mulheres na funÇÃo pÚblica: trajetÓrias … · o mais importante desafio de lidar com as...
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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
MULHERES NA FUNÇÃO PÚBLICA: TRAJETÓRIAS PROFISSIONAIS DE GESTORAS
E GESTORES PÚBLICOS DE UM ESTADO BRASILEIRO1
Letícia Godinho2
Ana Paula Salej3
Marina Amorim4
Resumo: Sob a égide das reformas gerenciais que tiveram lugar nas administrações públicas
brasileiras a partir da década de 1990, algumas iniciativas no âmbito federal e nos estados
brasileiros emergiram, visando à profissionalização da gestão pública e à constituição de uma elite
administrativa qualificada. Dentre essas iniciativas, a criação da Escola de Governo da Fundação
João Pinheiro (EG/FJP), em Belo Horizonte, no ano de 1992, é considerada um marco no país por
sua singularidade quanto à forma de ingresso na carreira pública – imediatamente após a formação
do gestor público em um curso de graduação em Administração Pública. Em virtude da importância
estratégica deste profissional para a gestão pública estadual, a posição privilegiada desta carreira
(EPPGG) e demais incentivos existentes, a presente pesquisa analisou as trajetórias profissionais
dxs egressxs do curso (aptos à entrada no serviço público de Minas Gerais), buscando identificar se
há mudanças em sua trajetória profissional, quando se analisam os dados a partir da perspectiva de
gênero. Trabalhando com dados de natureza quanti e qualitativa, a pesquisa encontrou variações e
tendências, quando comparados servidores e servidoras públicxs, para as quais se buscou elencar
hipóteses explicativas acerca dos fatores que operam para sua existência. Além disso, os dados
encontrados acerca das mulheres que compõem esta elite burocrática do estado de Minas Gerais
diferem sobremaneira dos achados de pesquisas realizadas acerca da situação de outras servidoras
públicas e de trabalhadoras no mercado em geral. Importa assim buscar explicar por que, em termos
comparativos, no estado de Minas Gerais, essa carreira parece “proteger” mais as mulheres
servidoras das “segregações” generificadas, bem como os limites desta proteção.
Palavras-chave: Gênero e administração pública; gênero e carreira; gênero e mercado de trabalho;
gestão pública.
Introdução
O mais importante desafio de lidar com as questões de gênero no interior da Administração
Pública é, provavelmente, o desafio da invisibilidade. Como explicitar questões como “teto de
vidro”, discriminações com base no gênero, assédio, entre outras, se não há sequer dados relativos
ao sexo dxs servidorxs nos sistemas e bases de dados referentes à força de trabalho? “Sexo” não é
ainda um atributo necessariamente requerido nos sistemas, o que torna a produção de estatísticas e
de informações extremamente complicadas, quando não impossíveis.
1 Pesquisa financiada pela FAPEMIG e FJP. 2 Fundação João Pinheiro, Belo Horizonte, Brasil. 3 Fundação João Pinheiro, Belo Horizonte, Brasil. 4 Fundação João Pinheiro, Belo Horizonte, Brasil.
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Nesse contexto de grande carência de dados e informações, evidenciar a realidade
geralmente depende de esforços individuais de pesquisa, que procurem gerar dados primários. É
nesse último contexto que se insere este trabalho, que busca apresentar resultados parciais de
pesquisa realizada com a carreira dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental -
EPPGG, do estado de Minas Gerais. A pesquisa teve como objetivo geral reconstruir e analisar as
trajetórias profissionais dxs EPPGG, os quais são egressxs do curso de graduação em
Administração Pública (CSAP) ministrado na Fundação João Pinheiro, instituição de ensino
superior e pesquisa daquele estado. A pesquisa analisou as trajetórias profissionais empreendidas
por essxs profissionais, e sua associação, quando existente, com seu percurso escolar. Como esses
percursos – escolar e profissional – se configuram? O que os justifica? Em específico, neste
trabalho, tratamos alguns dos resultados encontrados acerca das variações de percurso encontradas
entre os homens e mulheres pesquisados, e o que poderia explicá-las.
