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O Uso do Computador... LIRA & LUNA Revista Diálogos 1 3 – jan./mar. 2015 5 O USO DO COMPUTADOR E O TRABALHO COM GÊNEROS VIRTUAIS EM AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA: ENTRE A PRÁTICA E O QUE DIZ O CURRÍCULO DE PERNAMBUCO PARA O ENSINO FUNDAMENTAL I* d.o.i. 10.13115/2236-1499.2015v1n13p5 Vera Lúcia de Siqueira Lira 1 Dr. Jairo Nogueira Luna 2 RESUMO: Atualmente há muitos discursos sobre os impactos do computador e da internet nas ações diárias, na vida em sociedade e nos modos de ensinar e aprender, sobretudo no contexto escolar. Tais discursos encontramse divididos em argumentos favoráveis e contrários em relação à efetividade das contribuições das ferramentas comunicacionais, mais especificamente no tocante ao uso do computador e da internet, em práticas de ensino. Os alunos, em sua maioria, fazem usos de tais ferramentas e os professores se angustiam diante da realidade virtual. Em meio a um turbilhão de fatos e opiniões acerca do computador e da internet buscamos enfrentar os desafios e possibilidades potencializadas com uso de tais ferramentas e quiçá responder a mais intrigante de todas as inquietações que o uso do computador e da internet propõem à educação no contexto atual: Como transformar uma imensidão de informação em conhecimento? 1 Mestranda, PROFLETRAS, Universidade de Pernambuco – UPE, Campus Garanhuns. Email: [email protected] 2 Professor Orientador , PROFLETRAS, Universidade de Pernambuco – UPE, Campus Garanhuns. Email: [email protected]

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O Uso do Computador... LIRA & LUNA 

Revista Diálogos 1 3 – jan./mar. ‐ 2015  5

  O USO DO COMPUTADOR E O TRABALHO COM GÊNEROS VIRTUAIS EM AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA: ENTRE A PRÁTICA E O QUE DIZ O CURRÍCULO DE PERNAMBUCO PARA O ENSINO FUNDAMENTAL I* d.o.i. 10.13115/2236-1499.2015v1n13p5

Vera Lúcia de Siqueira Lira1

Dr. Jairo Nogueira Luna2

RESUMO:  Atualmente  há  muitos  discursos  sobre  os  impactos  do computador e da  internet nas ações diárias, na vida em  sociedade e nos modos de ensinar e aprender, sobretudo no contexto escolar. Tais discursos  encontram‐se  divididos  em  argumentos  favoráveis  e contrários em relação à efetividade das contribuições das ferramentas comunicacionais,  mais  especificamente  no  tocante  ao  uso  do computador e da  internet, em práticas de ensino. Os alunos, em sua maioria, fazem usos de tais ferramentas e os professores se angustiam diante da realidade virtual. Em meio a um turbilhão de fatos e opiniões acerca do computador e da internet buscamos enfrentar os desafios e possibilidades  potencializadas  com  uso  de  tais  ferramentas  e  quiçá responder  a mais  intrigante  de  todas  as  inquietações  que  o  uso  do computador  e  da  internet  propõem  à  educação  no  contexto  atual: Como transformar uma imensidão de informação em conhecimento?                                                              1 Mestranda, PROFLETRAS, Universidade de Pernambuco – UPE, Campus Garanhuns. Email: [email protected]  2 Professor Orientador , PROFLETRAS, Universidade de Pernambuco – UPE, Campus Garanhuns. Email: [email protected]  

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 PALAVRAS-CHAVE: Gêneros virtuais. Currículo de

Português. Sala de Informática

Abstract: There are currently many discourses on the impacts of computers and the Internet in daily actions, in society and in ways of teaching and learning, particularly in the school context. Such discourses are divided into pro and con arguments regarding the effectiveness of the contributions of communication tools, specifically regarding the use of computers and the internet in teaching practices. Students, mostly make use of such tools and teachers distress on virtual reality. In the middle of flurry of facts and opinions about the computer and the internet seek face the challenges and possibilities greatly enhanced by use of such tools and perhaps answer the most intriguing of all the problems the use of computers and the internet offer education in the context Current: How to turn an information immensity knowledge? KEYWORDS: Virtual Genres. Curriculum Portuguese. Computer Room   Situando a questão Tomando como panos de fundo a figura do computador e a sala de informática, o presente artigo integra uma pesquisa, ainda em fase de construção, que objetiva contribuir com reflexões acerca do uso do computador no ensino de língua portuguesa, mais especificamente em atividades com gêneros digitais “virtuais ou hipertextuais”, ou seja, gêneros que se encontram em ambiente eletrônico. Dessa forma, busca-se identificar indicações no currículo de português para o Ensino Fundamental de PE, do uso de gêneros e mídias digitais e relacioná-los com as práticas efetivas dos alunos de uso da linguagem por meio de tais gêneros e

