o sol e as sombras: o cinema, o documentário e a educação · dos wochenshau, ainda dos anos 30....

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O sol e as sombras: o cinema, o documentário e a educação * Geraldo A. Lobato Franco Índice 1 Introdução ............. 1 2 Alguns antecedentes histórico- literários do cinema ........ 4 3 O filme documentário e os seus prolegômenos ........... 10 4 O documentário e a sua trajetória: a disseminação pelo vídeo do do- cumentário como texto educativo . 16 4.1 O documentário como texto edu- cativo .............. 21 5 Afinal, quem tem medo do docu- mentário? ............. 27 6 À procura da verdade. Os Tele- documentários: a junção da Peda- gogia com a Didática para o uso das demais áreas do saber ..... 35 7 Uma mídia educativa dentro das grandes mídias: será possível o impossível no cassino global? A título de conclusão ........ 40 8 Anexo: alguns tele-documentários 45 1 Introdução Desde muito cedo, talvez na minha tenra juventude, tornei-me interessado e curioso * Copyright c Geraldo Amadel Lobato Franco, 2004. do cinema. A princípio, parece-me, porque freqüentava seções passa-tempo com uma certa regularidade, uma a cada semana, às vezes duas e mais raramente três, valendo muita boa vontade, pedidos e concessões pa- ternos e maternos, ou uma ocasional visita ao centro da cidade. Isso deve ter-me ocorrido dos doze aos de- zessete anos, se a memória me ajuda. É que, naquela época, havia ao menos três cinemas que se dedicavam a este tipo de apresenta- ções: o Royal, o Cineac-Trianon e o Capitó- lio, sendo o primeiro deles no bairro próximo ao de minha residência no Rio de Janeiro. Na década de 50 e em boa parte dos anos 60 foi a minha diversão quase-intelectual fa- vorita, a mais importante e indispensável, se- guramente mais importante que o futebol de rua, que a própria praia, que as corridas de cavalinhos, o futebol de botão com os ami- gos, entre outras diversões da época. Não perdi uma só semana das sessões do Royal durante meses seguidos. Vem daí e de então, o meu interesse pelo cinema e pelo filme documentário ou de não-ficção, não me resta a dúvida. O que se via nessas seções além dos Três Patetas, dos desenhos animados e do Gordo e o Magro? O noticiário estrangeiro recheado

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O sol e as sombras: o cinema, o documentário e aeducação∗

Geraldo A. Lobato Franco

Índice

1 Introdução. . . . . . . . . . . . . 12 Alguns antecedentes histórico-

literários do cinema. . . . . . . . 43 O filme documentário e os seus

prolegômenos. . . . . . . . . . . 104 O documentário e a sua trajetória:

a disseminação pelo vídeo do do-cumentário como texto educativo. 16

4.1 O documentário como texto edu-cativo . . . . . . . . . . . . . . 21

5 Afinal, quem tem medo do docu-mentário? . . . . . . . . . . . . . 27

6 À procura da verdade. Os Tele-documentários: a junção da Peda-gogia com a Didática para o usodas demais áreas do saber. . . . . 35

7 Uma mídia educativa dentro dasgrandes mídias: será possível oimpossível no cassino global? Atítulo de conclusão . . . . . . . . 40

8 Anexo: alguns tele-documentários45

1 Introdução

Desde muito cedo, talvez na minha tenrajuventude, tornei-me interessado e curioso

∗Copyright c© Geraldo Amadel Lobato Franco,2004.

do cinema. A princípio, parece-me, porquefreqüentava seções passa-tempo com umacerta regularidade, uma a cada semana, àsvezes duas e mais raramente três, valendomuita boa vontade, pedidos e concessões pa-ternos e maternos, ou uma ocasional visitaao centro da cidade.

Isso deve ter-me ocorrido dos doze aos de-zessete anos, se a memória me ajuda. É que,naquela época, havia ao menos três cinemasque se dedicavam a este tipo de apresenta-ções: o Royal, o Cineac-Trianon e o Capitó-lio, sendo o primeiro deles no bairro próximoao de minha residência no Rio de Janeiro.

Na década de 50 e em boa parte dos anos60 foi a minha diversão quase-intelectual fa-vorita, a mais importante e indispensável, se-guramente mais importante que o futebol derua, que a própria praia, que as corridas decavalinhos, o futebol de botão com os ami-gos, entre outras diversões da época.

Não perdi uma só semana das sessões doRoyal durante meses seguidos. Vem daí ede então, o meu interesse pelo cinema e pelofilme documentário ou de não-ficção, não meresta a dúvida.

O que se via nessas seções além dos TrêsPatetas, dos desenhos animados e do Gordo eo Magro? O noticiário estrangeiro recheado

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de novidades e idéias diferentes, raras ou ex-traordinárias de todo o mundo.

Eram as inolvidáveis Atualidades France-sas, oPathéJornal (com o seu galinho Chan-teclair e o seu comentarista o famoso Iberêda BBC), oUniversal Newsreel(cujos cine-grafistas Howard Winner e George Kraniu-kov filmaram quase todo o princípio das hos-tilidades da Guerra sino-japonesa, antes, nosanos 30), oMovietone Newscuja peça grá-fica ou logo de entrada era a frase feita:Itspeaks for itself(Fala por si mesmo) e o nãomenos curioso, mais recente e nacional Atu-alidades Atlântida, com o intróito de umagloriosa fonte pseudo-greco-romana que pa-rece ter sido obtida do cinema alemão, de umdos Wochenshau, ainda dos anos 30.

Havia também as mais raras e difíceisde se ver ou encontrar, como as espanho-las Atualidades No+Do, alemãs doSpie-gel, etc. No entanto, o que parecia inte-ressante era que, como parte das matériasdesses jornais-falados, havia quase sempreuma seção de uma qualidade demonstrativae tangente, que talvez pudesse se chamar dequase-documentário. De resto, como dito,falavam por si mesmos.

Um arremedo daqueles que só muitotempo depois viriam a se estabelecer, comuma clientela própria de fãs. Os tele-noticiários tinham essa qualidade intrínseca:mostrar a verdade, mesmo se re-interpretada,observada pela lente-olho do cinegrafista,das hábeis decisões do montador, da quali-dade de convencimento verbal do comenta-dor, da distribuição perfeita dos elementossonoros frente à imagem visual, enfim, daqualidade da direção conjunta de todos esseselementos.

Qual teria sido o meu primeiro documen-tário ou o que mais me marcou? Parece-me

difícil essa resposta, pois só me dei conta deque me achava profundamente interessadoneles há uns poucos anos, dez, para ser pre-ciso.

Neste período coincidiu de matricular-menuma universidade canadense, aUniversitéde Montréale de me preocupar mais pro-fundamente com as Tecnologias Educacio-nais o suficiente para conquistar uma bolsade estudos do governo, especificamente doCNPq - Conselho Nacional de Desenvolvi-mento Científico e Tecnológico, podendo as-sim obter o meu título de Doutor, ao escreveruma tese sobre a Pesquisa-Ação Participativacomo instrumento educativo e as experiên-cias brasileiras neste tema.

Para tal fim, passei quatro anos emMon-tréal, uma cidade de inverno pesado, onde écomum nevar quase sem parar, de seis a setemeses ao ano.

Sem exagero. Naturalmente passava umaboa parte do tempo dentro de casa, maior ra-zão para me dedicar às leituras de materiaisdiversos e preparar os trabalhos acadêmicosrequeridos pelos professores.

Saía muito raramente, somente para co-mer ou comprar comida, e atender a cercade uma dezena de compromissos ou reque-rimentos de cursos universitários, pesquisarnas Bibliotecas, visitar as livrarias e aten-der a uns poucos encontros acadêmicos ousociais, fossem com o meu orientador, fos-sem com os colegas, coisa que me tomavaum terço se tanto de minhas horas diárias.

Obviamente, pude dedicar-me a mais umhobby do qual soube ser devotado, impo-sição do vento frio e da neve: assistir aosprogramas da rede de TV Norte AmericanaPBS, das emissoras das redes CBC Cana-dense e da rede Franco-canadense, nem sem-pre nessa ordem e não importa a que tivesse

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a melhor programação da noite; a escolha eraquase sempre de um menu variado.

Tudo isso me era facilitado pela pequenae bela (e cara) invenção que já havia conhe-cido antes na Califórnia: a emissão televisivatransmitida a cabo coaxial, valiosa, em vistade seu preço, porque perfeita e sem quais-quer interferências de sinal. Junto a um te-levisor e um gravador de vídeo VCR, foramesses os meus únicos itens de luxo duranteos nos que lá passei. Possuí-los e usá-lostratava-se de uma necessidade quase que fi-siológica.

Só muito mais tarde, já de volta ao Bra-sil, no Rio de Janeiro, é que pude retomar asminhas observações, escrevendo-as como assentia, de novo, armado de TV à cabo, coisaque nos foi habilmente vendida pelo nossoPrefeito de então, na forma meio escondidade uma remodelação desnecessária das cal-çadas do bairro onde vivo.

Vale dizer, o fim correto via um meio equi-vocado. Ó pais amado! A rima pobre aqui éacidental. Só não vem a ser acidental que atéhoje, passados quase cinco anos, continuemcavando e esburacando, sem fim. E que oscanos de águas esgotadas continuem a ver-ter fora de sua cloaca em comum, pois nãoforam reassentados convenientemente. E se-quer se resolvem os problemas de ruas e es-gotamento cheios, quando chove mais rápidoe pesado, um festival de bueiros vazando es-gotos domésticos a toda hora. Uma vergo-nha pelo anti-higiênico, pela contaminaçãoambiental desnecessária.

Afinal, quando pude começar a fazer ascomparações adequadas entre os diversositens oferecidos, aos quais pude assistir doconforto de minha residência, o que tenhofeito desde então, dentre umas cinco ou seis

horas diárias, rigorosamente, já há algumtempo.

Em conseqüência, tenho-me dedicado aobservá-los com muito cuidado, tomar no-tas, ler e estudar, escrever e pesquisar comuma certa constância e disciplina só quebra-das pela necessidade absoluta de exercitar-me fisicamente, fato que nem todo o pro-fissional das letras pode se dedicar, nem àdespeito de determinantes ordens médicas,como é o meu caso e que procuro seguir àrisca.

Aqui neste primeiro ensaio, preocupa-meprimeiro o que levou aos desbravadores docinema a dar o pontapé inicial no cinema, secoincidência ou não, seria uma questão deserem usados os elementos e recursos natu-rais, por conseguinte gratuitos, coisa que sedeu espontaneamente e sem quaisquer esfor-ços dos primeiros cinegrafistas e diretores.

Logo em seguida, sugiro uma parte da vi-são de alguns escritores que opinaram sobrea novidade que arrastou multidões na Europae nas Américas. Suponho que hajam outrose prometo que em breve os encontrarei.

Ofereço adiante uma visão geral do iní-cio do filme documentário segundo os au-tores principais, alguns deles diretores, paraem seguida mostrar como se desenvolveu atéchegar ao momento em que se tornou umacomodidade, algo que se podia levar paracasa ou se ver à noite de sua cadeira favorita.

Depois disso me preocupo com as barrei-ras e dificuldades à sua disseminação comoinstrumento educacional de primeira linha,procurando assim mostrar os seus lados posi-tivos e a inserção do documentário na lógicamediática, se é que exista semelhante fenô-meno.

Em Quem tem medo do documentário? eem À procura da verdade, tento descobrir, se

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ainda não tudo aquilo que permeia o tema,ao menos uma boa parte, pois todos, creio,possuam um pedacinho dessa verdade.

Mas a sua totalidade e conseqüente siner-gia pertencem a outros ramos como ao daEconomia Política, naquilo em que o capi-tal e o capitalismo imperam como itens obri-gatórios de estudo mas que não afetam, porenquanto, a minha curiosidade o suficientepara abordá-los profundamente como talvezdevesse.

Daí parto em procura de como poderiamser revistos os parâmetros educacionais viao uso mais completo e sistemático dos tele-documentários.

Faço isto acreditando na possibilidade dacriação de uma utopia brasileira (ora, os quese dizem povos universais não possuem asdeles?); revejo os espaços culturais aos quaisas mídias invadiram sem cerimônias, com ousem a anuência do povo brasileiro.

É bom lembrar que o povo seja o verda-deiro dono do espaço usado pelas televisõesabertas, invasoras e exploradoras sem pie-dade ou respeito das casas nas cidades dosque, afinal, pagam a conta da operação: ajá mencionada população, como um todo eem especial as classes escolhidas e nome-adas pelas artes e manhas da mercadologiaespecializada (marketing) dos segmentos C,D e E. Ou algo muito próximo e que valhacomo tal.

Artes estas que, diga-se de passagem, pa-recem prestar um grande favor e obséquio àpermanência de umstatus quoem que a po-pulação deseducada se torne presa favoritade aves de rapina do capitalismo transnaci-onal travestidas de Papai Noel, o bonzinho.

Tamanha estultícia, mesmo se colorida,inteligente e perfumada só engana os maisfrágeis na cadeia de opções, trouxas do sis-

tema, otários do capitalismo que agüentam opeso da pirâmide invertida do consumismo.Sem dúvida, um legítimo vidro mole, comoquer o Aurélio.

Para finalizar, procuro ainda explicar deque forma os tele- documentários poderiamser melhor utilizados e concluo com algumassugestões favoráveis de como fazê-lo e comuma lista de alguns conhecidos com rápidocomentário sobre eles.

Portanto, aqui estão os resultados das mi-nhas investidas no assunto, que, além domais me parece uma redenção do ensino e daaprendizagem, conforme muitos gostariamde ter tido, desde o princípio de suas carrei-ras de educandos e quem sabe de educado-res.

2 Alguns antecedenteshistórico-literários do cinema

Parece que foi ontem quando o mundo es-tava se preparando, vigorosa e febrilmente,para as grandes mudanças que então se pre-nunciavam com o advento de uma revolu-ção científico-tecnológica e industrial ocor-rida na virada do Século XIX para o XX.

Aproximava-se, célere, um novo séculoque já acordava tonto, embriagado das in-venções e das técnicas modernas. Adentrava,contente a civilização burguesa ocidental deuma maneira extraordinária, quase inconsci-ente das inovações que iriam mudar a face daTerra, a um só tempo que festejada, glorifi-cada, iluminada.

E maravilhada com as diversas e bem or-ganizadas Exposições Internacionais em quese anunciavam e comemoravam o advento, oaparecimento e o reino, ainda que nem sem-pre unido, da ciência, do comércio, da eco-

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nomia, das finanças, da indústria e da tecno-logia, onde pululavam livres, paralelamenteem todo o mundo que se julgava civilizado,os modelos e os protótipos das muitas des-cobertas e invenções técnicas decorrentes domomento.1

A Exposição Universal de Paris de 1900,por exemplo, resumia em cerca de 1.5km2de instalações e de espaço livre, a filosofia ea síntese do século que aos poucos se des-cortinava, tanto nos ramos do saber e dasArtes, das Ciências e Técnicas, quanto naspráticas de Comércio e de Indústria. Criou-se ali um verdadeiro monumento arquitetu-ral urbano aos novos tempos, à modernidadeque despontava.

Dentre as maravilhas criadas, recém-

1PLUM, Werner Exposições Mundiais no SéculoXIX: Espetáculos de Transformação Sócio-Cultural,Bonn, Friederich-Ebert Foundation, 1979, p. 128.Note-se que os irmãos Lumière só iniciaram as suasatividades na Paris de 1895. “Louis Lumière registrounaquele ano o seu invento e com isto abriu o caminhopara o cinema-verdade.” In: TULARD, J. Dicioná-rio de cinema, Porto Alegre, L&PM, 1996, p. 402.Mais adiante, Jean Painlevé foi considerado inovadorpor sua criação deDocumentaires animalierse emseguida pela criação do cinema científico. Sobre o as-sunto, ver:Cent ans de cinéma français, Paris, Lesimages encyclopédiques, Sages, 1994, p. 19. So-bre a fotografia como um todo e o filme documen-tário como uma invenção científica, ver: WINSTON,Brian The Documentary Film as a Scientific Inscrip-ton, in: RENOV, Michael (ed.)Theorizing Documen-tary, New York, Routledge, 1993, pp. 37-57. Umapequena obra prima ricamente ilustrada sobre os pri-mórdios do cinema, é: TOULET, Emmanuelle, O ci-nema, invenção do século, trad. de Eduardo Brandão,Rio de Janeiro, Objetiva, 1998. Para um quadro com-pleto, ilustrado e geral da profusão de invenções e dariqueza intelectual dessa época notável em aconteci-mentos e fatos históricos extraordinários, ver: BER-NAL, J. D. Science in History, Vol. 2, The Scientificand Industrial Revolutions, Carnbridge, MIT, 1971,p. 371-693.

desenvolvidas ou quase sempre também des-cobertas, havia a fotografia de Nièpce e deDaguerre, mais tarde de Nadar, entre outros,em que procuravam desde 1850, cada um de-les por seu método e técnica, algo diferentee expressivo, que logo veio a se chamar defotografia.

Queria com rapidezsaisir l’instant, captu-rar o estático e fugidio momento, como an-tes o haviam feito diversos desenhistas e pin-tores das inúmeras escolas com indiscutívelbeleza estética, todavia, imprecisa e vagaro-samente.

Mais recentemente então, diversas tradi-ções culturais se amalgamavam no CírculoImpressionista, um punhado de pintores quese propunham recriar a natureza da maneiracom que a viam e sentiam, a um passo darecriação da natureza que se propunha e seexaltava.

Tentavam, em certos momentos de formamaravilhosa e apesar de um excelente do-mínio da técnica e da plástica, mas não re-tratavam nem a leveza nem a ubiqüidade,muito menos a inconstância dos fenômenosefêmeros da vida diária, como o fez magis-tralmente a fotografia.

No fin de sièclealém da fotografia, que jáse mostrava com os seus avanços galopan-tes, momento em que surgiu a cinematogra-fia: o filme e o cinema, cujas imagens se-guidas eram compostas de fotografias cap-turadas em movimento aparente, presas fir-memente em seqüência, numa tira de algummaterial em comum, opaco e translúcido.

Deslizavam defronte a uma fonte de luz,e eram refletidas numa tela, resultado defini-tivo das experiências iniciais de vários inven-tores, se bem que carregadas, aos poucos, deainda mais e maiores desenvolvimentos téc-nicos, tanto elétricos quanto mecânicos, dos

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irmãos Lumière, de Meliès, de Thomas Edi-son e logo de uma centena de outros mais,pioneiros desconhecidos, obscuros ou em se-guida, mais ou menos famosos pelo seu tra-balho e pela sua dedicação à Sétima Arte.

Procurava-se adicionar um novo trata-mento da informação de parte dos filmes denovidades, precursores das reportagens e dostele-magazines, onde se mostrava a célereconquista das ruas e estradas pelos automó-veis e trens, dos mares pelos célerespaquet-boatstransoceânicos e dos ares nos aviões edirigíveis, para afinal, a aeronáutica de genteda estirpe de Dumont, Blériot e Garros, to-marem a hegemonia e seguramente assumi-rem o lugar de maior destaque, antes perten-cente aos outros rápidos meios de transporteexistentes.

