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FARO - Faculdade de Rondônia 788 (Decreto Federal nº 96.577 de 24/08/1988) 453 (Portaria MEC de 29/04/2010) IJN - Instituto João Neórico 3443 (Portaria MEC / Sesu nº369 de 19/05/2008)
MÉTODO APAC: UMA ALTERNATIVA AO SISTEMA PENITENCIÁRIO TRADICIONAL
BRUNO DO NASCIMENTO FREIRE1 ALEQUESANDRO ANDRADE2
RESUMO
O trabalho em comento propõe a análise do conceito da pena, traçando um breve histórico sobre os avanços experimentados ao longo tempo, no qual a sua finalidade ressocializadora ganhou enfoque, apesar disso, o modelo vigente não acompanhou tal desenvolvimento, apresentando deficiências que encontram-se enraizadas na realidade prisional do país. A temática, desse modo, é pertinente sob o prisma acadêmico, possuindo grande repercussão social e jurídica, sendo o presente artigo estruturado através de pesquisas bibliográficas e textos normativos, além de subsídios estatísticos e informações fornecidas por instituições relacionadas à matéria. A problemática do estudo, portanto, reside na análise do método APAC como alternativa ao sistema penitenciário tradicional e na sua respectiva efetividade na implementação das premissas estampadas na Constituição de 1988 e na Lei nº 7.210/84 (LEP), nos termos da proposta retratada por Mário Ottoboni; busca-se, dessa maneira, compreender a questão carcerária do país, apontando soluções viáveis diante da referida conjuntura. Os resultados alcançados demonstram que a aplicação da metodologia apaqueana possui resultados satisfatórios, constituindo-se uma excelente ferramenta para a materialização dos benefícios assistências previsto em lei, auxiliando profundamente na corporificação de uma execução penal mais humanizada. Palavras-chave: APAC. EXECUÇÃO PENAL. MÉTODO ALTERNATIVO. ABSTRACT The work in question proposes the analysis of the concept of the pen, tracing a brief history on the advances experienced over time, in which its resocializing purpose gained focus, nevertheless, the current model did not follow this development, presenting deficiencies that are rooted in the prison reality of the country. The subject matter is pertinent from the academic point of view, with great social and juridical repercussion. The present article is structured through bibliographical research and normative texts, as well as statistical subsidies and information provided by institutions related to the subject. The problem of the study, therefore, lies in the analysis of the APAC method as an alternative to the traditional penitentiary system and its effectiveness in the implementation of the premises set forth in the 1988 Constitution and Law nº 7,210/84 (LEP), according to the proposal presented by Mário Ottoboni; in this way, the aim is to understand the prison question of the country, pointing out feasible solutions in the face of this situation. The results obtained demonstrate that the application of the Apache methodology has satisfactory results, constituting an excellent tool for the materialization of the benefits provided for by law, aiding deeply in the embodiment of a more humanized criminal execution. Key words: APAC. PENAL EXECUTION. ALTERNATIVE METHOD.
1 Graduando do Curso de Direito da Faculdade de Rondônia – FARO, [email protected]. 2 Professor orientador do Curso de Direito da Faculdade de Rondônia – FARO, [email protected].
Porto Velho – RO, Junho de 2018.1.
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INTRODUÇÃO
O presente estudo traz à baila a discussão em torno da eficácia do método
APAC (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados) em contraposição aos
mecanismos estatais de repressão aos ilícitos praticados. A referida entidade de
direito privado possui grande prestígio no âmbito da execução penal, funcionando
como órgão auxiliar do poder judiciário, sendo pautada na observância das garantias
assistenciais e no cumprimento da proposta ressocializadora da pena.
Dessa forma, um dos eixos da pesquisa encontra-se relacionado ao debate em
torno da real efetividade das penas privativas de liberdade, bem como do sistema
penitenciário atual, se de fato cumprem o seu caráter ressocializador, permitindo a
reinserção do condenado novamente no contexto social, ou se constituem apenas
instrumentos fictícios e inócuos de punição.
A análise, portanto, dá-se pela relevância sociojurídica da matéria, e justifica-
se na premente necessidade de se vislumbrar, através de uma perspectiva
contemporânea, novos horizontes diante da problemática carcerária do país e do
colapso do sistema penitenciário, nos moldes propostos por Mário Ottoboni,
responsável pela implementação e difusão do método em comento.
A lei nº 7.210/84 (LEP), através dos artigos 10 e 11, estabelece que é dever do
Estado conceder ao preso e ao internado a assistência material, à saúde, jurídica,
educacional, social, religiosa, dentre várias outras, visando com tais medidas a
prevenção do crime e a garantia da concessão de prerrogativas básicas no decorrer
do cumprimento da pena, orientando o condenado para o seu retorno à convivência
em sociedade.
Nesse ínterim, serão ponderados aspectos referentes à reincidência criminal e
o aumento exacerbado da população carcerária nas últimas décadas, fatos que
demostram que o modelo vigente sequer cumpre a sua finalidade punitiva, tampouco
as premissas relativas à ressocialização do apenado, de modo que a APAC, através
dos seus 12 (doze) preceitos fundamentais, apresenta-se como uma alternativa eficaz
nesse aspecto, implementando, na prática, o que determina o referido arcabouço
normativo.
O objetivo do trabalho, por conseguinte, se lastreia na análise da referida
metodologia em suas diversas nuances, sob a perspectiva da Lei de Execuções
Penais, comparando-a com o modelo tradicionalmente em vigor, a fim de traçar um
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panorama acerca das vantagens observadas com a implantação de tal proposta,
apontando, desse modo, as diferenças primordiais existentes, as experiências obtidas
e as causas que determinam o êxito da empreitada.
Cumpre mencionar que serão utilizados como forma de subsidiar a presente
pesquisa, dados estatísticos do Sistema Nacional de Informações Penitenciárias
(INFOPEN), bem como informações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do
Programa Novos Rumos, concebido pelo TJMG. Além disso, serão vislumbradas as
experiências da aplicação do método APAC no estado de Rondônia, especificamente
em Ji-Paraná, verificando quais os trabalhos desenvolvidos e os avanços
experimentados com a execução das atividades na respectiva unidade.
1 OS AVANÇOS HISTÓRICOS DA TEORIA DA PENA SOB A PERSPECTIVA DA
RESSOCIALIZAÇÃO
A violência e o crime são fenômenos que habitualmente estão presentes no
cotidiano social, possuindo características e especificidades bastante discutidas, sob
diversas conjunturas sociais, filosóficas, jurídicas e econômicas. Diante disso, é
possível notar que ao longo da história surgiram inúmeras concepções em torno da
definição do conceito de pena e sua respectiva função, passando esta a ser analisada
sob variadas perspectivas, conforme o enfoque conferido à matéria e o viés ideológico
adotado.
No período do iluminismo se destacaram a teoria da retribuição, que possuía
como adeptos Carrara, Kant e Hegel, além da teoria da prevenção, defendida por
Beccaria, Carmignani e outros. A primeira declarava que a sanção tinha natureza
punitiva, sendo, portanto, aplicada como um verdadeiro castigo ao infrator; a segunda,
por sua vez, buscava extrair a finalidade concreta da pena, pautada na prevenção do
crime (NUCCI, 2009, p.72-73).
