comprometida,
No aqui e agora
Nesta longa jornada
Todo desvio trouxe riqueza maior.
A cada hora de espera
Desencontros, vida, recomeço.
Enfim a descoberta,É preciso ter coragem e seguir.
Enfrentar os perigos da floresta,
Percorrer caminhos sem frestas,
Rever valores do querer.
Cooperar, unir-se, respeitar: amar.
Olhar no olhar do outro.
E nesse olhar, me encontrar.
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SUMÁRIO
RESUMO
ABSTRACT
I INTRODUÇÃO ..................................................................................................9
II FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ..................................................................15
II.1 O HOMEM-MITO: JACOB LEVY MORENO ........................................................... .......... 15
II.2 PLANO FILOSÓFICO...................................................... ................................................. 19
II.3 PLANO CIENTÍFICO ...................................................... ................................................. 26
II.4 GRUPOS: SOCIOGENESE E SOCIODINÂMICA ......................................................... .......... 35
II.5 PERSONAGEM E FUNCIONALIDADE DO GRUPO ................................................... .......... 39
III FUNDAMENTAÇÃO METODOLÓGICA ..................................................44
III.1 PROCEDIMENTO DO TRABALHO ....................................................... ............................. 44
III.1.1 SOBRE OS SUJEITOS ............................................................ ....................................... 44
III.1.2 SOBRE AS SESSÕES ................................................... ................................................. 44
III.1.3 SOBRE O FOCO DO TRABALHO PRÁTICO E O FOCO DA LEITURA DESTE TRABALHO ..... 45
III.2 A PRÁXIS PSICODRAMÁTICA ........................................................... .............................. 45
III.2.1 CONTEXTOS .............................................................................................................. 46
III.2.2 INSTRUMENTOS ........................................................ ................................................. 47
III.2.3 ETAPAS ..................................................................................................................... 51
III.2.4 O MÉTODO SOCIODRAMÁTICO..................................................... ............................. 54
III.2.5 AS TÉCNICAS UTILIZADAS ........................................................... .............................. 57
IV APRESENTAÇÃO DAS SESSÕES ...............................................................61
IV.1 PRIMEIRA SESSÃO: “EQUIPE NA FLORESTA: O BOM E O MAU COMO PERSONAGENS
CONSERVADOS” .................................................................................................. .......... 61
IV.2 SEGUNDA SESSÃO: “NA REUNIÃO DE EQUIPE: A DANÇA DOS PERSONAGENS” ............... 68
V DISCUSSÃO: REFLEXÕES SOBRE O VIVIDO .......................................81
VI CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................90
VII REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...........................................................95
I
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O PERSONAGEM NAS RELAÇÕES DE EQUIPE DE
ALUNOS UNIVERSITÁRIOS -
UMA LEITURA SOCIODRAMÁTICALÍVIA TAÍS BELLOTTO MONTEIRO – 2006
RESUMO
Esta monografia teve como objetivo realizar uma reflexão a partir do foco
psicoterápico, de uma intervenção sociodramática nas relações entre alunos
participantes de um trabalho em equipe na disciplina de Planejamento e Gestãode Projetos, para o Curso Superior de Tecnólogo em Gestão de Recursos
Humanos.
Foram realizadas duas sessões sociodramáticas em sala de aula,
mediadas por um contrato sócio-educacional. Estas sessões permitiram uma
melhor integração da turma a partir do estabelecimento de um número maior de
vínculos entre seus membros, ampliando as possibilidades, quer de escolhas
sociométricas, quer de sociodinâmicas mais adequadas.
Observou-se que, no decorrer do curso, houve uma transformação, tanto
por parte dos alunos como da professora-psicodramatista, no modo de vivenciar o
processo de construção do conhecimento, partindo-se de uma sensação de caos
para uma forma mais organizada, no estabelecimento dos papéis nas relações de
ensino-aprendizagem.
A partir do reconhecimento das semelhanças e diferenças entre seus
membros, puderam emergir os personagens simbólicos vividos pelos alunos em
sua participação nas equipes de trabalho. Estes personagens, que em um
primeiro momento se apresentavam conservados, puderam desenvolver-se no
sentido de apropriarem-se de sua condição humana, que precisa arcar com o
saber e o não saber, com a crítica e a tolerância, com o bom e o mau.
Esta condição trouxe ao grupo a perspectiva de co-responsabilidade, no
fluir espontâneo e criativo de suas ações no mundo.
Palavras-chave: Psicodrama. Equipe. Grupo. Personagem.
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THE PERSONAGE IN TEAM RELATIONSHIP OF
UNIVERSITY STUDENTS -
A SOCIODRAMATIC READING
LÍVIA TAÍS BELLOTTO MONTEIRO - 2006
ABSTRACT
This monograph has the objective to make a reflection, with a
psychotherapic view, of a sociodramatic intervention in the relationship among
students involved in team work in the discipline of Project Planning andManagement, for the Under Graduation Course of Technology in Human
Resources Management.
Two sociodramatic sessions, mediated by a socioeducational contract, were
conducted in classroom. As a result of those sessions a strong integration of the
group was obtained, due to the establishment of a large number of connections
among its members, extending the possibilities of better sociometric or
sociodinamic choices.
During the course a transformation was observed, either in the students
either in the psychodramatist-teacher, in the way the process of knowledge
construction was experienced, starting with a chaos sensation and converging to a
more organized form of role definition in the teach-learning relationship.
From the recognition of the similarities and differences between its
members emerged the symbolic personages played by the students in their
participation in the work teams.
Those personages, who at first remained preserved, were able to develop
themselves to appropriate their human condition that needs to deal with the
knowing and not-knowing, criticism and tolerance, good and bad.
This condition brought to the group as a whole the perspective of co-
responsibility, in the spontaneous and creative flow of its actions in the world.
Key Words: Psychodrama. Team. Group. Personage.
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I INTRODUÇÃO
DIÁRIO DE BORDO
No caminho para o cursinho, da janela do ônibus observava os transeuntes
e questionava o que se passaria na “cabeça” de cada um deles. O que
pensavam? Que problemas viviam? Para onde iam e com que intenção?
Meu coração batia mais forte e me angustiava. Queria compreendê-las,
entrar lá no fundo da alma dessas pessoas desconhecidas. Certamente, esse
movimento faria com que aqueles rostos se iluminassem e deixassem desimplesmente fazer parte da multidão disforme.
Eu não sabia, mas hoje sei... Ao procurar a alma, buscava aquilo que
realmente torna cada um de nós, um ser singular.
Creio que este seja meu projeto pessoal. O que faz com que sejamos
todos, tão diferentes, e ao mesmo tempo tão iguais? Nossos sonhos e desejos
apontam para a felicidade, enquanto que nossas ações, muitas vezes submersas
nas cenas dramáticas de nossas vidas, nos impedem de enxergar o sol, quenasce logo ali.
A Vida, cheia de possibilidades, acena com um mergulho no imenso mar
das relações humanas, das quais tentamos extrair o alimento, a nutrição para
nossas existências. Mas a superfície revolta nos convida a ir mais além, nas
profundezas do oceano de nossas motivações e passamos então a investigar,
quando a turbulência nos permite, um cenário cheio de riquezas, de uma
diversidade encantadora e ao mesmo tempo temível e ameaçadora.
Hoje, sinto-me munida de equipamentos próprios, que me dão segurança
de poder caminhar por entre a multidão, com um olhar que me possibilita ajudá-la
a “vir a ser”.
Meu percurso profissional, desde minha formação no Instituto de Psicologia
da USP, em 1987, foi marcado por muitas mudanças. Comecei atuando em
consultório. Três anos depois, mudei de cidade. Em Três Rios, cidade do interior
do Rio de Janeiro, tornei-me administradora de uma empresa de informática.
Nesse período, trabalhei com recrutamento e seleção, consultoria de sistemas de
informática, departamento financeiro. Eu ia por onde a vida me conduzisse.
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Oito anos depois, voltei para São Paulo, e a vida continuou me levando.
Nesse momento, o desejo por um mestrado em Psicologia ficou semente,
suportando dentro de si a essência da minha singularidade. Fui aprender a ser
uma profissional da área de sistemas da informação e aí, eu creio, comecei a
compreender o sentido daquilo que conheci na faculdade, como identidade
profissional.
Mas meu projeto de vida não estava na frente das máquinas. Então, a
emoção que eu não vivia como analista de sistemas, fui procurar no trabalho com
grupos religiosos. Pessoas que sofriam e vinham em busca de ajuda. Demorei
muito tempo para perceber que essas pessoas procuravam ajuda divina,
enquanto que, o que movia meu coração, era fazer com que percebessem que asrespostas que buscavam estavam dentro de si mesmas, do Deus que habita
dentro de cada um de nós.
Até que um dia...
Descobri que minha realização pessoal estava em outro lugar,
provavelmente na psicologia, minha profissão de origem, da qual eu havia me
afastado, porém nunca me desligado.
A Vida novamente me respondeu e, através de um curso de teatro,preparei terra fértil e iniciei com decisão a busca pelo Meu Caminho. Esse foi o
momento em que eu, de verdade, comecei a me apropriar do meu desejo, dos
meus sonhos, do alimento emocional que nutre minha alma. Encontrei o
Psicodrama dentro de uma especialização latu sensu , que me permitiria voltar a
sonhar com a psicologia e com o mestrado.
Na entrevista, o primeiro dilema: psicoterápico ou sócio-educacional?
Minha experiência profissional estava toda voltada para o mundo das empresas, eminha paixão, para o mundo interior das pessoas. Escolhi a paixão!
E lá fui eu, com a cara e a coragem, para o grupo dos psicoterapeutas.
Dois anos depois, primeira aula de orientação da monografia. Olha o dilema ali,
novamente.
Hoje, continuo trabalhando como analista de sistemas parte do tempo, mas
atuo também como professora de um Curso Tecnólogo em Gestão de Recursos
Humanos. Embora já tenha atuado como psicóloga clínica, a retomada deste
papel encontra-se em processo de amadurecimento. Gosto de lecionar, de
trabalhar com grupos.
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Mônica, socorro! Minha terapeuta estava ali como sempre, e discutimos
longamente sobre o sócio-psi. Eu queria trabalhar com o socius , mas meu olhar
apontava para a intrigante teia das relações, para o locus de cada indivíduo no
grupo. O drama individual, a lógica afetiva de conduta construída ao longo das
diversas fases da Matriz de Identidade, as cenas transferenciais cruzando o
cotidiano grupal, o fervilhar das emoções inerentes às possibilidades de vínculo
afetivo, liderança, pertencimento, exclusão, aceitação, rejeição.
Acabei de perceber que meu desenvolvimento profissional como
psicodramatista está cercado de “M”s. Mônica (psicoterapeuta), Márcia Batista e
Marilia (Coordenadoras PUC), Mariângela (Orientadora), Márcia Tomé
(Coordenadora da Faculdade Radial).Todas estas Mulheres entraram em cena neste processo, e cada uma em
seu papel foi marco importante para a continuação do meu percurso. Entendo que
esta monografia seja uma oportunidade para que se realize a integração do sócio-
psicoterápico dentro de mim.
Na segunda aula de orientação tive a oportunidade de apresentar meu
projeto de monografia. Minha inquietação era grande. Meu grupo de orientação
era formado em sua maioria por colegas do sócio-educacional. Psicólogas,apenas eu e mais uma colega.
Percebo que essa possibilidade de ter um olhar diversificado entre sócio e
psicoterápico é imensamente confortadora para mim.
Apresentei as possibilidades que eu estava vendo para a realização de
uma vivência como psicodramatista. Grupos de terapia tematizada? Grupos de
alunos? Como resultado da aula, começo a delinear o objeto de estudo da minha
monografia e ganho como lição de casa, a tarefa de “olhar” na terapia minhascenas temidas, em relação ao fato de ser professora-diretora de psicodrama, na
faculdade onde dou aula.
Na Faculdade Radial, lecionava em uma disciplina denominada Projeto
Integrado. O objetivo desta disciplina é promover, através de um projeto teórico-
prático, a integração dos conceitos dados em sala pelas diversas disciplinas do
módulo a partir da elaboração de um projeto de recursos humanos em uma
empresa ou organização.
Nesta disciplina, os alunos devem se reunir em grupos para a realização do
trabalho. Havia ministrado aulas por um ano nesta disciplina e tive a oportunidade
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de acompanhar a formação e a desarticulação de diversos grupos. Grupos que já
vieram juntos de outros módulos e conseguiram um bom nível de produção
conjunta, grupos onde alguns elementos trabalham e outros não – estes
invariavelmente se mantêm juntos dentro do semestre, mas se desarticulam no
próximo, quando seus elementos integram outros grupos para enfrentarem muitas
vezes dificuldades semelhantes, e de elementos que flutuam de grupo em grupo,
parecendo nunca conseguir encontrar “seu lugar” em grupo nenhum.
Em 2006, estava tendo a oportunidade de orientar um grupo de setenta e
seis alunos de primeiro ano do primeiro módulo. Uma pequena multidão de
pessoas que não se conheciam e que formaram grupos para o desenvolvimento
de um projeto.Um papel novo – o de aluno universitário; uma profissão nova – Gestores
de Recursos Humanos; um grupo novo – setenta e seis seres desconhecidos;
uma professora nova – eu lecionando no primeiro módulo pela primeira vez. Ou
seja, um verdadeiro caos!
Minha vivência com o primeiro módulo, por um bom tempo, foi a de uma
busca por um ritmo comum. Comecei dando a parte teórica de metodologia de
projetos e aliei esta à realização do planejamento do projeto que eles deveriamdesenvolver para a conclusão do módulo. Diante da angústia deles em “não saber
fazer”, resolvi dar uma aula “estruturada”, e passei um exercício, com grande
parte desse planejamento pronto. Depois, orientei os grupos separadamente. Em
seguida, passei dois filmes, para que eles compreendessem melhor o assunto.
Mas minha sensação de caos continuava. Por mais que eu fizesse, nunca
era suficiente. Na entrega do primeiro trabalho, verifiquei que alguns grupos
realizaram um bom trabalho, outros, trabalhos razoáveis. Poucos grupos aindanão haviam compreendido a tarefa. Então, nem tudo estava perdido!
As aulas prosseguiam, e à medida que os alunos foram se tranqüilizando
em relação às tarefas a serem cumpridas, começaram a surgir questões
relacionadas à formação dos grupos. Alguns se consolidaram, outros racharam,
mas a maioria continuou levando.
Os alunos me procuravam, ora para sanar dúvidas do projeto, ora para
reclamar. “Professora, assim não dá! Vou fazer minha parte, mas do grupo só
dois trabalham. O resto, cada um com seus problemas pessoais, não faz nada” .
“Professora, posso mudar de grupo? Desse jeito não dá. Aquelas meninas
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brincam o tempo todo”. “Professora, resolvemos formar um novo grupo”.
“Professora, esse grupo não vai dar certo, só eu trabalho. Mas combinamos que
iríamos juntos até o fim, fosse como fosse”.
A questão do Grupo e o tema “Trabalho em equipe” acenava com uma
possibilidade de compreensão a partir do projeto socionômico de Moreno, que
entende o homem como um ser em relação.
Paralelamente ao meu trabalho na faculdade, prosseguiam as aulas do
curso de formação em Psicodrama.
Em supervisão discutíamos sobre sessões psicodramáticas mais ou menos
“estruturadas”, sobre o sentido de propor temas para sessões abertas. Eu,
particularmente, não sei se a questão é ter um tema ou não. Para mim, a questãoé se o diretor planejou a sessão e, caso não o tenha feito previamente, se ele
soube conduzi-la de modo que ela fluísse do aquecimento inespecífico ao
específico e deste à dramatização. Não acho que as dramatizações tenham que
ter um final feliz, mas gosto quando é possível fazer-se uma leitura adequada do
movimento do grupo e do protagonista, a partir do tema proposto, mas não
aprisionado nele.
A supervisora comenta que um diretor de psicodrama deve ter acapacidade de suportar o caos. E passei então a refletir novamente sobre meu
“grupo” de primeiro módulo, que neste momento é apenas um aglomerado de
pessoas, vivendo uma sensação de caos enquanto busca construir um projeto
comum.
À tarde, neste mesmo dia, Ato Socionômico. O tema, Teatro Espontâneo. A
missão? Enfrentar o caos da vida, o novo, o não planejado. Cenas surgem no
momento em que o indivíduo pode se apropriar dos estímulos que lhe chegam àsmãos, brincar com eles e interagir com o outro, sem se perder de si mesmo.
Muitas cenas da minha vida se entrecruzaram com cenas de outras vidas,
naquele palco. Frases soltas, solilóquios que se concatenavam dando sentido às
nossas cenas pessoais.
E uma cena me veio à mente: meus alunos, caminhando pela sala de aula,
pensando alto suas angústias, tensões, medos, expectativas, confusões...
Surge então uma vontade grande de realizar uma intervenção no grupo.
Perguntava-me como cada aluno estaria vivendo esse momento? Como estariam
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se sentindo em relação ao pequeno e ao grande grupo? E quanto à professora e
à disciplina?
Meu primeiro propósito era o de investigação. Como ajudá-los a suportar o
não saber? Queria diminuir a angústia do grupo, para que confiassem mais em si
mesmos e se abrissem ao processo de aprendizagem.
Ao prestar mais atenção em mim, percebi que o tema “caos” voltava à tona.
Como professora precisava também suportar as dificuldades naturais do caminho
da aprendizagem. Percebi que, embora muitas vezes eu também me sentisse
fazendo parte desse mesmo mar turbulento, estava no leme daquele barco, mas
não podia me responsabilizar sozinha por isso. Os alunos eram a minha
tripulação e cabia a cada um fazer a sua parte.Este trabalho de monografia nasce, então, como proposta de reflexão a
respeito do trabalho em equipe, partindo dos critérios de escolha de seus
componentes, passando pela tomada de consciência das diferenças individuais,
em função dos respectivos personagens assumidos pelos alunos no palco
dramático, como fator de agregação/desagregação do grupo.
Sua justificativa baseia-se na constatação das dificuldades que os alunos
encontram na formação e percurso do grupo, tal qual foi comentadaanteriormente.
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II FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
II.1 O Homem-Mito: Jacob Levy Moreno
O homem deve tomar seu próprio destino e o do universo em suasmãos, no âmbito da criatividade, como um criador. (Moreno, 1947p. 21)
A referência bibliográfica para este tópico foi a obra de Marineau (1989).Em 1889 nasce Jacob Levy Moreno, um cidadão do mundo, como ele
mesmo se denominou justificado em sua perspectiva pessoal por sua verdade
poética e psicodramática.
Profundamente identificado com os judeus sefardins, seus ancestrais,
recapitulou 400 anos da história desta comunidade e de sua família e recriou a
estória de seu nascimento, em um navio “sem bandeira”, que cruzava os mares
da Romênia.Filho de Moreno Nissim Levy e Paulina Iancu, fruto de um casamento por
conveniência, a vida de Moreno é apresentada como tendo sido profundamente
marcada pela difícil relação conjugal de seus pais, pelas incertezas e sofrimentos
da mãe e pela ausência paterna devido às viagens constantes, o que, mais tarde,
lhe permitiria o estabelecimento de uma nova dinastia.
Na infância e adolescência de Moreno, episódios importantes viriam a
influenciar decisivamente seu modo de estar no mundo.Certa vez, uma cigana ao recomendar um tratamento para Moreno-criança,
acrescentou: “Chegará um dia em que esta criança se tornará um grande homem.
Chegará gente de todo o mundo para vê-lo. Ele será homem sábio e bondoso” (p.
29). Esta profecia cumpriu-se ao longo da vida de Moreno, vindo a ter seu
fechamento ao final de sua vida, quando acorreram para vê-lo em seus últimos
dias, pessoas de todas as partes do globo.
