o brasileirismo de macunaima - tcc on-linetcconline.utp.br/media/tcc/2016/07/o-brasileirismo.pdf ·...
TRANSCRIPT
ULRIKA GLUITZ
o BRASILEIRISMO DE MACUNAiMA
Monografia apresentada a Universidade Tuiutido Parana no Gurso de Pos-Graduag8o, comorequisilo parcial de aprovag8o no Gurso deUng~aPortuguesa.
Orientador: Professora Doutora Denize Araujo.
CURITIBA
2000
SUMARIO
RESUMO ..
1.INTRODU((AO ...
2. REFERENCIAL TEORICO ..
2.1 RESUMO DA OBRA .....
...... iii
...1
....4
....4
220 ESTILO DE MACUNAiMA 5
2.30 BRASILEIRISMO DA OBRA .. ..11
2.4 MACUNAiMA E A COR LOCAL... ..15
2.5. SINCRETISMO ASTRONOMICO DOS iNDIOS BRASILEIROS.. .. 17
2.5.1. venus .....
2.5.2. As Pleiades ..
2.5.3. Os Cornelas .
2.5.4. Os Meleoros .
2.5.5. Sol..
2.5.6. Lua ..
2.5.7. Centauro ...
3. ANALISE DO ROMANCE. ...
4. CONCLUsAo ...
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ...
.. 18
.. 18
.. .20
..20
.......... 20
. 21
. 21
..24
.. 30
.. 32
RESUMO
o presente trabalho estuda Macunafma, obra de Mario de Andrade comosando uma slntese do falclore brasileiro levada a efeito na forma do romancepicaresco. Macunaima e apresentado como 0 mais aut€mtico heroi, criado nosmoldes dos tipos her6icos populares, em lingua portuguesa. 0 seu estudominucioso revela em movimento nao 56 as tecnicas de transposicyao do foldoreao plano erudito, mas tambem a compreensao ampla do falclore brasileiro eseus problemas.
iii
1.INTRODUc;:AO
A sociedade atual ap6ia-s8 em uma polftica cultural que valoriza a
diversidade, 0 multiculturalismo e a riqueza da obra de arte que tal resultado
consegue
Alem disso, valoriza-s8 0 trabalho que sal ao encalc;o da defesa da
imaginac;ao, da educac;ao, do conhecimento pleno, do sonho. Da liberdade, que
e etica da cultura.
De fato, S8 a democracia 56 encontra 0 seu equiHbrio no
multipartidarismo, a cultura 56 S8 realiza plenamente em urn mundo sem
fronteiras partidarias, sem fronteiras ideol6gicas, sem front8iras esteticas.
Oesta forma, abertas as partas e as jane Ias da poHtica cultural afieial,
passou-se a estimular e valorizar 0 brasileirismo, ou seja, a cultur8 nacional em
todas as suas nuances, tanto nas escolas do territ6rio nacional como em nivel
internacional conforme se presenciou recentemente com 0 lanyamento do filme
CENTRAL DO BRASIL no exterior, e toda a testa que se seguiu
Sob este aspecto, pode-se salientar aqui a coreografia cultural da obra
Macunaima, conduzida por urn eu/rornantico de rara operosidade, ora centrada
no aparato egocentrico, ora em expansao no quadro modelador da entidade
nadonaL
A primeira impressao que se tem do trabalho de Mario de Andrade,
quando se pro poe a trabalhar seus textos, e que a obra inteira se caracteriza,
entre outros aspectos, pel a ruptura com as limitayoes dos generos literarios.
Os seus escritos modernistas, desdenhosos da metrica e das
convengoes gramaticais, estao do comego ao fim pontilhados de coloquialismo,
a que torna 0 escrito mais proximo do povo brasiteiro.
Desta forma, Macunaima louva a povo brasileiro de forma
enriquecedora e critica, sem no entanto, deixar de ser encantadora.
Send a assim, a presente trabalho tern como objet iva fazer uma leitura da
obra Macunaima de maneira a salientar as aspectos da obra que mais
chamam a atengao para diferentes aspectos da cultura do pavo brasileiro e da
paisagem em toda a sua riqueza.
Alem disso, tambem se pretende ressaltar na obra as aspectos marais e
amorais do personagem; abordar a personalidade de Macunaima de forma a
compreender a personagem no contexto da mitologia indianista e no folclore
nacional; e al8m disso, reunir as passagens do texto onde 0 autor faz
apreciagoes sabre a lingua brasileira e procurar a implicagao simb6lica de lais
referencias.
o problema central, permeando esta investigagao, 8 compreender a
maneira com que Mario de Andrade utiliza a personagem Macunaima para
representar 0 povo brasileiro e ate que ponto esta problematica ainda e
moderna.
Para maior clareza na apresentag6l0 do presente estudo, dividiu-se a
pesquisa em partes, organizando-se a informagao de maneira a distribuir as
assuntos de maneira harmoniosa.
A prime ira parte do estudo oferece urn resumo da obra tendo em vista a
dificuldade que normalmente se tem em compreender as epis6dios do
romance. Em seguida, enfoca-se as principais recursos estilisticos de que se
valeu 0 escritor para compor sua obra. A parte subseqCtente abarda os
principais aspectos utilizados par Mario de Andrade para conferir ao seu
personagem central um aspecto cultural que representa-se 0 povo brasileiro
em suas multiplas facetas, ideia esta que se completa nos elementos da
paisagem que sao considerados na parte que disserta sobre a cor local. 0
simbolismo indianista, outro indice da Gultura nacional e enfocado na parte que
aborda os principais conhecimentos astron6micos dos indios brasileiros. A
parte final consiste de uma analise do romance, culminando com as conclus6es
ao final da pesquisa.
o presente trabalho foi realizado mediante consulta bibliogrilfica sob 0
metodo dedutivo-indutivo, que percorre minuciosamente ° assunto, conduzindo
° estudo a uma conclusao critica.
2. REFERENCIAL TEORICO-BIBLIOGRAFICO
2.1. RESUMO DA OBRA
A narrativa pode ser assim resumida: Macunafma nasce sem pai, na
tribo dos Indios Tapanhumas, as margens do rio Uraricoera. Morta a mae,
Macunaima e as irmaos partem em busea da aventura. Do encontro com as
Amazonas resulta 0 casamento de Macunafma com Ci, a mae do mato. Ci da a
luz urn menino que marre e S8 transforma na planta do guarana. Pouco depois,
sent indo que vai morrer de desgosto, Ci da a Macunaima urn amuleto, pedra
muiraquita. Ci marre pouco depois, transformada em estrela - a beta do
Centauro. 0 amuleto, que 0 heroi tinha perdido, reapareee nas maos de
Venceslau Pietro Pietri mascate peruano que morava em Sao Paulo e que na
verdade e Piaima, 0 gigante antropofago. Urn passarinho da noticias do
amuleto a Macunalma. Acompanhado dos irmao - Jigue e Maanape
Macunalma desce 0 rio Araguaia, a caminho de Sao Paulo, visando a
recuperar seu amuleto. Ap6s inumeras aventuras em sua caminhada, 0 her6i
recupera 0 amuleto, matando Piaima. Logo em seguida, a pedra desaparece
nova mente. Perseguido pelo minhocao ~ibe, Macunafma percorre todo 0 Brasil
e volta para 0 Amazonas. Urn dia, desgostoso e solitario, resolve subir ao ceu,
transforrnando-se na constela9ao da Ursa Maior.
