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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
PEDAGOGIA DA CONVIVÊNCIA NO COTIDIANO ESCOLAR: AS RELAÇÕES DE GÊNERO COMO CONSTRUÇÃO DE UMA CULTURA
DE PAZ NAS ESCOLAS
Renata José Welin Nei Alberto Salles Filho
RESUMO
As convivências conflituosas decorrentes no meio escolar são variadas e as causas poderiam, inevitavelmente, serem explicadas pelo meio em que esses alunos e alunas estão inseridos e da sociedade em geral, tracejadas em relações de intolerância onde reinam antivalores como a injustiça e a falta de solidariedade. O presente projeto aponta reflexões nas convivências de gênero e a educação para a paz. O objetivo dessas reflexões é proporcionar a mediação de conflitos entre meninos e meninas adolescentes, criando possibilidades de uma educação difundida na paz. Há uma diferença na educação de meninos e meninas adolescentes que permitem a manutenção da ordem vigente no que diz respeito ao sexismo e contribui para a propagação da violência contra a mulher. Após organização de material reflexivo, diferente daquele que é proposto no currículo comum e que continua sendo patriarcal, classificatório e excludente, e o exercício de uma metodologia socioafetiva, espera-se que esses meninos e meninas adquiram um posicionamento não violento frente às convivências entre homens e mulheres. Que meninos e meninas compreendam o sentido positivo do
conflito e que ao enfrentá-lo busquem soluções pacíficas sustentando o respeito ativo e a liberdade.
Palavras-chaves: Educação para Paz; Pedagogia da Convivência; Mediação de
Conflitos.
ABSTRACT
Conflicting cohabitation resulting in middle school are varied and the causes could inevitably be explained through these students and students entered and society in general, dashed in relationships where intolerance reigns antivalues how injustice and the lack of solidarity. This project aims reflections on gender cohabitation and education for peace. The purpose of these reflections is to provide conflict mediation among adolescent boys and girls, creating opportunities for an education widespread in peace. There is a difference in adolescent boys and girls that allow a status quo with regard to sexism and contributes to the spread of violence against women education. After organizing reflective material, different from that proposed in the common curriculum and remains patriarchal, classificatory and exclusionary, and the pursuit of a social-affective approach, it is expected that these boys and girls acquire a non-violent position relative to cohabitation between men and women. That boys and girls understand the positive sense of the conflict and to face it seek peaceful solutions supporting the active respect and freedom.
Keywords: Education for Peace; Pedagogy of Living; Conflict Mediation.
INTRODUÇÃO
Este artigo tem a finalidade de relatar a execução do projeto de Pedagogia da
Convivência que abordou a fundamentação e construção de uma Cultura de Paz
entre meninos e meninas, implementado aos alunos e alunas do Colégio Estadual
Presidente Costa e Silva – EFMN, localizado no município de Sengés.
A elaboração dessas reflexões surge como uma forma de desconstruir mitos,
estereótipos no que se refere à questão do sexismo presente e vigente nas escolas,
com a visão de que através dos conhecimentos históricos, da pedagogia da
convivência e da mediação de conflitos pode-se construir uma cultura de paz.
Valorizando o conceito de paz positiva e não apenas o antigo e vazio conceito de
paz negativa. Na busca de novas abordagens para o ensino da convivência na
escola, da mediação de conflitos, da tolerância é que se propôs a utilização de
atividades reflexivas e de esclarecimento do que é “violência contra mulher”, do que
é paz, do que é conflito, como recurso pedagógico transversal.
A questão machista está presente nas escolas e não é levada ao debate. É
preciso deixar de fazer escolhas preconceituosas. Tudo começa em casa com a
segregação de meninos e meninas nas brincadeiras e tarefas domésticas. Ao
chegar à escola, pouca coisa muda, devido ao machismo embutido há séculos e é
claro a maioria dos educadores não consegue perceber a mudança de mentalidade,
conservam valores sociais ultrapassados, e ainda compreendem equivocadamente a
busca do transcendente, a religião ao invés de libertar, acaba aprisionando e torna
retrógrada a relação entre as pessoas. A escola deve ser o lugar de acesso a
informações claras, honestas e democráticas sobre as questões de sexualidade e
relações de gênero. Se um pai ou uma mãe compra uma arma de brinquedo para os
filhos, provavelmente ele entenderá que pode matar quando adulto. Assim é a
questão machista. Se o pai ou a mãe falam para o menino, sua irmã lava seu
calçado, ele automaticamente entenderá que a mulher é subserviente e não
encontrará espaço para novas reflexões e outras possibilidades de convivência.
Parece simplório demais, porém é da manutenção dessas atitudes e muitas
outras, que surgem grandes problemas de violência. Uma escola democrática não
pode ser um mau exemplo na construção das relações entre as pessoas. Os papéis
de gênero delimitados são constantemente reproduzidos ainda nos dias atuais e na
escola não é diferente.
Mesmo com todo o avanço tecnológico e toda a produção de conhecimento
ainda se espera que mulheres vivam no lar, cumprindo o papel de mãe, esposa e
amante e por vezes, submissa, quando já conquistaram o mercado de trabalho e
cargos públicos. Enfrentar esta situação de opressão, exige quebrar regras e
padrões socialmente construídos. A resposta à busca da autonomia e liberdade
continua sendo a violência nas mais variadas formas. A evolução dos mapas sobre a
violência no Brasil tem direcionado análises específicas sobre a violência doméstica.
A Lei Maria da Penha, um marco para a criminalização da violência doméstica
sofrida por mulheres, foi sancionada em 2006.
O assunto de agressão e assassinato de mulheres não é tratado com a
devida seriedade. A lei é uma garantia, mas a sua aplicação por parte das
autoridades policiais e judiciárias e a superação do sexismo, estão longe de serem
uma realidade. Daí a importância de se repensar as convivências escolares. Uma
escola sem machismo pressupõe organizar o currículo escolar de tal forma que se
consiga romper com a lógica da reprodução capitalista e dos valores por ela
impostos. Currículos, normas, procedimentos de ensino, material didático, avaliação,
espaços escolares, são, lugares de diferenças de gênero, sexualidade, etnia e de
classe, constituídos por suas distinções, seus produtores e reprodutores.