O Curso de Administração Pública e a carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão
Governamental do estado de Minas Gerais
A partir da década de 1990, em um contexto de reformas gerenciais na administração
pública brasileira, diagnósticos associavam a crise do Estado, dentre outros fatores, à ineficiência da
burocracia estatal, apontando que o sucesso dos esforços reformistas dependiam também da
profissionalização dessa burocracia. O enfoque gerencial então predominante defendia a
necessidade de uma burocracia governamental “estável, recrutada por critérios meritocráticos”
(FERRAREZI e ZIMBRÃO, 2005, p. 14). Além disso, propunha uma nova e mais arrojada
arquitetura de funcionalismo estatal, composta por gestores aptos a administrar a crise e promover
as mudanças institucionais necessárias, preparados para tomar decisões em contextos cada vez mais
complexos, flexíveis e adaptados à diversidade de situações (MONTEIRO, 2013).
Emergiram, assim, algumas iniciativas no âmbito federal e dos estados, visando à
profissionalização da gestão pública e à constituição de uma elite administrativa altamente
qualificada, incumbida das funções de formulação, supervisão e avaliação de políticas públicas
(MONTEIRO, 2013). Dentre essas iniciativas, a criação da Escola de Governo Professor Paulo
Neves da Fundação João Pinheiro (EG/ FJP), em 1992, é considerada um marco no país, por sua
singularidade quanto à forma de ingresso na carreira pública (concurso público para uma carreira de
Estado, e não simples “vestibular”) e a solidez na formação dx gestorx públicx por meio da
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formação no curso de Administração Pública (CSAP) em nível de Graduação / Bacharelado
(COUTINHO; BERNARDO, 2010; ROSSI et al, 2011).
A partir de 2003, as vagas anuais do curso foram ampliadas de 40 para 80; o cargo de
“Administrador Público” foi transformado em Especialista em Políticas Públicas e Gestão
Governamental (EPPGG); e, sobretudo, seus/suas egressxs passaram a ocupar um papel importante
no contexto das reformas gerenciais em andamento no estado (SEPLAG/MG). Aos EPPGG, cabe a
formulação, a avaliação e a supervisão de políticas públicas, além do exercício de atividades
relacionadas às áreas de planejamento e avaliação, administração financeira e orçamentária,
contabilidade, modernização da gestão, racionalização de processos, gestão e tecnologia da
informação, recursos logísticos, recursos materiais, recursos humanos e administração patrimonial
(ROSSI et al, 2011).
Em virtude da importância estratégica deste profissional para a gestão pública estadual, a
posição privilegiada desta carreira e os vários incentivos existentes (carreira, status e rendimentos),
a pesquisa analisou as trajetórias profissionais dxs egressxs do curso CSAP (aptos à entrada na
carreira de EPPGG), buscando identificar se há mudanças em sua trajetória profissional, quando se
analisam os dados a partir da perspectiva de gênero. Trabalhando com dados de natureza
quantitativa, este trabalho aponta para algumas das variações encontradas entre homens e mulheres
desta carreira. Além disso, também se encontrou tendências importantes referentes à trajetória das
servidoras que compõem esta elite burocrática do estado de Minas Gerais, as quais diferem, em
alguns aspectos, dos achados de pesquisas realizadas com outras carreiras públicas e das
trabalhadoras no mercado de trabalho em geral.
Do ingresso no curso de formação à trajetória profissional: uma análise de gênero da situação
das mulheres EPPGG em Minas Gerais
O universo da pesquisa abrangeu todxs xs ingressantes no curso de graduação em
Administração Pública (CSAP) da Fundação João Pinheiro, entre 1992 (ano da primeira turma) e
2012, formadxs até o final de 2015, em um total de 29 turmas estudadas e 1175 ingressantes5.