2.2.0 ESTILO DE MACUNAiMA
Com 0 subtitulo de "0 Her6i sem Nenhum CarateC', Macunaima se
classilica, de acordo com ANDRADE in MOISES (1997), de raps6dia.
Repudiando, assim, as denominas:6es propriamente liten3rias em favor de urn
vocabulo tornado de emprestimo a Musica, Mario de Andrade pretendia
assinalar, antes de tudo, 0 carater miscelaneo da obra, ou sua indeterminagao
no painel dos generos hterarios.
o tema da raps6dia e citado par Dutro autor que revela que Macunafma,
a sintese necessaria, surgiu entao para absorver do passado, todos as
elementos nacionais, atraves da mitologia e do folclore, e do presente, os
principais problemas sociais e a linguagem popular. Pode-s8 ate mesma citar
que 0 grande peso estatica da obra, dentro da Literatura Brasileira, e a sua
inten9ao de raps6dia, buscando uma raiz legitima para 0 brasileiro, em sua
propria cultura. Essa raiz e a integrac;ao dos valores que compuseram e dos
que comp5em 0 povo brasileiro, atraves da transformayao de pass ado em
presente e de lendas e mitos em episodios do SEkulo XX, vividos em
decorremcia pelo her6i. 0 autor assume 0 primitivismo.(LOPES, 1974, p.17)
Ainda, CHAMIE laz relerencia a raps6dia citando que "Macunaima e um
coquetel rapsodico. Vale dizer: e uma somatoria de fabulas, lendas, contos
folcloricos dispares, mas atraidos pelo mesmo e informador centro
signilicante."(CHAMIE, 1969, p. 123)
De acordo com os autores ja citados, a narrativa da trajetoria de
Macunaima entre 0 nascimento e a morte participa da epopeia e da novela, ao
mesmo tempo que se aproveita do nosso rico foldore luso-afro-indigena: 0
mosaico de nossa realidade hist6rico-geografico-social se representa no tecido
raps6dico da fabula e do seu her6i.
A partir dai, podemos compreender que da epopeia, no sentido de canto
exaltador do mito capital de um povo, Macunaima se aproxima pelo
maravilhoso, com a diferenc;a de que se trata nao do maravilhoso helenico au
cristao das epopeias tradicionais, mas do amerindio e negro puxado ao
absurdo surrealista: 0 maravilhoso ludicamente concebido, e praticado por
mentes ingenuas, peculiar as lendas e crendices disseminadas pelas principais
etnias que constituem 0 brasileiro, her6i sem nenhum carater", - eis 0 substrata
de Macunaima". (MOISES, 1993, p.182)
No mesmo contexto do estilo da obra em pauta, JOHNSON cita que
"Macunaima e 0 exemplo principal (nao 0 unico, porem) da adoC;ao cinemovista
da antropofagia como resposta a problemas enfrentados nos fins dos anos
sessenta." (1982, p. 145)
Como recursos complementares para Macunaima, 0 her6i sem nenhum
carater, a obra envolv8 a cria9aO popular com contribui9ao estetica para a
literatura erudita, sua absor98o e os problemas de estrutura980 da obra; 0
simbolo; a satira; regionalismo e nacionalismo." (LOPES, 1974, p. 234)
Comenta ainda 0 mesmo autor que a elabora98o do en redo usou dos
tres elementos formadores da nacionalidade: indiO, portugues, negro, girando
em torn a do eixo estruturadar: as aventuras do her6i Macunafma (nascida da
jun\'fio de Macunaima, Kalawunseg e 0 cunhado de Eteta) que, no romance,
ultrapassam a trajeto basico das lendas. Estas revelam, nas necessidades de
vencer Piaima, ou a onc;a, de enganar para obter, para nada fazer, a luta
cotidiana pel a sabrevivencia em uma saciedade primitiva.
brasileiro, primitivo ainda e ingenuo, mas que precisa viver. Par essa razao, a
inversao da historia indigena: Macunafma deve morrer, porque e tolo e para
que nova mente ressuscite. (LOPES, 1974, p.184)
Ainda no contexto do estilo e analise da obra, lembramos a estudo de
HOLLANDA (1978) que apresenta a leitura do romance como passu indo dais
niveis, au seja, a nivel informativo, que sao as fatos corriqueiros como
Macunaima correr perigo de cair na feijoada do gigante e estar com medo, eo
nivel simbolico, on de a me sma cena transmite a deliria da entropofagia
brasileira. Longe de ter significado a nivel individual, a campo visual aberto da
obra favorece a vi sao de conjunto radiografica da burguesia.
ANTELO (1986) observa que Macunaima nao e proposto como simbolo
ou arquetipo a historico mas como 'sintoma de cultura nacional'. Enquanto a
simbolo e marcado pela arbitrariedade, 0 sintoma procede da observac;ao
efetiva do real. E Mario de Andrade, enquanto intelectual que pretende vincular
seu projeto a sociedade estratificada e dependente, busca reformular a
situac;ao, atraves de uma escrita que assuma a realidade, questionando-a, para
poder chegar a uma transforma9ao que nao e imediata nem individual.
Alem disso, complementando, observa-se em Macunaima 0 recurso das
Irases leitas comparativas ("Negro como as asas da grauna", capitulo 17, p. 51)
e uma ampla gama de simbologias proprias que vao alem do metaforismo
tipico dos regionalistas, ainda impregnados de cor local.
Alem dos aspectos observados, e interessante lembrar a comentario de
PROENCA, 1974
Mas 0 fato do livro nao ter propria mente uma conexao logica de psicologia nao obrigapropriamente .. , Isto €I, conexao logica de psicologia ele tem, quem nao tem €IMacunaima e €I justo nisso que esta a logica de Macunaima: em nao ter logica. Naoimagine que estou sofismando nao. E facil de provar que estabeleci bem dentro de todoo livro que Macunaima €I uma contradilfao de si mesmo. 0 carater que demonstra numcapitulo ele desfaz noutro." (p. 13)
Dentro deste aspecto, pode-se observar que a linguagem de Macunaima
e convencional, no sentido em que 0 autor estabeleceu a priori um criterio para
seu personagem, au seja, utilizou regionalismos nacionais para compor 0
personagem. 0 her6i e da nossa gente de lodos os quadrantes, tem habitos,
crendices, alimentagao, linguagem isentos de qualquer trago predominante.
Incorpora sem ordem nem hierarquia as caracteristicas da cultura brasileira,
diferenciadas nas varias regi6es brasileiras. Neste senti do, a personagem e um
her6i 'desgeograficado', para usar expresseo do autor." (PROENt;A, 1974, p.