Outra questão que precisa ser melhor refletida no ambiente escolar diz
respeito a sexualidade e as identidades sexuais. Na sociedade contemporânea é
necessário o pertencimento dos novos arranjos familiares, influenciados pelos
divórcios, recasamentos, adoções, casamentos homo afetivos, tecnologias
reprodutivas e outras formas de coabitação. As questões relativas à sexualidade são
abordadas, na escola, ou pelo erotismo do casal heterossexual ou do ponto de vista
religioso conservador de que “Deus abomina relações de mesmo sexo”, “isso é coisa
do diabo”. Os crimes sexuais contra a mulher são também abordados, na escola, por
grande parte dos profissionais da educação ainda com aquela visão de que a “culpa”
é da mulher que provocou certas situações, com reflexões baseadas no senso
comum, entre homens e mulheres.
No ambiente escolar é comum relatos de tentativas de assédio que ocorrem
dentro e fora da escola por parte dos meninos sobre as meninas. Linguagem
depreciativa e preconceituosa, jovens que ao se tornarem adultos agem sobre o
corpo das adolescentes como suas propriedades. Certas ações são naturalizadas no
ambiente escolar reafirmando o estereótipo do “macho dominador”. Acontecem
também, atitudes de meninas que perpetuam ações machistas.
Por sua vez, a violência fora do ambiente escolar, ainda que por vezes não
envolva diretamente a escola, sendo limitada a sua capacidade de
acompanhamento, afeta indiretamente o ambiente escolar. Sendo assim, foi
proposto como alternativa para resolução de conflitos entre meninos e meninas e
para desconstrução de estereótipos sexistas, a construção de uma cultura de paz.
Alternativa viável entendendo cultura de paz com o seu conceito positivo focando o
conflito como elemento de transformação e de mudança.
Para Callado (2004), a partir de uma perspectiva positiva de paz, o conflito se
apresenta como um processo necessário que busca um acordo que beneficie a
todas as partes implicadas. O conflito não deve ser evitado. A tendência em evitar
conflitos gera passividade e impede as relações interpessoais ou intergrupais. Em
uma cultura de paz tradicional, a paz é vista como um ideal utópico e inalcançável.
Do ponto de vista de uma cultura de paz positiva, a paz converte-se num processo
contínuo e acessível em que a cooperação, o entendimento e a confiança são as
bases para a resolução dos conflitos.
Portanto, a proposta feita aos alunos e alunas do Nono Ano C do Colégio
Costa e Silva foi a possibilidade de uma convivência reguladora dos conflitos usando
a não violência para qualquer situação e principalmente em assuntos ligados à
violência doméstica e violência contra a mulher. Para isso foram organizadas
atividades com pesquisas e reflexões sobre o tema abordado, apresentação de
vídeos e a metodologia utilizada foi a roda de conversa. A roda de conversa consiste
na relevância da interação verbal, do respeito, do convívio, do diálogo.
ASPECTOS CONCEITUAIS RELATIVOS À PROPOSTA DE IMPLEMENTAÇÃO
A violência não é inerente à humanidade. O mesmo pode ser afirmado sobre
a paz. Esta precisa ser ensinada e aprendida pelo ser humano. Boulding (2000)
argumenta que tanto a cultura de violência quanto a de paz apresentam raízes
profundas na história. A violência não faz parte da natureza humana, ela não tem
raízes biológicas. Trata-se de um “fenômeno histórico-social, construído em
sociedade”, que pode, portanto, ser desconstruído. (Minayo e Souza, 1999).
Ao contrário da violência, o conflito faz parte da vida humana, daí a
necessidade de gerenciamento pacífico desses conflitos que são inevitáveis. Ao
aprender sobre conflitos as crianças e jovens aprendem mais sobre si mesmo. A
busca de uma educação para a paz propõe uma educação que incentive os valores,
as atitudes e os comportamentos para a paz, sugere a implementação de meios
pacíficos para a resolução de conflitos escolares através do diálogo e busca
consolidar estilos de vida de respeito ao próximo. Não há fórmulas mágicas, mas,
interesse em ser capaz de resolver situações interpessoais conflituosas, ser capaz
de raciocinar em cada situação particular e adotar posturas que o conduzam a
resolver bem os seus problemas.
A paz, melhor dizendo, o conceito de paz vem sendo deturpado ultimamente.
O termo paz passou a ser sinônimo de caminhadas, protesto, gincanas, totalmente
sem objetivos reflexivos e comprometimento com ações continuadas. Isso causa
frustração e desânimo por acreditarem que tentaram e não funcionou. A paz é uma
necessidade humana, é preciso respeitar a especificidade de sua natureza e a
seriedade de seu conteúdo (Milani).
Segundo Rodrigues (2010), a educação para paz é compreendida a partir do
enfoque libertador e sociocrítico, que se propõe nos conceitos de paz positiva e na
perspectiva criativa de conflito, de forma ampla e global da paz, com aspectos
políticos, sociais e econômicos, questionando as estruturas sociais tidas como
violentas, na sociedade e no sistema educativo. Jares e Freire também sugerem
uma proposta sociocrítica de educação para paz.
Considerando o enfoque na Educação para Paz e que ela é extremamente
necessária no que se refere ao ambiente escolar, convém esclarecer que não
bastam belos discursos para que prevaleçam a paz, o respeito e a cooperação.
Trabalhar valores de convivência harmoniosa é um desafio permanente e deve fazer
parte da filosofia cotidiana de trabalho (NUNES, 2011). Avançar na construção de
uma sociedade melhor implica fazer algo.