Inventada e criada por uma minoria patrí-cia e burguesa das grandes urbes para o seudivertimento, os curtos filmes daquele prin-cípio ainda incerto, apelaram ao senso crí-tico dos sábios e escritores como instrumen-tos dos quais a humanidade usufruiria inte-gralmente em futuro próximo.

Do outro lado da fronteira, es-tavam os irmãos Lumière. Se Edi-son era quem originava o filme fic-ção, eles foram os pais do docu-mentário. As audiências que viramo primeiro programa do cinemató-grafo em Paris, em dezembro de1895, confrontaram não as perfor-mances exóticas, mas as vinhetas eos incidentes da vida diária: traba-lhadores passando pelas portas dafábrica, um trem chegando à es-tação, um bebê sendo alimentado,um barquinho deixando o porto.

Macdonald & Cousins,Imagi-

ning Reality: The Faber Book ofDocumentary, Chap. 1 (O reinodas Sombras) p. 3.

E assim foi. Com a pressa de quem que-ria recuperar com urgência, o precioso tempoperdido, o cinema atingiu às demais camadassociais e às multidões como um furacão be-nigno que as arrebanhava de onde estivessempara irem ver a novidade que se tornou ummodelo internacional: o cinema e o filme,milagres do século.

Foi com essa veemência da novidade des-conhecida e de repente descoberta, do des-velo do algo insó1ito e misterioso que dina-mizava astasis, com que alguns impressio-nados escritores expressaram a sua admira-ção, espanto e surpresa:

“Ontem à noite eu estava no Reino dasSombras

Se vocês somente pudessem representar aestranheza desse mundo, um mundo sem cor,sem som. Tudo aqui a terra, a água e o ar,tudo é feito de um cinza monótono. Raios desol cinzentos num céu cinzento, olhos cin-zentos num rosto cinzento, folhas de árvoreque são cinzentas como a cinza. Não a vida,mas a sombra da vida. Não o movimentoda vida, mas uma espécie de espectro mudo.Aqui é preciso que eu tente me explicar antesque o leitor pense que fiquei completamentemaluco ...Eu estava na casa de Aumont e vio cinematógrafo de Lumière, as fotografiasanimadas."2

Havia também os visionários de um fu-turo em que as invenções viessem a melhor

2GORKI, Maxim Nijegorodskilistok, 4 de julho,1896, in: LEYDA, J. Kino: Histoire du cinema russeet soviétique, Paris, L’Age d’Homme, 1976. Compi-lado por PRIEUR, Jerôme, in: O espectador noturno:os escritores e o cinema, Rio de Janeiro, Nova Fron-teira, 1995, p. 28.

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reger e dominar o mundo do conhecimentocomum e do saber científico. Um deles seexpressava com a ingênua franqueza de umverdadeiro missionário descobridor dos mis-térios da natureza, quando escrevia:

“Senhor, deixe-me chamar-lhe a atençãoa um projeto pronto para implementação aoqual gostaria de interessá-lo. É sobre a ob-tenção de um depositório adequado para acoleção de documentos cinematográficos...

Inicialmente restrita esta coleção inevita-velmente se expandirá, como a nossa curio-sidade sobre o cinema ultrapassa a uma sim-ples recreação de cenas e imagens fantásti-cas, em direção a ações e espetáculos com ointeresse de documentário.

O simples passatempo das fotografias ani-madas tornar-se-á um processo aceitávelpara o estudo do passado e além disso dar-lhe-á uma visão esclarecida e removerá, aomenos em pontos importantes, a necessidadeda pesquisa ou do estudo."3

3MATUSZEWSKI, Borislaw Borislaw Matus-zewski and the Documentary Idea,in: MAC DO-NALD, K. & COUSINS, M. Imagining Reality: TheFaber Book of Documentary,Londres, Faber & Fa-ber, 1998, p. 13. Ao que informam os autores, afonte original é um panfleto:Une Nouvelle Sourcede l’Histoire, Paris, 1898, de autoria de Matuszewski.Os autores se referem ao polonês como o primeiro aescrever sobre o documentário como uma fonte histó-rica, ao sugerir a criação de arquivos de filmes quepoderiam se tornar de suma importância histórica.Para ilustrar, veja-se BULL, LucienRecherches surle vol de l’insecte (1909), 1895 Images du réel, laNon-fiction en france (1890-1930), Été 1995, Associ-ation française de récherche sur l’histoire du cinéma,no. 18, p. 153, uma explicação escrita de comose filmavam os documentários cronofotográficos na-quela época, e nessa mesma publicação de BLOM,Ivo Comme l’eau qui coule,uma descrição dos do-cumentários primitivos em cores, da Coleção Desmetdo Nederlands Filmmuseum, de Amsterdam, p. 157,entre outros.

Essas reações premonitórias iniciais eramtípicas de alguns dos muitos destacados pen-sadores do momento, tomados de surpresa,enaltecendo criticamente a invenção que re-centemente surgira na Europa e na Américado Norte, cujas primeiras e extraordináriasapresentações haviam presenciado.

Considerava-se em parte resolvido um dosproblemas que seguia o ser humano a que elededicara estudos e pesquisas já havia anos,o da reprodução gráfica seqüencial de suasimagens e de suas ações em determinadascircunstâncias.

Com aquele misterioso aparato técnicoeletro-mecânico combinado, apesar de do-tado de toda a novidade, no fundo se ba-seava e se resumia num simples e naturalfenômeno da percepção e da visão humana:a persistência retiniana, descoberta por Pla-teau em 1828.

Só em 1912 é que a pesquisa em psicolo-gia chegou à descoberta mais sofisticada doFenômeno Phi de Wertheimer.4

Mas ambos, fisiologia e psicologia à parte,no principio do cinema o que havia em pro-fusão eram as sombras. As sombras e os re-flexos do sol que adumbravam, ofuscavamou iluminavam com ritmo e vida próprias.

É claro, seguidos de uma multidão de cu-riosos espantados assustados mas a um sótempo maravilhados com essas sombras e es-ses reflexos que possuíam a forma humana,claramente delineada.

Como até hoje, de certa forma, ainda esta-mos. A luz capturada e as sombras das pes-soas e dos locais pareciam saltar da tela e in-teragir com uma audiência que reagia física

4DE LA PLAZA, Francisco & REDONDO, Ma-ria José El Cine: Técnica y Arte, Madrid, Anaya,1993, p. 7. MACHADO, ArlindoPré-cinemas & pós-cinemas, Campinas, Papirus, 1997, p. 20.

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e verbalmente a estes estímulos visuais. Erauma poderosa reação, mista de emocional eracional.

E semelhante reviravolta acontecia logoali na Europa e nos Estados Unidos, assentoscativos do individualismo do Século das Lu-zes. Desde oCinèmatographedo bem apara-tado tecnicamente Lumière, aoKinetoscopee aoVitascopede Edison, de 1896, seguidosde seu desengonçado, ameaçador, mas com-petente estúdio compacto, oBlack Mariah,[pronuncia-se maráia] de 1897, que aindase encontra no Laboratório deWest Orange,New Jersey,negro e tremebundo ao se deslo-car, movia-se conforme a precisa direção daluz solar.

Em breve seguiram-se muitos e muitosoutros estúdios de produção, uns ao ar li-vre, outros enclausurados em depósitos mo-numentais que se modificavam internamentesegundo o interesse dos diretores e produto-res. Eram os estúdios que de primitivos setornaram aos poucos verdadeiras fábricas defilmes.

A técnica de filmagem e de apresentaçãodestes que se tornava aos poucos modelo, ados irmãos Lumière, em que uma fita per-furada em trilha era carregada num aparelhode projeção, assim crescia com o volume deproduções que surgia, não só num como nou-tro continente.

Especialmente se localizava na França,onde uma das primeiras situações vividas aser filmada, a Saída dos operários na fábricaLumière, 1895 (La Sortie des Usines Lu-mière, 1895) entre outros filmes da época,hipnotizavam as pessoas, façanha curiosa desua curta duração.

Este era um entre muitos dos brevíssimosmemorandos a serem lidos num futuro mag-

nífico que se prenunciava para o cinema. Ehouve muitos outros.

Possuíam esses primeiros desbravadoresdo reino das luzes e sombras uma garan-tida multidão de fanáticos clientes, animadae curiosa: os espectadores simplesmenteadoravam-nas. Mostravam reis, e rainhas,pescadores e camponeses, poetas e escrito-res da mesma e democrática forma com queo freqüentador do cinema queria que fossemvistos: a uma certa distância.

Dentre as cenas filmadas podiam-se divi-sar uma ou outra pessoa conhecida e não raroelas mesmas. Então todos se iluminavam cu-riosos, ao ver a si mesmos refletidos na tela,ou sabendo que isso viria, eventualmente, aacontecer.Quel frisson!

Louvava-se a elementar constante, princi-pal característica e integralidade indispensá-vel do cinema, à época: a luz solar e as suasdecorrentes sombras.

Sol, sombras e seus reflexos capturados,todos controlados ao espectro visível daluz, domados pelas rústicas lentes óticasda câmara manual, gravados indelevelmentenuma fita à base de nitrato de prata, capa-zes em seu conjunto de mover as mentes hu-manas daquele princípio de século que orafinda.

Como resultado, o sol, os seus reflexos esuas sombras, adestrados e amansados peloolho e técnica do cinegrafista, obtinha umailuminação cada vez mais sabiamente con-trolada pela ótica que foi, aos poucos, seaperfeiçoando e aprimorando.

Só mais tarde é que, primariamente sono-rizadas, com um gramofone, um piano, umtrio ou uma pequena orquestra, alçou vôo; aprincípio, alguns chegaram a ser até colori-dos manualmente, trabalho tedioso e infindode quadro por quadro, para a entrega final do

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produto nas salas de projeções e de espetá-culos devaudeville.

As casas de cinema surgiram como tal, so-mente já avançado o início do primeiro decê-nio do século. Enchiam de gente curiosa emcada apresentação. Tornaram-se famosas naEuropa.

Ali, especificamente na França, esses ver-dadeiros desbravadores da Sétima Arte, osirmãos Louis e Auguste Lumière, inaugu-raram com justeza a combinação da formae do conteúdo, cujos temas seguiam o seunome, cinema verdade (cinèma verité), en-quanto que George Meliés se dedicava ao ci-nema espetáculo. Aos poucos se diferencia-vam os interesses de trabalho desses geniaiscriadores.

Desde aquele princípio inconstante, in-certo e interrompido já antes várias vezes, éque se antevia, nitidamente, o futuro do ci-nema e do filme; não só se pensava ou sesonhava acordado; agora já se atestava que,

“Considerado do ponto de vista científico,o cinematógrafo [era] uma das mais curiosase mesmo uma das mais belas invenções denosso tempo. Alguns melhoramentos farãodele um instrumento perfeito e verdadeira-mente mágico."5

Acrescentar-se-ia, em seguida, fluindocom a lógica inexorável dos acontecimentose dos fatos, que sim, se tratava de fato deum instrumento mágico para os muitos finsdo engrandecimento da cultura e principal-mente da educação dos povos. De fato, esta,percepção era conseqüente. Fazia sentido.

E, por conseguinte, fazia mágicas. Sim, o

5GOURMONT, Rémy deEpilogues: Cinémato-graphe, Paris, Mercure de; in: France, setembro de1907, um artigo compilado por PRIEUR, Jêrome, in:O espectador noturno: os escritores e o cinema,Riode Janeiro, Nova Fronteira, 1995, p. 37.

cinematógrafo fazia mágicas para o melhorconhecimento científico do homem: mágicasao desbravar as fronteiras do desconhecido,mágicas ao divulgar abertamente o saber dahumanidade, além das novidades mundanasa que todos eram atraídos inexoravelmente,magicamente.

Conseqüentemente, viria a ser tambémmágico, na disseminação de conhecimentose informações próprias da aprendizagem, doensino e da educação. E toda essa magia eratambém ligada intima, indissolúvel e profun-damente à alegria, a diversão e ao entreteni-mento das pessoas: crianças, jovens, adultose anciãos, que dela se acercassem.

Porém, só se pôde compreender bem issoclara e definitivamente, muito de vagar, aolento sabor do tempo, o que veio acontecercom a análise meditada e refletida de umacentena de outrosexpertsem diversos ramosda ciência e da técnica em seu nascedouro eque rapidamente se aperfeiçoava.

A arte que foi desenvolvida então por ver-dadeiros artesãos, surgia num lento e seguroamadurecer, seguida das novas práticas e téc-nicas que o fazer cinema suscitou. Mas, nãose tratava de um elemento sobrenatural.

O extraordinário é que a magia do cinemainstigava pela sua racionalidade, pelo deleitedas audiências estarrecidas que queriam vermais e mais das suas novidades. Menos pelofantástico, mais pelo delicioso, encantador elogo fascinante.

Daí porque se chamou, nos princípios,lanterna mágica.

Magia simpática? Talvez.

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3 O filme documentário e os seusprolegômenos

Por sua especial natureza explanatória, aobra dos Lumière, o cinema verdade, repletode actualités, ou sejam, as notícias de atua-lidades informativas, possuía de início umacaracterística natural e explicativa própria deum filme documentário, sobre o que o diretorfrancês ROHMER, também um importantecritico, mais tarde, generalizando a situação,lucidamente enunciava: “Um bom filme étambém um documentário".6

Mas seria o próprio crítico CARRIERE,conhecedor astuto dométier quem, de vez,clarificaria como foi esse início. De quemaneira aars poeticado documentário en-quanto filme foi-se criando, maturando e de-senvolvendo, ao asseverar:

“Se tivéssemos podido preservar em filmeregistros, arquivos, imagens em movimentoou sons de certos tipos de entretenimentodos séculos XVIII e XIX, há muito relega-dos ao esquecimento, hoje poderíamos voltara eles com interesse, com a curiosidade ligei-ramente mórbida com a qual vemos o desfilede fantasmas bruxuleantes marchando nosvelhos cine-jornais."7

Bruxuleantes, a um só tempo que dota-dos de poderosos valores artísticos, culturaise histórico-científicos, mesmo se ainda umavaga alusão talvez reminiscente dos croquistécnicos de Leonardo ou das obras de Rem-brandt, Ticiano e Miguelangelo, eternos re-tratistas da incipiente ciência renascentista eda vida nas cortes européias, cujo valor artís-tico e pedagógico fala hoje por si mesmo.

6CARRIERE, Jean ClaudeA linguagem secretado cinema, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1995, p.139.

7CARRIERE, op. cit., p. 140.

Esta espontânea percepção artístico-poética e simbólica explica em parte o comoe o porquê do fenômeno paradigmáticorecém instalado; desde o princípio deve terexistido, mesmo se casualmente, um fortecomponente explicativo e de documentáriono filme dos desbravadores daquela que sechamou Sétima Arte.

As energias criadoras voltadas à sua reali-zação fluíam em consonância e em confluên-cia. Se a ficção replicava, pelo olho cadavez mais preciso da câmara, a própria vidaque não só imitava, repetia e recriava, a não-ficção contava e explicava o real explicita-mente. Dizia a verdade que captava por meioda visão e logo em seguida do som, o quantopodia.

É possível que tal fenomenologia deva, nopresente, ostentar um

valor fundacional e tradicional intrínseco,despercebidamente incalculável, pelo queafirma com veemência o citado autor, “Tal-vez os documentários que inadvertidamenteproduzimos sejam um dia disputados à tapapor pequenos grupos de estudantes especia-lizados"e por isso sugere-se, como hoje, se-guramente, o sejam requisitados avidamenteaqueles documentários que foram produzi-dos no passado.8

Contudo, o cinema arte e o cinema docu-mentário poderiam se aproximar ou se dis-tanciar na medida das condições, do inte-resse e da perspicácia de seus autores, já en-tão chamados de diretores, realizadores ouregisseurs: aqueles que os dirigiam, realiza-vam e registravam.

O conhecimento humano tornava-se assimalgo como que escrito e em seguida impressoquimicamente, registrado em nitrato depois

8CARRIERE, op. cit., p. 140.

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em celulose, a todos visível e palpável, assi-milável pela sua incrível simplicidade, agra-dável pela estética esperada, sobretudo pelaracionalidade lógica e moderna, tanto explí-cita quanto implícita.

Mas também frágil e facilmente incandes-cente, capaz de perder a sua flexibilidadee maleabilidade, apodrecendo e se deterio-rando depressa ao envelhecer, dado às qua-lidades químicas instáveis do material baseutilizado. Os filmes antigos requeriam cui-dados e muitos foram os que se perderamdestruídos pela implacável voracidade de seuprimordial inimigo: o fogo.

Consta que mais de 90% dos filmes àbase de nitrato já não mais existam. Correa rima, na arquivologia de cinema:nitratedon’t wait. [O nitrato não espera]

Mas enquanto isso não acontecia, conti-nuava funcionando como se fosse um livrofolheado em páginas ágeis, graciosas e rápi-das, mais tarde sonorizado, desta ou daquelamaneira, falado ou musicado, ilustrado pelacoloração ou pintura, para uma ainda maioratração à todos os demais sentidos, levando àplatéia a um deleite cada vez mais acentuadoe marcante.

Realizar e dirigir um filme era e ainda é, naopinião do profundo conhecedor do assunto,CARRIERE, um trabalho “de alquimia, detransmutar papel em filme. Transformação.Transformar a própria matéria".9

E essa alquimia vinha convenientementeacompanhada e mesmo seguida bem de pertopor uma sequiosa audiência de curiosos inte-ressados. Esta pequena multidão tornava-sea sua cúmplice natural ao se confirmarem assuas expectativas e ao se certificarem as suasestimativas da novidade que se tornaria parte

9CARRIERE, op. cit., p. 146.

de nossas vidas, sobre a qual detalhava DEL-TEIL, em 1923:

“Adoro o cinema documentário. Aqui,aplaudo até quebrar meus dedos finos. Sejamfenômenos de ordem vegetal, divertimentosde rinocerontes ou pulgas, efeitos de neve oude palmeiras, acho tudo admirável. Ali, nãosinto qualquer inquietação. Conheço os li-mites da reprodução e não espero que de umavaca nasça um esquilo, nem de uma pêra ma-dura uma obra de arte. A arte é um micróbio.Falta ao cinema esse micróbio. Mas no do-cumentário sinto-me seguro e estável. Aí, euposso tocar minha obra com os olhos, com asmãos. Ele é redondo e límpido. Ele é claro.E quando essa documentação se aplica a umaoperação sensual cheia de gosto e de risco,de aventura e de saúde, fico à vontade e sor-rio contente."10

Aproximadamente nessa época (ao iníciodos anos 20) surge a opinião sensata en-quanto teórica e funcional de um dos paisdo documentário, o inglês Grierson, peloque nos adverte a crônica daquele momento,em que o documentarista deveria ser o pe-rene “Portador de um conhecimento genera-lizado e assim do segredo da racionalidadesocial harmonizada, o intelectual deve en-contrar meios sociais e intelectuais para tor-nar aquele conhecimento efetivo.” Grier-son, um diretor virtuoso, preenche o dever deeducar, transmitir tal conhecimento às mo-dernas e divididas massas, a quem de outraforma seria inacessível. Afinal, a conceptu-alização griersoniana do filme documentárioé de uma teoria sobre a função e o dever daselites com respeito às massas da população,não só como liderança política, mas como

10DELTEIL, JosephCholéra, Paris, Grasset, 1923,compilado por PRIEUR, Jerôme, op. cit., p. 111.