Alvino Augusto (2015, p.212) ao tratar sobre o conceito de delito, arremata o
pensamento de Hegel. Na sua visão, a prática de uma transgressão penal
corresponderia à própria negação do direito, consistindo a pena na “supressão do
crime”, portanto, aplicada a sanção ao criminoso, reparado estaria o direito. Contudo,
Alvino sustenta que apesar do referido ponto de vista, Hans Kelsen constatou que o
crime é pressuposto de aplicação do direito, sendo condição necessária para a sua
existência, de modo que, “[…] o criminoso não pode agir contra o direito, pois realiza
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a conduta descrita na lei penal”, em consonância com a respectiva previsão legal.
Nesse contexto, despontou a Escola Clássica, tendo como principal expoente
Francesco Carrara. Os seus integrantes tratavam o crime como um ente jurídico, que
se concretizava mediante a prática de uma conduta ilícita, e da respectiva violação a
um bem juridicamente tutelado. Fundamentava-se ainda no livre-arbítrio e na culpa
moral do indivíduo, ou seja, na vontade livre e consciente de praticar a infração
(BITENCOURT, 2017, p.110), sendo encarado, por conseguinte, como um verdadeiro
fato social, com concretas implicações jurídicas.
A Escola Positivista, doutro modo, se opôs à Clássica, sustentando a
“necessidade de defender mais enfaticamente o corpo social contra a ação do
delinquente, priorizando os interesses sociais em relação aos individuais”
(BITENCOURT, 2017, p.113). Percebe-se, portanto, que houve o redirecionamento da
análise da pena para a sua função preventiva, sendo esta tratada como mecanismo
de defesa social. O criminoso, por sua vez, passou a ser encarado como produto da
coletividade, desprovido de livre-arbítrio.
Todavia, surgiram diversas críticas em relação a estes posicionamentos, em
razão das ponderações antagônicas defendidas por ambas as teorias, visto que,
conforme arremata Nucci (2009, p.74):
[…] enquanto a clássica ouvidava a necessidade de reeducação do condenado, a positiva fechava os olhos para a responsabilidade resultante do fato, fundando a punição no indeterminado conceito de periculosidade, conferindo poder ilimitado ao estado, ao mesmo tempo em que não resolve o problema do delinquente ocasional, portanto, não perigoso.
Desse modo, percebe-se que os parâmetros utilizados na análise da pena sob
a ótica das referias escolas, apesar de contraditórios, se complementam, realizadas
as pertinentes adequações, posto que ao mesmo tempo em que o livre-arbítrio se faz
presente como mola propulsora da conduta delitiva, a influência das vicissitudes
sociais também deve ser encarada como elemento relevante nesse processo.
À vista disso, o sistema jurídico brasileiro, através da lei nº 7.209/84, que
alterou dispositivos do código penal de 1940, passou a ostentar de maneira mais
consistente as principais disposições das teorias da retribuição (absoluta) e da
prevenção (relativa), conforme se observa da redação do art. 59 do referido códex, in
verbis:
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Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: [...]. Grifos nossos.
Tal mudança de paradigma se lastreou na adoção da teoria mista, eclética,
intermediária ou conciliatória, a qual sustenta que “a pena tem a dupla função de punir
o criminoso e prevenir a prática do crime, pela reeducação e pela intimidação coletiva”
(CAPEZ, 2004, p.340), de modo que a finalidade da reprimenda passou a ser
encarada de maneira mais abrangente, através da junção das premissas acima
especificadas.
Nota-se, contudo, que apesar dos avanços experimentados, ainda se faz
necessário retomar a análise do aspecto ressocializador da pena, que segundo
Delmanto (2016, p.186), trata-se de preceito oriundo da sua natureza preventiva, o
qual encontra-se alinhado às disposições constantes na lei nº 7.210/84, sobretudo em
seu art. 1º, ao estabelecer que a execução penal deve proporcionar condições para a
integração social do condenado.
2 DOS ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS E A INEFICÁCIA DO MÉTODO
TRADICIONAL
Ao debruçar sobre o tópico referente aos estabelecimentos prisionais, é
razoável extrair, a partir da leitura dos dispositivos constantes na Lei de Execuções
Penais (LEP) que o legislador pátrio realça uma atuação do Estado que vai além o
mero encarceramento daqueles sujeitos que, de alguma forma, lesionaram bens
juridicamente tutelados, traçando, dessa maneira, as diretrizes referentes a sua
estrutura, salubridade e condições de funcionamento, senão vejamos:
Art. 83. O estabelecimento penal, conforme a sua natureza, deverá contar em suas dependências com áreas e serviços destinados a dar assistência, educação, trabalho, recreação e prática esportiva. Art. 85. O estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com a sua estrutura e finalidade. Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório. Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular: a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana; b) área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados). Art. 92. O condenado poderá ser alojado em compartimento coletivo, observados os requisitos da letra a, do parágrafo único, do artigo 88, desta
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Lei. Parágrafo único. São também requisitos básicos das dependências coletivas: a) a seleção adequada dos presos; b) o limite de capacidade máxima que atenda os objetivos de individualização da pena. [Grifos nossos].
Nesse ínterim, a humanização do cumprimento da pena constitui princípio
basilar, que encontra-se positivado inclusive em diversos artigos inseridos na carta
magna de 1988, que garantem uma gama de direitos aos apenados, seja no que
concerne à natureza da sanção e as suas vedações, bem como às condições mínimas
que os estabelecimentos penais devem possuir, conforme previsão estampada no
artigo 5º, incisos XLVI (individualização da pena), XLVII (proibição de penas cruéis),
XLVIII (garantia do cumprimento da pena em ambientes distintos, conforme a natureza
do delito, a idade e o sexo do apenado) e XLIX (respeito à integridade física e moral
do preso).
Ademais, a legislação infralegal, em consonância com tais comandos
normativos estabeleceu no art. 38 do Código Penal a máxima de que “O preso
conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas
as autoridades o respeito à sua integridade física e moral”.
Contudo, em que pese tais determinações, o sistema carcerário atual, já
bastante defasado e sucateado estruturalmente, não consegue cumprir minimamente
o que determina os referidos textos normativos, sobretudo no que tange à assistência
devida aos presos, nos moldes entabulados nos artigos 10 e 11 da LEP, in verbis:
Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. […] Art. 11. A assistência será: I - material; II - à saúde; III -jurídica; IV - educacional; V - social; VI - religiosa.
Desse modo, percebe-se que o aludido arcabouço normativo ainda precisa se
revestir, na prática, dos preceitos constitucionais que norteiam todo esse complexo de
prerrogativas, desde a observância da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III
da CF/88), como a garantia da não submissão do apenado a tratamento desumano
ou degradante (art. 5º, inciso III da CF/88), dentre vários outros direitos. É necessário
pontuar, nessa esteira de pensamento, que:
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[...] independentemente de qual seja o fundamento filosófico mais adequado para justificar essa atuação [do estado], é razoável afirmar que, salvo algumas exceções, todos os indivíduos que são submetidos ao cárcere em algum momento necessariamente retornarão ao seio da sociedade. Sendo assim, é imperioso que a execução das penas tenha como alvo, além do aspecto punitivo, a efetiva reintegração do transgressor ao convívio social, de modo a prevenir, na medida do possível, a prática de novos delitos e a preservar o bem-estar social da comunidade (TJMG, 2011, p.271).
