o movimento da matemÁtica moderna - uri | erechim · 2015-03-10 · o movimento da matemÁtica...
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UNIVERSIDADE REGIONAL INTEGRADA DO ALTO URUGUAI E DAS MISSÕES
URI-CAMPUS DE ERECHIM
LUANA ANGÉLICA ALBERTI ZANATTA
O MOVIMENTO DA MATEMÁTICA MODERNA
ERECHIM
2010
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LUANA ANGÉLICA ALBERTI ZANATTA
O MOVIMENTO DA MATEMÁTICA MODERNA
ERECHIM
2010
Trabalho de conclusão de curso, apresentado ao Curso de Matemática, Departamento de Ciências Exatas da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – Campus de Erechim. Profª. Orientadora: Neila Tonin Agranionih
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Dedico este trabalho de conclusão de curso aos meus
pais Celso e Ana, pelo amor e carinho, pelo
incentivo, pela colaboração, pela dedicação e por
acreditarem sempre na minha capacidade. Dedico
também, ao meu esposo Eliezer, pelo apoio,
paciência e compreensão durante esta caminhada.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiro a Deus, pois sem Ele nada seria possível.
Ao meu pai, Celso, que sempre incentivou meus estudos, fazendo tudo que estava a seu
alcance para que eu chegasse a esta conquista.
A minha mãe Ana, por seu colo quentinho e suas palavras de conforto nos momentos difíceis
dessa caminhada, por suas orações nos dias de prova e por fazer com que eu acreditasse na
minha capacidade.
Ao meu esposo Eliezer, por estar sempre ao meu lado, me apoiando e colaborando para que
eu chegasse ao final desta caminhada.
A professora Neila, pela orientação e dedicação, que mesmo estando distante me auxiliou em
todos os momentos em que precisei de sua sábia ajuda.
Enfim, agradeço a todos àqueles que de uma ou outra maneira colaboraram para esta
conquista.
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A mente que se abre a uma nova idéia jamais voltará
ao seu tamanho original.
Albert Einstein
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RESUMO
O presente trabalho consiste num estudo bibliográfico sobre o Movimento da Matemática Moderna. Tem como objetivos, compreender em que consistiu o Movimento da Matemática Moderna bem como sua influência no ensino da Matemática, investigar como se originou e identificar seus principais idealizadores, analisar os prováveis motivos para o seu fracasso no ensino da Matemática. O Movimento da Matemática Moderna chegou ao Brasil na década de 60 e permaneceu como uma alternativa para a renovação curricular e para o ensino de Matemática por mais de uma década. Antes das idéias modernistas se tornarem conhecidas e adotadas pelas escolas brasileiras já existia uma insatisfação em relação ao ensino, manifestada pelos professores nos primeiros congressos voltados ao ensino de Matemática, ocorridos no Brasil na década de 50. A partir dos anos 60 formaram-se grupos de estudos da Matemática Moderna em vários estados do país, um dos mais importantes grupos foi e GEEM (Grupo de Estudos do Ensino de Matemática), fundado pelo professor Osvaldo Sangiorgi, um dos principais divulgadores da Matemática Moderna no Brasil. Em 1976, com o lançamento do livro O Fracasso da Matemática Moderna do professor americano Morris Kline, o movimento que já estava enfraquecido, perde ainda mais forças devido as fortes críticas direcionadas a abordagem abstrata e simbólica dos conteúdos da Matemática Moderna. As críticas, porém, não vinham somente do meio acadêmico, pais de alunos e a imprensa manifestaram insatisfação à superficialidade da simbologia da Matemática Moderna o que culminou no esgotamento do Movimento da Matemática Moderna.
Palavras-chave: Movimento da Matemática Moderna. Matemática Moderna. Ensino de
Matemática.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................................7
2 ORIGEM DO MOVIMENTO DA MATEMÁTICA MODERNA ..................................8
2.1 O GRUPO BOURBAKI.....................................................................................................10
2.2 O MOVIMENTO DA MATEMÁTICA MODERNA........................................................10
3 O MOVIMENTO DA MATEMÁTICA MODERNA NO BRASIL ................................12
3.1 SITUAÇÃO EDUCACIONAL ANTERIOR AO MOVIMENTO DA MATEMÁTICA
MODERNA NO BRASIL........................................................................................................12
3.2 O MOVIMENTO DA MATEMÁTICA MODERNA NO BRASIL..................................14
3.2.1 O Livro Didático na Matemática Moderna.................................................................20
4 O ENFRAQUECIMENTO DO MOVIMENTO DA MATEMÁTICA MODE RNA.....22
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................26
REFERÊNCIAS .....................................................................................................................28
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1 INTRODUÇÃO
Considerando que o ensino de matemática vem sendo, ao longo dos anos, objeto de muitas
discussões e críticas e considerando a constante busca por renovações no ensino é importante
conhecer algumas tendências pelas quais o ensino desta disciplina vem sendo orientado.
Dentre elas, o Movimento da Matemática Moderna, tendência importante no século XX, que
influenciou consideravelmente o ensino da Matemática e que teve grande importância para a
Educação Matemática dos anos 50 a 80.
O estudo desse movimento é significativamente importante para maior compreensão do
processo de ensino da matemática e das implicações que trouxe para o ensino de matemática
nos dias atuais. Investigar o surgimento e o desaparecimento desse Movimento contribuirá
para tal.
O presente trabalho resulta de uma pesquisa bibliográfica sobre as idéias centrais da
Matemática Moderna. Apresenta, na segunda seção um breve relato da trajetória desse
Movimento que orientou o ensino da Matemática por várias décadas do século XX. Nesta
seção, destaca a importância atribuída à disciplina Matemática na época e a origem do
Movimento no exterior, levando em consideração as prováveis causas de seu surgimento.
Destaca também a importância do grupo de matemáticos com o pseudônimo de Nicolas
Bourbaki.
Na terceira seção, revisa o Movimento da Matemática Moderna no Brasil, relatando
inicialmente a situação educacional que antecedeu esse movimento no país para, em seguida,
apresentar a forma como a Matemática Moderna veio à tona a partir do fim da década de 50.
Finalizando apresenta um breve relato sobre a estrutura do livro didático do período áureo do
Movimento da Matemática Moderna.
A quarta seção refere-se ao enfraquecimento do Movimento da Matemática Moderna, a
insatisfação por parte da comunidade acadêmica e pais de alunos frente ao novo ensino.
Apresenta críticas realizadas ao Movimento e fatores que contribuíram para o fracasso.
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2 ORIGEM DO MOVIMENTO DA MATEMÁTICA MODERNA
No final do século XIX, já se percebia em muitos países uma preocupação por parte de
professores com o ensino da Matemática. Esse fato se manifestou mais intensamente durante
o IV Congresso Internacional de Matemática, realizado em Roma no ano de 1908, no qual foi
criada uma comissão internacional para analisar o Ensino de Matemática desenvolvido em
diversos países (WIELEWSKI, 2009).