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“educadores de quem, entre outras coisas, seurge o trabalho de agentes produtivos da mí-dia."11

Desde logo percebem-se senão as inten-ções, ao menos as extensões fundacionais, dacriação mesma do documentário, qual sejamas tarefas educativas, desde então persegui-das de perto mas nem sempre completas etotalmente alcançadas.

Logo adiante, seguindo a fugidia mas nemsempre tão veloz flecha do tempo, quase queculpa de um princípio incerto, já se haviamidentificado os dois gêneros, pela pena es-perta de outro dos primeiros especialistas ecríticos da época, o húngaro BALAZS, queexplicava em suas palavras, a diferença do“filme de vanguarda ou abstrato e o docu-mentário puro. Entre eles existem os gênerosmais convencionais de filme ficcional, cine-jornal, filme educacional, documentário pes-soal."12

Supõe-se que ele acreditasse que entre es-tas categorias houvessem gradações e queo documentário puro pretendesse, pelo queafirma diretamente ANDREW ao citar o au-tor Balázs, “penetrar tão profundamente noâmago da vida, reproduzir tão vividamentea matéria-prima da realidade, de modo aencontrar elementos dramáticos suficiente-mente expressivos sem ter necessidade deum enredo construtivo.” (sic)13

Para aquele autor havia um fator qualifi-

11ROSEN, PhilipDocument and Documentary: Onthe Historical Concepts, in: RENOV, Michael (ed.)Documentary, New York, Routlege, 1993, p. 80.

12ANDREW, J. DudleyAs principais teorias do ci-nema: uma introdução,Rio de Janeiro, Zahar, 1989,p. 102.

13ANDREW, op. cit., p. 103, citando BALÁZS,Bela On the film, Londres, Dobson, 1952, p. 156.Note-se que os de Balász são dos anos 30 e 40.

cativo dos fatos históricos que se sucediame definidores dessa nova situação como umtodo, em que hábil e sutilmente: “Os cine-astas [deveriam] encontrar a verdade na in-compreensibilidade e no rumor da realidadee deixar livre essa verdade a fim de que [pu-desse] falar."14

O Século Vinte já se prenunciava com aforça e a pujança que exigia das cada vezmaiores populações, das também inchadasmetrópoles. Numa potencialidade cósmicaque prenunciava o forçado desconforto dosconflitos sociais internos e das guerras quese sucederam como uma irônica exigência àpaz, à justiça social, à exigência da liberdadee dos direitos humanos que, mal ou bem, afi-nal se seguiram bem ou mal, aproximando-sedo presente.

Sem dúvida, desde os alvores do cinema-tógrafo havia uma intensa e cálida relaçãocarnal, comunicativa, espontânea, realística,características essas extremamente podero-sas que visitavam tanto aos documentaristasquanto aos demais realizadores e os ligavamà problemática social, de resto refletida comfreqüência até os nossos dias.15

Não só se mesclavam e tocavam os sen-timentos mais profundos das platéias daépoca. Havia uma preocupação consensuale consentânea às pessoas, às gentes, aos po-vos, ao sofrimento das massas abandonadas,do lunpen proletariate à sua vida diária.

Descortinavam-se as preocupaçõescom os movimentos sociais engajados.Demonstravam-se as prementes necessida-

14ANDREW, op. cit., p. 103.15BARNOUW, Erik Documentary:a History of the

Non-fiction Film,New York, Oxford University, 1993,passim. Trata-se de um trabalho claro, completo e ri-camente pesquisado sobre a origem histórica dos do-cumentários.

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des de se representarem os excluídos dasociedade e as suas opções defensivas de so-brevivência, quase sempre revolucionárias.

Ademais, se esclareciam os grandes acon-tecimentos, as vitórias e tragédias mundi-ais como as já mencionadas exposições efeiras internacionais e as malfadadas guer-ras. Questionavam-se os entraves e as rup-turas sociais relativas ao ser humano e a suadramática vida em sociedade. Ofereciam-se com altruísmo alguns meios de conheci-mento da vida na face da Terra, fosse comofosse.16

Semelhantes contextos étnico-antropológicos, artístico-culturais epolítico-sociais descritivos, persistiramquase sistematicamente no filme documen-tário e sem querer bem ou mal, tambémnoutros gêneros do cinema de interpretaçãoou de ficção, tais como no filme histórico eno biográfico.

16MICHELSON, Annete & O’BRIEN, Kevin(eds.) Kino-Eye: the Writings of Dziga Vertov,Ber-keley, University of California, 1984, passim. Vertov(pseudônimo de Denis Kaufman) e seus irmãos, foium dos criadores do cinema noticiário-propaganda daUnião Soviética, apoiado de início por Lenine e emseguida por Stalin, ele (e a sua equipe) revolucionouo cinema social e político daquele instante da revolu-ção russa, levando as suas idéias às populações maisafastadas e delas sempre obtendo maiores elementose subsídios cinematográficos de que tanto necessi-tavam. Nas palavras do diretor Paul Rotha, Vertovinaugurou “the News Reel Tradition"no que concerneaos documentários. Em comparação, encontra-se emSNYDER, RobertPare Lorentz and the DocumentaryFilm, Reno, University of Nevada, 1994, passim, todaa produção daquele diretor, no esforço sobre-humanoao qual se convocaram todos os Norte Americanospelo Presidente Franklin Delano Roosevelt, nos anos30, à séria luta contra os nefastos efeitos da grande de-pressão, enfatizada numa biografia em que as novastécnicas de filmagem e os filmes principais daquelediretor são analisados e comentados.

Mas, não se limitando aos parâmetros lite-rários restritivos, o documentário como umapeça de não-ficção, partiu para lidar com ocontexto da natureza, da vida animal, das ci-ências e das tecnologias. Das certezas e in-certezas dos momentos e das eras tecnológi-cas e científicas que se seguiram e ainda seseguem.

Tornou-se-nos variado, somando aos ro-teiros educativos de viagens maravilhosas,imaginárias (da hoje ficção científica) ou ver-dadeiras (da realidade das ciências naturais efísicas), aos recônditos dobathos, da profun-didade escura dos oceanos, aos píncaros ne-vados da terra, daí saltando enfim, de voltaao espaço, agora o cósmico, recém explo-rado e habitado.

Essas preocupações têm atraído uma pla-téia constante ao introduzir ainda outros ele-mentos naturalistas, éticos e estéticos vol-tados ao ser humano em suas variadas ma-nifestações conforme a tradição tem ense-jado e difere extraordinariamente do cinemaficção holywoodiano onde não se realizamquaisquer questionamentos, de fato evitandoas atribuições humanitárias ou políticas queporventura já existam ou surjam no processo.

Neste cinema de pura invencionice cria-tiva, ou nem tanto, quase sempre para ma-tar tempo, salvo raras exceções, não importaque desculpa usem, de certo modo ofereceum ilusionismo para fugir da realidade, logoé uma forma mais ou menos psicológica, nãoraro inédita, mas muitas vezes repetidas ourefilmadas, de puro escapismo.

Isto transparece pela constatação, que re-flete a própria História do Cinema, aquiloque nos afirma ANDREW: “Na teoria do do-cumentário, os laços entre uma estética da

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percepção e uma ética preocupada com o so-cial existem até hoje."17

O que se torna de todo uma posição com-preensível e plausível desde que, rapida-mente entendamos com clareza e não per-sista a menor dúvida que:

“Inúmeras vezes lemos ou ouvimos dizerque o cinema existe para nos fazer ver omundo tal como ele é, para nos permitir des-cobrir [a] sua textura visual e para fazer comque entendamos o lugar nele ocupado pelohomem."18

Essa calorosa, profunda e simpática car-nalidade humanística, tão vividamente de-monstrada em sua diversidade aqui e ali,tornou-se-nos uma importante ferramenta-chave no entendimento e a transferência doconhecimento elementar do que seja hu-mano, para fins de aumentar a percepção doindivíduo comum e revelar a sua íntima pro-ximidade do micro e do macrocosmo, queocorre praticamente em todos os gêneros ar-tísticos, com maior ou menor intensidade eem todas as possíveis dimensões a se vislum-brarem através da Sétima Arte.

Os desdobramentos da revolução cientí-fica e tecnológica, bem como as diversas re-voluções sociais, assim o demandariam du-rante todo o século que ora finda e que con-tinua a exigir semelhante tarefa, um aportedigno de um Sísifo moderno: construir, des-construir, freqüentemente destruir e de novoreconstruir. Sempre, numa faina eterna e in-terminável.

Repetidamente. Não importa o quê, seprédios, ruas, cidades, estados ou socieda-des, sistemas, teorias, ou a nós mesmos. Osextremos prenunciados em Balázs, se distan-

17ANDREW, op. cit., p. 112.18ANDREW, op. cit., p. 112.

ciando ainda mais das inúmeras formas, jádiametralmente opostas ou até relativamenteintermediárias. Ao fazê-lo aqui e ali, na re-alidade, as aproximavam, naquilo que reafir-mavam a intimidade dos seres humanos noterreno concreto-pessoal, consigo mesmos ecom tais avanços sociais.

E não parava nisso. Perto dali nofértil campo naturalista, criavam-se e atésolidificavam-se os conhecimentos por viasdo documentário mesmo ou do filme histó-rico e científico que se aproximava das ciên-cias exatas e da natureza, considerando a suapor vezes ingênua atitude e questionamento,com uma certa intimidade de quem vive essafase da história da humanidade.

No reino abstrato lógico-filosófico, com ajá mencionada ética e a estética embutidas nofilme documentário. A verdade se lhe igua-lava ou ao menos emparelhava, julgando-se a parceira ideal do esteticamente belo,enfim, contendo partes do metafísico e dotranscendental, transparecendo em exemplosa todo momento, introjetados ampla ou res-tritamente nos diversos tipos ou gêneros ci-nematográficos em trânsito, além do própriodocumentário, fiel às suas origens.

Inventavam-se o paradoxal e o enigmá-tico que poderia existir nas artes e ciênciasmostrando-se todas as faces ocultas, maspossíveis e imagináveis dogestaltcomuni-cativo.

Continuava claramente valendo a afirma-ção de quem presenciasse a todos os fenô-menos a que a humanidade era afeita e a elespossa se comprazer em estudar e observar, oque não raro o faça detidamente para o seuprazer pessoal e o interesse de muitos.

Em última análise, tudo é, todos somospartículas de uma mesma poeira cósmicatransformada e quase indiscernível, con-

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tudo cientificamente comprovável e auto-evidente.

Essa era a impressão que se tinha ao se sairde uma sala de projeção, ao se ter visto umfilme-verdade ou natural, na primeira metadedo Século XX. Desde então as mudanças emodificações sofridas foram metódicas, bemdosadas e até constantes.

Além disso foram eles agentes externosperscrutadores da ciência, os reais e verda-deiros iniciantes das novas técnicas basea-das na procura dessa estética e dessa verdadeque, via um instrumento fotográfico evi-denciador, comprobatório, dos poucos queexistiam na época nos demonstraram, con-firmando ou renegando alguns fenômenos,colocando-nos defronte a um espelho, emconfronto com uma realidade desconhecidaaté então: a de nós mesmos, a do próprio serhumano em seu meio-ambiente terrestre.

O ser humano, despido de sua roupagemde gala: o homem nu. A natureza em suaorigem. O homem no seu nascedouro. Acivilização no seu berço. As múltiplas de-monstrações da luta humana arranhando, es-carificando a face da Terra. Afinal, a Terrareabsorvendo o sangue quente dessas incipi-entes tentativas de sobrexistência, a arqueo-logia, a própria gênese humana recriada e re-capturada.

Ademais, valia na sua persistência, o es-forço em nos tornarmos uma imagem divina.Custavam caro os altos e baixos dessas inú-meras tentativas: a sua constância, a sua ri-queza e a sua fatal ou trivial fútil inutili-dade frente à selvageria latente, tanto a nossaquanto a da natureza. Enfim, despontavauma resposta ao quem somos, para que vi-emos e para onde vamos.

Vale aqui a analogia. Se o microscópio era(e ainda é) o instrumento preferido da biolo-

gia e da medicina, a luneta astronômica in-dispensável na Física e na Astronomia, en-tão era o cinematógrafo, por força, o instru-mento querido e favorito da Antropologia, daSociologia e da Etnografia. E, desde logo,por analogia, porque não o seria também daHistória, da Geografia e por fim da Educaçãocomo uma disciplina que converse com asdemais, uma verdadeira tans-disciplina, ser-vida pelo meio?

Contribuiu à sua disseminação rápida deprincípios, meados e de fim de séculouma crescente platéia movida pelos confli-tos mundiais, pelas contradições sociais in-ternas, a opressão dos povos, e mais tarde,pela própria guerra fria.

Eram imagens de início distribuídas emcaminhões e trens pelas cidades e vilas lon-gínquas e esquecidas, nos cinemas improvi-sados de vilarejos e nas casas de espetáculosdas cidades.

Mas, assim que possível em termos tecno-lógicos foram divulgadas pela televisão sob aforma de tele-documentários e logo pelo ví-deo às grandes multidões urbanas, suburba-nas e rurais. Praticamente em todo o mundo.

Com uma clara firmeza o cinema e o filmedocumentário se nos demonstram essa capa-cidade intimista e humana de sermos ou as-sumirmos entidades operacionais paralelas,auto-geridas e capazes de refletir sobre nósmesmos, cada vez mais intensamente, de de-monstrarmos com igual veemência essa ca-pacidade refletida, assim como, de falarmospelas demais entidades que nos cercam e ro-deiam, se porventura capazes de fazê-lo, elasmesmas por conta própria.

É a magia do cinema e do filme documen-tário do antanho, chegando aos nossos dias,pelo que se sente, cada vez mais vibrante eintensa.

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E quando mais tarde quisermos ou em mo-mento propício repetirmos esse pensamentogravado de uma forma explicativa e pedagó-gica em que os sentidos sejam por ela absor-vidos e remetidos tanto ao ávido interessadoaprendiz ou neófito, ao pesquisa dor ou aoconnoisseurquanto ao mero amador ou curi-oso.

Torna-se um instrumento de reflexão nãosó do tempo como dos costumes, um livrohistórico de imagens, uma repetição da rea-lidade fugidia e do momento atemporal, umdocumento sobre a raça humana escrito e fil-mado para o futuro de si mesma.19

Com estas características criou-se e cres-ceu, na virada e durante todo o século, comoum formidável instrumento de ensino, sím-bolo quase mítico e místico, somatório demuitos outros documentos, opiniões e cre-dos de diversas origens e épocas imagináveisdo ser humano, intérprete e reflexo do para-digma simbólico e artístico que se destacariano cinema, no vídeo e na televisão.

Estamos seguindo com fidelidade os dita-mes deste paradigma até hoje, cada vez maisíntima e intensamente e projetando as pre-tensões de um século vindouro informativoe popularizado repleto de outras invençõesanálogas, ainda mais sofisticadas e extraor-dinárias.

19Para uma visão acurada e coerente do relaciona-mento e interseção do Cinema, da História e da me-mória cultural dos povos, ver LANDY, MarciaCine-matic Uses of the Past, Minneapolis, University ofMinnesota, 1996, passim. Em NICHOLS, BillRepre-senting Reality, Bloomington, University of Indiana,1991, o autor se dedica entre outras opções, a refletirsobre a prática da ética e da objetividade no cinemadocumentário como um modo de representação da re-alidade.

4 O documentário e a suatrajetória: a disseminação pelovídeo do documentário comotexto educativo

Dos dias de antanho em que a Sétima Arteera uma novidade cheia de charme, insti-gante e momentosa. Nascido neste meio,o documentário veio se aproximando calmae desapressadamente, chegando ao estadoda arte presente da cinematografia moderna,com as suas freqüentes invenções e inova-ções, com a sua sintática gramatical, junto ànarração sintética, explicativa e diretamenterelacionada com as imagens que se desenvol-veram de forma aperfeiçoada até hoje.20

Como sugerido, em instantes diversos ser-viu aos meios e disciplinas acadêmicas, daEtnografia, Antropologia, Arqueologia e àoutras ciências tais como a Biologia e a Fí-sica.

Noutros momentos, foi peça importanteaos vários esforços de paz e de guerra dospaíses pacifistas ou em beligerância, comodemonstradores de técnicas de Agricultura,de construção ou de combate, de uso e ma-nutenção de equipamentos e máquinas, ex-plicadores de estratégias e táticas, ou mesmode propaganda política.21

Passadas as guerras, prestou serviços comméritos às ciências conhecimento como po-derosos disseminadores de tecnologias, mer-cadologia como vendedores de equipamen-tos e produtos de diversas origens, rapida-mente chegando às escolas como elemento

20BARNOUW, E. Documentary, op. cit., passim.ROSENTHAL, Alan Writing, Directing, and Pro-ducing Documentary Films and Videos, Carbondale,University of Illinois, 1996, p. 256.

21BARNOUW, E. op. cit., pp. 205-210 e passim.

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de ilustração de matérias e assuntos de ori-gem e criação variadas, a uma miríade depossíveis interessados, não só de jovenscomo de adultos que agora se utilizariam dosarquivos fílmicos, datando de cerca de umséculo da História da humanidade.

Entrou nos nossos dias às nossas casas einstituições de ensino, por intermédio da te-levisão pública ou da aberta, principalmentedo vídeo televisado embroadcast(circuitoaberto} oushortcast(circuito fechado}.

Ou mesmo de uma combinação de ambosem que se recebiam programas em circuitoaberto para uma quantidade de instituiçõesescolares pertencentes a um grupo e estas,uma vez recebidos os programas via satélite,poderiam ser disseminados em cada local ouinternamente em circuito fechado ou distri-buídos sob a forma de empréstimos de vídeo-cassetes domiciliares de biblioteca.

Esta tecnologia de entrega de programasque é para nós novidade está instalada emdiversas escolas e universidades Norte Ame-ricanas há mais de duas décadas.

Do seu início instável, irregular, e de ten-tativas e erros, quando tudo era novo ou no-vidade e requeria uma atenção em especiala cada instante, passando pela preocupaçãoestético-social, pela não rara fantasia do no-ticioso jornal-falado semanal, mergulhandono realismo docinèma verité, chegando-nosinsinuadamente desde que surgiu a imperi-osa necessidade de se saber mais e mais acu-radamente sobre um determinado assunto,vagando pelas diversas imagens de arquivo,consistentes com a realidade que se produziaaos ávidos olhos docamera man.

Com isto reafirmou-se e confirmou-secomo um excelente instrumento educativonaquilo em que mostra as visões de um pas-sado distante, clarificadas em seu contexto

histórico e cultural e identificadas com oscostumes e o saber atualizado e por eles refi-nados, traduzidos à língua franca dos grupossociais atuantes na ocasião.

Afinal, glorifica-se o cinema-verdade, quehoje é conhecido também como de não-ficção e que tem assim cumprido a sua mis-são educativa com um certo esmero há maisde um século.