13)
Com relayeo a estetica, pode-se lembrar da referencia de SILVA (1997),
que afirma que Mario de Andrade adotava 0 principio de que se deve de inicio
transmitir clara mente as forgas emocionais e expressivas do subconsciente.
Dai, os personagens sao expontaneos quando falam e se comunicam,
decorrendo a espontaneidade, sem deixar, no entanto, de ser profundos, pois 0
autor demonstrava interesse pelas experiencias de Freud e dava no~o de
conhecer rudimentos da psicanalise. (SILVA, 1997, p.15)
Desta forma, pode-se compreender que com Macunaima a autor tivesse
pretendido apelar para 0 experimentalismo das vanguardas europeias, onde 0
modelo de produgao literaria vigente se adaptava as novas tendencias
vitoriosas.
Com relagao a escrita, uma analise das cartas de Mario de Andrade para
Anita Malfatti, revelam, segundo BATISTA (1989):
-0 autor opta pelo i quando apalavra aceita i ou e:
siquerlsequer.
-0 autor simplifica a acentuagao, utilizando apenas para
diferenciar os homografos;
-0 autor usa parem exageradamente. (p.8,9)
E lembrado ainda que Mario de Andrade fez pesquisas para escrever a
obra, indo do Amazonas ao Para e observando as danc;as dramaticas que ali
eram realizadas: "Ja entao se sente nela 0 espirito de pesquisa, que
demonstrara desde 0 [nicio de sua carreira e fora crescendo em diregao a
necessidade, ainda nao definida, de uma conceituagao do fen6meno folcI6rico."
(LOPES, 1972, p. 79)
Desta forma, Mckio de Andrade evidenciou em 1928, em Macunaima,
pontos fundamentais para uma literatura nacional. a primeiro foi marcar 0
lendario e a literatura popular como fontes de inspiracyao para a literatura
erudita. Eles podem oferecer, atraves da tradigao, 0 comportamento social e a
psicologia do brasileiro atraves do tempo, os pontos de contato entre 0
passado e urn presente que 0 repete. Por que 0 repete? A razao esta nas
estruturas socia is brasileiras que continuam as mesmas do passado, apesar da
maquina que traz progressa material, mas que, ao inves de humanizar a
criatura, a automatiza e aliena.
o segundo, quebra do regionalismo em beneficia de urn canjunta
brasileiro geral, cantribuigaa de ardem ideologica, pois sup6e a
10
desenvolvimento de uma consciencia nacional nos pavos das Americas,
caminho exato para atingir uma defini980 de autenticidade.
"Eu creio que a regionaliz8980 au nacionaliz89ao da nos sa fala, nao tern
dire ito de S8 tornar por si 56 urn problema. E quando muito, uma das incognitas
do unico problema que deve de preocupar uma consciencia americana: a
cria,ao duma cullura nacional. ., revela Mario de Andrade em LOPES (1972,
p.BO).
Quando Mario S8 refere a "consciencia americana", nao esta
absolutamente fazendo panamericanismo, uma das sedu96es politicas de sua
spoca, que alias repudia, par considerar a America plural demais em seus
paises e culturas. Consciencia americana e aqui, cada pavo ciente de suas
raizes e de suas deficiencias, aproveitando a contribuigao estrange ira como urn
enriquecimento acessorio, nao uma fuga a analise da pr6pria problematica que
resulta no incaracteristico, como Macunaima, 0 heroi de nossa gente.
A ligao do romance e: com sintese critica, nao com regionalismo, 13
possivel encontrar os valores e as necessidades que irao apontar um caminho
cultural de independencia para 0 Brasil.
A terceira grande contribuigao nacional de Macunaima 13, como a
primeira, de ordem estatica e esta no banimento da etica tradicional do heroi de
romance culto, manifesta desde 0 titulo da obra. Surge a COnCeP9aO real do
brasileiro, dentro de sua propria psicologia, obtida atraves dos valores que
espelha em sua literatura. A rapsodia andradiana nao e mais a negagao
moralista de componentes da personalidade do povo brasileiro, como a
preguic;a e a mentira. E a sua compreensao como realidade e a sua valorizaC;Elo
II
dentro das reayoes do primitiv~, como par exemplo na justificativa de
Macunaima.
2.3. 0 BRASILEIRISMO DA OBRA
De fato, Macunaima, 0 her6i sem carater, e uma obra literaria de Mario
de Andrade que S8 transform au em urn sfmbolo do brasileiro. 0 principia que
orienta a conduta de Macunafma pode ser encontrado no dia a dia da vida no
Brasil, onde as rela90es cotidianas estao marcadas pelo jeitinho, que se
constitui numa forma de burlar a lei para resolver urn problema.
o jeitinho e a ressonancia do universe macro-social (nivel da estrutura)
sabre 0 micro-cosmo do individuD, ende as relayoes sao singulares e concretas
e S8 apreende de forma mais imediata 0 sentimento de realidade. No Brasil 0
senti men to de realidade tern a marca da confusao, daquilo que nao
conseguimos explicar, mas que a todo instante estamos procurando descobrir
como conviver.
Com rela980 a este aspecto do brasileirismo, au seja, Macunaima
representar 0 povo brasileiro, MOISES (1993) concorda ao cilar:
Fruto de uma especie de divertissement, por sinal reconhecido pelo autor, Macunafmacenlra·se num her6i rabelaisiano, um verdadeiro anti·her6i, jei que "sem nenhumcarater". como a exprimir a colcha de retalhos etnicos do n0550 pais e a falla devalores s61idos,ao verdo escritor, no brasileiro !ipico. (MOISES, 1993, P. 112)
De fato, 80 longo da obra, percebe-se que Macunaima vive para 0
prazer dos sentidos, sem os designios que historicamente caracterizavam os
12
her6is - par natureza semideuses - da tradi<;ao. Denominado de "her6i
faunesco, pandego, malandrim, plcaro sem malicia, inocente na pratica do bern
e do mal, porque nietzchianamente aeima deles, experimenta todas as reac;oes
humanas" MOISES (1993) caracteriza Macuna[ma a partir de suas reayoes,
inclusive as de meda, 6dic, desespero, inveja, raiva, sua fuga dos peri gas, ou
ate mesma quando chara e chega ate a morrer, culminando com sua
conversao na Ursa Maior, fata que representa 0 cumulo do abandono de sua
condig8o heroica.
Segundo LAFETA (1982), 0 heroi da narrativa foi inspirado pela
personagem de urn cicio de lendas indigenas recolhidas na Amazonia.
Entretanto, Mario acrescentou-Ihes muitas informagoes provenientes de
etnografos brasileiros e estrangeiros. Distorceu e modificou a vontade os mitos,
misturando-os ainda com crendices populares de origem europeia ou africana,
com epis6dios hist6ricos, deformando 0 material e inventando muito - fato que
confere um carater picaresco a obra (p.44).