Construir uma Cultura de Paz é promover as transformações necessárias e
indispensáveis para que a paz seja o princípio governante de todas as relações
humanas e sociais. São transformações que vão desde a dimensão dos valores,
atitudes e estilos de vida até a estrutura econômica e jurídica, as relações políticas e
internacionais e a participação cidadã. Promover a Cultura de paz significa e
pressupõe trabalhar de forma integrada em prol das grandes mudanças ansiadas
pela maioria da humanidade – justiça social, igualdade entre os sexos, eliminação
do racismo, tolerância religiosa, respeito às minorias, equilíbrio ecológico e liberdade
política. (MILANI, 2003, p. 31)
Outro tema desenvolvido nesse trabalho foi a sensibilização da questão de
gênero, a princípio entendido como convivência entre homens e mulheres, sendo
assim, se fez necessário recorrer ao processo de inserção da mulher na sociedade.
Esse breve histórico não teve a intenção de doutrinar ou dogmatizar qualquer tipo de
fundamentalismo, porém, desafiou a se pensar sobre os novos papéis sociais da
mulher e dos homens, da mulher que se sente homem e do homem que se sente
mulher e a convivência com os demais indivíduos.
[ ] Uma cultura de paz assenta-se no debate, na crítica e no diálogo, na liberdade de expressão e de criação. Uma cultura de paz assenta-se no compromisso social, na ternura dos povos, na solidariedade. Estes pilares tem um valor agregado: o de possibilitar a cada cidadão a aprendizagem do prazer de compartilhar, de cooperar, de ser solidário e feliz por isso. (JARES, 2007, p. 188).
Nos últimos tempos, os estudos sobre gênero aparecem junto a uma gama de
temas da História que eram recorrentemente marginalizados e agora vem sendo
retomados devido à tentativa de tornar essa escrita desvinculada de machismos.
Considerada frágil devida à força física, a mulher foi subordinada ao homem
(macho) que assumiu o poder de mando e assim o fez dentro da sociedade. O
homem sedimentou-se como único protagonista da História, ainda que os vestígios
revelem que as mulheres exerciam um papel ativo no processamento da caça, elas
auxiliavam no corte e no deslocamento dos animais que eram mortos com fins
alimentares.
Havia situações em que as mulheres eram as grandes responsáveis por
colocar comida dentro de casa, principalmente em períodos de baixa da caça. A
coleta de frutos, raízes e folhagens comestíveis garantiam o sustento de todo o
grupo também participava de atividades artesanais e fabricação de armas. A mulher
não dominava, mas ela era o centro das atenções devido à sua fertilidade, era
cultuada como um ser sagrado. Mas, o aparecimento das cidades, o surgimento do
estado e a transformação da religião mudaram a forma de ver o papel da mulher em
sociedade.
A sociedade grega do Período Clássico não permitia o acesso da mulher ao
saber, desvalorizando tudo que dizia respeito a ela, inclusive a beleza. Nem a
maternidade escapava da desvalorização sistemática, sendo as mulheres vistas
apenas como receptoras da semente masculina. A mulher era relegada a um papel
de segunda cidadania, com a função de procriação, servindo aos pais, maridos,
filhos. Na antiga Roma, pelo pater-famílias o homem tinha poder de decisão de vida
ou morte de sua esposa como também dos filhos, servos e escravos. As formas
jurídicas submeteram a mulher romana a séculos de exclusão social, inflingindo-a
em uma posição inferior.
Na América e na África são mínimos e isolados casos de matriarcalismos e
mulheres guerreiras. Na Europa medieval, ainda que poucas mulheres
frequentassem universidades e assumissem o feudo na falta de seus pais, marido
ou filhos, elas eram extremamente discriminadas e com remuneração inferior ao
homem. Eram boicotadas frequentemente e a Igreja da época, o pensamento
religioso contribuía para tal situação. Não havia respeito, não tinham a quem
recorrer e deviam obediência aos maridos, chefes, clérigos.
Com a chegada dos tempos modernos, exalta-se o romantismo usado como
mecanismo de dominação cultural, a mulher continuava com sua vida de reclusão e
solidão dentro de casa. Eram consideradas matronas, mães de famílias, religiosas,
honestas. A falta de lealdade e fidelidade das mulheres era responsável por tudo de
mal que acontecesse em uma nação. A mulher virtuosa traria o bem-estar do país,
embora, a honradez dessa conquista fosse assumida pelo sexo masculino. O
determinismo biológico seria o definidor das desigualdades entre mulheres e
homens, tendo a medicina e as ciências biológicas como importante aliada que,
durante muito tempo, subsidiavam as normas sociais quanto às relações de gênero.
A mulher, em sua historicidade, sempre buscou o diálogo e a convivência,
embora, inúmeras vezes tiveram de tomar atitudes de rebeldia para aparecer nesse
cenário de relações de poderes.
Quando se aborda a história da mulher brasileira no período colonial
encontramos a figura masculina com grande autoridade, pois só por ser homem era
considerado o ser de maior poder da época. Todas as mulheres, independente de
sua classe social, não tinham o direito de se expressar e eram limitadas em suas
atitudes. Com a mudança de colônia para império, nada muda na situação das
mulheres.
O homem continua sendo considerado superior, o simples fato de ser homem
o tornava mais importante e lhe dava acesso a muitos direitos dos quais as mulheres
não tinham como, por exemplo, votar e exercer cidadania. No início do período
republicano, que não tinha povo político nem masculino, quanto mais feminino, o
que havia era uma elite política de poucos homens, os quais entendiam que mulher
não tinha lugar na política e nem fora de casa. Somente a partir da segunda década
do século XX a mulher brasileira conseguiu posturas diferentes diante de suas
velhas funções. As novas transformações capitalistas necessitavam da presença da
feminina nas ruas, nas praças, nos empregos e não somente dentro de casa. A
conquista de novos espaços significou uma dupla jornada na luta contra a tirania, a
aspereza, o disparate dentro e fora de casa.