Porém, os resultados alcançados ao longo das últimas décadas estão aquém
daquilo que se espera como ideal, havendo um completo descaso no trato da questão,
fruto do amadorismo do Estado, que não proporciona condições mínimas para o
indivíduo se reestabelecer e almejar outras perspectivas longe do crime, conforme
bem assevera Nucci (2011, p.1000), ao tecer algumas críticas sobre a matéria:
Na prática, no entanto, lamentavelmente, o Estado tem dado pouca atenção ao sistema carcerário, nas últimas décadas, deixando de lado a necessária humanização do cumprimento da pena, em especial no tocante à privativa de liberdade, permitindo que muitos presídios se tenham transformado em autênticas masmorras, bem distantes do respeito à integridade física e moral dos presos, direito constitucionalmente imposto.
Nesse sentido, o doutrinador Marcos Duarte (2017, p.55) aduz que “desde 1820
[...] a prisão, longe de transformar os criminosos em gente honesta, serve apenas para
fabricar novos criminosos ou para afundá-los ainda mais na criminalidade”.
É possível verificar, à vista disso, que o propósito ressocializador da pena não
foi devidamente observado nos primórdios da sua implementação, sendo que o
insucesso da medida nos remete ao século XIX, contexto que foi produzido um
resultado inverso ao que se esperava, pois o número de delinquentes aumentou
significativamente (DUARTE, 2017, p.56).
Sob esse prisma, constata-se que a prisão serviu apenas como mecanismo
propulsor do crime, visto que embora a população carcerária tenha ampliado, tal fato
não funcionou como elemento intimidador, capaz de reprimir a prática de novas
condutas delitivas e gerar queda nos índices de criminalidade e reincidência,
denotando que:
A política do poder de punir do Estado não está sendo suficiente e nem eficiente, há uma falência rudimentar na base da segurança pública, o discurso e a forma de aplicar a pena aos culpados não surte efeito. As cadeias não reabilitam, e quando estes presos saem, encontram uma sociedade que não os aceitam, e o ciclo volta (DUARTE, 2017, p.58).
Tal situação se lastreia na ausência de estabelecimentos prisionais bem
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estruturados, que forneçam um ambiente propício ao efetivo cumprimento da pena, a
ser executada em locais salubres, estancando problemas habituais presentes no
modelo tradicional, como a propagação de rebeliões, fugas e casos de superlotação,
resultado das condições desumanas conferidas aos detentos.
Nota-se, assim, que a cadeia, nos moldes estruturais existentes, não contribui
para a recuperação daqueles que ingressam no nefasto submundo do crime, pelo
contrário, esta se apresentou como uma verdadeira fábrica de criminosos, conforme
já bem asseverava Foucault (2014, p.225):
A prisão não foi primeiro uma privação de liberdade a que se teria dado em seguida uma função técnica de correção; ela foi desde o início uma “detenção legal” encarregada de um suplemento corretivo, ou ainda uma empresa de modificação dos indivíduos que a privação de liberdade permite fazer funcionar no sistema legal. Em suma, o encarceramento penal, desde o início do século XIX, recobriu ao mesmo tempo a privação de liberdade e a transformação técnica dos indivíduos.
Portanto, seria razoável vislumbrar que a sociedade, aparentemente se
beneficiaria com a segregação do transgressor, pois este, apartado do convívio social
e isolado das influências externas, poderia buscar condições de se reestabelecer
novamente (OTTOBONI, 2014, p.46-47), apesar disso, é possível aferir que as
consequências resultantes desse processo de encarceramento desordenado
culminou na expansão dos índices de criminalidade e no surgimento de efeitos
reflexos indesejáveis, conforme já apontado. Este, portanto, constitui um dos desafios
que mais afligem a sociedade atualmente, demandando uma gama de discussões em
torno da eficácia dos mecanismos estatais de punição.
Nesse ínterim, é razoável compreender que a pretensão da presente pesquisa
não está voltada à defesa da minimização da sanção e do cárcere, ou mesmo a sua
inutilização como medida punitiva, o que se objetiva, de fato, é discutir a adoção de
mecanismos viáveis que possam auxiliar na adequada execução da pena, conforme
os comandos previstos na LEP.
Busca-se, além disso, o cumprimento de uma das inferências da aplicação da
reprimenda, que é incutir na consciência do apenado a ideia de que o ato pelo qual
ele está sendo punido é reprovável no contexto social e que tal medida aplicada
(sanção) tem por finalidade fazê-lo compreender o caráter ilícito da sua conduta e as
consequências dela advindas, apontando as alternativas possíveis diante dessa
conjuntura.
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Desse modo, nota-se que ainda é preciso atuar a fim de romper com o estigma
existente de uma verdadeira segregação entre a sociedade e a comunidade carcerária,
sendo necessário enfrentar o problema de perto, buscando soluções que visem
melhorar o aludido cenário, de modo que o indivíduo após deixar a prisão possa ter
perspectiva de encontrar caminhos alternativos, que não a prática criminosa, cabendo
ao ente estatal incentivar a adoção de técnicas e práticas que integradas ao sistema
vigente de fato efetivem esse propósito.
Em outras palavras, a função da pena não pode consistir na mera imposição
de uma sanção, sendo necessário a observância do seu caráter punitivo atrelado à
reintegração do sujeito em sociedade, ressaltando que a referida intervenção reflete
diretamente na criação de barreiras que contribuem para que o indivíduo passe a
refletir sua situação, negando voltar a delinquir e ser novamente captado pela
criminalidade.
Diante do exposto, conclui-se que o modelo de resposta ao problema do delito
sob a perspectiva da ressocialização determina que a intervenção do estado a ser
efetivada deve levar em consideração ainda os aspectos individuais do apenado,
resgatando condutas e ações afirmativas, que passam a ser valorizadas. Além disso,
o caráter social da pena deve ser considerada nesse processo, afastando da sua
análise a mera perspectiva retributiva. Nessa esteira de pensamento, Molina (2013,
p.159-160) arremata que:
O paradigma ressocializador propugna, portanto, a neutralização, na medida do possível, dos efeitos nocivos inerentes ao castigo, por meio de uma melhora substancial do seu regime de cumprimento e execução e, sobretudo, sugere uma intervenção positiva no apenado que o habilite a se integrar e participar da sociedade, de forma digna e ativa, sem traumas, limitações nem condicionamentos especiais.
Logo, através da análise dos preceitos acima especificados, constata-se que é
difícil de se visualizar concretamente o cumprimento de tais determinações no sistema
penitenciário nacional, seja pela ausência de uma satisfatória política de
enfrentamento à criminalidade, fundamentada na atuação preventiva do Estado, ou
mesmo na falta de incentivos à criação de estabelecimentos prisionais minimamente
compatíveis com a proposta ressocializadora da pena. Diante dessa realidade, a
APAC apresenta-se como uma alternativa no âmbito da execução penal e no
cumprimento da pena da maneira vislumbrada pelo legislador ordinário, colocando em
prática as regras estampadas na lei nº 7.210/84.
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3 ASSOCIAÇÃO DE PROTEÇÃO E ASSISTÊNCIA AOS CONDENADOS - APAC
3.1 DEFINIÇÃO E ASPECTOS GERAIS
A Associação de Proteção e Assistência aos Condenados trata-se de pessoa
jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, que possui patrimônio e personalidade
jurídica próprios, sendo instituída através de filiais, as quais ostentam autonomia
funcional, jurídica, administrativa e orçamentária, e tem por finalidade a atuação nos
presídios, buscando, assim, efetivar a proposta de recuperação aos condenados
(OTTOBONI, 2001, p.36).
