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O PRECONCEITO E A LÍNGUA
Uma educação linguística voltada para a inclusão social
PARANAGUÁ
2011
Márcia Cristinne Gomes Tavares
O PRECONCEITO E A LÍNGUA
Uma educação linguística voltada para a inclusão social
Material didático apresentado ao
Programa de Desenvolvimento
Educacional, na área de Língua
Portuguesa, sob a orientação da
Professora Jacqueline Costa Sanches
Vignoli, da Faculdade Estadual de
Filosofia Ciências e Letras de Paranaguá
– FAFIPAR, a ser desenvolvido no
Instituto Estadual de Educação
“Dr.Caetano Munhoz da Rocha” –
Paranaguá, PR.
PARANAGUÁ
2011
“Deus é, sobretudo, um artista. Ele
inventou a girafa, o elefante, a formiga.
Na verdade, Ele nunca procurou seguir
um estilo – simplesmente foi fazendo
tudo aquilo que tinha vontade de
fazer”.
Pablo Picasso
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Ah, esta diferença faz toda a
diferença...
Você já tinha visto antes alguma das pinturas retratadas a seguir?
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O que mais chamou sua atenção nessas telas?
O que deve ter servido como inspiração para a pintora retratá-las?
Quais as semelhanças e diferenças que podem ser encontradas nas
três obras observadas?
Agora compare a tela abaixo com as anteriores:
De qual delas você mais gostou? Por quê?
Qual delas é mais agradável de se observar? Comente:
Por que há pessoas que não se agradam, muitas vezes, daquilo que é
diferente?
O que é pior: não se agradar do que é diferente ou de quem é diferente?
Justifique:
Você já viu alguma outra obra de Tarsila do Amaral? Ou conhece um pouco
sobre a sua vida?
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Saiba quem foi Tarsila do Amaral e entenda quais os motivos que a fizeram
retratar as obras vistas anteriormente.
TARSILA DO AMARAL
Tarsila do Amaral nasceu em 1o de setembro de 1886, no Município de
Capivari, interior do Estado de São Paulo. Filha do fazendeiro José Estanislau do
Amaral e de Lydia Dias de Aguiar do Amaral, passou a infância nas fazendas de
seu pai. Estudou no Colégio Sion, em São Paulo, e depois em Barcelona, na
Espanha, onde fez seu primeiro quadro - 'Sagrado Coração de Jesus', 1904.
Quando voltou para o Brasil, casou-se com André Teixeira Pinto, com quem teve
sua filha, Dulce.
Alguns anos depois, eles se separaram e ela iniciou seus estudos em arte.
Começou com escultura, depois com desenho e, finalmente, pintura no ateliê de
Pedro Alexandrino, em 1918, onde conheceu Anita Malfatti. Em 1920, foi estudar
em Paris, na Académie Julien e com Émile Renard. Ficou lá até junho de 1922.
Quando voltou ao Brasil, Anita a introduziu no grupo modernista e Tarsila começou
a namorar o escritor Oswald de Andrade. Formaram o grupo dos „cinco‟: Tarsila,
Anita, Oswald, Mário de Andrade e Menotti Del Picchia.
Em 1923, Tarsila estava em Paris, acompanhada do namorado Oswald,
quando foi apresentada, pelo poeta franco suíço Blaise Cendrars, a toda a
intelectualidade parisiense. Foi a partir daí que ela começou a estudar com o mestre
cubista Fernand Léger e pintou a tela „A Negra‟. O entusiasmo de Léger, ao ver a
obra pronta, foi tamanho a ponto de fazê-lo chamar os demais para ver o quadro. „A
Negra‟ tinha uma relação direta com sua infância, pois eram essas negras, filhas de
escravos, que tomavam conta das crianças e, algumas vezes, serviam até de amas
de leite. Com essa tela, Tarsila entrou para a história da arte moderna brasileira.
Ainda em Paris, em uma homenagem a Santos Dumont, usou uma capa
vermelha que foi eternizada, por ela, no autorretrato 'Manteau Rouge', de 1923.
Já casada com Oswald de Andrade, em janeiro de 1928, Tarsila queria dar
um presente de aniversário especial ao marido. Foi aí que pintou o 'Abaporu'.