Aos quatro anos e meio, episódio em que Moreno representa Deus,
subindo ao topo de uma pilha de cadeiras, cercado de seus “anjos”, as crianças
do vizinho, teve seu desfecho com a quebra de um braço ao tentar “voar”. Este
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fato remeteu-o ao questionamento da indestrutibilidade de Deus e de suas
próprias forças.
Um pouco mais tarde, aos 14 anos, a visão de uma estátua de Jesus Cristo
iluminada pela luz da lua, onde o desejo do jovem Moreno fê-la parecer falar,
levou-o a decidir sobre o futuro curso de sua vida, onde ele tomaria por família a
Humanidade inteira.
Uma profecia, uma queda e uma visão identificam nosso mito com os
aspectos “divinos” de sua personalidade, com sua missão e finalmente com o
Universo. Aspectos que, segundo o próprio Jacob, tratam de uma megalomania
que permite ao homem reconhecer-se a si mesmo como capaz de realizar fatos
extraordinários.Na juventude, Moreno torna-se um rapaz revoltado e deprimido pela
separação dos pais, tendo atitudes não convencionais e provocativas, marca que
o acompanhou durante toda sua vida.
Ainda segundo Marineau (1989), sua busca mística e espiritual permeou
esta fase da sua existência, influenciada pelo judaísmo e pelo cristianismo, tendo
fundado junto com Chaim Kellmer, “a Religião do Encontro” e uma comunidade.
Posteriormente fundaria também a “Casa do Encontro”.Desde esta época, para Moreno, a ação deveria preceder a discussão e
sua vida seria um testemunho de suas crenças.
No período de estudante de medicina na Universidade de Viena, Moreno
também desempenhou os papéis de professor, contador de estórias, vindo a
envolver-se com crianças, com teatro, com um grupo de prostitutas e com os
refugiados do campo de Mittendorf, experiências que fundamentariam a criação
Moreniana.Indo morar em Bad Vöslau, como médico-chefe de uma indústria têxtil
local, Moreno conheceu Marianne, sua Musa e sem dúvida, importante fonte de
inspiração.
Nesta época, é importante contextualizar Moreno vivendo no ambiente
político e social de Viena do final do séc. XIX e início do séc. XX, com o
desenvolvimento das artes, impulsionado pelo movimento expressionista e com a
psiquiatria marcada pelo advento da Psicanálise, de Sigmund Freud.
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Com o auxílio de Marianne, Moreno deu início às experiências precursoras
do método psicodramático, como o caso Bárbara-George, tendo criado o “Teatro
Recíproco” e posteriormente, o “Teatro Espontâneo”.
As publicações de Moreno revelam uma reintegração do aspecto místico
de sua personalidade, especialmente com “As palavras do pai”, em 1920. Na obra
“O Teatro da Espontaneidade” em 1924, Moreno lançaria as bases da
Sociometria, da Psicoterapia de grupo e do Psicodrama.
A partir de sua emigração para os Estados Unidos inicia-se uma nova fase
da vida de Moreno.
Moreno deixa para trás a Áustria, seu pai e Marianne...
Neste momento, pode-se observar que Moreno está em transição para umnovo modo de vida, mas ainda tem a expectativa de manter estruturada sua vida
na Europa, através de Marianne.
Na busca de apoio para seus novos projetos, Moreno faz um casamento de
conveniência, visando à obtenção de visto de permanência nos EUA. Ao final de
um período de cinco anos e muitas dificuldades, Moreno consegue o visto, rompe
com Marianne, divorcia-se e certifica-se médico em Nova York.
A vida pessoal e o percurso profissional de Moreno estiveram semprevinculados. Moreno foi em busca de uma nova Musa, uma mulher que fosse
capaz de amá-lo “física e espiritualmente”, e que se tornasse sua parceira de
ideal e de trabalho.
Após o casamento com Florence Bridge, com quem teve uma filha
chamada Regina, Moreno conhece Celine Zerka Toeman, que se tornaria sua
musa e parceira, uma pacificadora, além de sua futura esposa.
Em 1948, Moreno divorcia-se de Florence e casa-se com Zerka, trinta anosmais nova, com que tem um filho, Jonathan.
Com a ajuda de Zerka, Moreno põe em prática seu sistema filosófico, nos
anos mais criativos de sua vida.
Elabora a sociometria à luz da filosofia expressa em sua obra “As palavras
do pai”. A tônica do trabalho de Moreno é feita sobre o desenvolvimento do
indivíduo e do grupo, utilizando o próprio grupo para tratar e desenvolver as
relações interpessoais. A Sociometria surge como um novo método a partir do
trabalho com um grupo de prisioneiros da prisão de Sing Sing, complementado
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pela sua atuação na Escola Hudson (nos E.U.A) para moças, onde passou a
atuar de forma terapêutica.
Fazem parte deste processo as obras de Moreno: “O teatro da
espontaneidade” em 1923 e “Quem sobreviverá?” em 1934, assim como a
fundação de periódicos, que vêm alavancar o desenvolvimento e a divulgação da
Sociometria.
A elaboração das técnicas do Psicodrama foi realizada no contexto da
psicoterapia de grupo, passando pelo Teatro do improviso, pelos enfrentamentos
com a psicanálise, a criação de institutos, sociedades e associações, onde o
Psicodrama fosse ensinado, desenvolvido e vivenciado. Um dos momentos mais
importantes de sua vida foi a aquisição de uma propriedade em Beacon em 1936,que, transformada em sanatório, tornou-se um importante centro de tratamento e
pesquisa de seus métodos.
Neste período, Moreno pôde dedicar-se mais a seus escritos, deixando
livros e artigos para serem ‘decifrados’ pelos seus adeptos. Isto porque as
dificuldades nas leituras de Moreno, pela falta de unidade e sistematização,
parecem ser consenso entre todos aqueles que se dedicam ao estudo de sua
obra.Chama a atenção o aspecto da divindade na vida e na obra de Moreno,
sendo apresentado por Marineau (1989) como um peregrino que, tomando como
modelo o papel exercido por Jesus, faz diversas viagens a fim de expandir e
consolidar sua obra.
Os últimos vinte anos da vida de Moreno foram de intensa atividade,
sempre contando com o apoio inestimável de Zerka, e reservaram para o criador
do psicodrama o reconhecimento de quantos tomaram contato com suas idéias e,por que não dizer, foram por elas grandemente beneficiados.
Nos derradeiros dias de sua vida dá-se o cumprimento da profecia de uma
velha cigana que falava de um homem bom e generoso, que seria visitado por
pessoas do mundo todo, quando Moreno foi envolvido pelo carinho de sua
“família biológica e psicodramática” (p. 162).
Se, por um lado, o mito Moreno pôde colocar toda a sua habilidade,
criatividade e espontaneidade a serviço de suas idéias e ideais, este mesmo mito
não se isentou de uma vida “mortal”, de um “estar no mundo” como qualquer
outro ser humano, com seus conflitos, ambigüidades e buscas.
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Talvez e provavelmente por isto mesmo, por ter tido a coragem de ser e
estar no mundo espontânea e criativamente, Moreno tornou-se um mito, agindo
sempre segundo seus próprios critérios, segundo sua própria verdade poética e
psicodramática.
A luta, a persistência e as escolhas de Moreno levam-nos a refletir sobre
nossas lutas, sobre a necessidade de novas escolhas e mudanças de
paradigmas, na busca por re-significar nossa própria vida.
Moreno arriscou-se, ousando fracassar para aprender e re-aprender. Aos
37 anos, muda de país e recomeça. Mas, internamente, apenas deu continuidade
à trajetória que havia traçado para si, desde o momento de sua identificação com
o “Cristo”, quando andava pelas ruas de Chemnitz.Apontado como megalomaníaco, ousou sentir-se criador e co-criador, e
sua vida refletiu seu compromisso com a criação divina. Citado como criador de
conflitos, libertou mentes e corações, revelando o homem como protagonista de
sua própria existência.
Moreno fez de sua vida e de sua história, uma ação contínua no sentido da
busca pela verdade. Deixa-nos como herança o grande desafio de reconstruir as
bases de sua obra. Desafio este que, no meu entender, extrapola as questões dasistematização de sua base teórica, e vai ao encontro da superação de nossos
limites, na luta pela transformação do mundo.
II.2 Plano Filosófico
O homem é o ser do valor, é o ser a partir do qual os valores vêmao mundo.
Jean Paul-Sartre
Em uma breve incursão pelo campo da ética, encontraremos os termos,
ética e moral, sendo utilizados de modo distinto em nosso cotidiano. Ética indica
normalmente valores universalmente aceitos, tratados independentemente do
contexto histórico e social. Já a moral tem o peso das normas e regras queimpõem restrições ao comportamento, principalmente os de ordem sexual.
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Do ponto de vista da origem etimológica, ética e moral têm raízes
semelhantes, indicando, segundo o dicionário Michaelis (1998):
Ética (sf) – parte da filosofia que estuda os valores morais e princípios
ideais na conduta humana. É a ciência normativa que serve de base à filosofia
prática (...).
Moral (sf) – parte da filosofia que trata dos atos humanos, dos bons
costumes e dos deveres do homem em sociedade e perante os de sua classe.
Conjunto de preceitos ou regras para dirigir os atos humanos segundo a justiça e
a equidade natural (...).
Ao longo da história da filosofia, desde Sócrates, passando pela Idade
Média, até os filósofos contemporâneos, ética e moral têm sido objeto deprofundas reflexões. Discute-se a natureza do bem moral, a busca da felicidade, a
aquisição das virtudes, a santificação do homem, liberdade, dever, desejo,
responsabilidade.
Só é possível falar em ética quando se pressupõe a possibilidade de
escolha. E escolha implica liberdade de ação. O campo da ética situa-se entre o
determinismo absoluto (A Vontade Divina) e a liberdade total (Nossos Desejos). A
partir do século XIX, a discussão em torno da liberdade torna-se o foco central daargumentação em torno da ética.
No século XX, as filosofias existencialistas trazem a liberdade como opção
voluntária ao bem, colocando o sujeito como construtor de si mesmo, responsável
por suas escolhas. No existencialismo, liberdade e responsabilidade estão na
base da ética.
Pensar na ação psicodramática remete-nos necessariamente ao
existencialismo, não no sentido de escolher guias, mas de compreender as basesfilosóficas a partir das quais a ética moreniana foi construída (Brito in Almeida,
2002). Segundo Cesarino (2002) “... o fazer é a concretização de uma forma de
pensar, bem como em psicoterapia (se a função é restaurar a confiança e
devolver a dignidade ao paciente) a ética é indissociável da prática”. (in Almeida,
p. 83)
Moreno procura transcender a teoria da ética através da ação, onde o ser
humano é o construtor de sua própria ética.
Para Moreno (1946), a revolução criadora foi iniciada como um modo novo
de avaliar nosso sistema de valores. Moreno considera a revolução criadora como
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uma guerra contra o produto acabado e imutável, que ele denominou de conserva
cultural, na medida em que esta bloqueia o processo criador da alma, suprimindo
a espontaneidade.
A ética psicodramática [...] não é um posicionamento conservadorque se repete como fórmula ou hábito [...]. Sempre aberta,procurará exercitar [...] a dialética do bem e do mal, estará sempreem movimento espontâneo e numa dinâmica criadora; superandoo binômio permissão-interdição [...] se dedicará à transformaçãodo homem [...] para se opor à robotização, à rotina intelectiva, ao
desamor e à destrutividade (Almeida, 1991, p. 71-72).
No método psicodramático, a dramatização das aspirações morais do
psiquismo individual e coletivo (verdade, justiça, beleza, piedade, perfeição,
eternidade, paz) tem uma função libertadora, em que a vontade desvelada
reconduz o sujeito a si mesmo. “Em sentido amplo, todo psicodrama e toda
psicoterapia de grupo moreniana é um axiodrama”. (Gonçalves in Almeida , 2002,p. 60)
Ao buscarmos os marcos de referência da filosofia de Moreno,
encontramos uma vertente “existencial”. Moreno não coloca a Filosofia
Existencialista como um referencial de sua visão de homem, mas as citações de
Moreno a Kierkegaard demonstram uma “afetuosa cordialidade” . (Martin, 1978, p.
20)
Muito embora a filosofia existencialista de Kierkegaard trate de elementoscomo o horror, a necessidade, a angústia e o pecado, e em contraposição
encontremos em Moreno uma visão otimista, porque fundamentada na idéia do
homem como gênio criador, podemos fazer um paralelo entre ambos, a partir do
fato de que se preocupam com uma existência autêntica e vivida, como possível
de ser alcançada pelo homem.
No existencialismo, a porta de acesso à análise da condição humana é a
experiência da angústia. Esta pode ser concebida de três maneiras distintas:
angústia em relação à simples realidade da existência, em relação à
individualidade (particularidade) humana e ainda em relação à liberdade humana.
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Segundo Sartre, “o homem está condenado a ser livre” . Esta expressão
revela a chamada angústia de liberdade. É a angústia decorrente do fato de que o
indivíduo é obrigado a optar. Aníbal Mehzer (1996) propõe que “Viver implica em
eleger, eleger implica em perder e perder implica em sofrer” (p. 1).
O homem procura, portanto, fugir à angústia de optar delegando a outrem
(ao Estado, à opinião pública ou ao grupo social de que faz parte – qualquer
figura de autoridade) a prerrogativa de tomar decisões em seu lugar. (Olson,
1962)
Mas abrir mão de sua condição de escolher, no existencialismo, é
semelhante a abrir mão de sua condição humana, e conseqüentemente, de sua
liberdade. A liberdade de escolha significa autonomia de escolha, e a autonomiade escolha, escolha não determinada. Escolher então significa atribuir-se a si
mesmo a responsabilidade de viver. Liberdade é responsabilidade e ao mesmo
tempo, compromisso consigo mesmo, compromisso com nossa condição
humana.
Para os existencialistas (Olson, 1962), toda ação humana deve ser sempre
interpretada como uma reação ao status quo e uma tentativa de estabelecimento
de uma nova ordem das coisas. Isso equivale a dizer que a ação humana se dáno reconhecimento de um estado atual insatisfatório em contraposição ao outro,
ideal ou mais satisfatório. Nessa situação o homem está submetido à experiência
de angústia, porque se vê frente a frente com a necessidade de escolha. Para
Sartre o universo não teria sentido se o homem não lhe desse significado através
de um ato incessante de escolha.
Moreno (1959a) coloca uma das poucas referências ao assunto:
A angústia e a ansiedade são determinadas cosmicamente, e omedo, pela situação. A angústia é provocada por uma fomecósmica de manter a identidade com todo o universo (talvezrecriar a identidade original da criança) (p. 231).
Aqui Moreno refere-se à inversão de papéis, como resposta a uma “fome
cósmica” , cuja função seria a de reter idéias ou sentimentos de outros seres,
como uma possibilidade de expansão do eu (adição destes sinais à força do eu)
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ou confirmação do eu (encontrar identidade com seu eu). A impossibilidade de
inverter papéis com determinados organismos daria origem ao medo.
Essas angústias são provocadas pela exigência de se transformarem um destes seres como a única e definitiva segurança depossuir identidade com eles. A fome cósmica da criança aspira auma realização “mundo” (Moreno, 1959a, p. 231).
Moreno explica a necessidade cósmica da criança em tomar papéis como
uma forma importante de apropriação do mundo.
Bustos (2001) faz uma releitura de autores existencialistas e afirma que,
quando Moreno fala em espontaneidade, está denominando o mesmo fenômeno
referido por Kierkegaard como liberdade, entendida como expansão e auto-
conhecimento, capacidade de agir de maneira responsável (adequada) como um
eu. A angústia e a espontaneidade expressam dois lados de uma mesma moeda.
Quanto maior a liberdade potencial de um indivíduo, quanto maior for sua
capacidade criativa, maior o potencial de angústia porque está diante de diversas
possibilidades de escolha. Por outro lado, os bloqueios na área da liberdade
(espontaneidade) geram igualmente angústia. Sentir-se sem opção, sem poder
lançar mão de novas possibilidades de resposta, quando percebemos que as
respostas antigas já não nos satisfazem, ampliam a experiência de angústia,
porque sabemos que podemos escolher, mas não sabemos como fazê-lo. Está
instaurado o processo de neurose, porquanto não estamos de posse de nossos
processos espontâneo-criativos (Bustos, 2001).No entanto, vale lembrar que, na perspectiva Kierkegaardiana (Almeida,
1988), cada um fará a sua neurose, cada psicose será única, várias serão as
formas de relação com o mundo através da sexualidade, da agressividade,
inúmeros os caminhos para cura, múltiplas as vivências do encontro. Para
Kierkegaard, a angústia é uma categoria psicológica inerente à condição humana
cuja limitação não pode ser superada pela psicologia. O ser humano estaria
submetido a uma ambigüidade ontológica: vida e morte, amor e ódio, inocência eculpa, alegria e tristeza, mansuetude e agressividade. Diante da possibilidade e
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liberdade de escolha, o homem coloca-se diante da perspectiva de poder realizar-
se. Esse é o dilema em que o homem se depara com sua mais profunda
ambigüidade: amor e temor à própria angústia. Segundo Bustos (2001):
A aventura de viver nos leva a escolhas dolorosas. O medo de serlivres e conseqüentes com nossa verdade acarreta umcompromisso que nem sempre estamos em condições de cumprir.Nesse lugar entra a escolha da neurose como opçãotranqüilizante, mesmo implicando em sofrimento (p. 87).
Mas o exercício da liberdade significa poder escolher, ou seja, opor uma
nova situação a situação atual e para isso é necessário que o fluxo espontâneo
criativo esteja livre.
Neste sentido, Moreno valoriza Kierkegaard como exemplo vivo das
próprias idéias, mas coloca-o também como psicodramatista frustrado. Para
Moreno, o saber não dá ao homem condições de superar a dor e a angústia,
porque idéias não promovem mudanças. É preciso viver no drama, a partir do
corpo, a busca pela transformação.
Na sexta Conferência, Moreno (1959b) afirma:
Ser é algo que não tem fronteiras; não há limites de nascimento ede morte, estes são incluídos. Estende-se pelo espaço e pelotempo, porém centraliza-se ‘nesta’ pessoa, ‘neste’ momento e‘neste’ lugar. São inseparáveis ser e conhecer. Ser é auto
suficiente, não exige conhecimentos; mas o inverso é um absurdo.Ser é uma premissa para conhecer. Partindo do saber talvez jamais atinjamos o ser (p. 226).
Segundo Castello de Almeida (1988), a partir desta vertente existencialista,
Moreno pretendeu que cada sessão psicodramática fosse uma experiência
existencial e pudesse oferecer informação válida para uma sólida teoria
existencial. Assim vamos ver, presentes em sua linguagem, categorias básicas
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das filosofias da existência, bem como pressupostos das psicoterapias de base
fenomenológico-existencial.
Este autor propõe uma correlação entre a fenomenologia-existencial e o
Psicodrama como método.
Fenomenologia, etimologicamente, significa o estudo do fenômeno. O
método fenomenológico se define como uma volta às coisas mesmas, isto é, aos
fenômenos, àquilo que aparece à consciência, que se dá como objeto intencional.
Toda consciência é consciência de alguma coisa . Assim sendo, a
consciência não é uma substância, mas uma atividade constituída por atos
(percepção, imaginação, especulação, volição, paixão, etc), com os quais visa
algo.Husserl (1859-1938) formulou o método fenomenológico para dar ao
pensamento rigor científico. Para que um fenômeno fosse conhecido de modo
rigoroso, ele deveria: ser a priori , não conter pressupostos, ser evidente por si
mesmo.