5 Não existia até então uma base de dados consolidada sobre esse universo e as informações
estavam dispersas em bases de dados diferentes, que foram agregadas para a realização da
investigação. Trata-se de dados e informações da própria Escola de Governo da Fundação João
Pinheiro, que reúne os dados acerca da trajetória escolar e do perfil socioeconômico dxs alunxs; do
Núcleo de Gestão da Carreira da Secretaria de Estado de Planejamento e Governo (SEPLAG/MG),
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Ao final daquele ano, 878 alunxs haviam concluído o CSAP e sido colocados à disposição
do serviço público estadual. Desses, apenas 777 egressos do curso haviam sido empossados até o
final de 2015, o que indicava uma taxa de evasão de cerca de 34%. Dos 1175 alunxs que
ingressaram no curso entre 1992 e 2012, 519 eram mulheres e 656 eram homens, 44,2 e 55,8%
respectivamente6.
A partir dos dados coletados, foi possível acompanhar a mudança na representatividade das
mulheres ao longo da trajetória que vai do ingresso no curso de Administração Pública (CSAP) à
conclusão, tomada de posse e permanência na carreira de EPPGG, junto ao serviço público
estadual. Essa análise permite explicitar aspectos relativos às oportunidades educacionais e de
trabalho do público aqui estudado, em específico, acerca do acesso e da permanência tanto no
sistema educacional quanto no serviço público7.
Gráfico 1. Proporção de alunas por turma. Curso de Administração Pública - CSAP,
turmas 1 a 29.
sobre a trajetória profissional dos EPPGG empossados; e do Portal da Transparência do Estado de
Minas Gerais, acerca da lotação funcional e rendimentos, entre outros.
6 Não foi possível encontrar dados disponíveis sobre a demanda ao curso (indivíduos inscritos no concurso público), o
que não permite realizar inferências acerca da taxa de “sucesso” das mulheres na entrada. Importante mencionar que o
concurso público não se resume à seleção inicial, para entrada no curso CSAP, comumente denominada “vestibular”.
Esta seria apenas a 1ª etapa do concurso público, que abrange também o curso de formação em si (o CSAP), sendo este
a 2ª e última etapa. Observadas as condições estipuladas em cada edital (por ex., não reprovação em mais do que três
matérias ao longo de todo o curso), xs alunxs estariam aptxs a ingressar no serviço público estadual, na carreira de
EPPGG.
7 Uma análise mais aprofundada deste assunto deve, não obstante, levar em conta não apenas a dimensão de gênero,
mas sua associação com o pertencimento social e origem socioeconômica, o que não será feito aqui devido ao escopo
necessariamente limitado do presente trabalho.
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No momento inicial desta trajetória, o ingresso no curso, a razão entre mulheres e homens
era de 79/100. A despeito da representatividade média de alunas junto ao universo ser inferior a
50%, essa proporção varia ao longo das turmas (Gráf. 1). Ela é bastante reduzida na primeira,
apenas 22%, mas chega a 51,3% em 2012 (turma 29) – sendo que em algumas turmas, essa
porcentagem é ainda maior (65,9% na turma 27, por exemplo). Há, com efeito, uma tendência de
aumento da representatividade das mulheres na entrada no CSAP, ao longo dos anos estudados.
Dentre os 80,3% de alunxs que concluíram o curso entre 1992-2012, 437 são mulheres e 506
são homens. Aumenta a representatividade das mulheres nesta segunda etapa da trajetória: 46,3%
dxs concluintes são femininas e a razão mulheres/homens passa a 87/100.
A proporção de alunas que concluem o CSAP também varia por turma; mas diversamente
do caso dxs ingressantes, aqui, via de regra, é superior à dos alunos. A reta de tendência também
mostra que o aumento na proporção de mulheres que concluem o curso ao longo dos anos é maior
do que o aumento observado entre os homens (Gráf. 2).
Gráfico 2. Proporção de concluintes por sexo e turma. Curso de Administração Pública
- CSAP, turmas 1 a 29.