Quando Oswald recebeu o presente, ficou tão impressionado com a obra que
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afirmou que aquele era o melhor quadro que Tarsila já havia feito. Ele, então,
chamou o amigo e escritor Raul Bopp, e discutindo sobre a obra, chegaram à
conclusão de que ela parecia uma figura indígena, antropófaga. Procurando no
dicionário Tupi Guarani de seu pai, Tarsila batizou-a de „Abaporu‟, que significa
homem que come carne humana, o antropófago. Animado, Oswald escreveu o
Manifesto Antropófago e foi aí que surgiu o Movimento Antropofágico. A artista
contou que o „Abaporu‟ era uma imagem guardada, em seu subconsciente, que
envolvia monstros que comiam gente e que habitavam as histórias que as negras
contavam para ela em sua infância. A figura do „Abaporu‟ simbolizou o movimento
que queria engolir a cultura europeia, que era a cultura vigente na época, e
transformá-la em algo bem brasileiro.
„Antropofagia‟ (1929) também pertence a essa fase antropofágica – uma fase
marcada por bichos e paisagens imaginárias, além das cores fortes. Nesta tela,
temos a junção de „A Negra‟ com „Abaporu‟ – esse invertido em relação ao quadro
original. Trata-se de uma das telas mais significativas da pintora.
Tarsila faleceu em janeiro de 1973.
Adaptado de http://www.tarsiladoamaral.com.br/
Tarsila, além de ser uma mulher simples que adorava animais, chegando a
ter, em sua infância, quarenta gatos na fazenda do seu pai, era, ao mesmo tempo,
uma mulher forte que suportou, com coragem, a morte prematura da única neta e,
anos mais tarde, da única filha.
Para saber mais sobre a vida e as obras de Tarsila do Amaral, é só pesquisar
no site oficial da pintora - http://www.tarsiladoamaral.com.br/
O Catálogo Raisonné, patrocinado pela Petrobrás, catalogou as 2132 obras
da pintora. O livro foi lançado em 2008 e seu conteúdo está à disposição no site –
www.base7.com.br/tarsila .
No entanto, ela não foi a única a retratar o negro, o branco, o índio, o
amarelo, o moreno, o vendedor de frutas, o pescador e os operários. Há muitos
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outros pintores que também retrataram outros marginalizados e até fizeram de sua
obra uma resposta à marginalização vivida.
Atividade
Além do espanhol Pablo Picasso e do holandês Vincent Van Gogh, converse
com o seu professor de Artes e faça uma pesquisa sobre a vida de outros pintores
e/ou escultores que retrataram a „diferença‟ e os „marginalizados‟ em suas obras:
Ao fazer a pesquisa, gostaríamos que você conhecesse o trabalho de Emir
Roth, parnanguara, falecido aos 48 anos e que teve a cidade de Paranaguá (PR)
como a grande inspiração para seus trabalhos que já foram expostos, e fazem parte
de coleções particulares, no Japão, Estados Unidos, Dinamarca, Hungria, Portugal,
Argentina, Canadá e Itália. A fim de conhecer um pouco a vida e a obra de Emir,
assista ao vídeo http://www.youtube.com/watch?v=V-6ixMJnhEg .
Também sugerimos a obra de Raul Cruz, um curitibano, falecido aos 36 anos
e que além de pintor, foi cenógrafo, figurinista e um dos fundadores da U.A.I.C.
(União dos Artistas Independentes Contemporâneos) em 1984, grupo que unia
artes plásticas, dança contemporânea, fotografia e teatro. Vale a pena pesquisar no
site http://www.gilsoncamargo.com.br/blog/?p=534 .
As diferenças existentes nas telas observadas podem causar indiferença,
tristeza, alegria ou quaisquer outros sentimentos, uma vez que, por sermos únicos,
temos reações variadas frente a situações adversas. Assim é a vida.
Ninguém é igual a ninguém.
E mesmo assim, percebemos que a diferença existente entre as pessoas, às
vezes, incomoda. E, o pior, acaba gerando algum tipo de preconceito.
Normalmente, esse preconceito é causado pela ignorância, isto é, o não
conhecimento do outro que é diferente. E, infelizmente, esse preconceito pode levar
à discriminação, à marginalização e à violência.
Para pensar
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Desde a pré-história, há indícios de que os primeiros homens buscavam viver
em grupos; fato esse, também observado nos animais.
Embora tenha sido comprovada a eficácia de se viver grupalmente, na
civilização moderna, o que podemos perceber é a dificuldade decorrente da
convivência.
No entanto, há pessoas que preferem viver a sua independência ao invés de
se adaptar às exigências básicas, estabelecidas pela sociedade, tendo em vista o
bom relacionamento.