Os tempos contemporâneos revelam grandes conquistas na luta feminina,
grandes transformações, entrada efetiva no mercado de trabalho (dados da OIT
revelaram em 2009 que os salários recebidos pelas mulheres em de 17,3% menores
que as remunerações dos homens), acúmulo de funções, demonstração de
competências e habilidades, formação de opiniões, capacidade de influenciar e a
continuidade da conquista no que diz respeito à equidade entre homens e mulheres
na construção de uma sociedade menos danosa e mais justa.
A discriminação e a violência contra a mulher, no Brasil, é uma questão que
se iniciou com o movimento feminista dos anos 1980, quando surgiram delegacias
de mulheres e atendimento às vítimas de agressões físicas. O tratamento era
designado aos casos extremos, ou seja, aqueles que “chocavam” o público, outros
casos de violência invisível não eram vistos como prioridade. Ainda que moroso,
começam os debates e discussões no enfrentamento à violência contra as mulheres.
Incentivavam-se denúncias de espancamentos, maus-tratos e ofensas. Campanhas
foram realizadas na criação de leis em defesa da mulher para que criminosos
fossem punidos.
Em setembro de 2006 entra em vigor a Lei 11.340/06, conhecida como Lei
Maria da Penha, que considera a violência contra a mulher como um crime grave e
não como um crime de potencial menos ofensivo. A lei também acaba com as penas
alternativas e engloba a violência psicológica, patrimonial e o assédio moral.
Historicamente existem duas abordagens sobre as diferenças entre os sexos
na cultura ocidental. A primeira é conservadora, afirma que a diferença social e
cultural entre homens e mulheres é vista como biológica e natural, portanto
invariável. Esse ponto de vista manteve-se incontestável em diferentes períodos
históricos devido ao grande número de obras que justificavam a inferioridade da
mulher, vale lembrar que em determinadas culturas isso ainda é o que ocorre. A
segunda abordagem, progressista, considera que os papéis sociais dos homens e
mulheres são resultado de influências históricas e culturais e evoluem à medida que
a própria sociedade evolui. A segunda abordagem, embora divergente da primeira
não esconde seu caráter patriarcal, onde homens exercem sua autoridade sobre as
mulheres, interpretando as diferenças biológicas e culturais de forma estereotipadas.
A educação permite questionar essas hipóteses e sensibilizar a busca de novas
interpretações frente à equidade entre homem e mulher.
Ao falarmos de igualdade de gênero e igualdade entre homens e mulheres,
vejamos o que estabelece a UNESCO:
[ ]A igualdade de gêneros, a igualdade entre homens e mulheres, tem inerente o conceito de que todos os seres humanos, homens e mulheres, são livres para desenvolver as respectivas competências pessoais e fazer escolhas sem terem limitações impostas por estereótipos, pela divisão rígida de papéis consoante o gênero e por preconceitos… A equidade de gêneros significa a imparcialidade no tratamento de homens e mulheres, de acordo com respectivas necessidades. Isto pode incluir tratamentos idênticos ou diferentes; contudo, estes devem ser equivalentes no que respeitam a direitos, benefícios, obrigações e oportunidades (UNESCO 2000, p. 5).
É evidente que se os direitos humanos fossem observados e plenamente
exercidos não seria necessário ampliar as discussões sobre a promoção da
igualdade entre homens e mulheres. Daí a necessidade de uma educação voltada
para uma cultura de paz que transmita adequadamente preceitos fundamentais à
defesa desses direitos, que leve os adolescentes a se interessarem pela ética, pelas
responsabilidades sociais e pela solução pacífica dos conflitos.
Há muito que se falar sobre a equidade entre homens e mulheres tanto no
Brasil quanto no mundo. Esse projeto procurou dar ênfase nas relações entre
adolescentes que envolvam a convivência entre meninos e meninas. Os conflitos se
manifestam no cotidiano escolar e se constituem em práticas saudáveis para o
desenvolvimento humano, contudo, muitos conflitos tomam rumos indesejados e
transformam-se em agressividades entre alunos na convivência escolar. É
preocupante a rivalidades entre os grupos, as discriminações, a intolerância, os
desentendimentos, o Bullyng, os assédios, o uso dos espaços, a manutenção da
falta de respeito com o sexo feminino, etc. Ainda que esses conflitos tomem rumos
indesejáveis, é por meio deles que se torna possível transformá-lo em conflitos
positivos através de esclarecimentos e reflexões para melhoria na qualidade dos
relacionamentos pessoais e sociais, tornando o convívio mais equilibrado e
saudável.
Na possibilidade de uma cultura de paz se faz necessário que meninos e
meninas aprendam desde cedo, encontrar motivos para desenvolver sua
personalidade e valores pessoais na vida comunitária, na igualdade, na
amorosidade, na esperança, na justiça social e num futuro melhor para todos e
todas.
A harmoniosa convivência, a paz entre adolescentes é viável entendendo que
as diferenças entre meninos e meninas são complementos que movem os conflitos e
revela sua interdependência, isso implica em fazer as pazes respeitando as
diferentes opiniões, significa também, constituir-se de alteridade, colocar-se no lugar
do outro, não para manipulá-lo e sim para desenvolver a compreensão dos fatos e
situações que permeiam seus relacionamentos escolares, familiares, sociais, suas
convivências. O jovem traz em si disposição para a paz. Vejamos o que diz a
UNESCO sobre o ambiente escolar:
O ambiente da escola deve ser o de uma comunidade onde todos os indivíduos são tratados igualitariamente. Os princípios dos direitos humanos devem refletir-se na organização e administração da vida escolar, nos métodos pedagógicos, nas relações entre professores e alunos e entre os próprios mestres, como também na contribuição dos educandos e educadores ao bem-estar da comunidade (UNESCO, 1969, p. 21).
Assim, tendo como base a pedagogia da convivência, este projeto procurou
valorizar os espaços escolares, uma cultura de paz participativa requer a inserção
dos alunos como protagonistas do processo, um olhar atento ao currículo (tema
transversal), a colaboração dos professores, a acolhida aos pais, o desenvolvimento
da empatia e a utilização do método socioafetivo (desenvolvimento do intelecto
voltado para a humanização, contrapondo o ensino clássico). Todos podem
contribuir para a organização de uma escola voltada para o conceito de paz positiva,
questionadora, flexível e criativa.
