ortotanÁsia - aspectos constitucionais e penais como fundamentos do direito...
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ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA
Leticia de Castro Dayrell
ORTOTANÁSIA - ASPECTOS CONSTITUCIONAIS E PENAIS COMO
FUNDAMENTOS DO DIREITO À MORTE DIGNA.
Belo Horizonte
2010
Leticia de Castro Dayrell
Ortotanásia - Aspectos Constitucionais e Penais como fundamentos do
direito à morte digna.
Monografia apresentada à Escola Superior
Dom Helder Câmara como requisito parcial
para obtenção do título de bacharel em
Direito.
Orientador:Prof. Dr. Patrick Salgado Martins
Belo Horizonte
2010
FICHA CATALOGRÁFICA
DAYRELL, Leticia de Castro. Trabalho de Conclusão de Curso:
ORTOTANÁSIA - Aspectos Constitucionais e Penais como fundamentos do
direito à morte digna.. Local: Belo Horizonte. Minas Gerais – Brasil.
2010.
Número de Páginas: .
Monografia de Graduação apresentada à Escola Superior Dom Helder Câmara
como requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Direito.
Orientador: Prof. Dr. Patrick Salgado Martins.
Palavras-chave: monografia, ortotanásia, morte digna.
ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA
Faculdade de Direito
Leticia de Castro Dayrell
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO – ORTOTANÁSIA -
Aspectos Constitucionais e Penais como fundamentos do direito à morte
digna.
Monografia apresentada à Escola Superior
Dom Helder Câmara como requisito parcial
para obtenção do título de bacharel em
Direito.
Aprovado em: __/__/__
________________________________________________________________
Orientador: Prof. Dr. Patrick Salgado Martins
________________________________________________________________
Examinador: Professora Mariza Rios
Nota: ____
Belo Horizonte
2010
Dedico este trabalho primeiramente à minha avó
Zoraide, grande exemplo na minha vida, e aos meus
pais, irmãos e amigos. Agradeço os incentivos, a
compreensão e o carinho de todos os que me
acompanharam nesta caminhada em busca do
engrandecimento pessoal e acadêmico.
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao professor e orientador Patrick Salgado Martins, pela paciência e incentivo, pois a
partir do momento que deixei de me limitar aos livros e comecei a escrever com o coração,
esta pesquisa começou a fazer mais sentido e fluiu naturalmente.
Agradeço imensamente à Acácia, sempre carinhosa e disponível, pelas longas tardes de
conversas e discussões sobre os aspectos técnicos do Trabalho de Conclusão de Curso e
também à equipe da biblioteca da Escola Superior Dom Helder Câmara pela ajuda nas
pesquisas internas.
Não posso me esquecer da minha pequena Júlia, amor da mamãe, que muitas vezes no
silêncio enquanto brincava ao meu lado, era minha grande inspiração e me dava coragem de
continuar as longas pesquisas e estudos.
Por fim, meus sinceros agradecimentos a todos os professores e colegas da Escola Superior
Dom Helder Câmara, que me auxiliaram no crescimento profissional e pessoal.
“A regra da igualdade não consiste senão em
quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida
em que se desigualam. Nesta desigualdade social,
proporcionada à desigualdade natural, é que se
acha a verdadeira lei da igualdade.”(Rui Barbosa,
Oração aos Moços, 1921)
RESUMO
Este trabalho trata sobre a Ortotanásia e busca a desmistificação sobre o assunto no Brasil,
uma vez que o tema não está insculpido no ordenamento jurídico brasileiro. No intuito de
alcançar a finalidade proposta, foram feitas reflexões acerca das diferenças normas
Constitucionais, Infraconstitucionais e Supra constitucionais que norteiam o tema, procurando
uma linguagem simples e clara para que possa ser desfrutada por acadêmicos e leigos.
Palavras-chave: Ortotanásia, Morte Digna, Dignidade da Pessoa Humana, Paciente
Terminal.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO................................................................................................08
2 ORTOTANÁSIA..............................................................................................11
2.1 Abordagem história e atual........................................................................11
2.2 Definição e etimologia..............................................................................16
2.3 Definição de morte....................................................................................18
3 A MORTE DIGNA NO DIREITO BRASILEIRO.........................................21
3.1 Princípios Constitucionais..................................................................,......22
3.2 Princípios Constitucionais Penais.............................................................24
3.2.1 Crimes Omissivos Impróprios...................................................................26
4 NORMAS VIGENTES E AVANÇOS LEGISLATIVOS...............................29
4.1 Resolução CFM nº 1.805/2006......................................................................30
4.2 Resolução CFM nº 1.931/2009 - Novo Código de Ética Médica..................35
4.3 Projetos de Lei...............................................................................................38
4.3.1 Projeto de Lei 3.002/2008..........................................................................39
4.3.2 Projeto de Lei 5.008/2009..........................................................................40
4.3.3 Projeto de Lei 6.544/2009..........................................................................41
4.3.4 Projeto de Lei 6.715/2009..........................................................................42
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................45
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................48
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1 INTRODUÇÃO
Insculpido no ordenamento jurídico brasileiro pela Constituição Federal de 1988, no
título “Direitos e Garantias Fundamentais” o direito à vida é inviolável. Este princípio protege
a vida no seu sentido lato sensu, compreendendo a atividade social, psíquica e jurídica,
impondo sanções para quem violar a vida de outrem, impedindo que a pessoa atente contra a
própria vida, dela dispondo ou renunciando. A vida, portanto, é um direito para quem a
deseja, e uma obrigação para quem a tem.
Temos também, no mesmo diploma legal, o princípio da dignidade da pessoa
humana, onde o Estado assume o compromisso de agir com absoluto respeito à identidade e
integridade física das pessoas, respeitando suas vontades e seus instintos. Trata-se de um
atributo que todo ser humano possui independentemente de qualquer requisito ou condição,
seja ele de nacionalidade, sexo, religião, posição social etc.
Em oposição ao direito à vida com dignidade temos a morte, ou melhor, o direito de
morrer dignamente. A morte é um fenômeno natural e terminal da vida, complexa e variada,
podendo se apresentar como morte natural, morte pelo próprio indivíduo ou praticada por
terceiros. Dentro da morte natural temos o fenômeno da ortotanásia, que é a morte no tempo
certo ou morte apropriada, onde não há a intenção de matar ou abreviar a vida do paciente. O
fato de o paciente vir a morrer é considerado natural no ciclo biológico da vida, uma vez que
não foi forçada pelo paciente nem pelo médico.
Na prática, é um procedimento médico em que é suspenso o tratamento inútil que
prolonga a vida do paciente terminal.
Inicialmente, o objetivo principal deste trabalho era entender a prática da ortotanásia
e sua presença na vida da sociedade. Mas, com o passar do tempo e o aprofundamento no
tema, verificou-se que o objetivo não é somente entender, discordando ou concordando com o
que é divulgado, mas também confrontar as divergências que norteiam o tema, desde a
relação com o ser humano em si até as consequências jurídicas e sociais.
Busca-se também, com este estudo, uma interdisciplinaridade, utilizando as conexões
existentes entre o Direito e suas vertentes e a Bioética para melhor explicar o fenômeno da
ortotanásia, ainda não previsto no ordenamento jurídico atual. Seja à luz do Direito penal,
civil, constitucional, ou qualquer outro Direito, seja pelo prisma social, religioso ou
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ideológico, ou mesmo entre estes e outros aspectos, tudo a fim de alcançar maior
profundidade e maior clareza a respeito do tema proposto.
Este estudo está profundamente comprometido com os dilemas bioéticos atuais,
defendendo o direito à morte com dignidade e autonomia, frente ao quadro clínico de doenças
incuráveis e doentes terminais.
Além disso, em se tratando de um tema polêmico, confronta-se a vontade do paciente
através de suas crenças e valores morais, frente ao dever e a ética inerentes aos médicos,
amparados pelo novo Código de Medicina e as desejadas modificações do Código Penal.
O ponto principal da pesquisa, porém, é a defesa do direito à morte com dignidade e
autonomia do paciente terminal a partir do reconhecimento dos direitos fundamentais e
humanos protegidos constitucionalmente e inerentes a todo e qualquer ser humano, quais
sejam, o direito à dignidade humana, o princípio da autonomia e o direito à vida.
Não se pode olvidar também de elencar as consequências da autorização da prática
da ortotanásia na vida das pessoas, principalmente os doentes terminais e seus familiares, e a
responsabilidade do Estado diante desta problemática.
Além desta responsabilidade, é importante destacar também o limite de intervenção
do Estado na vida das pessoas a ponto de decidir entre o que é certo e o que é errado e a quem
compete a escolha entre a vida e a morte.
O interesse por este tema, ortotanásia, surgiu através da experiência particular de
minha avó materna que aos 92 anos de idade teria que se submeter a uma Angioplastia
(cirurgia realizada com o intuito de desobstruir uma artéria do paciente que sofreu infarto).
Diante do perigo desta cirurgia, que é indicada para pacientes até 80 anos pelo risco
que ela apresenta, foi decidido que lhe seria aplicado um tratamento paliativo, sem
intervenções médicas de caráter violento e doloroso e que caso viesse a morrer, seria um fato
natural do ciclo biológico da vida.
Desta maneira, minha avózinha pôde aproveitar os últimos dias de vida cercada por
todos os entes queridos, além de continuar sendo cuidada pelos médicos que não deixaram de
prestar o socorro necessário e a mantiveram em tratamento paliativo, evitando assim que fosse
submetida a tratamentos descenecessários que dessem sobrevida à paciente sem chance de
vida.
Coincidentemente, nesta mesma época, chegou a notícia de que o Ministério Público
desistiu da ação contra a regulamentação da ortotanásia que seguia desde 2007, abrindo
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caminho para que a técnica fosse legalizada no País, fazendo o meu interesse crescer ainda
mais.
Desta maneira, busca-se explicar a prática da ortotanásia através de três capítulos
assim divididos:
No primeiro capítulo encontra-se a ortotanásia e suas várias vertentes, incluindo a
abordagem histórica e atual, a definição da prática e também a morte em seu sentido estrito.
No segundo capítulo contempla-se a morte digna no Direito Brasileiro, amparados
pelos princípios constitucionais e penais.
No terceiro e último capítulo mostra-se as normas vigentes no país que autorizam os
médicos a utilizarem o procedimento ortotanástico para amenizar o sofrimento de doentes
terminais.
Assim, espera-se, com este trabalho contribuir significativamente para a sociedade
em geral, uma vez que este assunto tão recente e polêmico confronta opiniões de juristas,
médicos, religiosos e seres humanos em geral sobre o direito à vida e principalmente à morte
com dignidade.
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2 ORTOTANÁSIA
2.1 Abordagem histórica e atual
Não é possível definir desde quando a morte atinge o homem, sabendo-se, porém,
que todos os seres humanos são mortais segundo a ordem natural de nascer, crescer e morrer.
Nas palavras do célebre Rui Barbosa:
A vida não tem mais que duas portas: uma de entrar, pelo nascimento; outra de sair,
pela morte. Ninguém, cabendo-lhe a vez, se poderá furtar à entrada. Ninguém, desde
que entrou, em lhe chegando o turno, se conseguirá evadir à saída. E, de um ao outro
extremo, vai o caminho, longo ou breve, ninguém o sabe, entre cujos termos fatais
se debate o homem, pesaroso de que entrasse, receoso da hora em que saia, cativo de
um e outro mistério que lhe confinam a passagem terrestre. (BARBOSA, 1911)
É insabido, porém, a duração da jornada humana trazendo aí mais uma preocupação
além da ordem natural de viver a vida, a de viver uma boa vida. Comparando-a ao amor nas
palavras do poeta Vinícius de Moraes (1960) “apenas espera-se que seja eterna enquanto
dure”.