Vários foram os fatores que contribuíram para tal, conforme diferentes autores. Para
Lavorente (2010), a Matemática Moderna surgiu num contexto pós-guerra, motivada,
principalmente por questões de ordem social, exteriores a escola e ao ensino, devido à
necessidade de uma melhor formação matemática dos cidadãos, exigida pela evolução
tecnológica, econômica e científica de muitos países.
De acordo com Soares (2010), um dos principais motivos que levaram a uma preocupação
com o Ensino de Matemática nesse período, foi o baixo conhecimento dos estudantes ao
entrar nas universidades, aliado ao “mundo moderno” que exigia que o estudante se
preparasse mais cedo e melhor, para exercer atividades profissionais ligadas cada vez mais à
ciência.
A automatização que consistiu na introdução de máquinas que controlavam máquinas e os
computadores digitais automáticos “que tornaram possível emparelhar a teoria matemática e
as máquinas computadoras para produzir as respostas exigidas por físicos, engenheiros e
outros” foram as razões atribuídas por Price, (1962, p. 21 apud NETO, 2009) ao surgimento
do movimento. Para o autor o discurso dos modernistas pregava a valorização da Matemática
e sua adequação às novas necessidades sociais tendo como pano de fundo comum à bandeira
do progresso, do desenvolvimento, da modernização e da aceleração tecnológica.
Vitti (1998 apud LAVORENTE, 2010) reforça a idéia de que o grande impulso dos
educadores preocupados com a reforma no ensino, não foi um fato ligado diretamente a
situação escolar e sim, ao contexto pós-guerra e ao lançamento do primeiro satélite soviético,
o Sputnik, em 1957. Este fato levou os americanos a pensarem seriamente na urgência de
uma reforma no ensino, e em especial no ensino de Matemática. De acordo com a autora, o
que se esperava do Movimento da Matemática Moderna é que dele resultassem subsídios para
a formação do “homem do futuro”, ou seja, formar pessoas que soubessem lidar com a
tecnologia que os tempos vindouros trariam.
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Neto (2009), também refere o contexto político e tecnológico ao abordar esta questão ao
lembrar que havia, naquele período, uma preocupação mundial com a disputa entre os Estados
Unidos e a antiga União Soviética pela supremacia tecnológica que levaria inevitavelmente à
supremacia bélica. Assim, em meados da década de 50, uma das preocupações centrais dos
americanos era a superação dos russos na “corrida ao espaço”. Para tal fazia-se necessário a
formação de engenheiros e cientistas de modo a permitir a equiparação à tecnologia russa. Por
isso, argumenta o autor, houve, nesses países, um investimento forte na instrução técnica além
de mudanças nos currículos escolares com a diminuição das disciplinas da área de humanas e
a maior ênfase nas disciplinas da área de exatas.
Tais fatos levaram o presidente John Kennedy a convidar matemáticos de diversos
países para se unir aos norte-americanos nessa empreitada a fim de superar os russos e colocar
o homem no espaço em 10 anos (cumprindo a promessa, em 1969 um ano antes). Dentre estes
matemáticos estava o brasileiro Osvaldo Sangiorgi que era um renomeado autor de livros
didáticos (LAVORENTE, 2010).
Como diz Neto (2009), a preocupação com a modernização da disciplina também ocorreu
pelo extraordinário avanço da Matemática no século XX em campos específicos como
probabilidade e estatística, teoria dos jogos e programação linear, o que proporcionou um
instrumento de grande utilidade para a manobra de operações de grande escala na indústria e
no governo.
É importante salientar que apesar do nome, o Movimento da Matemática Moderna não
objetivava modificar completamente os programas tradicionalmente conhecidos, mas, sim,
“modernizar a linguagem dos assuntos considerados imprescindíveis na formação do jovem
estudante usando os conceitos de conjunto e de estruturas” (SANGIORGI, 1962, p. 02 apud
NETO, 2009).
Percebe-se que diferentes autores apontam a necessidade de reformular os currículos
escolares tendo em vista o despreparo do aluno, futuro cidadão, frente ao desenvolvimento
tecnológico avançado. Por iniciativa do professor Marshall Stone, dos Estados Unidos, foi
fundado em 1961 o CIAEM (Comitê Interamericano de Educação Matemática), cujo objetivo
era integrar os países das Américas para discutir sobre Educação Matemática. Na Europa o
interesse em modernizar o currículo da matemática culminou num inquérito organizado pela
Organização Européia de Cooperação Econômica (OECE), sobre a situação do ensino desta
disciplina nos países e posteriormente numa sessão de trabalhos, que ficou conhecida como
Seminário de Royaumont, em 1959, com a relevante participação de Jean Dieudonné, um dos
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líderes do grupo de matemáticos com o pseudônimo Nicolas Bourbaki (LAVORENTE, 2010)
que assumiria um importante papel neste processo, que veremos a seguir.
2.1 O GRUPO BOURBAKI
Segundo Wielewski (2009), em 1934 o grupo de matemáticos franceses, intitulado
Nicolas Bourbaki, deu início a uma proposta de escrever uma nova obra sobre Análise
Matemática. De acordo com Burigo (1989 apud LAVORENTE, 2010) Jean Dieudonné,
idealizou, organizou e divulgou as idéias de um movimento que ambicionou inovação no
Ensino de Matemática apresentando em 1955 o livro “L’enseigment dês Mathematiquees”
com temas relativos à introdução da Matemática Moderna no ensino secundário.
O grupo Bourbaki defendeu a sistematização das relações matemáticas, com base nas
noções de estruturas algébricas, de ordem e topológicas. Na concepção matemática desse
grupo existiam três idéias centrais: a unidade da matemática, o método axiomático e o
conceito de estruturas matemáticas considerados os únicos objetos da Matemática
(LAVORENTE, 2010). A visão expressa pelo grupo considerava a Matemática como um
edifício dotado de uma profunda unidade, sustentada pela teoria dos conjuntos e hierarquizada
em termos de estruturas abstratas, entre elas as algébricas e topológicas, ideário que passa a
exercer influência significativa no Movimento da Matemática Moderna internacionalmente.
2.2 O MOVIMENTO DA MATEMÁTICA MODERNA
Guimarães (2007 apud LAVORENTE, 2010) relata que no Seminário de Royaumont
(1959), foi delineada uma proposta de reforma do ensino que recebeu forte influência de
idéias estruturalistas por meio da contribuição de Jean Dieudonné e do grupo Bourbaki.
Nas discussões do Seminário de Royaumont, foram consideradas três finalidades
educativas que compreendem a Matemática: como método de ensino liberal (meio de formar
o espírito); como base para a vida e o trabalho; e como preparação para os estudos
universitários (propedêutica). Entretanto, ao encerrar as conclusões do relatório de
Royaumont foram mantidas apenas as duas últimas das finalidades apresentadas
(LAVORENTE, 2010).