O fenômeno puro seria aquele livre de preconceitos por parte do
observador, ocorrido antes de qualquer juízo ou reflexão e com valor universal
para todos os homens em todas as épocas.Encontramos em Husserl a base filosófica de Moreno, ao afirmar “São
inseparáveis Ser e Conhecer”, porque para este, a premissa básica é que “Ser e
Fenômeno não podem estar desvinculados ”. (Almeida, 1988, p. 24)
O fenômeno é algo “concreto”, existe por si mesmo, e será sempre
conhecido da mesma forma, pois não depende da consciência.
Ainda segundo Castello de Almeida (1988), os processos de inter-relação
entre o ser e o fenômeno se dão através da intencionalidade, intuição eintersubjetividade.
A Intencionalidade é a abertura do sujeito ao mundo, como este se
relaciona com o fenômeno, qual significado lhe confere. É a partir da subjetividade
do sujeito que são conferidos significados ao fenômeno, a partir de sua
consciência.
A Intuição , como fenômeno psíquico, é fruto da sensibilidade, criatividade e
imaginação. É anterior ao juízo ou reflexão e implica na capacidade do sujeito em
realizar uma apreensão clara e correta da “verdade”. Não existe ainda uma
definição clara do que seja intuição, como algo universalmente aceita. Mas
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recordando Moreno, seria a capacidade do sujeito em apreender sua própria
verdade, poética e psicodramática.
A Intersubjetividade seria a comunicação de consciências, na medida em
que a intencionalidade define a consciência como direção para um objeto
intencional, ou seja, para existir uma relação intencional não se prescinde de
outra consciência. Surge daí o conceito de co-consciência.
A Verdade Humana torna-se fruto da intercomunicação de consciências e
intersubjetividades. Husserl trataria a co-consciência e Moreno conceituaria co-
inconsciente. (Almeida, 1988)
No conceito de intersubjetividade articulam-se a Fenomenologia de Husserl
e as Filosofias da Existência. Na fenomenologia existencial, o estudo do ser sobrepõe-se ao estudo da consciência e introduz-se a idéia de inconsciente, sem
que este se torne mais importante que o ser .
Para Castello de Almeida (1988) o psicodrama propiciaria a inter-relação
humana a partir da ação cênica, onde a criação espontânea teria seu espaço.
Moreno ampliaria os conceitos fundamentais do método fenomenológico-
existencial através de conceitos fundamentais como Existência, Ser,
Temporalidade, Espaço, Corpo, Encontro, Liberdade, Vivências, Cura, entreoutros.
II.3 Plano Científico
“Deus é espontaneidade; portanto o mandamento é: Sêespontâneo!”
J. L. Moreno
Revelar o Deus que existe em cada um, colocando sua força criadora a
favor de si mesmo e do mundo, é a proposta de Moreno, cujo núcleo fundamental
de sua teoria encontra-se no conceito de Espontaneidade-Criatividade (Naffah,
1979).
Para Moreno (1934a ), “A espontaneidade opera no presente, agora e aqui;
propele o indivíduo em direção à resposta adequada à nova situação ou a resposta nova à situação já conhecida “ (p.149).
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Rolim (1990) aborda o conceito de adequação como sendo polêmico e uma
das constantes do pensamento Moreniano. E esclarece que adequação não pode
ser vista como conformismo a uma ordem estabelecida, pois esta conceituação
contraria o pensamento “revolucionário e criativo” de Moreno. A adequação
aproxima-se do conceito de adaptação de Canguilhen, pois se estabelece na
relação sujeito-situação, onde o sujeito se estrutura, influenciando o meio em que
vive, de onde também recolhe influências, sendo por este meio modificado.
Naffah (1979) faz uma análise crítica do conceito de adequação, uma
constante em Moreno quando se fala de espontaneidade, assim como explora o
conceito de momento, expresso na definição acima pela expressão “agora e
aqui”. O conceito de adequação é discutido, na medida em que pressupõe umarelação de exterioridade entre o indivíduo e o meio, pois não comporta uma
estrutura de relações já dadas e determinadas, onde o esforço se daria em
revelá-las e transformá-las. E só então poderíamos falar em espontaneidade.
Neste sentido, para Naffah (1979), espontaneidade seria justamente
definida como “Iluminação” pelo próprio Moreno, onde comparada “à lâmpada que
se acende e graças à qual tudo se faz distinto no aposento” (p. 36), colocaria luz
sobre a relação de interioridade entre o indivíduo e o meio.É neste momento que o velho hábito cede lugar a novas possibilidades de
ação, a partir de uma ampliação perceptiva do mundo que nos cerca.
Moreno faz constantes alusões sobre a memória ser função oposta e
antagônica à espontaneidade. Bergson, citado por Naffah (1979), diz que:
Se a matéria não se lembra do passado é porque ela repete opassado sem cessar; porque, submissa à necessidade, eladesenvolve uma série de momentos dos quais cada um equivaleao precedente e pode dele se deduzir: assim seu passado éverdadeiramente dado no seu presente. Mas um ser que evoluimais ou menos livremente cria a cada momento alguma coisa denovo (p. 50).
Ser espontâneo-criativo vincula-se à possibilidade de resgate das vivências
passadas, ou seja, da memória transformada e re-significada no presente.
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Ainda segundo Naffah (1979), a memória que resulta em ação imaginativa
é a ação espontânea. Já aquela que tolhe a ação espontânea é chamada de
memória motora.
Para Bergson (in Naffah, 1979), a ação espontânea que se opõe à ação
automática e impulsiva, própria do animal inferior, é uma ação que comporta
memória, escolha e, portanto, consciência, na medida em que a percepção é
capaz de se abrir à memória, renunciando provisoriamente à ação imediata.
O homem preso ao passado, conservado em suas possibilidades de ação,
perde a condição de atualizar suas experiências e utilizá-las para fazer frente a
situações atuais. Seu aprisionamento à repetição de cenas vividas cinde e recorta
a realidade, ficando sua percepção da realidade empobrecida.Com base no caminho acima percorrido, Naffah (1979) conceitua:
Nesse sentido, a espontaneidade jamais poderá ser concebidacomo uma relação de adequação, mas, antes, como a capacidadede reconquistar, pela ação, essa relação de interioridade e desentido que caracteriza a relação sujeito-mundo, cada vez que ela
é rompida ou cindida por uma mudança inesperada da situação.Ante uma transformação abrupta, que cega ou imobilizamomentaneamente o sujeito, roubando-lhe o sentido da situação,a espontaneidade consiste, sobretudo, numa capacidade de seabrir, perceptivamente, alargando seus horizontes espacial etemporalmente e reconquistando pela ação a continuidade desentido do mundo que se transforma; é reconquistar-se comoparte integrante e atuante numa situação; é fazer-se umapresença (p. 49).
Para Naffah a conduta espontânea é antes um esforço de abertura e
compromisso com a realidade do que uma postura de ajustamento ao real.
No entanto, dentro do Conceito de Espontaneidade ainda cabe discutir a
idéia de momento (agora e aqui), pois para Moreno (1946), “Uma teoria do
momento é inseparável de uma teoria da espontaneidade. Numa teoria do
comportamento e da motivação humanas, o lugar central deve ser dado à
espontaneidade“ . (p.156)
Para que haja espontaneidade é preciso compreender o homem situado
dentro de um universo aberto a mudanças e a novidades. Pois, ao contrário, não
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faria sentido falar em espontaneidade. A referência à espontaneidade pressupõe
um momento – momento de ser, viver e criar – momento em que, segundo
Moreno (1946), ocorra uma mudança numa situação que deva ser percebida
como novidade pelo indivíduo e cuja percepção implique em um aquecimento
preparatório para o ato espontâneo.
Mas o momento não acontece freqüentemente no desenvolvimento de uma
pessoa. Para Moreno (1946 ) existem momentos que se convertem em locus
nascendi de novos papéis ou caminhos existenciais.
O momento é a abertura pela qual o homem passará em seucaminho. (p. 96)
Estes são momentos que se assemelham a flashs em nossa mente e que
nos permitem vislumbrar outras possibilidades de escolha.
E cada momento vivido cobrará seu tributo: no mínimo, o da ansiedade
pelo novo, pelo desejo insondável do vir-a-ser, pela necessidade de re-
significação de seus valores essenciais. Aqui é o lugar que ocupo no mundo, notempo e no espaço. Agora é o tempo do meu passado entrelaçado com o futuro,
que só hoje pode transformar.
No Psicodrama, o ato criador tem lugar no “aqui e agora” do contexto
psicodramático, onde é possível re-viver acontecimentos provindos da matriz de
identidade original, através do jogo de papéis.
Para Moreno (1946), Matriz de Identidade “é a placenta social da criança, o
locus onde se aprende” (p. 114). A partir do nascimento da criança, a Matriz deIdentidade é o meio sócio-familiar onde esta se insere, que lhe atende as
necessidades fisiológicas, psicológicas e relacionais, influenciando seu
desenvolvimento, por etapas, através do desempenho de papéis.
A teoria dos papéis de Moreno (1946) teve sua origem lógica no teatro. O
termo papel (do inglês role ) deriva do latim rotula . Na Grécia e na Roma antiga, a
parte que cabia a cada ator representar era escrita em rolos e lida pelos pontos
para que os atores pudessem decorar suas falas. Com o surgimento do teatromoderno, novamente as partes de cada personagem voltam a ser lidas em rolos
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ou fascículos de papel. Moreno (1946) empresta o termo papel do teatro e o
insere em sua base teórica:
O papel é a forma de funcionamento que o indivíduo assume nomomento específico em que reage a uma situação específica, naqual outras pessoas ou objetos são envolvidos (p. 27).
Para Moreno (1946), o conceito de papel abrange desde o nascimento da
criança e acompanha o indivíduo durante toda sua vida e é “fruto de uma
experiência interpessoal, onde se fundem elementos privados, sociais e culturais” (p. 238). Segundo a teoria moreniana, existem três tipos básicos de papel: os
papéis psicossomáticos, os papéis psicodramáticos e os papéis sociais.
Os primeiros papéis a aparecer são os psicossomáticos, aqueles que
suprem as necessidades fisiológicas do bebê, como comer e dormir. Estes papéis
seriam precursores do Eu, num momento em que o bebê vive na fase da Matriz
de Identidade Total ou Indiferenciada, quando não existe inter-relação
propriamente dita, pois não existe a diferenciação eu-mundo. O bebê se“relaciona” com seus egos-auxiliares (pessoas que cuidam dele), recebendo
cuidados, afeto e alimento e a estes reagem, obtendo maior ou menor satisfação
dependendo da qualidade das respostas advindas do “mundo exterior”. (Moreno,
1946)
A partir dos papéis psicossomáticos, estabelecem-se gradualmente, entre o
bebê e o meio, vínculos operacionais. Os papéis de desenvolvem e se esforçam
por se agrupar, estruturando assim o “Eu”.A segunda fase da Matriz de Identidade é denominada, por Moreno, Fase
da Realidade Total Diferenciada.
Nesta fase inicia-se o processo da adoção infantil de papéis, onde o bebê
ainda não é capaz de representar ou desempenhar papéis, pois ainda confunde
aspectos seus com aquilo que observa ao seu redor. A interação do bebê com
seus egos-auxiliares, especialmente a mãe, cria expectativas de um para com o
outro, no que se refere ao desempenho dos papéis psicossomáticos e estabeleceas bases para todo o intercâmbio futuro de papéis. (Moreno, 1946)
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A partir da terceira fase da Matriz de Identidade, chamada de Matriz da
Brecha entre a Fantasia e Realidade, o bebê entra em uma nova etapa, o
segundo universo, por se tornar capaz de distinguir entre produções imaginárias e
realidade.
A função de realidade opera, mediante interpolações deresistência, que não são introduzidas pela criança, mas que lhesão impostas por outras pessoas, suas relações, coisas,distâncias no espaço, e atos e distâncias no tempo. (Moreno,1946, p. 123)
Nesta fase o bebê vai se tornando capaz de desempenhar, além dos
papéis psicossomáticos, papéis psicodramáticos e sociais, que ganham
consistência na medida em que a separação entre fantasia e realidade se
consolida. Ao longo do tempo o “Eu” se estrutura, através da formação de
aglomerados ou cachos de papéis, que nada mais são do que um agrupamento
de papéis segundo uma dinâmica própria. Conquista aqui a possibilidade de
inverter papéis com o outro.
Os papéis sociais correspondem à dimensão da interação social,
condicionados pelas convenções estabelecidas, associadas aos determinantes
culturais. Os papéis psicodramáticos correspondem à dimensão mais individual
da vida psíquica e são também denominados por Moreno (1934a) de papéis
psicológicos:
Todo papel é uma fusão de elementos privados e coletivos. Umpapel compõe-se de duas partes: o seu denominador coletivo eseu diferencial individual (p. 178).
O exercício de diversos papéis pressupõe em uma dimensão horizontal a
cultura, o instituído socialmente, a conserva. Em uma dimensão vertical, o homem
pode expressar-se criativamente, na medida em que se permite viver estes papéissegundo sua própria verdade existencial. As várias possibilidades de interação
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entre papéis sociais e psicodramáticos abrem ao sujeito novas possibilidades
relacionais e diferencia seu modo de estar no mundo.
Wechsler (1999) acrescenta que a estruturação do “Eu”, como resultante
do desempenho das articulações vivenciadas entre papéis psicossomáticos,
imaginários e sociais, se dá de forma espiralada, anunciando que as formas de
funcionamento se constroem e se re-constroem em níveis cada vez mais
complexos. Dado o momento da atualização da construção de uma estrutura mais
complexa (mais ou menos quinze anos), há o movimento contínuo de re-
organização dos conteúdos que formam os papéis, permitindo re-significá-los e
abrindo possibilidades para a re-construção da Identidade.
Considerando que o exercício de um papel ocorre sempre em uma experiência relacional, a cada papel corresponde sempre um contra-papel.
Em função do grau de liberdade e espontaneidade que o sujeito adquire no
exercício de seus diversos papéis, Moreno (1946) propõe três fases distintas:
Role-taking , ou tomada de papel, onde o grau de espontaneidade é ainda
pequeno e depende da adoção ou imitação de modelos disponíveis.
Role-playing , que é o jogo de papéis e subentende um grau maior de
liberdade em suas possibilidades de representação.Role-creating , que pressupõe o desempenho espontâneo e criativo do
papel.
Naffah (1979) introduz o conceito de papel histórico, que revela no
indivíduo a função estruturante da história. A partir dos conceitos de papel social e
papel histórico, Naffah discute a estratificação social e a divisão do trabalho,
dentro de uma perspectiva Marxista, e diz que os atores desempenham como
marionetes, na alienação do drama coletivo e na consolidação dos papéis sociais,uma peça que não foi por eles escrita.
A proposta do psicodrama está implicada em dar ao homem a possibilidade
de recriar seu papel, enquanto recria a si mesmo, transformando a realidade em
que vive.
Surge então, para o ser em transformação, a necessidade de experimentar
novos papéis, ou de expandir e desenvolver seu papel oficial. O indivíduo anseia
por encarnar mais papéis, muitas vezes mais do que lhe é permitido pela vida. E,
segundo Moreno (1934b ), “é a pressão ativa exercida por esta pluralidade de
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papéis secretos sobre o papel oficial manifesto que resulta, com freqüência, um
sentimento de ansiedade” (p. 99).
Moreno (1934a) esclarece ainda que: “o homem tem medo da
espontaneidade exatamente como o seu antepassado da selva tinha medo do
fogo: teve medo até quando aprendeu a acendê-lo. Do mesmo modo, o homem
temerá a sua espontaneidade até que aprenda a executá-la e a utilizá-la” (p.149).
A ansiedade e a angústia do homem são resultantes de sua condição
humana: a conquista do novo implica em permitir-se ir em direção ao
desconhecido, ser conseqüente com sua própria verdade e abrir mão de uma
segurança, na maioria das vezes ilusória, na medida em que a segurança do
imutável cobra o preço da conserva e da rigidez do caráter, ou seja, da neurose.Segundo Bustos (2001), “O homem, naturalmente busca dar curso à sua
espontaneidade, como um rio busca seu leito. Mas também procura a segurança
do imutável” (p. 87) Mas a liberdade implica num compromisso muitas vezes difícil
de ser cumprido.
Como defesa, utiliza-se o homem da “repressão, (que) compreendida como
a perda de representação simbólica de um fato conflitivo, evita a angústia, mas
não restabelece a espontaneidade. Atua como anestésico que evita a consciência da dor, suprimindo a sensibilidade da zona anestesiada.” (Bustos, 2001, p.88).
A interiorização de valores culturais, elevados à categoria de conserva, na
medida em que o indivíduo se apega às normas e a elas se submete, repetindo
padrões de comportamento impregnados de moralidade, se por um lado suprime
a angústia pelo novo e pela mudança, não permite ao homem se colocar em
relação com o mundo a partir de si mesmo, a partir de uma relação de
interioridade sujeito-mundo onde continuamente possa o homem recriar asvivências passadas atualizando-as no presente, dentro de uma perspectiva de
superação-transformação do mundo e de si mesmo.
Complementarmente, podemos citar Moreno (1946) quando diz que, “A
espontaneidade e a conserva cultural não existem em forma pura: uma é função,
é parasita da outra.” (p. 156) E como toda forma de parasitismo, a conserva
aprisiona e empobrece, inibindo a ação espontâneo-criativa.
Pensando os conceitos acima consideramos que o objetivo terapêutico
último é a liberação da espontaneidade, na medida em que ao homem, uma vez
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comprometido com um universo aberto, num esforço de abertura para o real, será
possível a realização do encontro.
A possibilidade terapêutica do encontro é trabalhada por Fonseca (2000)
em “A psicoterapia da relação”, onde através do jogo de papéis entre terapeuta e
paciente, o terapeuta da relação assume o papel internalizado do paciente,
previamente desempenhado por ele ou diretamente, de acordo com a interação.
Fonseca considera que o jogo e inversão de papéis facilitam a comunicação co-
inconsciente e é revigorante para os participantes. Jogar o papel de outra pessoa,
abrindo mão, parcialmente, da identidade para receber a do outro, retornando em
seguida à sua própria, produz sutis alterações de estados de consciência e
liberação de energia, provocando bem-estar e euforia.Bustos, no prólogo de Psicodrama – Descolonizando o imaginário,
apresenta o Encontro, como centro da proposta existencial psicodramática. (in
Naffah, 1979)
Um encontro de dois: olhos nos olhos, face a face.E quando estiveres perto, arrancar-te-ei os olhos e colocá-los-eino lugar dos meus;E arrancarei meus olhos para colocá-los no lugar dos teus;Então ver-te-ei com os teus olhos;E tu, ver-me-ás com os meus.
J. L. Moreno
Para Moreno (1959a), a palavra encontro abrange diferentes esferas da
vida e envolve tanto relações amáveis como hostis, significando “estar junto,
reunir-se, contato com dois corpos, ver e observar, tocar, sentir, participar e amar,
compreender, conhecer intuitivamente através do silêncio ou do movimento, a
palavra ou gesto, beijo ou abraço, tornar-se um só:- uma cum uno” (p. 79).
Segundo Moreno, o Encontro vive no “aqui e agora”. Move-se do Eu para o
Tu e do Tu para o Eu. Ele é o sentir a dois, Tele. É empatia de mão dupla, que
atua desde o nascimento e pode ser observada na relação mãe-bebê, através da
simbiose.
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O conceito de Tele, ao longo das diversas publicações de Moreno (1959a),
passou de uma noção individual para um âmbito social, onde “o Tele é o cimento
destinado a manter mais tarde as diferentes formas de agrupamento” (p. 72).
Desde Moreno, este conceito passou por diversas revisões de
psicodramatistas brasileiros.
Castello de Almeida (1988) aborda o conceito de Tele, a partir da postura
compreensiva da fenomenologia existencial, que contém os atributos da
intencionalidade, da intuição e da intersubjetividade, onde o compreender supera
o explicar, e as vivências passam a ser captadas a partir das perguntas o que e
como da vivência, e não ao seu porquê .
