peabiru calunga

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3/31/13 Peabiru Calunga file:///C:/Users/User/Documents/Pessoais/Mitologia/Peabiru Calunga.htm 1/16 Domingo, 21 de Setembro de 2008 Em busca da Rota Perdida Por to Tumiar u por Benedito Calix to Tr echo do peabir u em Gar uva, Santa Catar ina. Peabiru, histórias e plantas Victor José Mendes Cardoso (*) - La Insignia. Brasil, agosto de 2006. A história de um lugar evidentemente está associada à história de seu povo, ou de seus povos, e vice-versa. Em 1500, os colonizadores portugueses encontraram aqui povos que já habitavam as terras brasileiras. Os primeiros nativos contatados pelos Parceiros de Santa Catarina O pesquisador Fábio Safari nos enviou esse e-mail, sobre o nosso interesse pelo peabiru: Não sei quem é você, mas achei interessante seu blog sobre o Peabiru. Talvez você não saiba quem sou, pois sou dono da página que estuda oramal catarinense do Peabiru. http://peabirucatarinense.blogspot.com Seria interessante como sugestão de pesquisador e blogueiro vocêexplorar historiograficamente os desbravadores da coroa portuguesa eespanhola que se utilizaram dos caminhos índigenas da região de SâoVicente e da região de Iguape/Cananéia do século XVI.Confesso que fico apavorado quando atrelam o Peabiru as questões lendárias e místicas (Incas, São Tomé), esquecendo praticamente arealidade históriográfica do caminho deixada em documentos históricospelos desbravadores que se utilizaram deste caminho meramenteindígena, mas respeito como leitor quem quer enxerga por este lado. Atenciosamente: Fabio E respondemos: Fábio, sou professor em São Vicente e montei este blog para estimular os alunos a conhecer mais esse assunto. Não temos na cidade - com exceção de Santos - uma cultura voltada para a memória e pesquisa documental. Estamos dando os primeiros passos e tentando ampliar nosso conhecimentos, mas por enquanto, navegamos nas fontes já conhecidas. Não há possibilidade de pesquisas mais Próximo blog» Criar um blog | Login PESQUISAR BLOG SINALIZAR BLOG

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Domingo, 21 de Setembro de 2008

Em busca da Rota Perdida

Por to Tumiar u por Benedito Calix to

Tr echo do peabir u em Gar uva, Santa Catar ina.

Peabiru, histórias e plantas

Victor José Mendes Cardoso (*) - La Insignia. Brasil, agosto de 2006.

A história de um lugar evidentemente está associada à história de seu povo, ou deseus povos, e vice-versa. Em 1500, os colonizadores portugueses encontraram aquipovos que já habitavam as terras brasileiras. Os primeiros nativos contatados pelos

Parceiros de Santa Catarina

O pesquisador Fábio Safari nos enviouesse e-mail, sobre o nosso interesse pelopeabiru:

Não sei quem é você, mas acheiinteressante seu blog sobre o Peabiru.Talvez você não saiba quem sou, pois soudono da página que estuda oramalcatarinense do Peabiru.http://peabirucatarinense.blogspot.com

Seria interessante como sugestão depesquisador e blogueiro vocêexplorarhistoriograficamente os desbravadores dacoroa portuguesa eespanhola que seutilizaram dos caminhos índigenas daregião de SâoVicente e da região deIguape/Cananéia do século XVI.Confessoque fico apavorado quando atrelam oPeabiru as questões lendárias e místicas(Incas, São Tomé), esquecendopraticamente arealidade históriográficado caminho deixada em documentoshistóricospelos desbravadores que seutilizaram deste caminhomeramenteindígena, mas respeito comoleitor quem quer enxerga por este lado.