No íntimo do homem, o horror ao desconhecido fato natural da morte, associado à
certeza de sua incidência, faz brotar um desejo íntimo quanto à sua própria morte: se
inevitável, que seja boa.
Tal questão se torna prática e visível ao se tratar do fenômeno da ortotanásia, ou seja,
a expressão usada na Medicina que se refere à interrupção do uso de terapias consideradas
invasivas que estendem a vida de um paciente já considerado irrecuperável, conforme o
desejo do enfermo e de seus familiares, uma vez que elas só lhe provocariam sofrimentos
desnecessários.
Santos (2009) citado por Santana (2010) afirma que este método restitui à morte seu
status de naturalidade, do qual ela foi despojada desde a Idade Média. A Ciência, que de fins
do século XVIII e princípios do XIX invadiu sem cerimônia o espaço sagrado do morrer, com
as técnicas herdadas da Revolução Industrial inglesa, reduz seu poder de intervenção e
devolve à morte parte do espaço a ela reservado.
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Assim, sendo da vontade do paciente ou de sua família, o doente pode finalmente ter
o direito de morrer dignamente respeitado, sem sofrimentos excessivos, mais ou menos como
partiam seus ancestrais, naturalmente. Bastando para isso que os médicos não recorram a
técnicas extras de apoio à manutenção da vida, como determinadas substâncias e
instrumentos, os quais apenas levariam o enfermo à distanásia, ou seja, à morte dolorosa, que
será exemplificado mais adiante.
O caso mais conhecido de ortotanásia mundialmente é o do papa João Paulo II que
em 2005 optou em suspender todas as intervenções alternativas para sua sobrevida e decidiu
receber simplesmente medicação que aliviasse a sua dor, o seu sofrimento, na sua residência,
no Palácio Apostólico, na praça São Pedro, no Vaticano.
Já em 1995, no documento chamado “Encíclica Evangelium vitae” ou “Evangelho da
Vida”, João Paulo II se mostra favorável à prática, conforme afirma
Distinta da eutanásia é a decisão de renunciar ao chamado „excesso terapêutico‟, ou
seja, a certas intervenções médicas já inadequadas à situação real do doente, porque
não proporcionadas aos resultados que se poderiam esperar, ou ainda porque
demasiado pesadas para ele e para sua família. Nessas situações, quando a morte se
anuncia iminente e inevitável, pode-se em consciência renunciar a tratamentos que
dariam somente um prolongamento precário e penoso da vida, sem, contudo
interromper os cuidados normais devidos ao doente em casos semelhantes. (JOÃO
PAULO II, 1995).
Mais adiante, no mesmo documento, depois de recomendar que os médicos avaliem
as condições do paciente e os meios terapêuticos à disposição, o Papa (1995) afirma: “A
renúncia a meios extraordinários ou desproporcionados não equivale ao suicídio ou à
eutanásia; exprime, antes, a aceitação da condição humana diante da morte”.
Quanto aos cuidados e meios paliativos, para aliviar o sofrimento e a dor do doente
terminal, o mesmo papa João Paulo II afirma:
Ora, se pode realmente ser considerado digno de louvor quem voluntariamente
aceita sofrer renunciando aos meios lenitivos da dor, para conservar a plena lucidez
e, se crente, participar de maneira consciente na Paixão do Senhor, tal
comportamento „heróico‟ não pode ser considerado obrigatório para todos. Já Pio
XII (1957) afirmava que é lícito suprimir a dor por meio de narcóticos, mesmo com
a conseqüência que limita a consciência e abreviar a vida, „ se não existem outros
meios e se, naquelas circunstâncias, isso em nada impede o cumprimento de outros
deveres religiosos e morais‟. É que, neste caso, a morte não é querida ou procurada,
embora por motivos razoáveis se corra o risco dela: pretende-se simplesmente
aliviar a dor de maneira eficaz, recorrendo aos analgésicos postos à disposição pela
medicina. Contudo, não se deve privar o paciente da consciência de si mesmo, sem
motivo grave, quando se aproxima a morte, as pessoas devem estar em condições de
poder satisfazer as suas obrigações morais e familiares, e devem sobretudo poder
preparar-se com plena consciência para o encontro definitivo com Deus. (JOÃO
PAULO II, 1995)
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No mundo, o direito à ortotanásia tem garantia legal, nos Estados Unidos, Itália,
Canadá, França, Inglaterra, Japão.
No Brasil, o início dos debates sobre a questão da ortotanásia se deu no Estado de
São Paulo, com a Lei n° 10.241/99, de autoria do médico e deputado Roberto Gouveia,
PT/SP, conhecida com Lei Mário Covas1.
A referida lei versa sobre os direitos dos usuários dos serviços de Saúde do Estado de
São Paulo e prevê em seu artigo segundo:
Artigo 2º - São direitos dos usuários dos serviços de saúde no Estado de São Paulo:
I - ter um atendimento digno, atencioso e respeitoso;
[...]
VII – Consentir ou recusar, de forma livre, voluntária e esclarecida, com adequada
informação, procedimentos diagnósticos e terapêuticos a serem nele realizados.
[...]
XXIII – Recusar tratamentos dolorosos a vida.
XXIV – Optar pelo local da morte. (BRASIL,1999)
A lei foi sancionada pelo governador Mário Covas (1999), que teria dito então: -
“Não assino esta lei apenas como governador de São Paulo. Assino como governador e
paciente”-, uma vez que dispõe sobre a recusa do paciente a tratamentos dolorosos ou
extraordinários para tentar prolongar a vida.
O então governador que, ao promulgar a lei já tinha conhecimento da doença, optou
por morrer em casa, junto aos seus familiares, utilizando-se da lei dois anos depois e sendo o
caso brasileiro mais conhecido da prática de ortotanásia.
A discussão no Conselho Regional de Medicina de São Paulo sobre ortotanásia se
deu partir de 2004. Em 2006 foi levada ao Conselho Federal de Medicina (CFM) que
ratificou, através da Resolução n° 1805/06, uma deliberação normatizando a prática deste
método. Tal prática já era objeto de estudo no CFM, através do grupo intitulado Câmara
Técnica sobre Terminalidade.
Esse grupo foi formado a partir da inquietação constante no meio médico que,
embora a existência de tecnologias e a compreensão dos limites da ciência médica, quando o
profissional se deparava com uma situação de irreversibilidade do quadro clínico do paciente
cujo desfecho esperado era a evolução da doença e a morte, tornava-se para ele muito difícil
1 A Lei 10.241/99 é conhecida como Lei Mário Covas, leva este nome em homenagem ao Governador, que além
de promulgar a lei durante seu mandato, já tinha conhecimento do Câncer que lhe tirou a vida alguns anos
depois.
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do ponto de vista jurídico e ético obter um suporte que o encorajasse a interromper
determinados tratamentos considerados fúteis.
Nesse sentido, essa Câmara Técnica se reuniu por diversas vezes, inclusive com
juristas e religiosos, de forma a elaborar um texto deontológico, referindo-se ao “código moral
de regras e procedimentos próprios a determinada categoria profissional” que trouxesse alívio
para médicos, pacientes e familiares.
Pronto o texto e ganhando a evidência da mídia, foi mal interpretado, fato que se
estende atualmente, sendo divulgado que o Conselho Regional de Medicina do Estado de São
Paulo (CREMESP) tornava a eutanásia ética.
Não por isso, mas por força da amplitude do tema, o documento foi remetido à
apreciação do Conselho Federal, já que dizia respeito a toda a nação e não só ao Estado de
São Paulo.
Repetiu-se o processo, sendo o texto da minuta submetido à consulta pública e a um
fórum de debates promovido pelo Conselho Federal de Medicina e o Conselho Estadual de
Medicina de São Paulo, onde o tema foi exaustivamente debatido com a presença de Médicos,
Advogados, Promotores, Religiosos e Sociedades Médicas, sendo assim novamente aprovado.
Acontece que a Resolução 1805/06 CFM, como qualquer outro diploma
administrativo ou mesmo legal similar, não passa de um conjunto de regras referentes a certa
categoria profissional, no caso os médicos, adequando-se à primeira acepção apresentada de
“Deontologia”. Afinal Frankl apud Cabette (2009, p.15) já alertava que “nenhuma ciência
pode compreender-se a si mesma, ou julgar-se a si própria, se não se elevar acima de si
mesma”.
Sendo assim, esta Resolução foi suspensa, em 2007, por decisão liminar do MM. Juiz
Federal Dr. Roberto Luis Luchi Demo, nos autos da Ação Civil Pública n.
2007.34.00.014809-3, da 14ª Vara Federal, movida pelo então procurador dos Direitos do
Cidadão do Distrito Federal, Wellington Oliveira, entendendo que a ortotanásia não está
prevista na legislação e que estimularia os médicos a praticar homicídio.
No entanto, em 30 de agosto de 2010, a procuradora Luciana Loureiro Oliveira, que
sucedeu Wellington Oliveira no processo, entendeu o tema de maneira diferente. Respaldada
pelo direito de ter a própria opinião, apontou que a ação proposta anteriormente confundiu
ortotanásia com eutanásia.
Segundo a procuradora, nas suas alegações:
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Não se trata de conferir ao médico uma decisão sobre vida ou morte. [...] Trata-se
pois, de uma avaliação científica, balizada por critérios técnicos amplamente aceitos,
sendo completo despautério imaginar-se que daí venha a decorrer um verdadeiro
tribunal de vida ou morte, como parece pretender a (ação) inicial. O CFM tem
competência para fazer a resolução e sua redação não mudou o cotidiano dos
médicos ou trouxe danos. (OLIVEIRA, L. 2010)
A procuradora solicitou à Justiça que julgue improcedente ação do próprio MPF,
apontando equívoco do colega que a antecedeu, respaldada pelo princípio constitucional da
autonomia funcional - ou seja, cada procurador pode pensar de uma maneira.
Para especialistas são fortes as chances, em razão do novo entendimento da própria
procuradoria, que a ortotanásia seja finalmente aceita neste país.
O processo que apontava a inconstitucionalidade da medida aguardava decisão desde
abril deste ano e, em 01/12/2010, foi julgado improcedente pelo juiz Roberto Luis Luchi
Demo. Dessa forma, os médicos ficam definitivamente respaldados para recorrer à prática.
Não se pode olvidar, porém que, para a regulamentação e autorização da ortotanásia,
é necessária uma lei aprovada pelo Parlamento. Atualmente, quatro PL´s2 (Projeto de Lei)
tratam do assunto: PL 3.002/2008, de autoria do Deputado Hugo Leal (PSC-RJ), PL
5.008/2009, de autoria do Deputado Dr. Talmir (PV-SP), PL 6.544/2009, de autoria dos
Deputados Dr. Talmir (PV-SP) e Miguel Martini (PHS-MG) e também o PL 6.717/2009, de
autoria do Senador Gerson Camata (PSDB-ES), que visa alterar o Código Penal, excluindo a
ilicitude da prática da ortotanásia no ordenamento Brasileiro.
Segundo a proposta do Projeto de Lei 3002/08, para que seja realizada a prática da
ortotanásia será necessária a autorização de uma junta médica especializada formada por três
médicos, desde que façam parte pelo menos um psiquiatra e um médico de especialidade afim
com o caso específico do paciente. A solicitação formulada pelo paciente ou seu representante
legal e endossada pela junta médica especializada deverá ser submetida à apreciação do
Ministério Público, que avaliará a regularidade e legalidade do procedimento. Havendo
dúvida, o Ministério Público deverá levar o assunto ao Poder Judiciário.