Neste périplo, como se tem mostrado,o documentário técnico-científico cumpriude modo impar a sua parte informativa eeducativo-pedagógica voltada às ciências.

Não se deve esquecer do documentáriohistórico, do cultural étnico-antropológico, edo popular instrumento de divulgação turís-tica, o chamadotravelog, que pode se apro-fundar no cultural, no geográfico, no patri-monial e no político localizado.

Todos eles, por meio de seus diretores erealizadores, procuraram se impor às restri-ções técnicas e financeiras e têm-nos deixadoum patrimônio de cultura, de observação danatureza e de educação sem igual.

Nos dias de hoje, o tele-documentário uti-lizado pela televisão como instituição de en-sino à distância, é um dos seus instrumentosprediletos de ensino e de informação pública,pois extrapolou as bordas do cinema artísticoe do científico, galgou uma categoria única eprópria pelo tão esperado casamento da edu-cação com o divertimento, da arte com a ci-ência, mediados pela técnica, peloknow howeknow what.

A indissolubilidade dessa união tem comfreqüência promovido alguns desdobramen-tos inesperados em que o produto torna-seuma constante positiva para a Ciência daEducação, em particular às Tecnologias Edu-cacionais. Como nos explica claramenteMACHADO:

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"Quantos livros impressos poderiam riva-lizar em originalidade, extenso de pesquisas,profundidade de análise e autoridade cien-tífica com séries televisadas comoCivilisa-tion, Ways of Seeing, Inside the CIA: On theCompany Business, The Power of Myth, Vi-etnam: a Television History, The Living Pla-net, Sur et sous in communication, El artedel videoou a brasileira América? ...não po-deríamos pois, dizer que os filmes, os vídeos,os discos e muitos programas de rádio e tele-visão são os ‘livros’ de nosso tempo?"22

Torna-se evidente que podemos compararos tele-documentários aos livros e com justarazão fazer uso deste valioso meio de ensinode modo adequado.

Mas, vale a pena acrescentar a esta citaçãoo fato de que tão importantes quanto as pes-quisas realizadas, estão a descoberta e usode imagens de arquivo, as quais nem sem-pre absolutamente ajustáveis ao texto escrito,mas sempre adequadas quanto a demonstra-ção gráfica do que vai ser dito ao retrabalharimagens de outrora, ao revitalizar o seu con-teúdo pelo olho da câmara.

Como sempre, tudo depende de pesqui-sas e de investigações sobre as origens des-sas metragens de filme histórico, tão impor-tantes e tão abandonadas ao acaso das latasenvelhecidas e empoeiradas de arquivos portodo o mundo. E agreguem-se muitos e mui-tos outros programas e séries realizados du-rante tantos anos em toda aparte, foram per-didos em incêndios ou estragados, como sedisse, pela má conservação. Exceto, é claro,uma mínima parcela de itens importantes re-descobertos e restaurados, sabe-se lá à quepreço.

Portanto, são estes alguns dos elementos

22MACHADO, op. cit., p. 179.

fundamentais evolutivos dos documentários.Tratam-se de documentos filmados que sãopossuídos dessa capacidade literária, histó-rica e didática com as primordiais atenuan-tes, em termos gerais, que nem todos clara-mente percebem e se dão conta, e que enu-meramos:

Primeiro, se são capazes de substituir li-vros é porque o são, em si mesmos, ou livrosou partindo destes, roteiros escritos, antes dese tornarem filmes completos. Os roteiristas,antes e em princípio, devem ser escolhidosentre os escritores competentes e precisos.23

Segundo, porque ao serem rescritos paraa produção e a montagem do filme podemvir a ser e de fato freqüentemente são, au-tomaticamente revisados, rescritos e retraba-

23Note-se, entretanto que exista o imperativo deque se domine uma abordagem cinematográfica ho-nesta e sincera, além de precisa, quanto aos fatos reaisque porventura venham a ser filmados ou documen-tados. Veja-se como exemplo da descrição de algooposto ao que ora é sugerido, o trabalho de CAR-NES, M. E, et al.Passado imperfeito: a história nocinema, Rio de Janeiro, Record, 1997, onde se mos-tra com clareza que a História é tratada aos trancospor muitos diretores. Este não sendo precisamenteo caso específico do filme documentário ou de não-ficção, ilustra com aproximada firmeza o assunto, queé o cinema tratado como um elemento representativoda realidade. Aqui se expõe uma interpretação da ver-dade dos diretores de ficção histórica, trabalhando arecriação histórica, comparada às suas inerentes limi-tações no que respeita o fenômeno incerto e subjetivoque é a representação da realidade pelo cinema. Jáo papel dosadvisors, ou seja, dos conselheiros eex-pertsem determinados capítulos ou temas históricos,é claramente explicado em ROSENTHAL, op. cit.,pp. 251-58. Se por um ângulo não lhes é fácil en-tender que se trata de uma parceria em que o historia-dor se torna em sua ação um verdadeiro realizador, oucomo afirma Rosenthal,"a true film maker", visto deoutra perspectiva, ignorá-los seria fatal e a sua finalinexistência na produção de um documentário histó-rico, torna-se extremamente perigosa.

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lhados; antes e depois de finalizadas todas assuas etapas de concepção, seguindo odesignexplícito da sua elaboração detalhada, devehaver espaço para serem não só administra-dos e planejados, como reavaliados e revis-tos em sua filosofia, nas esperadas pré e pós-produção.

Terceiro, porque ao absorverem quase queinteiramente os sentidos dos que os presen-ciem, exceto talvez o olfativo, por sua na-tureza de teor informativo-decisório médio-baixo, torna-se desnecessário o uso ou a in-tervenção, assim mesmo instigando e provo-cando até o tátil, ao pularmos atentamente,com precisão aos quadros ou seções quemais ou menos nos interessem, com a ajudaeficiente do manuseio competente do con-trole remoto.

Quarto, ao absorverem quase que no totala audição e a visão motivam-nos a reaçõesintelectuais racionais, à curiosidade e ao de-leite emocional e físico do presenciado, ele-mentos inerentes, característicos e necessari-amente presentes ao aprendizado.

Quinto, partindo de uma maneira explícitaou nem tanto, imediatamente suscitam, entreoutras, algumas reações racional-cognitivasnaturais tais como a certeza quanto a cre-dibilidade, ou contrariamente a incredibili-dade, a percepção automática de uma veros-similhança ou ao inverso, uma aleatória fal-sidade, esses, alguns dos princípios básicosmovendo a procura, a dúvida, enfim ao queseja de mais difícil inferência, bem como oquestionamento, a aproximação ao encontrodo teórico, chegando enfim, à descoberta for-tuita mas esperada e veemente da verdadepor intermédio de sua esmerada reconstru-ção.

Sexto, porque ao lançar mão de váriosmeios criativos, descritivos e ilustrativos

extra-filme, a eles profundamente ligados edeles originários, estes se tornem multiplica-dores em sua tarefa de convencimento e deraciocínio objetivo pluralista, em termos deavanço em direção a um conhecimento pro-gressivo e intensivo, tanto nas suas formasqualitativas quanto nas quantitativas, para osfins de explicações de aprendizado que sejulguem necessários aos assuntos abordadoscomo um todo ou tratados especificamenteem cada programa.

Entretanto, note-se que na sensata opiniãode MACHADO, a substituição abstrata do li-vro pelo vídeo não é quase sempre absoluta,como se poderia imaginar, o que no seu todosó em parte concordamos:

“Pelo simples exame retrospectivo da his-tória desse meio de expressão, que o vídeoé um sistema híbrido; ele opera com códi-gos significantes distintos, parte importadosdo cinema, parte importados do teatro, daliteratura, do rádio e, mais modernamente,da computação gráfica aos quais acrescentaalguns recursos expressivos específicos, al-guns modos de formar idéias ou sensaçõesque lhe são exclusivos, mas que não são sufi-cientes, por si sós, para construir a estruturainteira de uma obra."24

É fácil estar de acordo com essa observa-ção da existência de uma hibridez existenteno vídeo, dos sistemas de códigos significa-tivos importados ou de várias origens, impor-tantes e indispensáveis pois todos fluem a umfim comum, qual seja, o da clareza, precisãoe rapidez de passagem do conhecimento e dainformação transmitida.

Pode-se conviver sem problemas, com se-melhante hibridez que não signifique nem acontradição nem o paradoxo, ambos resol-

24MACHADO, op. cit., p. 190.

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vidos por antecedência ou então temporari-amente ignorados ou descartados, com finsde oferecer uma organicidade racional maiorao trabalho proposto, em construção ou já vi-sualizado.

O que se torna difícil aceitar, e no que dis-cordamos em parte da opinião do citado au-tor, é naquilo em que pela beleza estética,pela elegância, praticidade e portabilidadedeste meio de aprendizado, a inerente capa-cidade de transferência positiva de conheci-mentos de que ele é dotado e nem sempreencontrada em livros, o documentário video-grafado em nada impede, exclui ou tolhe al-guns dos seus componentes internos educa-cionais, sejam desoftwareou de conteúdo,dos mais significativamente explícitos aosmais frágeis e menos ou não-desenvolvidosno texto filmado produzido, possam vir aser reforçados via meios comunicacionais eexplicativos primários adicionais, alvo prin-cipal de quaisquer inquirições acadêmico-universitárias mais profundas ou até mesmodas mais simples pesquisas do cotidiano es-colar.

Os educadores do presente fartamente de-monstram o que significa essa posição. EIS-NER, por exemplo, entre outras afirmaçõessugere a importância epistemológica da fo-tografia e do filme científico, leia-se docu-mentários, em reforçar diretamente aos estu-dantes as diversas possibilidades existentesna pesquisa qualitativa mais diretamente tal-vez que em qualquer outro modelo.25

Parece evidente a esse autor que em mo-

25EISNER, Elliot W.The Enlightened Eye: Quali-tative Enquiry and the Enhancement of EducationalPractice. Upper Saddle River, Merril, 1998, p. 236-37. Do mesmo autorCognition and Curriculum Re-considered,New York, Teachers College, Columbia,1994, p. 52-54.

mento algum se restrinja à fotografia e aocinema essa passagem de conhecimentos deuma latente epistemologia.

Por conseguinte, entende-se que os meioscomunicativos devessem ser usados em con-junto, compreendendo-se que, entre uns eoutros, haja e descubra-se um equilíbrioconstante, até porque semelhante equilíbrioexiste implicitamente na natureza das coisase em quaisquer que sejam os avanços ou asinovações sociais que se venham porventuraa estudar. Basta procurar com calma que seencontra.

Oferece-se um outro exemplo de reforço,o do estudo das várias categorias da inte-ligência racional desenvolvido por GARD-NER, onde se reafirmam subjacentes à ri-queza em termos racionais cognitivos, ofilme e o cinema, que criam e transferem co-nhecimento aos grupos de estudantes, ama-dores, ou neófitos, como um todo.26

Como agentes de transmissão de conhe-cimento, a racionalidade estudada perma-nentemente pelo autor transparece em to-das as "inteligências"que investigou, pela ra-zão própria da existência e da continuidadedo filme documentário ao recriar a realidadeda vida comum diária. Pois estas tambémlhes são implícitas e certamente não pode-riam deixar de sê-lo ao cinema educativo eao filme ou tele-documentário.

E é a Europa que nos oferece um exem-plo criterioso da vontade de ensinar com oauxílio do documentário e de outros tipos dedisseminação informativa televisionada. É o

26GARDNER, HowardFrames of Mind, the The-ory of Multiple Intelligences,New York, Basic Bo-oks, 1993, passim. O titulo deste livro do mesmo au-tor é Estruturas da Mente, a Teoria das InteligênciasMúltiplas, Trad. Sandra Costa, Porto Alegre, ArtesMédicas Sul, 1994.

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que transparece em MEYER, ManfredAs-pects of School Television in Europe, livro deleituras abrangente desse continente, que es-tabelece a primazia do meio como elementoformativo e informativo em todos os níveisde escolaridade.27

Portanto, deve-se considerar que não de-veriam existir maiores dúvidas ou empeci-lhos ao desenvolvimento do saber e do co-nhecimento a partir do documentário comomapa do caminho e fonte natural e primor-dial dessa transferência de saber.

Ou ainda como um meio significativo àabertura de novas formas de se pensar cri-ticamente da forma como estes dois educa-dores sabiamente demonstram e enfatizam.

Contrariamente, podem e devem, sim, ha-ver opiniões críticas discordantes dessa oudaquela posição ou opinião manifestada, quese imprimam e se deixem conhecer ampla-mente, o que acontece com certa freqüência,conforme sugerem diversos autores.

Isto porque, como se está farto de saber,não existe uma verdade única, nem um sa-ber paradigmático unívoco. Muito ao con-trário, estes saberes se deslocam de lugarpara lugar, tramitam e transitam entre épo-cas e eras do pensamento humano com ousem regras próprias, portanto fixas ou não,variando segundo circunstâncias nem sem-pre definidas por completo, estabelecidas oupré-ordenadas de forma útil e de fácil uso.28

27MEYER, Manfred (ed.)Aspects of School Tele-vision in Europe, a Documentation. München, Saur,1992. São 66 documentos que cobrem uma variedadede assuntos inerentes ao titulo. Pode ser obtido como autor em www.izi.org.de. IZI é o acrônimo deIn-ternationales Zentralinstitut fur das Jugend und Bil-dungsfernsehen, Rundfunkplatz 1, D-8000 München2, Deutschland.

28Sobre este assunto ver FIRESTONE, W. A.Ac-comodation, in: GUBA, Egon G.The Paradigme Di-

As épocas, os costumes e as culturas queos modificam e transformam, fazem-no aosabor de variedades locais, do gosto ou defenômenos científicos objeto de descobertase de pesquisas, disputáveis ou inequívocas,mas cuja vigência é o momento, ou seja, quepossam ser questionadas em qualquer mo-mento de um presente, mesmo se efêmero;a natureza da ciência assim o demanda.

Este somatório de fenômenos faz com quenaturalmente cresçam e se multipliquem asexperiências cognitivas do tema em estudo.E que surjam idéias a todo o momento, sejamelas razoáveis ou não, mas todas discutíveise que favoreçam a análise crítica do assuntodiscutido.

4.1 O documentário como textoeducativo

Ao contrário do que se possa imaginar, comoum instrumento educacional e pedagógicoque esteja imbuído e possuído de conheci-mento e saber, o documentário na maioriados casos, clama e demanda esse reforço ex-tra, essa confirmação de uma documentaçãotradicional paralela, original e palpável, demaior facilidade ao ser citada e manuseadafisicamente.

Como não é de todos consciente, esta pre-sença é encontrada, em geral nas bibliotecase arquivos acadêmicos, mas, no entanto nãodeveriam se restringir a estes. Deveriam con-viver mais freqüentemente com salas de aula,consultórios médicos e dentários, hospitais,presídios, bares e em toda a parte.

alogue, Newbury Park, Sage, 1991, p. 109. Ver tam-bém HORGAN, J.Profile: Reluctant RevolutionaryThomas S. Kuhn Unleashed ’Paradigm’ on the World.Scientific American, May, 1991, pp. 40-49.

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Torna-se indispensável também não serestringirem as condições de emissão e re-cepção fílmicas favoráveis, aquelas em quea mensagem possa ser perfeitamente visívele audível, sem quaisquer distúrbios de quali-dade e perfeição da imagem e do som. Trata-se de um dever com a audiência e com os au-tores.

azer ao contrário seria ignorar que antesdo filme existiram os livros e antes destesa memória da comunicação pessoal humana,inerente aohomo sapiens: a palavra, os sonsracionais humanos.

Refere-se aqui não só quanto a qualidadede produção, já discutida noutros lugaresprofusamente, como também da exigênciada recepção, com equipamentos compatí-veis, telas adequadas, auto-falantes compe-tentes. Estes são fatores indispensáveis, bá-sicos e primários.

Trata-se igualmente, de uma demandapela existência e acesso a materiais deensino relacionados diretamente aos tele-documentários, tais como os livros texto aeles relativos, osabstractsou sumários, osanexos e bibliografias, os textos-guia crono-lógicos montados para uma consulta rápida,os dicionários e enciclopédias, os mapas ecartas, os índices efolders explicativos, ospapers, revisões e recensões críticas, algunsdentre uma miríade de produtos que odesigngráfico moderno acoplado a uma produçãotécnica competente possam nos oferecer.

Necessita-se, de uma variedade completade ferramentas de ensino e aprendizagemque se mostrem aptos e disponíveis comofontes de pesquisas próximas ao indivíduointelectualmente curioso, para que este saiade uma seção de visualização de um do-cumentário com uma idéia em desenvolvi-mento e queira fazer uso dessa idéia rapida-

mente, pesquisá-la e questioná-la antes quedesapareça, se esvaia ou seja perturbada poroutros acontecimentos ou distrações parale-las ou transversais.

Essa necessidade torna-se premente, poisalém e apesar da rara existência desses ele-mentos de passagem de conhecimentos, obom tele-documentário pode se manter porsi próprio em condições privilegiadas a eleindispensáveis e em geral o faz bem ou mal.

Exige e reclama em certas circunstâncias,em especial educativas, a orientação verbaldo professor, ou a condução justa da aula,do curso ou da discussão pelo instrutor bemtreinado. O que noutros lugares (como noteatro, por exemplo) é chamado de formaçãode platéia.

Parece necessário que se esclareçam as di-mensões exatas daquilo que se vai ver ou quejá foi visto, do seu contexto na ciência, natecnologia, nas ciências sociais e na vida co-mum e diária do aluno ou do consumidor dasinformações transmitidas. E até mesmo dasdificuldades de filmagem, dos custos soci-ais implícitos, do equipamento técnico uti-lizado.

Existem alguns assuntos que, por sua im-portância com freqüência tornam-se suben-tendidos no documentário e que sem a exis-tência dessa facilidade de clarificação imedi-ata podem tornar-se obstáculos ou elementosde dificuldade na apreciação, entendimento einterpretação dos mesmos.

Um exemplo específico do tema que ora sediscute foi a apresentação numa sala de aulade um primeiro ano universitário, de um ví-deo (dos anos 80) sobre a produção, a acu-mulação e o controle da energia solar, numadada comunidade do semi-deserto habitadodo Arizona.

Apresentado na década de noventa, nele

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ressurgiam os problemas de da época em quefoi filmado, quando os acumuladores elétri-cos (as baterias) mostravam-se ineficientese em que, apesar de uma parte dessa ener-gia produzida em dias de condições normaispudesse ser acumulada e depois revendidaà companhia de eletricidade local, isto nãoacontecia com freqüência, em escassos diasnublados dos invernos locais.

Na circunstância da existência de uns pou-cos momentos pouco ou insuficientementeensolarados, numa certa época do ano, nosquais os referidos acumuladores permane-ciam em carga mínima, exigia-se a reco-nexão com a linha de força principal, paracomplementarmente servirem-se às deman-das energéticas da comunidade, até entãoplenamente satisfeitas com a força geradapor meios ditos alternativos.

Ainda assim, mostrava-se o sistema comoum todo perfeitamente exeqüível e no fim dealguns anos de teste também custo-eficiente,pelos cálculos da época, podendo remune-rar os seus investidores numa faixa de temporazoável e dentro dos padrões econômico-financeiros exigidos na época.