A partir da formulação elaborada por Perazzo (2000):
Tele é um fenômeno da interação, viabilizado entre sereshumanos, abrangendo mutualidade, coesão, globalidade vivenciale polimorfismo de desempenho de papéis, incluindo a percepção,mas não se limitando a ela, guardando correlações com posiçõessociométricas nos átomos sociais, também depende dosprocessos intrapsíquicos que envolvem qualquer relação,
caracterizada principalmente por um movimento de co-criação queconstrói, viabiliza e reformula um projeto ou projetos dramáticosatravés de uma complementaridade de papéis dentro de umcampo sociométrico. (p. 129)
Assim sendo, Tele pode ser entendida como um fenômeno da relação
onde, em certa medida, esteja ocorrendo co-criação. O Encontro passa a ser,
então, uma decorrência de uma vivência co-criativa a partir de uma relação télica.
II.4 Grupos: sociogênese e sociodinâmica
Moreno (1959a) refere-se ao início efetivo de seu trabalho com grupos
como sendo o de grupos de crianças formados nos jardins de Viena, entre 1910 e
1914. As experiências com grupos tiveram continuidade com prostitutas deSpittelberg em 1913 e 1914. Observações e estudos sistematizados foram
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realizados num campo de refugiados de Mittendorf, perto de Viena, coroando este
primeiro período.
Diante da necessidade de tratar terapeuticamente pessoas que vivem em
grupo, mas que permanecem isoladas, Moreno caminha em direção à
psicoterapia de grupo, cujo termo foi introduzido por ele em 1931.
Moreno (1946) coloca as bases científicas da psicoterapia de grupo no
deslocamento do locus de sofrimento para além do indivíduo, isto é, para a
situação de grupo. (p. 373)
Partindo da idéia do Homem como um ser social (Gonçalves, 1988),
Moreno cria a Socionomia, cujo eixo fundamental de investigação é a inter-
relação entre as pessoas.Para Moreno (1959a), a Socionomia, como conceito mais geral, “é a
ciência das leis sociais” (p. 39).
A teoria socionômica (Moreno, 1959a) subdivide-se em três ramos, que
estão estreitamente relacionados:
A Sociodinâmica , que é a “ciência da estrutura dos grupos sociais” (p. 39)
isto é, estuda o funcionamento das relações interpessoais.
A Sociometria , que é a “ciência da medida do relacionamento humano” (p.39), onde o socius é mais importante que o metrum.
A Sociatria , que é a “ciência do tratamento dos sistemas sociais” (p. 39),
isto é, constitui a terapêutica das relações sociais.
A partir de pesquisas sociométricas, Moreno buscou uma visão da
estruturação dos grupos em geral, e do grupo terapêutico em particular, além de
determinar as leis ou princípios que regem seu funcionamento.
Estas pesquisas demonstraram que cada grupo tem uma estruturaparticular de coesão e profundidade, definida já a partir da primeira sessão e que
se desenvolve a partir do processo terapêutico. (Moreno, 1959a),
Para diagnóstico de um grupo, o socionomista deve levar em consideração:
1. A base oficial e uma base sociométrica, onde devem ser consideradas
a estrutura consciente e inconsciente do grupo;
2. As leis sociogenéticas do grupo;
3. As leis sociodinâmicas de atração e repulsão;
4. A questão da liderança no grupo;
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5. O grau de coesão do grupo;
Moreno (1959a) observou que as vivências comuns nos grupos criam uma
comunicação consciente e outra inconsciente, denominados estados co-
conscientes e co-inconscientes respectivamente, cuja estrutura influencia o clima
emocional do grupo.
A partir de experiências sociogenéticas, orientadas sociométricamente,
inicialmente realizadas com grupos de lactentes (grupos considerados mais
simples) e depois com grupos mais complexos, Moreno (1959a) identificou um
estágio inicial de desenvolvimento do grupo chamado de isolamento orgânico .
Este estágio de isolamento corresponde aos primeiros dois meses de vida e setransforma a partir do momento em que um bebê chora e passa a atrair a atenção
dos outros. Da 20ª a 28ª semana de vida dos bebês, os mais próximos
fisicamente passam a se relacionar, atraindo-se mutuamente e as relações entre
eles passam a ser determinadas pelo grau de proximidade ou distanciamento
físico. O grupo, então, passa para um segundo estágio, chamado de
diferenciação horizontal . O terceiro estágio, denominado diferenciação vertical ,
ocorre da 40ª a 42ª semana de vida, quando os bebês começam a se locomovere as diferenças individuais de força e agilidades físicas passam a determinar
movimentos de liderança de uns em relação a outros.
A Lei da Sociogenética afirma que as formas mais elevadas deorganização grupal procedem das mais simples. Odesenvolvimento ontogenético da organização do grupo é muito
semelhante às modificações que sofreram em sua evolução associedades pré-históricas da espécie. Um indivíduo pode ter umelevado status (rang) sociométrico, mas pertencer a um baixoestágio de desenvolvimento. (Moreno, 1959a, p. 54)
Em um sociograma (Moreno, 1959a), os indivíduos mais populares (maior
número de escolhas, ou seja, maior “status sociométrico”) são aqueles de mesmo
nível sociogenético, isto é, de mesmo nível de desenvolvimento social e
emocional. Em função da evolução dos grupos, as escolhas entre seus membros
tendem a se dividir desigualmente. Aumentam o número de reciprocidades, tanto
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na configuração de pares, como de cadeias e triângulos. Alguns poucos
indivíduos concentram maior número de escolhas, enquanto um maior número de
indivíduos concentra poucas escolhas, mesmo quando um grupo é aumentado ou
quando o indivíduo muda de grupo.
A lei sociodinâmica afirma que os isolados sociométricos (isto é,indivíduos que são isolados ou ignorados em um sociograma) e osindivíduos pouco considerados, tendem a permanecer isolados epouco considerados também na organização formal, e isso tantomais quanto maior for o número de contatos sociais; e que osindivíduos privilegiados nos sociogramas tendem a permanecer
privilegiados e isto tanto mais quanto maior for o número decontatos sociais. Este ‘efeito sociodinâmico’ é válido também paraos grupos. (Moreno, 1959a, p. 54-55)
Em relação ao sociograma de liderança, vamos encontrar líderes influentes
ou poderosos, líderes isolados e líderes populares. (Moreno, 1959a)
O líder influente é aquele que escolhe e por sua vez é escolhido, como
primeira escolha, por indivíduos que, em um sociograma, são escolhidos por umgrande número de elementos do grupo.
O líder isolado é aquele que escolhe e é escolhido por um único indivíduo
no grupo. Sua influência é exercida em rede, através de uma relação télica entre
dois indivíduos, na medida em que sobre este segundo indivíduo recaem as
escolhas de terceiros que, por sua vez, são pontos centrais da escolha de um
grande número de outros membros do grupo.
O líder popular é aquele que é o centro da atenção de um grande númerode indivíduos com pouca ou nenhuma influência sociométrica em relação a outros
membros do grupo.
A composição sociométrica de um grupo influi no grau de coesão do
mesmo. Moreno (1959a) define esta coesão como sendo função da estrutura de
Tele, isto é, da configuração das estruturas existentes entre os indivíduos
mediante a reciprocidade das escolhas realizadas. Quanto menor o número de
escolhas sem reciprocidade dentro do grupo, maior seu grau de coesão.
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A utilização terapêutica da leitura sociométrica à luz dos princípios acima
descritos, em grupos concretos, sejam no contexto psicoterápico, educacional ou
profissional, segundo Moreno (1959a) mostrou-se bastante eficaz.
II.5 Personagem e Funcionalidade do Grupo
O conceito de personagem vem contribuir para o estudo de como os
vínculos afetivos se formam e se desenvolvem nos grupos. Calvente (2002)
aborda a questão do personagem na psicoterapia psicodramática, definindo suas
funções em relação à origem, contexto e processo de formação, e são
apresentados a seguir.
Os personagens têm sua estrutura determinada pela necessidade de fazer
frente à angústia e pelo contexto em que ele foi criado.
Um personagem pode ter sua origem na fantasia ou na imaginação. Este
tipo de personagem é modelado pelo indivíduo em diversas situações, sejam elas
difíceis ou felizes, e servem de companhia, amparo ou ainda ameaça. Por
exemplo, o amigo invisível.
Existem personagens cuja origem se dá em uma pessoa significativa para
um indivíduo, que com o tempo adquire vida própria, ou seja, são incorporados na
vida cotidiana desvinculados da pessoa de origem. Por exemplo, características
de uma prima muito admirada que foram incorporadas em algum tipo de situação.
Os personagens mais importantes para o trabalho psicodramático,
considera Calvente, são aqueles que tiveram seu roteiro escrito por terceiros eque se propagam pelo efeito cacho de papéis. Foram fruto da criatividade no
momento em que surgiram, mas ao se tornarem conservados, passam a ser a
resposta velha a uma situação nova. Por exemplo, “o que se lamenta”, “o que se
comporta bem”, “o sempre alegre”.
Há também os personagens que se originam no contexto social. Como
exemplo, Calvente (2002) cita L. Falivene: “o homem imobilizado pela emoção” (p.
31).
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Quanto ao contexto, Calvente (2002) destaca o Individual, o grupal e o
sociodramático.
Os personagens do contexto individual são aqueles de uso íntimo-privado,
e servem ao indivíduo como interlocutores, juízes, expressam desejos, medos,
timidez e precisam ser tratados com muita delicadeza. Podem aparecer também
personagens transferenciais, isto é, relacionados aos vínculos ou ainda
personagens que se evidenciam através do relato de situações com terceiros,
como o chefe, a esposa, o colega.
No contexto grupal, diz Calvente (2002), se evidenciam com mais facilidade
personagens relacionados aos vínculos, sejam de que esfera for. Assim teremos
o desconfiado, o ingênuo, o manipulador, o louco. Provenientes da dinâmicagrupal, encontraremos o líder, o ajudante, o bode expiatório. Um personagem
também pode surgir como co-criação do grupo e passa a fazer parte de seu
patrimônio cultural.
Já no contexto sociodramático, encontraremos personagens oriundos dos
aspectos coletivos do papel, que podem ser definidos pela religião, localização
geográfica, profissão e assim por diante. Estes personagens muitas vezes
carregam consigo o peso do preconceito, cuja proposta Moreniana é dedesmontar esta cristalização para chegar à inversão de papéis.
Considerando o processo de formação, o personagem assumido
(equivalente à fase de role-taking ) apresenta um baixo nível de espontaneidade,
que se demonstra a partir do momento em que não consegue dar respostas
novas às situações que enfrenta. Segundo Calvente (2002), “estes são os
personagens mais difíceis de acompanhar e de ajudar a mudar. Sua estrutura foi
sendo montada com identificações negativas, papéis congelados, desencontros e muita solidão. Um traço que acompanha esses personagens é seu pouco sentido
de humor” (p.31).
O personagem representado (equivalente ao role-playing ) demonstra um
maior nível de espontaneidade. É mais elaborado, apresenta um maior nível de
segurança em relação ao desempenho do papel, e permite que apareça a pessoa
por detrás do personagem. (Calvente, 2002)
O personagem criativo (equivalente ao role-creating ) é o que guarda em si
o maior nível de espontaneidade. Pessoa e personagem se confundem.
(Calvente, 2002)
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Personagens, na verdade, fazem parte do repertório de uma pessoa, que
pode usá-los ou não, com maior ou menor espontaneidade. Aparecem em papéis
distintos, com estrutura e roteiros próprios. Podem ser desenvolvidos no sentido
de ampliação do grau de espontaneidade, pois são recursos de que se dispõe
para fazer frente às diversas situações da vida.
É importante retomar aqui o conceito de Adequação de Moreno, discutido
anteriormente. No caso de um personagem assumido ou conservado, teremos
sua utilização nem sempre condizente com a situação, em função de seu baixo
nível de espontaneidade. Neste caso, é necessário identificá-lo e trabalhá-lo.
Para Perazzo (2005) é possível chegar a um personagem conservado
através dos sinais indiretos da transferência, que ele denomina conjuntotransferencial.
O conjunto transferencial a que me refiro se compõe, no mínimo,dos sinais indiretos da transferência como um todo (equivalentestransferenciais), nas mais diversas relações (complementaridadesde papéis sociais diversos), do personagem conservado atuado
pelo efeito cacho ou feixe de papéis nos mais diferentes papéissociais, das lógicas afetivas de conduta que fornecem a pauta deatuação deste personagem conservado e do poder simbólico dopersonagem que configura o papel complementar nas relaçõesprimárias (p. 4).
Este personagem atua nas mais diversas relações em diferentes papéis
sociais pelo efeito cacho ou feixe de papéis, cuja pauta é fornecida pelas lógicas
afetivas de conduta que foram construídas ao longo de sua vida. Para devolver aespontaneidade ao personagem conservado, faz-se necessário desconstruí-lo, na
medida em que o poder simbólico, que configura o papel complementar nas
relações primárias, é explicitado e re-significado.
Os vínculos sociométricos se configuram tomando por base papel e contra-
papel. A partir do momento em que o papel complementar perde seu poder
simbólico, o personagem antes conservado ganha mobilidade. No sentido
existencial, torna-se livre para escolher e pode assumir novas formas de relação,que vão exigir, naturalmente, diferentes papéis complementares.
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A lógica afetiva de conduta, representada pelo personagem assumido vai
qualificar as relações sociométricas possíveis de serem estabelecidas no grupo
pela necessidade de que alguém assuma o papel complementar, modelando o
jogo de papéis e a funcionalidade grupal.
A compreensão do modo como as pessoas escolhem se vincular umas às
outras no grupo, nos permite explicitar sua psicodinâmica individual.
Para Figueiredo (2001), a força destes vínculos (aceitação, indiferença,
rechaço) forma correntes emocionais cujas ondas energéticas, para se
sustentarem, conduzem as escolhas do grupo. “A aceitação, a rejeição ou a
indiferença mais simples que qualquer pessoa realiza e recebe é o elo, o vínculo
na rede complexa de relações. É a partir deste ponto que vamos percorrendo as correntes que estes elos estabelecem. Estarmos atentos aos vínculos e,
sobretudo às escolhas, é o marco inicial” (p. 129-130).
Segundo Aguiar (1998), um grupo sempre se estrutura a partir de uma
tarefa, uma construção coletiva que seja comum a todos os seus componentes.
Um grupo, elevado à condição de equipe de trabalho, pressupõe a
existência de objetivos e metas comuns que se sobrepõem aos objetivos e metas
individuais, sejam estas conscientes ou não.Para Aguiar (1988), na formação de um grupo, atribui-se papéis a seus
membros, em função das ações esperadas de cada um. Surgem então as
tensões e os conflitos sempre que o grupo se põe em ação para realizar seu
desígnio.
Aguiar (1988) propõe o conceito de projeto dramático como referência para
a compreensão da sociopsicodinâmica do grupo, porque este abrange os
objetivos e os meios para alcançá-los. Um projeto dramático pode ser manifestoou latente, implícito ou explícito, e está em constante reformulação durante o
processo do grupo.
Uma intervenção no grupo, que permita a explicitação do projeto dramático,
tornando claro aos seus membros suas expectativas, desejos e possibilidades, e
mapeando seu quadro de relações, pode propor um caminho para um melhor
entrosamento, na medida em que ilumina o “por que”, o “como” e “para que”
estamos juntos. Na superação dos conflitos, que muitas vezes paralisam o
movimento da construção conjunta, encontra-se a possibilidade de co-criação e,
conseqüentemente, de transformação, no sentido de favorecer da saúde do
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grupo, no restabelecimento do fluxo espontâneo criativo em favor da realização
da tarefa a que se propôs.
Esta transformação pressupõe o estabelecimento de um clima afetivo no
grupo, propício à realização da tarefa, ou seja, da co-construção. Importante
considerar que toda experiência de aprendizagem é permeada pelos afetos que o
aprendiz é capaz de investir no processo. A aventura de aprender significa
abertura para o novo, para novas formas de comportamento no grupo e uma nova
atitude frente à vida.
Aguiar (1988) propõe caminhos a serem percorridos para que esta
transformação se realize. Em primeiro lugar, a ação do próprio sujeito
devidamente orientada pelo diretor. Em segundo, desvelar o co-inconscientegrupal, permitindo ao grupo que dele se aproprie através da vivência emocional
intensa. Em terceiro, da produção de novos sentidos para o vivido. E finalmente, a
liberação da espontaneidade pela superação dos caminhos anteriormente
percorridos pela construção de um novo caminho.
Desta maneira, pensamos que, ao explicitar a existência dos personagens
nos papéis que desempenhamos, deixamos claro que eles interagem com outros
personagens habitantes de outros papéis e que, neste sentido, são determinantesda funcionalidade do grupo. Ao investigarmos dramaticamente sua gênese e
status nascendi , podemos evidenciar as tramas e dramas desenhados pelos
personagens, alterando sua funcionalidade através da re-significação dos
vínculos já estabelecidos e também co-construindo possíveis novos vínculos. 1
1 Texto co-construído com a orientadora Drª Mariângela P. F. Wechsler.
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III FUNDAMENTAÇÃO METODOLÓGICA
III.1 Procedimento do trabalho
III.1.1 Sobre os sujeitos
Alunos do primeiro ano do Curso Tecnólogo de Gestão em Recursos
Humanos, com idade entre 18 e 46 anos, de classe média tendendo para baixa,
onde 50% trabalham como atendentes de Call Center .
Participaram do primeiro ato 56 pessoas, sendo 42 do sexo feminino e 14
do sexo masculino.
Do segundo ato participaram 30 pessoas, sendo 20 do sexo feminino e 10do sexo masculino. Estiveram representadas, neste ato, 10 das 12 equipes de
Projeto Integrado, formadas na classe.
III.1.2 Sobre as sessões
Foram realizados dois atos psicodramáticos, com duração aproximada de
duas horas cada. Os atos tiveram lugar na Unidade Hípica das Faculdades
Radial, durante o horário da disciplina de Planejamento e Desenvolvimento de
Projetos, da qual fui professora.
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III.1.3 Sobre o foco do trabalho prático e o foco da leitura deste trabalho
Em função deste trabalho ter sido realizado dentro de uma sala de aula, o
contrato proposto foi inscrito em um contexto sócio-educacional.
No entanto, considerando minha formação de psicóloga e tendo trabalhado
durante alguns anos como psicóloga clínica e outros tantos em organizações,
meu olhar sobre os fenômenos observados, para esta monografia, foi dirigido de
forma articuladora entre o socius e o psi , na medida em que busquei refletir sobre
a percepção da subjetividade de cada indivíduo na atuação de personagens,conservados ou não, durante a realização dos trabalhos em equipe, dentro das
vivências construídas durante o curso.
Neste trabalho, minha leitura como professora-pesquisadora privilegiou o
relacionamento entre pessoas concretas, inseridas dentro do contexto de grupo,
em sala de aula, e buscou uma compreensão que pertence ao domínio da
intersecção entre o individual e o coletivo.
III.2 A práxis psicodramática
Enquanto a Teoria interessa-se pelo estudo da natureza humana, ou
condição humana como preferem os existencialistas, do psiquismo e do
comportamento do homem, a Prática insere-se no campo da ação, a partir de
diversas técnicas. Entre ambos, o Método é o fator de articulação entre o pensar,o sentir, o apreender e compreender fenômenos e fatos. (Almeida, 1988)
Etimologicamente, Método é o caminho. Castello de Almeida (1988) aponta
o Método Fenomenológico-Existencial como o caminho percorrido por Moreno em
sua obra. Exatamente porque este método, assim como na filosofia Moreniana,
não permite fechar a análise da personalidade humana em estrutura única e
isolada dos diversos contextos em que o homem encontra-se inserido.