Atenciosamente: Fabio

E respondemos:

Fábio, sou professor em São Vicente emontei este blog para estimular os

alunos a conhecer mais esse assunto. Nãotemos na cidade - com exceção de Santos- uma cultura voltada para a memória epesquisa documental. Estamos dando osprimeiros passos e tentando ampliarnosso conhecimentos, mas por enquanto,navegamos nas fontes já conhecidas. Nãohá possibilidade de pesquisas mais

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portuguêses, pertenciam ao tronco lingüístico Tupi, que por sua vez seria divididoem famílias, como a Tupi-Guarani, que reunia grupos Guaranis da bacia do Prata

com grupos Tupis (tupinambás, tupiniquins) do litoral brasileiro 1.

A cultura arqueológica associada a esses grupos pode ser denominada Tupiguarani1 . A ocupação Tupiguarani, por sua vez, sofreu forte influência de fatores doambiente físico, particularmente fatores climáticos. Assim, não se adaptaram aregiões secas e frias ("jamais ficaram onde há mais de cinco dias de geada noturnapor ano"), e praticamente não são encontrados em altitudes superiores a 400 macima do nível do mar. Por sua vez, era comum a presença desses índios nasproximidades de rios navegáveis, em zonas florestadas. Desse modo, a ocupaçãopela cultura Tupiguarani segue aproximadamente a rede hidrográfica principal,sendo que sua impressionante extensão pode ser explicada em parte por suavocação de navegadores, particularmente fluviais.

Além das vias fluviais, os caminhos terrestres também representam uma importantevia de comunicação e penetração, colocando em contato as terras do litoral como interior do continente. No caso da cultura Tupiguarani, essas estradas eramprovavelmente reservadas a expedições militares ou "diplomáticas" entre diferentestribos 1 .

Na gênese dos caminhos, uns se sucedem aos outros, muitas vezes se aproveitandodo traçado mais antigo. O caminho original muitas vezes não passava de um trilhode pedestres, criado ao sabor dos passos dos primeiros viajantes. Conta-se queTagore (1861-1941) - escritor, músico e filósofo indiano, laureado com o prêmioNobel de literatura de 1913 - confessou-se surpreso ao ver os ziguezaguesdescritos por um caminho ao longo de um campo perfeitamente plano.Considerando-se que um caminho não é traçado pelo capricho de um só pedestre,"poder-se-ia acreditar que quase todos os caminhantes são dotados deexcentricidades idênticas, pois traçaram caminhos tão estranhamente sinuosos. Acausa disso está, entretanto, nas sugestões vindas da terra, às quais nossos pésrespondem inconscientemente" 2 .

Na escolha de locais para abertura de caminhos, os mateiros guiam-se muito pelascaracterísticas da vegetação e pela topografia. No Ceará, por exemplo, a presençade carnaúba (uma palmeira) indicava um vale ou terreno alagável; uma vegetaçãoraquítica, carrascal (formação vegetal rala e enfezada) ou caatinga indicava umchapadão; ao passo que vegetação alta indicaria serra. Uma boa sugestão tambémseria acompanhar as veredas abertas pelos animais que, instintivamente, buscam"os caminhos de menor declive, de menor distância e de menor tropeço", ou seja,o caminho ideal para um engenheiro construtor de estradas 2 . No Brasil, ocolonizador branco, buscando a penetração no interior do continente, seguiu,além das vias fluviais, os primitivos caminhos indígenas e, posteriormente, as trilhasdo gado, evitando-se, na medida do possível, as serras abruptas, as florestas densase emaranhadas, bem como os terrenos alagados e brejosos 2 .

O Peabiru

O mais famoso desses caminhos, conhecido como Peabiru, ia do litoral paulista atéAssunção (Paraguai), cruzando o atual estado do Paraná. Na verdade, é provávelque o Peabirú consistisse de uma rede de caminhos interligados colocando emcontato o sul/sudeste brasileiro e a região andina. Acredita-se, por exemplo, queos índios guaianases de Piratininga mantinham relações contínuas com oshabitantes do litoral através de vias de comunicação terrestres, "abertas epraticadas pelo gentio, pondo em relações de comércio e amizade as tribos dolitoral e suas vizinhanças com as do mais remoto interior do país" 3 .