Estes projetos atualmente têm regime de tramitação ordinária e serão analisados
pelas comissões de Seguridade Social e Família, de Constituição e Justiça e de Cidadania,
seguindo depois para o Plenário.
A legalização da ortotanásia deverá mudar o atendimento em hospitais que tratam de
doentes com câncer, em estado terminal. Espera-se que o atendimento seja aprimorado tanto
nas instituições médicas, públicas ou privadas, quanto nas residências dos doentes,
2 PL´s – Projetos de Lei
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proporcionando-lhes uma morte digna com a possibilidade de uma morte natural, ao lado da
família, no calor de suas casas, com o mínimo de dor.
2.2 Definição e etimologia
Ao se falar em término de vida, sendo ele com ou sem sofrimento, elencamos alguns
tipos e terminologias referentes à eutanásia e suas variações.
A palavra eutanásia deriva do grego eu, que significa "bom", e thánatos que significa
"morte". Isto quer dizer principalmente boa morte, morte aprazível, sem sofrimento.
De acordo com o dicionário Houaiss (2009 p. 850), eutanásia é o “ato de
proporcionar morte sem sofrimento a um doente atingido por afecção incurável que produz
dores intoleráveis”, distanásia “morte lenta, com grande sofrimento” e ortotanásia “boa morte,
supositivamente sem sofrimento”.
Na atualidade, para Cabette:
A questão da eutanásia passa por um sensível alargamento de seu campo de
incidência, de forma que não mais se resume aos casos de doentes terminais,
abarcando também outras situações polêmicas como as de recém-nascidos com
anomalias congênitas, o que tem sido denominado de eutanásia precoce; pessoas em
estado vegetativo considerado irreversível; pessoas inválidas que não são capazes de
cuidar de si mesmas etc. (CABETTE. 2009, p.19)
Já leciona Santos Filho (2006) apud Cabette (2009, p.24) que há na doutrina, porém,
uma certa confusão entre eutanásia passiva ou por omissão e ortotanásia. Alguns autores
costumam empregar os termos como sinônimos. No entanto, esse não é o melhor
entendimento, pois não há “identidade conceitual” entre ortotanásia e eutanásia passiva.
Etimologicamente ortotanásia advém do grego orthos “normal, correta” e thánatos,
“morte” designando, portanto, a “morte natural ou correta”. Assim sendo, a ortotanásia
consiste na „morte a seu tempo‟, sem abreviação do período vital (eutanásia) nem
prolongamentos irracionais do processo de morrer (distanásia). É a „morte correta‟, mediante
a abstenção, supressão ou limitação de todo tratamento fútil, extraordinário ou
desproporcional, ante a iminência da morte do paciente, morte esta a que não se busca (pois o
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que se pretende aqui é humanizar o processo de morrer, sem prolongá-lo abusivamente), nem
se provoca (já que resultará da própria enfermidade da qual o sujeito padece).
Afirma Carvalho (2001) citada por Cabette (2009, p.20) que nestes termos as
condutas ortotanásticas diferem amplamente da eutanásia passiva, pois nesta ocorre a
provocação da morte do doente terminal por meio da omissão quanto aos cuidados “paliativos
ordinários e proporcionais” que evitariam seu passamento.
Nas palavras de Casabona (1994) apud Cabette (2009), consiste “na produção da
morte de uma pessoa sem sofrimentos físicos e morais”.
A adoção deste procedimento, no entanto, não significa que o paciente seja
abandonado. A medicina continua a lhe conceder cuidados paliativos, no sentido de amenizar
o sofrimento, e permitir que o morrer chegue naturalmente a cada enfermo.
Ressaltando-se incansavelmente que se trata de enfermidade incurável, pois de outra
maneira seria um absurdo desumano e antijurídico admitir a possibilidade de deixar que uma
enfermidade curável dominasse o sujeito causando-lhe sofrimento e morte, deixando de
aplicar o tratamento necessário à sua recuperação.
Para Nelson Hungria, a ortotanásia é:
[...] a deliberada abstenção ou interrupção do emprego dos recursos utilizados para a
manutenção artificial das funções vitais do enfermo terminal, deixando assim que
ele morra naturalmente, nos casos em que a cura é considerada inviável. (HUNGRIA. 2000, p. 127)
Leo Pessini, a respeito da ortotanásia leciona:
[...] que é a arte de morrer bem, sem ser vítima de mistanásia (morte infeliz), por um
lado, ou de distanásia (encarniçamento terapêutico), por outro, e sem recorrer à
eutanásia. O grande desafio da ortotanásia, o morrer corretamente, humanamente, é
como resgatar a dignidade do ser humano na fase última da sua vida, especialmente
quando ela for marcada por dor e sofrimento. A ortotanásia é a antítese de toda
tortura, de toda morte violenta em que o ser humano é roubado não somente de sua
vida, mas também de sua dignidade. (PESSINI. 2001, p. 291)
A ortotanásia, referindo-se à clássica lição aristotélica da virtude narrada por Cabette
(2009), apresenta-se como “medianidade”. Ela surge como “uma mediania entre dois vícios”,
de um lado a eutanásia que abrevia o ciclo vital para fugir do padecimento, de outro, a
chamada distanásia que prolonga o processo de morte, causando sofrimento desnecessário.
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Oportuno, também, discorrer nas palavras de Houaiss (2009) sobre o conceito de
distanásia que, derivada do grego dis “afastamento” e thánatos “morte”, consiste no emprego
de recursos médicos com o objetivo de prolongar ao máximo possível a vida humana.
E também, conforme Luciano de Freitas Santoro:
A distanásia é aquele comportamento em que há um excesso do médico em lutar
pela vida do paciente, verdadeira tenacidade traduzida na obstinação terapêutica,
retardando inutilmente a morte natural do paciente através da utilização de métodos
terapêuticos injustificáveis em pacientes que se encontrem em estado de morte
iminente e irreversível. (SANTORO, 2010, p. 128)
Também nas palavras de Diniz (2007) apud Santoro (2010, p. 129) exemplifica que a
distanásia pode também ser conhecida como obstinação terapêutica e caracteriza-se por um
excesso de medidas terapêuticas que não levam à cura e/ou salvação do paciente mas que lhe
impõem sofrimento e dor. Trata-se, pois, de um tratamento fútil, caracterizado por não
conseguir reverter o distúrbio fisiológico que levará o paciente à morte.
2.3 Definição de morte
É necessário, para maior compreensão do problema, que se especifique o fenômeno
da morte, principalmente no aspecto jurídico. Isso porque muitas vezes a conduta omissiva do
profissional da medicina não interferiria no curso da vida em direção ao fim e sim no simples
reconhecimento desse fim que já se manifestou, de forma a não restar espaço para qualquer
responsabilidade criminal.
Definir morte é tão difícil quanto definir a vida, na dicção de Hélio Gomes:
A dificuldade ou impossibilidade de definir a vida existe também no tocante à
definição da morte, com a agravante de que a respeito desta o mistério é maior.
Dizem, por exemplo, que a morte é o contrário da vida; é a cessação da vida; é a
passagem dum estado de equilíbrio instável para o de um equilíbrio estável. Os
conceitos, também, não satisfazem. As definições de morte são por igual
ininteligíveis, embora ela esteja constantemente a nosso lado, invisível, sem dúvida,
mas presente, à espreita, à espera. (GOMES. 1994, p. 604)
Para o reconhecimento de uma situação de morte, variadas orientações têm surgido:
19
Alves (2001) citado por Cabette (2009, p. 100) afirma que a primeira teoria, surgida
na Grécia, chamada de “morte clínica”, era constatada pela “parada cardíaca”. Em seguida, na
tradição judaico-cristã, passou a apontar para a “cessação da atividade pulmonar”.
Assim, da integração desses dois critérios surgiu o conceito de “morte clínica”, como
a união das paradas cardíacas e respiratórias.
Um episódio histórico no ano de 1564, em Madri, Espanha, influenciou o
reconhecimento da morte fulcrado na parada cardíaca. O anatomista Versalius realizou uma
necropsia frente a um auditório repleto, causando horror aos presentes quando, ao abrir o
tórax do suposto cadáver, expôs seu coração ainda com batimentos.
O coração, a partir desta constatação, deixa de ser apontado como o centro da vida e,
anos depois, chegou-se a conclusão que o cérebro, mais precisamente o funcionamento do
sistema nervoso central responde por tal função.
No Brasil, a “Lei de Transplantes”, Lei 9.434/97, em seu art. 3°, § 1°, também indica
a “morte encefálica” como referência de centro da vida.
Não obstante toda a problemática em relação a morte, um elemento deve estar
presente, qual seja, a característica da irreversibilidade por meio de diagnóstico seguro da
impossibilidade absoluta de retorno do paciente à vida autônoma.
Assim, surge um questionamento interessante sobre as técnicas de “boa morte”: com
o diagnóstico de morte encefálica, sem a possibilidade de reversão à vida, mas podendo a
pessoa ser organicamente sustentada (coração, pulmão, sistema digestivo e urinário), por
tempo indeterminado (dias, semanas ou meses), seria ou não uma conduta eutanástica (ativa,
passiva ou ortotanástica) realizar o desligamento da aparelhagem de sustentação?
Neste caso, não se configuraria a ortotanásia, muito menos a eutanásia (qualquer que
seja a modalidade), uma vez que o paciente já morreu por causas naturais e apenas se processa
a retirada de um cadáver da conexão com os aparelhos que lhe dariam sustentação se estivesse
vivo.
E, uma vez constatada a morte através desses critérios, ainda que mantida a pessoa
com o coração, pulmões, sistema digestivo e urinário em funcionamento, o
desligamento dos aparelhos não implica eutanásia, porque a vida já não mais existe
sob o aspecto clínico – e, em conseqüência, sob o prisma legal. E, assim sendo, não
se pode chamar de eutanásia passiva ou ortotanásia a interrupção de recursos
artificiais capazes de manter outros órgãos vitais em funcionamento. (ALVES, 2001
apud CABETTE, 2009, p. 103)
Percebe-se então, através da preocupação ética, jurídica e social em torno da questão
da eutanásia e suas modalidades, principalmente a ortotanásia, que o mundo não se encontra
20
totalmente desprovido de frieza e crueldade. Existe uma preocupação nos diversos setores da
sociedade com a vida e sua dignidade. As pessoas estão dispostas a discutirem questões que
envolvem o respeito pelo homem, esteja ele em pleno vigor ou à beira da morte.
No capítulo seguinte ficará mais presente a posição jurídica e médica na questão da
ortotanásia no Brasil, com as normas vigentes e os códigos éticos que permeiam o assunto
não se olvidando, contudo, de demonstrar os pontos controversos e polêmicos desta prática.
21
3 A MORTE DIGNA NO DIREITO BRASILEIRO
Uma verdade se faz presente na vida de todo e qualquer ser humano: para morrer,
basta estar vivo.
E este passo entre o viver e o morrer pode ser longo ou curto, não cabendo ao
homem estabelecer o tempo de vida de cada um, mas dando uma opção aos médicos e
pacientes terminais de evitar que a proximidade da morte seja marcada por sofrimentos além
dos necessários.
No caso dos pacientes terminais, que são o objeto de estudo deste trabalho, há uma
opção entremeio, que é a supressão de cuidados médicos desnecessários e a utilização da
prática da ortotanásia, proporcionando aos pacientes uma “boa morte” ou uma morte digna.