A escola também passa por um momento em que é necessário ir além dos
conteúdos, quando abre espaços para a diversidade (diferenças étnicas, raciais,
religiosas, sexuais). Essa polifonia requisita a presença de um valor que assegure o
respeito e a convivência entre diferentes: a paz. (MATOS; NONATO JÚNIOR, 2006).
IMPLEMENTAÇÃO DA PRODUÇÃO E RESULTADOS OBTIDOS
O PDE é um momento de reflexão e aprendizado, oferecido pelo Estado do
Paraná para que professores e professoras possam repensar sua prática no
ambiente escolar e após os estudos busquem alternativas para aquilo que não está
dando certo no processo ensino aprendizagem. No caso do trabalho proposto,
refere-se às convivências escolares.
Após esse período de estudos, os professores e professoras retornam à sala
de aula para implementação de toda a sua produção desenvolvida durante o período
de afastamento. Como voltar para a sala de aula sabendo que aquele ano na escola
foi “pesado”, “cansativo”, “desanimador”, que as pessoas contavam os dias e até
horas para a chegada das férias? Como retornar com ideias provocativas? Como
retornar com esperança de mudanças? Como apresentar uma nova proposta
baseada em resolução pacífica de conflitos? Como propor o diálogo? Como mostrar
cooperação? Como instigar a tolerância? Como gerar novas perspectivas? Como
promover a cultura de paz?
O ano de 2013 foi um ano marcado por uma onda de protestos, alguns com
justas reivindicações e outros nem tanto. Os protestos começaram na grande São
Paulo e se espalharam por outras capitais e algumas cidades do interior.
Manifestantes colocaram a questão da mobilidade urbana na pauta dos políticos e
demais protestos reivindicavam melhorias na educação, saúde, alguns protestos não
eram novos, já tinham histórico de lutas e havia também manifestantes que
praticavam vandalismo. Houve protestos que não apresentavam uma pauta definida
de reivindicações e as pessoas, no geral, comentavam o que viam nas mídias
repetindo o discurso vazio ou se baseavam no senso comum.
A educação no Estado do Paraná foi marcada pelas reivindicações dos
professores (as) e funcionários (as) tanto em 2013, quanto em 2014. Para os
professores (as) que iniciaram o PDE em 2013, o início de 2014 é o momento do
retorno à sala de aula e essa volta é esperada com expectativa pelos colegas, tanto
os que te animam e querem saber as novidades, quanto aqueles que já têm um
discurso pronto “logo você cai da real”. O discurso pode ter sua causa na própria
conduta do educador que não pretende sair de sua zona de conforto ou pelo próprio
sistema educacional adotado pelo estado que limita o tempo dos professores (as)
com programas e projetos educacionais e sistemas de avaliações como SAEP e
IDEB, onde números valem mais que aprendizado e espera-se um trabalho
convencional (que faça bem feito a parte burocrática) por parte dos educadores,
deixando em segundo plano a intelectualidade. As avaliações são feitas, os
resultados obtidos e na prática o alunado continua com dificuldade em interpretação
de texto, produção e resolução de problemas.
A tabela abaixo demonstra uma amostra do sistema pedagógico burocrático
focado na questão do ensino-aprendizagem que está longe de tornar-se realidade,
uma demanda que nem sempre acontece nas escolas devido a inúmeros fatores
como o próprio financiamento.
Atividade Curricular em contra turno
Aulas Especializadas de Treinamento Esportivo
Educação Profissional Integrada
Educação Profissional Subsequente
Equipe Multidisciplinar
Guia Intérprete
Jovem Senador
Jovens Embaixadores
Olímpiadas de Biologia
Olimpíadas de Filosofia
Olimpíadas de Física
Olimpíadas de História
Olimpíadas de Língua Portuguesa
Olimpíadas de Matemática
Olimpíadas de Química
Programa Esporte Cidadão UNILEVER (Precuni)
Professor de Apoio à Comunicação Alternativa
Professor de Apoio Educacional Especializado
Professor Itinerante
Programa de Atividades Complementares Periódicas e Permanente
Programa Ensino Médio Inovador (Proemi)
Programa Mais Educação
Projeto Ler e Pensar
Recuperação de estudos
Sala de Apoio à Aprendizagem
Sala Multifuncional
(Sala de Recursos)
SAREH (Serviço de Atendimento à Rede de Escolarização Hospitalar)
Tecnologias da Informação e Comunicação
Tradutor Intérprete de Libras/ Língua Portuguesa
Temas contemporâneos obrigatórios
QUADRO AVALIATIVO DOS PROGRAMAS E PROJETOS DESENVOLVIDOS NAS ESCOLAS http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=1379 acessado em 20/08/2014.
Não se trata de reclamações ou protestos, mas se o século XXI é o século
das minorias, é o século em que todos deverão sentir-se incluídos, é necessário
rever quais são as prioridades e o que fazer, fazer com excelência, é necessário
ainda, lutar por uma política educacional de Estado e não partidária. Pode ser citado
como exemplo o próprio curso PDE que se tornou lei e o curso não pode ser
excluído quando há a troca de governo, embora com o passar dos anos haja
significativas mudanças.
O curso PDE carece de valorização como no início de sua criação, assegurar
aos educadores o pleno afastamento para capacitação e os subsídios necessários
para os cursistas e orientadores. No aspecto da relevância para o sistema
educacional não há dúvidas de que o curso é muito importante e todos os
professores (as) da rede tem que ter a possibilidade de fazê-lo. Faz parte do
segundo ano do curso o retorno à sala de aula para implementação das atividades
desenvolvidas na produção do material, bem como a continuação do curso e esse
retorno não necessita ser, de certa forma, danoso. É um desafio, um novo caminho
a ser percorrido, ainda que contextos políticos, econômicos e culturais promovam o
descontentamento há que se reencontrar a esperança.