Algumas evidências e conjecturas fazem supor que o Peabiru tenha sido uma rotamuito antiga, quiçá de origem incaica, construída no sentido leste-oeste. Oarqueólogo André Prous, por exemplo, menciona o encontro de um machado decobre em um sítio arqueológico localizado em Cananéia (SP), cuja análisedemonstrou que a matéria prima usada na sua confecção era proveniente da

região da Cordilheira dos Andes 1 .

Seu traçado preciso ainda é motivo de conjecturas, entretanto, com base emdiversos trabalhos, pode-se estabelecer um roteiro geral (e parcial) da malha emterritório brasileiro: o tronco principal ia de São Vicente (SP) até São Paulo, daíacompanhava o curso do rio Tietê em direção a Itu (SP), passando pelos atuaismunicípios de Santana do Parnaíba e Pirapora do Bom Jesus; virava a sudoeste,passando por Sorocaba, Araçoiaba da Serra e Itapetininga, acompanhando então arota aproximada da atual rodovia SP 258 (Francisco Alves Negrão), passando pelosmunicípios de Capão Bonito, Itapeva e Itararé (SP); adentrava o atual estado doParaná, cruzando Jaguariaíva, Piraí do Sul e Castro. Nesse ponto, devia encontrar

aprofundadas, por falta de tempo erecursos. Tudo isso surgiu tambémporque a nossa faculdade recebeu umaproposta de uma universidade daArgentina (da região de Corrientes) paraum intercâmbio. O Peabiru seria umpretexto para esses encontros e futurascolaboraçções e publicações. Há poucotempo conversei com o Hernani Donato(por e-mail) e ele me disse que estápreparando uma nova edição do livrodele, em dois volumes, com informaçõesinétidas sobre o tema. Como você devesaber , ele não é acadêmico e deve acharessa conversa de pesquisadores um tantochata e improdutiva. Me disse que olançamento seria em 2009 e que meinformaria os detalhes. Caso aconteça,lhe informo. Sobre o seu pavor com aslendas e o misticismo realmente nãoposso fazer nada, pois me parece umaespécie de superstição científica, típicado paradigma positivo e cético do séculoXIX. Se você reparar bem, quem criouessa abordagem foram os jesuitas, apartir do imaginário dos indígenas. Nãovejo problemas em abordá-los comotemática das mentalidades(religiosidade, folclore, etc). Não vejoainda uma realidade historiográfica sobreo assunto, pois não passam de citaçõescansativas sobre o que todos nós jásabemos. Quem sabe aparece algumanovidade. Vou dar uma boa olhada no seublog e recomendá-lo aos alunos.

Até breve

Dalmo Duque dos Santos

Caminhos pré-colombianos

Com a palavra, Hernâni Donato

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um ramal que vinha desde o litoral de Santa Catarina, junto à barra do Rio Itapocu,passando pelos municípios de Jaraguá do Sul (SC), São Bento do Sul (SC), Rio Negro

(este já no estado do Paraná), Lapa, Palmeira e Ponta Grossa.