Abertas as discussões sobre o tele-documentário recém visto, um aluno tentoudemonstrar verbalmente a inconsistência domodelo sugerido no filme, em termos de cus-tos e benefícios, de uma forma que, aparen-temente, abalava e destruía a lógica internae a sua esperteza em disseminar informaçõesadequadas, corretas e precisas.

Contra o argumento que parecia ser imba-tível de que a energia solar não seria por si sóindependente das outras formas tradicionaisde criação e de distribuição, procurou-se emresposta, mostrar o ângulo de enfoque prin-cipal, mais amplo e ainda mais importante daquestão.

É que nenhum sistema de produção deenergia independe de outros sistemas vigen-tes ou a serem substituídos, que sempre lhessão auxiliares e de certo modo dependentes.O exemplo das usinas termonucleares pare-cia na ocasião ser o mais diretamente visívele positivo do que se queria demonstrar.

Como um todo, para a produção de ener-gia não importasse qual e de que fonte ener-gética original requerem-se forçosamente,insumos básicos de outros recursos energéti-cos já produzidos ou provenientes de outroslugares e obtidos de modo diferenciado.

Esses insumos podem ser em geral acres-centados de diversas maneiras, numa escalahorizontal de tempo, vis à vis a uma outraescala vertical de valores parciais e totais.

Esta dependência não se restringe às cir-cunstâncias locais ou à quantidades genera-lizáveis e generalizadas, pois deverá sem-pre responder as questões se valerá a penae se será aceitável ou não, desde que o ba-lanço final das contas demonstre o seu custo-eficiência e custo-benefício. Essa é a lógicainterna do negócio. De qualquer negócio.

Na circunstância oposta, ela poderá serdescartada, se não puder demonstrar visivel-mente essa eficiência de custos em termos detempo e de investimento de capital, compa-rado aos demais investimentos existentes napraça.

Este retorno ao tema tratado no vídeo pa-recia estar ali, na sala de aula, bem claro: aenergia solar era vista positivamente comocusto-eficiente e como tal era bem demons-trada graficamente, em imagens e em sons,porém, sem entrar em temáticas paralelas ousecundárias que lhe tirasse a consistência.

Frisou-se verbalmente frente aos alunosque, preexistia a atenuante de que a ener-gia solar fosse não somente gratuita (exceto

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quanto ao instrumental necessário) e nãoproduzisse detritos, rejeitos ou sub-produtosde custos de controle ou limpeza final nãocontabilizados, tal como o lixo atômico deinsalubre criação, tristíssima memória e decaríssima armazenagem, destruição e trata-mento.

Compreendia-se facilmente a existênciados problemas ainda não resolvidos, dadoque estivessem os seus componentes recep-tivos, produtivos, de acumulação e distribu-tivos em fase intermediária de desenvolvi-mento e de aperfeiçoamento, nos idos dosanos 80.

Afinal, devia-se também compreender quea geração de energia nuclear promovida nadamais era que um sub-produto da fissão nu-clear para fins bélicos e que então já levavaao menos cinqüenta anos de pesquisa e de-senvolvimento extensos e intensos, em espe-cial em termos de capital.

Enquanto isso, o uso da energia solar foto-voltaica (photo voltaics) ainda não possuía,na época, sequer dez ou vinte anos de usoe desenvolvimento, raramente se usava estetermo científico ao se discutir o assunto, mas,em compensação, a sua tecnologia sobres-saía, dotada de um perfil de resultados ex-celentes.

Por força, não poderia naquele momentoespecífico, competir em aberto com os de-mais sistemas existentes, com dezenas deanos de pesquisa de ponta bem financiadose de outros tantos de desenvolvimentos prá-ticos e uso quase totalmente resolvidos pelapesquisa de laboratório tradicional somadosà aplicação desta à realidade de trabalho diá-ria. Vale dizer, desde o princípio do SéculoXX!

Pode parecer lúdico, mas, somente hádez anos passados, se desconsideravam com

freqüência os elementos qualitativos da ener-gia solar e das outras energias alternativas,então totalmente insignificantes em sua apa-rência e uso trivial. Um deles seria o uso daluz solar e do vento para a secagem de roupadoméstica.

Mas então, se existe alguma dúvida, queperguntem às donas de casa que podem res-ponder, com certa firmeza, o quanto econo-mizam nas despesas energéticas diárias se-cando as suas roupas ao sol, mesmo no in-verno. Ou mesmo às companhias de eletrici-dade e de gás, o quanto perdem pelo costumeaparentemente tão inadequado e retrógrado,proposto em semelhantes métodos alternati-vos, frente à certa, verdadeira, ortodoxa eúnica maneira de secar roupas: o secadoreletro-automático doméstico de 220W!

Assim, em termos práticos aplicados, sepode facilmente perceber os tropeções dasfalácias que nos empurram e fazem-nos es-corregar no dia a dia, sem que se considerem,com isto, as implicações culturais da vendade produtos quase que absolutamente desne-cessários. Vale dizer, da ansiedade do lucrosobreposto aos costumes mais comezinhos evulgares. E decerto eficientes!

Mesmo assim, como se tratasse a energiasolar ainda de assunto para maiores pesqui-sas e que estas afinal com o tempo se com-pletariam, isso só se daria em mais algunsanos, tantos fossem os necessários, em queas dificuldades e questionamentos viessem aser resolvidos à contento. E o que se previana época do filme (anos 70) de fato tem sis-tematicamente acontecido.

Além do mais, o que não se podia conce-ber era que fossem abandonadas as pesquisase o desenvolvimento das energias de fontesalternativas renováveis, em particular a solar,devido a um fator de somenos importância,

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no fundo um verdadeiro equívoco de raciocí-nio imposto pela imprensa paga da milioná-ria indústria de produção de energia elétrica,exigindo uma hegemonia sobremodo dispen-sável neste tempo de proverbiais vacas ma-gras.

Por fim se evidenciava a fraqueza e distor-ção do discurso oficial, favorável em excessoàs termonucleares e introjetados no discursodo estudante. O filme poderia não ser per-feito, devido a outras razões técnicas, não ne-cessariamente dada esta razão filosófica.

E com o tempo demonstrou-se exatamenteo contrário daquilo suscitado em classe pelonovato, tantas as dificuldades técnicas insu-peráveis, sem que se considerasse o perigoinerente à manipulação de elementos, que sepassaram com as termo-nucleares motivandoo seu desuso e o seu fechamento preventivoem diversos países europeus por razões desegurança.

Enquanto isso, as energias produzidas defontes solares alternativas continuaram a sedesenvolver mesmo se em seu rítmo lento equase que anacrônico, face às prementes ne-cessidades mundiais. E fizeram-no segura-mente, sem causar quaisquer danos ambien-tais irreversíveis, ademais conhecidos, cau-sados pela fissão do átomo para fins ditos pa-cíficos.

A tal ponto chegaram as pesquisas sobrea energia solar que hoje se sabe que até emdias extremamente nublados ou chuvosos,apesar dada captação de energia solar dimi-nuída, mesmo assim, ela se processa conti-nuamente.

Foram as pesquisas em tecnologias deponta da NASA, entre outras, que demons-traram este ponto positivo da energia solarrenovável, somente uma década mais tarde,mostrando a competência e a força natural

das idéias veiculadas no filme documentárioapresentado em sala de aula.

O posicionamento positivo do professoratento e interessado em clarificar profunda-mente o assunto, resolveu o impasse criadoe mostrou a natureza sofismática do argu-mento oficial bem como da própria opiniãodo aluno, de quem se desconfiava estar influ-enciado pela propaganda política do fim deuma época de imposições errôneas à juven-tude.

Portanto, para a maior compreensão e umapassagem contínua de conhecimentos adici-onais, precisos e em circunstâncias diferen-tes em que o orientador ou o professor nãopossam estar presentes, existem outros tiposde materiais, como já dito, tais como os do-cumentos gráficos, os livros, livretos, panfle-tos,papersou folders, as fitas sonoras, as fo-tos, as matrizes e os mapas ampliados, me-lhor elaborados e produzidos, se de origemda pesquisa inicial paralela ao produto fíl-mico, podendo mesmo serem desenvolvidosa partir de seus textos escritos e de seus fo-togramas, tornando-se mais em conta, ade-quados e perfeitos, até porque melhor manu-seáveis pelo aluno e pelo professor, no atofinal do estudo e da transferência de conhe-cimento.

Estes seriam adendos indispensáveisao cumprimento da missão educativa decada um dos programas filmados ou tele-documentados, estendendo-se à minúciado detalhe técnico explicado em seuspormenores.

Em se adicionarem as bibliografias sugeri-das, conforme e em cada caso particular aosmeios de comunicação existentes, tele-filmesou tele-documentários, que estas se esten-dam na medida em que as bibliotecas possamdar conta das necessidades adicionais de co-

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nhecimento dos estudantes, dos professorese dos pesquisadores.

Necessidades estas que não são cobertaspela mídia tele- documentada por absolutaimpossibilidade física. Assim a estruturacompleta da obra filmada poderá não só secompletar como crescer, naquilo em que teráuma diversidade praticalidade aumentada epresente a todo o momento, com maiores ex-tensões na biblioteca doméstica do estudanteou pesquisador, se ele assim o desejar.

Este tipo de situação criativa tem sido uti-lizada pelaOpen University(UniversidadeAberta inglesa) desde a sua incepção comresultados positivos quanto a adequação decustos de cursos e programas a eles acopla-dos com respeito aos resultados como a aná-lise de custo e benefício.

Além dos filmes sugeridos apresentadosna televisão ou em vídeo, são enviados aosalunos inscritos nos cursos, pastas contendouma pequena coleção de documentos e de fi-tas cassete de autores importantes para o es-clarecimento do assunto filmado.

Um outro exemplo clássico se apresenta,ao leitor. Intensamente preocupados como problema da política alimentar mundial aYorkshire Television Limited, uma compa-nhia paraestatal de televisão da Inglaterra,produziu em 1987 o filme videografado nasérie The Politics of Foode em seguida olivro The Hunger Machine, baseado na re-ferida série televisada que foi ao ar naquelaépoca.29

Mas não param aí os exemplos das pos-sibilidades desde que as tecnologias de en-

29BENNET, J.The Hunger Machine, Cambridge,CBC Enterprises, Polity Press, 1987. Sobre a Televi-são européia, em particular a britânica, ver: LEALFILHO, Laurindo L. A Melhor TV do Mundo, SãoPaulo, Summus, 1997.

sino baseadas na eletrônica (Internet, Intra-net, CDRom, Videodisc, etc.) aumentaram oescopo dos tele-documentários, introduzindomaiores e melhores meios de divulgação dasidéias e das invenções humanas, em termospráticos de entrega e de distribuição local,doméstica ou à distância.

Os tele-documentários são divulgados nasala de aula, no laboratório, na biblioteca ouno lar de cada pesquisador, de acordo comtabelas de horários para tal fim e em geral re-lacionadas com cursos de extensão disponí-veis na maior parte das universidades de todoo mundo.

Um caso que se pode descrever como ex-traordinário é encontra-se naPBS, a PublicBroadcasting Corporation(Corporação Pú-blica deBroadcasting) isto é, a própria tele-visão educativa norte-americana.

Outro sistema que demonstra a facilidadecom que os meios acadêmicos são facil-mente associados à televisão é o daBritishBroadcasting Company(Companhia deBro-adcastingBritânica) a famosa BBC inglesa,em parceria com aOpen University.

Durante muitos anos têm se dedicado àapresentação de programas sem patrocíniocomercial explícito, por intermédio de suasemissoras locais, localizadas em pratica-mente todos os estados Norte-americanos eem todas a províncias da Inglaterra.

O verdadeiro patrocinador dos programase de todas as atividades daPBS é o povonorte-americano que acolhe esta organizaçãoem suas comunidades com doações e pelaprática, por parte de algumas organizaçõesde negócios, de concessões de financiamen-tos afundo perdido, os famososgrants, ofe-recidos à sua Corporação.

Quanto a sua factibilidade econômica efinanceira, ambas as experiências inglesa e

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americana, são dedutíveis do imposto derenda de pequenos e de grandes financiado-res destas grandes redes de informações edu-cativas e de comunicações que são aPBSe aBBC.

O que mais importa nos Estados Unidosé que desde o seu início comoNET (Natio-nal Education Television) nos anos 60, aPBStem se esforçado em cumprir uma agenda emque os métodos educativo- tecnológicos es-tejam à seu serviço. E têm conseguido.

Em princípio os tele-documentários ser-viram a este propósito adequadamente, mashoje em dia, a sofisticação eletrônica temdado lugar a experiências de multimídiaque eles batizaram comoDistance Learning,vale dizer, Aprendizado à Distância.

O fator mais importante considerado pelaPBSe BBC nesta modalidade é o da vanta-gem estratégica do aluno poder se dedicar aum curso a qualquer momento que esteja li-vre, aumentando a probabilidade de se edu-car de acordo com a sua própria agenda diá-ria ou semanal. É o fator ideal para estefim, àqueles que trabalhem em horários rí-gidos ou que tenham algum impedimento fí-sico para se deslocarem para a sala de aulade uma universidade ou escola.30

Vista em mais de 100 países, aNOVA é a série de programas deTV científicos das mais seguidasno mundo e a série de documentá-rios mais visto na PBS. Ê tambémuma das séries de TV mais aclama-das, tendo ganho cada um dos mai-ores prêmios de Televisão ofereci-dos, a maior parte deles muitas ve-

30Para uma imersão no assunto, entre nos sites in-ternet: www.pbs.orge www.bbc.uk, que se mantêmem perpétuoup date.

zes seguidas. Qual é a razão destesucesso? Basicamente, a crençaque a Ciência não é nem folclorenem um ritual sagrado, mas sim,pessoas curiosas explorando ques-tões interessantes. A filosofia dosprogramas daNOVA, desenvolvidahá mais de 25 anos, é a de sele-cionar um tópico de grande inte-resse para a audiência e então pro-duzir um filme que seja divertidoe informativo, usando as ferramen-tas de um ritmo agradável, de umaescrita clara e uma editoração sen-sata. (Do site www.pbs.org )

Desde logo torna-se claro que o uso de umcomputador acoplado à Internet bem comode um televisor e de um toca-fitas de vídeo(VCR) são os instrumentos eletrônicos míni-mos necessários ao aprimoramento e ao re-cebimento de programas de estudos e de cur-sos.

Torna-se evidente que tais exemplos mos-tram a que ponto de perfeição se pode che-gar, pela união da técnica de ensinar ao de-senvolvimento de materiais adequados à essatécnica, que no fundo espelhem o desenvol-vimento da cultura e da ciência das civiliza-ções. E pode-se dizer que estamos somentecobrindo os primeiros quilômetros do per-curso.

5 Afinal, quem tem medo dodocumentário?

Quem tem medo dos documentáriose de suas modernas versões, os Tele-documentários?

Para se responder a essa pergunta torna-

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se necessário responder a outra: Quem temmedo da verdade?

O que seria a verdade factual vista nas co-municações modernas como um todo e namídia televisada em particular, senão uma in-terpretação, não raro distorcida, dos fatos re-ais?

A realidade assim transformada e interpre-tada, torna-se uma figura fugaz, um cavalode batalha, um fenômeno metafísico, ou en-tão no outro extremo, o dos cientistas da edu-cação, um instrumento de ensino e aprendi-zagem. É por este ângulo que se aborda oproblema.

Esta é a forma de interpretação que nos in-teressa como educadores, se bem que outrastantas existam e sejam tão boas quanto a queescolhemos. Não raro se interpenetram, atéparadoxalmente, coisa que faz parte da di-alética da arte como elemento condutor doconhecimento total, se é que tal coisa exista.

Mas não muito diferente da realidade in-terpretativa do cineasta e do diretor, comonos explica o argentino BIRRI, clarificandoao estabelecer um desses paradoxos postose afirmando: "Já estão ultrapassadas as for-mas ortodoxas: documentário e ficção se in-tegram."31

Ou seja, leiam-se nas entrelinhas dessaafirmação: quando assim o determinem osrespectivos diretores, pois trata-se de umfenômeno subjetivo que não me parece aten-tar seriamente à realidade, nem ser muitojusto para com a audiência sequiosa de sabera um só tempo que se divertir.

Mas, não creio que seja este o caminhocerto de se admirar os documentários. E,

31BIRRI, FernandoEntrevista à TVE(espanhola),emissão de 2 de dezembro de 1998, (GNT) Rio deJaneiro, 9:40 hs.

pior, os exemplos dessa injustiça abundam.A peça de arte e de educação que é o do-cumentário ou o tele- documentário, deveriaser primariamente enfocada pela visão da ci-nematografia, por sua história, a sua tradiçãoe o seu desenvolvimento, bem como a suaatual e presente inserção no mercado mun-dial das artes, das tele-comunicações e damídia televisada.

Mas, sabe-se que existem vários pesos evárias medidas na realização de semelhantesempreitadas. Por isso sempre se deve preca-tar quanto a honestidade de seus realizado-res. Ou ao menos quanto ao seu bom senso eà ideologia das empresas que os financiem.

Aqueles que o ignorem como uma obra dearte ou como uma ferramenta para a melho-ria do conhecimento e da cultura da popula-ção, em termos de transmissão de um saberrecente e importante e em especial aos se-tores carentes de educação ou deseducados,são exatamente aqueles que têm medo dostele-documentários. E lamento afirmar, sãoobscurantistas ao extremo.

Talvez por medo de perder o seu nichomercadológico, não importa qual, medo deaprender um pouco mais, mesmo se com osseus próprios erros, medo de enfrentar a re-alidade de um novo século que rapidamentese aproxima em que o saber não é mais sósuficiente saber mais e melhor, sim, é o quea todos falta e o que todos de fato carecem.

Crianças, jovens, adultos, idosos ou não,trabalhadores; empregados e aposentados.Todos, todas as pessoas de todas as comu-nidades, urbanas, conurbanas, periféricas oururais. Esta é a clientela em potencial dotele-documentário. Percebe-se facilmente.

Mas, temem-no aqueles cujas inten-ções sejam sistematicamente sub-reptícias,motivadas por interesses investidos, auto-

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centrados e de razões ambíguas, ou, o queainda pode ser pior, egoísta do tipo aprovei-tador das circunstâncias, hipócrita e oportu-nista. A estes os próximos anos estarão lhesreservando uma surpresa. A verdade é filhado tempo.

De outro modo, descrever a realidadecomo uma de muitas expressões da verdade,não raro é objeto de múltiplas interpretações,fashion & moods(modas & modismos) ouformas genéricas.

Pela via deste aspecto talvez seja mais fá-cil se compreender a questão, pois dependedo ponto de vista que se adote.

Talvez porque os que tentam compreendê-la se atenham à verdade científica objetiva,assim se escondendo, com vergonha, numaneutralidade da Ciência como se tal abstra-ção pudesse garantir uma suficiente liber-dade como ponto de observação, mesmo sefosse uma liberdade aproximada ou tempo-rária, ou porque refletisse o poder da imagi-nação, mesmo se claudicante ou carente deum apoio ideológico, seja qual for.