Somos pessoas únicas em todo o nosso ser. Somos seres altamente capazes
de fazer com que a nossa racionalidade se sobreponha aos nossos instintos
naturais. Trazemos, em nossa bagagem, particularidades únicas na maneira de ser,
viver, ver o mundo, de enfrentar as adversidades e também de assimilar os
acontecimentos ocorridos durante nossa caminhada.
Entretanto, precisamos estar cientes de que, ao nos propormos conviver com
outras pessoas, seja onde for, no trabalho, na escola ou na comunidade da qual
fazemos parte, fazemos isso por nossa própria ação. E, para que essa convivência
seja sadia, precisamos aprender a respeitar os princípios praticados nos grupos
sociais, almejando alcançar a harmonia do relacionamento, de modo a se atingir um
objetivo comum.
Quando esse preceito é rompido, todos perdem, uma vez que o respeito e a
tolerância dão lugar à segregação e ao preconceito. E esses, por sua vez,
manifestam-se, geralmente na forma de uma atitude discriminatória, baseada nos
conhecimentos surgidos em determinado momento, como se revelassem verdades
sobre pessoas ou lugares determinados.
Segundo o dicionário online Michaelis, preconceito é:
1 Conceito ou opinião formados antes de ter os conhecimentos adequados. 2
Opinião ou sentimento desfavorável, concebido antecipadamente ou independente
de experiência ou razão. 3 Superstição que obriga a certos atos ou impede que eles
se pratiquem. 4 Sociol Atitude emocionalmente condicionada, baseada em crença,
opinião ou generalização, determinando simpatia ou antipatia para com indivíduos
ou grupos. P. de classe: atitudes discriminatórias incondicionadas contra pessoas
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de outra classe social. P. racial: manifestação hostil ou desprezo contra indivíduos
ou povos de outras raças. P. religioso: intolerância manifesta contra indivíduos ou
grupos que seguem outras religiões.
Vejamos, a seguir, alguns tipos de preconceito existentes:
- Preconceito racial: Ocorre quando existe
a convicção de que alguns indivíduos e sua
relação entre características físicas
hereditárias, e determinados traços de
caráter e inteligência ou manifestações
culturais, são superiores a outros.
- Preconceito contra a mulher :
Ocorre todas as vezes quando os
homens menosprezam a mulher,
mantendo a crença na inferioridade
feminina.
- Preconceito social: Ocorre quando
julgamos a pessoa por suas atitudes e logo
enfatizamos que a mesma só teve a atitude
por ser de certa classe social.
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Atividades
1) Converse com o seu professor de Sociologia e/ou História e discuta os
preconceitos existentes na atualidade e quais as consequências por eles impostas.
Faça suas anotações e, em sala de aula, discuta com seus colegas as implicações
relacionadas aos preconceitos selecionados:
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2) Leia abaixo um trecho da música „Ser diferente‟ (composição de Diego Fernandes
e Guilherme de Sá), interpretada pelo grupo „Rosa de Saron‟: (Se for possível,
assista ao vídeo da música em http://www.youtube.com/watch?v=vcLexIpCKJk ).
Tenho que ser diferente
E ser eu mesmo também
Amar sem preconceitos
Viver os teus preceitos
E não rotular ninguém(...)
Livre pra respeitar
Ser livre e nunca desistir de sonhar(...)
Você poderá ter acesso à letra e à música „Ser diferente‟ no endereço:
http://www.topmusicas.net/rosa-de-saron/ser-diferente.htm .
A seguir, leia o texto de humor que foi veiculado na Internet no ano de 2003 e
responda às questões propostas:
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Assaltante nordestino:
- Ei, bichim...Isso é um assalto... Arriba os braços e num se bula nem faça
muganga... Arrebola o dinheiro no mato e não faça pantim senão enfio a peixeira no
teu bucho e boto teu fato pra fora! Perdão, meu Padim Ciço, mas é que tô com uma
fome da moléstia...
Assaltante mineiro
- Ô sô, prestenção... Isso é um assarto, uai... Levanta os braço e fica quetim
quesse trem na minha mão tá cheio de bala... Mió passá logo os trocado que eu
num tô bão hoje. Vai andando, uai! Tá esperando o quê, uai!!
Assaltante gaúcho
- Ô, guri, ficas atento... Bah, isso é um assalto... Levanta os braços e te
aquietas, tchê! Não tentes nada e cuidado que esse facão corta uma barbaridade,
tchê. Passa as pilas pra cá! E te manda a la cria, senão o quarenta e quatro fala.