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ferramentas digitais, práticas estas observadas através de questionário aplicado em duas turmas de 9º ano de duas escolas situadas no município de Garanhuns, PE.

1 A escola e o letramento digital Fato é que o surgimento das Tecnologias da Informação e

Comunicação, doravante denominadas TICs, acarretou mudanças nos modos de produção, comunicação e organização da sociedade. Resultou também em necessidades de mudanças na educação, mais especificamente em processos de ensino/aprendizagem. Neste contexto, além dos conteúdos tradicionais e dos demais letramentos a escola deve atuar como uma agência também do letramento digital. Sobre a importância da atuação da escola como uma agência de letramento3 digital, Xavier (2002, p. 1) postula que o estudante deve compreender:

[...] um conjunto de informações e habilidades mentais que devem ser trabalhados com urgência pelas instituições de ensino, a fim de capacitar o mais rápido possível os alunos a viverem como verdadeiros cidadãos neste novo milênio cada vez mais cercado por máquinas eletrônicas e digitais.

 * Trabalho parcialmente baseado na dissertação de Mestrado do PROFLETRAS UPE campus Garanhuns (2013-2015) desenvolvida pela autora sob o título “Ressignificação do papel da leitura e da escrita em práticas pedagógicas com gêneros virtuais em aulas de língua portuguesa na sala de informática” com a orientação do Prof. Dr. Jairo Nogueira Luna. 3 A propósito das diversas concepções de letramento, consultar Soares (2002).  

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Acerca das mudanças nos modos de ler e escrever em suportes digitais e o surgimento do letramento digital, Xavier (2002) postula que tais mudanças são resultantes e resultado do letramento digital o qual “implica realizar práticas de leitura e escrita diferentes das formas tradicionais de letramento e alfabetização”.

Ainda sobre as implicações de meios digitais, construímos o esquema abaixo a partir de estudos de Xavier (2002) e do autor americano David Barton (1998) que discutem o letramento não apenas como uma atividade cognitiva, mas como atividade cultural e social, que vai da percepção do código, de suas relações com informações externas a ele e de suas materializações em textos orais e escritos até sua relação com a realidade histórica, social e política.

Figura 1. – Esquema de apropriação tecnológica com foco na participação

e transformação social.

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O computador e a internet possibilitaram facilidade ao acesso e uso de ferramentas de interação como chats, e-mail, redes sociais, portais, blogs e etc. tendo os gêneros textuais como “engrenagens” que os põe em movimento. Assim, são os gêneros/ambientes virtuais os responsáveis pela dinamização4 de tais ferramentas de interação digital.

Figura 2. – Representação dos gêneros como engrenagens das ferramentas

de interação digital.

A própria denominação de gêneros digitais faz referência ao meio/suporte, no qual circulam tais gêneros. Marchuschi (2002, p.5) afirma que o suporte textual consiste no “local, físico

                                                            4 Figura construída com base em Bezerra e Melo (2011, p. 27). O Internetês em Questão: “Português Assassinado a Tecladas?” In: BEZERRA, Benedito Gomes. Leitura e Escrita na Interação Virtual – Recife:EDUPE, 2011.  

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ou virtual, onde o gênero se materializa”. No caso do suporte virtual, os gêneros estão envolvidos por estruturas peculiares denominadas de hipertextos.

Assim, pelo menos uma coisa parece certa: a escola não pode ignorar a presença do computador e da internet, ainda que insuficientes, em seus espaços físicos e nas diversas práticas dos estudantes fora da escola. Desse modo, o currículo, enquanto documento que visa nortear as práticas pedagógicas, não pode ignorar tais presenças. Restando, portanto a não menor inquietação: Como usá-los de modo efetivo nos processos de ensino e aprendizagem envolvendo leitura e produção escrita em aulas e língua portuguesa?