As APACs, nesse sentido, possuem natureza jurídica de associação, nos
termos do Código Civil e da legislação correlata, sendo estruturadas através de
estatutos próprios, nos quais as respectivas unidades, atendendo as especificidades
locais, traçam as delimitações sobre o seu funcionamento, o conselho deliberativo,
seus integrantes, além de regras de aplicação da metodologia. Para tanto, a FBAC
disponibiliza um modelo de estatuto social que serve de parâmetro para que as filiais
criem as suas leis orgânicas3.
O patrimônio da APAC, ademais, constitui-se de bens móveis, imóveis,
subvenções e donativos, e a respectiva receita é proveniente de contribuições dos
seus associados, terceiros interessados, e sobretudo de convênios, parcerias,
subsídios governamentais e verbas oriundas do Poder Judiciário, dentre outras,
conforme estabelece o respectivo estatuto. O seu provimento, por sua vez, trata da
maneira pela qual a associação deve desenvolver o trabalho dentro do
estabelecimento penal, nos 03 (três) regimes de cumprimento de pena.
As unidades estão diretamente vinculada à FBAC – Fraternidade Brasileira de
Assistência aos Condenados, criada em 1981 com intuito de padronizar o método e
expandi-lo, através da proposição de discussões em torno das questões relativas ao
cumprimento da pena no país e da necessidade de alterações na legislação atinente
à matéria, sendo “filiada à Prision Fellowship International, órgão consultivo da
Organização das Nações Unidas (ONU) para assuntos penitenciários, com sede em
Washington D.C., Estados Unidos” (OTTOBONI, 2001, p.45).
Mário Ottoboni (2001, p.30), responsável pela criação e estruturação da
3 Disponível em: <http://www.fbac.org.br/ index.php/pt/como-fazer/filiacao>. Acesso em: 09 de abril de 2018.
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proposta, assevera que a metodologia apaqueana é composta de uma tríplice
finalidade, ou seja, além de funcionar como órgão auxiliar na execução penal, em
parceria com o Poder Judiciário, atua através de suas diversas filiais na
implementação das diretrizes previstas na LEP, buscando proteger a sociedade e os
condenados.
Nesse sentido, é possível notar que a APAC firma-se na valorização humana
do indivíduo que descumpriu alguma das vedações expressas pelo legislador pátrio,
e encontra-se respondendo por tal ato, sendo-lhe assegurado um tratamento pautado
no cumprimento dos benefícios assistenciais prescritos em lei.
É importante mencionar que a vítima e os seus familiares também ganham a
notoriedade que lhes é peculiar nesse processo, pois imprescindível a atuação da
entidade junto àqueles que sofreram as consequências imediatas da conduta
criminosa, prestando, por conseguinte, a orientação e o auxílio devidos.
A pena, sob esta perspectiva, possui uma dupla função e se apresenta através
de duas fases, a primeira delas refere-se à imposição da sanção penal pelo Estado,
correspondendo ao caráter retributivo pela conduta praticada, portanto, "como
podemos notar, a primeira etapa da função da pena está adstrida à repressão, cuja
finalidade, além de preventiva, é levar às barras da justiça todo cidadão inobservante
das normas que disciplinam a vida em sociedade" (OTTOBONI, 2014, p.45). A
segunda, doutro modo, se baseia na fiscalização do cumprimento dessa reprimenda,
ocasião em que o infrator já encontra-se sob os efeitos concretos da pena (segregado
ou não).
Nesse contexto, a APAC propõe efetivar a sua filosofia institucional de "matar
o criminoso e salvar o homem", ou seja, busca-se através da oferta de mecanismos
assistenciais aniquilar ou ao menos mitigar os vestígios que fizeram do infrator um
agente nocivo à sociedade e a ele mesmo, restaurando habilidades e aspectos
positivos existentes, relacionados aos valores sociais inerentes ao indivíduo, que
devem ser novamente internalizados pelos recuperandos (termo utilizado para se
referir aos egressos da metodologia em comento).
3.2 ELEMENTOS DA APAC
A APAC é estruturada através de 12 (doze) elementos essenciais, que
correspondem aos pilares responsáveis pelo êxito da empreitada, de modo que a
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junção de todos eles faz com que a metodologia seja reconhecida no âmbito da
problemática carcerária e do cumprimento da pena, senão vejamos.
3.2.1 Participação da comunidade
Baseada no voluntariado, a proposta mostra que a comunidade é fundamental
no processo de recuperação e reinserção do condenado no convívio social, pois é a
partir dessa iniciativa que o senso de pertencimento é reestabelecido, e as relações
gregárias passam a ser valorizadas, acarretando melhorias significativas no processo
de humanização.
De acordo com Ottoboni (2014, p.66-67) “A sociedade precisa saber que o
aumento da violência e da criminalidade decorre, também, do abandono dos
condenados atrás das grades, fato que faz aumentar o índice de reincidência.”,
cabendo a estes, principais afetados por tais transgressões, a função de atuar para
extirpar os seus efeitos nefastos, conforme previsão estampada no art. 4º da LEP, que
estabelece a colaboração da comunidade na aplicação da lei penal.
3.2.2 A cooperação entre reeducandos
A atuação dos reeducandos na prestação do auxílio necessário aos seus pares
durante o período de inserção na metodologia gera diversos benefícios aos envolvidos,
reverberando diretamente na criação de laços de amizade e comunhão, que voltam a
ser reconstruídos, promovendo o resgate de valores perdidos ou deturpados em razão
criminalidade, visto que “o sentimento de responsabilidade individual ganha relevo
especial. Esse salutar princípio devolve-lhe o sentimento de autoconfiança, desperta
nele a vontade de ser útil, promove-o como ser humano pelo seu próprio esforço”
(OTTOBONI, 2001, p.33).
Neste ínterim, percebe-se que tal colaboração recíproca atende as
necessidades e os anseios da população prisional, contribuindo para a criação de um
ambiente pautado na disciplina e no respeito às regras propostas, pois:
À medida que vão recebendo essas lições e compreendendo a dimensão de sua nova postura, verificarão que estão participando da melhoria do ambiente onde estão convivendo; por isso, deve-se entregar ao próprio preso (recuperando) a possibilidade de acolher o outro, demonstrando, com seu exemplo, a importância da recuperação (TJMG, 2011, p.44).
Logo, a finalidade dessa inciativa tem o condão de gerar mudanças de
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paradigmas no cumprimento da pena, algo bem distante da realidade atual, visto que
o condenado passa a ser encarado como principal responsável pelo seu próprio êxito,
servindo de exemplo aos demais e ganhando o protagonismo que lhe é necessário
nesse processo de ressocialização.
3.2.3 Trabalho
Cumpre mencionar que não obstante a sua importância, o trabalho, por si só,
não produz os resultados almejados na execução penal, se analisado isoladamente,
havendo a necessidade de sua integração aos demais benefícios assistenciais para
que se mostre realmente eficaz, gerando os efeitos almejados durante a efetivação
da tal iniciativa.
