nominais nus

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA Ruan de Souza Mariano NOMINAIS NUS, TÓPICO E FOCO: TESTANDO A ACEITABILIDADE EM SENTENÇAS EPISÓDICAS Florianópolis 2013

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nominais nustópicogramática gerativasintaxe formal

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

    CENTRO DE COMUNICAO E EXPRESSO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LINGUSTICA

    Ruan de Souza Mariano

    NOMINAIS NUS, TPICO E FOCO: TESTANDO A

    ACEITABILIDADE EM SENTENAS EPISDICAS

    Florianpolis

    2013

  • Nominais nus, tpico e foco: testando a aceitabilidade em sentenas episdicas

  • Dissertao de Mestrado

    3

    Ruan de Souza Mariano

    NOMINAIS NUS, TPICO E FOCO: TESTANDO A

    ACEITABILIDADE EM SENTENAS EPISDICAS

    Dissertao submetida ao Programa de

    Ps-Graduao em Lingustica da

    Universidade Federal de Santa Catarina

    como requisito para a obteno do Grau

    de Mestre em Lingustica

    Orientadora: Prof.. Dr. Roberta Pires

    de Oliveira

    Florianpolis

    2013

  • Nominais nus, tpico e foco: testando a aceitabilidade em sentenas episdicas

  • Dissertao de Mestrado

    5

    Ruan de Souza Mariano

    NOMINAIS NUS, TPICO E FOCO: TESTANDO A

    ACEITABILIDADE EM SENTENAS EPISDICAS Esta Dissertao foi julgada aprovada para obteno do Ttulo de Mestre

    em Lingustica.

    Florianpolis, 28 de janeiro de 2013.

    Banca Examinadora:

    ________________________

    Prof. Dr. Roberta Pires de Oliveira

    Universidade Federal de Santa Catarina

    Orientadora

    ________________________ Prof. Dr. Josias Ricardo Hack

    Universidade Federal de Santa Catarina

    Presidente

    ________________________

    Prof. Dr. Sergio de Moura Menuzzi

    Universidade Federal do Rio Grande do Sul

    ________________________

    Prof. Dr. Izabel Christine Seara

    Universidade Federal de Santa Catarina

    ________________________

    Prof. Dr. Mailce Borges Mota Fortkamp

    Universidade Federal de Santa Catarina

    ________________________

    Prof. Dr. Edair Maria Gorski

    Universidade Federal de Santa Catarina

    (suplente)

  • Nominais nus, tpico e foco: testando a aceitabilidade em sentenas episdicas

  • Dissertao de Mestrado

    7

    Maria nenm, minha bisav, cuja formao

    acadmica no atingiu o ensino mdio, mas a quem

    no hesito em lhe atribuir o ttulo de mestre.

  • Nominais nus, tpico e foco: testando a aceitabilidade em sentenas episdicas

  • Dissertao de Mestrado

    9

    Agradecimentos:

    s Marias da minha vida: minha bisav, minha av e minha me

    por me darem o suporte necessrio para a concluso da graduao e do

    mestrado...

    Aos seus respectivos Joss: meu pai Zenildo e meu av Milton,

    por igualmente me apoiarem nesta empreitada...

    Aos meus tios e tias, irmos e irm, pela fora que me animam...

    Aos amigos, por me aturarem nos meus piores e melhores

    momentos e pelos risos soltos e confortveis nos momentos mais

    (in)oportunos de angstia e normalidade...

    Aos colegas do NEG pelas tardes prazerosas conversando sobre a

    lngua(gem) e sobre as peripcias da vida acadmica...

    Roberta Pires de Oliveira, minha orientadora, pelo apoio

    incondicional pesquisa e pelas conversas prazerosas de corredor...

    ...Os meus sinceros agradecimentos!

  • Nominais nus, tpico e foco: testando a aceitabilidade em sentenas episdicas

  • Dissertao de Mestrado

    11

    Porque [...] dentro de todos e de

    cada um, est um tesouro que

    preciso estudar.

    (Noam Chomsky)

  • Nominais nus, tpico e foco: testando a aceitabilidade em sentenas episdicas

  • Dissertao de Mestrado

    13

    RESUMO

    O presente trabalho se insere numa perspectiva de interface entre

    semntica, prosdia e psicolingustica e busca investigar a restrio (se

    este for mesmo o caso) a nominais nus, isto , nomes desprovidos de

    determinantes, em posio de sujeito de sentenas episdicas do

    portugus brasileiro (PB). Realizamos, para tanto, trs experimentos

    psicolingusticos com o intuito de testar nossas hipteses, quais sejam: a)

    se nominais nus sujeitos de sentenas episdicas so gramaticais no PB,

    embora possam ser contextualmente marcados; b) se a prosdia para

    tpico contribui para a felicidade de sentenas com nominais nus sujeitos

    de sentenas episdicas. Os resultados apontaram para a confirmao de

    que os nominais nus so gramaticais na posio de sujeito de sentenas

    episdicas do PB, mas no deram subsdios para sustentarmos que a

    prosdia contribui para restituir a felicidade de sentenas contextualmente

    infelizes. Sentenas episdicas com nominais nus sujeitos parecem ser

    gramaticais e no necessitarem de suporte prosdico, contrariando as

    expectativas de todos os tericos da rea.

    Palavras-chave: nominais nus sujeitos, sentenas episdicas, prosdia,

    semntica e psicolingustica.

  • Nominais nus, tpico e foco: testando a aceitabilidade em sentenas episdicas

  • Dissertao de Mestrado

    15

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1: Amostra da tela do experimento 1................................................................................................

    48

    Figura 2: Forma de onda, curva de F0 manipulada e descrio tonal da sentena-controle declarativa gramatical: Pedro

    beijou

    Manuela.................................................................................... 52

    Figura 3: Forma de onda, curva de F0 e descrio tonal da sentena-alvo declarativa: Batata rolou do

    saco........................................................................................... 53

    Figura 4: Forma de onda, curva de F0 e descrio tonal da sentena-alvo declarativa: Gato subiu no

    telhado........................................................................... 54

    Figura 5: Forma de onda, curva de F0 e descrio tonal da sentena-alvo: BATATAT rolou do saco, em que o nominal

    nu batata est na posio de tpico sentencial e sobre ele

    incide o foco prosdico da

    sentena........................................................................... 55

    Figura 6: Forma de onda, curva de F0 com espectrograma e descrio tonal da sentena-alvo: GATOT subiu no telhado,

    em que o nominal nu gato est na posio de tpico

    sentencial e sobre ele incide o foco prosdico da sentena...... 56

    Figura 7: Forma de onda, curva de F0 e descrio tonal da sentena-alvo: GARRAFAT rolou da mesa, em que o nominal

    nu garrafa est na posio de tpico sentencial e sobre ele

    incide o foco prosdico da sentena......................................... 56

    Figura 8: Forma de onda, curva de F0 e descrio tonal da sentena-alvo: GELEIAT pingou na roupa, em que o nominal

    nu geleia est na posio de tpico sentencial e sobre ele

    incide o foco prosdico da sentena......................................... 57

    Figura 9: Instrues para realizao do experimento........................ 58

    Figura 10: Amostra da tela de execuo do experimento 3. Os quadrados em amarelo eram onde o informante precisava

    clicar para registrar seu julgamento.......................................... 62

    Figura 11: Instruo para realizao do Experimento 3................... 64

    Figura 12: Exemplo da tabela de dados emitida pelo software Praat......................................................................................... 65

  • Nominais nus, tpico e foco: testando a aceitabilidade em sentenas episdicas

  • Dissertao de Mestrado

    17

    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1: resultado dos julgamentos dos informantes do

    experimento 1; sentenas-alvo com proeminncia prosdica

    [+ animadas].............................................................................. 66

    Tabela 2: resultado dos julgamentos dos informantes do

    experimento 1; sentenas-alvo com proeminncia prosdica [-

    animadas]................................................................................... 66

    Tabela 3: resultado dos julgamentos dos informantes do

    experimento 1; sentenas-alvo sem proeminncia prosdica

    [+ animadas].............................................................................. 67

    Tabela 4: resultado dos julgamentos dos informantes do

    experimento 1; sentenas-alvo sem proeminncia prosdica [-

    animadas]................................................................................... 67

    Tabela 5: resultado dos julgamentos dos informantes do

    experimento 1; sentenas distratoras com e sem proeminncia

    prosdica.................................................................................... 66

    Tabela 6: resultado dos julgamentos dos informantes do

    experimento 2; sentenas-alvo com proeminncia prosdica

    [+ animadas].............................................................................. 72

    Tabela 7: resultado dos julgamentos dos informantes do

    experimento 2; sentenas-alvo com proeminncia prosdica [-

    animadas]................................................................................... 72

    Tabela 8: resultado dos julgamentos dos informantes do

    experimento 2; sentenas-alvo sem proeminncia prosdica

    [+ animadas].............................................................................. 72

    Tabela 9: resultado dos julgamentos dos informantes do

    experimento 2; sentenas-alvo sem proeminncia prosdica

    [- animadas]............................................................................... 73

    Tabela 10: resultado dos julgamentos dos informantes do

    experimento 2; sentenas distratoras com ou sem

    proeminncia prosdica............................................................. 73

    Tabela 11: Legenda dos valores atribudos pelos informantes ao

    Experimento 3............................................................................ 76

    Tabela 12: Valores atribudos pelos informantes no Experimento 3.

    Foco nos estmulos.................................................................... 77

    Tabela 13: Valores atribudos pelos informantes no Experimento 3.

    Foco nos informantes................................................................. 79

  • Nominais nus, tpico e foco: testando a aceitabilidade em sentenas episdicas

  • Dissertao de Mestrado

    19

    SUMRIO

    Resumo 13

    Lista de Figuras 15

    Lista de Tabelas 17

    Sumrio 19

    Introduo 21

    1. Teorias em Discusso 31 1.1 O nominal nu um indefinido 31 1.2 O nominal nu denota a espcie 34

    2. O Papel da Estrutura Informacional 39 2.1 A estrutura informacional 39

    2.2 O foco 39

    2.3 O tpico 40

    2.3.1 Tpico discursivo (D-topic), tpico sentencial (S-topic) e

    valor focal 42

    2.4 O papel da estrutura informacional na felicidade das sentenas

    episdicas em que nominal nu se encontra na posio de

    sujeito 43

    3. Metodologia dos Experimentos 47 3.1 Metodologia do Experimento 1 48

    3.2 Metodologia do Experimento 2 59

    3.3 Metodologia do Experimento 3 61

    4. Resultados e Anlises 65 4.1 Resultado do Experimento 1 66

    4.2 Resultado do Experimento 2 71

    4.3 Resultado do Experimento 3 75

    5. Consideraes Finais 95 Referncias Bibliogrficas 97

    Anexos 103

  • Nominais nus, tpico e foco: testando a aceitabilidade em sentenas episdicas

  • Dissertao de Mestrado

    21

    0. INTRODUO

    Um grupo de amigos est conversando sobre a festa que ocorreu na

    noite anterior e, ao comentar sobre um episdio especfico, um dos

    rapazes profere, em tom de exclamao:

    (1) MULHER discutiu futebol na festa ontem!