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No que se refere ao ensino da Matemática nas escolas secundárias, diante de constatações
de um enorme atraso em relação ao estado de desenvolvimento dos conhecimentos
matemáticos da época e a distância existente entre o que era ensinado nas faculdades e no
ensino secundário, a proposta de Royaumont voltava-se a um propósito principal: formar
alunos aptos para os estudos universitários (LAVORENTE, 2010). Dessa forma, a principal
mudança a ser efetuada seria no currículo do ensino secundário, ao qual seriam reformulados
ou excluídos alguns conteúdos e introduzidos novos, tais como: teoria dos conjuntos,
conceitos de grupo, anel e corpo, espaços vetoriais, matrizes, álgebra de Boole, noções de
cálculo diferencial e integral e estatística. Além disso, pretendia-se que a teoria dos conjuntos
fosse ensinada aos alunos de todos os níveis de escolaridade, desde o ensino primário até a
universidade (LAVORENTE, 2010).
De acordo com Soares (2010), a ênfase dada nos conjuntos era fundamentada no fato de
constituir-se como um conceito básico da matemática, sendo uma poderosa ferramenta para a
unificação da disciplina, que, no século XIX, era tida como “as Matemáticas”. Alguns
defensores da Matemática Moderna enfatizavam que não se tratava de ignorar a matemática
ensinada, tratava-se de fazer com que a “matemática nova” continuasse a “antiga” tornando-a
mais manuseável.
No Brasil o Movimento da Matemática Moderna torna-se conhecido na década de 50,
quando o ensino de Matemática sofre mudanças na educação básica decorrentes, também, das
discussões internacionais acerca da nova abordagem para o ensino de Matemática, que
propunha aproximar o ensino realizado na educação básica ao desenvolvido na Universidade,
o que corresponde à linguagem e à estrutura empregada pelos matemáticos da época
(FISCHER, et al., 2009). O Movimento da Matemática Moderna no Brasil é o tema da
próxima seção deste trabalho.
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3 O MOVIMENTO DA MATEMÁTICA MODERNA NO BRASIL
Inicialmente faz-se importante verificar o contexto histórico do ensino de matemática no
Brasil que antecede o Movimento da Matemática Moderna, no qual é possível perceber
consideráveis inquietações a respeito da necessidade de mudanças sentidas na época.
3.1 SITUAÇÃO EDUCACIONAL ANTERIOR AO MOVIMENTO DA MATEMÁTICA
MODERNA NO BRASIL
A seguir objetivamos, através da referência a alguns acontecimentos marcantes para a
educação do país, contextualizar a época que antecedeu as primeiras manifestações do
Movimento da Matemática no Brasil.
A década de 30 é marcada pela Reforma Francisco Campos, que propôs a integração dos
conteúdos de aritmética, álgebra e geometria para a uniformização do ensino de uma só
disciplina denominada Matemática em todo o Brasil. Trata-se de um período também
lembrado pela revolução que leva ao poder Getúlio Vargas (LAVORENTE, 2010).
Francisco Campos, então ministro da Educação e Saúde Pública do governo de Getúlio
Vargas, convidou para compor a comissão que elaboraria um projeto de reforma para o ensino
brasileiro, Euclides Roxo, membro do Conselho Nacional de Educação, da Associação
Brasileira de Educação e diretor do Externato do Colégio Dom Pedro II, (que propôs, já em
1927, à Congregação do Colégio, uma profunda modificação no ensino da Matemática). Tal
reforma seria condizente aos métodos introduzidos na Alemanha por Félix Klein que visavam
a integração dos conteúdos de aritmética, álgebra e geometria (LAVORENTE, 2010).
Influenciado pelas idéias de Felix Klein, através de Euclides Roxo, o Brasil passou por
uma reestruturação do ensino da Matemática também na forma como os conteúdos deveriam
ser ministrados, enfatizando, além do desenvolvimento do espírito e do raciocínio lógico, o
desenvolvimento de outras aptidões ligadas às suas aplicações (LAVORENTE, 2010). Um
forte marco dessa reestruturação, além da uniformização da disciplina, foi a implementação
de três aulas semanais para todas as séries.
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No entanto, de acordo com Marques (2005 apud LAVORENTE, 2010), nesta época o
ideal de unificação da Matemática não foi concretizado na grande maioria das salas de aula, a
realidade retratava o ensino de três disciplinas com um único título.
Na década de 40 mais especificamente em 1942, o então ministro da Educação e Saúde
Pública, Gustavo Capanema inicia a reforma de alguns ramos do ensino. Marques (2005 apud
LAVORENTE, 2010), relata que a Reforma Gustavo Capanema alterou a estrutura do ensino
brasileiro: o Curso Fundamental passou a se chamar Ginásio com duração de quatro anos
(anteriormente tinha duração de cinco anos), o Curso Complementar passou a ser denominado
Clássico ou Científico e teve a duração alterada de dois para três anos.
Nesse período a disciplina de Matemática também sofreu algumas modificações em
relação aos conteúdos, caracterizando-se por suprimir o ensino simultâneo da aritmética,
álgebra e geometria em torno da noção de função e pela preservação do curso de geometria
intuitiva nos dois primeiros anos do Ginásio (LAVORENTE, 2010).
Segundo Lavorente (2010), a década de 50 foi caracterizada pelo estabelecimento de
programas mínimos regulamentados pela Portaria de 1951, sendo essa, a época em que foram
editados os livros didáticos da coleção “Matemática” de Osvaldo Sangiorgi, livros estes, que
ainda não contemplavam a Matemática Moderna, que apareceria na obra de Sangiorgi
somente em 1964 lançada sob o título de “Matemática Curso Moderno”, mas já
demonstravam algumas discordâncias com o regulamentado pela Portaria de 1951. É
interessante relatar que todos os livros didáticos de Osvaldo Sangiorgi foram editados pela
companhia Cia Editora Nacional, companhia esta, que foi registrada em 25 de setembro de
1925 por Octales Marcondes e José Bento Monteiro Lobato, tendo a exclusividade nas obras
de Sangiorgi, estabelecida em contrato.
Nesse período o Brasil se encontrava envolvido em campanhas em prol da aprovação da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e em defesa da escola pública. No que se
refere aos currículos da época, vigoravam aqueles aplicados no Colégio Pedro II.
Durante esse período, a Matemática foi colocada como uma disciplina fundamental na
formação do adolescente, como objetivo de cultura, instrumento de trabalho e fator de
aperfeiçoamento mental. Segundo Marques (2005 apud LAVORENTE, 2010), não foram
inseridos novos conteúdos, entretanto, ocorreram novas mudanças na estrutura curricular, por
exemplo, a primeira série do Ginásio abrangia aritmética e sistema legal de unidades; a
segunda série abrangia aritmética e álgebra; a terceira série além dessas, comportava a
geometria e a quarta série apresentava álgebra e geometria. Conforme o autor, a Portaria de
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1951 pareceu ser um consenso entre os professores, diferentemente das Reformas Campos e
Capanema, que geraram grandes discussões entorno do conteúdo.