Dentre xs 943 alunxs que concluem o curso, apenas 777 tomam posse na carreira de
EPPGG, ingressando no serviço público estadual. 366, ou 47,1% delxs, são mulheres. A razão H/M
é de 89/100, denotando, novamente, um aumento da representatividade feminina no conjunto. A
reta de tendência mostra que, também neste caso, há um aumento na proporção de mulheres que
tomam posse, ao curso das turmas, maior do que o aumento observado entre os homens (Gráf. 3).
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Gráfico 3. Proporção de concluintes que tomam posse na carreira, por sexo e turma.
Curso de Administração Pública - CSAP, turmas 1 a 29.
Também se buscou observar a proporção de pessoas que permanecem na carreira. Conforme
já mencionado, as condições de permanência melhoraram quando das duas reformas ocorridas nos
anos 2000, que modificaram os salários e os tornaram mais atrativos e melhoraram as condições de
promoção e progressão.
Gráfico 4. Proporção de empossados que permanecem na carreira, por sexo e turma.
Curso de Administração Pública - CSAP, turmas 1 a 29.
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Assim, do conjunto de servidorxs que toma posse e entra em efetivo exercício no serviço
público estadual, permanecem na carreira, até o ano de 2015, 47,8% do total, ou 581 pessoas.
Dessxs, 278 são mulheres, ou 53,8%. Note-se que a representatividade das mulheres no conjunto
aumenta ainda mais nesta etapa da trajetória dos EPPGG, o que é também evidenciado pela razão
H/M, igual a 92/100. No mesmo sentido, o Gráfico 4 evidencia a reta de tendência de aumento na
proporção de mulheres que permanecem na carreira ao longo do tempo, maior do que o observado
entre os homens.
Observadas essas etapas constitutivas do percurso escolar e profissional das mulheres
servidoras, podem ser colocadas algumas hipóteses para explicar o aumento de sua
representatividade ao longo dos anos (cf. resumo na Tabela 1 abaixo).
Tabela 1. Distribuição entre homens e mulheres ao longo das etapas do percurso
escolar e profissional de alunxs do CSAP e EPPGG.
Fonte: Elaboração própria; dados da pesquisa.
Em primeiro lugar, importa pontuar, seguindo os estudos da Sociologia da Educação (Teoria
da Reprodução e Pós-Reprodutivistas), que a escola é o lugar ou a instituição social onde ser mulher
é “rentável”. A escola se constitui como ambiente do corpo dócil; logo, o corpo da escola é o corpo
feminino (Carvalho, 2003; 2012). Com efeito, estudos empíricos acerca dos indicadores do sistema
educacional formal brasileiro indicam que uma proporção maior de mulheres que de homens
concluem os estudos médio e superior8. Os dados da pesquisa corroboram essas informações e
contribuem para que se compreenda a trajetória escolar das mulheres na educação superior. Sabe-se,
a esse respeito, que as diferenças entre homens e mulheres no sistema de ensino brasileiro não são
8 Rosemberg observou que, em 1998, no ensino superior, as mulheres representavam 55% das matrículas e 61% das
conclusões. Ainda, que uma proporção ligeiramente superior de estudantes entre os homens decorreria de seus passos
serem mais lentos que os das mulheres, dado que ficariam mais tempo no sistema escolar para percorrerem um trajeto
equivalente. Além disso, dados do Exame Nacional de Cursos aponta que a porcentagem de formandxs é maior entre as
mulheres que entre os homens, em todas as carreiras escolares consideradas, no grupo etário mais jovem, ou seja, elas
se formam mais rápido (Rosemberg, 2001, p. 522-ss).
CategoriaNr.
Mulheres
M %
categoria
%
mulheres
Nr.
Homens
H %
categoria
%
HomensTotal
T %
categoria
Ingressantes 519 100,0 44,2 656 100 55,8 1175 100
Concluintes 437 84,2 46,3 506 77,13415 53,7 943 80,3
Empossados 366 70,5 47,1 411 62,65244 52,9 777 66,1
Na carreira 278 53,6 47,8 303 46,18902 52,2 581 49,4
Na carreira com cargo 171 32,9 47,6 188 28,65854 52,4 359 30,6
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intensas, e transparecem mais na trajetória escolar do que em barreiras específicas de acesso.