Defender o direito de morrer dignamente não se trata de defender qualquer
procedimento que cause a morte do paciente, mas de reconhecer sua liberdade e sua
autodeterminação na escolha.
Assim, a ortotanásia, por ser uma prática cabível quando o evento morte é iminente e
inevitável, situa-se no conflito entre o direito à vida e à dignidade da pessoa humana uma vez
que há a obrigação de se respeitar a vida, mas também há o dever de garantir e promover a
dignidade todos os momentos inclusive na hora da morte, incluindo aí outra garantia
constitucional onde ninguém pode ser submetido a tratamentos degradantes.
Então, como as garantias constitucionais são direitos inerentes a todos os brasileiros,
foi necessário estabelecer normas punitivas para aqueles que atentarem contra estes
princípios, prevendo as sanções cabíveis em cada caso.
Contudo, no caso da ortotanásia, não existe no ordenamento jurídico brasileiro
penalidades previstas para os médicos e/ou pacientes que optarem por este procedimento,
fazendo com que os juristas, de forma errônea, interpretem a prática como “omissão de
socorro” e, em outros casos, como “homicídio”, o que iremos desconstituir mais adiante
amparados pelo conceito de crimes omissivos impróprios, previsto no Código Penal
Brasileiro.
22
3.1 Princípios Constitucionais
Primeiramente, é necessário entender o que são Princípios Constitucionais. Assim,
Sampaio Dória define como:
As bases orgânicas do Estado, aquelas generalidades do direito público, que, como
naus da civilização, devem sobrenadar as tempestades políticas e as paixões dos
homens. Os princípios constitucionais são aqueles sem os quais não existiria esta
União tal quem é nas suas características essenciais. (Dória, 1986 apud Salomão
Leite, 2003. p. 25)
Ou seja, são regras mestras dentro do sistema positivo; são aquelas que guardam
valores fundamentais da ordem jurídica.
Dentre os Princípios Constitucionais elencados da Constituição Brasileira de 1988, o
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana está inserido no rol dos princípios fundamentais e
configura-se pela exigência do indivíduo respeitar a dignidade de seu semelhante.
De acordo com Stumpf (2010) é necessário que se conceitue “dignidade humana”
não como uma condição dada pela natureza ao ser humano, mas em virtude da lei moral, fruto
da autonomia da vontade e, supostamente, em acordo com a moral.
A dignidade da pessoa humana liga-se à possibilidade da pessoa conduzir sua vida e
realizar sua personalidade conforme sua consciência, respeitando o direito alheio; a
autonomia, que também na hora da morte, é parte intrínseca do ser humano principalmente
em casos especiais como os pacientes terminais.
É na dignidade que se fundamenta a autonomia do indivíduo, sua liberdade (nas
diversas formas) e autodeterminação, pois, nas palavras de Alexandre de Moraes:
A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que
se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria
vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas,
constituindo-se em um mínimo vulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar,
de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos
direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que
merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. (MORAES, 2007, p.60)
Diante disto, relacionando este princípio à prática da ortotanásia, na hipótese do
tratamento médico de um doente incurável tornar-se um fim em si mesmo, estaria o médico
respeitando o princípio da dignidade da pessoa?
Entende-se que sim, uma vez que neste caso, a vontade do paciente de continuar
recebendo tratamento médico, mesmo sem a promessa de melhora, foi respeitada pelo médico
que cumpriu com seu dever legal e ético.
23
Por outro lado, se o paciente optasse pela morte natural o princípio continuaria sendo
respeitado já que a vontade do paciente, diante da comprovação de que nada que fosse feito
poderia modificar a realidade da morte, seria respeitado pelo médico que não deixaria de
prestar o socorro necessário, mas apenas evitaria a utilização de procedimentos desnecessários
que não reverteriam o quadro clínico do paciente trazendo-lhe mais sofrimento.
Há a evidente violação à dignidade da pessoa no momento em que se inicia
tratamento sabidamente ineficaz face à inevitabilidade da morte e irreversibilidade do
processo que a ela conduz. Há certamente postergação da morte com sofrimento e
indignidade, mas não haverá prolongamento da vida. A sua vontade - elemento estritamente
subjetivo - é ignorada. E finalmente, ao prolongamento artificial de seu processo de morrer,
ocorre alienação em relação à sociedade e à sua própria vida, pois nem pode exercer as
relações sociais com dignidade, e nem pode “viver” naturalmente, ou seja, terminar de viver
naturalmente.
Juntamente ao princípio da dignidade humana, podemos citar a garantia
constitucional de que ninguém poderá ser submetido a tratamentos degradantes, previsto na
Carta Magna Brasileira, em seu artigo 5º, caput:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta
Constituição;
[...]
III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou
degradante; (BRASIL, 1988)
Através deste direito, é resguardado o respeito à integridade física e moral da pessoa
contra qualquer forma de afronta por terceiro ou mesmo pelo Estado.
Assim, temos a garantia de que o paciente terminal que não quiser se submeter, nas
palavras de Alexandre de Moraes (2007) “a qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos
agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa” possa ser amparado
por este direito inerente a todo brasileiro, independente de raça, sexo ou classe social.
O direito à vida, protegido pela Constituição Federal, deve ser assegurado pelo
Estado em sua dupla acepção, tanto no direito de permanecer vivo quanto no direito de ter a
morte digna quando lhe for mais benéfico. Desta maneira, o direito à vida é também o direito
à morte.
24
Desta maneira, em se tratando da legalização da prática da ortotanásia no Brasil,
estes direitos são a base para a conceituação de morte digna em pacientes terminais, pois,
conforme detalhado, o direito do paciente renunciar a tratamentos desnecessários é amparado
constitucionalmente.
Para finalizar, na citação de Santos (1992) apud Rocha (2006 p. 13) “a morte digna
se reveste das seguintes características: ´respeito ao modelo pessoal de morte, alívio da dor,
rejeição da crueldade terapêutica, direito do doente à verdade e acompanhamento”.
Assim, para uma morte digna é necessário dar ciência ao doente de sua condição, seu
diagnóstico e seu prognóstico, para que possa refletindo consigo mesmo, e seus familiares,
concordar e aceitar sua situação, fazer suas ponderações de cunho religioso ou de sua moral
pessoal, e assim, descansar em paz.
3.2 Princípios Constitucionais Penais
Já foi visto que a ortotanásia é considerada uma conduta correta frente à morte
quando realizada a seu tempo e modo, cumprindo algumas exigências mínimas de ética e bom
senso.
É indispensável, porém, estabelecer os requisitos para a realização do procedimento
para que a equipe médica não incida em nenhum crime previsto no Código Penal brasileiro,
uma vez que a ortotanásia ainda não é prevista no ordenamento jurídico, não cabendo assim
nenhuma punição para a prática.
No entanto, alguns penalistas defendem a ideia de que o agente que praticar a
ortotanásia poderá ser enquadrado em um tipo penal, incluindo aí a omissão de socorro e o
homicídio.
Não é possível esta associação por exemplo, pois utilizar de uma interpretação
extensiva e analógica3 da Lei Penal contraria os princípios Constitucionais, conforme se extrai
da explicação de Nereu José Giacomolli:
3 Ocorre interpretação extensiva quando há necessidade de ampliar o sentido ou alcance da lei, sendo esta
obscura. Nesse caso, o texto da lei diz menos do que pretendia dizer; A interpretação analógica por sua vez é
utilizada quando fórmulas casuísticas inscritas em um dispositivo penal são seguidas de espécies genéricas,
abertas. Assim, a analogia seria a utilização de um caso semelhante para suprir a ausência de clareza na lei.
25
A exclusão das interpretações analógica, criativa ou extensiva prejudiciais ao
imputado, determina-se pela reserva legal, se aplica tanto na concretude das normas
criminais contidas na parte geral do Código Penal quanto nas especiais e nas
extravagantes. É um imperativo da incidência da lex stricta a respeito da
responsabilidade criminal, que engloba a descrição típica, a sanção e todas as
circunstâncias que influem na dosimetria da pena. (Giacomolli, 2000 apud Nucci,
2009, p. 55)
Desta maneira, como um dos princípios mais importantes para a eficácia da lei penal,
destaca-se o princípio da reserva legal, ou seja, nas palavras de Guilherme de Souza Nucci
(2009): “os tipos penais incriminadores somente podem ser criados por lei em sentido estrito,
emanada do Legislativo, de acordo com o processo previsto na Constituição Federal.”
A lei, fonte única do direito penal, tem também as seguintes características:
a) é exclusiva, isto é, somente ela pode criar delitos, fixando as penas; b) é
obrigatória, fazendo com que todos os seus destinatários a acatem, sejam os órgãos
do Estado, seja o povo; c) é inafastável, somente sendo revogada por outra lei; d) é
igualitária, prevendo aplicação idêntica a todos os seus destinatários, sem
privilégios; e) é constitucional, devendo estar de acordo com a Constituição Federal,
sob pena de não ser aplicada. (Asúa, 1995 citado por Nucci, 2009. p. 59)
Há também outros princípios que defendem a eficácia da lei Penal: legalidade,
anterioridade e retroatividade, ou seja, não é possível a aplicação da lei penal em crimes não
previstos no ordenamento jurídico:
Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia
cominação legal.
Art. 2º - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar
crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença
condenatória.
Parágrafo único - A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-
se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em
julgado. (BRASIL, 1940)
Assim, já que a lei não prevê a ortotanásia como crime, não poderá ser imposta ao
agente outra penalidade incompatível com sua conduta, como por exemplo as previstas nos
artigos 135 e 121 do Código Penal.
Homicídio simples
Art 121. Matar alguém:
Pena - reclusão, de seis a vinte anos.
§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou
moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação
da vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. (BRASIL, 1940)
26
Omissão de socorro
Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à
criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou
em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade
pública:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão
corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte. (BRASIL, 1940)
Estes crimes elencados não podem ser punições lícitas para o praticante da
ortotanásia, pois em ambos há uma conduta dolosa, ou até mesmo culposa em alguns casos,
onde o médico agiria com o dolo de tirar a vida do paciente ou, no caso culposo, agindo de
maneira que sua prática resultasse na morte do doente.
Aproveita-se então o momento oportuno para esclarecer que uma conduta constitui
crime quando nela se fizerem presentes todos os elementos do tipo penal.
Crime, para Cardoso (2010): “É fato típico, antijurídico e culpável, e só depois de
verificado todo o conteúdo de cada uma destas esferas é que se pode afirmar, com certeza, se
houve ou não a ocorrência do crime.
Os elementos básicos que compõem a tipicidade são: a) conduta (dolosa ou culposa;
omissiva ou comissiva), b) resultado (naturalístico ou normativo), c) nexo de
causalidade entre a conduta e o resultado e d) tipicidade formal + tipicidade
conglobante (tipicidade material + antinormatividade). (CARDOSO, 2010. p. 251)
Assim, na ortotanásia há uma conduta omissiva, suspendendo ou não administrando
o tratamento ao doente terminal. Há a intenção de interrupção, mas com a finalidade de
paliação da dor e do sofrimento, evitando que terapias inúteis prolonguem a agonia dos
momentos finais. A morte do paciente é decorrente da patologia e não de conduta médica
omissiva. Não se busca abreviar a vida do doente, apenas não prolongar seu martírio.
Explicaremos então a teoria dos crimes omissivos impróprios, que é uma das
explicações mais coerentes para se explicar a não punibilidade da prática da ortotanásia.