Nos anos 60 o Brasil deixou de ser um país agrícola e recebeu o “status” de um país em
crescente industrialização. Foi nessa década, em 1961, que foi aprovada a LDB (Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional) que teve como uma de suas principais
características a descentralização que atribuiu a cada Estado a liberdade e incumbência de
cuidar de seu sistema educacional, havendo autonomia na elaboração dos currículos
(LAVORENTE, 2010).
Ghiraldelli Jr (1990 apud SOARES, 2010) afirma que por ficar 10 anos no Congresso, a
LDB entrou em vigor já ultrapassada, pois foi elaborada para um país pouco urbanizado e não
em ritmo crescente de industrialização como era o caso o que requeria novas necessidades
educacionais. Nos primeiros quatro anos da década de 60 foram criados, a partir da frustração
da LDB, alguns grupos que trabalharam em prol da educação e da cultura popular, da
alfabetização e da consciência da população para os problemas nacionais. Mesmo assim, em
1967, foi criado o MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização), este foi destinado à
alfabetização de jovens e adultos de 15 a 35 anos a partir das orientações dos acordos MEC-
USAID que colocaram a educação do país sob a supervisão americana. Nessa época
prevaleceu a idéia de unir a função da escola com as necessidades do mercado de trabalho,
sendo dado todo o apoio a profissionalização do ensino médio, cuja intenção era possibilitar
aos estudantes das classes inferiores o acesso antecipado ao mercado de trabalho
(LAVORENTE, 2010).
É neste contexto que o Movimento da Matemática Moderna aparece
significativamente no Brasil.
3.2 O MOVIMENTO DA MATEMÁTICA MODERNA NO BRASIL
De acordo com Valente (2009), no final dos anos 50 e início dos anos 60, houve um
verdadeiro bombardeio na cultura escolar sobre modernização o que contribui para a
divulgação e disseminação do ideário da Matemática Moderna. Antes de 1950, segundo
Fischer et al. (2009), o ensino de Matemática ocupava-se com os cálculos aritméticos, as
identidades trigonométricas, problemas de enunciados grandes e complicados, demonstrações
de teoremas de geometria e resolução de problemas sem utilidade prática. A Teoria dos
Conjuntos não figurava entre os tópicos do ensino secundário, apenas no ensino universitário.
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Segundo Soares (2010), no Brasil, na década de 50, já havia certa insatisfação com relação
ao ensino da Matemática escolar. Essa inquietação culminou na realização de cinco
Congressos Nacionais de Ensino da Matemática entre os anos de 1955 e 1966, nos quais
foram discutidas novas direções para o ensino da disciplina.
O 1º Congresso ocorreu em 1955 em Salvador, o 2º Congresso realizado na cidade de
Porto Alegre em 1957 e o 3º Congresso ocorrido no Rio de Janeiro em 1959, não ocasionaram
mudanças no ensino da Matemática no país, supostamente pelo descaso das autoridades e do
Ministro da Educação da época, que não levava em consideração os documentos a ele
apresentados ao final dos Congressos (LAVORENTE, 2010).
O 4º Congresso realizado em Belém em 1962 foi descrito por Soares (2010) como o
primeiro congresso significativo para o Movimento da Matemática Moderna no Brasil. Nesse
congresso foram realizadas aulas demonstrativas enfocando o tratamento moderno de certos
tópicos da Matemática na escola secundária, além de palestras relativas a introdução da
Matemática Moderna na escola secundária.
O 5° Congresso de Ensino da Matemática, realizado 1966 na cidade de São José dos
Campos/SP, foi um marco importante de disseminação, no Brasil, das idéias defendidas pelo
Movimento da Matemática Moderna. Por tratar-se de um evento significativo para a
comunidade de educadores matemáticos, configurou-se não apenas como um espaço de
encontro e atualização de 350 participantes, professores de Matemática, sobretudo, como
possibilidade de divulgação e discussão das idéias norteadoras do Movimento da Matemática
Moderna - MMM contando com a presença de convidados de diferentes países pertencentes a
entidades internacionais ligadas ao MMM: Marshall Stone- Universidade de Chicago
(U.S.A.); George Papy- Universidade de Bruxelas (Bélgica); Hector Merklen –
Universidade de Montevidéu (Uruguai); Helmuth Völker- Universidade de Buenos Aires na
Argentina (PINTO, 2009 a).
Ao fazer a abertura do Congresso, o coordenador do evento, professor Osvaldo Sangiorgi
argumentou a favor da reestruturação do ensino de Matemática frente às grandes e rápidas
transformações da ciência, destacando a “extraordinária evolução da técnica” como fator
impulsionador do progresso da civilização. Nesse sentido, conclamou os esforços dos
professores de Matemática para a elevação da educação científica da população escolarizada,
desafiando os educadores responsáveis pela formação da juventude “a se inteirarem dos novos
princípios que estruturam a ciência atual” (PINTO, 2009 a, p.2).
Trabalhos apresentados no referido Congresso revelaram que, em 1966, o movimento já
era assumido por escolas de diferentes estados brasileiros. São Paulo teve um papel
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importante na divulgação do movimento para outras regiões do Brasil. Com a criação, em
1961, do grupo de São Paulo - GEEM (Grupo de Estudos do Ensino de Matemática) - sob a
coordenação do professor Osvaldo Sangiorgi, acelerou-se a difusão do movimento, não
apenas no estado de São Paulo. Palestras de representantes estrangeiros realizadas em São
Paulo, a convite do coordenador do grupo, atraíram professores de Matemática de diferentes
regiões brasileiras (PINTO, 2009 a).
Segundo Fischer (et. al. 2009), a partir de 1964, com uma coleção de livros, já circulando
no país, o GEEM expandiu sua ação para outros estados, realizando palestras e ministrando
cursos de Matemática Moderna, iniciando suas atividades no curso primário e estabelecendo-
se, em 1970, como grupo líder do Movimento da Matemática Moderna no Brasil. O GEEM
atuou também na tradução, publicação e divulgação de livros relacionados ao Movimento da
Matemática Moderna. Alguns dos professores do Grupo foram autores de livros didáticos,
como é o caso de Osvaldo Sangiorgi que no período de 1954 a 2000 publicou nada menos que
84 livros, todos relacionados à Matemática. Entre estes livros, destaca-se: “Matemática para a
Primeira Série Ginasial”, que chegou a sua 89ª edição no ano de 1960 (LAVORENTE, 2010).
Por ser, Osvaldo Sangiorgi, peça fundamental na divulgação do Movimento da
Matemática Moderna fica aqui registrada uma imagem sua conforme a figura a seguir:
Figura 1 – Foto de Osvaldo Sangiorgi professor da ECA/USP, no dia 14 de dezembro de 2000, oportunidade em que recebeu o título de Professor Emérito pela Universidade de São Paulo. Fonte: www.eca.usp.br/njr/osv_sangiorgi.JPG
Ao que tudo indica a Matemática Moderna foi oficializada em alguns estados do Brasil
por intermédio de grupos de professores de Matemática que foram constituídos entre as
décadas de 1960 e 1980, como é o caso do GEEM em São Paulo (WIELEWSKI, 2009).