Dialogando com tal inquietação, Almeida (2012) fala sobre o aparelhamento tecnológico nas escolas e diz que eles, muitas vezes, representam uma busca desenfreada pela resolução do problema da crise na educação. Tomados dessa forma, tais aparelhamentos tecnológicos apenas serviriam para camuflar a reprodução de práticas de ensino tradicionais, com uso do computador, de forma destituída de sentidos para os alunos e para o próprio professor.

2 Ensino de Língua Portuguesa a partir dos gêneros digitais: o que dizem os documentos oficiais da rede estadual de ensino de Pernambuco O Currículo de Português para o Ensino Fundamental5,

com base nos Parâmetros Curriculares do Estado de Pernambuco, é parte integrante de um conjunto de documentos que a Secretaria de Educação de Pernambuco (SEE) apresenta aos docentes. No referido documento há afirmação de que o mesmo:

 5 www.educacao.pe.gov.br/portal/upload/.../curriculo_portugues_ef.pdf. Acessado em 23/05/2014.

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Apresenta-se conforme os eixos presentes nos Parâmetros Curriculares de Língua Portuguesa para a Educação Básica de Pernambuco: Análise Linguística, Oralidade, Leitura, Letramento Literário e Escrita. A cada um desses eixos relacionam-se as expectativas de aprendizagem descritas nos Parâmetros Curriculares com os seus respectivos conteúdos. (Grifo nosso, p. 5).

Há, ainda, indicação de que o professor alinhe suas

atividades com o proposto nos Parâmetros, de forma a proporcionar:

Um processo de ensino-aprendizagem comprometido com uma formação que garanta aos estudantes usar a linguagem com autonomia e competência, para viver melhor, para aprimorar-se pessoal, intelectual e profissionalmente e atuar de forma ética e responsável na vida social.” (Grifo nosso, p. 5).

Os parâmetros, ainda que timidamente, trazem indicações de trabalho com gêneros/ambientes digitais que exigem o uso de ferramentas tecnológicas, mais especificamente, o computador e a internet. Apesar de “derivar” dos parâmetros, o currículo destoa bastante dele, principalmente no tocante ao uso de ambientes e gêneros da esfera digital. Basta verificar a predominância dos gêneros tradicionais: cartas, avisos e bilhetes, em detrimento tanto de gêneros quanto de ambientes digitais.

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Interessante comentar que a indicação de trabalho com os gêneros blog e portais dialoga com Fiore (2002)6 quando inclui o computador enquanto um dos quatro elementos básicos para a promoção da cidadania, e diz que:

“Assim, entre os fatores decisivos para a criação de uma nação justa, rica e culta – a democracia moderna, igualitária e meritocrática que desejamos construir –, encontra-se a capacitação do povo para uso da informação escrita. Isto é, a familiaridade da população com o livro, o jornal, a revista e o computador – os quatro instrumentos básicos da sociedade da informação.”

O trabalho com tais gêneros implica o uso do computador e da internet, de modo que, sem as referida ferramentas o trabalho corre o risco de ficar superficial e vazio de sentido tanto para os alunos quanto para os professores. O uso do computador no trabalho com os gêneros digitais também ressalta o fato de que a escola deve ser fundamentalmente uma “agência de letramento digital”. Ribeiro (2008, p. 80) defende que “conhecer os gêneros, além de todos os outros itens necessários para se ler, também depende de conhecer suportes e formas. Isso tudo, por sua vez, depende do grau de letramento do leitor”. A partir da análise de gêneros da esfera digital no currículo de língua portuguesa para o ensino fundamental de Pernambuco foi construído o gráfico abaixo no qual se pode verificar a predominância de gêneros tradicionais em detrimento dos digitais.

 6 Ottaviano De Fiore, Por Uma Política Nacional de Leitura, impresso avulso, distribuído em encontro do PROLER, São Paulo, 2002.    

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Gêneros/ suportes no Currículo

12%

21%

18%15%

34%Portais

 Blogs

Cartas

Bilhetes

Avisos

Figura 3. – Representação da indicação de gêneros/suportes virtuais no Currículo de Português para o Ensino Fundamental

Importante ressaltar que o currículo adota uma perspectiva tradicional de leitura e produção dos gêneros avisos, bilhetes e cartas. Quanto aos ambientes portais e blogs, há predominância em práticas de leitura, ao passo que nos parâmetros há indicações de trabalhos com produção textual colaborativa e processos de reescrita em ambientes digitais.