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III.2.1 Contextos
Contexto, segundo a definição de Gonçalves et alii (1988) “é o encadeamento, de vivências privadas e coletivas, de sujeitos que se inter-
relacionam numa contingência espaço-temporal” (p. 97). São três os contextos do
psicodrama:
Social
É o contexto a que pertence cada comunidade, sociedade ou grupo, cujas
características culturais, econômicas e políticas forjam as leis, regras e normas
que a regulam e disciplinam. Constitui-se pela realidade social, envolve tempo e
espaço, e pode ser considerado o berço da Matriz de Identidade que formou os
primeiros papéis do sujeito (Gonçalves et alii , 1988).
É onde surge o drama que emerge do interior do grupo a partir dos papéis
sociais que encontram equivalentes dentro da configuração grupal (Naffah, 1979).
Grupal
Este contexto é delineado a partir de dia, horário e local pré-estabelecido,
com situações definidas e objetivos específicos para a realização dos propósitosda sessão. Segundo Falivene (1999), é pertinente ao contexto grupal uma divisão
de papéis no grupo: de um lado as pessoas interessadas ou necessitadas na
ação psicodramática, de outro, a equipe técnica diretamente envolvida.
São estas pessoas que, ao interagirem, compõe a trama do contexto grupal
a ser desvendada no contexto dramático. Nele manifestam-se o co-inconsciente e
o inconsciente individual (Gonçalves et alii , 1988).
É onde o drama toma forma e se evidencia, mas por não ser origináriodeste contexto, nele não consegue se explicitar (Naffah, 1979).
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Dramático
É aquele em que a cena acontece, o “como se” onde tempo e espaço
podem ser subjetivos, virtuais, envolvendo presente, passado e futuro, mas
devidamente delimitados por um espaço concreto. Para, além deste espaço do
contexto dramático, retornar-se ao contexto grupal (Gonçalves et alii , 1988).
É no contexto dramático que a ambigüidade e as probabilidades humanas
podem ser exploradas, dando condições para a superação da “conserva cultural”a partir de um estado espontâneo-criativo. É o locus privilegiado da vivência, onde
o ser-em-relação tem a possibilidade de transformação e re-significação de
experiências de um passado ou de um futuro que se fizeram presentes no aqui-
agora psicodramático.
O contexto dramático retoma e unifica os dois contextos anteriores, pois no
palco é explicitada a situação vivida no grupo e esta, ao retornar ao contexto
grupal, é extrapolada ao contexto social (Naffah, 1979).Aqui as máscaras caem e o protagonista surge como possibilidade de
mudança e transformação.
III.2.2 Instrumentos
Moreno (1946) define cinco instrumentos do Psicodrama, empregados na
execução de seus métodos e técnicas:
Cenário
É o espaço do “como se”, onde ocorre a ação dramática. Este espaço é
projetado de acordo com as exigências da dramatização através de umaconvenção estabelecida entre os participantes do grupo. Para a montagem do
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cenário podem ser utilizados objetos materiais ou construções imaginárias que
permitam a criação do clima afetivo da cena (Aguiar, 1998).
Diretor
É o terapeuta que coordena a sessão, cujas funções envolvem a direção
da cena propriamente dita, a partir da leitura realizada, a ação terapêutica, tanto
sobre o protagonista como sobre o grupo, e a análise social, no momento em que
compartilha com o grupo sua compreensão da situação vivida (Moreno, 1946).Ao Diretor cabe o aquecimento do grupo, a decisão final sobre a escolha
do protagonista e da cena a ser dramatizada, a partir da leitura dos movimentos
do grupo, garantindo, com sua sensibilidade, a melhor direção para a explicitação
de suas tramas e dramas (Aguiar, 1998).
Ego-auxiliar
Forma com o diretor uma Unidade Funcional. É também um terapeuta, que
interage em cena com o protagonista, seja representando papéis determinados
pelo diretor, exercendo função terapêutica através da manutenção do
aquecimento do protagonista e do desempenho do papel complementar ou ainda
como observador social das inter-relações registradas no contexto grupal ou
dramático e compartilhadas com o grupo. (Moreno, 1946)
Protagonista
O Protagonista é o sujeito que emerge para a ação dramática, como
representante dos sentimentos e conflitos comuns que permeiam o grupo (Alves,
1999).
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Cabe aqui apresentar os conceitos de tema protagônico, emergente grupal
e protagonista, desenvolvidos por Luís Falivene R. Alves (1999):
Tema protagônico “é o texto, o roteiro ou o assunto construído e
desenvolvido durante o ato psicodramático (latu sensu ); tem como sua expressão
maior o protagonista, responsável que é pelo encaminhamento e seu desfecho“.
O contexto social é o pano de fundo do tema protagônico. As experiências vividas
pelo grupo, sejam na família, na escola, no trabalho ou lazer fazem-no emergir
contexto grupal, para ir sendo desenvolvido e desvelado no contexto dramático.
Simultaneamente, o diretor favorece “o surgimento do protagonista, que se dará
sempre por intermédio de personagens, reais ou simbólicas, metafóricas,
exclusivas do contexto dramático” . (p. 90)Os emergentes surgem no contexto grupal e podem ser considerados
como representantes do movimento do grupo, a espera de uma escolha para
desempenhar o papel protagônico como disparador de uma cena.
O Protagonista, cujo locus nascendi é a cena, define-se como:
O elemento do contexto dramático que surge através de umapersonagem no desempenho de um papel, questionador de suaação e de sua emoção, e é representante emocional das relaçõesestabelecidas entre os elementos de um grupo, ou entre diretor ecliente, que têm um projeto dramático comum (Alves, 1999, p. 94).
Nesta abordagem, o protagonista transcenderá o proponente da situação
dramatizada, seja este uma pessoa ou um grupo. O protagonista será o
personagem principal do drama, responsável pelo fio condutor da ação, cuja
emoção seja capaz de mobilizar o grupo no sentido de uma transformação, a
partir do confronto entre o passado e o presente, o conhecido e o novo, no
sentido da atualização contínua do fluxo da vida.
O procedimento para esta escolha da pessoa que desempenhará o papel
protagônico na cena, segundo Aguiar (1998), pode ser feita de várias formas,
dependendo do enfoque do diretor:
Pela identificação da pessoa para quem o clima emocional do grupo se
volta, o que a coloca na condição de personagem central da dramatização. Aguiar
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(1988) ressalta que este clima deve ter características positivas, para não
acentuar uma eventual crise do grupo através da escolha de um bode expiatório.
Através de uma escolha sociométrica, que é uma consulta ao grupo para
que faça uma eleição direta ou ainda por fases. Esta sociometria não pode ser
identificada apenas pela apuração de uma maioria de votos, mas também devem
ser considerados os movimentos afetivos do grupo.
Uma vez participei de uma proposta de escolha sociométrica, onde foi
eleito um “falso” protagonista, para que o grupo pudesse ficar em uma região de
conforto, onde havia pouco conflito. O movimento afetivo do grupo foi de fuga,
negando o lugar da emoção e da dor. Neste tipo de situação, faz-se necessária a
intervenção do diretor, para pontuar o movimento do grupo e abrir espaço a umaprotagonização verdadeira.
O diretor também pode focar uma escolha em função do potencial cênico
do ator protagônico e realizar uma escolha prévia deste ator antes de iniciar o
contexto grupal; iniciar uma dramatização a partir de uma tarefa ou jogo, onde o
protagonista vá se evidenciando; ou utilizar recursos técnicos para que esta
escolha seja feita de forma indireta, durante um processo. (Aguiar, 1998)
É da coincidência entre o autor e o tema que nasce a emoçãocriadora e a possibilidade de ela transformar-se em ação efetiva(Bergson in Naffah, 1997, p. 194).
Em qualquer tipo de escolha, o primordial é que a protagonização seja
legitimada pelo grupo, através do comprometimento e envolvimento afetivo deste,pela sustentação da escolha realizada.
Público
São os participantes que ficam no contexto grupal, durante a ação
dramática. Participam da etapa do compartilhar expressando seus sentimentos e
vivências, funcionando como caixa de ressonância para o protagonista e os
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demais integrantes da sessão. Ao mesmo tempo em que público cumpre uma
função de representação do mundo, é também um educando no sentido de
aquisição de conhecimentos sobre si mesmo. (Moreno, 1946).
III.2.3 Etapas
Aquecimento
Segundo Moreno (1946), warming up é um processo de aquecimento
preparatório para estados espontâneos. São estimulados por vários dispositivos
de arranque – ou iniciadores, na medida em que o sujeito coloca-se em
movimento utilizando o corpo ou imagens mentais.
Retomando as definições de Moreno (1946):
Podemos ilustrar este processo de aquecimento indicando certascaracterísticas que a situação psicodramática possui e que sãocomparáveis à situação de nascimento. [...] O sujeito é jogadoabruptamente numa situação que é novidade para ele e ante aqual terá de “aquecer-se”, a fim de realizar um ajustamento rápido.O sujeito é frequentemente ordenado a proceder ao aquecimentocomo se não possuísse qualquer dispositivo de arranque mental àsua disposição (correspondendo ao bebê quando nasce, o qualcarece de dispositivos de arranque mental). O sujeito pode
movimentar-se ou começar respirando pesadamente, fazercaretas, apertar os punhos, mover os lábios, gritar ou chorar –quer dizer, ele utilizará dispositivos físicos de arranque a fim decomeçar, confiando em que as atividades neuromusculares eoutras atividades físicas acabarão por afirmar e libertar formas deexpressão mais altamente organizadas, como a adoção de papéise a inspiração criadora, levando-o ao máximo grau deaquecimento preparatório de um ato espontâneo, para enfrentaruma situação nova (p. 103).
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Naffah (1979) levanta uma série de questões relacionadas às definições
dadas por Moreno ao conceito de iniciador, considerando que este conceito é
exposto de forma mecanicista, na medida em que os iniciadores físicos seriam
gestos ou ações que, por sua vez, desencadeariam outros gestos ou ações até
atingir formas mais organizadas de expressão. Propõe, então, uma definição para
o aquecimento, envolvendo iniciadores físicos, e afirma que:
[...] no momento em que o indivíduo se abre à própria situação edeixa-se penetrar por ela, tentando apreender o seu movimento eposicionar-se em relação a ele, forma-se entre seu corpo e a
situação uma rede de significações, em que todos os seussentidos e os vários segmentos do seu corpo passam a searticular e se rearticular numa totalidade expressiva (p.69).
Desse modo, o indivíduo passa a ter uma consciência de si mesmo, dando
significado à realidade vivida através do próprio corpo e se abre à
espontaneidade.
Naffah (1980) explora a noção de corporeidade e sua importânciafundamental no processo psicodramático. Segundo o autor, o psicodrama
dimensiona a existência humana como um grande Drama (representado por
múltiplos atores), cujo enredo é normalmente inconsciente. O protagonista
“empresta seu corpo para que o Drama se expresse, se expanda e se realize,
para consumir-se nas chamas do seu próprio fogo. Como a Fênix que tinha que
se queimar e se transformar em cinzas para poder renascer ” (p.18). Revelando o
Drama, pode-se transformar a existência: essa é a missão do psicodrama.
Dramatização
É o momento onde, através da ação cênica, da dramatização de situações
reais ou imaginárias, com ou sem o uso da linguagem falada, mas sempre a partir
do corpo, busca-se viabilizar a catarse de integração, onde o sujeito abre-se a
novas significações das experiências vividas.
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Santos (1990) acredita que quando falamos da dimensão dramática do
psicodrama não estamos nos referindo de forma reduzida à encenação como
recurso técnico, mas a um determinado modo de interpretar a relação sujeito-
mundo. A representação, como recurso técnico, é usada por várias correntes
terapêuticas que nada têm em comum com o psicodrama como proposta. O ser
psicodramático carrega singularmente um eu enredado e descentrado. De acordo
com a autora, a cena dramática ilumina a heteronomia do ser.
Compartilhamento
É o momento quando cada elemento do grupo pode expressar emoções e
sentimentos nele despertados durante a etapa de dramatização (Gonçalves et alii ,
1988). A cada depoimento vai sendo construída uma rede de significações
pessoais e/ou coletivas, onde a dinâmica co-insconsciente que permeou a sessão
pode ser explicitada. Muitas vezes ocorre nesta etapa uma co-validação
existencial dos participantes da sessão.
Elaboração
Segundo Gonçalves et alii (1988), a etapa de elaboração não está referida
na obra de Moreno, mas em função de seu uso corrente, é apresentada como
uma fase seguida ao compartilhar ou no início da sessão seguinte, com finalidade
terapêutica. É feita uma retomada com o grupo do ocorrido na dramatização,
visando entender os conteúdos expressos, relacionando-os com o processo
terapêutico. Os processos sócio-educacionais também devem ser considerados
nesta etapa.
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III.2.4 O Método Sociodramático
Método é o conjunto de procedimentos que ordenam o pensamento,
estabelecem o objetivo do trabalho a ser executado e iluminam as ações do
pesquisador.
O Sociodrama – Socius, que significa sócio e Drama, que significa ação, ou
seja, ação em favor do outro - é “um método de ação profunda que trata das
relações intergrupais e das ideologias coletivas” (Moreno, 1946, p. 411).
No Sociodrama, o sujeito é o grupo, independentemente do número deindivíduos que o compõe. É formado, pois, por pessoas que se inter-relacionam,
investidas por papéis sociais e culturais, representantes de uma cultura. A
abordagem sociodramática reconhece o homem como um intérprete de papéis,
em que o grau de liberdade e espontaneidade de seu exercício varia de acordo
com sua possibilidade de desenvolvimento.
Perspectiva histórica
Segundo Naffah (1979), historicamente o psicodrama, assim como o
sociodrama, nasceu “nos jardins de Viena e nas praças públicas, como uma
forma ainda incipiente de dramatização improvisada” (p. 187), para ganhar o
espaço do teatro. A proposta moreniana tentava questionar as máscaras e osestereótipos constituintes da vida coletiva a partir do espaço simbólico da própria
sociedade, o teatro.
O mesmo teatro que figurava a serviço da repetição das conservas
culturais serviria agora para um projeto transformador, “de dentro para fora e
pelas próprias instituições conservadoras” para “liberar os papéis mediante sua
própria exaltação dramática” (Naffah, 1979, p. 188).
A partir do teatro tradicional, Moreno (1946) observa o conflito entre opapel dramático e a pessoa privada do ator, na medida em que o papel a ser
desempenhado restringe o ator, reduzindo-o “como pessoa privada de existência
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oficial” (p. 206). O ator vive um triplo conflito: com o autor teatral, na medida em
que este coloca a produção do papel em primeiro plano, e o ator em segundo;
com os co-atores, na medida em que se relacionam não só em seus papéis
dramáticos, mas também como pessoas privadas, resultando frequentemente em
profundas complicações pessoais e com o público, pelo desgaste que a repetição
natural do papel a cada nova apresentação traz naturalmente.
Os atores não eram autores do drama , mas personificavampapéis, enredos e desfechos criados por outrem; nesse sentido,suas representações, por mais originais que fossem, resumiam-
se, no fundo, a uma repetição de produtos alheios. (Naffah, 1979,p. 189-190)
Segundo Naffah (1979), o conflito entre o papel dramático e a pessoa
privada expressa uma oposição básica que Moreno reveria em suas pesquisas
com grupos, no nível sociométrico entre organização oficial versus organizações
espontâneas, no nível individual entre condutas guiadas ora por interesses
coletivos, ora por interesses privados.
O Teatro Espontâneo surge então com uma proposta de superação do
teatro tradicional, onde o autor constrói e executa seu próprio drama, deslocando
“o produto da criação para o processo da criação”. (Naffah, 1979, p. 191)
Outra modalidade do teatro espontâneo surge trazendo a vida cotidiana ao
teatro, o Jornal Vivo. Mas para Naffah (1979), a unidade entre o público e o
privado só iria se completar a partir do Teatro Terapêutico, onde a realidade social
pode ser retratada por atores que representam suas próprias vidas.
O privado reencontra, por fim, seu locus coletivo, e, o imaginário,rompendo seu espaço solipsista para revelar labirintos antesvividos como pessoais, pode agora buscar na massa anômina dopúblico, ressonâncias a seu próprio grito (p. 191-192).
Deste reencontro nasceria o sócio-psico-drama. A partir desta possibilidade
o drama social revela-se a partir do individual. Surge então o Sociodrama, como
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método por excelência que propõe, além do valor exploratório dos papéis sociais
subjacentes aos dramas sociais, a terapêutica de suas relações.
No sociodrama, segundo Naffah (1979), a partir de uma realidade objetiva
busca-se o processo de subjetivação. O protagonista (psyché ) torna-se sempre
porta-voz do drama grupal (socius ), sendo validado por este mesmo grupo.
Dentro da visão de homem como ser-em-relação, não é possível retirá-lo
do contexto social em que está inserido. Sujeito e objeto, ator e drama
constituem, portanto, uma unidade e deve ser tratada como tal. No trabalho de
dramatização, a partir do drama coletivo, sempre será possível explicitar o drama
individual e vice-versa.
Perspectiva pragmática
Segundo Aguiar (1998), o Sociodrama é utilizado para promover o
desenvolvimento de um grupo pré-existente e que, pelo menos a princípio,
continuará existindo após a intervenção. Estes grupos podem existir para finssociais, não especificamente terapêuticos. Mas, de qualquer modo, em seu
cotidiano, o homem sente, sofre, cresce, existe! Nas relações com outros
homens, os conflitos que pertencem à esfera do psiquismo individual se
presentificam. Cenas se constroem e se desfazem, papéis se estabelecem,
personagens vêm e vão.
A cada nova oportunidade, a cada novo vínculo, o homem apreende,
aprende e se transforma. Portanto, embora a finalidade de um sociodrama não
seja somente fazer terapia de grupo, a ação dramática acontece no e para o
grupo, independentemente de foco onde esteja inserida. Neste sentido, a ação
terapêutica aparece como possibilidade a todo aquele que se abre ao novo e ao
outro.
Aguiar (1998) refere-se ao sociodrama, assim como ao psicodrama e ao
axiodrama “como atividades terapêuticas primárias, porque são realizadas com o
objetivo explícito de ajudar o sujeito (indivíduo, grupo ou coletividade) a se
transformar” (p. 27).
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Uma situação sociodramática tem como objetivo atender a demandas
criadas pelo grupo que, segundo Luís Falivene R. Alves (1999), podem ser intra
ou intergrupais, onde sejam realizados jogos de interação, de percepção, de
investigação sociométrica. Neste tipo de atividade não há protagonização. Esta só
ocorre quando a proposta se fizer dramática.
Concluindo, grupo e indivíduo inserem-se em um mesmo socius, e nesta
medida estão sempre em uma situação de inter-relação. A partir de suas co-
criações, influenciam-se mutuamente, tanto a partir de seu co-consciente como de
seu co-inconsciente e, portanto, as transformações que se operem no coletivo,
através de mudanças na forma de atuação dos papéis sociais, fecundarão
sempre os papéis psicodramáticos, pois em ambos encontraremos a psyché.
III.2.5 As técnicas utilizadas
Técnicas são o conjunto de procedimentos práticos que instrumentalizam o
método, tornando-o viável na execução de seu objetivo final.
Através das técnicas do psicodrama, o indivíduo desempenha papéis que
contribuem para o seu desenvolvimento físico e mental. (Moreno, 1946)
Construção de Imagens
Nesta técnica os participantes são requisitados a criar uma imagem, após
algum tipo de atividade proposta ou vivência. Esta imagem será montada no
contexto dramático, utilizando-se as pessoas do próprio grupo. Uma imagem pode
ter som e movimento, mas diferencia-se de uma cena que acontece num espaço
e tempo definidos e seguem um roteiro específico. O objetivo é alcançar a
materialização dos sentidos e da experiência, ampliando ou mesmo re-
significando a visão dos participantes acerca da experiência vivida.