No entanto, conferindo carga ideol6gica a sua visao de Brasil, 0
romancista confere a seu texto alguns elementos que irao compor a
personalidade do Macunafma. Em seu trabalho de descoberta de uma entidade
nacional dos brasileiros, Mario constata a falta de carater, como carencia de
uma organiza9ao social autonoma e falta de consciencia hist6rica, mas nao
como fatalismo determinista. (ANTELO, 1986)
Com relayao a este parecer, CASTELLO BRANCO (1971) concorda com
os autores citados e acrescenta que Macunafma, era para ter transmitido dar
uma imagem do brasileiro numa mesclagem do paulista, do gaucho, do
carioca, do nordestino. Contudo, 0 autor chama aten9ao que teria
preponderado nele racialmente, como no proprio nome do livro, "heroi
carater" ou seja 0 homem das incongruencias,
(CASTELLO BRANCO, 1971, p.184)
Com 0 mesmo entusiasmo, LANDERS (1988) refere-se ao Brasil de
Macunafma como urn imenso hospital que abrigaria "pouca saude e muita
sauva"
Para este autor, 0 estado fisico de Macunafma e de constante inercia e 0
seu "Ah! Que preguic;a" e uma iteraC;ao significativa da sua personalidade
doentia. Macunaima nao se ergue e nao se imp6e como heroi energetico e de
carater porque, claramente, nao tern condic;6es fisicas para isso." (LANDERS,
1988, p. 12)
De acordo com 0 romancista, 0 brasileiro nao tern carater porque ele nao
tern nem sua propria civilizagao nem uma consciencia de tradiC;ao. Ele explica
num dos prefacios de Macunaima que 0 Brasil e como urn rapaz de vinte anos.
Pode-se perceber tendencias gerais do desenvolvimento de urn carater, mas
nada pode ser concretamente confirmado. Desde que ele nao tern urn carater
psicol6gico, tampouco tem carater moral. (JOHNSON, 1982)
Antes de escrever a primeira versao do livro (em dezembro de 1926), 0
romancista expressou, numa carta a Manuel Bandeira, sua preocupagao em
combinar esses elementos dfspares de todas as regi6es do Brasil: "quero um
ceu caboclinho que reuna 0 Brasil em coisas de norte a sui e tambem
represente a civilizagao isto e 0 atual de certas partes caboclas do Brasil."
(JOHNSON, 1982, p. 190)
Em concordancia, LOPES (1974) afirma que Macunaima, procura
quebrar 0 regionalismo atraves da degeograficalizagao do Brasil, 0 que
con segue real mente com mistura e a inversao de elementos do norte e sui nas
enumerac;:oes, nas corridas panoramicas da personagem e na macumba
carioca.
Aludindo a implicayOes politicas da obra no contexte brasileira,
LANDERS (1988) afirma que Macunaima desaparece porque nao tem
constituic;:ao fisica para lutar contra aquele tipo de natureza insalubre, e
principal mente lutar contra 0 6bvio desleixo dos governantes.
A configurac;ao de Macunaima nesta imagem e 6bvia para HOLLANDA
(1978), que descreve 0 personagem como estando de fraque verde-amarelo,
com a faixa presidencial, sobrevoando a feijoada de carne humana, tendo ao
fundo 0 embaixador, a pele de tigre e 0 jogo do bicho. Antropofagia
internacianal, cores brasileiras, ideia com a qual concorda CAMPOS, 1973:
Encama uma enorme variedade de personagens, ora boas, ora mas. ora ing€muas;quase sempre ingenuas. 0 her6i e 0 que se chama, em Zoologia, urn hipodigma. Naotern existencia real. E um tipo imaginario no qual eslao confidos lodos os caracleresencontrados nos individuos da especie ale enlao conhecidos.(CAMPOS, 1973, p. 234)
De fato, 0 mesmo autor esclarece que Macunaima nao 8 simbolo do
brasileiro como Piaima nao e sfmbolo do italiano.
Eles evocam 'sem continuidade' valores elnicos ou puramente circunstanciais de rac;a.Si Macunaima mala Piaima nunca jamais em tempo algum tive inlent;ao de simbolizarque brasileiro acabara vencendo italiano. "Macunafma nao e sirnbolo do brasileiro, nosenlido em que Shylock e a Avareza. Si escrevi isso, escrevi afobado. Macunaima vivepor si, porem possui urn caraler que e justamente 0 de nao ter carcHer.B(CAMPOS,1973, p. 234)
Sabre 0 carater da personagem na obra inserida no brasileirismo, sao
citados, al8m dos caracteres especificos proprios, ainda se encontram nele os
que 0 aproximam das esp8cies vizinhas do mesma genera. Macunafma 8
especificamente brasileiro, parem pertence ao genera sui-americana e se
aproxima das especies etnicas bolivianas e chilenas, (PROEN<;A, 1974)
15
No seio da metafora do brasileirismo de Macunaima, CHAMIE afirma:
No fundo do mato-virgem nasceu Macunaima, heroi de nossa genIe. Era preto retinto emho do medo da noite. Sem duvida, esse signo e 0 conceito basico de que 0personagem simboliza todo um povo (~oheroi de nossa gente"), que esta subjacente eonipresente, ao longo do entrecho da rapsodia, A metafora 'filho do medo da noite', nomesmo entrecho, ira esclarecendo e 'cobrindo' a tragi-comica trajetoria de nega9as doher6i sem nenhum carater." (1969, p. 123)
No mesmo contexto, ainda e citado 0 aspecto social da personagem,
sendo de comum acordo que Macunafma seja um individualista, fazendo 0 que
deseja e do que 90sla, sem preocupa96es sociais. (PROENC;;A, 1974)
2.4MACUNAiMA E A COR LOCAL
Logo cedo na obra Macunafma, percebe-se no estilo do autor uma
tentativa de discutir a adequa9ao do homem ao seu meio, sendo que 0 autor
situa Macunafma quase como urn romance ecol6gico, ou seja, um trabalho
onde 0 meio-ambiente tambem figura como um personagem.
Oesta maneira, para 0 autor, civiliza9ao equivale, a um problema de
ecologia, isto e, a adequa9ao do homem ao seu ambiente, inclusive 0 clima,
que no caso brasileiro e propfcio a pregui9a.
Tal ideia ocorre ao autor possivelmente da observa9ao da perfeita
vivencia tropical na Amazonia, feita at raves de obras etnografia, principal mente
a de Koch-Grunberg. A Amazonia sent ida nas lendas de Macunafma e
conhecida de perto em sua viagem de 1927 ja se anuncia, no romance
Macunaima, como 0 centro da unidade do ser, recuperando-se das
atribula90es do progresso.