Sobre os portais, de modo geral, e em particular em relação a blogs, há também confusões, no referido documento, acerca da identificação e diferenciação entre os conceitos de suporte e gênero. Por exemplo, do 6º ao 8º ano não há clareza se o blog seria tomado como diário virtual, portanto gênero, ou se enquanto ambiente, ao passo que portais são tomados como gêneros, indistintamente.

Ainda Sobre o blog, de acordo com Dantas e Gomes (2008) enquanto “diário íntimo”, podemos o entender como um gênero primário, mas ao perder tal característica, o blog, consequentemente, perde o estatuto de gênero. Os autores ainda dizem que:

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Nosso propósito é defender que os blogs se caracterizam muito mais como suportes convencionais de textos do que como gêneros. Em primeiro lugar, porque, em um sítio desse tipo, diversos gêneros discursivos se fazem presentes em cada uma de suas partes. O blog comum possui diversos gêneros diferentes em sua apresentação como uma página, como por exemplo, índices, enquetes, links, banners. (...) Além de, nos comentários, aparecerem artigos de opinião, relato, etc. (DANTAS;GOMES, 2008, p.09-11)

No mais, não iremos aprofundar discussões acerca de

caracterizações de suporte e gênero. No entanto, cabe ressaltar que o currículo analisado apresenta incoerências e confusões acerca de tais conceitos. Tal distinção se faz necessária para orientar os objetivos propostos pelo professor, pois, a princípio, o referido documento servirá como embasamento para práticas de ensino de língua portuguesa.

Percebe-se, pela predominância de gêneros tradicionais no currículo, a oportunidade de processos de retextualização, transmutação de tais gêneros.

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Figura 4. – Representação de transmutação de gêneros tradicionais a partir do uso a indicação de gêneros/suportes virtuais no Currículo de Português para o Ensino Fundamental

Ao se trabalhar com mídias e variados suportes, o estudante realiza processos de retextualização e desenvolve letramentos multimodais ao representar as informações. Tais atividades, de acordo com Ribeiro (2010, p.255), demonstram ao aluno o fato de que “[...] as escritas são várias e se definem, em grande medida, pela adequação a funções, suportes e modalidades”.

Os estudantes atentam (mais do que aprendem) para o fato de que há diversas formas, igualmente interessantes e eficazes, de expressar informações. São nossos conhecimentos sobre comunicação e linguagem que nos fazem decidir por uma composição em que prevaleça a imagem, a palavra ou som, por exemplo.

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Tal documento7 não faz explicitamente referência ao trabalho com o computador, no entanto, percebe-se que estes conteúdos e seus objetivos emanam uma relação, e mesmo necessidade, do uso de tais ferramentas em atividades que, dentre outras expectativas de aprendizagem, favorecem a inclusão digital e, por conseguinte, apropriação do letramento digital, que para Soares (2002, p.151) consiste no “estado ou condição que adquirem os que se apropriam da nova tecnologia digital e exercem práticas de leitura e escrita na tela”.

Por isso, percebe-se a oportunidade e necessidade de investigação se há indícios de produção, no currículo, de tais gêneros a partir, também, do uso do computador. Produções estas que nos parecem oportunas, uma vez que as práticas de transmutação textual favorecem maior preocupação com a adequação e com os aspectos linguísticos. Há também, evidentes possibilidades de um maior compartilhamento dos textos produzidos e, consequentemente, de maior interatividade.

3 E os alunos, como se relacionam com os gêneros e ambientes virtuais dentro e fora da escola?

Para conhecer os gêneros e ambientes virtuais que  são, 

efetivamente, usados pelos alunos, foi aplicado um questionário com duas turmas do 8º ano do ensino Fundamental (equivalente à antiga 7ª série).  

Foram selecionadas duas escolas campo de pesquisa (uma escola da rede estadual e uma escola da rede municipal) e uma turma de cada escola, cada turma com aproximadamente 34 estudantes matriculados e frequentando regularmente as aulas.

 7 Expectativas e aprendizagem referentes ao 1º bimestre do 7º ano da rede estadual de ensino de Pernambuco. 

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Foi aplicado um questionário contendo doze perguntas divididas da seguinte forma: as seis perguntas iniciais versavam sobre o conhecimento em relação à estrutura, horário de funcionamento, visitas à Sala de informática e se o estudante havia recebido treinamento para o uso do referido espaço. As duas próximas perguntas pretendiam saber se o aluno usa o computador fora do ambiente e escolar e as finalidades de tais usos. Em seguida, a partir de mais duas perguntas, respectivamente, foi questionado se ele já havia frequentado a sala de informática para ler e produzir textos e se tais textos haviam sido enviados por meio de e-mail ou outro suporte virtual.