A esperança é uma necessidade vital, é o pão da vida, e como tal é parte da mais pura essência da natureza dos seres humanos. Não se trata de um agregado forçado ou uma banalidade prescindível; ao contrário, a esperança acompanha o ser humano desde que toma consciência da vida, convertendo-se em uma de suas características definitórias e
distintivas. Somos os únicos seres vivos que almejamos coisas, estados melhores ou supostamente melhores, que aspiramos e aninhamos processos de mudança para melhorar nossas condições de vida. Somos os únicos seres vivos que sonhamos e confiamos em tempos melhores. (JARES, 2008, p. 46-47).
A chave de tudo consiste em focar o retorno nos objetivos que se pretende
atingir. Criar circunstâncias para que se coloque a produção em ação e a primeira
tarefa a ser executada é a apresentação do material produzido aos professores (as),
equipe pedagógica e equipe diretiva. É evidente que aparece a descrença por parte
de alguns educadores. No entanto há aqueles que nos apoiam profundamente e
pactuam dos mesmos ideais e valores.
Após a Semana Pedagógica, com o início das aulas, a turma do Nono Ano C
do período vespertino é informada sobre a implementação do projeto, durante as
aulas são realizadas dinâmicas para esclarecimento do que seria discutido em sala
de aula e em seguida o início das atividades propostas com roda de conversa. A
maioria da turma que apresentava grande histórico de indisciplina e incivilidade se
apresenta com mais maturidade, porém há a chegada de novos alunos e alunas de
outras escolas que demoram na sua adaptação com o novo colégio, cujo sistema,
centra suas convivências no respeito, ao regimento interno da escola feito por todos,
quem chega não participou dessa elaboração, por isso leva tempo para pertencer,
conquistar seu espaço.
Antes de iniciar os trabalhos foi realizada uma reunião com os responsáveis
pelos alunos e alunas. Nem todos estavam presentes, mas, os que vieram
compreenderam a importância de se refletir sobre o tema da “violência doméstica” e
a construção de uma cultura de paz nas escolas. Uma das pedagogas da escola
também se fazia presente.
A proposta em utilizar a roda de conversa como metodologia a ser aplicada
surge como uma opção de se desprender do formato tradicional das salas de aula,
além do posicionamento em círculos quebrando barreiras, propiciando o olhar de
qualidade e a escuta ativa de cada estudante durante as reflexões e debates, o que
se converteu em maior produtividade.
O material pedagógico foi elaborado a partir de questionamentos sobre o
currículo adotado no sistema educacional que se apresenta ainda de forma
patriarcal e excludente. Dessa forma as atividades preparadas tem como prioridade
a desconstrução do conceito de separação para a construção do conceito de
equidade, pautado na resolução pacífica dos conflitos. O conflito é positivo, a
violência não.
A primeira atividade a ser empreendida foi a leitura e discussão de um texto
“Questão de gênero na escola” de Kátia Pupo, onde foi dado início no
esclarecimento do conceito de gênero, o fato de as meninas estudarem mais que os
meninos e a presença de sexismo na escola percebido por poucos pois a grande
maioria distinguiu a questão machista após a leitura. Outro ponto que merece
destaque é sobre o conceito de “androcentrismo”, nunca trabalhado durante os
conteúdos propostos no ano letivo, nem mesmo na disciplina de História, somente
os alunos de Ensino Médio estudam esse conceito em Sociologia, quando o
professor (a) da disciplina considera relevante.
Como a turma pertence ao nono ano, fez se necessário um pouco de estudos
sobre História da Educação no Brasil (colônia, império e república), para
compreensão de alguns aspectos educacionais, como por exemplo, o contexto
histórico das devidas épocas que excluíam a menina da escola. “Mulher que sabe
muito é mulher atrapalhada, pra ser mãe de família saiba pouco ou saiba nada”. São
versos proclamados tanto no Brasil quanto em Portugal sobre a educação das
mulheres na colônia. A mulher era educada em casa nos afazeres domésticos e
deveria arrumar um “bom partido”, ou seja, o casamento era a única alternativa e
assim a moça passava do seu antigo dono “o pai” para seu novo dono “o marido”. A
mulher honrada era aquela que ficava calada. (RIBEIRO), 2000.
Há certa indignação da maioria das alunas ao perceber esse contexto
histórico de épocas passadas, há também meninos que não aceitam e se
demonstram aptos a mudanças e há aqueles meninos que fazem as piadas de mau
gosto e até maliciosas. É a presença forte dessa mentalidade masculina que vem
tentando perpetuar-se, mentalidade que foi criada ao longo do tempo e que
permanece enraizada, sólida.
Del Priore nos diz que a história das mulheres não é só delas, é também
aquela da família, da criança, do trabalho, da mídia, da literatura. É a história do seu
corpo, da sua sexualidade, da violência que sofreram e que praticaram, da sua
loucura, dos seus amores e dos seus sentimentos. Não é fácil fazer pensar, refletir,
abrir-se ao novo. Mas é preciso, por isso também foram desenvolvidas atividades
com pesquisas em conceitos de diversos termos para ampliar o conhecimento no
intuito de aniquilar preconceitos.
Foram apresentados vários vídeos incentivando a aproximação entre meninos
e meninas em diversas brincadeiras e promovendo reflexões sobre a diferença na
educação das meninas e meninos. Foi exibido também um vídeo de um sociólogo
sobre a estatística de agressão física, moral e psicológica contra mulheres. Foi
trabalhado um texto “Tirando o véu do preconceito”, permitindo que meninos e
meninas tenham noção da situação da mulher no mundo. Outra atividade que
possibilitou investigar o discurso sexista embutido nas relações escolares foi a
seleção de várias questões sobre o currículo estudado em sala de aula: “Como e
quando são abordadas as questões de gênero na escola?”