No entanto, há que se reconhecer quenão raro estas posições transitem do obje-tivo ao subjetivo e vice-versa, do muito bomao muito ruim, quase que livremente. Nestesentido BARNOUW, fecha o seu livro sobredocumentários, magistralmente:

“A sua plausibilidade, a sua autenticidade,são as qualidades especiais do documentário,a sua atração aos que o usam, não importa omotivo, a fonte de seu poder de iluminar oudecepcionar."32

Alguns documentaristas notórios por suainterpretação pessoal da realidade, tais comoJacques Cousteau, reconheceram-no e reafir-maram esse realismo exageradamente idea-

32BARNOUW, E. op. cit. p. 349.

lista e subjetivo, inventado afim de se obte-rem resultados imediatos.

Porém, observe-se que o interesse deCousteau se situava tanto na Ciência quantono entretenimento. Ele próprio o reconheciae o reafirmava, pelo que pagou caro em ter-mos de credibilidade de audiência.33

Na Arte como na Ciência, a verdade falapor si mesma, o legítimo se sobrepõe àfraude, como se separa o azeite da água.

Mesmo se as áreas cinza onde se mesclemmomentaneamente, sejam dificilmente de-tectadas com os instrumentos mágicos, masparcos na medida do tempo e da razão. A suatinta parece indelével.

Logo, compreende-se com facilidade queesse tipo degestalt ou duplicidade criadopor certos documentaristas possuam as suapróprias características e como tal possamser admirados, examinados e observados, emesmo criticados sem grande dificuldade.

Quem teme entender perceptivamente otele-documentário como um instrumento deensino, aprendizagem e entretenimento edu-cativo, teme reconhecer a verdade da novi-dade científica e tecnológica, na medida emque este nela mergulhe não só individual-mente como no inconsciente coletivo, nasprofundezas do primitivo das sociedades eno seu ethos.

Vê-se então mais claramente que o docu-mentário para convencer tem que vencer asbarreiras e distâncias sociais, de tempo, deidéias pré-concebidas, da apresentação clarae concisa do fato em si, da interpretação dosaber transferido, da sua sensível apreensãoe descoberta e às barreiras de conhecimento

33FARREN, JohnJacques Cousteau: vivendo alenda. Da Série Grandes Nomes GNT, BBC, 1995(?), levada ao ar pela NET-GNT, no Rio de Janeiro,16 de abril de 1999.

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ante outras áreas da cognição, compreensão,entendimento e percepção.

Ademais, trabalha-se à sabiendas que es-tas províncias dependam de ainda outras, deoutros domínios e disciplinas, como os dasCiências Sociais e Humanas, Físicas, Natu-rais e sobretudo da Tecnologia que a todasabrange.

A procurada verdade pagando o devidorespeito à ética educacional e pedagógica, eem direta oposição ao filme de ficção, dadasas necessidades operacionais nele embutida,não conta necessariamente toda a verdade,quando diz alguma.

O documentário tem que afirmar peremp-toriamente a verdade, de modo a se justificarem termos de credibilidade, pelos fatos des-critos e filmados e muito em especial, pelamostra gráfica da verdade científica objetiva.

Este é o seu dogma e a sua virtude. No en-tanto, isto não impede que se cometam exa-geros ou representações, digamos que sejamde extensão artística ou mesmo de reinterpre-tação ou de licença poética.

Deve haver e, com efeito, há um espaçopara a interpretação da verdade de parte dodiretor e que fique bem claro, trata-se de umalicença poética que lhe é conferida pelo ci-nema como arte.

A audiência tem que dela estar avisadapara perceber o seu detalhamento e sofisti-cação, sobretudo para precatar-se dos signi-ficados implícitos que aí jazem.

Em Ciência e Tecnologia se há espaçopara o engenho e a técnica, este é vedadoà ingenuidade e à futilidade, exceto se estasestão à serviço de alguma estratégia ou fiminterno, no caso, ao filme educativo.

Talvez tenha sido este o caso deLas Hur-des, também conhecido comoTierra sin pan,um documentário do polêmico diretor espa-

nhol Luis Buñuel, montado entre os anos1932 e 34.

Consta, à boca pequena, que tenha sidoreconhecido pelo próprio autor que se tra-tasse de uma reconstrução, uma representa-ção, portanto até certo ponto fársica.

Entretanto, observe-se que em sua auto-biografia jamais se referiu como se o fossee sequer tampouco parece ter sonhado emfazer um trabalho profundo de antropologiasocial ou política, assim como foi visto econsiderado mais tarde.

Foi de fato um antecessor dos estudos epreocupações sociais, mas, tratava-se, istosim, de uma cinematografia artesanal, hu-manística, espontânea, quem sabe instintiva,uma obra prima de um grande artista quepouco se importava com as contradições queporventura existissem a tal respeito; à épocainexistiam esses cuidados e preocupações.34

Em termos atuais, será que não existamtantas Las Hurdes no mundo, que só umapudesse representá-las? Não teria sido, su-ponhamos, ao invés de um exagero, ao con-trário, uma subestimação do menos visívelou do escondido, satisfazendo assim quemnão quisesse ou se recusasse a ver a ver-dade dos fatos, tornando-se uma simplifica-ção necessária, dadas as circunstâncias re-trógradas ultra-conservadoras das socieda-des da época?

Semelhantes especulações em defesa de

34CARRIERE, Jean ClaudeA linguagem secretado cinema, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1995, p.53. BUÑUEL, LuisMeu último suspiro, Rio de Ja-neiro, Nova Fronteira, 1982 deixa claro: “Depois dafilmagem, sem dinheiro, tive que fazer eu mesmo amontagem [do filme], numa mesa de cozinha em Ma-drid. Não dispondo de moviola, olhava as imagenscom uma lente e as colava como podia. Certamentedevo ter jogado no lixo imagens interessantes que viamal."{p. 196)

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Buñuel podem argumentar que, em seu filmea realidade da pobreza e da miséria humana,nos alvores do século XX na Europa, só po-deria ser entendida e clarificada com as fer-ramentas ántropo-sociais do presente.

Seria isso concebível? Seria essa uma boaexplicação? Teria nisto o seu filme se ante-cipado, como numa premonição aos embatesque se sucederam na Espanha dos anos 30 aopresente?

Ora, tais interrogantes parecem razoáveis,reportando-se à época em que tão pouco seconhecia em definitivo sobre as Ciências Hu-manas e Sociais. E quanto os europeus avan-çaram depois das débâcle das duas GrandesGuerras.

Parece-me suficiente que se interprete as-sim. Mas, em complemento, Buñuel con-firma a sua filosofia fílmica, mais tarde noMéxico, criando o maravilhosoLos Olvida-dos um registro fotográfico e fílmico com-pleto dolumpen proletariatmexicano, para-digma mundial, modelo internacional, ante-rior ao neo-realismo italiano.

Los Olvidadosconfirma as premoniçõesde Buñuel, e reafirma, hoje em dia, essa in-tuição do documentário sócio-político, tãoclara e lógica, mas sempre ignorada e mal-quista. Quem sabe se por ser verdadeira?

Por fim, como um excelente complementoaos diversos estudos antropológicos, históri-cos, políticos e sociais que permitam uma in-terpretação do filme mais atual,Las Hurdesmostra não mais que umavilla miséria, umshanty town, um bidonville, uma favela, tãoreal quanto as que hoje existam e se encon-trem e se vejam em toda a parte do mundo.Inclusive ainda na Europa.

O citado Carrière reconhece o fenômeno.Antecipadamente afirma:

“Todo o nosso século, ainda que obstina-

damente concreto, parece secretamente ob-cecado com a criação de múltiplas materia-lizações do invisível. O cinema, é claro, to-mou parte dessa busca."35

Exceto, pelo menos assim se apresenta,que o invisível social só o é para quem não oqueira vê-lo e entendê-lo!

Segue que se torna menos difícil saberquem tem medo do documentário:

Com certeza serão os que se recusam aperceber até mesmo o visível? Ou, comoquer Carrière, noutro lugar da mesma obra:coisa dos que são capazes de olhar mas nãode ver.

Enquanto que ao artista lhe é ofertadoesse pequeno dom, de perceber, sentir, ver,até mesmo o socialmente visível, o nel-sonrodrigueano óbvio ululante, para entãotransformá-lo em obra de arte.

Assim Arte, Ciência e Técnica são as trêsopções do documentário, o tripé em que seapóia e equilibra o conteúdo fílmico.

Essa é a tradição do cinema e do filmedocumentário, cujo exemplo talvez maiseloqüente sejaNanook of the Northdo NorteAmericano Flaherty (1922), que então final-mente inaugurou o gênero.

Foi um dos primeiros, senão o primeiro edesde cedo preocupou-se com o descritivo-biográfico, com o etnográfico, com o quoti-diano vivencial, com o exótico intra-cultural.Sistematicamente fa-lo-á usando esses trêsmeios, com isto criando um sistema descri-tivo e explicativo.

A corrente documentarista ou não-fictivaaté hoje o segue de perto, prova de que o tele-documentário esteja planejado tanto para au-diências domésticas quanto para as acadê-

35CARRIERE, op. cit. p. 33.

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micas ou escolares, mesclando, como já sepôde observar, o conhecimento ao lazer.36

O documentário televisado do momentoatual se concentra cada vez mais consistente-mente no equilíbrio desses suportes do tripée com isto conseguiu atingir o ponto de-sejado mais plenamente, superadas as difi-culdades técnicas e entendido claramente aquem e a quê se destina.

Faz Arte naquilo em que representa os fa-tos ou acontecimentos diários, científicos ehistóricos, sem pudores ou censuras, consi-derado o tempo reduzido que dispõe a exau-rir sem ultrapassar os limites do tema esco-lhido, cingindo-se com freqüência a contor-nos artísticos palatáveis, nunca faltando à be-leza estética da imagem e à consistência econsonância sonora: impacta com o belo, onovo, o escolhido, com o bom e o legítimo.

O faz usando a Técnica, dispondo dela sis-temática e qualitativamente. Com um de-monstrável gabarito técnico elevado assim sededica a fazer Ciência. Primordialmente, Ci-ência da Educação, indiretamente Didática eTecnologia Educacional.

Como numa aula explicativa, propõe-senum tele-documentário integralmente aosfins didáticos e pedagógicos, a contar umaHistória ou a descrever um fato científico demodo a que os tele-espectadores (leia-se, osalunos) sintam-se enriquecidos com o conhe-cimento transmitido.

Para que apreendam melhor o as-sunto em pauta e sobretudo motivem-se esensibilizem-se, tendo a oportunidade dese aprofundar em leituras paralelas ou em

36FRANCO, Geraldo A. LobatoO vídeo educa-tivo: subsídios para a leitura crítica de documen-tários, Tecnologia Educacional 136-137, Mai-Ago,1997, Rio de Janeiro, Associação Brasileira de Tec-nologia Educacional-ABT, p. 20-23.

repetições e experiência posteriores ao jáclaramente mostrado ou explicado na tela.

Contando com os artifícios da dicção clarae da fotografia perfeita, perpassam a arte e atécnica, e assim o gênero educativo se mani-festa cada vez mais nitidamente.

Hoje em dia usa-se o vídeo como se usou(e de muitos modos se usa ainda) o filme, osquais servem de suporte técnico à Arte e àCiência em vias de serem transmitidas. Ve-jamos como isso acontece.

Se no princípio do cinema documentárioa sua base e suporte física era extremamenteinstável, o nitrato, logo depois tornou-se bemmenos inflamável e de melhor conservação:o acetato.

Hoje em dia o material usado em vídeonada mais é que inúmeras partículas de óxidode ferro magnetizadas, firmemente ligadas auma extensa superfície de fita de vinil, cujadurabilidade é maior, garantidas a tempera-tura e as condições gerais de conservação re-comendadas por cada firma manufatureira.

Inseridas num estojo plástico, impossibili-tado mecanicamente o toque humano, pois oseu manuseio direto é impossibilitado, fatorde maior segurança às bases químicas ou àmagnetização eletrônica, desde logo preser-vadas e garantidas.

Consta que tenha sido inventada por ale-mães no final da guerra. Os documentáriosque têm marcado essa junção da Arte coma Ciência, somadas à técnica de fazê-los ede garanti-los para o futuro e que ademaissão possuídos de fins educativos, hoje em diatêm muitos e variados temas e assuntos.

É minha opinião pessoal que os tele-documentários norte americanos, ingleses,canadenses, franceses e alemães tenhamatingido a quintessência da perfeição, obtidacom o referido tripé.

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Conseguiram-no pela capacidade de abs-tração da técnica da arte e da ciência a seremexpostas em favor de e como instrumentopara a consecução da obra como um todo.

Sobretudo quando quem escreve os seusroteiros procura alcançar um determinadograu deteachability, vale dizer uma quali-dade e perfeição em que a habilidade de en-sinar torna-se transparente no tônus da en-trega (delivery) representada com claridadeoralmente pelo apresentador, na competên-cia de seus diretores, produtores, montado-res, ou seja, na escolha das imagens e na se-leção dos sons e das metáforas gráficas ilus-trativas daquilo que se está descrevendo.

Existem fortes indicações que a gramáticae a sintaxe escolhidas pelas equipes de es-pecialistas de tele-documentários atingiramo seu ápice pela minúcia e sensibilidade de-monstradas.

Os assuntos e temas diversos quando tra-tados à luz de suas especialidades são escla-recidos com uma forte evidência e sutilezana apresentação dos argumentos, de modoque jamais poderiam ser substituídas, maiseloqüentes que sejam mestres, oradores outribunos.

Nem poderiam deixar de sê-lo, pois setrata da justaposição de imagens, criandouma linguagem, a do cinema, que veio evo-luindo quando o controle oral organizado emscriptse roteiros substituiu os meros expli-cadores, se bem que estes ainda sobrevivamnos jornais-falados de algumas de nossas pi-ores emissoras de TV.37

É comum ouvir-se no tele-documentáriouma sombra da influência convincente dosspeakersdo passado. Os explicadores do queestá acontecendo tomaram a forma, às vezes

37CARRIERE, op. cit. p. 21.

algo patética, de narradores e apresentado-res. Falam aquilo que se vê normalmente eque, por isso, nem sempre precisa de expli-cação oral.

Mas em geral, são verdadeirosconnois-seursesclarecidos que ao reforçar o poder daimagem emitem comentários extremamentebem escritos e proferidos, concatenados àsformas (fotografadas ou sonoras) tornandoo gênero complexo, duradouro e sofisticado,reforçando e transferindo à memória a coe-rência ambicionada, por ser discreta, a umsó tempo que comprometida, o que requercerta experiência e técnica, ao ser veiculadade forma clara, conseqüente e inteligente.

Mas, porque essa presença do apresenta-dor que de tão óbvia poderia ser ou pare-cer dispensável? Entre outras razões porquehoje se sabe que a mente humana não per-cebe a totalidade das imagens visíveis, emespecial a alguns de seus detalhes ou parti-cularidades.

Cabe ao apresentador, entre outras coisas,clarificar aquilo que é mostrado e que sevê, mas que pode passar por desapercebido.Esta é a sua missão senão única, principale preponderantemente necessária ao entendi-mento do trabalho, pois faz parte da gramá-tica explicita do gênero. Mas não fica nisso.

O apresentador como narrador explica oque está acontecendo e identifica as imagenscom a totalidade e o tônus da obra fílmica,seja esta composta de imagens de arquivo oude tomadas específicas em locação ou em es-túdio. Transmite um fio condutor de pensa-mento à lógica final do produto e vale acres-centar, dirige a atenção da audiência a esteou aquele ponto fundamental.

Além do apresentador, existem entrevista-dores e entrevistados, bem como outros pres-tadores de informações específicas, de mo-

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mento, ilustrativas ou absolutamente indis-pensáveis: as testemunhas.

O segredo do equilíbrio entre todos essesfatores, instrumentos e ferramentas de des-crição está na prestação de umaexpertisecompleta, dinâmica e o mais rápida e inci-siva possível. Tais elementos fornecem umafluidez maior à passagem de conteúdos infor-mativos adequados à sintaxe fílmica adotada.

A sintaxe fílmica moderna embutida nodocumento se detém a explicar os detalhesmesmo que sucinta e sinteticamente para osfins de uma melhor compreensão e absor-ção. Se o apresentador vive o drama ou aação gráfica, a sonorização sublinha o sen-tido dessa situação, enfatizando o que pare-cer necessário.

Daí porque os ruídos (a não-comunicação)sejam inoportunos e nem um pouco bem-vindos. Os ruídos visuais, aqueles que sãoforçados, como vai-se mostrar, as vinhetasde emissoras não raro se tornam objeto detranstorno à compreensão, entre nós espe-cialmente, onde itens legendados em portu-guês não são incomuns.

Fazem com que a parte lateral das legen-das fiquem por elas ofuscadas, impedindo asua leitura. Ou então se sobrepõem aos de-talhes da obra, pois aparecem nos cantos datela, algumas delas já podadas na laterais, emse tratando de certas matérias de tela extensa,seja empanavisionouvistavision.

É quando essas vinhetas, que em geral nãosão os logogrifos (os logos) de empresas queproduziram a obra, mas quase sempre os quemeramente fazem obroadcastdelas, exage-ram, sem critérios, somente mostrando a quevieram: contar um ponto a mais na lógicamediática e registrar a sua presença na tela.Nada mais.

Tomo o exemplo gráfico e explícito de

uma emissão captada em 1o. de outubro de1997 {no canal 27 da então TVE espanholavia NET/Rio). Havia cerca de quatro vinhe-tas distribuídas de cima à baixo e da esquerdapara direita, conforme o gráfico que se se-gue:

6Belgique TVE

RTBF Euronews

[tela de televisor]

Francamente, qual a graça da brincadeira?Qual a ordem de captação, produção, dire-ção, e de montagem das imagens originais?Porque essa ansiedade em aparecer ou de semostrar?

Nada disso tornou-se explicitamenteclaro, só se mostrando que as quatro emisso-ras ou redes se arrogavam o direito de possedaquele espaço mínimo, mas importante,tomado pelos seus logos, principalmente se amatéria se tornasse atrapalhada ou invisível:a culpa poderia ser do logo vizinho.

Ou seja, para confundir ainda mais a audi-ência e assim diminuir a viabilidade da com-plexa seriedade da reportagem apresentada,no caso a prisão e fuga do criminoso geno-cida francês Papon.

Agregue-se um detalhe fatal que respeitaos países, não só o Brasil. Sobre os que pelanecessidade de compreensão de línguas es-trangeiras, produzem as suas adaptações àlíngua materna, o que indica a absoluta im-portância de se incluírem os famosos sub-títulos ou legendas.

A sob-posição nada natural dessas aos re-feridos logos complica e impede ainda mais

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a leitura e o entendimento claro, o que nemde longe chega a ser algo louvável. Mas de-certo tornam-se verdadeiros ruídos visuais,absolutamente evitáveis, como já se expli-cou.

Tanto assim que, uma vez certos progra-mas atinjam os intervalos requeridos de cer-tos anunciantes especiais, os inefáveis logosdesaparecem da tela rapidamente, é claro,obrigação contratual de gente que realmentesaiba distinguir o certo do errado, o bom doruim. E por isso paga caro e exige que ascoisas sejam feitas corretamente, enquantoo demais permanece com um tratamento desegunda-mão.