    Esse proferimento, nessa situao, mostra uma avaliao do falante

    sobre um episdio que ele vivenciou. Ele veicula sua surpresa pelo fato

    de que mulher discutiu futebol, expressando que se trata de algo

    incomum. Mas note que, do ponto de vista lingustico, temos uma

    estrutura em que o nominal nu mulher est numa posio de

    proeminncia prosdica, isto , marcado prosodicamente com acento de

    foco ou tpico1. Seria possvel utilizar essa sentena de modo feliz sem

    essa proeminncia, ou seja, com uma prosdia de declarao,

    respondendo a pergunta: o que aconteceu ontem na festa?

    (2) Mulher discutiu futebol.

    A literatura prediz que a sentena em (2) marcada2

    gramaticalmente se no houver auxlio prosdico, ou seja, a sentena

    parece no ser estruturalmente bem construda, se a explicao for

    sinttica, ou apresentar algum tipo de inconsistncia semntica. Assim,

    utilizando-se de uma entoao de declarativa padro, a sentena deveria

    ser contextualmente infeliz. esse de fato o caso?

    Ambas as sentenas so episdicas, isto , denotam um

    acontecimento especfico, um episdio em particular. Tambm

    apresentam um nominal sem nenhum determinante aparente realizado

    fonologicamente. A diferena que h entre uma e outra grosso modo o tipo de estrutura informacional que subjaz aos proferimentos. Enquanto,

    1 Para os nossos propsitos, como veremos mais adiante, indiferente se o

    nominal nu est marcado por acento de tpico ou foco. Por mais que as

    estruturas informacionais de tpico e foco se distingam, interessa-nos, por

    hora, apenas a proeminncia prosdica. Neste exemplo, contudo,

    consideremos que o acento prosdico que marca o nominal nu mulher o

    foco. As situaes criadas pretendem salientar essa interpretao de

    informao nova. 2 Por marcada, entendemos as sentenas que soam como estranha ou pouco

    naturais, nos termos de Ilari (1986).

  • Nominais nus, tpico e foco: testando a aceitabilidade em sentenas episdicas

    na primeira situao, temos um proferimento veiculado como foco

    informacional, isto , como informao nova; no segundo, a possibilidade

    de ocorrncia de uma sentena com informao totalmente nova sem uma

    ancoragem contextual, ou seja, sem uma contextualizao prvia, no ,

    por hiptese, feliz em PB. Aparentemente, segundo as teorias sobre o

    nominal nu, no se pode chegar numa conversa e proferir:

    (3) # Cachorro latiu no canil. 3

    porque no h a introduo prvia dos acontecimentos que se sucedem:

    no sabemos quem o referente e se ele executou a ao predicada no

    verbo. Se algum falante quisesse introduzir esta informao numa

    conversa, possivelmente acrescentaria algum determinante no incio da

    sentena, ou modificaria a morfologia (e por conseguinte a concordncia)

    do nominal cachorro para o plural ou ainda realizaria ambas as

    mudanas mencionadas acima, como nos sugere o exemplo (4), abaixo:

    (4) Alguns cachorros latiram no canil.

    Nessa sentena, ao utilizar o artigo indefinido alguns, o falante

    estabelece uma relao entre conjuntos, o conjunto dos cachorros e o

    conjunto das coisas que latem. J em (3), o sintagma nominal nu

    cachorro denota um nico conjunto: o dos indivduos que latiram.

    Temos a leve impresso de que as sentenas (3) e (4) parecem dizer a

    mesma coisa, mas no queremos transmitir aqui a falsa ideia de que

    consideramos a sentena (4) sinnima de (3), uma vez que h inmeras

    diferenas semnticas imbricadas ai, a comear pela morfologia de

    singular utilizada na sentena (3) e a de plural na sentena (4); alm

    disso, ainda h a introduo em (4) de um quantificador, enquanto em (3)

    temos um nominal nu cachorro, que em nossa compreenso no pode

    ser substitudo sem alterao da informao semntica por um sintagma

    quantificado.

    Utilizamos esta pequena anedota apenas para ilustrar um pouco da

    pesquisa que desenvolveremos neste trabalho, que, entre outras coisas,

    tem a ver com a estrutura informacional e com a interpretao de uma

    determinada estrutura do portugus brasileiro (de agora em diante PB), os

    nominais nus, em geral, e o singular nu em particular. Comecemos, ento,

    por definir o objeto de pesquisa!

    3 Utilizaremos o smbolo (#), para marcar sentenas contextualmente infelizes e

    marcaremos as sentenas agramaticais com o smbolo (*). Quando no tivermos

    certeza sobre qual juzo atribuir sentena, colocaremos em seu incio o smbolo

    ?.

  • Dissertao de Mestrado

    23

    J diria Saussure (1916) que o ponto de vista faz o objeto, assim,

    a delimitao do objeto de pesquisa no uma tarefa simples de se

    realizar. No tanto pelo objeto propriamente dito, mas muito mais pela

    filiao a uma determinada epistemologia (o ponto de vista) que

    pressupe o conhecimento das pesquisas que subjazem quela base

    terica, bem como o conhecimento da tcnica empregada na aquisio

    desse conhecimento. H, no ponto de vista, uma histria da compreenso

    daquele objeto.

    Nosso trabalho, nesse sentido, se arrisca um pouco mais, na

    medida em que ele se insere numa perspectiva de interfaces: semntica-

    prosdia-psicolingustica. Nos termos de Seara e Figueiredo-Silva (2007),

    O estudo de interfaces nunca matria trivial. A

    questo no simplesmente a de compatibilizar

    dois vocabulrios advindos de fontes de

    conhecimento distintas, [que] por si s j um

    problema espinhoso; a questo , sobretudo, a de

    colocar dois campos do conhecimento em uma

    relao articulada de tal modo que certas

    concluses sobre uma das interfaces possam servir

    de argumento para sustentar hipteses a respeito de

    fenmenos vrios na outra interface, o que implica

    fazer algumas hipteses e tomar decises sobre a

    estrutura da gramtica. (SEARA E FIGUEIREDO-

    SILVA, 2007: 155)

    Nesse sentido, a proposta que aqui fazemos de relacionar trs

    campos do conhecimento distintos para buscar compreender um

    determinado fenmeno do PB requer muita articulao. Em particular

    porque estaremos testando uma hiptese semntico-pragmtica, na

    medida em que envolve o significado do nominal nu e uma estrutura

    informacional, utilizando experimentos psicolingusticos. A hiptese, que

    aparece pela primeira vez em Schmitt & Munn (1999), que a curva

    entoacional pode contribuir para a felicidade do fenmeno analisado. Isto

    , parece que do ponto de vista sinttico-semntico as ocorrncias como

    as de (1) so bem formadas (Cf. MARIANO, 2011), mas a sentena

    requer um tipo de contexto em particular; a prosdia um recurso para

    explicitar uma certa estrutura dada pelo contexto. Neste trabalho, vamos

    verificar se esse de fato o caso. Para tanto, lanamos mo de alguns

    experimentos psicolingusticos. Estamos, ento, no domnio da

    Psicolingustica (experimental), porque utilizamos experimentos

  • Nominais nus, tpico e foco: testando a aceitabilidade em sentenas episdicas

    psicolingusticos para a avaliao e comparao de proferimentos com o

    intuito de verificar se de fato a prosdia contribui para a felicidade do

    nominal nu na posio de sujeito de sentenas episdicas. Veremos,

    adiante, que, em outros contextos, ele ocorre sem necessidade de suporte

    prosdico.

    Assim, delimitar o objeto de pesquisa aqui implica entender

    minimamente como funciona cada rea em especfico, a fim de no

    corrermos o risco de sermos reducionistas ou tratarmos daquilo que no

    sabemos.

    Na literatura especfica da Semntica, h, pelo menos, trs grandes

    propostas tericas para a descrio do nominal nu: Schmitt & Munn

    (1999), entre outros, Mller (2002) e Pires de Oliveira & Rothstein (2011;

    2012). Nossa inteno avaliar essas propostas. Vejamos mais

    especificamente que fenmeno esse.

    Diferentemente das outras lnguas romnicas, no PB temos um

    chamado singular nu produtivo. Ele ocorre na posio de sujeito de

    sentenas genricas, na posio de objeto de sentenas genricas ou

    episdicas, sem apresentar qualquer restrio quanto ao aspecto

    prosdico. Eis alguns exemplos:

    (5) Criana chora muito.

    (6) Joo odeia advogado.

    (7) Carlos comprou livro ontem tarde.

    Na literatura h uma controvrsia a respeito da aceitabilidade do

    singular nu quando combinado com predicado de espcie. Mller (2002,

    2004, entre outros) entende que a sentena em (8) agramatical, enquanto

    os demais autores aceitam:

    (8) Baleia est em extino.

    Nesta dissertao, no iremos nos preocupar com esse tipo de

    dado. Nosso objeto de estudos tambm controverso na literatura. Vamos

    analisar sentenas com o singular nu em posio de sujeito de sentenas

    episdicas. Observe as sentenas:

    (9) A batata rolou do saco.

    (10) Uma batata rolou do saco.

    (11) Batatas rolaram do saco.

    (12) # Batata rolou do saco.

    (13) S batata rolou do saco.

  • Dissertao de Mestrado

    25

    (14) Ontem, na feira batata rolou do saco, ma caiu do cesto...

    (15) BATATAT rolou do saco (e no outra coisa).4

    Na sentena (9), temos um DP5 definido a batata conjugado a um

    predicado episdico rolou do saco; em (10), temos um DP indefinido

    uma batata conjugado com o mesmo predicado; j em (11), (12), (13),

    (14) e (15), h uma controvrsia terica questionando se o que temos em

    itlico so realmente DPs com o determinante no pronunciado ou, na

    verdade, NPs6 (Cf. Mller, 2004). H tambm uma questo sobre a

    aceitabilidade ou agramaticalidade de proferimentos como (12). Mller

    entende que (12) agramatical, enquanto Schmitt & Munn (1999)

    entendem que h necessidade de proeminncia prosdica (contexto de

    lista) e Pires de Oliveira & Rothstein (2012) afirmam que a sentena

    exige um contexto particular por causa do tipo de indivduo que o

    sintagma nu denota, a espcie.7 Um dos objetivos do nosso trabalho , por

    meio dos experimentos psicolingusticos, verificar se a proposta de

    Mller (2002) se confirma ou no, isto , se de fato sentenas do tipo (12)

    so agramaticais no PB.

