nas (entre) linhas dos corpos: tramas, cores e … · para as análises aprofundamos ... para...
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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
NAS (ENTRE) LINHAS DOS CORPOS: TRAMAS, CORES E FLORES NA EDUCAÇÃO
INFANTIL
Juliana Graziella Martins Guimarães1
Priscila Natalícia Bernardo2
Silmara Aparecida dos Santos3
Resumo: Este trabalho apresenta a pesquisa com crianças da Educação Infantil em um espaço em que se entrelaçam
cores, flores, meninos e meninas, fazendo emergir (des)prazeres, descobertas, (im)possibilidades, brincadeiras e
resistências, dando vida ao que denominamos “espaço do brincar”. Um lugar outro em que crianças interagem
diferentemente da rotina que lhes é imposta; dos discursos de como ser menino e menina. Um espaço brincante: nome
dado ao ambiente criado em um Centro Municipal de Educação Infantil - CEMEI, pelo Programa de Bolsas de Iniciação
à Docência – Pibid/Pedagogia da Universidade Federal de Lavras. Um ambiente que é construído a partir de uma tenda
de praia. Em seu interior há panos coloridos/floridos, filós, fitas, tapetes sensoriais, dentre outros. Materiais que
denominamos de “não estruturados”, que não estão prontos e, que se entrelaçam aos corpos das crianças. Esta
heterotopia, ou seja, um outro espaço – contemplando o referencial foucaultiano – compõe o corpus de análise desta
pesquisa, possibilitando problematizar a creche enquanto espaço de relações de gênero, de (des)construções e
resistências. O material empírico da pesquisa consistiu na observação de discursos, gestos, movimentos, danças, fotos e
registro das mais diversas atitudes que as crianças tiveram dentro do “espaço brincante”. Para as análises aprofundamos
os estudos de autoras e autores que problematizam a Educação Infantil, as relações de gênero, as expressões das
sexualidades e os brincares.
Palavras-chave: Educação-Infantil, gênero, espaço brincante, heterotopia.
“[...] há quem não reverencie as cores, as flores, estampas, misturas, audácias. O nude pode ser elegante na
moda, mas a vida nua e crua precisa de uns respingos de laranja, vermelho e verde para provocar estímulo,
senão caímos em sono profundo. E sono profundo é a morte. Estou falando do tom que colorimos a nossa
história. Lamento por quem vive em sépia, deixando-se desbotar.”
Martha Medeiros – As cores
Tramas, cores e flores
Os matizes que fascinam, encantam e envolvem o espaço da Educação Infantil – para
crianças pequenas 4possibilitam interpretações e significações que variam conforme a cultura.
Podem emergir vida, forma, textura, proximidade, distanciamento e sensações como calor e frio.
1 Licenciada em Pedagogia, mestranda em Educação DED/UFLA, integrante do grupo de pesquisas: relações entre a
filosofia e educação para a sexualidade na contemporaneidade: a problemática da formação docente - Fesex/Ufla.
Email: [email protected] 2 Licenciada em Pedagogia, mestranda em Educação DED/UFLA, integrante do grupo de pesquisas: relações entre a
filosofia e educação para a sexualidade na contemporaneidade: a problemática da formação docente - Fesex/Ufla.
Email: [email protected] 3 Licenciada em Letras Português – Inglês, mestranda em Educação DED/Ufla, integrante do grupo de pesquisas:
relações entre a filosofia e educação para a sexualidade na contemporaneidade: a problemática da formação docente -
Fesex/Ufla. Email: [email protected]
4 No Brasil esta é a primeira etapa da Educação Básica.
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Nessa explosão de sentimentos por elas provocada, nos é permitido sublimar nossas emoções
escondidas.
Com caráter simbólico, Jean Chevalier e Alain Gheerbrant (1998, 275-276) trazem a cor
como “universalidade, não só geográfica, mas também em todos os níveis do ser e do
conhecimento, cosmológico, psicológico, místico, entre outros.” Em suas diferentes tonalidades, as
interpretações podem diversificar simbolizando ainda: elementos, espaço, o tempo em sua ausência
e alternância e a dualidade inerente ao ser. Assumem tais simbolismos quando aparecem como
elementos de divindades, nas obras de arte e também na religião representando “a luz criada e
incriada”.