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Duplo
É uma técnica utilizada quando o protagonista, durante a ação dramática,tem dificuldade em expressar verbalmente uma emoção ou sentimento. O diretor
pede a um ego-auxiliar, que pode ser um terapeuta treinado ou um participante da
platéia, que desempenhe o papel de dublé , ou seja, que desempenhe o papel ou
um aspecto do papel do protagonista.
O protagonista agirá em resposta ao duplo, caso a intervenção do duplo
seja aceita. Moreno define esta técnica como “duas pessoas, A e B, tornam-se
uma só. (...) B age como o duplo de A e é aceito como tal. O grau de não aceitação e o conflito daí advindo, entre o indivíduo e seu duplo é fase importante
na catarse da dupla” (1934c, p.218).
Esta técnica envolve a comunicação co-inconsciente entre protagonista e
ego-auxiliar, captado através da sensibilidade télica e está baseada nas
possibilidades que a díade mãe-bebê apresenta na Matriz de Identidade Total
Indiferenciada.
Espelho
Nesta técnica, o protagonista é representado por um ego auxiliar que
retrata seu modo de agir diante das várias situações da vida, explicitando como
ele é visto pelos outros (Moreno,1934c).
O protagonista deve ser afastado da cena, ficando como um expectadorque se vê em um espelho. Este tipo de vivência propicia uma ampliação da
percepção que o sujeito tem de si mesmo, provocando-o e incitando-o à ação.
Segundo Moreno, “o contraste entre as suas imagens, reenviadas pelo
‘espelho’, e a concepção que tem de si mesmo podem atingir uma tal intensidade
dramática que ele protestará contra seu espelho e começará a agir por si próprio.”
(1959a, p. 350)
A aplicação desta técnica, de forma inábil e sem os devidos cuidados pelodiretor, poderá trazer ao sujeito a sensação de ridículo, despertando raiva,
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tornando os efeitos da intervenção nulos ou até mesmo contraproducentes ou
destrutivos.
Esta técnica está fundamentada no momento do reconhecimento do Eu e
do Tu na Matriz de Identidade Total Diferenciada.
Solilóquio
É uma técnica verbal, em que o diretor pede que o protagonista ou outro
participante expresse em voz alta sentimentos e pensamentos ocultos que lhevenham à mente no momento da ação dramática.
(...) um indivíduo espontâneo, inteiramente dentro de seu papel,não está em condições de fazer um solilóquio, nem sobre simesmo, nem sobre seu papel. Somente a parte do “Eu” que nãoestiver tomada e hipnotizada pelo papel participa no solilóquio:quanto mais a interiorização do papel pelo “Eu” é fraca, tanto mais
o personagem fará solilóquio (Moreno, 1959a p. 292).
A técnica do solilóquio poderá ser utilizada como uma forma de
aquecimento para a tomada do papel que o sujeito deverá desempenhar. No
entanto, em vista de uma condição de aquecimento adequado, a utilização desta
técnica levará ao desaquecimento, pois solicitará que uma parte maior do “Eu” se
desvincule do papel para realizar o solilóquio.
O solilóquio permite a intervenção do terapeuta que pode agir comomediador do mundo interno do protagonista.
Esta técnica está fundamentada nas possibilidades relacionais
conquistadas pela criança na Matriz de Identidade da Brecha entre a Fantasia e
Realidade, momento da tomada e inversão de papel.
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Inversão de Papéis
Nesta técnica, durante a dramatização, onde A e B contracenam, o diretorpede que A assuma o lugar de B e que B assuma o lugar de A (Moreno, 1934c).
Esta inversão de papel permite que as pessoas envolvidas vejam a situação a
partir do lugar do outro.
Quando o protagonista, ou outra pessoa envolvida na cena, representa
uma pessoa ausente, cujo vínculo com o protagonista está sendo trabalhado,
utiliza-se uma variação desta técnica denominada “tomada de papel”. (Monteiro,
1998). Para tanto, o protagonista deverá tomar o papel da pessoa ausente atéque o ego-auxiliar seja capaz de trazer com fidelidade este papel complementar
da relação.
Esta técnica está fundamentada na possibilidade da criança tomar e
inverter papel no decurso da Matriz de Identidade da Brecha entre a Fantasia e a
Realidade.
Interpolação de Resistência
Este procedimento técnico cria uma situação que vai de encontro às
disposições conscientes e rígidas do protagonista. Tem como finalidade permitir
ao protagonista ter acesso a novos pontos de vista, possibilitando
comportamentos e atitudes diversas, em busca de posições relacionais mais
produtivas.
O diretor, nesta técnica, propõe situações diferentes daquelas previstas
pelo protagonista, no momento em que pede aos egos-auxiliares que modifiquem
as características do papel complementar (Gonçalves et alii , 1988).
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IV APRESENTAÇÃO DAS SESSÕES
IV.1 Primeira Sessão: “Equipe na floresta: o bom e o mau
como personagens conservados”
Ato do dia 05/04/2006Local: Faculdades Radial – Unidade Hípica
Público alvo: alunos da Turma do 1º Módulo (1º semestre do 1º ano) do
Curso de Tecnólogo em Gestão de Recursos Humanos.
Horário: 9h35 às 11h35 – duração: 2 horas
Diretora: Lívia Tais Bellotto Monteiro
Ego-auxiliar: Cassiana Léa do Espírito Santo
Ego-observador: Paulo Edson Boucault
Contrato
Em função do que tenho observado em relação aos trabalhos em equipe
no Projeto Integrado, independentemente do módulo, os grupos em geral têm
muitas dificuldades. Algumas vezes o grupo se mantém aos trancos e barrancos.
Outras, um ou mais componentes do grupo são excluídos ou ainda o grupo sedivide. Todas essas possibilidades dificultam muito o andamento do trabalho.
A proposta de hoje é que possamos realizar uma vivência para refletirmos
sobre o trabalho em equipe, considerando não só nosso papel de alunos como
também nosso papel de gestores de recursos humanos.
Esta vivencia será realizada na aula de hoje e para a próxima aula
discutiremos nossa vivencia de hoje em relação às questões do trabalho em
equipe.
Apresentei Cassiana e Paulo como pessoas que nos auxiliariam neste
encontro e combinamos que seriam tiradas algumas fotos.
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Aquecimento Inespecífico
Os alunos foram convidados a ficar em pé, em círculo.
Em função do tema proposto, surgiram alguns comentários dos alunos em
relação ao trabalho em equipe. Propus então um mapeamento do grupo e pedi
que os alunos se dividissem entre os que têm facilidade para trabalhar em equipe
e os que têm dificuldade. A maioria dos alunos dirigiu-se ao grupo “com
facilidade”. Em seguida, perguntei quais alunos vinham direto do trabalho para a
faculdade e quais saiam da faculdade e iam direto ao trabalho. Surgiu então o
grupo daqueles que saiam da faculdade, iam para casa e só então se dirigiam ao
trabalho. Perguntei aos alunos se eles gostariam de ver a classe dividida segundoum outro critério qualquer.
Em seguida, solicitei que eles começassem a se movimentar pela sala,
entrassem em contato consigo mesmo e propus alguns movimentos corporais de
alongamento. Pedi que os alunos observassem os movimentos dos colegas e
procurassem imitá-los também.
Aqui o grupo se mantinha animado, falante. Observei que eles aderiram à
proposta.
Aquecimento Específico
Deixei que os participantes caminhassem um pouco, se movimentassem e
aquecessem o corpo. Pedi que fizessem um pouco de silêncio e dei uma nova
instrução dizendo: “Vocês estão caminhando por uma floresta e existem animais
nesta floresta. Observem os animais e escolham que animal cada um gostaria de ser hoje. Vejam que características ele tem, os movimentos e gestos que faz,
como anda, que sons emite. Vão sendo este animal” .
Eles começaram a se movimentar, alguns inibidos, outros ousando um
pouco mais. Então eu instruí o grupo: “Nesta floresta existe um problema e vai
haver uma reunião dos bichos para discuti-lo. Cada um observe os outros animais
em volta. Escolham animais para fazerem parte da equipe que vai participar da
reunião e que vocês achem que possam ajudá-lo na solução deste problema”.
Pedi que a turma se dividisse em cinco grupos.
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Na formação dos grupos percebi que os participantes utilizaram o critério
de proximidade física do momento. Isto favoreceu o agrupamento de pessoas que
não haviam trabalhado juntas antes.
Já reunidos em grupos, falei que sentassem e que conversassem um
pouco sobre que animal cada um havia escolhido ser.
Após alguns minutos, eu e a ego-auxiliar fomos de grupo em grupo dar a
seguinte instrução:
Agora vocês estão reunidos para resolver um problema da floresta.
Definam que problema é esse e achem uma solução para ele. Cada equipe
poderá ter um problema diferente. Escrevam então uma pequena história e
montem uma cena que deverá se apresentada para todo o grupo. Coloquem nopapel também o nome dos integrantes, que bicho cada um foi e o nome da cena.
Vocês têm 20 minutos para isso.
Os grupos começaram então a conversar enquanto passávamos pelos
grupos. Verifiquei que eles estavam empolgados. Em um dos grupos, um dos
participantes não havia entendido corretamente a história que estava sendo
construída e eu fiz uma intervenção para que ele se integrasse. Alguns alunos
foram chegando durante o ato. O outro ego-auxiliar recebia estes alunos einformava o que estava acontecendo. Falava da atividade e contextualizava-os
pedindo que escolhessem um animal para ser e que integrassem um dos grupos.
Foi interessante observar que todos os “atrasados” se dirigiram a um mesmo
grupo, que foi abrindo espaço para os novos integrantes. Este grupo trouxe a
cena do “Incêndio na floresta”, onde a questão da liderança surgiu de modo mais
claro.
Conforme o tempo ia se esgotando, a fomos informando aos grupos otempo restante: faltam dez minutos, agora cinco e assim por diante.
Terminado o tempo, foi montado o cenário dramático, com um espaço
designado para o palco e outro para a platéia.
Perguntei a cada grupo o nome da cena criada e a ordem de apresentação,
ficando assim definido:
1ª Cena: “O resgate da Preguiça”
2ª Cena: “A caça dos Bichos preguiça”.
3ª Cena: “O rapto da Ovelha”.
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4ª Cena: “O Incêndio na floresta”.
5ª Cena: “O Resgate do Panda”.
Dramatização
Os grupos foram chamados para a dramatização. Foi feito um novo
aquecimento para cada grupo, quando perguntei o nome da cena, em que lugar
da floresta estavam, o que tinha nessa floresta. Os próprios grupos se
encarregaram de dizer qual o problema na floresta e de apresentar os bichos. Ao
final da cena perguntava que o nome da cena seria mantido. Exceto no caso da
primeira cena, cujo nome para “Uma lição de Vida”, as demais mantiveram osnomes planejados.
1ª Cena: O resgate da Preguiça => Uma lição de Vida
Os animais viviam em harmonia na floresta; brincavam, corriam, nadavam
no riacho, enfim, tinham uma vida feliz. Até que um dia a girafa e o pássaro
trouxeram uma notícia que deixaria o grupo indignado e estarrecido: a onçaestava comendo as preguiças. O grupo se reuniu e chegou à conclusão de que
deveriam desprezá-la e excluí-la. Mas a onça caiu em uma armadilha colocada na
floresta pelos caçadores. Ao verem o sofrimento da onça, os animais resolveram
ignorar e deixar que ela pagasse de certa forma o que havia feito às preguiças;
porém, a única preguiça que restou no grupo se compadeceu do seu sofrimento e
ofereceu-lhe ajuda, mesmo contra a vontade dos outros animais que falaram que
ela iria se arriscar. Através dessa ajuda ensinou-lhe uma grande lição: a lição doamor e do perdão.
Personagens: três bichos-preguiça, uma girafa, uma onça, um pássaro e
dois leões.
2ª Cena: A caça dos bichos preguiça
Na floresta amazônica estava havendo caçadores à procura do bicho
preguiça. Uma das águias percebeu que eles se aproximavam e montavam
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armadilhas à noite. A águia avisou todos os bichos, os quais se reuniram para
emboscar os caçadores.
O plano era que as águias se dividiriam para avisar os leões e o lobo
quando os caçadores se aproximassem. Os outros bichos ficariam posicionados
para encurralar os caçadores até o lago, onde o jacaré os esperava...
Personagens: um lobo, um jacaré, três bichos-preguiça, três leões, dois
tigres e três águias.
3ª Cena: O rapto da Ovelha
Era dia de festa na floresta e os bichos estavam todos reunidos. A girafa,por ser observadora, deu falta de um dos animais – a ovelha e chamou o gavião
para ajudar a encontrá-la. O gavião partiu, mas voltou sem resposta. A girafa
resolveu então pedir ajuda para os outros animais. Parou a festa e informou do
desaparecimento da ovelha, sugerindo que fossem todos procurá-la. Todos se
comprometeram e partiram pelo ar e por terra, até que a ovelha foi localizada pela
hiena. Esta havia caído em um buraco na floresta. Depois do resgate, voltaram
todos a festejar e brincar.Personagens: uma ovelha, uma pantera, um tigre, uma onça, três
pássaros, um gavião, uma girafa e uma hiena.
4ª Cena: O Incêndio
Conta-se a história de um incêndio numa cabana no meio da floresta. O
incêndio foi percebido pelo bicho preguiça que comunicou aos passarinhos, eestes por sua vez informaram a coruja. Percebendo a gravidade do incêndio na
cabana, a coruja reuniu todos os bichos - passarinhos, leões, coelho, loba,
cachorro do mato, papagaio, urso e bicho preguiça - para montar uma estratégia,
a fim de evitar o desastre que poderia ocorrer na floresta e que seria prejudicial a
todos.
Na reunião dos bichos, notou-se a ausência do urso, que logo fora
justificada pelo papagaio, com a informação de que ele ficou preso dentro de sua
gruta, por causa de duas pedras que fecharam sua saída.
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Desta forma, os animais se dividiram em dois grupos, um formado pelos
leões que ficaram responsáveis pelo resgate do urso e os demais pela contenção
do incêndio. De forma organizada, os animais conseguiram exercer as duas
tarefas com sucesso, trazendo então benefício a todos.
Personagens: dois leões, um coelho, três passarinhos, um papagaio, uma
loba, um cachorro do mato, três bichos-preguiça, uma coruja e um urso.
5ª Cena: O resgate do Panda
Era uma vez uma linda floresta habitada por animais silvestres. Num belo
dia, durante o vôo matinal dos pássaros, eles observaram um foco de incêndio nafloresta. Imediatamente voaram em direção ao Rei Leão para avisá-lo.
O Rei Leão ordenou que todos os animais se reunissem para encontrarem
uma maneira de se proteger. Quando todos os animais estavam reunidos,
perceberam que o urso panda não estava entre eles. O Rei Leão organizou os
animais para procurar o panda. Enquanto os pássaros sobrevoavam a área, os
demais animais vasculhavam por terra a redondeza. Depois de muita busca,
ouviu-se um choro. Próximo a uma árvore, amedrontado, estava o pandatentando se proteger do fogo. Ao avistá-lo, o Rei Leão foi ao seu encontro,
salvando-o.
Nesse momento de confraternização, em que todos os animais festejavam
o resgate do Urso Panda, uma chuva caiu sobre a floresta apagando o incêndio, e
a paz reinou novamente.
Personagens: um Rei Leão, dois leões, quatro tigres, três pássaros e um
urso panda.
Imagem
Ao término da apresentação das cenas, os participantes formaram
novamente um grande círculo. Neste momento, solicitei a eles que, juntos,
formassem uma imagem que representasse o que havia sido vivido naquele dia.
Pedi que, um a um, fossem para o centro do círculo para compor esta imagem.
Para minha surpresa eles entenderam, e uma das alunas se prontificou. Em
seguida outra. Os alunos foram para o centro agora em pequenos grupos e
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formaram um grande círculo. Em função do número de participantes e do
tamanho da sala, formou-se um outro circulo concêntrico. Foi um momento de
emoção quando eles começaram a gritar “Ola” e se uniram no centro do círculo,
de braços levantados. Pediram para fazer de novo. Após, todos batemos palmas.
Foram todos convidados a sentar e conversar um pouco.
Compartilhar
Em primeiro lugar expliquei o que significava compartilhar a experiência
vivida. Disse que naquele momento poderíamos falar de nossas sensações e
sentimentos, de cenas que as vivências tenham nos remetido, de experiênciaspassadas. Cassiana (ego-auxiliar) complementou que neste momento não
caberiam críticas.
Alguns alunos pediram a palavra. Uma aluna, que viveu o papel de líder na
cena, compartilhou que “na vida real”, ela muitas vezes também assume este
papel e que não é compreendida pelos demais. Relatou que esta situação é
desgastante e perguntou ao grupo como tinha sido sua atuação. O grupo por sua
vez retornou para ela que sua atitude havia sido construtiva, que todos no grupoparticiparam de forma integrada, tendo sua oportunidade de expor as próprias
idéias e serem acolhidos.
Outro componente, que exerce a profissão de bombeiro, falou da
importância da calma nas situações de emergência. Outro ainda trouxe a questão
da classe, da integração entre os alunos e de como havia sido bom trabalhar com
novas pessoas. Esta posição foi apoiada pelos demais alunos.
Em função do horário, combinou-se que, na próxima aula a discussãosobre a atividade seria aberta novamente. Solicitei que escrevessem uma reflexão
individual sobre o processo vivido, para neste próximo encontro.
Processamento
Como aquecimento, levei as fotografias do encontro anterior e pedi aos
alunos que escrevessem uma reflexão sobre o processo vivido, pois alguns deles
não haviam feito em casa, conforme combinado.
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Pedi que formassem um círculo com as carteiras. Fiz uma retomada dos
acontecimentos e das cenas. Os alunos novamente falaram da importância da
integração da classe e dos papéis de bichos assumidos por cada um. Falaram
que os bichos escolhidos têm a ver com as pessoas e com o momento vivido.
Retomei com eles que cada bicho tinha um papel no grupo. Foi levantado o
fato de que o bicho-preguiça apareceu em muitas cenas. Na discussão sobre este
bicho em particular, além da sua lentidão, o grupo lembrou do filme “A era do
gelo”, em que o bicho-preguiça é aquele que consegue fazer a integração entre
os demais personagens-bicho do filme. A partir de características desse animal o
grupo afirmou a importância do respeito a cada um.
Discuti com a classe a possibilidade de mudança de grupos para o projetointegrado, caso necessário.
Reflexões dos alunos
Em geral, os alunos falaram da importância da integração do grupo atingida
durante o ato. Uma aluna se referiu à escolha pessoal do bicho. Segundo ela, há
algum tempo atrás ela teria escolhido ser um gatinho ao invés de uma onça.
IV.2 Segunda Sessão: “Na reunião de equipe: a dança dos
personagens”
Ato do dia 24/05/2006
Local: Faculdades Radial – Unidade Hípica.
Público alvo: alunos da Turma do 1º Módulo (1º semestre do 1º ano) do
curso de Tecnólogo em Gestão de Recursos Humanos.
Horário: 10h00 às 11h45 – duração: 1 hora 45 minutos
Diretora: Lívia Tais Bellotto Monteiro
Ego-Auxiliar: Paulo Edson Boucault
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Ao chegar à sala, no meu papel de professora, componentes de dois dos
grupos vieram pedir para não participar da atividade, porque precisavam se
preparar para a apresentação do projeto, que ocorreria daqui a dois dias.
Consultei a classe, e perguntei se havia mais algum grupo nesta condição.
Nenhum outro grupo se identificou. Perguntei então para a classe se podíamos
dar seqüência na atividade planejada e consenti que os dois grupos se
ausentassem.