    Segundo Pires de Oliveira e Peruchi-Mezari (2012)8, os nominais

    destacados em (11), (12), (13), (14) e (15), alm dos nominais mulher e

    cachorro, das sentenas de (1), (2), (3) so nus, porque

    no tm um determinante aparente, foneticamente

    realizado, quer definido, como a ou as (...),

    quer indefinido, como uma (...) isto , o nome

    no vem acompanhado de artigo, por isso o

    sintagma chamado nu.

    Em (11), no entanto, temos o que a literatura chama de plural nu, porque o nominal batatas possui marca morfolgica de plural s

    9; j em

    4 Os nominais que estiverem em caixa alta contm acento prosdico de tpico ou

    de foco. 5 Um DP (abreviatura do ingls: Deterniner Phrase) um sintagma encabeado

    por um determinante, como o menino, a menina, todo menino, qualquer

    menina, algum menino, um menino etc. 6 Um NP (abreviatura do ingls: Nominal Phrase) um sintagma encabeado por

    um nome. 7 Discutiremos essa questo mais adiante. 8 Os exemplos dados pelas autoras so outros, mas os que fornecemos aqui se

    encaixam perfeitamente na descrio por elas produzida.

  • Nominais nus, tpico e foco: testando a aceitabilidade em sentenas episdicas

    (12), (13), (14) e (15), os nominais destacados so costumeira e

    equivocadamente denominados singulares nus. Dizemos

    equivocadamente porque, conforme j notaram vrios pesquisadores,

    como Munn e Schmitt (2005), entre outros, estes nominais seriam, na

    verdade, nomes contveis neutros para nmero, uma vez que poderiam

    ser retomados tanto pelo pronome singular ela como pelo pronome

    plural elas, como podemos notar nos exemplos abaixo, retirados de

    Schmit e Munn (1999: no paginado):

    (16) Coelhoi sempre rouba cenouras da Maria, por isso ela detesta eles i de corao.

    (17) Coelhoi sempre rouba cenouras da Maria, por isso agora ?elei faz parte da sua lista de inimigos.

    Assim, cham-los de singular nu sem perceber que eles poderiam ser retomados anaforicamente tanto por um pronome plural, quanto por

    um pronome singular, pode configurar um equvoco terminolgico.10

    Retomando os exemplos de (9) a (15), precisamos atentar para

    algumas questes, como as que se seguem: a) as estruturas de (9) a (11)

    ocorrem livremente em PB, isto , a combinao de um DP ou a

    combinao de um plural nu com um predicado episdico no sofre

    restrio nessa lngua? b) estruturas do tipo (12) so marcadas em PB,

    isto , quando o nominal nu11

    est na posio de sujeito de um predicado

    episdico, aparentemente, a estrutura apresenta certas restries de uso?

    c) em contextos nos quais o nominal prosodicamente proeminente (seja

    marcado por curva de foco ou tpico) ou quando ele se encontra sob o

    escopo de um item focalizador ou ainda, quando se insere num contexto

    de lista, como notaram Schmitt & Munn (1999), a combinao de um

    nominal nu sujeito de um predicado episdico se torna feliz no PB, como

    podemos observar nas sentenas de (13) a (15)?

    O objetivo da presente pesquisa, assim, entender se h

    efetivamente uma restrio no exemplo (12) e por que h essa restrio,

    isso , por que, aparentemente, a combinao de um nominal nu sujeito

    com um predicado episdico gera uma estrutura marcada no PB. Somado

    9 Strictu sensu a prpria marca de plural j seria suficiente para no considerar o

    nominal como nu (Cf. Pires de Oliveira & Peruchi-Mezari, 2012). 10

    Necessrio frisar que, para Pires de Oliveira e Rothstein (2011), as quais

    embasam muitos aspectos da nossa pesquisa, os nominais nus no so neutros

    para nmero, mas nomes que denotam sempre a espcie. 11

    De agora em diante, toda vez que utilizarmos o termo nominal nu, estamos nos

    referindo ao que fora conhecido como singular nu.

  • Dissertao de Mestrado

    27

    e subjacente a isso, procuramos confirmar se a intuio de Mller (2002;

    2004) de que sentenas como (12) so agramaticais em PB se confirma,

    uma vez que, sendo a estrutura agramatical, os falantes iriam julgar a

    sentena como no-natural, o que aparentemente no o caso, como

    veremos mais adiante.

    Alm disso, nos propomos a investigar se a prosdia contribui para

    a felicidade de sentenas do tipo (12). A nossa premissa terica se baseia

    nos estudos de Mariano (2011) e Pires de Oliveira e Mariano (2011), para

    os quais a prosdia contribui para uma maior aceitabilidade da sentena,

    embora essa ideia j esteja presente tanto em Schmitt & Munn (1999)

    quando os autores propem que o singular nu sujeito de sentenas

    episdicas licenciado em contexto de foco como tambm, de certa

    forma, em Mller (2004) quando a autora prope que o singular nu s

    gramatical quando est numa posio de tpico, isto , numa posio no-

    argumental. Mas, para Mller, isso ocorre porque o nominal nu s pode

    ter leitura genrica. Como as sentenas de (12) a (15) no tem leitura

    genrica, essas sentenas so agramaticais para a autora. Como veremos

    adiante, Mller entende que essa posio de tpico para a qual o nominal

    nu deve necessariamente se mover, s permite o fechamento pelo

    operador genrico.

    Para Mariano (2011) e Pires de Oliveira e Mariano (2011), a

    combinao de um nominal nu com um predicado episdico no boa

    porque, enquanto o nominal nu denota a espcie, o predicado episdico

    denota um acontecimento especfico ocorrido com uma instanciao da

    espcie ou com um espcime. Essa intuio aparece formalizada em Pires

    de Oliveira & Rothstein (2012). Assim, para Mariano (2011) e Pires de

    Oliveira e Mariano (2011), a prosdia contribui para uma maior

    aceitabilidade da sentena medida que gera a informao de que h,

    disponveis e salientes no contexto, instanciaes da espcie aptas a

    realizarem ou a terem realizado o evento de que o predicado episdico

    trata. H uma pressuposio de testemunhas do evento. Se isso for

    verdade, esperaramos que sentenas como (15) fossem mais bem aceitas

    que sentenas como (12) e justamente isso o que iremos testar

    empiricamente.

    No podemos descartar, contudo, a hiptese da prosdia implcita

    de Fodor (1998; 2005). Para a autora, os informantes tm uma prosdia

    internalizada, uma espcie de voz interior que reorganiza o input no intuito de obter o acesso informao contida na sentena. A prosdia

    implcita, nesse sentido, provavelmente influenciaria num experimento

  • Nominais nus, tpico e foco: testando a aceitabilidade em sentenas episdicas

    psicolingustico, sobretudo em se tratando de testes de leitura. No nosso

    caso no elaboramos nenhum teste de leitura, mas imperativo registrar o

    fato de que os informantes possuem esse conhecimento prosdico

    internalizado e que ele pode ser evocado com o fim de salvaguardar a

    compreenso de determinados proferimentos, mesmo que fisicamente no

    haja marcao prosdica.

    Testaremos tambm se o tipo de indivduo relevante no que se

    refere restrio que acontece em (12), isto , se o fato de o nominal nu

    ser [ animado] interfere na restrio ou na felicidade da sentena. No

    comeo da pesquisa no havamos atentado para o tipo de indivduo que

    se combina com os predicados episdicos, mas essa investigao por tipo

    de indivduo foi necessria porque o primeiro experimento ensejou essa

    dvida, qual seja, a de que os informantes estariam julgando melhor as

    sentenas cujo nominal nu apresentasse o trao [+ animado], em

    detrimento das sentenas cujo nominal nu apresentasse o trao [-

    animado]. Assim, reaplicamos o experimento 1 com o intuito de entender

    se o tipo de indivduo pode favorecer ou no a felicidade da sentena.

    A justificativa para o presente estudo que, embora algumas

    teorias j tenham sido postuladas no tocante combinao de nominal nu sujeito + predicado episdico, nenhum autor, at onde sabemos, se

    utilizou de uma metodologia experimental para ratificar suas teorias

    empiricamente. No estamos aqui querendo negar a importncia da

    intuio dos tericos, muito pelo contrrio: nossa pesquisa se prope a

    contribuir para a literatura especfica no sentido de fornecer indicaes

    para um estudo futuro mais acurado dos nominais nus, um estudo que

    pondere a intuio do terico e a participao dos falantes por meio de

    julgamento de sentenas ou outros tipos de testes experimentais.

    Foi pensando justamente nessa interao entre intuio e

    julgamento que realizamos trs experimentos psicolingusticos: dois de

    julgamento de naturalidade de sentenas e um de comparao entre duas

    estruturas, que no deixou, contudo, de inquirir dos informantes o

    julgamento de naturalidade. Participaram, ao todo, da pesquisa 56

    informantes, todos com nvel superior (concludo ou em curso).

    A interface entre semntica e psicolingustica, como bem notou

    Basso (2007), para muitos linguistas pode parecer inesperada. Para ns,

    contudo, baseados na proposta de Basso (2007: p. 226), nos interessamos

    justamente pelo desafio que a psicolingustica pode impor

    composicionalidade, princpio basilar de uma teoria sobre a semntica

    das lnguas naturais. Assim, observar como os informantes julgam as

    sentenas-alvo pode nos fornecer pistas de como eles esto compondo

  • Dissertao de Mestrado

    29

    uma sentena, isto , como os informantes unem as partes que compem

    o todo (um pensamento, uma proposio).

    Sabemos tambm da dificuldade em realizar experimentos

    psicolingusticos, justamente em virtude das crticas e, sobretudo das

    desconfianas que a rea recebe no que concerne artificialidade a que

    a lngua submetida. No raro encontrarmos linguistas nos mais

    diferentes espaos bradando que nos dados e nos experimentos, tudo se

    encontra. Nesse sentido, adicionaremos um ponto de interrogao a uma

    afirmao de Basso (2007, p. 226), mas que no fundo tambm um

    questionamento do prprio autor: o processamento de sentenas em uma

    situao experimental to diferente do processamento em uma situao

    rotineira que no [seja] possvel avaliar um pelo outro? A resposta

    dada pelo autor, por ns adotada, a citao de um trabalho de Cunha

    Lima (2005):

    Primeiro, [o mtodo experimental] demanda alto

    grau de detalhamento e hipteses muito bem

    explicitadas: formular experimentos funciona como

    um exerccio de reflexo sobre a teoria e de

    grande ajuda para encontrar falhas e incoerncias

    em nossas hipteses. Segundo, fazer experimentos

    permite incorporar aspectos, como ateno,

    memria, capacidade de processamento, aos

    modelos de processamento lingstico, isto ,

    permite dar um significado mais concreto na

    tentativa de entender a cognio como algo

    corporificado. (CUNHA LIMA, 2005: p. 214 apud

    BASSO, 2007: p. 226)

    Assim, propomo-nos a utilizar os mtodos experimentais da

    psicolingustica, buscando acessar o julgamento de falantes nativos do

    PB, como uma forma de entender o fenmeno por ns estudado, qual

    seja, a restrio contextual de nominais nus na posio de sujeito de

    sentenas episdicas.