6 À procura da verdade. OsTele-documentários: a junçãoda Pedagogia com a Didáticapara o uso das demais áreas dosaber

A quê vieram e em quê os documentáriosequilibrados e completos podem facilitar aEducação, a Pedagogia e a Didática? Comose concebem tele-documentários tendo essafinalidade em mente?

Se concebidos dentro das normas de quali-dade pretendidas, os tele-documentários be-neficiam e facilitam o entendimento, a com-preensão e a percepção de deixas, insinua-ções, pistas, em termos micro, cruzando ave-nidas de pesquisa, enfim, chegando a cam-pos e áreas do macro-conhecimento, escan-carando as portas das ciências, já entreaber-tas, para um maior aprofundamento cogni-tivo, onde as próprias audiências elicitem epromovam a sua curiosidade.

Fa-lo-á ao classificar e mapear grafica-mente o conhecimento humano, expondo

este conhecimento ao crivo direto da clien-tela de alunos e professores e indireta degrande parte da sociedade, por meio da cri-tica.

Tais itens são, mas não se restringem, àsnovas descobertas, mesmo se de forma pas-sageira ou vicária, às experiências e às in-venções mais recentes, chegando à prospec-tiva tecnológica, isto é, aos prospectos e ex-pectativas de novos e mais importantesbre-akthroughscientíficos, ou seja, descobertascientíficas inesperadas ou abruptas.

Acrescente-se que nem todos esses, alémde outros mais, sejam os domínios da nãoficção amplamente conhecidos, pois podemenglobar informações específicas de discipli-nas ou de áreas do saber quase nunca abertasàs grandes faixas populacionais.

Assim, temos o exemplo, da Astronomiae Cosmologia, da Informática e da Medi-cina experimental, bem como na Política In-ternacional, na Antropologia e na Arqueolo-gia, para citar umas poucas disciplinas, dei-xando desse modo mais claro os enuncia-dos técnico-científicos ou sócio-culturais viaexemplos gráficos e fílmicos conhecidos ouaí então postulados.

Só na série de tele-documentáriosNatureexistem mais de 250 programas (de cerca de50 minutos cada) e na sérieNova(ambos daPBS) provavelmente outros tantos.

Tratam-se, pois de metragens filmadas in-vejáveis, de que se estima um total de maisde 400 horas finais de programas levados aoar naquela rede, em diversas de suas emisso-ras coligadas em todo país (Estados Unidos)produzidas entre os anos de 1982 e 1993, tãosomente.

Forçosamente, há que se reconhecer queisto é vontade política de fazer as coisas bemfeitas, de acertar e repetir o acerto, de novo

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e mais uma vez. Decerto, vai mais além deser representativo do bom gosto e de umaboa programação em seqüência, fatores so-bremodo importantes para o conhecimentoda natureza e da realidade humana no pla-neta Terra.

Com isso abandona-se o infértil isola-mento de um paraíso fabricado pela mídia,para se compartilhar a variedade da flora, dafauna, sobre os seus conhecimentos científi-cos, de fatos variados da tecnologia e de umaboa parte da História e da Geografia mundi-ais, conforme seria de se esperar numa ver-dadeira televisão que se diga educativa. Ouque ao menos se reflita e projete como tal.

São peças de bom gosto porque são bo-nitas, bonitas porque bem feitas, bem fei-tas porque assim foram planejadas e precisa-mente executadas e financiadas. Por isso sãonecessariamente peças de didaticismo com-provado, o que é facilmente avaliável quantoa sua adequação à cultura e ao ensino, con-forme são conhecidos em termos científicosmundiais.

Mas o mapeamento a que nos referimos ée sempre será incompleto, pois a quantidadede temas e assuntos é infinita, como infinitossão os acervos das grandes coleções de bibli-otecas de todo o mundo. Infinito quanto é osaber da humanidade, expresso pela Ciência,pela Arte e pela própria natureza redescober-tas e explicitadas.

Resta-nos dele nos apossarmos, assumi-loe apoiá-lo como os seus verdadeiros donosque de fato somos, especialmente pela tele-visão e pelo vídeo, dentro de nossas casas,nas casas comunitárias e paroquiais, nos hos-pitais, nas universidades e nas escolas.

Já o seu conteúdo didático, por ser com-pleto e complexo, o é na medida em que hojesão as ciências e a tecnologia, ao serem pas-

sadas e repassadas à clientela de seus usuá-rios, a forma mais simples. Mas, longe de seconcentrar somente nessas formulações edu-cativas, o tele-documentário extrapola e asune quando se acredita seja importante.

Já a sua avaliação em termos formais daCiência da Educação, só não é executadacom maior freqüência porque pode ser con-fundida com a do cinema em que os filmespassam por um crivo da crítica de audiência,caso das apresentações de pré-estréia onde asaudiências convidadas preenchem um cartãodepois da sessão e depois da imprensa escritaespecializada.

Uma avaliação técnica de séries e de pro-gramas implica no conhecimento dos assun-tos de parte dos avaliadores, do conheci-mento profundo de técnicas de filmagem eo conhecimento de para quê finalidade seráusado.

Deveriam existir no Brasil equipes paraeste fim, já que estamos cada vez maisusando esta tecnologia educacional, entre-tanto, que se saiba, ainda não foram forma-das ou oficializadas por quem quer que seja.

Com todos os problemas de pós-produção(dublagem ou legendagem) e de avaliaçãoexistentes, resolvidos ou ainda não, esse sa-ber e esse conhecimento infinito ainda con-tinua a se multiplicar, sem precisar domarplatéias passivas, mas dirigindo-se a um infi-nito de dimensões cósmicas que é a sabedo-ria histórica da humanidade.

Mas claro que ainda haja muito que fa-zer sobre este tema central que é a divul-gação racional do saber humano. A pró-pria Educação como Ciência moderna de-manda e exige que todos nos cientifique-mos rapidamente dos conhecimentos recém-descobertos, de pesquisas em andamento re-latadas quanto as suas últimas novidades,

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dos seus avanços, dificuldades, empecilhose sucessos finais. Mas qual a razão dessa ne-cessidade e dificuldade tão prementes?

Explica-se pelopublishing lag, isto é, otempo que leva dodernier cri do autor oudo pesquisador, até a sua publicação em pe-riódicos de seu ramo ou em livros, conformese atesta freqüentemente. Este atraso tem setornado um verdadeiro estorvo aos autores eaos leitores mundo afora.

A indústria de publicações simplesmentenão dá conta de sua carga de trabalho esti-mada em muitos meses de espera para quese possa ler um artigo científico publicadoem condições normais, ou em anos até, da-das condições extraordinárias.

A transferência de informações seja a tí-tulo de ensino, seja a título de preservação dosaber cientifico, para ter o seuup date, paraestar em dia com o novo, peca pela demorade ser produzida e circulada em papel viameios tradicionais e o faz injustamente comsemelhante espera forçada fenômeno que, deresto, é tão lastimável quanto esperado, poisatrasa em demasia o fluxo de informações,de cognição e conseqüentemente de aprendi-zado.

Este é um problema que não tem uma so-lução visível dada a explosão das informa-ções, assunto já intensamente pesquisado pordiversos especialistas da Ciência da Informa-ção.

Prejudica-se a passagem livre de conheci-mentos importantes, o debate e a discussãodestes pela espera interminável. Assim, o es-tamento científico tem optado por soluçõestemporárias e dependentes de condições fa-voráveis, para a troca de novos conhecimen-tos. Faz-se especial referência às cartas, aospré-papers, enfim, à literatura dita cinzenta.

Como um último paliativo, quem sabe se

final, a rede Internet tem sido ultimamente agrande facilitadora deste fluxo livre do saber.Tem-se com ela obtido resultados positivos,numa corrida para um futuro que já é hoje.

Entretanto, não se sabe ainda ao certo, da-das as flutuações do mercado dito global, seo seu custo e a sua qualidade técnica irão de-monstrar maiores benefícios que o determi-nado pela parcimoniosa tradição acadêmica.Até agora tudo o indica, tanto que funcio-nando em países centrais (e.g. Estados Uni-dos, Inglaterra, etc.) em caráter experimen-tal, já existe uma rede Internet (WEB 2) ex-clusiva para os fins de passagem de conheci-mentos acadêmicos.

Contudo, o reino e o ritmo dos tele-documentários são outros. Mais sutis, con-vincentes e dotados de equilíbrio de forças,se bem que, de outro lado, mais dependenteda mídia por ser mais consistente em termosmateriais. E ao não tentar competir de frentecom a mídia informativa primária, apesar deem determinados momentos poder fazê-lo, eo faz com todo o seu poder de persuasão me-diática e informacional.

Assim foi o caso específico de um pro-grama da sérieNova (Confusion in a Jar) so-bre a fusão nuclear à frio (cold fusion in vi-tro) criada num laboratório universitário deUtah, Estados Unidos e depois recriada nou-tros laboratórios pelo mundo afora, até che-gar à visibilidade dos institutos de física dasuniversidades mais importantes (asIvy Lea-gue} daquele país e da Europa, nos quais seconstatou o dilema do pesquisador sério: es-tarei certo ou não frente à evidência obtida?

Enfatizado em extremo pelas diversas tro-cas de informações rápidas executas viae-mail, afinal, foi-se constatando o equívoco, oexagero, o erro, quem sabe, a fraude! A dú-vida persiste e cabe à audiência, agora infor-

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mada, chegar a um acordo e a uma conclusãosobre o assunto.

Um outro exemplo em que opublishinglag é diminuído em termos de tempo, temsido a passagem de informações em gené-tica aplicada à medicina, a Genômica, vol-tada em particular à oncologia. É de Da-vid Suzuki diretor e apresentador o programaThe Cancer Hunters(da sérieCracking theCode) daCBC, Canadá.

Sendo o tele-documentário uma mídia se-cundária, sem dúvida, é dotado de algumascaracterísticas das mídias primárias. Só nãopoderia sê-lo em sua totalidade porque es-barra na função técnica que no ramo significaqualidade de produção e de apresentação doproduto final, conforme assinalado.38

Em compensação, essa qualidade ofere-cida, somada aos artefatos científicos e ar-tísticos conteudistas, revertem-se a seu favorno trato com a matéria em as suas fontes,as suas vertentes e confluências, bem comona imensa gama de possibilidades em quesurjam, comprovando, ou não, mas sempreevidenciando cada segmento, enfatizando ousublinhando cada assunto.

É por isso que se deve situar o tele-documentário justamente como uma mídianão só secundária como formativa, além deeducativa.

Vai-se constatar que essa importância sejabem maior do que até agora se acreditava.Nunca parece de menos ao lado estético queperpassa a Arte e a Ciência. Talvez se lhepossa classificar melhor como uma meta-mídia.

Se uma descoberta da Ciência é boaquando é elegante, no reino que ora se es-tuda o que é belo e claro, bonito e elegante,

38FRANCO, op. cit. p. 20-23.

freqüentemente é bom, por definição. Mascaveat emptor! O inverso é quase sempreverdadeiro: o que é maltratado e feio é sem-pre ruim ou vagabundo!

Não existe espaço a imagens torpes ou demau gosto. O cafona, okitsch e o vulgarsó têm ninho quando se ilustram a si mes-mos. Podem até ser tema principal e comotal deveriam ser tratados. Mas, não contemsempre isso com uma regra geral, pois, nocinema tudo vale e o tele-documentário é ci-nema.

De resto, o papel coadjuvante da televisãotem sido quase sempre mais o de entreter, esabe-se lá como, do que de educar. Objetode freqüentes artigos na imprensa brasileirademonstra-se com vigor a existência ou nãoda liberdade e dos direitos civis e humanospor ela defendidos como missão exemplar.

Tais preocupações nunca serão adequada-mente respondidas não importa as inúmerastentativas de se clarificar o assunto. Mastorna-se absolutamente explícito e claro quea liberdade cessa quando:

“...a televisão impede de pensar. Nos pro-gramas de auditório e novelas, a fronteira en-tre a realidade e ficção é cada vez menor:a produção e a edição televisiva impedemque a pessoa sequer reflita sobre o que sepassa, confundindo o real com o ilusório, fa-zendo com que o mundo simulado da imagi-nação lhe pareça mais verdadeiro que a pró-pria vida."39

No entanto, acredita-se que haja um fa-tor de redenção na televisão compensatori-amente ao circo empoeirado, envelhecido esem graça que resulta dessa fársica pseudo-

39RABAÇA, Carlos AlbertoA educação e o papelda televisão, Rio de Janeiro, Jornal do Brasil, CadernoB, 01/12/1997, p. 9.

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manifestação libertária que nos é imposta pe-los conglomerados jornalísticos, verdadeiroabuso do direito das pessoas de terem um la-zer decente e saudável dentro de suas casas.Mas, vejamos um exemplo do caso oposto.

Em recente visita ao Brasil, Alvin Toflerfoi entrevistado por Tamara Leftel e entreoutras idéias interessantes ventiladas, saiu-secom a seguinte explicação:

“Combinem-se a televisão, o computador,os pais, as comunidades e as pessoas irão re-volucionar o ensino."E logo em seguida, ex-plicitou o fenômeno com alguns dados norteamericanos: “A maior revolução no ensinonos Estados Unidos de 75 a 95, até o pre-sente, foi que as pessoas ensinaram às outrascomo usar o computador! Mais de 50 mi-lhões delas o fizeram!"40

Se de um lado temos a limitação auto-imposta de uma liberdade pseudo-verdadeirae mesmo negativa para uma sociedade sem-pre em constante ebulição e efervescência,ao impor-lhe certas normas comportamen-tais que raramente não lhes são nocivas, te-mos, como se procurou mostrar, as ,possibi-lidades que engrandecem a mídia ao invés devilifica-la ou torná-la vulgar.

Em última análise, pode-se pensar que setorna uma questão de escolha. Até poderiaassim o ser, se assim o quiséssemos, pois sevamos ter tantas horas de vulgaridade no ar,que haja uma negociação, se é que esse es-paço é propriedade de todas as pessoas dopaís.

Assim, como compensação devida, tería-mos ao menos o quádruplo dessas horas deprogramação medíocre em programas edu-

40TOFLER, Alvin Entrevista à Tamara LeftelemConta Corrente, Globo News (Canal 40 NET/Rio)19/12/1997.

cativos e de bom gosto estético, entre osquais os tele-documentários.

No hemisfério norte tem-se chegado a di-versos acordos sobre o que deveria ser o cur-rículo diário da programação da TV aberta,inclusive com a adoção de chaves de controleeletrônico doméstico para a audiência de cer-tos horários testadas no Canadá só há poucoconhecidas.

No fundo da questão, o consumo domés-tico anglo-canadense tem sido matéria deuma longa e equilibrada discussão dentro dasociedade e motivo de profundos rearranjosquando se notam os equívocos ou as falhascometidas, ou surgem ainda dados de pesqui-sas mais recentes para abalar os estamentossociais em disputa.

Já entre nós a coisa ainda continua numaqueda de braço continua e aparentementesem fim, numa perda de tempo preciosa,num gasto enorme de matéria cinzenta, dehoras de trabalho inúteis de energia humanaconsumida ou desperdiçada sem uma finali-dade especifica ou ao menos aceitável.

As barreiras ao conhecimento impostaspor uma sociedade baseada no capitalismoselvagem, edificadas no charco da incúriade políticos desinteressados e sectários, fun-dada em princípios e em fins religiosos esta-pafúrdios, estão nos levando anos perder nomar da ignorância e de miséria. E que es-colha teremos a curto e médio- prazos? Quesaídas para o impasse?

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7 Uma mídia educativa dentrodas grandes mídias: serápossível o impossível no cassinoglobal? A título de conclusão

Como está inserido o tele-documentário emtermos de lógica mediática? Será mesmoque existe uma lógica mediática outra que ade um capitalismo selvagem, selvagementeaplicado? Vejamos os argumentos. Não sedeve deixar de levar em consideração ambosos lados das questões em pauta.

Sob a perspectiva do capitalismo cada vezmais selvagem que, convenhamos, não medeesforços para ver a compensação cada vezmaior dos seus esforços sob a forma de in-vestimentos financeiros, de que modo pode-ria sobreviver uma pobre (ou mesmo rica)emissora independente, pagar as suas contase preparar-se para os dias piores?

E, é claro, não é só isso que esteja em jogono cassino global, no bingo das multidões es-faimadas do mundo em desenvolvimento.

Há que manter-se em dia com os avançostecnológicos, conectar-se a algum suporte ousegmento de apoio jornalístico nacional ouinternacional importante, aumentar cada vezmais a sua credibilidade, aaccountabilitylo-cal, enfim, sobreviver seja pela repetição me-díocre do modelo Norte Americano abrasi-leirado, ou via quaisquer outros artifícios ba-seados localmente ou nem tanto. Enquantoisso se ganha tempo, conquistam-se as cli-entelas e as audiências de muitos e amadostelespectadores.

Parecem-nos perguntas excessivamenteretóricas ou acadêmicas, mas decerto, para aindústria não o são, pois parece que somentea lide no tema pode tentar respondê-las com

alguma precisão. Por enquanto, reflitamosum pouco a este respeito.

Acontece como se fosse um milagre de de-finição básica da mídia. As estações emisso-ras de TV devem, força da necessidade, aten-der a certos critérios de qualidade para que asempresas de publicidade, de propaganda e demarketing possam nelas veicular em tempopago regiamente as suas campanhas publici-tárias, osspots, clipes, etc.

Esta é a regra geral. Quanto mais sofisti-cada a emissora, em termos técnicos, maiscaro é o seu minuto, o seu tempo real noar, pois quanto maior e mais sofisticada asua audiência, mais ela exige essa qualidadeauditivo-visual. Torna-se deveras caro e cus-toso nela penetrar com mensagens propagan-dísticas razoáveis em termos de bits e depi-xels. Aqui grita alta a lógica do capital. Di-nheiro exige dinheiro, investimentos se repa-gam com mais investimentos.

De fato então não importa muito o de-talhamento, a qualidade ou a sofisticaçãoaparentemente ligados ao tele-documentário,pois desde que lhe falte o agressivo e pre-ponderante poder manipulador de massas,não serve em sua totalidade aos fins da pro-paganda; apesar de poder convencer, nãovence: pois não vende, pois toma tempo, di-nheiro e investimentos, cujos resultados fi-nais mostram-se invisíveis.

Ninguém compra mais ou menos depoisde ver um programa de um seriado como oNatureou oNova. Mas o que não se consi-dera é que, dependendo da ênfase deste po-derá, talvez, comprar melhor e mais sabia-mente. Este fator preponderante em vista dapopulação voltada ao ambientalismo sadio,requer um poder de convencimento conside-rável.

Este detalhe a mídia ainda não entendeu

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claramente. E perde o seu tempo e da au-diência interessada, segmentando bons tele-documentários em diversos programinhas dequatro ou cinco capítulos de cerca de meiahora, picotando-os com anúncios imbecilói-des de doze em doze minutos. É de fatomuita vontade de fazer a coisa de modo er-rado e de propósito, com fins exclusivamentede lucro.41

Mas note-se que este ponto mereça umadiscussão mais detalhada, pois, convenha-se,ainda não existe que se saiba um processode mensuração e de julgamento avaliativo deresultados finais, do produto documentário,pronto para o uso para todas as regiões bra-sileiras.