Assaltante carioca
- Seguinte bicho... Tu te deu mal. Isso é um assalto. Passa a grana e levanta
os braços, rapá... Não fica de bobeira que eu atiro bem pra... Vai andando e, se
olhar pra trás, vira presunto...
Assaltante baiano
- Ô, meu rei...(longa pausa) Isso é um assalto...(longa pausa) Levanta os
braços, mas não se avexe não...(longa pausa) Se num quiser nem precisa levantar,
pra num ficar cansado... Vai passando a grana, bem devagarinho... (longa pausa)
Num repara se o berro está sem bala, mas é pra não ficar muito pesado... Não
esquenta, meu irmãozinho (longa pausa) vou deixar teus documentos na
encruzilhada...
Assaltante paulista
- Orra, meu... Isso é um assalto, meu... Alevanta os braços, meu... Passa a
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grana logo, meu... Mais rápido, meu, que ainda preciso pegar a bilheteria aberta pra
comprar o ingresso do jogo do Corinthians, meu... Pô, se manda, meu...
Autor desconhecido
3) O texto lido retrata seis cenas de assalto, cada uma delas ocorrida em um estado
ou região diferente do país. Enquanto a fala do assaltante tem sempre o mesmo
conteúdo, o uso da linguagem e o modo como o assalto é conduzido diferem de uma
situação para outra.
Em cada um dos assaltos, identifique duas palavras e/ou expressões próprias do:
a) nordestino : _______________________________________________________
b) mineiro : __________________________________________________________
c) gaúcho : __________________________________________________________
d) carioca : __________________________________________________________
e) baiano : __________________________________________________________
f) paulista : __________________________________________________________
4) O texto revela, além da linguagem, comportamentos e/ou hábitos característicos
das pessoas residentes em diferentes estados ou regiões. O que caracteriza:
a) O nordestino ? _____________________________________________________
b) O baiano ? ________________________________________________________
c) O paulista ? _______________________________________________________
5) Você já deve ter notado que certos grupos sociais fazem questão de utilizar uma
linguagem própria. De acordo com o linguista Luiz Carlos Travaglia “Os dialetos
sociais exercem na sociedade um papel de identificação grupal, isto é, o grupo
ganha identidade pela linguagem.”
E, se o assaltante do texto não pertencesse a um estado ou região diferente, mas
fosse uma das pessoas abaixo? Como seria o assalto? Escolha duas delas e,
utilizando expressões próprias da faixa etária ou ocupação exercida, escreva uma
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nova versão para os tipos de assaltos vividos, tendo com base o texto anteriormente
lido:
a) Um idoso.
b) Um político.
c) Um surfista.
d) Uma cozinheira.
e) Um pagodeiro.
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6) Alguma vez você já se sentiu inferiorizado pelo modo como fala? Comente:
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7) Você concorda com Luiz Gasparetto, quando diz que : “Enfrentar preconceitos
é o preço que se paga por ser diferente”?
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8) Se possível, assista ao trecho selecionado do documentário „Língua - vidas em
português‟ ( http://www.youtube.com/watch?v=Git8MwRqDcE ) e comente a frase :
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“Não há uma língua portuguesa, há línguas em português” (José Saramago) :
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Para maiores informações sobre José Saramago, escritor português, prêmio Nobel
de Literatura em 1998, procure no endereço eletrônico :
http://www.josesaramago.org/saramago/detalle.php?id=679 .
9) “Falamos a mesma língua, mas ela não é falada da mesma maneira.” A afirmação
anterior, contida no documentário „Língua - vidas em português‟ se refere à língua
portuguesa falada por cerca de 200 milhões de pessoas em quatro continentes. No
entanto, ela pode ainda ser considerada verdadeira ao se referir, única e
exclusivamente, à língua falada em nosso país? Comente :
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Podemos perceber facilmente que não existe um único jeito de falar a língua
portuguesa. Diversos fatores como idade, profissão, classe social, nível de
escolaridade, grupos sociais, região etc. influenciam essa variação.
Sendo a sociedade marcada por várias diferenças (sociais, culturais,
regionais, etc.), a língua apresenta, consequentemente, muitas variações, que
refletem essas diferenças e constituem as chamadas variedades linguísticas.
Variedades linguísticas são, portanto, as variações que uma língua apresenta
em razão das condições sociais, culturais, regionais e históricas nas quais é
utilizada.