16
Em Macunaima faz-s8 critica a sociedade da maquina, identificando
progresso com civilizac;ao. 0 hom em ali aparece como "0 barbara mecanizado"
de Keyserling. Civilizac;ao para 0 romancista, naquele instante, e 0 progresso
com sua alienac;:ao aos valores sensiveis do homem, diferente da civilizac;ao
primitiva." (LOPES, 1972, p. 34)
De acordo com as acontecimentos pro pastas pelo autor tangentes a
harmonia do personagem com a terra, pode-s8 intuir que na viseo do escritor, a
civilizac;ao naD oferece condic;:oes ao nordestino para que S8 realize. Nao
oferece porque nega os valores natura is, aqueles mesmas das partes caboclas
do Brasil que, segundo 0 escritor, 0 nordestino sa be tao bern guardar. A
civilizac;ao esta dominada pelo progresso que aliena 0 homem, transforma-o
num desvalor de ambic;ao, como 0 gigante Piaima do romance.
Em concordancia com 0 escritor, 0 romancista procura transmitir que 0
can3ter brasileiro, quando trata da simb61ica do romance Macunafma em 1943,
~esta preso a civilizac;ao europeia, artificial para seu clima e seu meio.", pois
imita modismos e rejeita a simplicidade da propria gente. (LOPES, 1972, p. 18)
De fato, e com beleza que 0 romancista faz Macunaima mover-se com
inteira liberdade do passado ao presente, da floresta a cidade, da terra ao cau,
agitando-se caoticamente atraves do tempo e do espac;o. Nasce negro e de
repente vira branco; essencialmente esperto e preguic;oso, sentimental e cinico,
sensual e ingenuo, desleal e generoso, nao tern coerencia senao com seu
estado de espirito momentimeo.(HOLLANDA, 1978)
Em sintonia com 0 seu meio, nestas aludidas transformac;5es magicas
de preto para branco, Macunaima torna-se racista. Branco, gera com uma mae
branca urn filho negro. 0 problema racial brasileiro, que e a coisa mais
17
declarada do mundo atraves do pr6prio processo de auto-ironia do negro, evisto, numa perspectiva brasileira tipica, como S8 fosse uma brincadeira."
(HOLLANDA, 1978)
PROENCA (1974) refere-s8 a esta "brincadeira" como uma satira a
imoralidade. 0 proprio heroi termina vitima de seu impetas sexuais, e marre
sem gl6ria, os amores esquecidos, exceto 0 que nao teve companheiro porque
fol amor primeiro."
2.5. SINCRETISMO ASTRONOMICO DOS iNDIOS BRASILEIROS
Em Macunaima estao reunidos varios e importantes conhecimentos
astronomicos dos indios brasileiros. Segundo MOURAo (1984), Mario de
Andrade teve acesso a uma obra de Theodor Koch-Grunberg intitulada Milos e
Lendas dos indios Taulipangue e Arecuna e muitas Qutras obras de
escritores brasileiros compilando este tipo de informay8o.
Utilizando todas estas leituras, Mario de Andrade realiza uma sintese
representativa do sincretismo astron6mico dos indios brasileiros, chamando
atengao para a respeito que tern para com a natureza.
A influencia indigena em Mario de Andrade permeia a obra do comego
aofim.
18
2.5.1. Venus
Na obra, 0 planeta Venus, que desponta antes do nascer do sol edenominado Caiuanogue, designado como Papa-ceia.
o brasileirismo Papa-ceia provem da apari<;:ilo vespertina do planeta
coincidir, em geral com ahara da ceia.
MOURAo (1984) lembra com rela9ao a Venus "que a associa9ao das
aparic;6es matutinas e vespertinas a urn unico astra e uma ideia proveniente
dos exploradores, po is para os nasses indios a estrela Vesper e a estrela
Matutina constituiam dais astros diferentes. [deia esta comum a todos as pavos
primitivos" (MOURAO, 1984, p.30)
2.5.2. As Pleiades
Existem em Macunaima duas passagens relativas as Pleiades.
A primeira esta associ ada a uma lenda caxinaua, colhida par Capistrano
de Abreu, que relata a hist6ria de urn irmao salteire, Bor6, que trai a irmao
casado, Macari, ao brincar com a linda esposa deste, Iriqui. Em Mckio de
Andrade, Iriqui, desprezada par Macunafma, pede a seis araras-canindes que a
conduzam ao ceu.
La chegando, Ariqui e as araras se transformam no aglomerado estelar
das Pleiades, ou Setestrelo. A outra referencia as Pleiades esta relacionada
com a lenda de um indio da tribo dos taulipangue, que apcs ter a perna
amputada pede ao irmaa que entre em casa. Impedido de entrar pela esposa
19
do irmao, chora e toea flauta toda a noite, e depois despede-se e vai para 0
cau, ende S8 transforma nas Pleiades.
Segundo MOURAo (1984), esta lenda foi colhida por Koch-Grunberg,
atraves do indio Maiuluaipu, da tribo dos taulipangu8. Para esses indios, as
Pleiades formam, com 0 grupo de Aldebara e uma parte de Orion, a figura do
perneta Jilicavaf, au Jiliguaipu, que tendo tido uma das pernas decepadas pel a
esposa adultera, subiu aD ceu. Antes de sua ascensao, mantem uma
conferencia com 0 irmao e 0 filho, quando anuncia a sub ida ao C8U e que 0 seu
desaparecimento anual seria 0 sinal do principia da spaca das chuvas. Sua
cabey8 constitui 0 aglomerado das Pleiades, 0 corpo e 0 grupo das Hfades e a
estrela Aldebara, e a perna e uma parte de Orion.
"Ceiuci", titulo de um dos capitulos de Macunaima, significa as Pleiades,
ou uma fada indigena que vivia perseguida p~r uma fome eterna, como relata 0
General Couto de Magalhaes, que coligiu a lenda durante os quatro meses que
passou no Tocantins em 1865. Segundo 0 relato, a jovem virgem Ceiuci era a
mae de Jurupari, que fora concebido pelo sumo do curura-do-mato que
escorreu pelo ventre da rapariga distraida. Tal sumo constituiu urn mero agente
do Sol, Coaraci, que encontrou em Ceiuci a mae-modelo que deveria dar a luz
o indio encarregado de modificar e corrigir os defeitos e males que assolavam
o mundO, e, em particular, acabar com 0 dominio das indias sobre os indios.
Oepois de eliminar a influencia das mulheres, Jurupari estabeleceu uma serie
de cultos e festas sagradas, proibidas ao sexo feminino. Caso ouvissem os
cantos ou ruidos dessas festas, as mulheres morriam imediatamente. Embora
conhecesse este perigo, Ceiuci desobedeceu ao filho e procurou assistir a urn
dos rituais. Faleceu por causa disso. Nao podendo restituir-Ihe a vida, Jurupari
20
conduziu a mae para 0 cau, onde sla S8 transformou nas Pleiades, conjunto de
estrelas que as indios chamam de Ceiuci.
2.5.3. Os Cometas
Em Macunaima, depois que 0 heroi pas sui a filha de Ceuici, observa
sua transforma<;2o em cometa, de maneira bastante engra<;ada.
Possivelmente, esta e urna modific8<;80 que 0 autor faz na lenda das Pleiades,
citada no sub-capitulo anterior.