Um outro ramal, partindo de Castro, dirigia-se a leste, cruzando os atuaismunicípios de Açungui (PR), Cerro Azul, Adrianópolis, Iporanga (já no estado de SãoPaulo) e Jacupiranga, finalizando em Cananéia, no litoral sul paulista. Doentroncamento na região de Castro, a via principal seguiria em direção oeste,através do atual estado do Paraná, cruzando os atuais municípios de Tibagi,Reserva, Cândido de Abreu e Pitanga; daí acompanhava aproximadamente o rioCantu - passando, entre outros, por Palmital, Laranjal e Campina da Lagoa - até adesembocadura desse no rio Piquiri, o qual era margeado até sua foz, no rioParaná, onde existiria a povoação espanhola de Ciudad Real del Guairá. Da regiãode Cândido de Abreu, um ramo do caminho seguiria em direção nordeste, passandopor Campo Mourão e rumando para os lados de Apucarana (PR), de ondeacompanhava o rio Pirapó até sua foz no Paranapanema, na divisa dos atuaisestados de São Paulo e Paraná. A partir desse ponto, devia seguir rumo nordeste,de acordo com um traçado mais ou menos correspondente ao da atual rodovia SP425, interceptando uma outra via do Peabiru, que acompanhava a margemesquerda do rio Tietê, desde sua desembocadura no rio Paraná, em um trajetoque corresponderia aproximadamente ao da atual rodovia SP 300 (MarechalRondon), passando por Botucatu e interceptando a via principal na região do Itu 4-

6 .

Aspectos históricos

Após a chegada dos portugueses, um dos primeiros centros de penetração foi acapitania de São Vicente (capitania de São Paulo, a partir de 1681), tendo as vilasde São Vicente e São Paulo como focos iniciais de irradiação 2 . Nos primórdios doséculo 16, São Vicente era para os espanhóis o principal ponto de partida para avia terrestre entre o Atlântico e o Paraguai, e daí rumo aos altiplanos do Peru, nocoração do império incaico recém-conquistado. No sentido inverso, representaria

o caminho mais curto para os que, vindos de Assunção, demandavam a Europa.

Assim, o Peabiru evitaria, para os espanhóis que demandavam o Peru, acircunavegação de quase metade da América do Sul, com todos os riscosassociados a uma empreitada dessa magnitude. Naquela época, São Vicente seriaum importante entreposto comercial da costa americana no qual, a cerca de 500km do limite meridional estabelecido pelo Tratado de Tordesilhas, portugueses eespanhóis conviviam à custa do tráfico de índios e aprovisionamento deembarcações. Entre as expedições que ali fizeram escala de reabastecimentodestacam-se as de Cristóvão Pires (1511), Nuno Dias de Solis (1515), Fernão deMagalhães (1519) e Sebastião Caboto (1525). Em 1532, Martin Afonso de Souza,reconhecendo a importância estratégica do povoado, lavraria o ato formal de seureconhecimento pela coroa portuguesa. Assim, o "fundador" de São Vicente nãoteria encontrado um local bruto e selvagem, mas um porto e uma vila com umcomércio estabelecido e uma história atrás de si. Acredita-se que esse porto jáexistiria, mesmo antes do desembarque de Cabral na costa da Bahia, sob os nomesde Upanema, Maraipion, Tumiaru ou Tumaiaru, e que o Peabiru seria a razão do

rápido florescimento do povoado nos alvores no século 16 5 .

A partir dessa época, ao que parece, Portugal passaria a ver com desconfiançacada vez maior a presença espanhola em suas terras, tratando de adotar medidasno sentido de exercer uma maior vigilância e mesmo coibir (e, mais tarde, proibir)o trânsito pelo Peabiru. Uma das medidas seria a implantação de povoações noplanalto - com o auxilio dos jesuítas, liderados pelo Pe. Manoel da Nóbrega -, quefuncionariam assim como sentinelas avançadas da colônia portuguesa, cortando aprincipal via de ligação terrestre com os territórios pertencentes à coroaespanhola. Basta lembrar a localização estratégica da vila de São Paulo, em umaacrópole que dominava a várzea do Peabiru e impedindo assim o avanço espanhol

em direção à costa Atlântica 5 .