A décima primeira pergunta referia-se as formas como o estudante estabelece suas comunicações com outros agentes sociais (familiares, colegas, vizinhos etc.). Por fim, a última pergunta era sobre o que o aluno pensa a respeito da edição e revisão de textos em processadores como o Word.

Na análise dos resultados dos questionários aplicados foi observado que alguns alunos foram além das perguntas elaboradas pelo pesquisador e escreveram observações nas margens das folhas dos questionários.

Constatou-se ainda que, em relação à pergunta: Quais as formas como estabelecem comunicações entre os colegas e demais agentes sociais: familiares, colegas e vizinhos? As respostas resultaram em certo desequilíbrio entre a comunicação através de gêneros escritos/produzidos/veiculados de modo tradicional e através do suporte virtual.

Sobre as formas como estabelecem comunicações entre os colegas e demais agentes sociais: familiares, colegas e vizinhos, as respostas resultaram em certo desequilíbrio entre a comunicação através de gêneros escritos/produzidos/veiculados de modo tradicional e através do suporte virtual.

Depois da ligação através do celular, a maioria dos gêneros assinalados como mais usuais são, respectivamente: recados no Facebook, torpedo e e-mail.

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Vejamos:

Figura 5. – Tabulação referente às formas de comunicação entre

os alunos e os demais agentes sociais.

Tal resultado mostra que os nossos alunos, no que se refere aos usos de ferramentas tecnológicas, estão à frente, inclusive do próprio currículo analisado. Ou seja, as ferramentas tecnológicas trazem desafios tanto para o professor quanto para a organização/orientação dos documentos oficiais para a educação. Acerca disso, BELLONI (2001) diz que:

Do livro e do quadro de giz à sala de aula informatizada e on-line a escola vem dando saltos qualitativos, sofrendo transformações que levam de roldão um professorado menos perplexo, que se sente muitas vezes despreparado e inseguro frente ao enorme desafio que representa a incorporação das TIC ao cotidiano escolar. Talvez sejamos os

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mesmos educadores, mas os nossos alunos já não são os mesmos. (BELLONI, 2001,p.27)

No currículo do estado de Pernambuco, o trabalho com os gêneros carta, aviso e bilhete são indicados no 6º, no 7º ano aparece o gênero carta, no 8º há a indicação de trabalhos com avisos direcionados para a análise funcional de tais gêneros, seus recursos de construção do texto adequados à situação de interação, ao suporte no qual o texto circulará e ao destinatário previsto para o texto. Caberiam nestas abordagens retextualização na leitura e produção de tais gêneros com usos de ferramentas tecnológicas.

Dessa forma, considerando a importância de conhecer como os gêneros/suportes virtuais indicados para o trabalho em Língua Portuguesa, pelos Parâmetros Curriculares de Pernambuco para o Ensino Fundamental I, são efetivamente trabalhados a partir do uso do computador e da Sala de Informática, o questionário aplicado contemplou perguntas acerca dos usos do referido espaço.

Sobre o conhecimento e contato com a sala de informática, 18% afirmou conhecer o funcionamento, 1% a conhece o funcionamento e visitam periodicamente. Apesar de 27% afirmarem conhecer a estrutura, nenhum deles afirmou ter tido treinamento para o uso do referido espaço. Dos entrevistados, 71% usam o computador fora da escola com finalidades diversas como acessar a rede social Facebook, para jogar, e o site de pesquisa Google.

Vejamos:

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Visita periodicamente SI

Conhece o funcionamento

Conhece a estrutura

Teve treinamento para usar a SI

Usa o computador fora da escola

Elaborou texto na SI

Enviou através do computador o

Figura 6. – Tabulação do questionário aplicado com estudantes de

duas escolas do 8º ano do Ensino Fundamental I.