As suas finalidades educativa e produtiva (art. 28 da LEP), apesar de
devidamente positivadas, ainda não possuem a repercussão prática desejada, pois
“raros são os estabelecimentos prisionais que permitem o acesso ao trabalho prisional
e, quando o fazem, geralmente se limitam a tarefas rotineiras que pouco contribuem
na formação humana ou profissional do condenado” (SILVA, 2007, p.116).
Dessa forma, a metodologia apaqueana propugna a implementação da medida
atrelada ao sistema progressivo de cumprimento de pena adotado no país, nos termos
do art. 33 e seguintes do Código Penal, devendo-se observar para tanto as
particularidades existentes em cada um dos regimes.
3.2.4 Assistência jurídica
A referida assistência, que encontra-se estampada no art. 15 da LEP, se lastreia
na prerrogativa do condenado, que não possui condições financeiras para constituir
um advogado, ter a instrução de um profissional habilitado, especialmente no âmbito
da execução penal, quando o reeducando pode postular eventual progressão de
regime ou outras vantagens que a lei assegura, como por exemplo a concessão do
sursis processual e do livramento condicional.
Contudo, em que pese a existência do referido corolário, nota-se que a
Defensoria Pública, instituição responsável pela orientação jurídica e gratuita desses
sujeitos (art. 134 da CF/88), encontra-se já bastante sobrecarregada, não
conseguindo suprir a extensa demanda que surge diariamente (SILVA, 2007, p.117-
118), o que acarreta, dessa forma, a inobservância de parâmetros relacionados, por
exemplo, ao término da pena, algumas vezes cumprida além do período fixado na
14
sentença, o que poderia ser evitado com a concretização do referido direito.
No método apaqueano a assistência jurídica é encarada como uma das
prioridades, e os Centros de Reintegração Social possuem o seu próprio
departamento jurídico, responsável pela assessoria e acompanhamento processual
adequado de cada apenado. Ademais, “[...] os operadores do direito, sobretudo o juiz,
rotineiramente frequentam o estabelecimento, marcando dia e hora para
ordinariamente atender aos presos, esclarecendo quanto a eventuais benefícios”
(TJMG, 2011, p.47), sendo esta mais uma das vantagens da medida, culminando na
prestação de uma atividade jurisdicional satisfativa.
3.2.5 Assistência à saúde
A aludida assistência, por sua vez, está relacionada à garantia da integridade
física e moral do apenado, sob o aspecto clínico. O cumprimento dessa determinação
na APAC se dá através do voluntariado e de profissionais da saúde que integram a
estrutura da metodologia e prestam o atendimento necessário, inclusive de natureza
preventiva. Sua importância está atrelada à “[...] dificuldade natural da saúde pública
em alcançar os presídios” (TJMG, 2011, p.47), tendo o condão de gerar um ambiente
de satisfação entre os recuperandos, mitigando a ocorrência de fugas e rebeliões,
situações tão constantes no sistema penitenciário tradicional.
3.2.6 Espiritualidade, valorização humana e a Jornada de Libertação em Cristo
A religião é outro sustentáculo do método APAC, visto que a sua
implementação possibilita aos apenados revestir-se de aspectos éticos e morais,
fundamentais no processo de reinserção na sociedade, na família e no mercado de
trabalho. A mencionada premissa está adstrita à valorização interna do indivíduo,
incentivando, dessa forma, a adoção de uma nova filosofia de vida.
A jornada de libertação em cristo, outrossim, é um evento anual que se lastreia
na realização de palestras, debates, discussões e depoimentos daqueles que
passaram pela metodologia, além de incentivos calcados nos preceitos bíblicos,
reforçando o desenvolvimento de uma consciência voltada à práticas que
efetivamente matem o criminoso que existe em cada reeducando, fazendo ressurgir o
indivíduo por trás da delinquência.
15
3.2.7 Família
Norberto Avena (2017, p.41) pontua que “é inevitável o abalo sofrido pela
família com a segregação de um de seus integrantes, situação essa que se agrava
ainda mais quando são poucos os recursos financeiros e o preso é a pessoa
responsável pelo sustento”.
Partindo dessa perspectiva, verifica-se que a participação do núcleo familiar no
processo de reintegração do apenado tem como objetivo incentivá-lo no estrito
cumprimento da pena, valorizando os vínculos afetivos existentes, e colaborando
assim com a recuperação e reinserção o indivíduo novamente em sociedade, portanto,
“[…] quando a família se envolve e participa da metodologia, é a primeira a colaborar
para que não haja rebeliões, fugas, etc., ajudando a proteger a própria entidade e,
como consequência, a população prisional” (OTTOBONI, 2014, p.89).
À vista disso, a APAC promove a realização de palestras, retiros espirituais e
cursos de formação e valorização humana junto aos familiares dos recuperandos, que
passam a dispor da assistência prestada pelos profissionais e voluntários atrelados à
metodologia, propiciando, assim, a criação de um ambiente harmonioso e pautado na
disciplina, dentro e fora dos presídios.
3.2.8 O voluntariado
Este é outro aspecto significativo da APAC, pois incentiva a participação de
pessoas que tem apreço pela iniciativa a auxiliarem nesse processo de reintegração
social, promovendo, assim, o estreitamento das relações entre os apenados e a
comunidade local. Um exemplo disso é que cada reeducando tem um casal de
padrinhos, que lhes auxiliam nesse cumprimento da pena mais humanizado.
3.2.9 O Centro de Reintegração Social
O Centro de Reintegração Social (CRS) corresponde à estrutura física criada
pela metodologia para fins de cumprimento adequado da pena, conservando, dessa
forma, as peculiaridades do regime aberto, fechado e sobretudo do semiaberto, pois
na prática acaba substituindo a função das colônias agrícola, industrial e similar (casa
do albergado), quase inexistentes no país, garantindo uma maior proximidade com a
família e facilitando o processo de reintegração social do apenado, nos moldes
preconizados pelos artigos 91 e 92 da LEP (OTTOBONI, 2014, p.96-97).
Desse modo, uma das inovações trazidas pela proposta reside no fato de que
16
os CRS englobam os 03 (três) regimes de cumprimento de pena na mesma edificação,
simplificando a movimentação interna do apenado sem precisar transferi-lo de
estabelecimento prisional, mantendo incólume, no entanto, a individualização do
sistema progressivo.
3.2.10 Mérito
O mérito, por fim, corresponde ao histórico de todas as ações praticadas pelo
reeducando durante o período em que se encontra inserido na APAC, não estando
relacionado apenas ao cumprimento das normas disciplinares, visto que também são
avaliadas as atividades desenvolvidas, o seu comportamento em relação aos demais
membros, com a equipe de voluntários, além da colaboração no regular
funcionamento das atividades rotineiras dos centros de recuperação.
Portanto, é através dele que se avalia a possibilidade de concessão de
eventuais benefícios ao reeducando, o que é apurado de maneira rigorosa pelos
Comitês Técnicos de Classificação (CTC), do qual fazem parte profissionais das mais
diversas áreas de atuação, que mediante uma avaliação individualizada, buscam
aferir a possibilidade de conceder tais benesses.
4 OS REGIMES DE CUMPRIMENTO DE PENA E O SISTEMA PROGRESSIVO
Importante mencionar que a Lei de Execuções Penais atualmente em vigor
adota o sistema progressivo no decorrer do cumprimento da pena privativa de
liberdade, conforme previsto no art. 112 do referido códex, sendo pautada na
transferência gradativa para o regime mais brando, desde que observadas as
condições previamente estabelecidas em lei, como ter o agente cumprido ao menos
um sexto da pena no regime anterior (nos casos de crimes não hediondos) e ostentar
bom comportamento carcerário.