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É hora de produzir
A música „Incompatibilidade de gênios‟ foi composta por João Bosco e Aldir
Blanc, em 1976, quando, no Brasil, estava acontecendo uma discussão sobre a Lei
do Divórcio, aprovada no ano seguinte.
Com uma linguagem popular, a letra imita a fala de um homem simples que
procura um advogado para ajudá-lo no processo de sua separação.
Leia o seguinte trecho:
Incompatibilidade de gênios
Dotô,
jogava o Flamengo, eu queria escutar.
Chegou,
mudou de estação, começou a cantar.
Tem mais,
um cisco no olho, ela em vez de assoprar,
sem dó, falou que por ela podia cegar.
[...]
Se eu tô
devendo dinheiro e vem um me cobrar,
dotô,
a peste abre a porta e ainda manda sentar.
[...]
Imagine que o marido retratado, na música em questão, não tenha
conseguido falar pessoalmente com o advogado e tenha solicitado a você, como
estudante, que redija uma carta endereçada a esse advogado, explicando a
situação. (Para isso, você precisa conhecer toda a letra da música, que pode ser
encontrada em http://letras.terra.com.br/joao-bosco/46519/).
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Você vai fazer a carta em 3a pessoa, relatando os problemas pelos quais esse
homem tem vivido e solicitar ajuda no processo de separação, o mais rápido
possível:
Para isso, use a estrutura adequada, com data, local e nome do destinatário.
Em seguida, enumere os argumentos que motivaram o pedido de separação e, no
final, solicite a tomada de todas as providências necessárias para a efetivação do
acordo.
Lembre-se de que como se trata de uma situação comunicativa formal, e por
não ter intimidade alguma com o interlocutor, a linguagem deve ser formal.
Consequentemente, você deverá substituir todas as gírias e expressões coloquiais
usadas por um vocabulário mais convencional.
Quando terminar sua produção, troque-a com um colega a fim de saber se a
carta está corretamente estruturada, se a linguagem está adequada ao gênero e à
situação.
Um pouco de história
Na história ocidental, desde muito cedo, as pessoas perceberam a existência
da variação linguística. Para os primeiros intelectuais que incentivaram o
estabelecimento e a fixação das regras gramaticais – os filólogos da cidade de
Alexandria, no Egito, no século III a.C.-, a variação era algo „errado‟ que precisava
ser corrigido. Como eram admiradores da grande literatura do passado, na opinião
deles, essa modalidade da língua – a escrita literária consagrada – é que deveria
servir de modelo para toda e qualquer pessoa „dita culta‟ que quisesse se expressar
de modo „socialmente correto e aceitável‟ em grego.
Esse modo de pensar perdurou durante mais de dois mil anos e só começou
a ser criticado entre o final do século XIX e o início do século XX, quando surgiu a
Linguística moderna, trazendo um estudo descritivo e explicativo de todos os
aspectos da língua.
Sendo assim, diante do grande número de línguas e de variedades
linguísticas presentes na maioria dos países, o processo de constituição de uma
norma-padrão representou, obrigatoriamente, uma seleção. Primeiramente, foi
necessário escolher uma única língua e, nessa língua, uma das muitas variedades
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linguísticas para poder ser chamada de „língua oficial‟. Obviamente, essa escolha
recaiu sobre a variedade linguística utilizada pelo centro do poder, da zona
geográfica mais influente e mais rica economicamente.
Assim é que a variedade de francês da região de Paris foi, pouco a pouco, se
transformando na „língua francesa‟, apesar de toda a diversidade de línguas e
dialetos falados na França até hoje (bretão, basco, provençal, gascão, dialetos
alemães e dialetos italianos, entre outros). Na Espanha, o castelhano é tão somente
a língua falada pelos reis de Castela, que conseguiram unificar a Espanha depois de
expulsar os árabes de seu território, embora a Espanha seja uma nação considerada
multilíngue.
A imposição da língua sempre esteve presente, por exemplo, no projeto
colonial das potências europeias. No documento chamado Diretório dos Índios, de
1757, o Marquês de Pombal, primeiro-ministro de Portugal, chegou a proibir, no
Brasil, o ensino de qualquer língua que não fosse a portuguesa.
“Sempre foi máxima inalteravelmente praticada em todas as Nações, que
conquistaram novos domínios, introduzir logo nos povos conquistados o seu próprio
idioma, por ser indisputável que este é um dos meios mais eficazes para desterrar
dos povos rústicos a barbaridade dos seus antigos costumes; e ter mostrado a
experiência que ao mesmo passo que se introduz neles o uso da Língua do
Príncipe, que os conquistou, se lhes radica também o afeto, a veneração, e a
obediência ao mesmo Príncipe.”