Contrato
Estamos nos encaminhando para o final do semestre e,consequentemente, para o término do nosso trabalho conjunto. Tivemos um
primeiro momento de construção da turma, no primeiro ato de psicodrama.
Naquela aula, fomos para uma floresta, onde cada um escolheu ser um
personagem do reino animal. Formamos uma equipe e cada um ocupou um papel
na equipe. Hoje faremos uma avaliação do trabalho em equipe desenvolvido
durante o semestre, através de um novo trabalho.
Aquecimento Inespecífico
Os alunos estavam agitados. Dei a seguinte instrução: vamos agora
começar a nos preparar. Todos em pé. Imaginem-se no início de um novo dia.
Abrimos os olhos e começamos a espreguiçar, fazer caretas, bocejar. Vamos
esticar os braços. Imaginem que estamos todos em um lugar bonito, em um
campo, pisando na grama. Vejam o sol brilhando. Olhem em volta, e
cumprimentem as pessoas. Experimentem outras formas de fazer isso, sem falar.
Pode ser um gesto, um movimento, um olhar. Com as mãos ou com os pés.
Inventem.
Estamos no primeiro dia de aula da Radial. Percebam como vocês estavam
naquele momento. Que sensações se faziam presentes? Os alunos respondem:
medo, insegurança. Agora vocês vão se dirigir ao local da sala que vocês
escolheram sentar no primeiro dia de aula. Lembrem deste dia, dos colegas que
vocês conheceram, e das impressões que tiveram deles.
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Agora, andem no tempo para o momento da escolha da equipe para o
projeto integrado. A primeira reunião da equipe, os primeiros dias de trabalho.
Como cada um se sentia em relação à equipe? Que característica pessoal
se destaca mais neste momento? Pensem em um personagem que o represente
neste momento. Por exemplo, se eu fosse uma ferramenta, que ferramenta seria?
Se fosse uma planta, um artista. Compreenderam?
O trabalho em equipe continua. Vejam como este personagem evolui.
Vejam se ele se mantém ou se vai se transformando.
Caminhem para outro lugar da sala. Estamos chegando aos momentos
finais do trabalho, neste que estamos vivendo agora. Que sensações estão
presentes? Identifiquem qual característica de vocês fica mais forte dentro daequipe. Qual o personagem?
Aquecimento Específico
a) Construção dos personagens
Vocês têm vários materiais à disposição. Revistas, folhas em branco, giz
de cera, cola, tesoura.
Vocês deverão construir dois personagens. Busquem neste material um
personagem que represente vocês no momento inicial do projeto e um que
represente vocês no momento final. Um recorte da revista, um desenho, uma
montagem. Pode ser um objeto, uma pessoa, uma planta, uma cor. Deixem que o
material escolha vocês. Os alunos compreenderam esta instrução. Os alunos
permaneceram bastante envolvidos com a tarefa de encontrar o personagem. As
revistas foram logo escolhidas e suas páginas pesquisadas. Durante esteprocesso, algumas alunas me chamaram, apontando figuras e dizendo que
tinham achado algo que realmente as representasse.
Solicitei que se reunissem com sua equipe do projeto e compartilhassem
os personagens escolhidos para o momento do início e para o final do projeto.
Observei que apenas um dos grupos atendeu a instrução de forma
adequada. Fizeram um círculo e conversaram. Os demais, embora eu
estimulasse, permaneceram sentados próximos, nas cadeiras, mas não pareciamcentrados nesta tarefa. Muitos continuavam entretidos com a construção dos
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personagens, mas o tempo que tínhamos para a conclusão das tarefas passava
célere.
b) Montagem das gravuras
Cada grupo foi informado de que iríamos fazer uma exposição em uma
galeria de arte, e que seriam construídas duas gravuras. Uma que representasse
o início do trabalho e outra o final, em que estivessem presentes os personagens
escolhidos para cada momento da equipe, em um determinado contexto. Foram
dados 15 minutos para esta tarefa.
As gravuras foram expostas em duas colunas. Uma do início do trabalho eoutra do final.
Figura 1 - Início Figura 2 - Fim
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Figura 3 - Início Figura 4 - Fim
Figura 5 - Início Figura 6 - Fim
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Figura 7 - Início Figura 8 - Fim
Figura 9 - Início Figura 10 - Fim
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Figura 11 - Início Figura 12 - Fim
Figura 13 - Início Figura 14 - Fim
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Figura 15 - Início Figura 16 - Fim
Figura 17 - Início
Figura 18 - Fim
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C) Escolha sociométrica das gravuras
Passeiem entre as gravuras e vejam com qual delas mais se identificam,
qual mais lhes tocou. Escolham uma gravura de cada coluna.
Agora vamos olhar para as gravuras do início e cada um deverá ficar na
frente da gravura que escolheu, formando uma fila. Assim teremos uma gravura
eleita pela turma e que a representará neste momento. O grupo formou fila
indiana em frente de cada gravura, e havia certo equilíbrio entre duas delas. Masa gravura que expressava um bebê sorridente ganhou (Figura 1).
A seguir, o mesmo foi feito para o momento final. Para esta gravura, os
alunos deixaram claro que a escolha deveu-se a um componente do grupo que
havia se transferido para a turma da noite – Jak (Figura 4).
Dramatização
A partir das duas gravuras escolhidas, o grupo foi consultado para realizar
nova escolha sociométrica de qual momento desejava trabalhar.
Figura 19 - Início Figura 20 - Fim
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A gravura escolhida foi a do início do trabalho. Esta foi trazida para frente,
no palco psicodramático. Pedi que o grupo que havia feito o desenho ficasse no
palco. E que os demais componentes fossem para a platéia.
Expliquei que o grupo responsável pelo desenho seria o disparador e pedi
que montassem uma imagem com o corpo, a partir da gravura. As alunas ficaram
inibidas. Então, pedi que explicassem a gravura. Cada uma delas explicou seu
próprio personagem, que características quiseram demonstrar em cada um: “Eu
estava insegura, preocupada, com medo do novo.”, “Eu estava perdida, não sabia
que rumo tomar.”, “No começo eu achava que não era uma equipe, era gente
junto, mas cada um tinha uma idéia, tava meio perdida também.”, “Eu aqui, cheia
de informação, sem saber o que fazer.”, “Eu me sentia uma analfabeta.”, “Eu me sentia pensativa e preocupada.”, “Eu me sentia feliz com pessoal diferente”.
Solicitei novamente que pudessem expressar o personagem “ao vivo”, e
como no início do trabalho, cada um apresenta a imagem do seu.
Pergunto se alguém da platéia gostaria de dar voz a um daqueles
personagens. José (nome fictício) vem para o palco e imita o bebê alegre que diz:
“Gu gu da dá, eu tô muito feliz” .
Solicito novamente a participação da platéia. José se movimenta ao redorda gravura, procurando outro personagem. Pergunto a ele se gostaria de dar voz
ao Jak, colega que havia se transferido para a noite. Ele diz que sim, e a platéia
aplaude. Então, peguei esta gravura e coloquei ao lado da outra. Peço que dê voz
ao personagem: “Pessoal, eu estou partindo. Eu sei o potencial que vocês têm e
gostaria de permanecer no grupo, mas houve um imprevisto e eu tenho que
partir”.
Com as duas gravuras dispostas lado a lado no chão, pergunto novamentese mais alguém gostaria de dar voz aos personagens.
Neste momento, ator e personagem se misturam.
Um dos alunos, Ronaldo (nome fictício) escolhe a personagem da aluna
Clarisse (nome fictício). O outro é ele mesmo. Quando a cena começa, a
personagem é deixada de lado, e uma cena do grupo é dramatizada pelos dois
alunos. Nesta cena, Clarisse aparece aflita, perguntado sobre que dia é hoje, se é
o dia da entrega do trabalho. Ela é assertiva, ao solicitar que José pare de brincar.
Diz que o trabalho precisa ser entregue. Pergunta por Ronaldo, outro aluno, e diz
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que precisam se organizar para o trabalho em grupo. Ao fim da cena, José
comenta: “é assim mesmo”.
Solicitei então uma inversão de papéis entre os dois alunos em cena. José
passou a ser Clarisse, e o outro aluno assumiu o papel do José. A cena foi refeita,
mais ou menos com o mesmo discurso.
De repente, me dei conta que estava sendo feito um espelho, duplo ainda
por cima!
Caminhei para perto da protagonista, pedi que congelassem a cena e
perguntei a ela como estava se sentindo, pedi que pensasse alto, ou seja, que
fizesse um solilóquio. Clarisse diz que se sente reconhecida pelo grupo, que
gostou do modo como foi representada. Perguntei qual o nome que ela daria paraa personagem dela, cuja figura representava uma mulher com uma chave de
fenda na mão. Ela dá o nome de “Mãezona”.
Volto para o palco. A cena já havia se desvanecido diante dos comentários
da “Mãezona”. Retomo então, perguntando aos alunos no palco, sobre qual o
personagem, representado na figura, eles seriam.
José se identifica como Neo, personagem principal do filme Matrix.
Ronaldo se identifica como um Editor de revista americano, John, filho do ex-presidente Kennedy. Os colegas, no entanto, insistem em chamá-lo de Kiko,
personagem do seriado Chaves. Isto porque ele usa um boné, em sala de aula.
Pedi então que a aluna Clarisse viesse, e assumisse seu personagem, a
“Mãezona”. Na fala dos personagens, o nome do aluno-ator emergia, e eu
cuidava para que eles se mantivessem no papel do personagem.
Pedi então que a “Mãezona” desse voz à sua personagem: “Eu agora tomo
conta do grupo. Com a saída do Jak, assumi a liderança”.O personagem “Neo” diz: “Eu era folgado. Não esperava que durante o
projeto eu fosse amadurecer. Agora eu também quero compartilhar a liderança
com Clarisse”.
Ronaldo dá voz a “John”: “No começo eu era acomodado, mas depois da
primeira nota do trabalho, resolvi me movimentar.” Perguntei qual sua
característica mais marcante: “Ser muito crítico”.
Um participante foi chamado para representar um componente do grupo,
que não estava presente. Coloquei a aluna Clarisse para fazer Álvaro (nome
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fictício), e o ego no lugar de Clarisse. Tomando o papel de Álvaro : “Eu demoro a
fazer se não for comandado. Preciso de opinião externa para me dedicar”.
Perguntei à platéia se alguém se identificava com algum daqueles
personagens. Pedi que fizessem um duplo, como se fosse a própria pessoa
falando. Dei um exemplo.
O lugar de duplo da “Mãezona” foi ocupado por mais três alunas, que
tomaram o centro do palco. Suas falas foram: “Tentei ajudar e administrar o
grupo. Às vezes dá vontade de puxar as orelhas, outras, de por no colo” ; “Dá
vontade de fazer tudo pelo grupo e ajudar” ; “Eu faço o que tem que ser feito,
mesmo que doa. É preciso motivar e tirar do grupo quem não se compromete. Em
algumas ocasiões eu defendi o grupo, quando este recebeu uma nota que eu não achei justa” .
Pergunto se mais alguém quer fazer um duplo, ou trazer um outro
personagem. Uma aluna se dispõe a fazer um duplo do “John”, dizendo que
incentiva os colegas, mas às vezes é chata. Gosta de ser empática, imaginar as
expectativas, apaziguar os medos, destacar as qualidades, dar apoio. Pergunto
se o personagem é mesmo o “Crítico”. Ela então se nomeia, “Motivação”.
Pergunto novamente se alguém não se sente representado, e gostaria detrazer um novo personagem. Outro aluno se prontifica, e é identificado como
“Paizão” por uma das alunas. Faz então um solilóquio: “Preciso dos
companheiros, às vezes sou chamado de chato, mas eu sou o equilíbrio entre
tantas opiniões, isso é necessário”. Eu o denominaria “Mediador”.
Outra aluna levanta a mão, e diz que teve sorte de estar no grupo do qual
faz parte, porque se sente motivada, protegida pela “Mãezona”. É a mais nova do
grupo, tem que aprender no tranco. Ela se denominou a “Aprendiz”.Em função do horário, encerrei esta etapa, agradeci a todos os
personagens, e passei para o compartilhamento.
Compartilhar
Informei ao grupo que iríamos agora compartilhar qual o sentimento
presente, o que havíamos aprendido com aquela vivência, o que nos agregou.
Uma aluna, que havia desenhado um peixe, disse que, no início, se sentia
um peixe fora do aquário, não entendia o projeto integrado, não havia
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identificação para a formação do grupo. Mas, diante da acomodação do grupo,
assumiu a liderança, entrou no aquário. Uns entraram, outros saíram, mas há
como se entrosar. Está contente.
Outra aluna disse que se sentia vencida, acomodada. Buscou ajuda, correu
atrás e hoje sente-se mais confiante e tranqüila.
Os depoimentos continuaram por mais alguns minutos. Os alunos falaram
de assumir a liderança, de ouvir e respeitar as diferenças.
Em virtude do tempo, perguntei ao ego se gostaria de fazer alguma
consideração. Ele parabenizou os alunos pelo empenho e desejou que todos
pudessem continuar suas buscas pelo crescimento.
Para finalizar, pedi mais um minuto, e fiz uma breve reflexão, dizendo aosalunos que eu havia percebido o crescimento e a integração do grupo durante o
curso. Disse que todos nós temos vários personagens dentro de nós. Quem
nunca havia sido a “Mãezona” ou o “Paizão”? O “Chato” ou o “Aprendiz”?... E que
o importante era podermos alternar estes personagens, no sentido de encontrar o
que mais fosse útil em cada ocasião. Agradeci à turma também pela oportunidade
de crescimento.
Para terminar, pedi uma chuva de palavras, para que todos tivessemoportunidade de se expressar: mudança, solidariedade, cooperação, solidão,
sucesso, decepção, aprendizado.
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V DISCUSSÃO: REFLEXÕES SOBRE O VIVIDO
Segundo Castello de Almeida (1988) em sua obra Formas de Encontro, a
experiência psicodramática, a partir do método fenomenológico-existencial,
coloca-se como uma obra aberta, onde uma ambigüidade perceptiva permite
possibilidades de leitura que vão além da convencionalidade, da conserva.
Castello de Almeida (1988) cita Umberto Eco: “A obra de arte é uma mensagem
fundamentalmente ambígua, uma pluralidade de significados que convivem num só significante” (p.10).
Dentro desta perspectiva, propomos realizar uma discussão de uma
vivência realizada em sala de aula, a partir de uma leitura sociodramática,
fundamentada pelo vértice psicoterápico.
Acreditamos seja útil lembrar que, para o criador do Psicodrama, não
existia a divisão Terapêutico X Sócio-educacional. Esta foi criada para atender a
exigências legais do exercício profissional de psicodramatista não-terapeuta, aquino Brasil.
Para Moreno, importa o grupo e os vínculos possíveis entre seus
integrantes. Valem as possibilidades criadas para a re-visão das relações grupais
e a abertura para o Encontro.
Primeira aula. Era uma vez uma sala cheia de alunos. Grupo? Ainda não
sabíamos. Estavam todos lá, sentados em suas carteiras. Olhares ansiosos,
percucientes.
Provavelmente, perguntavam-se sobre quem era eu. Na sociometria do
grupo, apenas dois papéis se destacavam: professor e aluno. Entre os alunos, em
papéis simétricos, começavam a se estabelecer relações fraternas. Estavam
todos no mesmo barco.
Ante a solicitação da professora, para que formassem grupos para a
realização do Projeto Integrado, os alunos se entreolharam. A proximidade entre
as carteiras criava espontaneamente uma sociometria: alunos sentados próximos.
Similarmente ao observado por Moreno, na formação de grupos de bebês, a
proximidade física torna-se o primeiro critério possível de escolha naquele
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momento. Primeiro, mas não único. Isto porque várias configurações seriam
possíveis, dentre os mais próximos.
Pensando no conceito de co-inconsciente, é justo considerar que outros
fatores tenham influenciado nesta primeira escolha. O critério “proximidade” seria
ou não validado durante as primeiras experiências de trabalho em grupo daqueles
alunos.
Cada aluno, com suas características próprias e diante das características
dos colegas, configuraria um “personagem” do grupo. Este personagem, como
entendido por Calvente, precisaria de um complementar (pensando na Teoria de
Papel). Diante da teia sociométrica criada, alguns grupos puderam permanecer
juntos durante todo o semestre, o que não significaria, necessariamente, umaunião entre seus componentes. Outros grupos se dividiram ainda no começo do
projeto.
Nas sessões sociodramáticas realizadas, a proposta de uma reflexão a
respeito do que fosse trabalhar em equipe foi mantida, tendo sido possível
desvelar, ainda que em um plano horizontal em função do contexto social em que
estávamos inseridos, os diversos personagens que compuseram estes grupos no
processo de trabalho do Projeto Integrado.Na primeira sessão , a idéia de levar os participantes a adentrar uma
floresta foi uma proposta ousada e desafiadora, pois, nos contos de fadas, “entrar
em uma floresta” é uma simbologia que está relacionada à entrada no mundo da
subjetividade. Nestes contos, os elementos bem e mal estão sempre presentes. O
aquecimento realizado teve, portanto, como pano de fundo, o campo das
questões éticas e de valor.
Todos os alunos foram colocados em uma floresta imaginária. O cenário foisendo construído, na medida em que informei que existiam muitos bichos nesta
floresta. A partir deste cenário, o aquecimento específico levou os alunos a
vislumbrarem estes animais, e então a diretora pediu que escolhessem um, com o
qual mais se identificassem.
Embora não tenha sido a proposta investigar qual o sentido do animal
escolhido para cada aluno, nas reflexões que foram entregues, uma das alunas
escreveu: “Se fosse antes eu teria escolhido ser um gatinho, mas agora escolhi
ser uma onça!”. Nossa leitura, a partir desta fala, foi que a escolha do
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personagem “bicho da floresta”, possibilitou que os alunos refletissem sobre si
mesmos, e sobre os possíveis “animais” que habitam ou habitaram sua “floresta”.
Seguindo o roteiro do aquecimento, a diretora pediu que fossem sendo
aquele animal e inclui o elemento “problema na floresta” no cenário – ou seja, fiz
uma interpolação de resistência. Pediu que olhassem em torno, e escolhessem
os animais que eles achassem que poderiam formar uma equipe para resolver o
problema.
Observou-se que a configuração de vários dos grupos criados tendeu a se
manter semelhante à dos grupos para o Projeto Integrado.
Outro dado interessante foi que, todos os alunos que chegaram atrasados
a partir do momento em que os grupos já estavam formados, escolheram omesmo para se integrar. Na cena criada por este grupo escolhido,
posteriormente, podemos identificar o elemento “líder”, de forma bem destacada.
Este “líder” da floresta dava as ordens, enquanto os outros obedeciam.
Nas cenas criadas, o líder foi representado por uma águia, uma coruja,
uma girafa e um leão, coadjuvado pelos pássaros, que o avisaram do incêndio na
floresta. A liderança pertence, portanto, àqueles que podem olhar do alto, que têm
visão ampla dos acontecimentos da vida.Além do aspecto liderança, encontramos também o aspecto valor moral
presente em quase todas as cenas: a onça que caçava os bichos-preguiça, e que
ao final, libertado pelo último deles, faz amizade com seu salvador em sinal de
gratidão, embora caçar fizesse parte de sua natureza instintiva.
Em outra cena, os caçadores dos bichos-preguiça não tiveram tanta sorte.
Importante considerar que esses “caçadores” eram homens, não faziam parte da
floresta, e talvez por isso não tiveram direito ao perdão. Eram os diferentes eforam comidos pelo jacaré.
Outro elemento importante nas diversas cenas criadas foi o personagem do
bicho-preguiça. Este personagem aparece como “aquele que precisa ser salvo”.
Numa investigação com o grupo na aula seguinte, a característica que mais
chama a atenção neste animal é sua lentidão ao se locomover. Os outros animais
vêm em sua defesa em função desta fragilidade.