Durante a implementação da produção foram trabalhados os conteúdos da
disciplina de História do primeiro semestre do ano letivo, direcionados para a
questão da presença da mulher nos primeiros anos da República brasileira, nas
guerras mundiais, na Revolução Russa. Foram trabalhados documentos históricos e
foi feita a análise do livro didático. Não foi preciso nem um esforço ou
problematização para que toda a turma percebesse a forma masculina abrangente
como é exposto o conteúdo no livro didático e inclusive visões de historiadoras. A
mulher aparece nos textos históricos como tópicos, fragmentos e encarte. Nunca o
texto é a partir dela, e nem precisa ser, mas o que não acontece, de fato, é o estudo
das relações, dos papéis exercidos por homens e mulheres na exposição dos
acontecimentos.
A atividade de análise do texto do livro didático foi a atividade mais escolhida
pelos professores cursistas do GTR (Grupo de Trabalho em Rede), momento de
socialização da implementação da produção. Os cursistas deveriam aplicar a
atividade e depois socializar os resultados. A conclusão foi unânime, os textos dos
livros analisados se apresentam de forma androcêntrica. Ainda hoje persistem
crenças que definem o homem como forte, racional e naturalmente incapaz no que
diz respeito ao trabalho doméstico e ao cuidado das crianças e que definem a
mulher como frágil, emotiva e naturalmente apta para essas tarefas. Questionar as
representações estereotipadas encontrada nos livros didáticos que podem transmitir
preconceito e discriminações significa alertar para a necessidade de um olhar crítico
quando esses equívocos adquirem valor de “verdade”.
Foi exibido trechos de um documentário “Nós que aqui estamos por vós
esperamos”, para trabalhar a questão do aproveitamento da mão de obra feminina
durante as guerras, a luta pelo sufrágio, a liberação sexual e o planejamento familiar
bem como a crise existencial. Foi elaborada uma linha do tempo das conquistas
femininas e foram realizadas também atividades com seleção de músicas, de
qualquer estilo, que depreciam e ridicularizam a imagem da mulher com suas letras
e coreografias. Meninas e meninos perceberam que essas músicas desvalorizam a
presença feminina e contribuem para um mundo machista. Muitos desses alunos
cantavam e dançavam as músicas e não haviam prestado atenção no que dizia a
letra.
As atividades de investigação de violação de direitos humanos femininos
foram as que mais causaram interesse, até certo ponto foi mais pela tal bisbilhotice,
por ser uma cidade pequena, porém logo foram orientados de que durante as
pesquisas, visitas e entrevistas não seriam citados nomes das pessoas envolvidas
para preservação de seus direitos.
Um grupo de alunos foi até a delegacia de Polícia Militar, o qual esclareceu
como é o procedimento da delegacia quando uma mulher liga ou procura
pessoalmente esse serviço e também quando há denúncia. Os outros dois setores
visitados foram a Delegacia Civil e a Promotoria Pública. Na promotoria também foi
esclarecido o procedimento e ficou agendada uma palestra com o promotor público
Doutor Antônio. Infelizmente não tivemos o mesmo sucesso na acolhida e diálogo
com a escrivã da Delegacia de Polícia Civil. Ela recebeu somente a professora para
esclarecimentos e não recebeu grupos de alunos e alunas, ainda que fosse
solicitado e justificado a importância dessa atividade na formação desses meninos e
meninas. O diretor da escola também intercedeu, porém não teve acordo, restando-
nos apenas a indagação aos nossos meninos e meninas: Que modelo de
profissionais planejam ser? Sentiram na pele o que é o desserviço de determinados
setores públicos. Era apenas uma pesquisa. Nas idas e vindas até a delegacia
também foi percebido a negação em se fazer Boletins de Ocorrência ou a escolha
de quais deveriam ser feito. Pode ser um caso isolado, porém, constata-se a falta de
profissionalismo dos setores públicos no Brasil e no interior a situação se agrava.
Outra atividade da produção foi a elaboração de um catálogo de violação de
direitos femininos, esclarecendo o que é a violação para abolir o consentimento
dessas violações. A impunidade naturaliza a violência como fenômeno natural. Por
muito tempo, foi considerado “não violência”, questões como:
Dupla ou tripla jornada de trabalho feminino e as consequências para a
saúde; divisão sexual do trabalho; salários menores; feminização da
pobreza; assédio sexual e moral no trabalho.
Descaso com a saúde da mulher no caso de abortos “clandestinos” e
nas dores de parto.
A transformação da mulher em objeto de uso: comercial, sexual e
doméstico.
A percepção da mulher vítima de violência como a culpada pela ação
do agressor.
Assassinato de mulheres e crimes de violência física, moral e
psicológica cometidos por maridos, companheiros ou namorados e na
situação de ex.
O controle da sexualidade e impedimento do prazer feminino, por meio
de mutilações do corpo da mulher (cliteridectomia e infibulação), na
Índia e em alguns países muçulmanos essa prática ainda existe.
Feminicídio, assassinato de mulheres em razão de seu sexo. Tortura,
queimaduras e desfigurações.
Tráfico de mulheres para exploração sexual.
O abandono que muitas mulheres se sujeitam com a gravidez não
planejada e a falta das obrigações paternas, assumindo sozinha a
criação de filhos e filhas.
O preconceito que as mulheres eleitas para cargos políticos ou cargos
executivos e de comando, sofrem em razão de seu sexo.
Entender o que são essas violações deve ser o início de um caminho para a
erradicação dessas atitudes socialmente construídas. Há medidas positivas que são
tomadas para acelerar a igualdade entre homens e mulheres e que deverão cessar
quando objetivos forem alcançados, provavelmente em longo prazo. No caso dos
meninos e meninas do qual foi aplicada a produção acontece o mesmo, todas as
atividades foram desenvolvidas, porém a assimilação desses conceitos, a
desconstrução de estereótipos e a mudança de atitude acontecerão ao longo do
tempo. No entanto, pode-se afirmar com clareza que são alunos e alunas diferentes
dos outros alunos e alunas da escola por terem tido a oportunidade de reflexões
mais intensas. Os outros alunos e alunas foram contemplados com o convite para a
palestra com o promotor público sobre “Violência Doméstica”.