(Rosemberg, 2001; 2003).
Quanto à trajetória profissional destas servidoras públicas, é preciso recorrer às explicações
da Sociologia do Trabalho e das Profissões, cujos estudos adotam a perspectiva de gênero para
entender tanto o percurso quanto as barreiras existentes não apenas para o acesso e a ascensão
profissional, mas a permanência em si no mercado de trabalho.
Se o sucesso escolar implica, de acordo com as teorias econômicas clássicas, em sucesso na
entrada no mercado de trabalho, ele não explica por que as mulheres permanecem mais nesta
carreira do que os homens, como observado acima. Tampouco explicam os diferenciais salariais e
de assunção de cargos e gratificações, nem a alocação concentrada em determinados órgãos, em
detrimento de outros – resultados encontrados para esta carreira (cf. adiante), que são similares aos
padrões de gênero encontrados em outras carreiras do serviço público.
Em primeiro lugar, por que permanecem? Há duas hipóteses não concorrentes a serem
consideradas. A primeira, de que a carreira de EPPGG é uma boa carreira para as mulheres
servidoras. Com efeito, a trata-se de uma carreira bastante atrativa, não apenas devido ao status de
que goza junto à burocracia administrativa do estado e seus bons rendimentos. Especialmente para
as mulheres, os atuais critérios de promoção e progressão, extremamente objetivos, permitem, em
termos comparativos, uma ascensão profissional mais independente de fatores subjetivos, tais como
relacionamento interpessoal, adesão a determinados comportamentos e valores culturais, entre
outros – extremamente problemáticos para as mulheres trabalhadoras em um mercado de trabalho
patriarcal. Trata-se de uma carreira em que o sucesso acadêmico (títulos, cursos realizados,
publicações), assunção de cargos e tempo de trabalho são recompensados com pontos para
progressão e promoção; logo, a ascensão das mulheres encontra-se mais protegida do que em outras
carreiras em que critérios como esses não estão presentes.
A outra hipótese para explicar por que as mulheres permanecem mais nesta carreira do que
os homens defende que elas têm mais dificuldades do que eles para buscar alternativas mais
atrativas. Trata-se de hipótese bastante corroborada pelos estudos de gênero dentro da Sociologia
das Profissões, que argumenta que as mulheres possuem mais “âncoras” – ou fatores que as fazem
buscar permanecer no lugar de origem, mudar menos de profissão ou de local de trabalho. Os mais
comuns são a família e as atribuições de cuidado assumidas em decorrência da divisão sexual do
trabalho doméstico. De fato, os EPPGG de Minas Gerais evadiram da carreira muito em função da
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procura por postos no serviço público federal, cujos salários e carreira eram significativamente mais
atrativos até alguns anos atrás.
Tabela 2. EPPGG com cargo, por sexo. Minas Gerais, 2015.
Homens Mulheres Total
Contagem 169 197 366
% em Tem cargo 46,2% 53,8% 100,0%
% em Sexo 59,3% 60,1% 59,7%
% do Total 27,6% 32,1% 59,7%
Fonte: Elaboração própria; dados da pesquisa.
Quanto à assunção de cargos ou gratificações, e aos diferenciais salariais entre EPPGG
homens e mulheres, os dados seguem denotando uma pequena diferença entre homens e mulheres,
sendo que estes mantem pequena vantagem também nestes quesitos, como esperado. Dentre os
EPPGG com cargo de direção e assessoramento ou função gratificada, 53,8% são homens e 46,2%
são mulheres. A razão entre M e H com cargo ou função é de 91/100. 59,7% dos EPPGG os
possuem (366 em 613). Isso corresponde a 59,3% das mulheres e 60,1% dos homens.
Até aqui examinamos um conjunto de elementos que dizem da situação das mulheres no
percurso escolar e profissional. Quanto a este último, os resultados corroboram as teorias e outros
estudos empíricos existentes na literatura. A despeito de um suposto acesso “meritocrático” ao
emprego público, via concurso, que seria cego para o gênero, elementos não visíveis operam para
que seja desigual quanto aos sexos, ainda que menor do que o observado no mercado de trabalho
“privado”.