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Entre os grupos que se destacaram nessa época está o NEDEM (Núcleo de Difusão do
Ensino de Matemática), fundado em 1962 e coordenado pelo professor Osny Antonio Dacól,
coordenador do ensino e, posteriormente, diretor do maior colégio estadual do estado, o
Colégio Estadual do Paraná, sediado em Curitiba que em 1969 abrigava 4950 alunos e
contava com 450 professores. Com uma participação ativa em todo o estado, o grupo liderou a
propagação do movimento, preparando professores, elaborando nova proposta de ensino de
Matemática para o curso ginasial e, posteriormente, para o curso primário, publicando livros
didáticos que durante mais de uma década fundamentaram e orientaram o ensino de
Matemática, ministrado pelos professores paranaenses (PINTO, 2009 b).
Faz-se importante ressaltar que, segundo Wielewski (2009), o NEDEM se diferenciou do
GEEM porque não priorizava somente os conteúdos da Matemática Moderna, mas se
preocupava com a orientação didática para se trabalhar esses conteúdos, além do fato de
iniciar os trabalhos efetivos com a Matemática Moderna por meio de classes experimentais.
Outro grupo de grande importância para a divulgação do movimento foi o GEEMPA
(Grupo de Estudos sobre o Ensino de Matemática de Porto Alegre), localizado no estado do
Rio Grande do Sul. Foi fundado em 1970 tendo como presidente a professora Esther Grossi e
a maioria de seus membros eram professoras que lecionavam no ensino primário. Segundo
Fischer et al. (2009), esse grupo foi constituído por profissionais decididos a investir em
pesquisas e ações voltadas para a melhoria do ensino de Matemática.
O GEEMPA teve a colaboração de personalidades internacionais ligadas ao Movimento
da Matemática Moderna que orientaram a oficialização do movimento em Porto Alegre, seja
por contatos diretos ou por meio de publicações, dentre elas citamos Lucienne Felix, George
Pappy e Zoltan Dienes. Wielewsky (2009) refere que ao que tudo indica Sangiorgi não
influenciou diretamente o GEEMPA, provavelmente porque nessa década a Matemática
Moderna já estava começando a perder forças. Mas influenciou indiretamente, na medida em
que o GEEMPA aproveitou a experiência do GEEM (que priorizou o conteúdo em detrimento
da metodologia) para, desde a sua fundação, se preocupar com o ensino e com a
aprendizagem dos alunos, e assim, nos cursos de formação de professores priorizaram os
aspectos metodológicos da renovação do ensino de Matemática. A implantação da
Matemática Moderna no Rio Grande do Sul por intermédio do GEEMPA se deu por meio da
formação de professores viabilizada por cursos, encontros, seminários, palestras, reuniões de
estudo e experiências com a Matemática Moderna em classes-piloto na cidade de Porto
Alegre (WIELEWSKI, 2009).
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Com grande relevância no tocante a Matemática Moderna é possível citar também o
GEPEMAT (Grupo de Ensino e Pesquisa em Educação Matemática). Criado em 1985, foi
composto por professores do Departamento de Matemática da Universidade Federal de Mato
Grosso (UFMT) que estavam preocupados com o ensino de Matemática em Cuiabá e em
Mato Grosso. A primeira coordenadora foi Olga Sartori Farinelli. As pesquisas feitas até o
momento indicam que em Cuiabá a primeira experiência com a Matemática Moderna foi
realizada a partir de 1973, por uma equipe de cinco professores de Matemática do Ginásio
Polivalente, envolvendo as quatro últimas séries do 1º grau. Em meados de 1980 alguns
tópicos da Matemática Moderna foram divulgados para um número maior de professores,
porém, direcionados para as quatro primeiras séries do 1º grau. No período de 1986 a 1989 o
GEPEMAT atuou em cursos de treinamento de professores do Magistério de algumas escolas
de Cuiabá e de Várzea Grande, viabilizados por projetos financiados por órgãos
governamentais educacionais. Nesses cursos eram utilizadas apostilas de Matemática para as
quatro primeiras séries do 1º grau que foram elaboradas por dois professores da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG). Nessas apostilas encontra-se alguns tópicos característicos
da Matemática Moderna, tais como: topologia, conjuntos, relações e estudo de diferentes
bases de numeração, inseridos desde os primeiros anos de escolaridade (WIELEWSKI, 2009).
Wielewski (2009) refere que pode-se perceber, através das apostilas, que havia uma
preocupação por parte do grupo GEPEMAT, com a forma de se trabalhar esses tópicos: as
atividades vão gradativamente sendo mais elaboradas, ou seja, começam com atividades
corporais, depois de manipulação simples, de manipulação com registro, até atingir o
momento de registro sem recorrer mais à manipulação de objetos, o que exige certa abstração.
Os professores do Magistério faziam esses cursos, depois trabalhavam com seus alunos que
cursavam o Magistério, e estes por sua vez trabalhavam essas apostilas nos estágios (prática
de ensino) realizados com alunos das quatro primeiras séries do 1º grau.
Na Bahia, de acordo com Wielewski (2009), o Movimento da Matemática Moderna foi
divulgado por uma equipe de professores do CECIBA (Centro de Estudos de Ciências da
Bahia) sendo coordenado por Omar Catunda, que também foi Diretor do Instituto de
Matemática e Física da Universidade Federal da Bahia (IMFUFBa). Catunda tomou
conhecimento desse movimento por meio da participação em congressos nacionais e
internacionais que foram realizados no período entre 1961 e 1966, o auge da discussão da
Matemática Moderna. Na época, Catunda estava muito preocupado com o ensino secundário
na Bahia, por isso procurou participar de eventos que discutiam o ensino de Matemática.
19
Catunda e Martha Dantas, ambos da Universidade Federal da Bahia (UFBa) elaboraram o
projeto “Desenvolvimento de um currículo para o ensino atualizado da matemática” com o
objetivo de introduzir a Matemática Moderna no ensino secundário da Bahia via CECIBA.
Nesse projeto, Catunda e Dantas procuraram “casar conteúdo e método”, revelando um
interesse não somente nos conteúdos matemáticos, mas valorizando também a forma de se
trabalhar com eles. A equipe do CECIBA se dedicou à preparação e execução de cursos de
aperfeiçoamento e de estágios para professores do ensino secundário (WIELEWSKI, 2009).
Wielewski (2009), afirma que a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
(SUDENE) também contribuiu para a difusão da Matemática Moderna na Bahia, pois
patrocinou cursos de Matemática Moderna para professores do ensino secundário que foram
ministrados por Dantas. Além desses cursos, a equipe do CECIBA elaborou livros didáticos
com conteúdos da Matemática Moderna, publicados por meio de um projeto que contou com
recurso financeiro do governo.