Durante toda a dramatização, a platéia se manteve aquecida. Os “animais”
que permaneciam na platéia identificavam-se com os animais em cena. Estavam
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todos torcendo pela vitória do bem contra o mal, e mais que isso, pela paz na vida
da floresta.
Teria este sociodrama um valor axiomático? O subtexto presente no roteiro
das cenas traz, então, uma discussão acerca dos valores subjacentes à dicotomia
força-fraqueza, oprimido-opressor, lentidão-rapidez, certo-errado, bom-mau.
Se o fazer psicodramático é uma concretização da forma de pensar, a
experiência vivida revela, pois, a forma de pensar dos alunos, no aqui-agora da
sala de aula. As cenas trazidas pelo grupo apresentaram o bem e o mal
conservados, onde os personagens assumiram um dos lados em detrimento do
outro. Em algumas cenas, o mal esteve representado dentro do mundo animal
(onça), no reino hominal (caçadores) ou ainda na própria natureza (o incêndio).A dialética bem-mal ainda não pode ser vivenciada pelo grupo. Este
momento da sociogênese grupal esteve repleto de personagens conservados,
cuja espontaneidade apresentava-se submetida a rígidos padrões culturais, o
diferente (bicho-preguiça) precisava ser salvo ou extinto (caçador). Alguns alunos
já se destacavam “vestidos” de líderes, mas ainda perdidos em meio a uma
multidão de outros animais, cuja sociometria começava a se configurar.
Ao final da dramatização, quando a diretora pede uma imagem do grupo,este novamente expressa o desejo pela indiferenciação, representada por um
círculo, onde todos de mãos dadas, unidos, encenavam um final feliz.
Naquele momento prevaleceu à busca por uma floresta que pudesse
conter a todos, bichos e homens, bons e maus, sem exclusões. O sentimento
geral foi de grande emoção, de uma integração desejada e possível. A nosso ver,
o ponto alto da sessão. A lembrança desta vivência, gravada no coração e no
corpo daqueles que dela participaram, seria fonte de inspiração nos diversosmomentos da vida dos grupos integrados por estes alunos.
No momento do compartilhar, uma das alunas-líder emerge e sua fala
revela a insegurança de sua posição no grupo. Ela pergunta ao grupo se teria
sido uma boa líder da equipe quando da montagem da cena. Indo mais além, esta
aluna pergunta à classe se esta a aceita neste papel. A classe responde que sim,
confirmando mais do que a aceitação da liderança, uma necessidade.
No contexto social onde este grupo se insere, mediado pelas relações de
ensino-aprendizagem, vamos encontrar um outro viés do tema protagônico destes
alunos.
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Em sua origem, o caos gerado pelo não saber, onde o conhecimento
(saber) fica, via-de-regra, investido na figura do professor.
O professor, que também é considerado um líder na sala de aula, é
solicitado o tempo todo a dar instruções, diminuir a angústia, eliminar o caos. O
aluno não se angustia porque não precisa escolher. Alguém já se incumbiu da
decisão. A visão do professor como facilitador das relações grupais e da
aprendizagem está longe de se tornar uma realidade. Não só na visão dos alunos,
mas também na visão da instituição de ensino.
Creio que esta é uma realidade à espera de ser re-construída. A idéia do
homem, como condutor e responsável por sua própria vida, pertence muito mais
ao plano filosófico do que ao plano da ação prática.A responsabilidade centralizada na figura do professor justifica a conserva
sucesso-fracasso. Se a tarefa é concluída pelos alunos, se o trabalho é bem feito,
o professor é parabenizado. Se algo dá errado, o professor é o culpado.
Quando a responsabilidade passa a ser compartilhada, deixa de ter sentido
a figura do culpado. Cada um passa a ter que dar conta de seus próprios atos, e
as figuras do bom e do mal, certo e errado, tornam-se personagens aceitos como
fazendo parte de nossa condição humana.Esta primeira sessão funcionou como aquecimento para o sociodrama
vivenciado na segunda sessão.
Na segunda sessão , a proposta inicial foi de que os alunos pudessem
realizar uma ação dramática com a finalidade de resgatar o início das vivências
do trabalho em grupo, no Projeto Integrado, e tomar consciência de como o grupo
se encontrava no momento em que o trabalho estava sendo concluído, uma
avaliação a partir do reconhecimento da contribuição de cada um de seuselementos.
A proposta de como esta sessão seria desenvolvida surgiu a partir de um
processo de co-criação com a orientadora desta monografia, a Dra. Mariângela
Wechsler.
Citamos sua contribuição por considerar que, no momento em que me
preparava para este segundo ato, as relações professor-aluno, tanto no contexto
da elaboração da monografia, como em sala de aula, com os alunos da Radial,
haviam entrado em uma fase mais criativa, onde a co-responsabilidade se fazia
presente, facilitando o fluxo das atividades.
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O início da sessão foi marcado por grande inquietação. Estávamos no final
do trabalho escrito, e os alunos se preparavam para a apresentação dos projetos,
dali dois dias.
Mesmo com dois grupos tendo saído da aula com a finalidade de preparar
a apresentação, e o grupo ter sido consultado sobre a manutenção da proposta
inicial, a agitação era grande.
O aquecimento foi realizado com muitas conversas. Em função disso, a
diretora fez pequenas alterações no roteiro de aquecimento que já havia sido
definido previamente, acelerando também as etapas e colocando os alunos já no
contexto da sala de aula. Quando foi citado o primeiro dia de aula, alguns alunos
vaiaram, dizendo que não era uma lembrança prazerosa. Perguntou, então, comose sentiam, ao que responderam medo, insegurança, ansiedade. Pediu que se
dirigissem ao local onde se sentaram neste dia. A referência para esta instrução
foi a observação de que a escolha dos componentes do grupo tinha obedecido ao
critério proximidade física em sala de aula.
Após solicitar aos alunos que pensassem em um personagem que os
representasse em relação ao grupo, no início e no final do projeto, a diretora
pediu que retirassem figuras nas revistas ou que desenhassem os personagens.Como era grande o número de revistas e também o número de alunos, sugeriu
que se deixassem escolher por uma revista ou outro material. A diretora queria
que os alunos se permitissem levar pela intuição, quanto à escolha da “fonte” de
seus personagens.
Em geral, os personagens criados para o início do trabalho em grupo
representavam mais propriamente a condição de “calouros” de faculdade. Estes
alunos eram novatos. Chegavam ao ensino de nível tecnológico com maisperguntas que respostas. A faculdade era nova, os colegas e professores
também. Não conheciam a rotina da instituição, nem sua proposta de ensino.
Muitos entraram no curso, inclusive, sem saber exatamente o que iriam aprender
e em que iriam se formar. Novamente aparece aqui, nesta sessão, a dicotomia, a
condição do novo, do não-saber: alegria-tristeza, dúvida-expectativa, força-
desânimo, busca de companheirismo-solidão, equilíbrio-desequilíbrio,
compromisso-folga. Nas gravuras, o individualismo. Cada um por si, Deus por
todos. Deus aqui representado pela figura do professor.
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Já para a fase final do trabalho, vamos encontrar uma classe de
personagens capazes de expressar emoções como amizade, preocupação e
stress, solidão, decepção, alegria, visão, crescimento, liberdade, conquista,
encontro. Como temas, a carreira (sucesso e fracasso), o trabalho e suas
ferramentas. Como conquistas, a união, o time, o grupo, a família, o
conhecimento. O peixe fora do aquário encontra um lugar entre os seus. Na
configuração das gravuras, a falta de seus integrantes é sentida, a ausência se
faz presença e fica expressa por pontos de interrogação.
A representação do grupo existe no imaginário de seus componentes. A
inter-relação entre seus membros pode ser percebida através das imagens de
grupo, família e de sentimentos como união, encontro.Na escolha pela maioria de votos, das figuras que representassem os dois
momentos do trabalho da equipe, foram selecionadas as seguintes gravuras:
Na figura 1, observamos uma diversidade de fisionomias e cores.
Na figura 4, o tema carreira e trabalho foram privilegiados. Mas a gravura
remete ainda ao colega ausente, que se transferiu para o turno da noite por
motivo de trabalho. Despedidas, saudades!
Entre as duas figuras, a escolhida foi a do início do projeto. Naquelemomento, uma dúvida. Por que a classe escolheria uma imagem cuja
representatividade estava no lá-então, quando o aqui-agora pulsava nos
corações? O grupo escolhe, num primeiro impulso, ficar distante da emoção. No
lá-então não há mais mudanças. É passado. As expectativas, o medo, o novo
ficaram para traz.
Agora, é momento de finalizar, despedir, perder...
Quando a diretora pede ao grupo, cuja gravura fora escolhida em primeirolugar, para criar uma imagem, ao vivo e a cores, este faz uma tentativa pálida.
Diante da dificuldade, peço que apresentem seus personagens. Mas a emoção
definitivamente não morava ali.
Ao solicitar a participação da platéia, emerge um dos alunos responsáveis
pela gravura escolhida para representar a fase final do trabalho em equipe. Ele
vem dar voz ao bebê. Traz a alegria, mas continua ali, em cena, como a solicitar
mais um script.
Intuitivamente a diretora traz à tona a gravura de seu grupo. Esta, sim,
trazia a emoção – a emoção da despedida. Era a verdadeira cena protagônica.
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Diante desta nova possibilidade, outro aluno do mesmo grupo vem ao
palco e traz uma cena. Diante do meu olhar de diretora, a dramatização fluía e eu
me encantava. A gravura do início fora um aquecimento dos personagens, que de
bebês tornaram-se adultos no papel de membros de uma equipe.
Os alunos-atores dramatizam cenas do cotidiano de um projeto, com suas
diversas etapas, prazos de entrega, mídias magnéticas de gravação do trabalho.
Na cena, personagens das equipes emergem trazendo suas qualidades e
dificuldades, virtudes e defeitos. Nesta dança de personagens, o bom e o mau
passam a fazer parte de cada um, pois o folgado também quer ser líder, o chato
pode ser também o equilíbrio, o crítico se alterna com a motivação, a mãezona,
que cuida, é também a cobrança, que tira do grupo quem não se compromete.Estes foram alguns dos personagens que puderam ser explorados pelo
grupo, e a partir da identificação e do re-conhecimento destes, investigados como
cada um atua na sociodinâmica do grupo.
No processo vivido por estes grupos/equipes, que se organizaram a partir
da tarefa comum de realizar um projeto acadêmico, verificou-se que, a partir do
momento que a tarefa vai tomando forma e ficando mais clara, o grupo ganhava a
mesma condição: “São inseparáveis Ser e Conhecer”. A teia de relações entreseus componentes foi se estruturando conforme os papéis se diferenciavam,
suportados pelos personagens a eles vinculados.
Como o peixinho que passa a habitar o aquário (figuras 13 e 14), o
sentimento de pertença ao grupo diminuiu a sensação de “estar perdido”, o que
tornou possível o estabelecimento de relações de cooperação. A equipe passou a
dar conta de suas atribuições, em um movimento de co-responsabilidade e
autonomia.Observamos que a evolução dos vínculos sociométricos deste grupo fez
com que a angústia paralisante do início se dissolvesse. Alguns grupos puderam
alterar suas escolhas de equipe. Os personagens ganharam mobilidade em suas
atuações, trazendo para a equipe toda sua bagagem de experiência e
conhecimentos.
Para a diretora, a maior conquista foi perceber que os grupos puderam
caminhar com mais autonomia, que seu papel de professora-psicodramatista
passou a ser de facilitadora, seja das relações do grupo, seja do roteiro do
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projeto. Além de transmitir conhecimentos, trouxe a vivência de ser-em-relação
para a sala de aula.
As finalidades sociodramáticas foram alcançadas, na medida em que a
turma pode refletir sobre o trabalho em equipe, quando puderam emergir os
personagens que habitavam a floresta das relações vividas por aqueles grupos.
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VI CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo do humanismo, na somatória das intervenções, seriacolocar o Homem no centro das atenções de todas as ideologias,buscando aperfeiçoa-lo com espírito crítico e confiança,aproveitando-se ao máximo as forças biológicas, psicológicas,sociais e espirituais que se convergem sobre ele, em seuprocesso civilizatório.
Do Homem, no entanto, não se afastam as contradições, asclaudicações, as fragilidades; pelo contrário, será desses pontosreconhecidos que se buscará construir o Homem forte, emliberdade, em dignidade, em direitos e, afinal, em respeito àpessoa distinta que é (Almeida, 1988 p. 37-38).
“A Metodologia do ensino exige uma metodologia do conhecimento”
(Almeida, 1988 p. 18). A partir das ações propostas, buscamos estimular os
alunos a uma reflexão acerca do modo particular de cada um estar no mundo, na
situação de trabalho em equipe. Permitir a todos aqueles que, assim como eu,
estejam em busca de suas verdades, de seu crescimento pessoal e que tomem
consciência de seu papel no mundo, de modo criativo e espontâneo, ousado e
inquieto, porém co-responsável por suas ações perante o universo. Esta é a
proposta do Psicodrama e reflete a vida e a obra de seu criador, J. L. Moreno.
Trabalhar com este grupo de alunos, dentro da perspectiva psicodramáticafoi um grande desafio. Na minha prática como professora psicodramatista,
procurei ser fiel às minhas convicções, numa cumplicidade com a visão de
homem moreniano, de que o homem é um ser-em-relação, cujo desenvolvimento
se dá dentro do contexto sócio-grupal no qual está inserido.
Acreditamos que um grupo tem uma força que transcende os indivíduos
que o compõem, podendo operar grandes transformações, seja em seus
membros individualmente, seja no seu todo.
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O processo deste conjunto de alunos do primeiro módulo de Gestão em
Recursos Humanos da Faculdade Radial e desta professora de Projeto Integrado
passou por diversas fases.
No início, a experiência do caos. Estávamos todos ali pela primeira vez.
Apesar do programa do curso ter sido apresentado no início das aulas, o curso do
programa muitas vezes obedecia a um ritmo próprio.
Por mais que a Professora tentasse manter o controle daquele navio, em
função do poder nela investido como tal, os ventos sopravam e o navio seguia
outras rotas. De minha parte me esforçava, içando velas e segurando o leme.
Mas em vão...
Não dependia só de mim. Éramos um grupo, e estávamos todos no mesmobarco. Tínhamos um mapa que indicava de onde partíramos e onde deveríamos
chegar. Mas havia contratempos que nos pegavam de surpresa e foi preciso
utilizar todos os recursos à nossa disposição para continuar navegando.
O primeiro ato sociodramático realizado foi usado pelo grupo como
momento de conhecimento e integração. Teve um sentido exploratório, onde os
integrantes descobriram que, juntos, eram capazes de criar sinergia, sentimentos
de união e de apoio mútuo. O grito de “ola”, no final da dramatização, ressoouainda por muito tempo nos corações de todos nós, alimentando a visão de um
futuro mais feliz.
Este primeiro momento de Encontro marcou o término da primeira fase do
programa do curso, que versava sobre planejamento e desenvolvimento de
projetos, e deu início ao projeto integrado propriamente dito, onde os grupos se
debruçariam sobre a análise de uma empresa.
A angústia, que ainda era grande, foi cedendo pouco a pouco, na medidaem que a elaboração do projeto entrava em cena. Era o ato de fazer, tornando
concretos os conhecimentos adquiridos através da produção escrita. Os grupos
foram ganhando autonomia e se comprometiam com a tarefa.
Entre as atribuições inerentes ao meu papel, a Professora-Psicodramatista
não era apenas aquela que transmitia conhecimentos formais, mas também
ocupava o lugar de quem pode acolher angústia e orientar. O estreitamento dos
vínculos era visível e, provavelmente, o personagem mãezona, que habitava o
papel de professora-psicodramatatista, entrava em cena. Em situações que fazem
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parte do cotidiano de uma instituição de ensino, os alunos demonstravam um
carinho especial e validavam esta personagem.
Naquele processo estávamos em processo de desenvolvimento: eu como
professora-psicodramatista. Eles, como alunos-gestores de recursos humanos.
Esta complementaridade se manteve durante todo o curso.
No segundo ato sociodramático, foi possível perceber que este processo se
reproduzira no pequeno grupo que configurava a equipe do projeto integrado. Nas
gravuras de cada grupo, que espelhavam o início e o término do projeto, ficou
evidenciado o crescimento, a inclusão, o estabelecimento e fortalecimento das
relações grupais.
Na dramatização, cada personagem da cena protagônica explicitou seucomplementar: a preocupada – o folgado, o crítico – o tolerante, a mãezona (líder
do grupo) – os filhos.
Mas estes personagens não estão mais conservados e cristalizados em
seu comportamento. O folgado também quer alternar no papel de líder do grupo,
representado pela mãezona. Mas para assumir a liderança, precisa deixar de ser
folgado. Talvez surja daí uma possibilidade de liderança mais flexível.
Os personagens podem agora assumir características mais flexíveis, e atémesmo opostas, num fluxo mais criativo dos papéis.
Oportuno dizer que, ao final deste segundo momento, o grupo pode
suportar, ao lado da alegria e união, a decepção e a solidão. O “final feliz” do
primeiro ato ganha nova dimensão.
Os resultados de todo este processo de amadurecimento do grupo
puderam ser percebidos nas duas aulas finais, quando foram apresentados os
projetos desenvolvidos. A professora-psicodramatista instrui os alunos para quebuscassem formas criativas de apresentação, fugindo do tradicional PowerPoint
(programa da Microsoft que formata apresentações em slides), ou que utilizassem
esta ferramenta para criar um plano de fundo.
Esta tarefa foi brilhantemente executada pelo grupo, com muito pouca
interferência na sua elaboração. O resultado emocionou a todos. Foram
momentos mágicos, onde a criatividade superou a inibição.
Durante as apresentações, que podem servir de paralelo com a etapa de
dramatização de uma sessão psicodramática – o processo de ensino-
aprendizagem, os alunos-diretores interagiram com a platéia, propondo
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dinâmicas, sorteios, cantando, numa demonstração de expansividade emocional
para com toda a turma. Um dos grupos ofereceu um “café da manhã” para a
classe, que a nosso ver, teve um sentido de nutrir e ser nutrido, como
concretização das possibilidades de co-construção alcançadas durante o
processo.
Neste sentido, foi possível re-significar este momento de despedida de algo
bom, através da alegria e da conquista.
Consideramos que, ao abrir espaço para reflexões sobre o trabalho em
equipe, suas angústias e expectativas, ao incentivar o criativo e o espontâneo,
não como oposição, mas como superação da conserva, favorecemos a este
grupo um reconhecimento de seu potencial na construção e re-construção deseus sonhos.
Eu não sou você, você não é eu.Madalena Freire
Eu não sou você, você não é euMas sei muito de mim, vivendo com vocêE você, sabe muito de você vivendo comigo?
Eu não sou você, você não é euMas encontrei comigo e me viEnquanto olhava pra vocêNa sua, minha, insegurançaNa sua, minha, desconfiançaNa sua, minha, competiçãoNa sua, minha, birra infantilNa sua, minha, omissãoNa sua, minha, firmezaNa sua, minha, impaciênciaNa sua, minha, prepotênciaNa sua, minha, fragilidade doceNa sua, minha, mudez aterrorizadaE você se encontrou e se viu, enquanto olhava pra mim?Eu não sou você, você não é euMas foi vivendo minha solidãoQue conversei com vocêE você, conversou comigo na sua solidãoOu fugiu dela, de mim e de você?Eu não sou você, você não é euMas sou mais eu, quando consigo lhe ver
Porque você me refleteNo que eu ainda souNo que já sou e
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No que quero vir a ser...Eu não sou você, você não é euMas somos um grupo, enquanto,Somos capazes de, diferenciadamente,
Eu ser eu, vivendo com você eVocê ser você, vivendo comigo.
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