Além disso, há outros elementos que também operam ao longo da trajetória profissional,
dificultando a ascensão das mulheres e tornando sua trajetória mais instável e precária. O chamado
fenômeno do “teto de vidro” aponta justamente para esta situação, na qual as mulheres, seja no
mercado de trabalho em geral, seja no serviço público em específico, possuem menos chances de
acesso ao emprego e de progredir, chegar ao topo das organizações e obter cargos ou funções
gratificadas; em consequência, possuem rendimentos reduzidos, comparativamente aos homens. A
essas dinâmicas, classificadas como “segregação vertical” – dificuldade de ascender a níveis mais
altos da carreira –, há as formas de “segregação horizontal”, segundo as quais se obstaculiza o
acesso a determinados lugares, entendidos como propriamente masculinos e/ou avessos às
mulheres.
Com efeito, no que se refere à remuneração, a média salarial dxs EPPGG é ligeiramente
menor entre as mulheres, comparativamente aos homens; isso ocorre em todos os percentis
considerados.
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Tabela 3. Remuneração dos EPPGG por sexo: média, máximo e quartis.
Sexo
Mulheres Homens
Remuneração Após
Deduções Jul/2016
Média 8385,92 8509,98
Percentil 25 5197,37 5419,80
Percentil 50 7512,65 7752,01
Percentil 75 10146,46 10158,75
Máximo 26367,51 24632,06
Fonte: Elaboração própria; dados da pesquisa.
Também se observa o fenômeno da segregação horizontal operando na carreira dxs EPPGG.
Excetuando-se a SEPLAG, onde estão lotados todxs xs EPPGG sem cargo ou função gratificada, os
locais onde mais se concentram as mulheres relacionam-se a lugares ou políticas públicos de
“cuidado”: saúde e assistência social são, por exemplo, os dois órgãos onde são prioritariamente
lotadas.
Analisou-se também a licença maternidade e paternidade gozada pelos EPPGG que tem
filho ao longo da carreira e os possíveis efeitos desta licença na trajetória profissional. O que a
literatura a respeito teoriza e tem encontrado a partir de pesquisas empíricas é que um dos
elementos mais importantes do “atraso” profissional das mulheres comparativamente aos homens é
o advento da maternidade, quando não apenas se ausentam do trabalho (ou do mercado de trabalho)
por tempo considerável, em decorrência de licença, como também produz outras consequências: por
exemplo, diminui seu “desempenho” em função do acúmulo das tarefas relacionadas com o cuidado
das crianças; faz com que busquem postos de trabalho mais flexíveis e, consequentemente, menos
valorizados; reduzam-se as chances de que assumam postos de gerência, diante da dificuldade de
coordená-lo com as responsabilidades domésticas, entre outros. Não por acaso há uma grande
frustração com a vida profissional entre as mulheres trabalhadoras que são mães e taxas de
adoecimento muito mais altas do que as encontradas entre os homens trabalhadores.
Entre os EPPGG, apenas 14 homens e 36 mulheres tiraram licença materniadade /
paternidade. Mas, contrariamente ao esperado, não se observou efeitos negativos decorrentes da
licença nesta carreira.
Tabela 4. Taxa de progressão anual média de homens e mulheres EPPGG que tiraram
licença / paternidade e dos que não tiraram.
Mulheres que tiraram licença
maternidade
N Válido 36
Ausente 0
Média 2,6635
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Mulheres que não tiraram
licença maternidade
N Válido 242
Ausente 1
Média 1,5969
Homens que tiraram licença
maternidade
N Válido 15
Ausente 0
Média 2,1736
Homens que não tiraram licença
maternidade
N Válido 288
Ausente 4
Média 1,8165
Fonte: Elaboração própria; dados da pesquisa.