Em Natal, a Matemática Moderna foi oficializada com a criação do Instituto de
Matemática do Rio Grande do Norte (IMURN) em 1966. No seu projeto de criação constam
os objetivos pretendidos, dentre eles destacam-se o aperfeiçoamento do pessoal docente, no
setor de matemática, por meio de cursos de Análise Matemática e de Álgebra e também
elaborar e ministrar o Curso de Iniciação à Matemática (CIM), destinado a prováveis futuros
universitários, egressos do então ciclo ginasial, o que indica a inserção da Matemática
Moderna no currículo da Universidade (WIELEWSKI, 2009).
Conforme Wielewski (2009), os objetivos do Instituto (IMURN) foram efetivados pelo
Convênio de Ensino Técnico de Curso Superior, firmado no início de 1966 entre a UFRN e a
Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE). Esse convênio previa o
pagamento de dois professores visitantes para realizar o aperfeiçoamento do pessoal docente
da UFRN, bem como o pagamento de alunos bolsistas, que, após freqüentar os cursos,
deveriam ministrar o Curso de Iniciação à Matemática (CIM), que iniciou em agosto de 1966.
Este curso era direcionado para alunos do 2º ciclo secundário e tinha como objetivo dar uma
preparação básica em Matemática Moderna, o que foi considerado, na época, indispensável
aos jovens que pretendessem ingressar com êxito em um curso de nível universitário.
O livro didático foi um dos veículos importantes no processo de introdução da
Matemática Moderna, conforme podemos observar a seguir.
20
3.2.1 O Livro Didático na Matemática Moderna
Ainda um tanto nebulosa, no Brasil, a Matemática Moderna ancora primeiramente nos
grandes centros do país e começa, nos anos 60, a ser lentamente difundida nas escolas mais
longínquas, a maioria delas recebendo-a de sobressalto, via livro didático. Carregada de
simbolismos e enfatizando a precisão de uma nova linguagem, professores e alunos passam a
conviver com a teoria dos conjuntos, com as noções de estrutura e de grupo.
Embora trazendo promessas de um ensino mais atraente e descomplicado em superação à
rigorosa matemática tradicional, a Matemática Moderna chega ao Brasil repleta de
formalismos e excessiva preocupação com a linguagem matemática e com a simbologia da
teoria dos Conjuntos (SOARES, 2010).
Ao inaugurar uma nova estrutura de apresentação, a maioria dos livros didáticos de
Matemática organizava separadamente o livro do aluno e o livro do professor, tornando-os
descartáveis. Ao limitar o uso a um único aluno, implicava numa inflação de gastos para as
famílias que mantinham vários filhos na escola. Se por um lado essa medida garantia maior
lucro aos editores, do ponto de vista pedagógico, intervinha de forma negativa, no
desenvolvimento das habilidades básicas de leitura e escrita. Nos manuais didáticos
destinados aos alunos as questões, anteriormente colocadas em forma de perguntas ou
problemas, agora aparecem em formas de sentenças para completar, diagramas para relacionar
elementos, distinguir verdadeiro e falso, exigindo pouco raciocínio, mas muito domínio da
nova simbologia, garantia da rigorosa e moderna linguagem matemática (PINTO, 2010).
Os exercícios para completar, propostos no manual do aluno, foram, aos poucos, alterando
as formas de uso dos cadernos e a principal conseqüência foi empobrecer a prática da escrita e
da leitura dos alunos, especialmente, nas aulas de Matemática.
Algumas provas analisadas aparecem como “testemunhos” dessas mudanças incorporadas
pela escola, especialmente, em suas práticas avaliativas, cujas marcas são percebidas nas
formas de apresentação das questões: testes objetivos, de leitura rápida, com domínio de uma
simbologia apropriada para facilitar a apreensão dos conceitos matemáticos (PINTO, 2010).
De acordo com Lavorente (2010), no que se refere a Matemática Moderna, não existiu
nenhuma lei que obrigasse uma reformulação nos livros de matemática. No entanto essa
reformulação foi feita por muitos autores, como por exemplo, o professor Osvaldo Sangiorgi e
estas foram vistas a priori, com bons olhos pelas autoridades e pela população. Sob esse olhar
a Matemática Moderna foi beneficiada pelo governo militar, uma vez que a principio não
houve grandes questionamentos por parte da população, que vivia em época de repressão.
21
A Matemática Moderna foi então adotada por diversos autores em seus compêndios sem
que saísse qualquer lei ou aprovação da Matemática Moderna nos currículos de Matemática.
Apesar disso, essa aprovação se deu de forma implícita já que os compêndios não foram
impedidos de adentrar o mercado consumidor (LAVORENTE, 2010). Para o autor não uma
lei, mas a imprensa foi um dos ingredientes que pressionou a cultura escolar, divulgando a
idéia de que a Matemática Moderna era o que havia de melhor.
Como vimos, com grande divulgação e forte aceitação a Matemática Moderna veio para o
Brasil como uma alternativa ao ensino tradicional que, apesar de demonstrar certa estabilidade
de conteúdo e metodologia em livros e programas de ensino, recebia críticas por adestrar os
alunos em fórmulas e cálculos sem aplicações e por apresentar a Matemática em ramos
estanques e isolados, entre outras. (SOARES, 2010). No entanto, também passa a sofrer
críticas pelo excessivo simbolismo e rigor na linguagem matemática e pelo seu caráter
dedutivo, chegando até, a ser considerada como uma nova abordagem da matemática
tradicional. O enfraquecimento deste movimento no Brasil é o tema da próxima seção do
trabalho.
22
4 O ENFRAQUECIMENTO DO MOVIMENTO DA MATEMÁTICA MODE RNA
Dentre as reformas do ensino de Matemática no Brasil, desde a década de 30, pode-se
dizer que o Movimento da Matemática Moderna foi a que se tornou mais conhecida. Ao
contrário das Reformas Campos e Capanema, da Portaria de 1951 ou da LDB, a Matemática
Moderna não foi implantada por nenhum decreto, o que não impediu que ela fosse
amplamente divulgada e adotada em todo o território nacional, como vimos anteriormente
(LAVORENTE, 2010).
A Matemática Moderna, como as demais reformas do ensino, não ficou isenta à críticas,
dentre elas as proferidas no livro do matemático americano Morris Kline originalmente
intitulado Why Johnny Can’t Add: The Failure of the New Math, publicado em 1973 nos
Estados Unidos, traduzido para o português sob o título O Fracasso da Matemática Moderna e
publicado no Brasil em 1976, que teve grande influência para o enfraquecimento do
Movimento da Matemática Moderna no exterior e também no Brasil (PINTO, 2010).