3.2.1 Crimes Omissivos Impróprios
Já foi visto que a conduta pode ser praticada tanto de forma positiva quanto negativa,
ou melhor, o crime pode ser praticado através de uma ação ou de uma omissão.
Esta omissão, segundo Santoro:
27
Será relevante (penalmente) nos crimes que estabeleça um “fazer”, bem como
aqueles em que o tipo prescreva uma conduta incriminadora de “não fazer”. Aos
primeiros, denomina-se crime omissivo próprio enquanto que, para os segundos,
crime omissivo impróprio ou comissivo por omissão. (SANTORO, 2010, P. 148-
149)
O Código Penal em seu artigo 13, § 2º, estabelece a situação em que há o dever de
agir por parte do autor da omissão, há a obrigação do omitente de fazer o possível (devia e
podia agir) para evitar que o omitido venha a sofrer.
Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a
quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado
não teria ocorrido.
§ 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir
para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;
c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.
(BRASIL, 1940)
Assim, se não há ação daquele, incumbido legalmente pelo fato, este responderá pela
omissão.
Para que se possa falar em punição do omitente por uma conduta omissiva imprópria,
este deverá ter tido a possibilidade de impedir o resultado, a possibilidade de agir sem colocar
em risco a sua própria vida.
Caso fosse impossível, a ausência da possibilidade configuraria irrelevância penal da
omissão, pois segundo as lições de Bitencourt (2000) citado por Santoro (2010 p. 153),
“nesses crimes, o agente não tem simplesmente a obrigação de agir, mas a obrigação de agir
para evitar um resultado”, o que não seria possível devido ao estado terminal do paciente.
O que não acontece no caso da ortotanásia, onde o médico não se omite a cuidar do
paciente, apenas deixa de aplicar-lhe tratamentos desnecessários que apenas prolongariam o
seu sofrimento e não reverteria o fato da morte.
Nas palavras de Luis Jimenez de Asuá:
O limite do agir do médico deve ser encontrado com justiça e humanidade e, em
consequência, sempre que o desígnio do profissional for de aliviar a dor e o
sofrimento do paciente, não praticará a conduta incriminadora.” (ASUÁ, 2003,
citado por Santoro, 2010 p. 158)
28
Não se configura também, nesta conduta omissiva, o dolo que segundo Greco
(2010): “é a vontade livre e consciente de praticar uma conduta prevista no tipo penal
incriminador.” Faltando a consciência ou vontade à ação, não é possível falar em ocorrência
de crime.
O médico que, atendendo ao pedido de seu paciente, suspende qualquer
procedimento terapêutico extraordinário que prolongaria o processo de morte que já se
encontrava presente, não age com dolo de matar.
Não se percebe também mudança de conduta do médico, que continuaria a prestar o
socorro necessário para amenizar o sofrimento do doente, uma vez que não estaria mais
presente o risco deste tirar a vida do paciente por erro ou negligência, uma vez que este fato já
se mostrava iminente.
Tampouco pode-se encarar o fato como crime culposo, pois para Cardoso (2010):
“age com culpa o agente que deixa de observar um dever objetivo de cuidado. A culpa pode
acontecer em razão de três formas de conduta: negligência, imprudência ou imperícia.”
Por todo o exposto, não se pode falar em ocorrência de crime na ortotanásia, pois não
há tipicidade penal, sendo considerada uma conduta atípica perante o Código Penal:
A ortotanásia é conduta atípica perante o Código Penal. [...] A ortotanásia serviria,
então, para evitar a distanásia. Em vez de prolongar artificialmente o processo de
morte (distanásia), deixa-se que este se desenvolva naturalmente (ortotanásia).
(Borges 2007, apud Cardoso 2010, p. 252)
A ortotanásia, assim, seria uma conduta punível apenas nos casos em que o médico,
sem a anuência do doente ou de seus representantes legais, agisse de forma dolosa deixando
de aplicar ao paciente os cuidados médicos necessários, abreviando assim a sua vida ao invés
de seu sofrimento.
Veremos no próximo capítulo, as normas vigentes no ordenamento jurídico brasileiro
que tratam da ortotanásia, regulamentando a sua prática no país.
29
4 NORMAS VIGENTES E AVANÇOS LEGISLATIVOS
Talvez um dos melhores jeitos de lidar com a proximidade da morte seja o conforto
do lar e da família, entretanto, nem sempre isso é possível, especialmente em doenças que
degradam a saúde do paciente e provocam no estágio terminal um sofrimento que a medicina
tenta resolver, mas, muitas vezes, só consegue prolongar.
Legisladores e profissionais da Medicina buscam legalizar a prática da ortotanásia no
Brasil, objetivando diminuir o sofrimento de pacientes terminais e seus familiares, que
precisam decidir o que fazer quando a doença evolui e não há mais chances de melhora ou
cura, quando a morte é uma questão de meses, dias ou horas.
Diferente da eutanásia, que provoca a morte sem dor em um paciente terminal, a
ortotanásia, nas palavras de Santoro:
É o comportamento do médico que frente a uma morte iminente e inevitável,
suspende a realização de atos para prolongar a vida do paciente, que o levariam a um
tratamento inútil e a um sofrimento desnecessário, e passa a emprestar-lhe os
cuidados paliativos adequados para que se venha a falecer com dignidade. (SANTORO. 2010 p. 133)
Assim, procedimentos que evitam a dor e trazem conforto são mantidos para que o
paciente possa aproveitar com dignidade os últimos momentos com a família.
Deve-se lembrar, entretanto, que ortotanásia e eutanásia não se confundem. Esta é
um procedimento mais ativo, e induz a morte, abrevia a vida. Aquela é deixar morrer,
adotando medidas de redução do sofrimento da doença.
A eutanásia é vedada rigidamente pelo Código de Ética Médica e também na
legislação brasileira, sendo, porém, permitido em situações de doenças incuráveis e terminais,
que não se adote ações heróicas sem eficácia, tampouco ações que visem o prolongamento da
sobrevida quando esta trouxer mais dor e limitação à pessoa. Permite-se, apenas, a utilização
de métodos para reduzir as dores e os desconfortos dos momentos finais.
Atualmente, existem duas correntes sobre a legalização da ortotanásia no Brasil. Os
que são favoráveis, consideram o procedimento a forma mais humana de encarar a morte, mas
os contrários temem que esta medida seja apenas um pretexto para a economia de gastos e o
que é pior, para legalizar uma forma de homicídio.
30
Neste capítulo, analisaremos as normas vigentes e os avanços legislativos sobre a
ortotanásia, compreendendo as Resoluções 1.805/2006 e 1.931/2009, ambas do Conselho
Federal de Medicina, o anteprojeto de reforma da parte especial do Código Penal e também
outros projetos de lei em trâmite perante o Congresso Nacional.
4.1 Resolução CFM nº 1.805/2006
Amparados pelo art. 1º, inciso III, da Constituição Federal, que elegeu o princípio da
dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e
também pelo art. 5º, inciso III, do mesmo diploma legal, que estabelece: “ninguém será
submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante”, o Conselho Federal de
Medicina expediu em novembro de 2006 a Resolução 1.805.
Esta resolução tem o objetivo de orientar eticamente os médicos sobre a prática da
ortotanásia, autorizando-os a ministrarem os cuidados necessários para aliviar o sofrimento do
doente terminal, limitando ou suspendendo tratamentos e procedimentos que prolonguem a
sobrevida do paciente.
Desta maneira, o médico oferece cuidados paliativos para aliviar a dor, por exemplo,
e deixa que a morte do paciente ocorra naturalmente. Não há uma indução da morte, como
ocorre na eutanásia.
O Conselho Federal de Medicina na exposição de motivos ressalta a grande
importância dos profissionais da medicina no papel de cura e também na preocupação com
aqueles doentes considerados incuráveis, em estado terminal.
Nas palavras do presidente do CFM, Edson de Oliveira Andrade:
O médico é aquele que detém a maior responsabilidade da “cura” e, portanto, o que
tem o maior sentimento de fracasso perante a morte do enfermo sob os seus
cuidados. Contudo, nós, médicos, devemos ter em mente que o entusiasmo por uma
possibilidade técnica não nos pode impedir de aceitar a morte de um doente. E
devemos ter maturidade suficiente para pesar qual modalidade de tratamento será a
mais adequada. Deveremos, ainda, considerar a eficácia do tratamento pretendido,
seus riscos em potencial e as preferências do enfermo e/ou de seu representante
legal. Diante dessas afirmações, torna-se importante que a sociedade tome
conhecimento de que certas decisões terapêuticas poderão apenas prolongar o
sofrimento do ser humano até o momento de sua morte, sendo imprescindível que
médicos, enfermos e familiares, que possuem diferentes interpretações e percepções
morais de uma mesma situação, venham a debater sobre a terminalidade humana e
sobre o processo do morrer. (OLIVEIRA, 2006)
31
No entanto, a resolução foi suspensa por uma liminar da Justiça Federal, a pedido do
Ministério Público Federal representado pelo Procurador dos Direitos do Cidadão do Distrito
Federal, Wellington Divino Marques de Oliveira, que entendeu que a ortotanásia não está
prevista na legislação e que estimularia os médicos a praticar homicídio. A ação tramita na
14ª Vara da Justiça Federal, com o número 2007.34.00.014809-3.
O procurador, na Ação Civil Pública supracitada, argumentou que o Conselho
Federal de Medicina não teria competência regulamentar para dizer que algo que hoje no
Brasil é considerado crime, não seria punível como tal e também que este órgão não poderia
subtrair da apreciação prévia do Ministério Público e do Judiciário assuntos relacionados à
indisponibilidade do direito à vida, consagrado constitucionalmente.
Argumenta, incansavelmente, que “não há no ordenamento jurídico nenhuma
regulamentação que confira ao Conselho Federal de Medicina o poder/competência/atribuição
para declarar que a ortotanásia não é mais tipificada como crime após a CF/88, ou seja, para
dizer a todos os médicos da não recepção de tal matéria”.
Assim, na Ação Civil composta de 131 páginas, o procurador insiste com pedidos:
Diante de todo o exposto, não restou alternativa ao Ministério Público Federal senão
a busca da via judicial para, com o julgamento procedente do pedido, determine-se:
1. A revogação imediata da Resolução CFM Nº 1.805/2006 (Publicada no D.O.U.,
28 nov. 2006, Seção I, pg. 169).
2. Alternativamente, que se determine ao CFM a alteração da mencionada Resolução
de forma a contemplar todas as possibilidades terapêuticas e sociais ditas nesta Ação
Civil Pública, especificamente:
– para que se definam critérios objetivos e subjetivos para que se possa permitir ao
médico a prática da ortotanásia, incluindo obrigatoriamente, uma equipe
multidisciplinar para analisar todos os aspectos médicos, psicológicos, psiquiátricos,
econômicos, sociais, etc.;
– para que, após parecer de aprovação da equipe multidisciplinar e os restantes dos
critérios técnicos objetivos e subjetivos sejam atendidos, determine-se a TODOS OS
MÉDICOS do Brasil que comuniquem e submetam PREVIAMENTE ao Ministério
Público e ao Judiciário todos os pedidos de pacientes ou representantes legais, todos
considerados absolutamente incapazes, ou diagnósticos médicos aconselhando a
ortotanásia ou a eutanásia, vista serem os pacientes necessariamente, legalmente,
constitucionalmente, tutelados pelo Ministério Público e pelo Judiciário.
Complementando, que o CFM edite uma Resolução com CRITÉRIOS específicos,
determinando-se as balizas para que se examine caso a caso, e para as
IMPRESCINDÍVEIS comunicações aos entes Constitucionalmente legitimados a
garantir a preservação e a observância dos direitos e garantias fundamentais.