25% elaborou texto na SI, no entanto, somente 25% responderam ter feito o envio, através do computador, do texto produzido. Está última constatação, a partir das respostas dos estudantes, mostra que não basta apenas mudar o suporte, do papel para o computador, do lápis para o teclado, é preciso, antes de tudo, proporcionar ressignificação de fato em relação a tais processos. Esta verificação dialoga com a afirmação de Braga, (2013, p.59) de que:

O fato de ser digital não garante o caráter de “inovação”. Não é a incorporação da tecnologia que determina as mudanças nas práticas de ensino, mas sim o tipo de uso que o professor faz das possibilidades e recursos oferecidos pelas TICs.

Dessa forma, percebe-se a importância e necessidade de

retomar, principalmente nas aulas de língua portuguesa, os

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gêneros que os alunos já conhecem, explorando os suportes e gêneros virtuais que eles já utilizam e também os que ainda não tiveram contato, em práticas pedagógicas que favoreçam a construção de significados no exercício dialógico em suportes virtuais, uma vez que o trabalho com gêneros digitais fora do referido suporte nada mais é que um mascaramento e descaracterização de tais gêneros.

Assim, não basta ao professor apenas incorporar artefatos tecnológicos nas aulas e no trato com os gêneros textuais, mas atribuir significados aos mesmos através, preferencialmente, de práticas pedagógicas funcionais no uso de tais recursos e gêneros.

O trabalho com gêneros digitais, consequentemente, implica e resulta no uso/contato com o meio/suporte digital. Ou seja, o computador e o acesso à internet cabem para auxiliar os professores, na elaboração e execução de conteúdos.

Além disso, experienciar a leitura e a escrita em esferas digitais consistem, muito mais que a simples presença em um currículo, em atividades situadas e contextualizadas. Considerações (não) finais

De acordo com as observações realizadas, percebe-se a necessidade de aprofundamento e coerência no tocante a presença e definição de gêneros discursivos oriundos das tecnologias digitais, bem como, de ambientes virtuais/digitais no currículo de Português para o ensino fundamental da rede estadual de Pernambuco.

O documento apresenta indicação do trabalho com os gêneros/ambientes digitais: chats, e-mail, blogs e portais. No entanto, os gêneros mais usados pelo grupo de alunos pesquisado são ligação através do celular, recados no Facebook, torpedo e em menor número, o e-mail. Apesar de ser muito comum o uso e oferecer muitas possibilidades de trabalho, os recados no Facebook não são mencionados no Currículo.

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Apesar do potencial do computador e da Internet na produção e circulação de textos, tais mídias incoerentemente, no currículo, aparecem com foco em práticas predominantemente de leitura, ao passo que os gêneros tradicionais são tomados em práticas de escrita. É possível, sobretudo em ambientes digitais, delimitar práticas de leitura e escrita? Ou melhor: Em ambientes digitais leitura e escrita ocorrem, essencialmente, separadamente?

Por fim, o currículo, em contraponto com a prática dos estudantes, deixa transparecer insipiência da escola para lidar com práticas discursivas através de mídias digitais, as quais, aliás, os estudantes usam, e muito, fora da escola. Além disso, a predominância de gêneros tradicionais no documento sugere imaturidade no tocante a uma das funções da escola na conjuntura social contemporânea: o letramento digital. Referências bibliográficas ALMEIDA, Fernando José de. Educação e informática: os computadores na escola. 5 ed. São Paulo: Cortez, 2012. BELLONI, M. L. Educação a Distância. Campinas, SP: Autores Associados, 1999. BRAGA, Denise Bértoli. Ambientes digitais: reflexões teóricas e práticas. 1ª ed. – São Paulo: Cortez, 2013. DANTAS, Daniel; GOMES, Adriano Lopes. Questões de Letramento e de gênero do discurso em blogs. In: Revista Gatilho, UFJF, ano IV, 2008.

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FIORE, Ottaviano De. Por Uma Política Nacional de Leitura, impresso avulso, distribuído em encontro do PROLER, São Paulo, 2002. MARCHUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, Angela P. et al (Orgs.) Gêneros Textuais & Ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002. RIBEIRO, Ana Elisa. Navegar lendo, ler navegando. Aspectos do letramento digital e da leitura de jornais: Belo Horizonte: Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, 2008 (Tese de doutorado). SOARES, Magda. Novas práticas de leitura e escrita: letramento na cibercultura. Educação e Sociedade, Campinas: CEDES, v. 23, n. 81, p. 143-160, 2002. XAVIER, A.C.S. Letramento digital e ensino. S.d. Disponível em:˂ www.ufpe.br/nehte ˃. Acesso em jun. 2014.