Sugere-se também que um dos motivos que levaram os jesuítas, em particularNóbrega, a se interessar pelo Peabiru, teria sido o desejo de evangelização dosindígenas no oeste, no Paraguai. O então governador geral do Brasil, Tomé deSouza, por sua vez, viu-se em meio a um dilema: se liberasse o caminho para osjesuítas, também se sujeitaria ao avanço castelhano pela mesma via, só que nosentido inverso. Na verdade, um conflito surdo entre Assunção e São Vicente já sedesenhava, tendo em vista, por exemplo, a exibição em São Vicente, em 1553, deamostras de prata colhida por vicentinos em território paraguaio. Isso levaria acorte espanhola a tomar providências no sentido de proteger as minas deeventuais investidas de colonos portugueses. Esse fato, por sua vez, teria irritadoLisboa, que liberaria o governador-geral para tomar medidas que protegessem os

"O homem dos sete instrumentos" – assimtem sido designado o escritor paulistaHernâni Donato, que conseguiu, desdeuma primeira novela, escrita e publicadaem capítulos quando tinha 12 anos deidade, chegar hoje à marca de 72 livros,nos mais variados campos, da literaturainfanto-juvenil à biografia, àhistoriografia, à pesquisa e à divulgaçãocientífica, destacando-se comoficcionista em romances de envergaduratelúrica, como Selva Trágica, Chão Brutoe Filhos do Destino, grandes sucessoseditoriais nas décadas de 1950 e 60.Várias obras suas foram adaptadas para ocinema e o teatro. Entre as numerosastraduções que fez, destaca-se a da DivinaComédia, de Dante Alighieri, em prosa epara divulgação entre o povo. Seu últimolivro, História dos Usos e Costumes doBrasil, foi lançado no ano passado.Mas aliteratura foi apenas um dos"instrumentos" tocados por Donato.Nascido em Botucatu, no interior de SãoPaulo, em 12 de outubro de 1922, emuma família de imigrantes italianos, eleabriu caminho no mundo exercendo osmais variados ofícios e chegou a atingirposições da maior importância no campoeditorial e na publicidade. Aos 83 anos,Hernâni mantém uma rotina de trabalho,publicando um livro a cada um ou doisanos. É membro da Academia Paulista deLetras e presidente de honra doInstituto Histórico e Geográfico de SãoPaulo.

P B – Como começou seu interesse pelaliteratura?

Hernâni Donato – Nasci no interior, emBotucatu, numa época em que não haviatelevisão, o rádio era só de galena,estava começando. E os filhos deoperários, como eu, não tinham muitodinheiro para ir ao cinema. Nem revistasinfantis havia, então as criançasbrincavam, liam quando podiam,principalmente nas bibliotecas. E usavammuito a imaginação. Como eu não eramuito bom para jogar futebol, comecei acontar histórias aos amiguinhos – no meiode mil molecagens que fazíamos. Aatenção que eles me deram foi a minhaverdadeira "iniciação literária". Muitomais tarde na vida, as crianças do ParqueInfantil da Vila Romana me deram o títulode "O Contador de Histórias" – é uma dascoisas que mais prezo e que guardojunto com o fio de prumo com que meupai, pedreiro, construía igrejas, escolas

e casas.

PB – Como foi sua formação?

Donato – Muito ligada à vida cotidiana,concreta. Botucatu era um centroferroviário, cidade de imigrantes, situadano entremeio da zona pecuária com a docafé, em processo de industrialização.Vivi agitadamente os primeiros anos,entre o cheiro acre do carvão das

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interesses portugueses e hostilizassem os castelhanos 5 . Assim, questões político-estratégicas locais, associadas à política de hostilidades e mútua desconfiançaentre as metrópoles (Portugal e Espanha), levariam Tomé de Souza, em 1553, alavrar um ato proibindo o trânsito, seja de portugueses, seja de espanhóis, atravésdo Peabiru. Logo em seguida, em janeiro de 1554, os jesuítas edificariam noscampos de Piratininga, no planalto, o prédio que abrigaria o colégio e a capela de

São Paulo.