2.5.4. Meteoros
No romance, 0 meteoro e Susi, esposa de Jigue 0 qual depois de
encontra-Ia em amores com Macunaima expulsa-a de casa,
Susi da urn sorriso e vai para a cau ende passa a ser urn meteoro.
Na crenl'a popular, segundo MOURAo (1984) as estrelas que correm no
cau sao espiritos errantes que estao pagando as seus pecados antes de ir para
a paraiso.
2.5.5. Sol
Na obra a Sol e a Lua sao femininos.
21
o Sol, com Macunaima esta associ ado a urna lenda indigena onde
Mario de Andrade faz as devidas modific8yoes e adapta a lenda a paisagem
brasileira.
2.5.6 Lua
Para explicar as fases da Lua, Mario de Andrade diz que ela ficou gorda
de tanto fio que comeu, e muito pal ida em virtude do esforgo para atingir 0 ceu.
De acordo com a lenda, as fases da Lua estao de fata associ ad as a urn mito
gastronomica, onde Capei e urn homem que possui duas mulheres, e vive ora
com urna ora com outra.
MOURAo (1984) relata que a primeira Ihe do muita comida, de forma
que sle S8 torn a cada vez mais gordo. A Dutra Ihe da pouca com ida e sle
emagrec8. Par ciume, brigam. A fim de evitar tais brigas as indios dessa tribo
naG tern duas e sim tres au quatro mulheres.
2.5.7. Centauro
Em Macunaima relata-s8 que 0 Cruzeiro do Sui S8 originou de Pauf-
P6dole, que em sua viagem ao C8U foi conduzido por dois vaga-Iumes, que
segundo Mario de Andrade se transformam em Alfa e Beta do Centauro.
Como Macunafma nao acha gra9a neste mundo, resolve ir para 0 C8U
onde seria 0 brilho inutil de mais uma constela9ao.
22
Segundo MOURAo (1984), atraves de sua extraordinaria raps6dia, 0
romancista faz com que 0 povo brasileiro participe do cosmo, levando para 0
ceu atraves de contos e lendas astron6micas.
Alguns criticos da literatura afirmam que em nenhuma obra literaria
brasileira "existe uma tao intensa influencia de astronornia pre-cabral ina",
(MOURAO, 1984, p,63),
De acordo com MOURAo (1984), a cosmologia brasileira, conforme
apresentada na obra de Mario de Andrade possui caracteristicas semelhantes
as culturas orientais e ocidentais.
Alem de urn ente semelhante, ei, mae de todas as coisas, surge a cada
ponto uma associaC;;ao comum.
Uma das caracteristicas destas representac;;oes, segundo MouRAo
(1984), e a proje,ao no firmamento das particularidades terrestres, Assim, a
ceu dos nossos indios e a "imagem projetada da flora e da fauna brasileiras. E
o dominio de urn antropocentrismo, de um animismo, enfim, de um
naturocentrismo comum na estrutura do processo mental de todos os povos
primitivos", (MOURAO, 1984, p, 66)
oesta maneira, se nao forem herois ou deuses, conseguem ser animais
e arvores que povoando os ceus. Por suas relac;;oes entre si e possivel explicar
os astros e fen6menos de duraC;;ao efemera. Os cometas "sao almas nao
aceitas; os meteoros, mulheres que pagam seus pecados; as manchas da Lua,
sinais primitiv~s de uma relaC;;Bo incestuosa de irmaos; os eclipses, lutas ou
disputas entre dais irmaos au casais que nao se compreendem"; (MOURAO,
1984, p, 66),
23
Todos estes mitos, nao importa qual sua origem ou naeionalidade,
eonstituem 0 principio simb61ieo dos pensamentos astron6mieos de eada povo.
Com estes mitos percebe-se a necessidade de conceitua98o de tempo,
que entre os indios brasileiros se limita a esta9ao da chuva e da seea, em
virtude da falta de um sistema numerico que se eonstituisse num ealendario.
Mario de Andrade pareee valorizar este pensamento astron6mico tao
primitivo, talvez na procura de uma autenticidade, pois em sua epoca a
literatura brasileira eopiava modelos europeus.
Sem duvida esta pareee a principal razeo pela qual Maeunaima aeaba
assoeiado a uma eonstela98o do hemisferio norte, a Ursa Maior, quando a
constela98o simbolo da patria brasileira, 0 Cruzeiro do Sui tao estimada pel os
portugueses, fica em segundo plano.
3. ANALISE DO ROMANCE
Iracema e Macunafma pod em ser considerados personagens
representativQs de dois momentos fundamentais de construgao da identidade
da literatura brasileira: 0 Romantismo e 0 Modernismo.
Segundo DUARTE (1985), Macunaima e uma satira ao carater
brasileiro, mas sobremaneira, e uma "critica ao malandro tao infiltrado na vida
brasileira", um ataque as desvirtudes nacionais" (DUARTE, 1985, p. 28).
De acordo com LAFETA (1982), Macunaima representa "uma
medit8gao extrema mente complexa sabre a Brasil, efetuada atraves de urn
discurso selvagem, rico de metaforas, simbolos e alegorias" (pAS). De fata,
sendo uma especie de busca simb61ica do "carater nacional" brasileiro, 0 livro
apresenta-nos um "heroi sem nenhum carater", que ainda naD encontrou sua
definic;:ao e transforrna-se inumeras vezes ate transformar-s8 na constelagao da
Ursa Maior. A propria linguagem da rapsodia transforma-se muito, e a critica,
segundo LAFETA (1982), encontrou nela pelo menos tras estilos diferentes de
narrar (pA8).
Ainda 0 mesmo autor revela que muitas vezes a obra nao foi
compreendida. LAFETA (1982), cita que Tristao de Athaide afirmou que a obra
parece um "coquete! descaracterizante". Cita tambem que Joao Ribeiro
considerou 0 livro uma "asneira de talento" e "conglomerado de coisas
incongruentes" (p.54). Apesar disso, tanto os que elogiam tanto os que criticam
sublinham a originalidade e 0 carater inventivo da "raps6dia" (p.54).
25
Na concep<;iio de LAFETA (1982), loi 0 amalgama de coisas
heterogeneas da obra, qualilicado por Tristao de Athaide,"coquetel" e por Joao
Ribeiro "incongruencia", que em n05SOS dias Aroldo de Campos valorizou como
"imagina,ao estrutural" dando origem a uma obra de arte (p.54).
o autor afirma que 0 nome de Macunafma foi colhido em Koch-Grumber,
em 1927, que teria side responsc3vel pelo interesse de Mario pelo personagem.
Tal personagem, segundo DUARTE (1985), aparece pel a primeira vez em 1868
na obra de W.H. Brett sabre as silvicolas da Guiana.
No principia, 0 autor define 0 livra como uma hist6ria e depois como uma
rapsodia, afirmando que 0 livro "continua vivo hoje, como em 1928" (OUARTE,
1985, p. 29).