No espaço da Educação Infantil, cores, flores e corpos se entrelaçam fazendo emergir
prazeres, desprazeres, curiosidades, possibilidades, conhecimentos, anseios, medos, brincadeiras e
resistências. Para Chevalier e Gheerbrant (1998, p. 437), “a flor identifica-se ao simbolismo da
infância e, de certo modo, ao estado edênico”.
No texto “Mais infância”, a romancista Lya Luft (2009) apresentar as reminiscências de sua
infância em meio a flores e cores nos convida a passear no seu Éden de descobertas, de
espontaneidade e ressignificação:
[...] rodeando a casa havia hortênsias de tonalidades azul-pálido, azul-cobalto,
arroxeadas, lilases ou totalmente violeta em vários tons de rosa, do brilhante ao
quase branco. Eram o meu castelo verde escuro de onde brotava o inexplicado das
cores. (LUFT, 2009, P,158)
Na Educação Infantil, as flores e cores se fazem presentes em ambientes do brincar. Nesses
lugares, as crianças têm a possibilidade de interação e desenvolvimento cognitivo, motor e afetivo
que possibilitam trocas de saberes e experiências. Nessa aquarela de possibilidades, um tecido floral
de tonalidades fortes e vibrantes, que vestiu desde escravos à elite, se faz presente na decoração
desses espaços brincantes, nas festividades folclóricas e nas brincadeiras: o chitão.
As flores grandes de cores primárias e secundárias, que se harmonizam em meio aos tons
vibrantes e fortes escondem manchas e irregularidades do chitão. Mesmo simples, as tramas do
tecido são repletas de possibilidades e significações capazes de nos conduzir por caminhos
inimagináveis.
Na expressão dos corpos, que se entrelaçam as tramas do chitão, as cores e flores que se
misturam e fascinam Marcel Mauss (2003, p.327) nos chama a perceber a Educação Infantil, em
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suas nuances e matizes quando nos diz que “a educação da criança é repleta daquilo que chamam
detalhes, mas que são essenciais”.
A essencialidade, que traz consigo saberes, experiências, interações, descobertas,
aprendizados e sensações é sintetizada por Jorge Larrosa (2002):
Se a experiência não é o que acontece, mas o que nos acontece, duas pessoas, ainda
que enfrentem o mesmo acontecimento, não fazem a mesma experiência. O
acontecimento é comum, mas a experiência é para cada qual sua, singular e de uma
maneira impossível de ser repetida. O saber da experiência é um saber que não
pode separar-se do indivíduo concreto em quem encarna. (LAROSSA, 2001, p.27)
Espaços Brincantes: As cores presentes nas possibilidades de ressignificar
Em meio a toda uma rotina, como um refúgio de regras e controles, surge aquele espaço
onde tudo é possível, onde a expressão é livre de fato e as falas e desejo das crianças são
considerados importantes, um espaço brincante. O que é delimitado aqui como espaço brincante é
constituído por uma tenda de praia, envolta por cores de tecidos diversos, fitas e texturas. Esse
espaço, montado dentro de uma sala denominada brinquedoteca, é vizinho de livros, brinquedos,
televisão e outros diversos aparatos culturais comumente utilizados na Educação Infantil.
Entretanto, o fascínio pelas cores, que vibram naqueles panos e que nas palavras de Maria
Aparecida Mello e Douglas Aparecido Campos (2010, p. 43), “convidam as crianças a investigarem
o mundo, se possibilitam a interação, a expressão de sua linguagem, a movimentação corporal, o
isolamento, quando necessário, e a criação artística”. Um espaço que sobressai a todos os outros
materiais ali presentes. E quando por ventura são convidadas a entrar naquele ambiente, onde cores,
flores e corpos se tornam notas de uma mesma sinfonia, as crianças surpreendem, pois assumem
uma postura ativa da sua infância, permitindo-se investigar, elaborar hipóteses, (des) construir e (re)
significar.
Os corpos que tomam para si toda a curiosidade que está imbricada na infância resistem aos
“não pode” e “agora não é hora disso” e se entregam ao brincar, que segundo Marina Aparecida
Marques Castanheira et. al (2012, p. 277), “é uma atividade de extrema importância e amplos
significados no cotidiano infantil”. Adentrando no campo das possibilidades e liberdades, as cores
ali sempre presentes abraçam esses meninos e meninas, como se sussurrassem naqueles ouvidos que
são suas amigas, que podem contar com elas no seu processo criativo de expressão, percepção e
construção. E como parceiras, crianças e cores se entrelaçam, como se realmente juntas
constituíssem parte das tramas daquele, que para muitos, seria apenas um simples pedaço de pano.