    No primeiro captulo deste trabalho, iremos discutir as teorias de

    Schmitt & Munn (1999), Mller (2002; 2004) e Pires de Oliveira e

    Rothstein (2011; 2012) e tambm de Pires de Oliveira e Mariano (2011).

    No captulo seguinte, abordaremos a questo da estrutura

    informacional: o que tpico e foco e como essas estruturas contribuem

    para a naturalizao de sentenas construdas com o nominal nu na

    posio pr-verbal. Abordaremos, tambm, a curva entoacional do acento

  • Nominais nus, tpico e foco: testando a aceitabilidade em sentenas episdicas

    de tpico, a fim de contrast-lo com as sentenas por ns construdas para

    a elaborao e execuo dos experimentos.

    No Captulo 3, descreveremos a metodologia dos experimentos por

    ns utilizados para entender se: a) nominais nus sujeitos de sentenas

    episdicas em PB so aceitos pelos falantes; b) a prosdia contribui para

    a felicidade da sentena; c) nominais nus com o trao [+ animado] tornam

    a sentena mais feliz do que quando se combina um nominal nu com o

    trao [- animado] a um predicado episdico.

    Em seguida, no Captulo 4, descreveremos os resultados obtidos na

    aplicao dos trs experimentos, bem como a anlise dos resultados.

    J no quinto captulo, trataremos das consideraes finais e dos

    rumos que a presente pesquisa poder seguir.

    Necessrio frisar, de antemo, que o nosso foco de anlise se

    restringe ao nominal nu, entendido como o nome desprovido de

    morfologia de plural e tambm de determinantes, conforme sugeriram

    Pires de Oliveira & Peruchi-Mezari (2012).

  • Dissertao de Mestrado

    31

    1. TEORIAS EM DISCUSSO

    Como j dissemos, h uma grande discusso na literatura sobre se

    nominais nus, chamados tradicionalmente de singular nu, so licenciados

    ou no na posio de sujeito de sentenas episdicas em PB. Por um lado,

    autores como Viotti e Mller (2003), Mller (2002, 2004), dentre outros,

    defendem que no h licenciamento de nominais nus em posio pr-

    verbal, no pelo menos em posio de sujeito com interpretao

    existencial. Para outros autores como Munn e Schmitt (2002, 2005),

    Schmitt e Munn (1999), Pires de Oliveira e Mariano (2011), Pires de

    Oliveira e Rothstein (2011), Pires de Oliveira (2012) dentre outros,

    defendem que nominais nus so licenciados na posio de sujeito de

    sentenas episdicas.

    Essa discusso est intimamente ligada a uma compreenso de

    qual seja a denotao do nominal nu no PB. Autores como Mller (2002;

    2004) defendem que o nominal nu um indefinido no sentido de Heim,

    isto , eles so predicados do tipo , que introduzem uma varivel

    que ser fechada por um operador sentencial, como o caso do genrico

    ou do existencial; j autores como Schmitt e Munn (1999), entre outros,

    defendem que nominais nus denotam espcie e so argumentos, do tipo e;

    h ainda outros autores, como Dobrovie-Sorin (2012), que defendem que

    o nominal nu ambguo: na posio de sujeito denota espcie e na

    posio de objeto um indefinido. Discutiremos aqui as abordagens sobre

    os nominais nus de Mller (2002; 2004), Schmitt & Munn (1999) e Pires

    de Oliveira & Rothstein (2011).

    Nosso objetivo entender: i) quais so as teorias que propem o

    (no) licenciamento de nominais nus na posio pr-verbal de sentenas

    episdicas; ii) se a prosdia contribui para a felicidade da sentena e de

    que forma ela contribui; iii) os tipos de interpretao propostos pela

    literatura para o singular nu quando na posio de sujeito de sentenas

    episdicas.

    1.1 O nominal nu um indefinido

    A hiptese de que o nominal nu um indefinido tem como

    principal defensor para o PB o trabalho de Mller (2000, 2002, 2004,

    etc.). Para a autora, com base em Heim (1982), o nominal nu um

    indefinido no sentido de que ele introduz uma varivel livre que presa

  • Nominais nus, tpico e foco: testando a aceitabilidade em sentenas episdicas

    por um operador sentencial; assim, numa sentena como (18), abaixo, o

    sintagma nominal menina, que aparentemente est numa posio

    argumental, de sujeito do verbo brinca, na verdade apenas um

    predicado que introduz uma varivel que est, por sua vez, fechada por

    um operador genrico, provavelmente originado do aspecto verbal:

    (18) Menina brinca de carrinho.

    Assim, a sentena em (18) significa: geralmente, se algo menina,

    esse algo brinca de carrinho.

    Isso significa que a autora prope que o nominal nu um

    predicado do tipo - portanto, um NP e no um DP - e que quando

    ele se encontra em aparente posio de sujeito, na verdade, no sujeito,

    mas tpico sentencial. Alm disso, para a autora, embasando-se na sua

    intuio sobre alguns testes lingusticos (cf. Viotti & Mller, 2003) no

    PB, a interpretao genrica se d numa posio acima de IP, ou seja,

    numa posio no-argumental ou A-barra e a nica possvel para o

    nominal nu. Assim, para ser preso a um operador genrico, o nominal nu

    precisaria subir para a posio de tpico (que uma posio no-

    argumental) e nessa posio ele s poderia ser fechado pelo operador

    genrico. Segundo a autora, com base nos testes lingusticos realizados,

    nessa posio que no PB o nominal nu preso pelo operador genrico.

    H duas grandes afirmaes aqui na teoria proposta por Mller,

    quais sejam: a de que o nominal nu um predicado e no um argumento

    (um, NP, portanto, ao invs de um DP) e de que o nominal nu em

    aparente posio de sujeito s pode ter interpretao genrica, porque est

    numa posio acima de VP, onde ocorre o fechamento existencial. Para

    isso, portanto, ele precisa subir posio de tpico da sentena, uma vez

    que nessa posio, segundo a autora, que o nominal nu recebe a

    interpretao genrica no PB. Assim, a interpretao da sentena (18)

    acima seria a sentena (18) abaixo:

    (18) Em geral, se x menina, x brinca de carrinho.

    O problema da proposta de Mller que ela no se aplicaria a

    sentenas como (19), em que teramos um nominal nu em aparente

    posio de sujeito conjugado com um predicado episdico, a no ser que

    a interpretao fosse genrica; nesse caso (19) deveria significar (19):

    (19) * Mulher discutiu futebol. 12

    (19) Em geral, se x mulher, x discutiu futebol.

    12

    Na interpretao de Mller (2004).

  • Dissertao de Mestrado

    33

    O caso que a sentena em (19) no tem necessariamente essa

    interpretao. Por isso, para a autora, se a sentena em (19) tiver

    interpretao existencial, sinnima de algumas mulheres discutiram

    futebol, ela agramatical no PB. A sentena em (20) , para a autora,

    gramatical porque se trata de uma sentena genrica, enquanto a sentena

    (21) agramatical porque no h como atribuir uma interpretao

    genrica para a sentena com o nominal menino.

    (20) Judeu est fazendo jejum hoje.

    (21) * Menino est com fome. 13

    A explicao que, enquanto em (20) o nominal judeu

    projetado para uma posio acima de IP, numa posio no-argumental,

    portanto, sendo preso pelo operador genrico; em (21) o nominal

    menino forado a se mover para essa posio no argumental e

    fechado pelo operador genrico, gerando a interpretao de que em

    geral, se algo menino, algo est com fome. A sentena , no entanto,

    agramatical se o nominal permanecer numa posio argumental e neste

    caso ele deveria ser preso por um quantificador existencial, o que no

    pode ser o caso, porque para a autora o nominal nu, em posio pr-

    verbal, s pode ter interpretao genrica.

    A proposta de Mller, nesse sentido, entende que proferimentos

    como os exemplificado em (15) no seriam possveis, porque as sentenas

    no so gramaticais, uma vez que o nominal nu batata est na posio

    de tpico, mas no recebe interpretao genrica, como pode ser atestado

    pela sentena: em geral, batata rolou do saco. Assim, para a autora, a

    sentena (15) tambm agramatical no PB, justamente por conta da

    impossibilidade de se atribuir uma interpretao genrica ao nominal nu,

    mesmo que ele esteja numa posio A-barra.

    A nossa proposta, nesse sentido, testar empiricamente se a

    anlise de Mller se sustenta no PB. Para ns, a noo de gramaticalidade

    em si j problemtica, porque estritamente sinttica. Como j notou

    Mariano (2011), parece que, do ponto de vista sinttico, no h nada que

    impea a combinao de um nominal nu com um predicado episdico.

    Nesse sentido, seguindo a direo proposta por Pires de Oliveira e

    Rothstein (2011), preferimos falar em condies de felicidade da

    sentena, isto , a sentena carrega pressuposies sobre o contexto.

    Assim, discordamos da teoria de Mller, para quem sentenas do tipo

    13

    Tambm na interpretao de Mller (2004).

  • Nominais nus, tpico e foco: testando a aceitabilidade em sentenas episdicas

    (15) so agramaticais, isto , no so sintaticamente bem formadas, e

    propomos, ao invs disso, que a sintaxe gera sentenas como (15), s que

    fora de um contexto especfico, sentenas do tipo (15) so

    contextualmente infelizes, porque h um descompasso entre a denotao

    do predicado e a denotao do nominal nu, como veremos mais a frente.

    Quando atribumos um contexto em especfico, as condies de felicidade

    da sentena so reestabelecidas e essa uma das funes da prosdia. A

    ttulo de ilustrao, tomemos o exemplo (15), retomado aqui como (22):

    (22) # BATATAT rolou do saco. 14

    Contexto (1): Seu Manoel e dona Bilica foram ao supermercado

    fazer compras. Em casa, durante a arrumao das compras do

    supermercado, o casal ouve um barulho e dona Bilica pergunta:

    (a) O que aconteceu?

    Ao que o marido responde:

    (b) Eita! BATATAT rolou do saco.

    A sentena (22) proferida fora de contexto parece, de fato, ser

    contextualmente infeliz, ao passo que se a dispusermos num contexto,

    como em (1), a aceitabilidade do proferimento melhora.

    nesse sentido que propomos um experimento psicolingustico de

    julgamento de aceitabilidade, por entendermos que h uma disputa terica

    e que a interface com a psicolingustica pode nos fornecer pistas sobre a

    melhor direo a ser tomada na concorrncia entre duas propostas.