Na 6tica de LAFETA (1982), a denomina,ao "raps6dia" alude aconstrug8o do livra, que e composto, como a forma musical que tern esse
nome pela justaposiC;80 de trechos de procedencia variada, que entretanto
ganham grande unidade no conjunto da composig80. Mario faz uma colagem
dos mais diversos fragmentos, sendo que nela a geografia e 0 tempo do
romance sao total mente subvertidos. A linguagem do romance nao caracteriza
a "fala brasileira", mas sim uma linguagem pessoal e artistica, construida
tambem pelo processo de colagem, pela combina9aO de vocabulos e torneios
sintaticos colhidos dos mais variados lalares do Brasil (p.1 05).
Macunaima representa uma visao crftica do nacionalismo romantico,
uma leitura ir6nica do modelo de heroi idealizado pelo romantismo, um
verdadeiro "anti-heroi" que rompe com procedimentos esteticos e ideologicos
da literatura no seculo XIX.
26
Ainda outro autor concorda com esta viseo, pois nas lendas sobressai 0
personagem Macunaima, deus e heroi civilizador, contraditorio, irreverente,
pregui~oso e sensual. Identifica-o entaD com 0 comportamento do pavo
brasileiro e entusiasmado, "transfere as peripekias do her6i para urn romance,
cullo, mas eslruluralmente liel ao romance popular". (LOPES, 1972, p.79)
LOPES (1972) nos revela ainda que este heroi criado par Mario de
Andrade nao tern nenhum carater e pode ser urn testemunho da formaC;8o
folclorico-etnografica de Mario de Andrade ate 0 ana de 1927, quando term ina
de escrever Macunaima.
Em Macunaima, apesar das contradic;oes apontadas em Mario na
conceitu8C;80 de progresso e civiliz8C;80, a preguiC;8 e 0 mais importante dado
critico do Brasil apresentado, pois introduz 0 novo heroi nacional, 0 anti-her6i,
produto direto de uma sociedade indefinida.
A personagem deve ser entendida, contudo, enquanto primitivo, como a
tentativa de avalia9ao do comportamento brasileiro, em suas oscila90es.
Macunaima e her6i eapaz de libertar Naipi, mas eapaz tambem de mentir,
prevariear, ter pregui9a e inventar flagelos. Mais erra que aeerta. Foi moldado
corn otirnisrno e confian9a (apesar das frustra90es do aulor quanto ao aspeeto
satfrieo), porque e 0 brasileiro que resiste a todas as doen9as tropieais, morre,
ressuseita e que nao aeaba nunea porque se transform a em estrela.
A efieacia atribulada do her6i e patenteada em seu destino final,
evidenciando 0 otimisrno apontado aeirna. Maeunaima aseende e liberta-se de
sua eondi9ao humana, transcendentaliza-se, atingindo dentro da aeeita9ao de
Ie de Mario de Andrade,
[ ... 1 0 eslado eslcHico de misticismo (religioso) que tera de ser a contemplac;ao daDivindade, que e a minha esperanc;ae que botei no final de Macunaima, me parecia
,,'"""f ~~i( J;.%.;; ,:,; ::;
'aD claro que nlnguem percebeu, "helas"! Macunalma val pro ceu, conforme CEP'~:'"'"pensamenlo dele: procurar Ci. Vai, chega Ja e seria tao facil aeabar 0 livre numaapoteose gostosa (pro publico), descrevendo as amores celestes dele com Ci. Mas,chegando no ceu, ele nem pensa mais em Ci e vira no brilho inulil (falo ca da terra) deMmais uma"estrela do ceu. Nao me parece Que tude isso seja tao vaguissimo num livraem que tude e Segunda intenyao. (FERNANDES, 1930, p. 13)
Subir ao ceu e virar estrela e caminho mitologico universal que soluciona
estruturalmente 0 romance e realiza ideologicamente 0 autor, mas que nao
resolve a problematica do heroi incaracteristico; nao 0 faz "aehar verdade".
(FERNANDES, 1930, p.37) Alias, se a fizesse, quebraria a for,a de critica da
obra, pois 0 Brasil nao oferecia eondi<;oes para tal. Lan<;a-o, eontudo, no
eaminho da verdade, se for analisado a simbolo da Ursa Maior.
Macunaima torna-se Ursa Maior, estrela par muitos seeulos eonsiderada
guia de navegantes e visivel apenas do Equador para a Norte, isto e, na regiao
amaz6niea, na zona de Maeunaima. 0 eseritor nao a eseolhe par aeaso, mas
para fundamentar ainda mais a sua tese de primitismo, a sede do lazer-
pregui,a, localizada na Amazonia. A Ursa Maior Eo par enquanto urn "brilho
inutil", mas serve para apontar a solu~o da eivilizayao elimatiea que Mario
reivindiea para a Brasil para que se torne earaeteristico, au melhor, para que 0
pais represente com fidelidade a fusao de suas tres ra<;ase seu substrata
nacional. (LOPES, 1974, pp.80-83)
Dentre as obras mais signifieativas do primeiro Modernismo brasileiro,
eujos limites podem situar-se entre 1922 e 1928, oeupa 0 Macunaima um lugar
de relevo. Buseando sintetizar mitos e lendas dos indigenas, em geral
eainauas, taulipangues e areeunas, pretendia Mario de Andrade revalorizar a
folelore indio, dar realee a mitologia pre-cabralina, querendo desse modo
chamar a atenyao para as eoisas do Brasil - num momenta em que os jovens
28
escritores S8 voltavam marcadamente para 0 populario brasileiro, num
nacionalismo nao raro xen6fobo cuja contra partida era a intelectualidade
dominante, a S8 babar com a cultura francesa e europeia em geral.
Macunaima foi publicado em 1928, ano-chave na evolu9;;0 do nosso
Modernismo. Nesse ana safram 0 Retrato do Brasil, de Paulo Prado, e A
Bagaceira, de Jose Americo de Almeida. Esta, iniciando 0 mad erne cicio
regionalista do Nordeste; aquele, pando no espfrito otimista dos modernos 0
tempera do pessimismo e do desencanto. Ambos, a seu modo, relacionam-se
com a Macunaima de tal sorte que a obra de Mario vale bern como uma
sintese. A Bagaceira esta ligado pelos elementos regionalistas do entretrecho,
fundados sobretudo na tradiC;8o e no folclore, embora em Mario esses
elementos tenham sempre urn aspecto funcional e nao pitoresco. Ao Retrato
do Brasil, une-o a visao pessimista que comparece na sua desllusao final -
quando, nao achando mais gra9a nesta Terra, decide ser "0 brilho inutil" de
uma constela98.0 a mais no vasto campo do ceu. Compare-se, apenas a titulo
de observa98.0, com a desllusao expressa pelo proprio Mario de Andrade, no
final da vida, relativamente ao Modernismo (que ajudara a instaurar) e ao que
considerava a pouca au nenhuma importancia de sua obra - na sua celebre
conferencia sobre 0 Movimento Modernista (1942). Embora pessoal, 0
desgosto de Mckio transpunha as limites da sua individualidade para se
estender a toda uma concepcy8.o de arte, que preferia fosse pragmatica. Sa be-
se hoje avaliar melhor a severidade de seu auto-julgamento, visto que
Macunaima ai esta, varias vezes reeditada, rei ida e estudado - tido quase sem
contraste como sua abra maior e mais representativa.