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As cores, portanto, são recebidas com uma intimidade natural, estimulando a imaginação e
possibilitando novas formas de brincar. Nessa esteira, Mello e Campos (2010, p.41) afirmam: “O
imaginário infantil e seu desenvolvimento não se limitam às brincadeiras de faz de conta, mas
também envolvem atividades que trabalham a estética, a música, a dança e as artes gráficas.”.
A tenda como “espaço do brincar”: Emergindo novas possibilidades de colorir a Educação
Infantil
No artigo “Nas tendas da sexualidade e gênero: heterotopias no currículo”, Cláudia Maria
Ribeiro (2009, p.67), nos apresenta a simbologia das tendas quando escreve que “as tendas são
residências de pessoas nômades no deserto e também o protótipo do templo em várias civilizações”.
Para Chevalier e Gheerbrant (1998, p.877) “a tenda é um lugar sagrado, onde o divino é convocado
a manifestar-se”. Na simbologia do sagrado, adentramos no espaço da tenda, onde a imaginação não
possui limites, permitindo inúmeras “viagens” e, até mesmo a respiração parece escapar ao corpo.
No dia em que foi montada, numa instituição de Educação Infantil, tornou-se um desvio de
atenção para a atividade que ali acontecia: A professora pincelava os pés de cada criança com tinta,
carimbava em uma folha branca de papel, e rapidamente limpava os resquícios do guache no corpo
da criança. E bem do lado erguiam-se chitões, filós, fitas... paredes de cores, dava-se vida à um
espaço brincante! Este lugar foi construído como parte das atividades do Pibid/Pedagogia UFLA -
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência da Universidade Federal de Lavras5, no
Cemei - Centro Municipal de Educação Infantil na cidade de Lavras/MG.
Chega o dia de possibilizar, de convidar para ocuparem um espaço construído para a
exploração. E mais uma vez as crianças surpreendem. Param, ficam estáticas diante das cores, de
materiais não estruturados, que se transformam em qualquer coisa que a imaginação de cada
um/uma consegue alcançar. E um rostinho encantado se manifesta verbalizando: “posso mesmo
brincar com tudo isso”?
5 Programa criado pelo MEC/CAPES/ Diretoria de Educação Básica – FNDE em 2007 para atuar em áreas prioritárias
no Ensino Médio: Licenciaturas em Física, Química, Matemática e Biologia. Ensino Fundamental: Licenciatura em
Matemática e Ciências e de forma complementar em Licenciatura em Letras, Educação Musical e Artística e Educação
Física. O Pibid objetiva inseria a universidade nas comunidades e atua no ensino, na pesquisa e na extensão para
contribuir na melhoria da qualidade da educação básica, valorizando o espaço da Escola Pública como campo de
experiência na construção do conhecimento. Atualmente a UFLA compõe sua equipe PIBID com uma coordenadora
institucional, dois gestores de processos educacionais, 16 coordenadores/as das várias áreas do conhecimento, 236
bolsistas de Iniciação à Docência e 39 supervisores/as de área de várias escolas. (RIBEIRO e ALVARENGA, 2014, p.
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Em uma fração de segundo esse questionamento acaba por gerar outros... Até onde a
Educação Infantil abrange as necessidades da infância? São ditos tantos “nãos!”; até que ponto a
livre expressão desses corpinhos fica comprometida? Onde estão os erros? Onde estão os acertos? O
que precisa mudar? São questionamentos que não possuem respostas prontas, mas que nos permite
sair da zona de conforto e refletir sobre este imenso espaço de vivências e experiências que são os
Cemeis.
Entre as cores, flores, corpos e expressão da sexualidade: a descoberta e criação de espaços
heterotópicos
No momento em que as crianças entram no espaço brincante, acabam por se permitir ao
desconhecido, ao que não está posto e nem pronto; libertam-se, mesmo que por um curto tempo,
daquilo que é mecânico e passam a criar. Sim! Criam suas brincadeiras, suas invenções, suas
fantasias, seus desejos, suas magias, enfim, criam outros espaços. E usam dos filós, das flores, dos
panos, das cores para dar vida e energia a esses outros espaços, a esse outro lugar de possibilidades.
Michel Foucault (2006) cunhou o conceito de heterotopia para explicar o que é “esse outro lugar”,
“esse outro espaço”.