– para que, no caso de indigentes, os médicos JAMAIS tomem alguma decisão antes
de informar ao Ministério Público que submeterá a apreciação ao Judiciário. (AÇÃO
CIVIL PÚBLICA nº 2007.34.00.014809-3, 2007)
32
Desta maneira, o MPF pediu a revogação imediata da resolução ou, alternativamente,
que ela fosse alterada de forma a contemplar todas as possibilidades terapêuticas e sociais
envolvidas. Queria, por exemplo, que o Conselho Federal de Medicina definisse critérios
objetivos e subjetivos para a prática da ortotanásia, incluindo obrigatoriamente a participação
de uma equipe multidisciplinar e que, após parecer de aprovação da equipe, os médicos
fossem obrigados a comunicar e submeter previamente ao Ministério Público e ao Judiciário
todos os pedidos de pacientes ou representantes legais, bem como os diagnósticos médicos
aconselhando a ortotanásia ou a eutanásia.
Atendendo ao pedido liminar feito pelo Ministério Público Federal no Distrito
Federal (MPF/DF), o juiz Federal Roberto Luis Luchi Demo, da 14ª Vara da Justiça Federal
no DF, proferiu decisão e suspendeu os efeitos da Resolução nº 1.805/2006, do Conselho
Federal de Medicina (CFM), que regulamenta e autoriza a prática da ortotanásia.
O juiz Federal acatou os argumentos do MPF/DF, aduzindo que, apesar de o
Conselho Federal de Medicina ter apresentado justificativa nos autos de que a ortotanásia não
antecipa o momento da morte, mas permite tão-somente a morte em seu tempo natural, esta
situação não afasta a circunstância em que tal conduta “parece caracterizar crime de
homicídio”.
A decisão enfatizou que a interpretação da ortotanásia e seu mencionado tipo penal
não podem ser feitas mediante resolução aprovada pelo Conselho Federal de Medicina,
mesmo que essa resolução venha ao encontro dos anseios da classe médica e de outros setores
da sociedade. A decisão acerca do assunto deve ser feita mediante lei aprovada pelo
parlamento. Inclusive o juiz ressalta que há em tramitação no Congresso Nacional o
anteprojeto de reforma da parte especial do Código Penal, que coloca a eutanásia como
privilégio ao homicídio e descrimina a ortotanásia.
O juiz confirmou que somente na sentença do processo poderá dizer se existe ou não
conflito entre a resolução e o Código Penal, porém confirma que a mera aparência desse
conflito já é bastante para impor suspensão deste ato, principalmente porque a sua vigência
possibilita a prática da ortotanásia.
Porém, em 2007, o Ministério Público Federal revisou a ação, apontou equívocos e
passou a defender a legalidade do procedimento. A procuradora Luciana Loureiro Oliveira,
que sucedeu Wellington Oliveira no processo, respaldada pelo princípio constitucional da
autonomia funcional - ou seja, cada procurador pode pensar de uma maneira, entendeu o tema
de maneira diferente. Destacou que a ação proposta confunde ortotanásia com eutanásia, que é
33
o agir para dar fim ao sofrimento de um doente sem cura, por piedade, mesmo que não esteja
na fase terminal e que “o Conselho Federal de Medicina tem competência para fazer a
resolução e sua redação não mudou o cotidiano dos médicos ou trouxe danos”.
Nas palavras da procuradora Luciana Loureiro Oliveira:
Não se trata de conferir ao médico uma decisão sobre vida ou morte. Trata-se, pois,
de uma avaliação científica, balizada por critérios técnicos amplamente aceitos,
sendo completo despautério imaginar-se que daí venha a decorrer um verdadeiro
tribunal de vida ou morte, como parece pretender a (ação) inicial. (OLIVEIRA, L.
2007)
As alegações finais, apresentadas pela Procuradora da República, podem ser
resumidas em cinco premissas básicas:
a) o CFM tem competência para editar a Resolução nº 1.805/2006, que não versa
sobre direito penal e, sim, sobre ética médica e consequências disciplinares;
b) a ortotanásia não constitui crime de homicídio, interpretado o Código Penal à luz
da Constituição Federal;
c) a edição da Resolução nº 1.805/2006 não determinou modificação significativa no
dia-a-dia dos médicos que lidam com pacientes terminais, não gerando, portanto, os efeitos
danosos propugnados pela inicial;
d) a Resolução nº 1.805/2006 deve, ao contrário, incentivar os médicos a descrever
exatamente os procedimentos que adotam e os que deixam de adotar, em relação a pacientes
terminais, permitindo maior transparência e possibilitando maior controle da atividade
médica;
e) os pedidos formulados pelo Ministério Público Federal não devem ser acolhidos,
porque não se revelarão úteis as providências pretendidas, em face da argumentação
desenvolvida.
Pugnou também, pela improcedência do pedido na ação do próprio MPF, apontando
equívoco do colega que a antecedeu.
Após serem anexadas ao processo as manifestações finais do MPF e do CFM o
mesmo foi encaminhado ao gabinete do magistrado para proferir sentença, em 13.04.2010.
Finalmente, depois de um longo período de espera, na data de 01/12/2010 os autos
do processo foram devolvidos com a sentença julgando o pedido improcedente, autorizando a
prática da ortotanásia no Brasil.
34
De acordo com o Juiz Luchi Demo, a sentença se baseou no parecer do MPF e em
outras manifestações favoráveis à ortotanásia. O magistrado relata que, após refletir muito
sobre o tema, chegou à convicção de que a resolução do CFM não é inconstitucional:
Alinho-me pois à tese defendida pelo Conselho Federal de Medicina em todo o
processo e pelo Ministério Público Federal nas sua alegações finais, haja vista que
traduz, na perspectiva da resolução questionada, a interpretação mais adequada do
Direito em face do atual estado de arte da medicina. E o faço com base nas razões da
bem-lançada manifestação da ilustre procuradora da República Luciana Loureiro
Oliveira. (SENTENÇA 652, 2010)
A sentença afirma ainda que a Resolução nº 1805/2006 não determinou modificação
significativa no dia-a-dia dos médicos que lidam com pacientes terminais, não gerando,
portanto, os efeitos danosos alardeados na ação proposta. Segundo a decisão, a regra, ao
contrário, deve incentivar os médicos a descrever exatamente os procedimentos que adotam e
os que deixam de adotar, em relação a pacientes terminais, permitindo maior transparência e
possibilitando maior controle da sua atividade médica.
Assim, transcrevemos a resolução que se concentra em dois artigos:
Art. 1º É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que
prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável,
respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal.
§ 1º O médico tem a obrigação de esclarecer ao doente ou a seu representante legal
as modalidades terapêuticas adequadas para cada situação.
§ 2º A decisão referida no caput deve ser fundamentada e registrada no prontuário.
§ 3º É assegurado ao doente ou a seu representante legal o direito de solicitar uma
segunda opinião médica.
Art. 2º O doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar os
sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto
físico, psíquico, social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito da alta
hospitalar. (RESOLUÇÃO 1.805, 2006)
Em entrevista, Roberto D‟Avila, vice presidente do Conselho Federal de Medicina
(2010) comemorou a decisão e afirmou ter sido positiva a discussão que a ação do MPF
suscitou na sociedade nos últimos três anos: "Isso ajudou a amadurecer o entendimento de que
com o avanço da tecnologia é preciso impor limites para que não se prolongue o processo de
morte inadequadamente", afirmou o médico.
Desta maneira, é fato notório que ainda vai continuar existindo a dificuldade em
estabelecer a terminalidade da vida, assim como a de diagnosticar uma doença rara ou optar
por um tratamento em lugar de outros assumindo a falibilidade da Medicina, mas é verdade
também que esta Resolução representa a manifestação de uma nova ética nas ciências
35
médicas, que quebra antigos tabus e decide enfrentar outros problemas realisticamente com
foco na dignidade humana.
4.2 Resolução CFM nº 1.931/2009 - Novo Código de Ética Médica
Morrer sem sofrimento e de forma rápida é a proposta de uma resolução do Conselho
Federal de Medicina que prevê a ortotanásia em pacientes terminais.
Com a suspensão da Resolução 1805/2006 em 2007 proibindo a ortotanásia no
Brasil, o CFM buscou uma forma alternativa de autorizar os médicos a praticarem os então
chamados cuidados paliativos no País.
Em vigor desde o dia 13 de abril de 2010, após vinte anos de vigência da edição
anterior, o novo Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 1.931/2009), veio facultar aos
médicos, mediante autorização da família, a realização da ortotanásia.
A Resolução é destinada, nas palavras de Roberto Luiz D‟Ávila, Coordenador da
Comissão Nacional de Revisão do Código de Ética Médica e atual presidente do CFM:
Ao grupo de pacientes portadores de uma doença crônica degenerativa, (que a
Medicina já reconheceu com humildade que é incurável) e que estão na fase terminal
do processo de vida, ou seja, estão em processo de morte. Qualquer prolongamento
desta morte, submetendo o paciente a tratamentos desnecessários ou fúteis, é
prolongar o sofrimento. (D‟ÁVILA, 2009)
Podemos observar, porém, que a ortotanásia não se encontra expressamente
autorizada no referido documento descrevendo apenas, em seu capítulo I, que rege os
Princípios Fundamentais que o médico evitará a realização de procedimentos desnecessários
aos pacientes:
Capítulo I
PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
[...]
XXII - Nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização
de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos
pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados. (NOVO
CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA - RESOLUÇÃO CFM Nº 1931/2009)
36
Também, eu seu capítulo V que trata da relação com pacientes e familiares, que nos
casos de doentes terminais, o médico deve evitar procedimentos inúteis que prolonguem o
sofrimento do paciente:
Capítulo V
RELAÇÃO COM PACIENTES E FAMILIARES
É vedado ao médico:
[...]
Art. 41. Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu
representante legal.
Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer
todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou
terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade
expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal.
(NOVO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA - RESOLUÇÃO CFM Nº 1931/2009)
Assim, o documento deixa claro que não há obrigação do médico em prolongar a
vida do paciente a qualquer custo, cabendo ao doente ou seu representante legal decidir a
respeito da continuação do tratamento, uma vez já consciente de todas as alternativas
terapêuticas disponíveis. Consegue-se assim preservar a autonomia individual e a dignidade
do paciente, que receberá os cuidados necessários ao alívio de seu sofrimento físico.
A decisão deverá ser do paciente que terá ampla autonomia, mas ao médico caberá a
obrigação de indicar e informar.
Mas, “como nem tudo são flores”, há sérias implicações práticas e bioéticas na
resolução. Por exemplo, há o risco de pacientes internados em hospitais públicos serem
constrangidos a aceitar o procedimento de suspensão de cuidados para ceder as escassas vagas
a outras pessoas com chance de cura, assunto que será visto mais adiante em um capítulo
específico.
Outros riscos envolvem o fato de que com os avanços da medicina, técnicas de cura
ainda não disponíveis, podem estar presentes nas práticas médicas daqui a algum tempo,
possibilitando que, mesmo remotamente, o paciente possa ser beneficiado com a cura de sua
doença, hoje incurável.
Há uma preocupação também no tocante ao alcance da legitimidade do representante
legal do paciente inconsciente ou incapaz decidir sobre a autorização da prática da
ortotanásia, violando o direito à vida e à autonomia do paciente.