    1.2 O nominal nu denota a espcie

    Para esta discusso, temos duas propostas que tambm se mostram

    distintas, quais sejam, a proposta de Schmitt & Munn (1999), Munn &

    Schmitt (2004), dentre outros, para quem o nominal nu denota a espcie,

    mas possui restries na posio pr-verbal, e a de Pires de Oliveira &

    Rothstein (2011), Pires de Oliveira (2012), dentre outros, para quem o

    nominal nu denota sempre espcie e o que ocorre em (15) ou em (22)

    uma restrio dada pela combinao de um nome de espcie com um

    predicado episdico de instanciao da espcie e que se manifesta nas

    condies de felicidade da sentena.

    14

    Necessrio frisar que esta sentena foi fabricada para o nosso experimento.

    Nesse sentido, por estar em uma situao artificial, no se configura como uma

    boa sentena.

  • Dissertao de Mestrado

    35

    O teste para definirmos se um dado nominal um nome de espcie

    verificar a possibilidade de combin-lo com um predicado de espcie,

    ou seja, predicados que denotam um acontecimento da espcie, como nos

    exemplos abaixo:

    (23) Banana abundante nesta regio do pas.

    (24) Dinossauro foi extinto/est extinto.

    (25) Macaco est em (risco de) extino.

    (26) Batata rara nessa regio.

    Os predicados em itlico so exemplos de predicados exclusivos

    que se aplicam espcie. Assim, os nominais nus que se conjugarem com

    aqueles predicados podem ser considerados nomes de espcie, nos termos

    de Krifka et al (1995). bom salientar que Mller entende que todas as

    sentenas acima so agramaticais no portugus brasileiro. Esse , na

    verdade, seu argumento para descartar a hiptese de que o singular nu

    denota a espcie. No esse, no entanto, o entendimento de Schmitt &

    Munn (1999) dentre outros, para quem as sentenas acima so

    gramaticais.

    Segundo a proposta de Schmitt & Munn (1999), o nominal nu pode

    ocorrer tanto na posio de sujeito quanto na posio de objeto, com

    leitura genrica, mas aparentemente ele um tanto restrito na posio de

    sujeito de sentenas episdicas fortes (strongly episodic sentences), que

    so sentenas episdicas e que tm uma interpretao existencial. A

    restrio s sentenas episdicas fortes desaparece se o nominal nu for

    veiculado com foco prosdico ou sob o escopo de um item focalizador ou

    ainda em contextos de lista, que tambm pressupe um contexto de foco

    prosdico.

    Assim, uma sentena como (19), , para esses autores, uma

    estrutura marcada em PB, ao passo que sentenas como (27), (28), (29) e

    (30) so estruturas no marcadas, de acordo com a proposta dos

    pesquisadores, mas por motivos diferentes. A sentena em (27) no

    fortemente episdica, porque indica o incio de produo de uma espcie

    de relgio, o relgio digital.

    (19) * Mulher discutiu futebol.

    (27) Na dcada de 70, relgio digital passou a ser fabricado em Manaus.

    (28) MULHERF discutiu as eleies.

  • Nominais nus, tpico e foco: testando a aceitabilidade em sentenas episdicas

    (29) S mulher discutiu as eleies.

    (30) Mulher discutiu as eleies, homem discutiu futebol...

    J as sentenas de (28) a (30) so exemplos de sentenas cuja

    restituio da felicidade dada via foco prosdico ou quando o nominal

    nu se encontra sobre o escopo de um item focalizador (cf. sentena (29)

    com o item focalizador s) ou ainda quando em contexto de lista, em

    que, de alguma maneira, se evoca um contexto de foco contrastivo, como

    em (30).

    Schmitt e Munn entendem que o singular nu denota um predicado

    neutro para nmero, portanto, do tipo 15

    . Para que o nominal nu

    possa ocupar uma posio argumental, os autores propem que o singular

    nu precisa sofrer uma operao de type-shifting, isto , uma operao de

    mudana de tipo semntico. A operao que gera um nominal nu, para Shmitt e Munn, a operao Down, que seleciona um predicado e

    devolve um indivduo.

    O problema da proposta de Schmitt e Munn que ela no explica o

    porqu de sentenas como (8) serem infelizes em PB, e tampouco explica

    qual a regra que subjaz s estruturas focalizadas que faz com que as

    sentenas com nominais nus sejam mais felizes quando focalizados.

    Alm disso, como bem notou Pires de Oliveira (2012), existem

    sentenas no PB que apresentam nominais nus na posio de sujeito de

    sentenas episdicas e que so felizes sem aparentemente estarem em

    contexto de proeminncia prosdica, como no exemplo (27), acima de no

    (31), abaixo:

    (31) Ontem, rato comeu a comida do cachorro.

    Sentenas como (31) segundo Schmitt e Munn (1999), podem

    ocorrer com certa liberdade na fala coloquial dos brasileiros.

    A teoria dos autores, no entanto, nos deu subsdios para questionar

    o papel da estrutura informacional favorecendo ou no as condies de

    felicidades da sentena. Na verdade, esta proposta est presente, como j

    afirmamos, nos trabalhos de Pires de Oliveira e Mariano (2011) e

    Mariano (2011), discutidos a seguir.

    15

    Predicados do tipo , so predicados que selecionam um indivduo - um e, portanto - e devolvem um valor de verdade t. So insaturados, isso , precisam de

    um indivduo para se tornarem saturados. Um exemplo de predicado do tipo a expresso _____ inteligente, em que o predicado ser inteligente

    requer um indivduo do tipo e para ser saturado.

  • Dissertao de Mestrado

    37

    Para Pires de Oliveira e Rothstein (2011), o singular nu16

    denota

    sempre a espcie. Para elas, um nome raiz, isto , um nome em sua forma

    original, um predicado do tipo , no podendo, portanto, ocupar

    uma posio argumental, como j notaram Schmitt e Munn. Para que eles

    possam ocupar uma posio argumental, ou seja, para que eles se tornem

    um argumento do tipo e, precisam tambm sofrer uma operao semntica de type-shifting. A predio a mesma da de Schmitt e Munn:

    a operao que gera um nominal nu aquela na qual o operador Down

    seleciona um predicado e devolve um indivduo.17

    Para Pires de Oliveira

    e Rothstein, no entanto, essa operao nos d como denotao, para todo

    mundo possvel, o indivduo que a soma mxima de uma situao

    maximal e nesse sentido, ento, que o nominal nu denota o gnero,

    substncia ou espcie, sempre.

    Os nominais nus, assim, podem ento ocupar as posies

    argumentais, mesmo a de objeto, como bem notado por Pires de Oliveira

    (2012):

    (32) Joo comeu ma.

    Para as autoras, contrariando toda a tradio para a descrio de

    nominais nus e no apenas no portugus, a sentena (32) denota uma

    interao entre o indivduo Joo e a espcie ma. Isso no significa,

    necessariamente, que Joo realizou uma interao de comer com a

    espcie como um todo, mas com uma instanciao saliente num

    determinado contexto, isto , basta para que a sentena seja verdadeira

    que tenhamos um evento suficiente e relevante da ao de comer ma

    pelo agente Joo que conte como um testemunho. Nesse sentido, at

    mesmo uma plula de ma pode contar como testemunho de um evento

    no qual Joo est numa interao de comer com a espcie ma.

    A proposta de Pires de Oliveira & Rothstein (2011) suficiente

    para explicar o que acontece em (18) e tambm para explicar a

    infelicidade de sentenas como (19). Segundo a proposta das autoras, em

    (19) temos a combinao de um nominal nu, mulher, que sempre denota

    espcie, com um predicado de estgio que se aplica normalmente a

    instanciaes de uma espcie, no sentido de Carlson (1977), isto , um

    predicado que trata de estgios de indivduo, discutiu futebol, por isso a

    combinao estranha. A assero de (19) sobre um evento envolvendo

    16

    As autoras ainda mantm o termo singular nu. 17

    Cf. Chierchia (1988).

  • Nominais nus, tpico e foco: testando a aceitabilidade em sentenas episdicas

    uma discusso total ou parcial sobre futebol e a espcie mulher. , no

    entanto, pragmaticamente estranho conjugar um evento de discusso, que

    geralmente ocorre com um indivduo espcime, a uma espcie, da a

    infelicidade da sentena. Quando isso ocorre, preciso transformar o

    predicado episdico em um predicado que se aplique espcie.

    Para Pires de Oliveira (2012), os nominais nus so sempre

    licenciados; nesse sentido, a sentena verdadeira se houver pelo menos

    um evento que conte como testemunha da participao de mulher na

    discusso sobre o futebol. Pode ser uma nica mulher, desde que sua

    participao seja representativa para a espcie. Isso explica por que a

    sentena (32) contextualmente feliz no PB e tambm a sentena (22),

    inserida no Contexto (1), porque o tpico retoma uma informao j dada

    pelo contexto, a de que h instanciaes de batatas (que so compras de

    supermercado), aptas a realizarem a ao predicada pelo verbo rolar.

    Adotamos a proposta de Pires de Oliveira & Rothstein (2011) e

    tambm de Pires de Oliveira (2012) para explicar o que acontece com os

    nominais nus em posio pr-verbal; resta-nos, contudo, explicar o papel

    da estrutura informacional na felicidade das sentenas. Para isso, iremos

    recorrer s propostas de Pires de Oliveira & Mariano (2011) e Mariano

    (2011), que tambm se embasam nas teorias das autoras acima

    mencionadas.

  • Dissertao de Mestrado

    39

    2 O PAPEL DA ESTRUTURA INFORMACIONAL

    Como j notado por Schmitt e Munn (1999, 2002), Munn e

    Schmitt (2001, 2005), a estrutura informacional pode incidir sobre o

    nominal nu e alterar as condies de felicidades da sentena. Havamos

    tambm mencionado que, para os nossos propsitos, no h relevncia

    em ser tpico ou ser foco, desde que houvesse uma manifestao

    prosdica da estrutura informacional. Isso, no entanto, no to simples

    como parece.

    Neste captulo, iremos discutir mais detidamente essas afirmaes,

    explicando o porqu de termos eleito a estrutura de tpico como

    estratgia para a restituio da felicidade da sentena, mesmo que, a rigor,

    o foco tambm possa cumprir esse papel.

    2.1. A estrutura informacional

    A estrutura informacional, em linhas gerais, diz respeito

    organizao e articulao do contedo lingustico, isto , ela tem a ver

    com como o falante o organiza (informao nova ou informao velha) e

    como esse contedo lingustico articulado, ou seja, que padro rtmico o

    falante utiliza quando veicula uma informao relativamente nova e uma

    informao relativamente velha. Nesse sentido, nos termos de Rodrigues

    e Menuzzi (2011), a estrutura informacional um dos aspectos centrais

    da organizao da linguagem [...] estando ela no centro das interaes

    entre sintaxe, semntica e pragmtica (...), e, por isso, possui um carter

    eminentemente de interface.