Será que devemos verdadeiramente chamar de culto apenas o que vem das
camadas privilegiadas da população? E, ao opor, „culto‟ a „popular‟ estamos
afirmando categoricamente que o povo não tem cultura, como se os falantes „cultos‟
não fizessem parte do povo?
Em 1997, o linguista mineiro Mário A.Perini publicou um ensaio intitulado „As
duas línguas do Brasil (qual é mesmo a língua que falamos?), que trata sobre essas
“duas línguas”.
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Leia o fragmento a seguir:
[...] há duas línguas no Brasil : uma que se escreve ( e que recebe o nome de
„português‟); e outra que se fala (e que é tão desprezada que nem tem nome).
E é esta última que é a língua materna dos brasileiros; a outra ( o „português‟)
tem de ser aprendida na escola, e a maior parte da população nunca chega a
dominá-la adequadamente.
Vamos chamar a língua falada no Brasil de vernáculo brasileiro [...]. Assim,
diremos que no Brasil se escreve em português, uma língua que também funciona
como língua de civilização em Portugal e em alguns países da África. Mas a língua
que se fala no Brasil é o vernáculo brasileiro, que não se usa nem em Portugal nem
na África.
Assim sendo, decidimos substituir a expressão „norma culta‟ por variedades
prestigiadas e a „norma popular‟ ou „vernácula‟ por variedades estigmatizadas.
Tomando como exemplo as características da sociedade brasileira, na
maioria das vezes, uma sociedade excludente e injusta na distribuição dos bens
sociais, entendemos que os traços linguísticos próprios das variedades
verdadeiramente estigmatizadas são, geralmente, rejeitados e evitados pelos
variantes das outras variedades.
Prova disso é que ninguém interrompe uma conversa para corrigir seu
interlocutor que, ao invés de ter pronunciado o ditongo escrito – como em rouco,
pouco, ouro etc., pronunciou o [o] – em “rôco”, “pôco”, “ôro” etc.
Agora, quem deixa de reparar quando o seu interlocutor pronuncia com [y] o
dígrafo escrito lh, em velha, abelha, trabalha etc.? A pronúncia “véia”, “abêia”,
“trabaia” etc. provoca reações negativas por parte dos falantes urbanos
escolarizados, que a classificam como palavras características de pessoas „simples‟,
„sem instrução alguma‟.
Assim, percebemos a existência de dois conjuntos de traços linguísticos:
aqueles que aparecem na fala de todos os brasileiros e aqueles que aparecem na
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fala dos brasileiros de origem humilde, de pouca ou nenhuma escolaridade ou de
origem rural.
O primeiro grupo receberá o nome de traços graduais e o segundo, de traços
descontínuos. Observe-os no gráfico abaixo :
Repare que os traços descontínuos fazem referência àqueles fenômenos
linguísticos que sofrem a maior carga de preconceito em nossa sociedade.
Alguns dos traços descontínuos existentes referem-se :
1) Não-nasalização de sílabas postônicas.
Exs: vagem ~ vage
lobisomem ~ lobisome
resolveram ~ resolvero
2) Monotongação de ditongos átonos crescentes em posição final.
Exs : polícia ~ poliça
violência ~ violença
imundície ~ imundice
3) Rotacismo : troca de L por R em encontros consonantais ou em final de sílaba.
Exs: alto ~ arto
Flamengo ~ Framengo
lençol ~ lençor
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4) Eliminação do plural redundante, marcado, em geral, só nos determinantes.
Exs: os piá
as mulher
aquelas confusão toda
5) Uso dos pronomes do caso reto em função de complemento.
Exs : Beija eu.
Carrega nós junto.
Eu vi ele na vila.
6) Uso do pronome oblíquo mim como sujeito de infinitivo, depois da preposição
para.
Exs : É trabalho demais para mim fazer!
É para mim chamar ela?
Por caracterizarem a variedade linguística de falantes de baixo ou nenhum
prestígio social, esses traços têm sido rejeitados e evitados pelos cidadãos que se
„acham‟ portadores da língua „certa‟.
Esse preconceito tem um nome - é o preconceito linguístico e, apesar de ser
“invisível”, tem se mostrado tão poderoso a ponto de agir sem ser percebido.