Foram convidados para a palestra os alunos do Nono Ano C, as alunas do
curso de Formação de Docentes, os demais alunos do período vespertino que
apresentam alto grau de incivilidade e indisciplina e os responsáveis pelos alunos e
alunos que pudessem estar presentes. A Palestra foi realizada na Câmara Municipal
da cidade de Sengés. O promotor iniciou esclarecendo sobre a Lei Maria da Penha
que após muitos estudos dos magistrados e elevado índice de crimes cometidos e
sem punições, chegou-se a conclusão, segundo a justiça, da vulnerabilidade da
mulher. Após muitas explicações o promotor abriu espaço para que o público
interagisse e embora o tema fosse “Violência Doméstica”, as indagações,
questionamentos e comentários que foram feitos foram variados e sempre pendendo
para a questão da educação familiar e a dificuldade das mães/pais/avós ou quem
cuida da criança ou adolescente, estabelecerem limites hoje em dia. O promotor
colocava seu parecer segundo a lei e conduzia novamente ao tema proposto.
Durante a exposição dialogada da palestra do promotor foi citado um bairro
da zona rural chamado Ouro Verde, que fica a sessenta quilômetros da zona
urbana, cujo índice de crimilidade é muito elevado e por ficar distante das
autoridades é como se fosse uma terra sem lei. A criminalidade é elevada,
principalmente contra a mulher. Algumas alunas do curso de Formação de Docentes
que assistiam à palestra moram no bairro e puderam confirmar a fala do promotor.
Muitas dessas alunas não gostam de ouvir sobre essa realidade, outras querem sair
do bairro e há aquelas que desejam fazer a transformação, mesmo sabendo que
não é fácil e estando ciente de que seja em longo prazo.
As moças de Ouro Verde nos faz lembrar Paulo Freire “De anônimas gentes,
sofridas gentes, exploradas gentes, aprendi, sobretudo que a paz é fundamental,
indispensável, mas que a Paz implica lutar por ela. A Paz se cria, se constrói na e
pela superação de realidades sociais perversas” (2006). Realidade perversa, essa é
a situação das pessoas que moram nos bairros distantes do núcleo urbano da
cidade de Sengés, acontecem crimes também na zona urbana, porém há um grande
abuso por parte dos criminosos que moram nos bairros afastados.
A realidade que nos foi passada deixou-nos estupefatos a ponto de perceber
que os problemas de convivência do colégio são mínimos se comparados com
outras situações, não que esses problemas não sejam importantes, mas ficou bem
claro que precisamos trabalhar mais com a prevenção para que tais atitudes não se
tornem acontecimentos perversos e que as pessoas digam, hoje em dia é “normal”.
É urgente trabalhar a questão dos valores e antivalores. É urgente trabalhar o
conceito positivo de paz. Trabalhar valores humanos elevados como a solidariedade,
a tolerância, a busca da verdade, a educação do caráter e a justiça.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Relatar uma experiência, compartilhar um trabalho realizado é fácil, porém é
difícil lembrar-se do olhar de cada adolescente à medida que foi se esclarecendo o
que é conflito e que ele nos acompanha, o que é violência e qual direcionamento
devemos engendrar, olhar de qualidade que nos possibilita enxergar o que os aflige
no cotidiano e que não é de fácil solução, pois é sabido que só a escola não pode e
nem tem condições de acumular funções que demanda família e sociedade em
geral. No entanto, se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela,
tampouco, a sociedade muda (PAULO FREIRE).
Resta-nos transformar a escola num ambiente acolhedor e humanizado. Um
lugar de afetividade onde não haja espaço para discriminação. Se família, igreja,
sociedade e veículos de comunicação falharam com esses adolescentes a escola
não pode falhar. “Enquanto os alunos forem enxergados como um problema ou o
problema, estaremos excluindo-os da possibilidade de canalizar agentes na
construção de uma cultura de paz”. (MATOS; NASCIMENTO, 2006).
Educar para a paz é um processo em que os meios devem estar de acordo
com o fim a que pretendemos. A experiência na realização de todas as atividades
reflexivas com os alunos do Colégio Costa e Silva, nos deixa claro que é importante
a atitude de quem a conduz, para que não haja diferença no que diz e no que se faz.
São questões importantes na avaliação de todo o trabalho.
Para verificar se ouve avanço entre os alunos e alunas é necessário observá-
los em outros espaços escolares e não somente em sala de aula nas aulas da
disciplina de História. É imprescindível a observância desses adolescentes em
outras aulas, no pátio da escola, na hora do recreio, na quadra, no refeitório, no
caminho até a escola e ainda conversar com outros professores e funcionários da
escola, não como monitoramento opressivo e sim para verificação de mudança nas
atitudes, pois qualquer atividade ou questionamento feito pela professora sobre
“violência contra a mulher” e “cultura de paz”, esses alunos terão a conduta
esperada. Quando esses adolescentes passarem por influências negativas nas
questões de valores e produzirem uma esperada atitude voltada para a justiça e
solidariedade, podem concretizar a confiança de que se deve continuar educando
para a paz e principalmente, a partir da escola.
Deve ser observado, também, o êxito dos adolescentes, na lógica do ganha-
ganha, onde são analisadas as causas do conflito para sua resolução pacífica e a
partir daí planejar novas ações no processo de transformação do contexto
educacional. Ações que priorize o respeito e a valorização das diferenças, na
ocupação dos espaços escolares, sem privilégios e discriminações e na melhora das
relações pessoais, atitudes e comportamentos na escola. Ainda que se finde o ano
letivo, um trabalho de educação para paz nas escolas é um processo dinâmico e
contínuo, portanto necessita de constante avaliação, para reorganizar os objetivos
do que se pretende alcançar e tomada de decisões aos novos enfrentamentos do
próximo ano.
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