Tais implementações trouxeram um alento na sistemática da execução, de
modo que o apenado, através do mérito e da disciplina, pôde pleitear além deste,
outros benefícios processuais, como por exemplo o livramento condicional (art. 83 do
Código Penal) e o direito à remissão da pena pelo trabalho ou estudo (art. 126 da
LEP), não podendo, portanto, ser prejudicado ou ter negado a possibilidade de
usufruí-los, pois "instituído o sistema progressivo [...] é indispensável que o Estado
esteja aparelhado para executá-lo corretamente, impedindo o desrespeito ao direito
17
do preso” (OTTOBONI, 2014, p.52).
Outrossim, de acordo com a previsão traçada no art. 33 do Código Penal,
existem 03 (três) regimes para o cumprimento das penas privativas de liberdade. No
fechado a execução da pena deve ser efetivada em estabelecimentos de segurança
máxima ou média; no semiaberto, em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento
similar; o aberto, por sua vez, em casa de albergado ou similar.
No entanto, percebe-se que, da forma prevista pelo legislador, há defeitos
estruturais difíceis de serem sanados na implantação dos referidos estabelecimentos,
os quais beneficiam o sentenciado sem antes prepará-lo de maneira adequada para
ingressar no regime subsequente, trazendo resultados fantasiosos sob o prisma do
sistema progressivo, a exemplo das casas de albergado, conforme bem alerta Mário
Ottoboni (2014, p.135):
O surgimento inopinado de casas de albergado, em todo o país, a pretexto de se aliviar a superlotação dos presídios, e a concessão do benefício pura e simplesmente em face do texto legal constituem para nós um fator nocivo à sociedade, pois esta se verá exposta novamente à ação desses criminosos, agora estimulados pela ausência de uma coação física e psicológica.
Em síntese, é possível constatar que a observância dessa premissa de maneira
aleatória, carente da análise dos aspectos subjetivos do agente, causa efeitos nocivos
ao apenado, constituindo-se fator estimulante à prática de novas infrações, visto que
o aspecto ressocializador da pena acaba ficando em segundo plano, sendo esta uma
forma inexpressiva de resolução da problemática.
A APAC, nesse sentido, propõe a criação de um ambiente único, que englobe
todos os citados regimes, preservadas as suas respectivas especificidades, sendo
esta uma das peculiaridades do método. Assim, do ponto de vista da metodologia "[…]
o regime fechado é [considerado] o tempo para a recuperação, o semiaberto para a
profissionalização, e o aberto, para a inserção social. Neste sentido o trabalho
aplicado em cada um dos regimes, deverá ser de acordo com a finalidade proposta"
(Portal FBAC), resguardando a individualização da pena e a sua respectiva aplicação
de maneira gradativa, senão vejamos.
4.1 REGIME FECHADO
Conforme estabelece o art. 10, §1º do modelo de provimento delineado pela
18
APAC (OTTOBONI, 2014, p.220-235), documento responsável por descrever a forma
como será desenvolvido o trabalho nos estabelecimentos prisionais, normalmente
administrados pela polícia, o regime fechado se divide em dois estágios: o “estágio
inicial” e o “primeiro estágio”. Nessa primeira fase, o apenado permanece atrás das
grades; já na segunda, mesmo encarcerado (recomenda-se a separação por meio de
pavilhões ou celas separadas, no caso das penitenciárias), passa a gozar de
vantagens, como por exemplo, aulas e palestras sobre religião, valorização humana
e meditação, sendo “levantandas as causas do cometimento do crime e o contato
inicial com a família, colaboradora e peça fundamental no processo de ressocialização
do recuperando” (TJMG, p.60).
Ao ingressarem no “primeiro estágio”, conforme prevê o art. 14, os
recuperandos deverão, de forma obrigatória, participar das atividades
ressocializadoras propostas pela metodologia, além de cursos de alfabetização; as de
cunho religioso são facultativos, sendo-lhes fornecido, na medida do possível,
proteção aos direitos humanos, auxílio e apoio para a realização de trabalhos e venda
dos artigos produzidos na prisão, além de outros, conforme art. 15 da referida norma.
Frise-se que para conseguir alcançar esta etapa “deverá demonstrar
voluntariamente propósitos de emenda, aceitação da proposta [...] e cumprir o
disposto no art. 3º deste provimento” (art. 10, §2º), que prevê a necessidade de
requerimento formulado pelo interessado.
A APAC, à vista disso, preza pela implementação integral dos citados
mecanismos de recuperação, pois influem diretamente na valorização humana de tais
indivíduos, que passam a ser reconhecidos pelo empenho desenvolvido no trabalho e
pela conquista baseada no mérito (OTTOBONI, 2014, p.53). Nesse sentido, a
metodologia incentiva a prática de trabalhos laborterápicos (artesanatos), sobretudo
no regime fechado, onde a ociosidade é maior e a necessidade de uma intervenção
mais consistente se mostra necessária, fazendo ressurgir habilidades desconhecidas
ou mesmo resgatando valores e experiências deixadas de lado pelo recuperando em
razão do ingresso na criminalidade.
Portanto, além de atividades corriqueiras como a pintura e o bordado, são
oferecidos cursos, que tem o condão de profissionalizar os egressos, ensejando na
utilização, inclusive, da referida mão de obra nas próprias unidades. Dessa forma,
uma das preocupações existentes é:
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[...] evitar a todo custo que o trabalho massificante, padronizado e industrializado faça parte do contexto da proposta apaqueana nessa fase de cumprimento da pena. Deve-se evitar terceirizar serviços ou transformar o estabelecimento penal em pequena indústria, pois se trata de tarefa reservada ao regime semiaberto, exatamente quando o recuperando já reciclou seus valores, melhorou a autoimagem e está consciente de seu papel na sociedade (OTTOBONI, 2014, p.76).
O trabalho presidiário, desta maneira, possui substancial importância para a
aplicação efetiva do método, baseado primordialmente no caráter educativo e
produtivo da medida, que segundo Alfredo Issa Ássaly (1944, p.15 apud MARCÃO,
2016, p.64) "[…] constitui uma das pedras fundamentais dos sistemas penitenciários
vigentes e um dos elementos básicos da política criminal", consagrando-se
inteiramente em todas as legislações hodiernas.
Após a progressão do regime fechado, os apenados dos regimes aberto e
semiaberto poderão ser encaminhados aos Centros de Reintegração Social, quando
atestada a ausência de periculosidade, cumpridos os requisitos do retromencionado
dispositivo e levando-se em consideração a necessidade de parecer favorável da
entidade, avaliação de conduta e aproveitamento no regime anterior (art. 11 do
provimento). A respectiva transferência para APAC depende ainda de autorização
judicial, sendo o juiz corregedor responsável pelo controle das vagas em cada regime.