37
A resolução traz também, como destaques, alguns pontos importantes relacionados à
ortotanásia, mas não diretamente concernentes a ela, como os princípios fundamentais e as
responsabilidades inerentes aos médicos, que se pode extrair das palavras de D´Ávila:
Este Código, antes de tudo, vem fortalecer o compromisso moral dos médicos
brasileiros e das organizações que prestam serviços à saúde e proporcionam elevado
padrão de comportamento ético capaz de assegurar, em todos os casos, a
manutenção dos princípios fundamentais do exercício da Medicina.
Visa, em especial, resguardar a prática profissional com caráter político de
cidadania, considerando os novos dilemas e desafios ao que se apresentam ao
exercício ético da atividade médica, preocupada na aplicação dos conhecimentos
criados pelas novas tecnologias, com repercussão tanto nas gerações presentes
quanto nas futuras.
Os seus princípios enunciam valores ou metas de caráter amplo e genérico, expondo
os grandes conceitos e os principais critérios pelos quais devem orientar-se as
práticas éticas do profissional da Medicina.
[...]
Na realidade, grande parte das atuais questões éticas tem como pilares os princípios
da bioética, tais como o da autonomia, beneficência, não maleficência e justiça, que
visam defendera dignidade de todo e qualquer ser humano.
[...]
Outro objetivo da reforma é reputar o papel do médico como agente social, abordado
no Código justamente para garantir mais qualidade no atendimento do sistema
público de saúde, para que, com a valorização dos profissionais, possa-se atingir a
expectativa de que a rede pública funcione cada vez melhor.
Nesse novo cenário, buscou-se, também, por necessário, a adaptação do Código às
recentes Resoluções do Conselho Federal de Medicina e à legislação vigente no
País, tendo em vista o fato de que o atual Código foi editado há mais de 20 anos. [...] (NOVO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA - RESOLUÇÃO CFM Nº 1931/2009)
Entende-se, assim, que a Resolução CFM N° 1.931/2009 valorizou
consideravelmente os princípios constitucionais da autonomia e dignidade da pessoa humana,
além do dispositivo que veda a submissão de qualquer pessoa a tortura, tratamento desumano
ou degradante, mas preocupou-se mais ainda com os direitos e deveres dos médicos,
aceitando que devem agir primeiro com a razão e depois com a emoção, para que não haja
conflito interno entre o que a medicina determina como certo e errado e o que seus princípios
como ser humanos aceitam e defendem.
Contudo, sob outro ponto de vista, é importante observar que numa época onde as
pessoas estão cada vez mais suscetíveis a doenças pelo ritmo de vida acelerado e, o aumento
das conquistas tecnológicas do homem moderno, é uma grande vitória o fato de a norma
trazer embutida em suas entrelinhas uma preocupação com o ser humano no que tange ao
prolongamento desnecessário do sofrimento de um paciente terminal, aceitando que apesar de
todas as facilidades e avanços do mundo moderno, toda vida tem um fim, seja ele bom ou
ruim, rápido ou demorado, justo ou injusto.
38
O importante é objetivar que o que deve ser preservada não é a vida acima de todos
os princípios, mas sim, em decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana, permitir
que cada um escolha o modo como deve passar seus momentos finais.
Neste diapasão, como a Resolução não tem força normativa diante da Constituição
Federal, deve-se analisar com bom senso, caso a caso, até onde a prática da ortotanásia é
coerente e correta e quando passa a ser uma afronta aos princípios constitucionais, ferindo
assim um direito garantido constitucionalmente a todos os seres humanos e, principalmente
neste caso, aos cidadãos brasileiros amparados por uma legislação que ainda não autoriza a
prática em seu Estado Soberano.
Conclui-se então que referente à ortotanásia, o Código de Ética Médica não é
taxativo na sua autorização, cabendo ao médico, caso a caso, avaliar o paciente terminal e,
sendo pertinente a prática, proceder a explicação detalhada ao doente e/ou representante legal,
tomar sua anuência cumprir seu papel de mediador, sempre prezando pela humanização no
cuidado dos pacientes terminais, reforçando o direito social à morte digna e o direito subjetivo
à vida que deve ser gozada respeitando os limites do corpo, dos sentimentos e do tempo.
4.3 Projetos de Lei
O bem da vida e a dignidade humana, ambos protegidos constitucionalmente, são
patrimônios e valores supremos.
Ao confrontá-los, qual deles deve preponderar sobre o outro? E a quem compete
decidir sobre isso, uma vez que a Resolução do CFM nº 1805/2006 foi suspensa pelo
Ministério Público com a prerrogativa de que o Conselho Federal de Medicina não poderia
decidir sobre assuntos de competência do Legislativo brasileiro?
Assim, a preocupação com o paciente terminal também chegou aos corredores do
Congresso Nacional onde quatro projetos de Lei tramitam desde 2008, tratando da
regulamentação da prática da ortotanásia no Brasil.
São eles: PL 3.002/2008, de autoria do Deputado Hugo Leal (PSC-RJ), que
regulamenta a prática da ortotanásia no território nacional brasileiro, o PL 5.008/2009, de
autoria do Deputado Dr. Talmir (PV-SP), que proíbe a suspensão de cuidados de pacientes em
Estado Vegetativo Persistente e o PL 6.544/2009, de autoria dos Deputados Dr. Talmir (PV-
39
SP) e Miguel Martini (PHS-MG), que dispõe sobre cuidados devidos a pacientes que se
encontrem em fase terminal de enfermidade.
Além destes, há também o PL 6.717/2009, de autoria do Senador Gerson Camata
(PSDB-ES), que visa alterar o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código
Penal), para excluir de ilicitude a ortotanásia no ordenamento Brasileiro.
4.3.1 Projeto de Lei 3.002/2008
Amparado pela lei e contrário à suspensão da Resolução nº 1.805/2006 do CFM pelo
Ministério Público Federal, o Deputado Hugo Leal (PSC-RJ) propôs o Projeto de Lei
3.002/2008 que objetiva a regulamentação da prática da ortotanásia no Brasil.
O deputado, no documento de proposição do Projeto de Lei, explana:
O problema da terminalidade da vida angustia os profissionais de saúde,
especialmente os médicos. O avanço científico e tecnológico no campo da
assistência à saúde, que possibilita a manutenção artificial da vida por meio de
equipamentos ou tratamentos extremos, gera situações éticas e filosóficas novas, que
demandam regulamentação própria e específica.
Torna-se imprescindível, portanto, estabelecer limites razoáveis para a intervenção
humana no processo do morrer. O prolongamento indefinido da vida, ainda que
possível, nem sempre será desejável. É factível manter as funções vitais em
funcionamento mesmo em casos de precariedade extrema; por vezes, inclusive no
estado vegetativo. Todavia, em muitos casos, esse sofrimento e essa agonia são
desumanos, indignos e atentam contra a própria natureza do ciclo da vida e da
morte. (PROJETO DE LEI 3.002, 2008)
Também na justificativa do projeto, deixa claro que, para a regulamentação da
prática da ortotanásia no Brasil, o Projeto de Lei seria a medida procedente, como já exposto
pelo Procurador da República Wellington Oliveira, na Ação Civil Pública que suspendeu a
Resolução do CFM nº 1805/2006.
Nas palavras do Deputado Hugo Leal:
O projeto apresentado pretende regulamentar a matéria, permitindo a ortotanásia em
situações bastante específicas e estabelecendo processo criterioso para sua
aprovação, a fim de assegurar que sua prática ocorra dentro da legalidade.
Esperamos, portanto, contar com o necessário endosso de nossos Pares para o
aperfeiçoamento e a aprovação deste importante projeto de lei. (PROJETO DE LEI
N. 3.002, 2008)
40
O projeto, que tramita em regime Ordinário, foi apreciado pela Comissão de
Seguridade Social e Família, onde foi determinado que fosse apensado ao Projeto de Lei PL
6715/09, de autoria do Deputado Gerson Camata (PSDB-ES), que discute a alteração do
Código Penal brasileiro.
4.3.2- Projeto de Lei 5.008/2009
Este projeto de Lei, de autoria do Deputado Dr. Talmir (PV-SP), foi proposto com o
objetivo de proibir a suspensão de cuidados de pacientes em Estado Vegetativo Persistente.
O deputado, em sua justificativa, destaca o caso da italiana Eluana Englaro, que após
17 anos em estado vegetativo, por sequelas de um acidente de trânsito, se tornou o foco de
uma batalha judicial entre apoiadores e opositores da eutanásia.
O pai de Eluana, após uma longa e difícil luta entre os Tribunais da Itália, conseguiu
que o suporte artificial de vida e o tubo de alimentação fossem removidos e a paciente
morresse naturalmente.
Em suas palavras:
Com o objetivo de proibir terminantemente tal prática no Brasil, apresentamos
proposição que de forma clara e inequívoca procura preservar a vida a e dignidade
de todos, pois nunca sabemos se estaremos nessa situação futuramente.
Adicionalmente, iguala a tentativa de proceder de forma equivalente ao caso da
mulher italiana ao crime de maus-tratos, previsto no Código Penal Brasileiro.
Desse modo, esperamos contar com o apoiamento de nossos ilustres Pares em ambas
as Casa do Congresso Nacional para a aprovação dessa importante medida.
(PROJETO DE LEI N. 5.008, 2009)
Apesar do Projeto de Lei não destacar o seu apoio ou desapoio sobre a prática da
ortotanásia, é clara a posição do deputado sobre a desaprovação da prática da eutanásia e a
preservação da vida e dignidade humana, evitando maus-tratos aos pacientes em Estado
Vegetativo Persistente.
Assim, após tramitar pela Comissão de Seguridade Social e Família, foi proposto que
o projeto fosse apensado ao PL 3.002/2008, de autoria do Deputado Hugo Leal (PSC-RJ), que
defende a regulamentação da ortotanásia no Brasil.
41
4.3.3 Projeto de Lei 6.544/2009
Também de autoria do Deputado Dr. Talmir (PV-SP), com a coautoria do Deputado
Miguel Martini (PHS-MG), o PL 6.544/2009 dispõe sobre cuidados devidos a pacientes que
se encontrem em fase terminal de enfermidade.
Diferente do que aconteceu no primeiro projeto, neste os deputados não se
preocupam somente com a proibição da suspensão dos cuidados em pacientes vegetativos,
explicitam também, no documento de propositura, a posição contrária à eutanásia, conforme
se extrai nas linhas:
Não é, contudo, aceitável a permissão da eutanásia. Tal prática distingue-se em tudo
e por tudo do que se propõe neste Projeto. Não permissão ou previsão de uma
atitude ativa para por fim à vida do paciente, mas única e exclusivamente para a
retirada de procedimentos desproporcionais e extraordinários, conforme previsto.
(PROJETO DE LEI N. 6.544, 2009)
É visível a inquietação dos legisladores e o objetivo com a propositura do Projeto de
Lei, ou seja, garantir que não sejam utilizados procedimentos desnecessários em pacientes
sem perspectiva de vida.
Nas palavras dos deputados:
É sabido de há muito que o avanço do conhecimento científico e tecnológico tem
possibilitado a que a medicina estenda os limites da vida muito além do razoável.
De fato, não é preciso ser médico, mas tão-somente uma pessoa bem informada, que
lê jornais, para saber que máquinas e drogas de última geração são capazes de
manter um cidadão “vivo” por muito tempo, às vezes por anos, sem nenhuma
perspectiva concreta de recuperação.
Tais procedimentos apenas mantêm a perfusão sanguínea, a inflação dos pulmões, a
filtração do sangue em substituição aos rins e o fornecimento de substâncias
essenciais de forma a impedir a falência total do organismo, mas sabe-se, pelo
conhecimento disponível, que a situação é irreversível.