29
Hesitou longamente Mario na classificaeyao do genero de Macunaima,
decidindo-se enfim chama-Io de "rapsodian- atentando essencialmente para os
aspectos poeticos e musicais observaveis na obra: a narracyao dos feitos de
Macunaima remete as anti gas "can90es de gesta", que sao em geral
fragmentos de poemas epicos cuja origem au continuidade permanece
obscura. E ha todo urn aspecto sinf6nico (au quando nada, operistico, isto e, de
musica dramatica) no desenrolar da trama. Assim, Mario de Andrade, ao
batizar de rapsodia a sua obra, tencionou ressaltar 0 que nela havia de
composiey80 poetico-musical
Varios aspectos outros dessa rapsodia ja tern sido estudados com maior
au menor agudeza. Cabe destacar a extraordinario Roteiro de Macunaima, de
M. Cavalcanti Proen9a (Edi90es Anhembi, 1955), abra basica para a
compreensao do livro de Mario. E entre as aspectos especiais a importancia
dada a astronomia dos indios tern aqui urn desenvolvimento e explanacyao
rnetodizados e do maior interesse nao s6 para os estudiosos da obra de Mario
de Andrade, como tambem para quem se de bruce com curiosidade e prove ito
sabre a foldore dos amerfndios.
4. CONCLUsAo
o presente trabalho procurou apresentar Macunaima, obra de Mario de
Andrade como sendo uma sintese do folclore brasileiro levada a efeita na
forma raps6dica do romance.
Macunaima e apresentado par Mario de Andrade como 0 mais autentico
heroi, criado nos moldes dos tipos her6icos populares, em lingua portuguesa.
o seu estudo minucioso revel a em movimento naG 56 as tecnicas de
transposigao do folclore ao plano erudito, mas tambem a compreensao ampla
do folclore brasileiro e seus problemas.
A medida que Mario de Andrade compoe lentamente 0 seu her6i, vai
apresentando aD leitar urn compendia de folclore, urn mosaico da terra
brasileira na multiplicidade de seus aspectos.
Nao apenas procura-s8 transmitir os aspectos da cultura e da paisagem,
mas tambem apresenta-se um carater lingOistico peculiar do povo brasileiro.
Macunafma fala a lingua do povo, subvertendo a norma culta como se este
aspecto tambem fosse caracterfstico de sua nacionalidade.
Diante do exposto, concluiu-se que Mario de Andrade usou 0 mito,
manipulando um continuo paralelo entre 0 contemporaneo e 0 antigo para dar
um significado a historia brasileira contemporanea.
Para tanto, 0 escritor tentou sintetizar em Macunafma a cultura nacional,
procurando na fabula de Macunaima tambem um estilo de literatura
caracterfstico de uma "Iiteratura nacionalista"
31
o eseritor procura em suas entrelinhas trabalhar e descobrir 0 maximo
que pode sobre a entidade nacional dos brasileiros. Depois de muito escrever
conelui que "0 brasileiro nao tern carater".
Quando diz "carater" nao determina apenas uma realidade moral, mas,
pareee entender a entidade psiquica permanente, se manifestando por tudo,
nos costumes, na agao exterior, no sentimento, na lingua, na historia, na boa e
na rna atitude. Pareee que Mario de Andrade quer dizer que 0 brasileiro naa
tem carater porque nao passui nem civilizagao propria nem consciencia
tradicional.
Assim sendo, Macunaima suscita um discurso de cunho politico nas
entrelinhas, chamando a atenc;ao para a diferenc;a de classes, a dominaC;8o
econ6mica e cultural de uns povos para com outros, temas sociais sempre em
pauta nas mesas redondas de lodas as culturas, especial mente modernas no
que diz respeito a biografia do povo brasileiro.
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
ANTELO, Raul. Na ilha de Marapata (Mario de Andrade Ie as hispano-
americanos). Sao Paulo: Hucitec, 1986.
BATISTA, T. 0 texlo e a contexto de Mario de Andrade. Rio de Janeiro:
Companhia das Letras, 1997.
CASTELLO BRANCO, Carlos H. Macunaima e a viagem grandota. Cartas
Ineditas de Mario de Andrade. Sao Paulo: Quatro Artes, 1971.
"CRONOLOGIA DE MARIO DE ANDRADE". Artigo caplurado em 20 de julho
de 1999 na rede mundial de Internet, browse de busca ALTA VISTA, no
sile: hllp:IIWNW.lca.com.br/artecad/reduto/Modernis.hlm.
CAMPOS, Haroldo de. Molfologia do Macunaima. Sao Paulo: Editora
Perspectiva, 1973.
CHAMIE, Mario. Intertexto: a escrita raps6dica - ensaio de leitura produtora.
Sao Paulo: Praxis, 1969.
DUARTE, J.R. 0 portugues e a indio no Brasil lite,,;rio. Sao Paulo: Atica,
1985.
FERNANDES (193) apud LOPES, Tele P.A. Mario de Andrade: ramais e
caminhos. Sao Paulo: Hucitec, Secretaria de Cultura, Esporte e Turismo,
1972.
HOLLANDA, Heloisa Buarque de. Macunaima da literatura ao cinema. Livraria
Jose Olympia Editora, 1978.
JOHNSON, Randal. Macunaima: do modernismo na literatura ao cinema novo.
Sao Paulo: Queiroz, 1982.
LAFETA, Joao Luiz. Mario de Andrade; textos selecionados. Sao Paulo: Abril
Educagao, 1982.
LANDERS, Vasda Bonafini. De jeca a macunaima. Rio de Janeiro: Editora
Civilizagao Brasileira, 1988.
LOPES, Tele P.A. Mario de Andrade: ramais e caminhos. Sao Paulo: Hucitec,
Secretaria de Cultura, Esporte e Turismo, 1972.
LOPES, Tele P.A. Macunaima: a margem e 0 texto. Sao Paulo: Hucitec,
Secretaria de Cultura, Esportes e Turismo, 1974
MACUNAiMA. Joaquim Pedro (adaptagao e roteiro). Rio de Janeiro: Globo
Video, 1969. 1 videocassete (100 min) son., color, 12 mm. VHS.
MOISES, Massaud. Historia da literatura brasileira. V. 5, Sao Paulo: Cultrix,
1997.
MOUR.A.O, Ronaldo R. de F. Astronomia do Macunaima. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1984.
PROENCA, P. "Macunaima em festa" In Literatura brasileira. Sao Paulo:
LTR, 1974.
SILVA, C. A literatura e a psicanalise. Rio de Janeiro: Letras, 1997.