A heterotopia tem o poder de justapor em um só lugar real vários espaços, vários
posicionamentos que são em si próprio incompatíveis. É assim que o teatro fez
alternar no retângulo da cena uma série de lugares que são estranhos uns aos
outros; é assim que o cinema é uma sala retangular muito curiosa, no fundo da
qual, sobre uma tela em duas dimensões vê- se projetar um espaço em três
dimensões. (FOUCAULT, 2006, p. 418).
As heterotopias são lugares reais que se contrapõem a outros lugares, ou seja, é um espaço
dentro de outros espaços. A criança está de corpo presente no espaço do brincar, mas ao mesmo
tempo está criando outros lugares. As crianças quando estão na tenda “viajam” por esses “outros
espaços”, transitam por desejos, por brincares que muitas vezes não são permitidos no dia a dia.
Circulam por inúmeras fantasias onde o controle dos adultos não consegue alcançar, resistem! Não
é possível saber ao certos quais são esses “outros espaços” que as crianças constroem, mas pelos
rostos encantados, pelas atitudes, sorrisos e gestos sabemos que estão transitando pelo universo das
fantasias.
As cores, as flores, os corpos permitem que essas fantasias sejam construídas. Como as
crianças expressam a sexualidade. E sexualidade no sentido amplo, não ligado ao sentido de “sexo”,
mas sim, interligado aos prazeres. “O prazer é o atributo que nos permite reconhecer a liberdade do
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sujeito sonhada por Foucault” (Freire apud Ortega, 1999. p. 14). Prazer em tocar, em sorrir, em se
jogar no chão, em movimentar-se de um lado para o outro, em dançar com o véu, em brincar com as
cores, em pisar no milho, no algodão, no feltro, no chão e ter as mais várias sensações. As
sensações que despertam corpos que estão em constante processo de desenvolvimento, de
conhecimento de si e do outro.
Em consonância com os pressupostos, o Referencial Curricular Nacional para a Educação
Infantil (Rcnei) diz que:
A sexualidade tem grande importância no desenvolvimento e na prática psíquica
das pessoas, pois independentemente da potencialidade reprodutiva relaciona-se
com o prazer, necessidade fundamental dos seres humanos. Seu desenvolvimento é
fortemente marcado pela cultura e pela história. A marca da cultura faz-se presente
desde cedo no desenvolvimento da sexualidade infantil, por exemplo, na maneira
como os adultos reagem aos primeiros movimentos exploratórios que as crianças
fazem em seu corpo. (BRASIL, 1998 p.17).
Há em torno da sexualidade a criação de mitos e tabus que a configura como um problema.
“A sexualidade não é um problema: ela é o lugar ao qual os problemas se afixam” (LOURO, 2002,
p. 92), isto é, a sexualidade em si não é a questão, mas sim o que foi criado a partir dela, os dizeres
sobre essa temática são carregados de verdades que instauram, muitas vezes, o preconceito. São
produzidos diversos discursos acerca dessa temática a fim de construir verdades como únicas e
exclusivas. A partir desses discursos que classificam, normalizam, normatizam os sujeitos,
constituem-se as subjetividades. É neste campo da produção de saberes e verdades que se torna bem
visível a importância da multiplicação de sujeitos quanto de discursos (FISCHER, 2001).
A sexualidade deve ser compreendida como algo que é inerente ao sujeito e que auxilia no
processo de desenvolvimento da criança. Por isso é importante que as instituições de educação
infantil percebam a necessidade de proporcionar às crianças atividades em que a sexualidade possa
estar presente sem medo, sem controle, sem pudor. A sexualidade como força pulsante nos/dos
corpos.
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Figura 1 – Espaço do brincar
Figura 2 – Fitas, filós e cores
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Figura 3 – Espaço das
possibilidades
Figura 4 – Entre as cores e flores
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Figura 5 – Possibilidades e descobertas
Considerações que não tem fim
A luz que emana do rosto daquela menina que recebe um sim quando pede para refugiar-se
no seu mundo de faz de conta é um misto de alívio e prazer. E quanto prazer encontrado em meio às
texturas e cores! Quantas (re) significações, conflitos, quantas formas de experimentar a infância.
Este devir criança nos brincares, na livre expressão dos corpos e nas descobertas continua no
interior nômade de uma tenda! Muitas histórias foram trazidas e contadas em segredo dentro
daquelas paredes de cores, outras tantas certamente virão. E quando intencionalmente criamos as
possibilidades que vem com um “sim, você pode brincar com tudo isso!”, somos presenteados/as
com uma explosão de encantamento, de brincares que transportam as crianças para outros mundos,
onde as impossibilidades6 não conseguem mais alcançá-las.