4.2 REGIME SEMIABERTO
Ao ingressar no semiaberto, por sua vez, o recuperando assinará um termo de
compromisso, se comprometendo a cumprir as determinações da metodologia,
podendo se ausentar do Centros de Reintegração Social através de autorização
judicial, para finalidades específicas, constantes na ordem de saída; além disso,
aqueles que não tiverem profissão deverão frequentar a escola, curso
profissionalizante ou similar, de acordo com as suas aptidões e possibilidades da
APAC, caso contrário, será encaminhado ao regime anterior, por ordem fundamentada
do juiz da execução. Outra vantagem, conseguida através do mérito, é a possibilidade
de passarem domingos alternados em família, conforme previsão dos artigos 18 ao
22 da seção IV do provimento apaqueano (OTTOBONI, 2014, p.226).
Percebe-se, desse modo, que em tal regime “[...] a atenção se volta exatamente
no sentido contrário, isto é, na oferta de trabalho e cursos profissionalizantes, capazes
de garantir ao recuperando a possibilidade de, tão logo retomada a liberdade, manter
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sua subsistência longe do crime” (SILVA, p.116). A finalidade vislumbrada com tal
medida, portanto, reside em encontrar uma maneira de instruí-lo, para que possa se
reeestabelecer novamente no mercado de trabalho e na comunidade.
O trabalho, nesse diapasão, possui uma função especial, visto que por meio
dele o reeducando pode obter autorizações do juiz da execução penal para frequentar
cursos ou mesmo alguma outra atividade empregatícia, que inclusive podem ser
ofertados pela APAC, através da construção de oficinas, sendo este o período de
transição para o regime aberto.
4.3 REGIME ABERTO
Conforme preceitua Ottoboni (2014, p.135), “[…] o regime aberto abriga os
recuperandos que desfrutam dos privilégios do instituto da prisão-albergue. Quando o
condenado percorre toda a escala de recuperação da APAC e conquista a condição
de albergado, com certeza será exemplar no cumprimento de suas obrigações.” É,
portanto, a etapa final desse processo, quando o sujeito já possui condições de se
reestabelecer socialmente, visto que nesse estágio é “[…] capaz de colaborar com
sua família e responder por seus atos, promovendo o bem comum” (OTTOBONI, 2014,
p.78).
Nesta etapa, o trabalho possui especial relevância, pois está atrelado à
inserção social do recuperando, que passa a prestar serviços à comunidade,
trabalhando fora dos muros do Centro de Reintegração.
5 A EXPERIÊNCIA DA IMPLANTAÇÃO DA METODOLOGIA EM JI-PARANÁ/RO
Conforme informações prestadas pela APAC de Ji-Paraná, que seguem em
anexo, a unidade foi criada judicialmente em 11/06/2015, e após a sanção da lei nº
3.840 pelo governo do estado, “houve a permissão legal para a atuação de entidades
civis de direito privado, sem fins lucrativos, na gestão de unidades prisionais,
destinadas à proteção e assistência aos reeducandos”.
Depois da incorporação da metodologia na comarca, uma das primeiras
atividades desenvolvidas pelos voluntários e integrantes da diretoria foi o
acompanhamento dos apenados do livramento condicional, ocasião em que foram
realizadas reuniões mensalmente, com palestras para os reeducandos e seus
21
respectivos familiares, sendo abordados assuntos diversos, tais como saúde, drogas,
família, formação profissional, palestras motivacionais, educação sexual, entre outras.
A partir de 03/11/2016, a unidade passou a realizar atividades na Penitenciária
Regional Dr. Agenor Martins de Carvalho com alguns apenados do regime fechado,
lhes fornecendo palestras sobre a metodologia apaqueana, de cunho motivacional,
bem como de valorização humana, além de outras.
O Centro de Reintegração Social da unidade foi inaugurado em 19/03/2018,
encontrando-se atualmente em fase de reformas, realizadas pelos próprios
reeducandos. Apesar de não seguir o padrão determinado pela FBAC (com a
implantação dos três regimes de cumprimento de pena), os CRS em Ji-Paraná
abrange os regimes fechado, semiaberto interno e externo, sendo-lhes oportunizado
a realização de variadas atividades: momentos de oração, limpeza do ambiente,
preparação das refeições, estudo da metodologia, aulas, cursos de capacitação,
laborterapia (trabalhos artesanais), cultivo de horta, coral, confraternizações, visita de
familiares e íntimas, atendimento na área da saúde (médico, dentista, psicólogo, etc).
Importante frisar ainda que segundo a unidade desde a inauguração do CRS
não houve nenhuma falta grave (drogas, celulares, brigas, agressões, tentativas de
fuga), sendo possível verificar o empenho dos recuperandos no cumprimento das
normas fixadas pela metodologia, o que trouxe resultados consistentes no âmbito da
execução penal local, sendo este um passo importante para a expansão da proposta
no estado de Rondônia.
6 ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE OS DOIS MODELOS
Ao analisar comparativamente o sistema penitenciário atualmente em vigor
com o método desenvolvido por Mário Ottoboni, é possível verificar uma grande
discrepância entre os dois modelos de cumprimento de pena, conforme demonstrado
nos tópicos anteriores.
Um dos diferenciais da metodologia apaqueana, portanto, reside na ausência
de ociosidade entre os apenados, visto que estes estão inseridos em uma sistemática
baseada no trabalho e na educação, ambiente este que proporciona o
desenvolvimento de aptidões e habilidades capazes de auxiliar no processo de
reinserção à sociedade.
Verifica-se, assim, que o principal objetivo da proposta é integrar o
22
cumprimento adequado da pena com incentivos à tão almejada ressocialização do
apenado. Vê-se, desse modo, a premente necessidade de intervenção do ente estatal
na problemática em análise, pois “recuperado o infrator, protegida está a sociedade e
prevenida está a vitimização” (OTOBONNI, 2014, p.34).
Outrossim, algumas das suas peculiaridades, listadas pelos recuperandos,
reside no fato de que os próprios apenados gerenciam e são responsáveis por
determinados procedimentos internos da unidade; não há a presença de polícia no
presídio (quando instalado o CRS); existe a alfabetização obrigatória; alojamento igual
para todos; escolta sem policiais; ausência de superlotação: um leito para cada
recuperando; um único estabelecimento penal que abrange os regimes de
cumprimento de pena; direito de opinar e questionar sobre o funcionamento da
unidade; ausência de violência física e atos de rebelião; uso de crachás para
identificação; salubridade e a higiene das celas; atendimento psicológico em todos os
regimes; curso de formação de voluntários, com participação de recuperandos do
regime fechado; assistência após o cumprimento da pena; participação da família nos
atos propostos pela APAC, dentre várias outras medidas (OTTOBONI, 2001, p.55-63).
A metodologia em comento, desse modo, apresenta-se como uma ferramenta
capaz de viabilizar as referidas premissas, assegurando a integridade física, moral,
bem como os aspectos atinentes à condição humana e as necessidades mais
basilares dos apenados, desafogando um sistema prisional precário, que já dá sinais
de desgaste, possibilitando, ainda, enxergar alternativas e novas oportunidades após
o cumprimento da pena, sendo este o efeito concreto da adoção da proposta. Nesse
sentido:
Interessante é que, nos centros de recuperação administrados pelas APACs, onde o prisioneiro fica com a chave da portaria além da chave da própria cela, é onde se observa o menor, um quase insignificante, número de fugas. O que “segura” o sentenciado no Centro de Recuperação não são torres de concreto e ferro, nem guaritas com homens bem armados, nem fossos e câmeras e cercas elétricas; o que o mantém ali é a consciência de que pagará, na forma da lei, o débito que tem com a sociedade, mas de forma justa. Com respeito e dignidade (TJMG, 2011, p.194).