A tabela 4 acima apresenta as taxas médias anuais de progressão de mulheres e homens que
tiraram e daquelxs que não tiraram licença maternidade; e a tabela 5 em seguida, das taxas de
progressão anual antes e depois da licença9.
Tabela 5. Taxa de progressão anual média antes e depois da licença maternidade /
paternidade dos EPPGG.
Mulheres progressão na carreira antes da licença maternidade 2,1152
progressão na carreira depois da licença maternidade 3,1871
Homens N progressão na carreira antes da licença paternidade 1,4206
progressão na carreira depois da licença paternidade 2,8853
Fonte: Elaboração própria; dados da pesquisa.
Contrariamente ao esperado, os dados mostram que, para esta carreira, as taxas de
progressão são maiores entre aqueles que tiraram a licença maternidade / paternidade, e que, entre
os que tiraram, as taxas das mulheres são maiores que as dos homens. Curiosamente, as taxas
masculinas são superiores dentre aqueles indivíduos que não tiraram licença. O outro conjunto de
dados evidencia que a taxa média de progressão aumenta após a licença maternidade / paternidade –
sendo que dobra entre os homens.
Referências
CARVALHO, Marília Pinto de. O conceito de gênero no dia a dia da sala de aula. Rev de
educacao pública, v. 21, n. 46 (2012)
CARVALHO, Marília Pinto de. Sucesso e fracasso escolar: uma questão de gênero. Educação e
Pesquisa, São Paulo, v.29, n.1, p. 185-193, jan./jun. 2003
9 Calculamos a taxa média anual de progressão anual calculando o tempo de carreira (em anos), que divide a variável
numérica criada para medir sua progressão (nível) e promoção (grau) até então.
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COUTINHO, Frederico de Morais Andrade; BERNARDO, Renata Anício. A carreira de
especialista em políticas públicas e gestão governamental (EPPGG) como instrumento
transformador da realidade estatal: a experiência de Minas Gerais. In: CONGRESSO CONSAD
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MONTEIRO, Lorena Madruga. Reforma da administração pública e carreiras de Estado: o caso
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ROSEMBERG, Fulvia. Desigualdades de raça e gênero no sistema educacional brasileiro.
Trabalho apresentado no Seminário Internacional “Ações afirmativas nas políticas educacionais
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ROSEMBERG, Fulvia. Sísifo e a educação infantil brasileira. Pro-Posiçóes- vol. 14, N. 1 (40)-
jan/abr. 2003.
ROSSI, Maria de Fátima et al. Análise das mudanças no perfil socioeconômico dos interessados na
formação para a área pública: estudo aplicado aos vestibulandos e alunos do curso de graduação da
Escola de Governo da Fundação João Pinheiro. Revista Temas de Administração Pública,
Araraquara, ed. Especial, v. 2, n. 6, 2011.
Women in the civil service: professional trajectories of public managers of a Brazilian state
Abstract:
Under the aegis of managerial reforms that have taken place in Brazilian public administrations
since the 1990s, some initiatives in the federal and state level have emerged, aiming at the
professionalization of public management and the constitution of a qualified administrative elite.
Among these initiatives, the creation of the School of Government of the João Pinheiro Foundation
(EG / FJP), in Belo Horizonte, in 1992, is considered a milestone in the country due to its
uniqueness in training of the public managers in an undergraduate course in Public Administration.
Due to the strategic importance of this professional for the Minas Gerais state public management,
the privileged position of this career (EPPGG) and other existing incentives, the research sought to
analyze the professional trajectories of the graduates of the course (able to enter the public service
of Minas Gerais), seeking to identify if there are variances in their professional trajectory, when
analyzing the data from the gender perspective. Working with data of quantitative and qualitative
nature, the research found variations and tendencies, for which we sought to list explanatory
hypotheses about the factors that operate for their existence. It should also be mentioned that the
data found for this bureaucratic elite in the state of Minas Gerais differ greatly from the findings of
research carried out on the case of federal public managers.
Keywords: Gender and public administration; Gender and career; Gender and the labor market;
public administration.