Nesses casos, o indivíduo fica reduzido a uma condição de objeto e se impõe um
sofrimento desnecessário ao doente, a seus familiares e amigos. (PROJETO DE LEI
N. 6.544, 2009)
Observa-se também a preocupação com a preservação da dignidade do ser humano a
uma morte digna, junto aos entes queridos e não em um ambiente hospitalar, muitas vezes
agressivo:
Procura-se, assim, preservar a dignidade do ser humano a uma morte digna e, se for
do seu interesse ou de sua família, junto a seus entes queridos, no conforto do seu lar
e não em meio a máquinas e ao agressivo ambiente hospitalar.
42
Desse modo, esperamos contar com o apoiamento de nossos ilustres Pares em ambas
as Casa do Congresso Nacional para a aprovação dessa importante medida que com
toda a certeza trará mais conforto aos cidadãos brasileiros e a família brasileira
nesses momentos tão difíceis. (PROJETO DE LEI N. 6.544, 2009)
Após tramitar, em regime Ordinário, este projeto segue para ser apensado ao Projeto
de Lei 3.002/2008, de autoria do Deputado Hugo Leal (PSC-RJ), que regulamenta a prática da
ortotanásia no Brasil.
4.3.4 Projeto de Lei 6.715/2009
O direito de um doente em fase terminal ou enfrentando moléstia irreversível decidir
sobre a suspensão dos procedimentos médicos que o mantêm vivo artificialmente é objeto de
projeto que o senador Gerson Camata (PMDB-ES) deseja aprovar desde 2009.
O Projeto de Lei 6715/09 enviado pelo Senado para revisão da Câmara dos
Deputados, visa alterar o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal),
para excluir de ilicitude a ortotanásia, permitindo ao doente terminal optar pela suspensão dos
procedimentos médicos que o mantêm vivo artificialmente.
Ortonanásia, como já foi visto anteriormente, é a decisão do paciente de renunciar ao
tratamento para morrer naturalmente. Ela difere da eutanásia, que é a prática de provocar a
morte de um doente, geralmente pela aplicação de uma dose letal de medicamentos ou pela
suspensão da alimentação em pacientes vegetativos.
O texto do Projeto de Lei estabelece que a exclusão de ilicitude será anulada em caso
de omissão de tratamento ao paciente.
Rogério Greco explica exclusão de ilicitude:
O Código Penal, em seu art. 23, previu expressamente quatro causas que afastam a
ilicitude da conduta praticada pelo agente, fazendo, assim, com que o fato por ele
cometido seja considerado lícito, a saber: o estado de necessidade, a legítima defesa,
o estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular de direito. (GRECO,
2010 p. 303),
Assim, o médico que atender ao pedido de suspensão do tratamento não poderá ser
processado por homicídio doloso. É a chamada exclusão de ilicitude.
43
Com a modificação do Código Penal, haveria uma expansão do artigo 136, que prevê
o crime de maus-tratos, passando a vigorar acrescido do artigo 136-A, com a seguinte
redação:
Art. 136-A. Não constitui crime, no âmbito dos cuidados paliativos aplicados a
paciente terminal, deixar de fazer uso de meios desproporcionais extraordinários, em
situação de morte iminente e inevitável, desde que haja consentimento do paciente
ou, em sua impossibilidade, do cônjuge companheiro, ascendente, descendente ou
irmão.
§ 1º A situação de morte iminente e inevitável deve ser previamente atestada por 2
(dois) médicos.
§ 2º A exclusão de ilicitude prevista neste artigo não se aplica em caso de omissão
de uso dos meios terapêuticos ordinários e proporcionais devidos a paciente
terminal. (PROJETO DE LEI N. 6.715, 2009)
Conforme a modificação proposta, a situação terminal do doente deverá ser atestada
por dois médicos e, no caso de impossibilidade do paciente, o pedido de suspensão do
tratamento poderá ser feito por seu cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão.
Com este projeto, espera-se que a ortotanásia seja legalizada no Brasil, uma vez que,
no mundo, ela já é praticada legalmente em países como Inglaterra, Japão e Canadá. Nos
Estados Unidos, existe desde 1991 o Ato de Autodeterminação do Paciente, que garante ao
doente o direito de aceitar ou recusar tratamentos no momento de sua admissão no hospital.
O projeto, que tramita em regime de prioridade, foi analisado pelas comissões de
Seguridade Social e Família, Constituição e Justiça e de Cidadania e está sujeito à apreciação
do plenário.
A proposição se encontra apensada, como os demais Projetos de Lei elencados neste
capítulo, ao PL 3002/2008, de autoria do Deputado Hugo Leal (PSC-RJ).
Sobre este Projeto de Lei do Senador Gerson Camata, foi promovida pela Secretaria
de Pesquisa e Opinião do Senado (Sepop) e Agência Senado uma enquete, entre os dias 1º e
31 de março de 2010, onde os internautas deveriam responder à pergunta: "Qual a sua opinião
sobre a proposta da ortotanásia, que permite ao doente terminal decidir sobre a suspensão dos
procedimentos médicos que o mantém vivo?
Entre os 6.076 participantes, 62,5% votaram na opção "A favor" e 37,5% votaram na
alternativa "Contra".
Pesquisa – Qual a sua opinião sobre a proposta da ortotanásia, que permite ao doente
terminal decidir sobre a suspensão dos procedimentos médicos que o mantém vivo?
44
Fonte: Enquete, Senado, 2010
Percebe-se, com esta enquete, que uma parte da população brasileira representada
pelos participantes se mostrou favorável à legalização da prática da ortotanásia no Brasil.
O resultado demonstrado pelo gráfico torna-se ainda mais interessante se observado
pelo ponto de vista das diferenças culturais e sociais dos participantes, que se dividem entre
usuários das redes públicas e particulares de saúde, pacientes e familiares e crentes de todas as
religiões.
Conclui-se assim que normas vigentes no país com o objetivo de regulamentarem a
prática da ortotanásia se encontram em constantes modificações e merecem destaque sobre a
postura dos legisladores e profissionais da medicina em se dedicarem a um assunto ainda
controverso e delicado.
Espera-se, com a aprovação destes projetos de lei em tramitação e com a sentença da
Ação Civil proposta pelo Ministério Público, que a ortotanásia possa ser praticada no Brasil
eticamente pelos médicos, respeitando os valores albergados na Carta Magna Brasileira, em
especial a dignidade da pessoa humana, o direito à vida e também à morte digna.
E, apenas como curiosidade, nesta data de 15 de dezembro de 2010, a última
atualização sobre os projetos de lei acima citados é o parecer do Relator da Comissão de
Seguridade Social e Família, Dep. José Linhares (PP-CE), pela aprovação dos PL´s
6715/2009, 5008/2009, 6544/2009, e do PL 3002/2008, apensados.
Atualmente os projetos se encontram na Comissão de Constituição e Justiça e de
Cidadania (CCJC).
45
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A terminalidade da vida sempre despertou interesse na sociedade, talvez pelo motivo
de ser uma das únicas verdades incontestáveis: todo mundo morre!
E, por isso, as pessoas desejam viver intensamente, prolongando ao máximo a sua
existência terrena, desfrutando da companhia de parentes e amigos, realizando sonhos e,
acima de tudo, afastando o pensamento de que somos todos mortais.
Nas palavras de Leo Tolstoi:
Nenhum homem que tem a infância atrás de si deveria esquecer-se da morte por um
só minuto, tanto mais quanto a sua espera constante não só não envenena a vida,
mas lhe empresta firmeza e claridade. (TOLSTOI 2006 apud CARDOSO, 2010,
p.207)
Além disso, a ausência do conhecimento do after life ou do que nos espera após a
passagem da vida física para a vida espiritual, torna o assunto ainda mais complexo sob os
aspectos jurídicos, médicos e também religiosos.
Quando a morte se aproxima, principalmente nos casos dos doentes terminais sem
perspectiva de sobrevida, inicia-se uma grande polêmica sobre quem deve decidir sobre o
prolongamento ou não da vida do paciente, dilatando consequentemente, o seu sofrimento.
Hodiernamente, o Conselho Federal de Medicina, juntamente com os Poderes
Legislativo e Judiciário, buscam desmistificar o procedimento da ortotanásia no país,
regulamentando a matéria que ainda não se encontra prevista no ordenamento jurídico
brasileiro, possibilitando assim que seja utilizado legalmente.
Com este procedimento, é preservada a decisão do paciente de renunciar ao
tratamento para morrer naturalmente, nos casos em que a medicina já chegou no seu limite
não mais podendo oferecer a cura e tampouco salvar a vida do paciente.
Os médicos, assim, continuariam atuando nos cuidados e conforto do paciente,
preocupando-se muito mais com o bem estar do doente e sua família do que com tratamentos
e recursos extraordinários já não mais eficazes e, principalmente, com o respeito à autonomia
e dignidade das pessoas, principalmente no final da vida.
Procura-se, com estas ações, garantir o direito do paciente morrer com dignidade,
diferente de muitos que sofrem por um longo período de tempo, muitas vezes por terem a vida
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prolongada desnecessariamente, morrendo numa UTI4 ou num leito de hospital sozinhos, sem
os parentes por perto para segurarem sua mão.
Para tanto é necessário que todos estejam envolvidos: que a medicina não meça
esforços para aliviar as dores fisiológicas, que os familiares e pessoas próximas fiquem
responsáveis pela assistência moral e psicológica, inspirando coragem e aliviando a aflição
nos momentos finais, que seja prestada assistência religiosa conforme a crença do doente, e
finalmente, que toda a sociedade se una no sentido de valorizar e proteger a vida humana,
mesmo que em seus instantes finais.
Não se olvidando que este grupo de pacientes terminais é especial, singular na sua
vontade de morrer naturalmente, dentro dos limites da medicina quando não mais for possível
utilizar métodos de reversão da doença ou até mesmo a cura, amparados pela vontade de que
se tratem igualmente os iguais, e desigualmente os desiguais.
É importante ressaltar também que ninguém sabe o dia de amanhã. Qualquer ser
humano que hoje se encontre sadio pode desenvolver uma doença grave e incurável e chegar
numa fase terminal, desejando morrer em paz, com tranquilidade, sem tortura e perto dos
familiares.
Desta maneira, para que tudo o que se almeja se torne possível e a prática seja
compatível com a teoria, é necessário que se tomem medidas de manutenção e controle deste
procedimento e, em caso de descumprimento de preceito fundamental ou mesmo de normas
de ética médica, que seja aplicada a sanção compatível.
Atualmente, alguns Projetos de Lei tramitam na Câmara dos Deputados com o
objetivo de regulamentar esta matéria, uma vez que o Conselho de Medicina sozinho não
pode decidir sobre a legalidade ou não de uma prática ainda muito polêmica e que divide
opiniões sobre a legitimidade do doente de optar pela supressão de cuidados médicos quando
estes não mais possam reverter o seu estado de saúde.
Espera-se que daqui a algum tempo anos, meses ou quiçá dias, esta prática possa ser
utilizada por todos os pacientes que lutam contra uma doença incurável, sofrendo dia após
dia, sem melhora na saúde e apenas esperando o dia da morte.
Com este trabalho buscou-se, então, a desmistificação da ortotanásia no Brasil,
explicando o procedimento e a diferença entre outras maneiras de supressão de tratamentos
médicos, as normas vigentes que defendem a legalidade da matéria, os princípios
4 Unidade de Tratamento Intensivo
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fundamentais que protegem os direitos dos cidadãos brasileiros e a consequência da prática no
dia a dia dos pacientes terminais e seus parentes.
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