É perceptível, outrossim, que a integração do método APAC ao sistema
carcerário tradicional mostra-se uma alternativa vantajosa em todos os aspectos
analisados, seja em relação ao custo efetivo de cada apenado, que passa a ser
reduzido drasticamente, bem como no que concerne aos índices de evasão e
reincidência, tornando, dessa forma, a execução penal viável, ante o fornecimento dos
23
mecanismos adequados para os sujeitos que realmente estão dispostos a cumprirem
a sua reprimenda de maneira integral e dentro dos limites impostos pela lei.
7 DADOS DO SISTEMA PENITENCIÁRIO TRADICIONAL E DO MODELO
APAQUEANO
Segundo dados do Sistema Nacional de Informações Penitenciárias, a
população prisional brasileira apresentou um crescimento exponencial nas últimas
décadas. Em 1990 existiam 90 (noventa mil) presos no país; já em junho/2016, esse
quantitativo saltou para cerca de 726 (setecentos e vinte e seis mil) apenados,
representando um aumento significativo em tal índice (INFOPEN, 2016, p.9).
No mesmo compasso, o déficit no número de vagas igualmente foi ampliado,
atingindo o patamar de 358.663 (trezentos e cinquenta e oito mil, seiscentos e
sessenta e três), o que encontra-se alinhado ao abrupto aumento da população
carcerária verificada no mesmo período (INFOPEN, 2016, p.20).
A taxa de ocupação do sistema prisional, nesse sentido, evidencia que a
superlotação é uma marca característica da conjuntura penitenciária do país, com
índices que variam de 145% a 484% nas unidades federativas (INFOPEN, 2016, p.26),
demonstrando que este é um problema patente, sendo fator preponderante para a
ineficácia do método tradicional.
Em relação às garantias assistenciais previstas na LEP, percebe-se que o
modelo vigente não cumpre adequadamente o que determina o referido comando
normativo, apesar dos avanços experimentados, conforme se extrai das informações
contidas no citado relatório (INFOPEN, 2016, p.46-59).
Nota-se, assim, que tais índices reforçam a tese de que o modelo convencional,
nos moldes existentes, não possui condições mínimas de atender à demanda
crescente do número de presos do país, fazendo-se necessário encontrar alternativas
eficientes, dado o desgaste metodológico e estrutural existente.
Ademais, cumpre salientar que a pesquisa realizada em 2014 constatou que
cerca de 92% dos estabelecimentos prisionais existentes no país eram administrados
exclusivamente pelo Poder Público (tal análise não se repetiu em no relatório de 2016),
ao passo em que a atuação das entidades sem fins lucrativos, da qual a APAC faz
parte, se restringiu a apenas 3% desse índice (INFOPEN, 2014, p.82). Verifica-se, à
vista disso, que o campo de atuação do método apaqueano ainda é abrangente,
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havendo, portanto, grande espaço para a sua difusão.
Por sua vez, no que tange à reincidência criminal, verifica-se que não há
pesquisas indicando com precisão o referido percentual no país, contudo, de acordo
com informações do IPEA (2015, p.11), este índice varia entre 70% e 80% da
população prisional.
As referidas taxas escancaram a falência do sistema tradicional, que não
consegue dispor de condições mínimas para auxiliar o apenado a buscar alternativas
consistentes longe das transgressões ou mesmo após o cumprimento de sua pena,
denotando que não há uma atuação preventiva do Estado no intuito de fazer com que
seja revertida tal situação.
As APAC's, no entanto, através dos Centros de Reintegração administrados
pela associação ostentam um índice de reincidência em torno de 15%, conforme
dados do Programa Novos Rumos (TJMG, 2011, p.20), o que leva a crer que através
do integral cumprimento dos ditames estabelecidos na LEP, as finalidades almejadas
pelo citado arcabouço normativo podem ser alcançados, contribuindo para a redução
da criminalidade, sendo esta uma importante ferramenta para humanizar o sistema de
execução penal.
Outrossim, de acordo com informações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ,
2017) fornecidas por Roberto Donizetti, gerente de metodologia da Fraternidade
Brasileira de Assistência aos Condenados, os custos do sistema APAC são bastante
inferiores em comparação ao modelo gerido pelo Estado.
Conforme estimativa da referida entidade, “Em Minas Gerais, por exemplo, o
preso custa em média R$ 2,7 mil por mês pelo sistema tradicional dos presídios do
Estado e R$ 1 mil pelo método de ressocialização da FBAC” (CNJ, 2017). Em
Rondônia, por sua vez, a despesa para a manutenção de cada apenado perpassa os
R$ 3 mil reais, o que evidencia a exigência de uma demanda exacerbada de recursos
públicos para suprir as necessidades básicas do sistema carcerário em vigor.
Nesse sentido, conforme demonstrou os relatórios do INFOPEN, a população
prisional inserida no referido modelo tende a crescer, culminando no aumento da
receita necessária para a sua manutenção. Dessa maneira, é possível verificar que a
ampliação da APAC no país revela-se uma medida coerente, sendo pautada na
redução dos custos e na efetividade do encarceramento.
25
CONCLUSÃO
Diante do exposto, foi possível concluir através do presente estudo que a
situação carcerária do país é bastante preocupante, e que o modelo tradicionalmente
em vigor apresenta várias discrepâncias que destoam da proposta ressocializadora
da pena insculpida na Lei de Execuções Penais, apresentando inconsistências
estruturais e metodológicas que determinam o insucesso do sistema penitenciário nos
moldes existentes, conforme se observou através dos resultados dos últimos
relatórios elaborados pelo Departamento Penitenciário Nacional.
Constata-se, à vista disso, que o aumento exponencial da população carcerária,
o sucateamento das prisões e a superlotação são marcas características que denotam
a falência do Estado no trato da matéria. Nesse ínterim, o método estruturado pela
Associação de proteção e Assistência aos condenados – APAC apresenta-se como
uma alternativa viável e eficaz na promoção do cumprimento de pena baseado na
valorização humana, adequada às determinações constitucionais e infralegais
vigentes, constituindo-se uma ferramenta passível de ser incorporada ao sistema
convencional, atrelando a ressocialização a uma punição de maneira mais consistente,
em consonância aos preceitos norteadores do direito pátrio.
Portanto, o fomento a parcerias firmadas com entidades civis como a APAC
precisam ser incentivadas, através de convênios e subvenções governamentais, por
exemplo, pois, como visto, o ente estatal não dispõe das condições necessárias para
implementar uma execução penal digna, sendo negligente na função de promover a
reinserção do apenado ao convívio social.
Nesse sentido, as experiências da aplicação da metodologia mostraram que os
resultados alcançados foram consistentes, e que a proposta de fato contribui para a
implementação dos ditames insculpidos na LEP, oportunidade em que são fornecidos
de maneira apropriada as prerrogativas assistenciais devidas, em sua integralidade.
Verificou-se ainda que os custos para a manutenção dos apenados e os índices de
reincidência do método apaqueano são notáveis, havendo, portanto, a necessidade
de expansão da proposta, e a sua inserção de maneira progressiva na sistemática
carcerária do país, feitas as adequações cabíveis, a fim de restaurar a mens legis por
trás do referido arcabouço normativo.
26
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