6 Em seu texto O enigma da infância ou o que vai do impossível ao verdadeiro, Larrosa cunhou o conceito de
impossibilidades dizendo que “a afirmação do impossível tem também algo de milagre, visto que o que afirma é o que
se deve esperar o inesperado e que se deve receber o infinitamente improvável. Afirmando a impossibilidade da
infância, subtraímo-la do âmbito daquilo que já está de antemão determinado por nossos saberes e por nossos poderes,
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Alguns metros quadrados, um “simples” espaço, mas quantas possibilidades, quantas
oportunidades, quantas vivências, quantas experiências! Quanta vida sendo construída nesse
ambiente dos brincares. Um lugar em que a fantasia, a oportunidade, os desejos, a magia se faz
presente. E presente na forma de materiais não estruturados, que não estão prontos e, é exatamente
isso que permite à criança a criação, pois o que não está posto oportuniza o novo, o inusitado, o
devir.
Entre estampas, véus, milhos, algodões, feltros, panos, fitas e cores estão as crianças nas
suas singularidades, curiosidades e invenções. Crianças que falam que pensam, que sentem, que
riem, choram, que (des) constroem, ou seja, que são sujeitos. E como sujeitos devem ser percebidos
e reconhecidos como tal no próprio processo de desenvolvimento e criação!
Os desafios são muitos, mas é preciso começar a colocar em xeque as várias questões que
circulam pelos espaços da educação infantil, entender que crianças são crianças e necessitam de
brincar, de espaços em que a construção de brincadeiras e fantasias podem e devem acontecer.
Para os adultos que se detém na posição de expectadores, ver o imaginário pulsante
naqueles corpos, que gritam de contentamento em um casulo de fitas e estampas florais, que se
permitem expressar, sentir e questionar, é como contemplar uma obra de arte, com suas diferentes
nuances se entrelaçando para transmitir uma mensagem. E aqueles sorrisos estampados, que por
alguns instantes se escondem em um ou outro cantinho a procura de novas possibilidades também
nos falam que em meio às cores, é mais divertido ser criança.
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CHEVALIER, Jean e GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. Mitos, sonhos, costumes,
gestos, formas, figuras, cores, números. Rio de Janeiro: José Olympio. 1998.
do âmbito do previsto. Nesse contexto, e se aquele que nasce é o que vai do impossível ao verdadeiro, que será aqui o
verdadeiro? Qual é a natureza dessa verdade com a qual aquele que nasce nos brinda precisamente a partir de sua
própria impossibilidade?” (Larrosa, 1998, p.12)
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RIBEIRO, Cláudia Maria e ALVARENGA, Carolina Faria. “Tranca a Porta! Não deixa elas
saírem” – um contexto para emergir as expressões das crianças sobre gênero e sexualidade. Revista
Textura. 2014, n.32, PP. 187-207. set./dez. 2014. Em:
http://www.periodicos.ulbra.br/index.php/txra/article/view/1251.
IN (BETWEEN) LINES OF BODIES: PLOTS, COLORS AND FLOWERS IN EARLY
CHILDHOOD EDUCATION
Abstract: This work presents the research with children of Early Childhood Education in a space
that interlace colors, flowers, boys and girls, making emerge (un)pleasure, discoveries,
(im)possibilities, games and resistances, giving life to what we call "space of playing ". Another
place where children interact differently from the routine imposed on them; of speeches about how
to be a boy and a girl. A space to play: name given to the environment created in a Municipal
Center of Early Childhood Education - CEMEI, by the Program of Scholarship Initiation to
Teaching - Pibid/Pedagogy of the Federal University of Lavras. An environment that is built from a
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‘beach tent’. In its interior there are colorful/flowered cloths, tulle, ribbons, sensorial mats, among
others. Materials that we call "unstructured" which are not ready and interlace to children's bodies.
This heterotopia, that is, another space - contemplating the Foucaultian referential - compose the
corpus of this research analysis, making it possible to problematize the day care as a space of
gender relations, (dis)constructions and resistances. The empirical material of the research consisted
in the observation of speeches, gestures, movements, dances, photos and record of the most diverse
attitudes that the children had within the "space to play". For the analysis, we analyze the studies of
the authors (woman and man) that problematize Early Childhood Education, gender relations,
expressions of sexuality and play.
Keywords: Early Childhood Education, gender, space to play, heterotopia.