Normalmente sua existência sequer é reconhecida, quem dirá sua gravidade como
um sério problema social. E, por não ser reconhecido, nada se faz para combatê-lo.
O que fazer?
Chegou a hora de arregaçarmos as mangas e fazermos algo a fim de
conscientizar as pessoas quanto aos estragos causados pelo preconceito.
Chegou a hora de mostrar que a diferença, seja linguística, social, física,
racial ou qualquer outra, não faz diferença alguma nas relações interpessoais, ou
melhor, só tem trazido segregação, discriminação e, infelizmente, gerado violência,
mesmo que velada.
Chegou a hora de você fazer a sua parte!
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Você e seus amigos estarão participando de uma pesquisa sociolinguística,
envolvendo um dos estratos sociais pertencentes à cultura do litoral paranaense - a
comunidade pesqueira da cidade de Paranaguá-PR.
O fragmento abaixo de Fernando Tarallo, baseado na pesquisa do americano
William Labov poderá ajudá-lo em sua pesquisa:
(...) Com o gravador a tiracolo, e uma pequena receita em mente de como
realizar um projeto de pesquisa, você, mesmo assim, se sentirá perdido e terá a
impressão de estar pisando em cascas de ovos. Aqui vão, porém, alguns conselhos
de quem já inúmeras vezes se sentiu tão desamparado quanto você neste
momento.
1) Seja qual for a comunidade, seja qual for o grupo, jamais deixe claro que
seu objetivo é estudar a língua tal como é usada pela comunidade ou grupo. Se
você inadvertidamente o fizer, ou, mais grave ainda, se o fizer conscientemente, é
muito provável que o comportamento de seus informantes – já prejudicado pelo uso
do gravador e por sua presença – se altere ainda mais, e a pesquisa,
consequentemente, se torne ainda mais enviesada. Procure, portanto, colocar ao
informante os objetivos de sua pesquisa fora do campo de linguagem. Lembre-se
também de que, sendo a língua propriedade do grupo estudado, seus informantes
poderão se sentir ameaçados e embaraçados.
2) Esclareça sempre ao informante que a fita gravada contendo informações
até de natureza pessoal poderá ser inutilizada a pedido do entrevistado, na
presença do mesmo.
3) Procure acomodar seu comportamento social e linguístico ao do grupo da
comunidade entrevistada, isto é, tente minimizar o efeito negativo de sua presença
sobre o comportamento sociolinguístico natural da comunidade.
4) Procure entrar na comunidade através de terceiros, ou seja, de pessoas já
devidamente aceitas pela comunidade.
5) O critério básico para a seleção de informantes será o da amostragem
aleatória. Tal critério deverá ser usado especialmente no caso de a comunidade
estudada ser um grande centro urbano. A amostragem aleatória lhe dará a certeza
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de que você ao menos tenha dado a chance a todos os membros da comunidade
de serem entrevistados. A consulta ao censo da comunidade é imprescindível, bem
como reflexão cuidadosa sobre os critérios de classificação dos informantes em
grupos socioeconômicos.
6) Nos estudos de comunidade estabeleça parâmetros rígidos para a
seleção de informantes, como, por exemplo: somente serão entrevistados aqueles
indivíduos que ou tenham nascido na comunidade em questão ou a ela tenham
chegado até os 5 anos de idade. Com isso, você evitará que a escolaridade do
informante em uma outra comunidade, ou sua interação com falantes de outro
centro até a fase crítica da adolescência tenham reflexo sobre a marca
sociolinguística do grupo estudado.
7) O tamanho da amostra dependerá da natureza linguística da variável a ser
Estudada. Uma variável fonológica, por exemplo, é bastante recorrente na fala; já
uma variável sintática ocorre com menos frequência, exigindo, portanto, uma
amostragem maior, bem como estratégias especiais para fazê-la ocorrer.
(...)
TARALLO,F.1985, p.26-28.
Mãos à obra !
Para a realização do trabalho proposto, leia atentamente as instruções a
seguir:
1) Seu professor estará direcionando a turma de modo que, em equipes,
seguindo o cronograma que será entregue a todos, será realizada uma pesquisa
sociolinguística com a comunidade pesqueira de Paranaguá-PR.
As equipes, previamente estipuladas, farão gravações com os pescadores
sobre histórias e/ou relatos contados por eles. A coleta de dados, as gravações e as
observações, bem como seu registro, serão realizadas conforme orientação do
professor. Lembre-se de que os dados coletados servirão para mapear os traços
descontínuos citados anteriormente.