    Nossa proposta de trabalho, contudo, no o de exaurir a definio

    de estrutura informacional (tarefa por si s arduamente complexa),

    seno apresentar brevemente os conceitos de informao velha e

    informao nova (tpico e foco, respectivamente) e entender como essas

    estruturas se relacionam ao nosso problema com os nominais nus na

    posio pr-verbal de sentenas episdicas.

    2.2. O foco

    O foco tem a ver com a informao nova, dada por uma sentena

    em um certo contexto. Do ponto de vista informacional, o foco uma

    estrutura necessria, isto , est presente em todas as sentenas da lngua,

    ao contrrio do tpico, que uma estrutura contingente.

    Segundo Rodrigues e Menuzzi (2011),

  • Nominais nus, tpico e foco: testando a aceitabilidade em sentenas episdicas

    O foco (...) definido como a instruo que sinaliza

    ao ouvinte qual a contribuio original da frase,

    no entender do falante, aquela que o interlocutor

    deve incorporar em suas representaes mentais

    como parte da atualizao destas. (RODRIGUES

    E MENUZZI, 2011: p. 226)

    Num par de pergunta/resposta, o foco corresponde ao constituinte

    wh- da pergunta. Por exemplo, no par de pergunta/resposta, abaixo, o

    foco corresponde informao requerida, isto , ao constituinte que

    substitui a expresso wh- o que:

    (A): E sobre x, o que podemos falar?

    (B): x, P.

    Em que x o tpico da sentena e P, o comentrio, a proposio, a

    informao que adicionada sobre o tpico ou, em termos notacionais da

    estrutura informacional, o foco da sentena ou a informao nova.

    A rigor, a denotao do foco contm o conjunto de respostas

    (salientes e adequadas) que podem substituir o constituinte wh-, isto , o valor do foco uma lista de respostas que podem ser utilizadas no lugar

    do elemento wh-. Assim, no par de pergunta/resposta acima, o foco

    seleciona uma das alternativas dispostas num determinado conjunto

    (neste caso, o conjunto das coisas que podemos falar sobre x) e nega as

    demais. Assim, dado o conjunto {vai jogar bola, saiu com o namorado,

    trabalha na empresa x, defendeu o mestrado, ...}, o foco seleciona uma

    dessas alternativas e nega as demais. Por exemplo, se elegermos sair com

    o namorado como o foco da sentena, teremos a parfrase: x saiu com o

    namorado e no vai jogar bola.18

    2.3. O tpico

    Como j mencionado, o tpico tem a ver com a informao dada

    ou pressuposta, com aquilo sobre o que se fala ou com o tema. Na

    verdade, no h consenso na nomenclatura utilizada nas literaturas

    especializadas que discutem a organizao e articulao da informao

    nova e da informao velha.

    Para Ilari (1986), por exemplo, essa organizao nomeada como

    Articulao Tema-Rema ou ATR, em que, grosso modo, o tema

    18

    Para a leitura desse exemplo, acrescente uma pausa aps x e acentue

    prosodicamente saiu com o namorado e no. Assim temos alguma coisa como:

    x, SAIU COM O NAMORADO e NO [ o caso que] vai jogar bola.

  • Dissertao de Mestrado

    41

    corresponde ao assunto sobre o qual se fala e o rema corresponde

    quilo que se fala sobre o assunto. J para Chomsky (1971), a informao

    velha chamada de pressuposio, enquanto a informao nova

    chamada de foco.19

    Em nosso trabalho, no entanto, adotaremos a definio e a

    nomenclatura utilizada por Rodrigues e Menuzzi (2011), para os quais

    tpico o constituinte que j foi, de alguma forma, introduzido no

    discurso, ou seja, uma informao dada, uma informao velha ou

    conhecida, enquanto que a informao nova chamada foco.

    Segundo Rodrigues e Menuzzi (2011),

    sujeitos so tipicamente interpretados como os

    tpicos de suas frases. Intuitivamente, isso faz

    pleno sentido: como observa Smith (2003, p. 193),

    o sujeito de uma sentena, sendo o primeiro

    elemento a ser processado pelo ouvinte, tende a

    ligar-se diretamente ao discurso anterior isto ,

    tende a ser o ponto de partida informacional da

    sentena. Por isso o candidato ideal para indicar

    onde a informao deve ser armazenada pelo

    ouvinte e, em consequncia, para indicar sobre o

    qu dever ser a sentena. (RODRIGUES E

    MENUZZI, 2011: p. 216)

    Simplificadamente, como j vimos para o foco, um tpico poderia

    ser identificado com o constituinte que substitui o x da seguinte frmula:

    (A): E sobre x, o que podemos falar?

    (B): x, P.

    Em que x o tpico da sentena e P, o foco da sentena ou

    informao nova.

    Bring (1996) distingue ainda tpico discursivo (D-topic) de tpico sentencial (S-topic). Apresentaremos essa distino porque ela ser

    crucial para entendermos a proposta de Pires de Oliveira e Mariano

    19

    Necessrio registrar que, em algumas dessas discusses, no apenas uma

    questo de nomenclatura, mas tambm o conceito e suas funes so distintos.

    Para os nossos propsitos, no entanto, entender que essas discusses categorizam

    o conhecimento lingustico em informao nova e informao velha ou

    pressuposta suficiente.

  • Nominais nus, tpico e foco: testando a aceitabilidade em sentenas episdicas

    (2011) sobre como a estrutura informacional auxilia na restituio da

    felicidade do tipo de sentena que estamos analisando.

    2.3.1. Tpico discursivo (D-topic), tpico sentencial (S-topic) e valor focal.

    Para Bring (1996), o tpico discursivo corresponde ao assunto

    geral sobre o qual estamos falando. Para delimitarmos o tpico

    discursivo, criamos uma pergunta cuja denotao corresponde ao

    conjunto de proposies que so as respostas possveis a uma dada

    pergunta, de continuao da conversa. Assim, para cada sentena

    declarativa, est implcita uma questo para a qual ela uma das

    respostas. Mais robustamente, temos que, semanticamente, o tpico

    discursivo denota um conjunto de alternativas que so as possveis

    respostas para a pergunta. (PIRES DE OLIVEIRA e MARIANO, 2011:

    p. 3749). Exemplificando:

    (33) A: O que a Maria deu para o Joo?

    B: A Maria deu [o LIVRO]F para o Joo.20

    Num contexto em que Joo ganhou trs presentes, a pergunta A,

    acima, requer do interlocutor a informao sobre o que a Maria deu para o Joo, isto , do conjunto dos presentes que Joo ganhou, qual deles foi o

    que a Maria deu pra ele. Assim, podemos ter o seguinte conjunto de

    respostas, supondo que o Joo ganhou uma bola, um livro e um

    videogame: {A Maria deu a bola, A Maria deu o livro, A Maria deu o

    videogame}. Esse conjunto de alternativas sobre as possveis respostas

    para o que a Maria deu para o Joo corresponde ao tpico do discurso e

    neste caso equivalente ao valor focal, ou seja, corresponde s

    alternativas que podem ser substitudas pelo constituinte wh- da sentena. No exemplo acima, temos um caso de coincidncia entre o valor

    focal, que no deve ser confundido com o foco, e o tpico do discurso,

    mas nem sempre o caso. No exemplo abaixo, tambm extrado de Pires

    de Oliveira e Mariano (2011), temos um caso de dissidncia entre o valor

    focal e o tpico do discurso:

    (34) A: O que os meninos fizeram?

    B: [O Joo]T [brincou de BOLA]F.

    No exemplo acima, o tpico discursivo corresponde ao conjunto de

    respostas possveis para a pergunta A, isto {os meninos nadaram,

    20

    Exemplos extrados de Pires de Oliveira e Mariano (2011).

  • Dissertao de Mestrado

    43

    subiram na rvore, correram, ...}. J o valor focal corresponde

    substituio do constituinte wh- da pergunta o que o Joo fez? e no do

    constituinte wh- da pergunta A. O Joo, neste caso, o tpico sentencial, que, nos termos de Pires de Oliveira e Mariano (2011), indica

    um afastamento da pergunta inicial e uma resposta em lista: O Joo

    brincou de bola e o Pedro empinou papagaio.

    Compreendidas essas distines, passaremos agora a tratar o papel

    da estrutura informacional como estratgia para restituir a naturalidade de

    uma sentena em que o nominal nu sujeito de um predicado episdico.

    2.4. O papel da estrutura informacional na felicidade das sentenas episdicas em que nominal nu se encontra na

    posio de sujeito

    Apresentaremos aqui uma proposta elaborada por Pires de Oliveira

    e Mariano (2011) e Mariano (2011) para entender como a prosdia, mais

    especificamente o foco prosdico, atua nas sentenas episdicas com

    nominal nu, restituindo a naturalidade. Importante frisar, no entanto, que

    a discusso , ainda, embrionria e que tambm no nosso objetivo

    exaurir o como e o porqu a prosdia contribui para a felicidade dessas

    sentenas, justamente por entendermos que esse tema por si s

    complexo e carente de maior ateno. Propomo-nos testar empiricamente

    se a prosdia ou no relevante para a restituio da felicidade de

    sentenas episdicas com nominal nu na posio de sujeito e a explicao

    sobre o como e o porqu isso ocorre dever ficar para um trabalho

    posterior.

    Para Pires de Oliveira e Mariano (2011) e Mariano (2011), a

    prosdia contribui para a felicidade das sentenas episdicas em que o

    nominal nu se encontra na posio pr-verbal, medida que fornece a

    informao de que h disponveis e salientes no contexto espcimes aptas

    a realizarem a ao predicada pelo verbo e que podem contar como

    testemunhas do envolvimento da espcie.

    Para os autores, a restrio que ocorre na sentena (12), retomada

    aqui como (35), pragmtica e se d porque a combinao entre um

    predicado, que denota um acontecimento realizado com o espcime (ou

    uma instanciao da espcie), e um nominal nu, que denota a espcie,

    marcada em PB.

    (35) # Batata rolou do saco.

  • Nominais nus, tpico e foco: testando a aceitabilidade em sentenas episdicas

    Pires de Oliveira e Mariano (2011) se valem da discusso proposta

    por Bring (1996) para explicar o papel da prosdia na restituio da

    naturalidade, em outros termos por que a sentena em (36) menos

    marcada ou mais feliz:

    (36) BATATAT rolou do saco.