Então aqui vale a regra de preponderân-cia mediática para o tele-documentário, bemcomo para os demais programas das gradesde todas as emissoras: o que é bem feito emtermos estéticos vale mais que o que é pobre-mente idealizado.

Assim, não é por coincidência que quandoexiste algo aproximado ao belo trata-se detrabalho de equipes localizadas nos centrosnervosos do mundo. Só os localizados nameca da indústria brasileira, o eixo SãoPaulo - Rio de Janeiro - Belo Horizonte, quesão seguidos com anos luz de distância pelosdemais centros hegemônicos estaduais. É arealidade dos fatos, por mais lamentável queseja.

Para melhor esclarecer o ponto, transcrevouma mensagem sutil sobre o assunto, que deresto nunca é tratado em parte alguma, comraras exceções:

"Só para ficar claro, os dados do IBOPE

41Como é o caso recente do documentário nacionalSenta a Pua, de Erik de Castro, mostrado na TV àcabo há alguns meses.

que, semanalmente, são publicados pela im-prensa (do Rio de Janeiro) determinando seos espectadores de TV preferem o Gugu ou oFaustão, se o Ratinho é mais visto que Vocêdecide, se a novela das oito passou ou nãodos 40 pontos, se referem, exclusivamente, àaudiência paulista. É este mercado que inte-ressa às agências de publicidade. Como todoo mundo sabe que o gosto gaúcho não é igualao gosto carioca, que não tem nada a ver como gosto pernambucano, que passa longe dogosto paulista, a inter-relação desses dadoscomo verdade nacional é distorcida. E estáfazendoo Brasil inteiroassistir a uma televi-são feita para paulistas."42

Noutras palavras, uma minoria está enga-nando um considerável segmento de audiên-cia brasileira com bobagens e mentirinhas,perigosas, mal-pensadas, produzidas e gera-das no centro político-econômico hegemô-nico do país, e validando tais disparates aoinvocarem uma audiência local que ao serextrapolada às demais torna-se fictiva, ima-ginada, nada além disso.

Não é por coincidência que ali se loca-lizem os verdadeiros inimigos da verdadee por conseguinte dos tele-documentários,pois surrupiam o lugar do bom e do verda-deiro impondo o fácil, o de retorno imedi-ato, a falcatrua, o desonesto, o embuste, auma população despreparada, carente de co-nhecimentos corretos e precisos e em certoponto desavisada, porque ingênua em acre-ditar em tamanho amontoado de patifariasemi-oficializada pelo Estado, cuja ação re-gulatória é inversa ao quadrado da distância

42XEXÉO, A. Conde loteia as calçadas da ci-dade, Rio de Janeiro, Jornal do Brasil, Caderno B,30/09/1998, p. 8.

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que insiste em manter das camadas economi-camente ativas de segundoranking.

Magistralmente, Silviano Santiago mostraem artigo acadêmico- jornalístico, a combi-nação de “prisão"e “pátio de milagres"a quese reduziram certos programas “ao vivo",uma triste metáfora para ao morto, da TVbrasileira, nomeadamente, “o faustão, ogugu, ratinho et caterva."43

Nestes programas a auto-censura existenteé a da “gramática e do dicionário"pois:

“Ao combinar enunciados estereotipados(a um clichê segue outro clichê), o falanterenega a liberdade que lhe é concedida pelaescala ascendente de liberdade. Ele se deixaencerrar, sem voz própria, naprisão da lín-gua."44 (ênfase acrescentada)

Afinal, a crítica da mídia que tem-nos ofe-recido recentemente Alberto Dines, uma te-oria de crítica que abranja a todos, os meiosde divulgação, explicita ainda mais a matériaquando afirma que:

"A questão da telenovela é secundária. La-ços de família [novela da rede Globo do iní-cio do Século XXI] é uma cortina mam-bembe atrás da qual se esconde um poderososistema de anestesia e emasculação."45

Não é necessário maiores elaborações so-bre o assunto. Afinal quase sempre o im-possível torna-se possível. Só requer decertas autoridades governamentais o pensa-mento claro e a medida certa de vontade polí-tica para distribuir eqüitativamente o espaço

43SANTIAGO, Silviano Ratinho preso: sobre acensura, gramática e estilo, Rio de Janeiro, Jornal doBrasil, caderno Idéias, 24/01/1990, p. 5.

44SANTIAGO, op. cit., loc. cit.45DINES, Alberto Horror à controvérsia - lá e

aqui. Jornal do Brasil, Opinião, 18/11/2000, p. 9. Ver,do mesmo autor,Eppure se muove, Jornal do Brasil,Opinião, 25/11/2000, p. 9

tomado pela televisão no encaminhamentoadequado da questão da educação no pais,antes que o apartamento social se torne deigual forma um apartamento cientifico e tec-nológico.

Edgar Morin apresenta-se mais que con-vincente, talvez até inspirador, no que tangeesse assunto, quando afirma, peremptoria-mente:

“Quantos sofrimentos e desorientações fo-ram causados por erros e ilusões ao longo dahistória humana, e de maneira aterradora, noséculo XX! Por isso, o problema cognitivoé de importância antropológica, política, so-cial e histórica. Para que haja um progressode base no século XXI, os homens e as mu-lheres não podem mais ser brinquedos in-conscientes não só de suas idéias, mas daspróprias mentiras. O dever principal da edu-cação é armar cada um para o combate vitalpara a lucidez."46

A sociedade civil organizada cabe enten-der melhor desse assunto para reclamar deuma situação claramente injusta. Cabe-lheexigir uma cobrança do uso indébito dotempo real na TV aberta e à cabo, ao en-xovalhar e malversar os recursos indispensá-veis ao crescimento intelectual e quem sabeaté moral, de gerações de pessoas educadase conhecedoras da ciência e tecnologia, e dassituações a ela relacionadas pelas quais pas-sam o pais e o mundo.

Chega-se à cruel constatação que depoisde mais de cem anos de preocupações polí-ticas diversas, o documentário, per se, aindanão cumpriu completa e totalmente, pelo me-nos entre nós, a sua missão favorita explici-

46MORIN, EdgarOs Sete Saberes necessários àEducação do Futuro, São Paulo, UNESCO, Cortez,1999, p. 33.

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tada durante todo este tempo, qual seja, a deensinar e divertir ao mesmo tempo. Nuncadeixam que isto aconteça.

E não é culpa sua ou dos competentesdiretores que se esmeram em realizá-los esim daqueles que dominam o mercado e osinstrumentos de divulgação televisados nestepaís, que se sentem acima das leis e piorainda, do bom senso.

O grande tema da substituição da aldeiaglobal pelo cassino global, em sua profundacomplexidade, tem sido exposto com algumdetalhe por Hazel Henderson em seu livroConstruindo um mundo onde todos ganhem,em que expõe alguns tabus internacionaisdo ramo. Por exemplo, chama de “midia-cracia” uma “nova forma de governo base-ada na mídia como sistema nervoso de umnovo corpo político (ainda não suficiente-mente analisado por cientistas políticos, poreruditos e pela própria mídia.”47

A autora inglesa acredita que exista umapossível conspiração global para a obtençãoda atenção das populações economicamenteativas e pelo controle geral das inativas (osantigamente chamados exércitos de trabalha-dores de reserva) o que ela denominou “eco-nomia da atenção” e que impera tanto na pro-dução quanto na entrega dos “setores domi-nantes das midiacracias: cinemas, videocas-setes, audiocassetes e CD’s, TV e rádio...”48

É de fácil observação como se introdu-zem porta à dentro das nossas residências,estes e aqueles fenômenos da multiplicaçãodos conhecimentos midiáticos e comunicati-vos, à sabiendas que semelhante fluxo ma-ciço de informações em nada ajuda, ou ainda

47HENDERSON, H.Construindo um mundo ondetodos ganhem: a vida depois da guerra da economiaglobal, São Paulo, Cultrix, 2000, p. 130.

48Id., Ibid., p. 130.

pior, facilita contrariamente a interpretação eentendimento, ao impedir que se desenvolvaum conhecimento generalizado inteligente epositivo numa sociedade em formação, pelasimples transferência maciça de quantidadesimensas de dados e mais dados, num movi-mento sem finalidade que não seja a de faci-litar e aumentar a passagem quantitativa dedados, em simples detrimento do elementoqualitativo dos temas apresentados, discuti-dos, representados ou analisados.

Comenta ainda a autora, fundada em cercade três dezenas de anos de estudos do fenô-meno humano da midiacracia impingida, porsua qualidade representativa, deveras medío-cre, um jogo de palavras é aqui certamentecompreensível em vista da mediocridade dositens analisados e que vem sendo imposta àspopulações mundiais desde 1969, pelo quediz a autora, quando inicialmente:

“Os problemas tornaram-se mais críticos”pelo enraizamento sutil da “violência e por-nografia comercialmente lucrativas, má edu-cação das crianças devido às propagandas eao comercialismo nas salas de aulas; (sic.)surgimento de multidões de programas deentrevistas no rádio e na TV, e deshowsdeconversas odiosas” o que vale dizer, estamosagora presenciando no Brasil aquilo que dehá muito vem acontecendo na TV de todo oprimeiro mundo.49

E adverte com a segurança de quem com-preende bem e explicita as implicações pro-fundas da situação:

“Hoje, muitos países do mundo saltaramdo feudalismo para a midiacracia sem terpassado pelos estágios do industrialismo eda democracia. Esse novo tipo de governoacidental pela mídia concentra poder político

49Id., Ibid., p. 133.

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por vias não exploradas pelos cientistas polí-ticos.” 50

Contudo, sejamos um pouco otimistas,pois nem tudo ainda está perdido. Além doque já se afirmou acima, existem algumassugestões que se oferecem para sairmos dassombras e sermos mais democrática e tro-picalmente banhados pelas luzes do sol doconhecimento sadio, representado pela ima-gem nítida do documentário e de sua versãomodesta ou encolhida, mas bela, para a tele-visão e o vídeo.

Seria de todo aconselhável sairmos aospulos desse impasse, reconhecendo-se aqualidade do instrumento educacional, oraemergente, que, fato consumado, está prestesa se reposicionar via computador e Internet.Quem sabe se até mesmo tentando emulá-lo com a filmagem e distribuição de produ-tos nossos que possam ser oferecidos não sóaqui como noutros lugares do mundo?

Com esta pergunta se reafirma que não seesteja negando a existência ou a competênciade documentaristas brasileiros renomados eimportantes, tantos são que nomear um oudois e ignorar os demais seria uma imensainjustiça.

Tampouco de produtos e produtoras de ex-celentes padrões de conteúdo educativo, dequalidade técnica e de beleza estética. Sónão possuem infelizmente a constância, a fir-meza e a devoção ao trabalho proposto comoseria de se esperar e que são um requisito in-dispensável. Mas isto é esperado pois trata-se de uma imposição do capital e de mer-cado, conforme se pode observar.

Se reafirmam incessantes, apenas, a exa-gerada domesticidade e paroquianismo deuma maioria experimentalista: criam produ-

50Id., Ibid., p. 133.

tos quase que somente para o uso do mo-mento, interno e localizado, de um pequenogrupo, desprovido de asas que possam voar efazer outros voarem na imaginação baseadana realidade.

O salto quântico qualitativo não foi aindasequer tentado e sabe-se que não seja à faltade recursos técnicos qualitativos e principal-mente de confiança e fé nesses recursos deprecisão e complexidade.

Falta, sim, uma coordenação e uma gerên-cia racional e superior de recursos, princi-palmente. E isso talvez seja fácil de enten-der como e porquê se passa. Estaremos ounão “condenados à civilização” como queriaMonteiro Lobato. Afinal, se é fato consu-mado, é tempo de perguntarmos que civili-zação será essa? Pois algumas delas podemser até bem melhores que outras...

Para termos essa fé e confiança, esse con-trole de uma vantagem estratégica latentee implícita a qualquer nação que se diga eaja civilizadamente, torna-se importante re-conhecermos a única maneira de se aprendera fazer documentários educativos, tão sim-ples: é fazendo. E fazendo sempre bem, emelhorando cada vez mais.

É estudando e aprendendo até com os nos-sos erros, e adquirindo confiança em nósmesmos. É dominando as técnicas utilizadase repetindo-as até completarmos essa mis-são inglória que é a da reinvenção mágica daroda. À brasileira, diga-se de passagem.

Se tivermos de comprarknow-howfaçamo-lo com estilo, aplicando os nossosrecursos variados, por exemplo, na trocados nossos espaços de locação por cursosde aprendizado de técnicas de escrita deroteiros para documentários e no conveni-ente aprendizado de pré e pós-produção, ou

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O cinema, o documentário e a educação 45

por equipamentos modernos e material deconsumo.

E não param ai as diversas possibilidadesexistentes. Parece inconcebível nos esque-cermos do salvamento, restauração e prote-ção de imagens de arquivo, indispensáveispara o conhecimento da realidade passada dopaís, ao abandonar as sombras pela magiadas luzes.

Exceto que se trata de um processo difícil,trabalhoso e inglório, a que nem todos que-rem se dedicar com boa vontade.

Para exemplificar, descendo um poucomais à fundo, imagine-se, à titulo de discus-são, que não só uma larga percentagem defilmes mudos à base de nitrato tenham de-saparecido, conforme já se afirmou, o queé pior, nunca foram recopilados em celuloseou em qualquer outro meio, restando apenasuns poucos quadros para provar a sua exis-tência, se tanto.

Se isto é verdadeiro lá fora, entre nós nãoé mais que um tabu a que poucos discutemou se interessam estudar.

Porque então nos esquecermos assim fa-cilmente dos filmes domésticos, dos industri-ais e dos militares escondidos e se perdendonos depósitos e arquivos mortos de nossas re-sidências, de nossas indústrias e de nossasForças Armadas? Porque esquecermos queexistem quando sabemos que irão inexora-velmente para o lixo?

Vê-se que é por demais extensa a gama detemas do muito que temos que aprender nofuturo próximo sobre esta Arte. É impor-tante e necessário entender o passado paraconstruir o futuro, o lugar comum de todosos historiadores.

Sugiro que seria ideal que a princípio hou-vesse um seminário de alguns dias em quefosse organizado umbrain stormpelas pes-

soas interessadas no assunto, quem sabe parafirmemente organizar e sistematizar o que sepensa da matéria e o que se executa e o que,se possa executar.

Como agora se apresentam as informaçõessobre o assunto se encontram atomizadas,mas a partir dessa dissipação, que pode serconsiderada até natural, dadas as circunstân-cias, talvez se possa chegar a um consensoinicial, cristalizando-se as idéias e traçando-se as normas de como, quem, onde e porquêatacar o problema do uso apropriado de re-cursos dispersos que existem, mais objetiva-mente, dada a complexidade das circunstân-cias.

É lógico que cem anos de especializaçãonum assunto não irão se amalgamar em seisou sete rápidos dias. O certo é que raramenteessa oportunidade é oferecida para se sair deuma situação em que, do contrário, só exis-tam pequenos ganhadores e grandes perde-dores.

Convém-nos trabalhar e pensar em con-junto, mesmo se separados pela distânciade nossos centros urbanos principais. Quesemelhante distância seja somente física enunca psicológica ou política, pois o que estáem jogo afinal é a felicidade de inúmeraspessoas.

8 Anexo: algunstele-documentários

Os itens seguintes são exemplos clássicosde tele-documentários de primeira categoriae que se encaixam na descrição das supra-mencionadas Séries, e que em alguns casosseguem-se a textos escritos e publicados, emparticular pelas editoras norte americanas einglesas:

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46 Geraldo Franco

National Geographic: Apresenta itens apartir de temas levantados pela famosa e im-portante revista Norte Americana e desde háalguns anos, uma emissora de seus própriosprogramas.

The Ascent of Man: É também titulo dolivro principal do importante cientista, fa-zendo as vezes de apresentador, Jacob Bro-nowski. Consta que o filme já esteja algo en-velhecido se bem que os seus conhecimentose o seu estilo personalista estejam absoluta-mente em dia.

Civilisation, a personal view de KennethClark, BBC. Apresenta sua visão histórícadas Artes mundiais.

The Day the Universe Changed, After theWarming e Connections,de James Burke.Autor-apresentador-díretor inglês, extrema-mente prolífico na concepção de textos sobreidéias-chave científicas (algumas das quaispublicadas na revistaScientific American) eílustrados com exemplos gráficos significa-tivos interligados e representativos das mes-mas.

The Earth in Balance, do Príncípe Charlesde Windsor, Príncipe de Gales. Uma visãomundial do problema da Ecologia do meioambiente.

The Last Machine, de Terri Gilliam,TheNational Film and Television Archives,paraa BBC. Um apanhado de vários momen-tos evolutivos do início do cinema, profusa-mente ilustrado com metragens de arquivosda época.

The Private Life of Plants, de David At-tenborough. O tema revisita as várias noçõespráticas de Biologia e Botânica com exem-plos vívidos e interessantes.

The Nature of Things, de David Suzuki,CBC. Exemplo canadense de como se pode

reinventar videograficamente a ciência mo-derna em termos educativos.

Le Siècle des Machines, uma colagem deinteressantes imagens de arquivo européias,da produtora franco-britânica Gaumont.

Thalassa, Jacques Pernoud, um programade novidades, não raro de documentários so-bre o mar e temas conexos, há cerca de 10anos semanalmente emitido pela TV5 fran-cesa.

War and Civilization, do The LearningChannel-TLC, mostra a ligação íntima en-tre um e outro dos temas escolhidos usandoexemplos bem escolhidos, dublado em por-tuguês.

Millenium, de Maybury Lewis, importanteantropólogo Norte Americano, aqui se dedi-cou a fazer um apanhado de sua carreira demais de 30 anos, alguns anos antes da víradadeste século.

The Mozart Mystique, onde Peter Ustinovapresenta uma dezena de fatos representati-vos da vida de Wolfgang Amadeus Mozart,enfant prodige e que se tornou um célebrecompositor barroco.

Frontline, um programa semanal da PBSsobre Política nacional e internacional mos-trado apresentadores das emissoras associa-das àquela rede.

Smithsonian, como diz o título, trata-se deum programa livre variedades científicas so-bre assuntos diversos relacionados renomadaSmithsonian Institution, de Washington, DC.

The trials of life, do apresentador DavidAttenborough para a BBC, mostra-nos comoa natureza desenvolve as suas próprias estra-tégias para a sobrevivência animal. Com osom adaptado ao português recebeu o nomede Os Desafios da Vida.

Scientific American Frontiers, apresen-tado pelo bem humorado ator-apresentador

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Alan Alda, reflete algumas reportagens dafamosa revista Norte Americana.

Channel Four Television, da Inglaterra,com uma imensa coleção de títulos e de as-suntos momentosos.

Veja-se também o sitewww.learner.org/biographyofamericaque acompanha a série de TV e vídeo daAnnemberg/Corporation forPublic Bro-adcast (PBS), baseada nos 28 programascronológicosBiography of America(Citadoem T. H. E. Journal, Technological Horizonsin Education, dezembro 2000, p. 33).

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