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2) Serão ouvidos pescadores, moradores dos mais diversos bairros em
Paranaguá, e, a partir de suas histórias e/ou relatos, serão feitas gravações, com
autorização prévia, tendo em vista a constituição de um banco de dados linguísticos.
3) Feita a coleta de dados, será construído um mapa linguístico, a fim de
conhecer a realidade sociolinguística do grupo estudado.
4) Após a descoberta dos traços descontínuos característicos encontrados no
grupo - objeto do estudo – haverá a busca por uma lógica linguística demonstrável.
5) Elaboração de artigos relacionados ao preconceito linguístico e a inclusão
social.
6) Transposição das histórias e/ou relatos orais contados pelos pescadores
para a escrita.
7) Apresentação da coletânea das narrativas para os pescadores.
8) Divulgação do trabalho realizado para a comunidade escolar, através de
palestras, a fim de naturalizar as variações linguísticas e fazer com que os alunos
pesquisadores revelem suas descobertas e conclusões acerca do assunto
trabalhado.
E para concluir...
Assista ao filme Narradores de Javé - um filme sobre memória, história e
exclusão. Seu tema principal é a narração e possui, como alicerce, as pluralidades
orais das personagens.
Além de mostrar um Brasil de todos os brasileiros, ele dá voz às etnias,
religiões e classes excluídas e prova que todos nós somos narradores de uma
história sem fim...
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Referências Bibliográficas
BACHMANN,C. et al. Language et communications sociales. Paris, hatier, 1974, p.17. BAGNO, Marcos. A língua de Eulália: novela sociolinguística. 16.ed., 1a reimpressão.- São Paulo: Contexto, 2010. _____________. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística. São Paulo: Parábola Editorial, 2007. _____________. Preconceito linguístico. São Paulo Paulo: Edições Loyola, 52.ed., 2009. BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Educação em língua materna: a Sociolinguística na sala de aula. São Paulo: Parábola Editorial, 2004. _____________. O professor pesquisador: introdução à pesquisa qualitativa. São Paulo: Parábola Editorial, 2008. _____________. (1984), “Problemas de comunicação interdialetal”, in Sociolinguística e ensino do vernáculo (Revista Tempo Brasileiro, no 78/79). BRANDÃO, Sílvia F. A Geografia Linguística no Brasil. São Paulo, Ática, 1991. KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. O texto e a construção dos sentidos. 9.ed., 2a
reimpressão.-São Paulo : Contexto, 2009. BRIGHT, W. As dimensões da Sociolinguística. In: Fonseca,M.S. & Neves,M.F. (orgs.) Sociolinguística. Rio de Janeiro, Eldorado, 1974. FARACO, Carlos Alberto. 2007. Por uma pedagogia da variação linguística. In:D.A. CORREA (org.), A relevância social da Linguística: linguagem, teoria e ensino. São Paulo, Parábola Editorial; Ponta Grossa, UEPG, p. 21-50. GNERRE, M. Linguagem, escrita e poder. São Paulo, Martins Fontes, 1985, p.4. (capítulo 1:Linguagem, poder e discriminação) MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Ana Christina (orgs.). Introdução à Linguística: domínios e fronteiras, V.1. 7.ed – São Paulo: Cortez, 2007. PERINI, Mário. Sofrendo a gramática. 3. ed. São Paulo: Ática, 2005. POSSENTI, Sírio. Por que não (não) ensinar gramática na escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1996.
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SAPIR, Edward. Língua e ambiente (1969). Linguística como ciência. Ensaios. Livraria Acadêmica, 1969. TARALLO, Fernando. A pesquisa sociolinguística. São Paulo: Ática, 1985.
Sites consultados
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http://michaelis.uol.com.br/
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http://solangebari.blogspot.com/2009/01/lingua-portuguesa-em-debate-2-mario.html
http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/diaadia/diadia/index.php?PHPSESSID=
http://www.gilsoncamargo.com.br/blog/?p=534
http://www.nacaomestica.org/diretorio_dos_indios.htm
http://www.portinari.org.br/
http://www.tarsiladoamaral.com.br
http://www.youtube.com/watch?v=V-6ixMJnhEg
http://www.youtube.com/watch?v=vcLexIpCKJk
http://www.youtube.com/watch?v=Git8MwRqDcE
http://zoojapan.forumeiros.com/t67-os-diversos-tipos-de-preconceito-e-discriminacao-escala-
de-allport