    Bring est discutindo um outro tipo de caso. Ele procura explicar

    como possvel termos uma leitura definida do sintagma quantificado

    com alguns, que indefinido. Para Bring (1996), a leitura partitiva

    (especfica) de que alguns alunos decidiram ir para casa (e outros para

    outro lugar) da sentena (37), abaixo, dada via estrutura informacional.

    (37) ALGUNS alunos decidiram ir para CASA.

    O quantificador alguns, para o autor, um quantificador fraco,

    isto , no pressupe existncia. Isso quer dizer que alguns no poderia

    pressupor que havia alunos aptos a realizarem a ao de ir para casa

    (enquanto outros foram para outro lugar). Segundo Bring, contudo, no

    necessria a criao de nenhum mecanismo especfico ou dispositivo

    para que a interpretao partitiva seja gerada. Para o autor, o tratamento

    adequado para lidar com esse fenmeno pragmtico. Considere que a

    sentena (37) responde pergunta (38), abaixo:

    (38) Aonde os alunos decidiram ir?

    Assim, o quantificador alguns corresponde ao tpico da sentena

    e ir para casa, corresponde ao foco sentencial. A interpretao partitiva

    de (37) fornecida pela estrutura informacional e no pela forma lgica.

    O caso que o nome aluno, j est dado pelo tpico discursivo

    (sentena (38)), isto , j faz parte do fundo conversacional

    compartilhado que h um conjunto de alunos que so conhecidos. Por ser

    o tpico sentencial, alguns, de alguma forma retoma o tpico discursivo.

    Assim, no o quantificador alguns quem pressupe a existncia de

    alunos; essa pressuposio est assegurada pelo prprio discurso. Mas

    note que isso s possvel se alguns est focalizado prosodicamente. O

    foco indica que h uma pressuposio, no caso, a pressuposio de que h

    um conjunto especfico de alunos sobre o qual se est falando. s nesse

    contexto que alguns pode receber interpretao partitiva.

    O raciocnio utilizado por Pires de Oliveira e Mariano (2011)

    anlogo ao de Bring (1996), estendendo, porm, a proposta para os

    nominais nus na posio pr-verbal de sentenas episdicas.

  • Dissertao de Mestrado

    45

    Segundo os autores, o tratamento dado ao fenmeno no de

    ordem sinttica ou semntica, mas pragmtica, uma vez que sentenas

    como (36), no so agramaticais, mas sim inadequadas contextualmente.

    O que acontece em (36) que o tpico do discurso pressupe as

    instanciaes e o foco prosdico sobre o nominal nu introduz a

    informao nova da espcie, permitindo assim a combinao de nominais

    nus com sentenas episdicas, antes inviabilizada por conta da

    incompatibilidade pragmtica entre um nominal nu e um predicado

    episdico. Assim, o que o foco prosdico faz informar que

    independente de quantas ou quais entidades realizaram a ao predicada

    pelo verbo, essa ao conta como uma atividade representativa da

    espcie, como um testemunho.

    As interpretaes que podemos ter destas sentenas a de

    contraste e exausto (MIOTO, 2003. p. 174). Na interpretao de

    contraste, o foco elege uma dentre todas as possibilidades de indivduos

    aptos a realizarem a ao predicada pelo verbo. Por exemplo, em (36), se

    considerarmos o nominal nu batata como focalizado, temos que se

    alguma coisa rolou do saco, esta coisa foi batata (e no ma, e no pera,

    e no melo, ...). J na interpretao exaustiva, como a que ocorre em (9),

    temos que, da lista de coisas possveis que tenham rolado do saco, a nica

    e apenas ela foi batata (independente de quantos ou quais espcimes de

    batata realizaram a ao).

    A proposta de Pires de Oliveira e Mariano (2011), no entanto, no

    explica o que acontece quando o nominal nu recebe o acento prosdico de

    tpico. Este um assunto que precisa ser melhor discutido e investigado.

    Ns, porm, entendemos que a curva de tpico, na esteira da curva de

    foco, de alguma maneira contribui para a felicidade da sentena. esse o

    ponto que gostaramos de discutir no nosso trabalho: a curva de tpico

    contribui ou no para a felicidade da sentena?

    2.5. Por que o tpico?

    Neste trabalho, nos limitamos a testar empiricamente apenas a

    curva de tpico como estratgia para a restituio da naturalidade da

    sentena. A nossa principal motivao para isso est na proposta de

    Mller (2002, 2004, dentre outros), para quem o nominal nu na posio

    pr-verbal, na verdade no pode ser sujeito (porque, para a autora, o

    singular nu um predicado e no um argumento), mas um tpico

    sentencial, trata-se, portanto, de informao compartilhada.

  • Nominais nus, tpico e foco: testando a aceitabilidade em sentenas episdicas

    Assim, para testar essa predio de Mller, nossos experimentos

    envolveram apenas a curva de tpico sobre o nominal nu.

  • Dissertao de Mestrado

    47

    3. METODOLOGIA DOS EXPERIMENTOS

    Elaborar um experimento psicolingustico, como bem notou Cunha

    Lima (2005), requer do pesquisador clareza das hipteses e detalhamento

    do objeto de pesquisa. O desenvolvimento de experimentos pode

    contribuir para a compreenso do fenmeno analisado, medida que

    permite confirmar ou refutar nossas hipteses, atravs da participao dos

    informantes. Alm disso, a situao experimental tal que permite

    tambm a incorporao de aspectos que talvez no fossem utilizados em

    uma situao enunciativa no controlada, como ateno e memria.

    Nos termos de Leito (2008),

    a psicolingustica experimental tem como objetivo

    bsico descrever e analisar a maneira como o ser

    humano compreende e produz linguagem,

    observando fenmenos lingusticos relacionados ao

    processamento da linguagem. Ou seja, esses

    fenmenos so tratados e focalizados do ponto de

    vista de sua execuo pelos falantes/ouvintes a

    partir de seu aparato perceptual/articulatrio e de

    seus sistemas de memria. (LEITO, 2008: p. 8)

    Assim, os nossos experimentos buscaram, atravs da percepo

    dos falantes, encontrar vestgios que possam nos orientar sobre como os

    informantes avaliam o fenmeno em anlise. Utilizamo-nos de um

    computador, um fone de ouvido e do software Praat previamente

    instalado no computador. O ambiente de coleta de dados, por ocasio das

    execues dos experimentos, estava tranquilo e sem a interferncia de

    rudos que pudessem prejudicar a audio dos informantes.

    Preocupamo-nos tambm em ter foco preciso no que queramos

    entender e consequentemente no controle de todas (ou pelo menos da

    maioria) das variveis em jogo. Nesse sentido, nos esforamos para que

    os designs dos experimentos fossem tais que no conduzissem a

    interpretao do informante a um nico caminho, i.e., nos empenhamos

    em construir um modelo que no permitisse que todos os informantes se

    comportassem da mesma maneira, sem que pudesse haver uma margem

    para outro tipo de comportamento. Do contrrio, seriam desnecessrios a

    construo e o empenho na aplicao do experimento, j que todas as

    respostas dadas pelos informantes seriam exatamente as mesmas.

    H ainda, ao menos, mais trs pontos que merecem destaque na

    nossa pesquisa. Os primeiros so o tipo de coleta de dados e a maneira

  • Nominais nus, tpico e foco: testando a aceitabilidade em sentenas episdicas

    como o experimento realizado que, como bem notaram Seara e

    Figueiredo-Silva (2007), dependendo do fenmeno analisado, podem

    alterar significativamente os resultados. Um terceiro ponto, no menos

    importante que os dois primeiros, a preocupao com o produto dos

    experimentos, isto , no basta apenas obter um nmero significativo de

    dados pertinentes; [o problema] obter um nmero de dados homogneos

    em sua estrutura (SEARA & FIGUEIREDO-SILVA, 2007: no

    paginado), o que, para os propsitos dos nossos experimentos, significa

    que os informantes precisam ser coerentes nos seus julgamentos, ou seja,

    seus julgamentos no podem ser aleatrios.

    Abaixo, descrevemos a metodologia dos trs experimentos

    realizados. Os dois primeiros so experimentos de julgamento de

    naturalidade das sentenas. J o terceiro compreende a comparao entre

    duas estruturas (que podem ser idnticas) a fim de que o informante

    escolha, dentre as alternativas, a que mais natural.

    Necessrio frisar que, entre a execuo dos Experimentos 1, 2 e 3,

    havia um intervalo de tempo de pelo menos dois meses. Frisamos, ainda,

    que alguns informantes participaram dos trs experimentos.

    3.1 Experimento 1

    O Experimento 1 consiste num teste de avaliao de naturalidade

    de sentenas, com o objetivo de entender se: a) a combinao entre

    nominais nus e predicados episdicos agramatical em PB; b) a prosdia

    contribui para a felicidade da construo.

    Cada informante, aps ouvir a sentena-alvo, marcou seu

    julgamento numa faixa graduada com cinco valores, do menos natural ao

    mais natural, conforme a Figura 1.

    Figura (1):

  • Dissertao de Mestrado

    49

    Amostra da tela do experimento 1. Na faixa central, os

    informantes clicavam para informar seus julgamentos.

    Essa faixa correspondia aos valores, da esquerda para a direita, mostrados

    no Quadro (1): Quadro (1):

    NO NATURAL NATURAL

    5 4 3 2 1

    ...

    Valores que os falantes atriburam s sentenas segundo sua

    naturalidade.

    Onde se l:

    5: sentenas no-naturais que deveriam ter marcaes no primeiro

    segmento de faixa da esquerda para a direita;

    4: sentenas pouco naturais que deveriam ter marcaes no

    segundo segmento de faixa da esquerda para a direita;

    3: sentenas em que havia indeciso com relao sua

    naturalidade e que deveriam ter marcaes no centro da faixa;

    2: sentenas com mais naturalidade e que deveriam ter marcaes

    no quarto segmento de faixa da esquerda para a direita;

    1: sentenas com muito boa naturalidade que deveriam ter

    marcaes no quinto segmento da faixa da esquerda para a direita.

  • Nominais nus, tpico e foco: testando a aceitabilidade em sentenas episdicas

    Esse tipo de avaliao se mostra eficaz, medida que permite ao

    informante julgar a gradao, isto , ele no precisa dizer que a sentena

    de todo no-natural ou natural, ele pode simplesmente dizer que a

    sentena tem uma inclinao naturalidade ou no-naturalidade. Para

    isso, basta clicar em um dos segmentos adjacentes s extremidades. A

    indeciso para o julgamento se marca no segmento da faixa mais central.

    Como o experimento envolveu tambm a contraparte

    suprassegmental das sentenas-alvo, o software utilizado na elaborao e

    aplicao do experimento foi o Praat, que bastante utilizado para

    anlise e manipulao da fala, sobretudo na rea da Fontica Acstica.