Por ter seu livro considerado um dos principais pivôs do esgotamento do Movimento da
Matemática Moderna, sua imagem fica registrada neste trabalho com a figura seguinte:
Figura 2 – Foto do professor norte-americano Morris Kline aos 84 anos de idade Fonte: www.marco-learningsystems.com/.../obituary.gif
Segundo Pinto (2010), nessa obra, que eventualmente é considerada por pesquisadores em
Educação Matemática, como um dos motivos do enfraquecimento do Movimento da
Matemática Moderna no Brasil, Kline tece vigorosa crítica ao movimento centrando seus
argumentos, principalmente, na abordagem dedutiva da Matemática, nos exageros do rigor da
23
linguagem e simbolismo, na ênfase pelo que ela representa enquanto ciência e o conteúdo da
nova Matemática, além de considerar errônea a utilização do termo “Moderna” para se referir
à Matemática proposta na época, o que é possível perceber nas palavras do autor:
[...] a maior parte do material no currículo da matemática moderna é material tradicional. A velha aritmética, álgebra, geometria, trigonometria, geometria analítica e cálculo estão todos nela e são, de fato, a parte central do novo currículo. Por conseguinte o vocábulo moderno é inapropriado. (KLINE, 1976, p. 115-116).
Para Kline (1976), a Matemática, então apresentada como moderna, não passava de uma
nova abordagem da antiga Matemática, e afirma em seu livro que:
A própria adoção da expressão Matemática Moderna é pura propaganda. ‘Tradicional’ indica antiguidade, inadequação, esterilidade, e é uma expressão de censura. ‘Moderno’ indica o que é atualizado, relevante e vital. Os termos moderno e novo foram usados por tudo que valiam. Oradores apoiaram-se no fato de que o currículo tradicional pouco oferecia que já não fosse conhecido antes de 1700. Naturalmente, conforme vimos, os termos moderno e novo dificilmente se justificavam uma vez que, em geral, os novos currículos oferecem uma nova abordagem da matemática tradicional (KLINE, 1976, p. 168).
Através das afirmações, acima citadas, feitas por Kline, é possível perceber o tamanho da
sua indignação com uso inadequado do termo “moderno”, já que para ele, a Matemática
Moderna nada mais era do que um modo diferente, e até mesmo mais complicado de se
ensinar a Matemática conhecida até então. Refere sua insatisfação para com alguns autores de
livros didáticos de Matemática da época:
Capítulos sobre tópicos de matemática moderna são entremeados de capítulos sobre matemática tradicional sem nenhuma integração das duas abordagens. Incidentalmente muitos destes textos híbridos (poder-se-ia empregar uma palavra mais justa para descrever a progênie desse casamento ímpio de matemática tradicional e moderna) resultam de autores hipócritas que evidentemente desejam capitalizar ambos os mercados: o moderno e o tradicional. (KLINE, 1976, p. 135).
Como se percebe nesta citação, Kline (1976) relata que muitos dos livros, ditos, de
Matemática Moderna, editados na época áurea do Movimento da Matemática Moderna, não
abordavam exclusivamente os conteúdos propostos pelos idealizadores da Matemática
Moderna, consistiam apenas, na mesclagem de conteúdos tradicionais e conteúdos que
naquela época passaram a ser vistos como “modernos”. Para Kline, os autores desses livros
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não tinham preocupação com o ensino da Matemática, mas sim, preocupavam-se com o
mercado do livro didático.
Em se tratando dos conteúdos da Matemática Moderna, Kline (1976), refere que os
tópicos adiantados, teoria dos conjuntos, matrizes e álgebra abstrata parece terem sido
deliberadamente escolhidos para mostrar que o currículo alcançou o progresso na matemática.
O autor ainda afirma que, “é quase certo que a teoria de conjuntos foi introduzida para dar à
nova matemática mais o ar de ser sofisticada e adiantada do que por ser útil” (KLINE, 1976,
p. 117).
Para Kline (1976), a dificuldade em lembrar os significados das expressões simbólicas,
afugentam e perturbam os estudantes. Quase sempre parece dar-se a impressão de que os
textos de matemática moderna empregam o simbolismo para ocultar a pobreza de idéias.
Alternativamente, o propósito de seu simbolismo parece ser o de tornar inescrutável o que é
óbvio e afugentar, portanto, a compreensão.
Kline (1976) exemplifica várias situações matemáticas em que a simbologia, dificulta a
resolução dos cálculos. Em um desses exemplos ele ilustra uma situação em que um pai
pergunta para seu filho de oito anos quanto era 5+3, o menino, confuso com a utilização das
propriedades da soma que aprendeu na escola, responde ao pai que 5+3 é igual a 3+5,
utilizando a propriedade comutativa da soma, mas não sabendo somar propriamente dito.
Pinto (2009 b) refere que apesar de endereçar suas críticas ao ensino americano, por tratar-
se de um movimento internacional, elas também adquiriam sentido no contexto educacional
brasileiro, no momento em que a abordagem tecnicista dominava as práticas escolares.
Outro aspecto criticado por Kline (1976) foi a ênfase que o novo programa dava à Teoria
dos Conjuntos, especialmente na Matemática elementar. Para Kline (1976), conceitos
abstratos não deveriam ser explorados no nível elementar, pois além de confundir a cabeça
dos alunos estimulavam sua aversão pela matemática. É o que podemos perceber com suas
próprias palavras:
[...] estudantes aos quais se ensinam abstrações antes de eles terem adquirido a rica experiência que, de fato, conduzem a essas abstrações, poderão obter um conhecimento superficial e expressar em palavras. Mas não se pode dizer que realmente compreenderam essas abstrações (KLINE, 1976, p. 126).
Segundo Pinto (2009 a), as críticas de Kline parecem incidir muito mais na abordagem
metodológica utilizada para a renovação da matemática do que propriamente na proposta dos
conteúdos a serem trabalhados. Ao sugerir estratégias para motivar o aluno a gostar da
25
matemática, ressalta a importância da seleção de problemas significativos para o estudante,
em dar um sentido real aos problemas matemáticos. Para ele, era preciso que os alunos
soubessem que as aplicações da matemática eram tanto parte do conhecimento dessa ciência,
quanto meios para que estes apreciassem seu valor instrumental.
No Brasil, as críticas também apontavam como negativos tais aspectos. O livro de Kline,
apesar de publicado no Brasil três anos após sua divulgação nos Estados Unidos, foi um
marco decisivo para o esgotamento do movimento em nosso país. As críticas não vinham
apenas dos meios acadêmicos; pais de alunos e também a imprensa denunciavam as
superficialidades da simbologia da matemática moderna e o tempo “perdido” com o ensino da
teoria dos conjuntos. Admitindo a confusão que a linguagem dos conjuntos provocava nos
alunos e o baixo rendimento por eles demonstrado, os professores mostravam sua insatisfação
com a proposta (PINTO, 2009 b).
Deste modo, o Movimento da Matemática Moderna foi perdendo defensores e,
consequentemente, perdeu forças, até o seu desaparecimento. Não há, entretanto, como
afirmar quais foram as suas conseqüências para a Educação Matemática, porém há que se
garantir que este teve grande importância para a educação, pois durante seu auge, fez com que
a comunidade acadêmica se preocupasse de fato com o ensino desta importante disciplina que
é a Matemática.
26
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Carvalho 1988 apud Pinto (2010) expressa muito bem a importância da compreensão do
Movimento da Matemática Moderna para licenciandos em matemática, futuros professores. O
entendimento deste movimento é essencial para a compreensão do porque se ensina
matemática do modo como se ensina atualmente, uma vez que foi um dos experimentos mais
significativos já feitos em Educação Matemática.