    3.1.1 Estmulos

    Os informantes foram expostos a dez proferimentos: trs com

    nominais nus com curva de tpico em posio pr-verbal de sentenas

    episdicas, trs com nominais nus com entonao de declarativa padro

    em posio pr-verbal de sentenas episdicas, duas distratoras sem

    marcao prosdica em posio pr-verbal e duas sentenas distratoras

    com curva de tpico em posio pr-verbal. Das distratoras, uma de cada

    grupo era agramatical e a outra gramatical, para que se pudesse fazer o

    controle das variveis. Os estmulos foram apresentados em ordem

    aleatria gerada pelo prprio software.

    O Experimento 1 se subdividia em experimento 1 e 1 para evitar

    que os estmulos enviesassem o julgamento dos informantes. Assim, um

    informante que ouvisse um proferimento como (39) no era exposto ao

    proferimento em (40):

    (39) Macaco subiu no galho.

    (40) MACACOT subiu no galho.

    Dessa forma, um informante exposto a um nominal nu marcado

    com proeminncia prosdica de tpico na posio pr-verbal no foi

    exposto a esse mesmo nominal nu com entonao no marcada por

    tpico. Tomamos o cuidado, no entanto, de fazer com que cada

    informante julgasse tanto nominais nus marcados com proeminncia

    prosdica de tpico, quanto nominais nus no marcados deste modo, a

    fim de que pudssemos observar se de fato um mesmo informante

    mostraria sensibilidade aos nominais nus contrastados.

    Como havia essa subdiviso nos experimentos, tomamos, da

    mesma forma, o cuidado de fazer com que o informante julgasse

  • Dissertao de Mestrado

    51

    nominais nus com trao [+ animado] e [- animado]. Assim, houve uma

    alternncia de traos entre o experimento 1 e o 1. Enquanto um possua

    dois nominais nus topicalizados21

    na posio pr-verbal com o trao [+

    animado] e um com o trao [- animado], o outro possua o inverso: dois

    nominais nus com trao [- animado] e um com o trao [+ animado], todos

    com proeminncia prosdica de tpico e ocupando a posio pr-verbal.

    O mesmo sucedeu com os nominais nus pr-verbais no topicalizados.

    As sentenas foram elaboradas levando-se em considerao: a) o

    tipo de nominal a ser avaliado; b) a exigncia do predicado episdico com

    interpretao episdica; c) foco prosdico; e d) mtrica. Com relao ao

    tipo de nominal nu, os estmulos apresentados continham, salvo algumas

    distratoras, ou nominal [+ animado] ou [- animado]. Tambm havia

    nominais nus do tipo contveis (como macaco) e do tipo massivos

    (como geleia). As exigncias dos predicados episdicos, tais como

    saturao do verbo, s-seleo, etc., foram satisfeitas, salvo os pares de

    sentenas distratoras (41) (42) e (42) (44) que consideramos como

    agramaticais.22

    (41) * Banana comeu Joana.

    (42) * BANANAT comeu Joana.

    (43) * Banana comeu Mariana.

    (44) * BANANAT comeu Mariana.

    J, com relao ao foco prosdico, dez sentenas foram marcadas

    com foco prosdico no nominal nu da posio pr-verbal (cinco no

    experimento 1 e cinco no 1) e dez sentenas (tambm cinco no

    experimento 1 e cinco no 1) foram veiculadas com prosdia de

    declarativa padro, isto , uma sentena que segue uma linha entoacional

    contnua e ao final apresenta uma entoao descendente. Para efeitos de

    21

    Por topicalizao estamos entendendo aqui a marcao prosdica de tpico e

    no apenas o deslocamento de constituinte para a periferia esquerda da sentena.

    Para compreender melhor o conceito de topicalizao e deslocamento esquerda,

    confira o trabalho de Callou et al (2002). 22

    Entendemos que banana deveria ser interpretado como argumento externo de

    comer. Utilizamos, assim, a ordem das palavras para marcar os argumentos do

    predicado. Como veremos, alguns informantes no interpretaram essas sentenas

    dessa maneira.

  • Nominais nus, tpico e foco: testando a aceitabilidade em sentenas episdicas

    melhor compreenso, observe, na Seo 3.1.2 e na Sesso 3.1.3, as curvas

    de pitch que subjazem s sentenas-alvo.

    3.1.2 Curva de F0 de sentenas declarativas padro ou neutra23

    Figueiredo-Silva e Seara (2006), seguindo os padres de Tenani

    (2002), caracterizam uma sentena declarativa neutra (SVO) da seguinte

    maneira: a) o acento principal da sentena sempre recai sobre a ltima

    slaba acentuada, o que configura um evento tonal HL*24

    ; b) geralmente

    uma sentena declarativa neutra sempre apresenta uma sequncia de

    eventos decrescentes (FIGUEIREDO-SILVA E SEARA, 2006: p. 157),

    o que quer dizer que o pitch da ltima slaba j se encontra mais abaixo

    do que o da primeira slaba, em termos de Hz. Na nossa pesquisa

    tentamos seguir essa generalizao a respeito da prosdia de declarativa

    padro no PB.

    A seguir, expomos a curva de pitch de uma sentena manipulada prosodicamente pelo Momel, com o intuito de ilustrar a definio dada

    por Tenani (2002).

    Figura (2):

    Forma de onda, curva de F0 manipulada e descrio tonal da

    sentena-controle declarativa gramatical: Pedro beijou Manuela.

    23

    F0 = Frequncia fundamental. a frequncia de vibrao das pregas vocais. 24

    Do ingls, High e Low, que significam um movimento de subida e de descida.

    Essa descrio utilizada pela Fonologia Entoacional para sintetizar a entoao

    de uma sentena (cf. Figueiredo-Silva e Seara, 2006).

  • Dissertao de Mestrado

    53

    A linha central, presente na segunda janela da Figura (2),

    corresponde curva de F0 da sentena. Note que a linha, nessa figura,

    est tendendo a um mesmo padro, isto , uma reta. Se observarmos, no

    entanto, a descrio sintetizada pelo INTSIT25

    , valores distribudos logo

    abaixo da curva de Pitch, podemos verificar uma descendncia gradual ao

    final da sentena (150Hz) . Esse movimento gradual descendente final

    caracterstico das declarativas padro, segundo a literatura especfica.

    Abaixo temos dois exemplos de curvas de F0 das sentenas

    ouvidas pelos informantes no nosso experimento.

    Figura (3):

    Forma de onda, curva de F0 e descrio tonal da sentena-alvo

    declarativa: Batata rolou do saco.

    Note novamente a curva central, na segunda janela, que representa

    a curva de frequncia fundamental da sentena-alvo. Perceba o

    movimento ascendente-descendente antes do final da sentena e a queda

    final que caracterstica das declarativas padro, de acordo com a

    literatura especfica da rea. Podemos observar tambm que h uma

    ampla subida antes da descida final. Esse amplo movimento de subida que antecede ao movimento gradual descendente final pode ter sido uma

    25

    Intsint: International Transcription Sistem for Intonation (do ingls, Sistema

    de transcrio internacional para a entonao). um recurso do software Praat

    para transcrever a curva de F0 para a notao internacional. Os valores gerados

    pelo Intsint so: T (Top, pice), H (Higher, superior), U (Upstepped, elevado), S

    (Same, invarivel), M (Midd, mediano), D (Downstepped, diminudo), L (Lower,

    mais diminudo), B (Botton, inferior), em tradues livre.

  • Nominais nus, tpico e foco: testando a aceitabilidade em sentenas episdicas

    focalizao do objeto produzida pela nossa locutora. Segundo Ilari

    (1986), geralmente, numa declarativa padro, a focalizao, ou seja, a

    informao nova se localiza no ltimo constituinte, assim, seguindo este

    padro, a nossa locutora pode ter focalizado o objeto. O valor em Hz

    final (no terceiro plano da figura, na terceira linha, valores estilizados

    pelo Intsint, 122), contudo, menor do que em qualquer outro ponto da sentena.

    A seguir, fornecemos outro exemplo de curva de Pitch de

    sentenas ouvidas no primeiro experimento.

    Figura (4):

    Forma de onda, curva de F0 e descrio tonal da sentena-alvo

    declarativa: Gato subiu no telhado.

    O movimento de F0 semelhante aos demais. H uma elevao no

    final da sentena seguida de uma descida brusca. A elevao pode ter sido

    uma focalizao do objeto, feita pela nossa locutora, enquanto a queda

    final a generalizao que tomamos para classificar nossas sentenas

    como declarativas padro ou neutras.

    3.1.3 Curva de F0 de sentenas com o Nominal Nu como tpico.

    Tomamos como referncia para a construo de sentenas com

    tpico o trabalho de Callou et al (2002) que descreve alguns padres

    prosdicos para construes de tpico e deslocamento esquerda do PB.

    Este trabalho envolveu pesquisadores do grupo de sintaxe e fonologia do

    projeto de descrio e anlise da Gramtica Portugus Falado no Brasil e

  • Dissertao de Mestrado

    55

    utilizou o corpus do mesmo projeto. A ideia, entre outras coisas, era

    investigar: a) h diferenas sintticas entre o que se conhecia por tpico e

    deslocamento esquerda? b) h marcas prosdicas que distinguem tpico

    de deslocamento esquerda e tpico e deslocamento esquerda das

    construes de sujeito?

    O trabalho de Callou et al (2002) evidenciou sete padres entoacionais para as sentenas analisadas, quais sejam, o padro

    ascendente simples, ascendente duplo, ascendente-descendente,

    ascendente-contrastivo, descendente, neutro e alto. Dentre esses padres,

    o ascendente simples , segundo os autores, o padro mais frequente de

    construo de tpico e se caracteriza por apresentar uma subida na slaba

    tnica final ou na postnica do elemento topicalizado. J o padro

    ascendente duplo, possui duas modulaes ascendentes no elemento

    topicalizado, enquanto o ascendente-descendente tem uma modulao

    ascendente na primeira tnica, segue alta at a pretnica final e desce na

    ltima tnica. O padro ascendente-contrastivo, por sua vez, possui uma

    modulao ascendente na pretnica ou na tnica mais acentuado do que o

    padro simples, enquanto o descendente modula uma descendncia na

    tnica final. Por fim, o padro neutro tem tessitura normal, isto , sem

    modulao e o padro alto tem tessitura alta sem modulao.

    Nas figuras a seguir, evidenciamos os padres encontrados nos

    nossos dados. Eles esto em conformidade com os padres sugeridos por

    Callou et al (2002).

    Figura (5):

  • Nominais nus, tpico e foco: testando a aceitabilidade em sentenas episdicas

    Forma de onda, curva de F0 e descrio tonal da sentena-alvo:

    BATATAT rolou do saco, em que o nominal nu batata est na

    posio de tpico sentencial e sobre ele incide o foco prosdico da