Como futuro professor, aprofundar conhecimentos sobre este assunto trouxe a
compreensão do papel que a Matemática representava para a sociedade nas primeiras décadas
do século XX, bem como a importância que se dava ao ensino dessa disciplina em todos os
níveis escolares na época. Trouxe ainda a compreensão do processo de ensino-aprendizagem
praticado durante o período do Movimento da Matemática Moderna e suas implicações para o
ensino de matemática nos dias atuais.
O Movimento da Matemática Moderna, originado na Europa e nos Estados Unidos, como
consequência de muitas discussões, questionamentos e críticas à Matemática Tradicional que
era acusada de não ser suficiente frente às evoluções tecnológicas e científicas que vinham
ocorrendo no início do século XX, chegou ao Brasil nos anos 60 e foi apropriado pela
comunidade escolar, primeiramente, pelos grandes centros do país, sendo posteriormente
lentamente difundido nas escolas mais longínquas, a maioria delas recebendo-o de
sobressalto, via livro didático.
A Matemática Moderna, carregada de simbolismos e enfatizando a precisão de uma nova
linguagem, fez com que professores e alunos passassem a conviver com a teoria dos
conjuntos, com as noções de estrutura e de grupo, embora trazendo promessas de um ensino
mais atraente e descomplicado em relação à rigorosa matemática tradicional.
O mais relevante desse período talvez consista no fato de ter sido um movimento que
motivou os professores de Matemática a prosseguir seus estudos e organizarem-se em grupos,
num momento da história do país em que as políticas eram contrárias a qualquer mudança que
não estivesse de acordo com as idéias dos dirigentes políticos.
Assim como os educadores, também se envolveram pais, lideranças políticas e intelectuais
importantes da época. Foi um momento em que todas as mídias abriram espaços para a
divulgação e discussão sobre o tema. Isto é importantíssimo, pois além de contrariar toda a
27
história dos movimentos e reformas educacionais ocorridas antes e depois deste período no
Brasil, provocou nas pessoas a necessidade de que se tivessem uma opinião sobre o assunto.
Mexeu com toda a sociedade da época, fazendo com que todos de alguma forma tivessem um
conceito sobre a Matemática Moderna.
O esgotamento do Movimento da Matemática Moderna deu-se por volta do final dos anos
70 e início dos anos 80. Relatos de vários autores citam como ponto culminante para esse
enfraquecimento, as fortes críticas lançadas no livro “O Fracasso da Matemática Moderna” de
autoria do professor americano Morris Kline em 1976. Nesse período também, já era possível
perceber tanto por professores como por pais de alunos e pela imprensa também, aspectos
negativos e o efeito duvidoso do ensino da Matemática Moderna.
É razoável afirmar que o Movimento da Matemática Moderna, com suas particularidades,
está entre os momentos mais importantes da história da educação. Mesmo não havendo ainda
um montante expressivo de pesquisas sobre o tema, as que estão disponíveis evidenciam a
contribuição do movimento para o desenvolvimento e estruturação da Educação Matemática,
ratificando a dimensão das reflexões e influências que este momento provocou e ainda
provoca nas discussões relativas à matemática escolar.
É possível dizer que com o fracasso do Movimento da Matemática Moderna, nasceu em
nosso país uma nova tendência que é a Educação Matemática, tão forte e tão importante para
o ensino da Matemática nos dias atuais.
Ao concluir este trabalho é grande a satisfação pelos objetivos alcançados e pela certeza
de que a Matemática é uma ciência viva que é indispensável para o desenvolvimento da
sociedade.
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REFERÊNCIAS FISCHER, Maria C. B.; SILVA, Maria C. L.; OLIVEIRA, Maria C. A.; PINTO, Neuza B.; WALENTE, Wagner R. Práticas de Hoje e de Ontem: Herança do Movimento da Matemática Moderna na Sala de Aula do Professor de Matemática. Disponível em: <http://www.sbem.com.br/files/ix_enem/Minicurso/Trabalhos/MC26580527072T.doc>. Acesso em: 18 nov. 2009. Foto de Osvaldo Sangiorgi professor da ECA/USP, no dia 14 de dezembro de 2000, oportunidade em que recebeu o título de Professor Emérito pela Universidade de São Paulo. Disponível em: <http://www.eca.usp.br/njr/osv_sangiorgi.JPG>. Acesso em: 27 fev. 2010. Foto do professor norte-americano Morris Kline aos 84 anos de idade. Disponível em: <http://www.marco-learningsystems.com/.../obituary.gif>. Acesso em: 27 fev. 2010. KLINE, Morris. O Fracasso da Matemática Moderna. São Paulo: IBRASA, 1976. LAVORENTE, Carolina Riego. A Matemática Moderna nos livros de Osvaldo Sangiorgi. Disponível em: <http://www.pucsp.br/pos/edmat/ma/dissertacao/carolina_riego.pdf >. Acesso em: 19 jan. 2010. NETO, Pedro M. C. O Movimento da Matemática Moderna e as Escolas Técnicas de São Paulo 1960-1980. Disponível em: <http://www2.rc.unesp.br/eventos/matematica/ebrapem2008/upload/181-1-A-t5_correa_ta.pdf>. Acesso em: 18 nov. 2009. PINTO, Neuza Bertoni. Práticas Escolares da Matemática Moderna. Disponível em: http://www.ime.usp.br/~sphem/documentos/sphem-tematicos-5.pdf. Acesso em: 18 jan. 2010. PINTO, Neuza B. Práticas Escolares do Movimento da Matemática Moderna. Disponível em: <http://www.faced.ufu.br/colubhe06/anais/arquivos/364NeuzaPinto.pdf>. Acesso em: 18 nov. 2009 a.
29
PINTO, Neuza B. Marcas e Implicações da Matemática Moderna nas Práticas Escolares. Disponível em: <http://www.ice.edu.br/TNX/storage/webdisco/2008/12/19/outros/1728dae5ceada32dc7a2ff82f7ade1f1.pdf>. Acesso em: 18 nov. 2009 b. SOARES, Flávia dos Santos. Os Congressos de Ensino da Matemática no Brasil nas décadas de 1950 e 1960 e as discussões sobre a Matemática Moderna. Disponível em: http://www.ime.usp.br/~sphem/documentos/sphem-tematicos-5.pdf. Acesso em : 18 jan. 2010. VALENTE, W. R. Osvaldo Sangiorgi: um best-seller para o ginásio, um fracasso editorial no colégio. Disponível em: http://www.smmmfloripa.ufsc.br/WagnerValente_art.pdf. Acesso em: 11 nov. 2009. WIELEWSKI, Gladys Denise. O Movimento da Matemática Moderna e a formação de grupos de professores de Matemática no Brasil. Disponível em: <http://www.apm.pt/files/_Co_Wielewski_4867d3f1d955d.pdf>. Acesso em: 18 nov. 2009.