Assim, o comércio e o intercâmbio entre as colônias - onde a densidade depovoamento mais as aproximava - sofreu um duro golpe, provavelmente comprejuízos para ambas as partes. Os espanhóis passariam a acessar o Peabiru a partirde vias situadas mais ao sul, no litoral de Santa Catarina, à altura da linha divisóriaoficial entre as possessões espanhola e portuguesa. Essa foi a rota tomada porAlvar Nunez Cabeza de Vaca que, em 1541, vindo da Espanha com destino aAssunção, desembarcou em Santa Catarina e adentrou o continente na altura dabarra do rio Itapocu (cerca de 35 km ao sul de Joinvile), seguindo uma rota nosentido noroeste até interceptar o tronco principal do Peabiru, na região dosatuais municípios de Ponta Grossa e Castro (PR), seguindo então rumo ao Paraguai

pelo caminho original.

A "redescoberta" do Peabiru

Evidentemente, a proibição oficial de circulação pelo velho caminho, não significouseu imediato abandono, como atestam alguns relatos descritos por Ernani Donato,em seu livro "Sumé e Peabirú: mistérios maiores do século da descoberta". Todavia,embora longos trechos do Peabiru tenham se metamorfoseado em caminhos detropeiros e, posteriormente, em estradas e rodovias, o traçado original se perdeu,em muitos casos de maneira irreversível. Vários pesquisadores, debruçados sobredocumentos antigos, e com o auxílio de modernas técnicas de levantamentoaerofotogramétrico, têm procurado recuperar o traçado e a memória dos velhoscaminhos, tataravôs de muitas das modernas rodovias que cruzam as regiões Sul e

Sudeste do país.

Estudos arqueológicos têm encontrado vestígios de caminhos antigos, entre eles oPeabiru, que sobreviveu em pequenos trechos, principalmente no atual estado doParaná. Os primeiros vestígios foram encontrados nas proximidades do município deCampina da Lagoa (PR), em 1970, sendo que, no decorrer das pesquisas, novostrechos do caminho foram sendo encontrados. De acordo com os pesquisadores,"nos trechos de mata, os vestígios do caminho eram perfeitamente visíveis. A trilhamedia 1,40 m de largura por 0,40 m de profundidade. Os seus restos desapareciamcompletamente nos terrenos desmatados ou lavrados, para novamente aparecerem

nos trechos protegidos pela vegetação" 7 . Nessa pesquisa, não foram constatadosquaisquer tipos de revestimentos em seu leito, cujo piso apresentava-secompactado. Ao longo do caminho foram encontrados sítios arqueológicos,contendo aterros, casas subterrâneas e galeria subterrânea.

Como seria praticável um sistema de caminhos, como o Peabiru, que atravessavaregiões ocupadas - segundo fontes históricas - por tribos indígenas portadoras deculturas diversas, desde muito antes da chegada dos europeus? 7 . Ou então: porque indígenas diferenciados em suas culturas iriam construir uma estrada unindopovos tão distintos? Esse poderia ser um argumento a favor da pré-existência docaminho, antes mesmo do estabelecimento das tribos. Os antigos habitantes doPeru (os "incas") teriam o costume de depositar, ao longo das estradas, pedras emhomenagem aos manes de seus antepassados, o que acarretava o surgimento devários montículos de pedrinhas ao lado dessas estradas 8 .

Em um texto do etnólogo Telêmaco Borba, o autor afirma que: "...em nossasexcursões pelos campos e fachinais deste município (Tibagi - PR), sempre nosdespertara a atenção certos montículos de forma cônica, que encontrávamos nospontos mais elevados das cochilhas, principalmente nas imediações das grandesflorestas de pinheiros; pela forma, traziam-nos à memória os túmulos doscaingangues". O relato prossegue com a conclusão, baseada em escavações, deque tais montículos seriam realmente túmulos ou sepulturas "de uma nação outribo que usava a cremação de seus mortos" 7 . Indícios como esse sugerem umaorigem comum de tradições ou costumes de povos de culturas aparentementedistintas, no caso, os incas e tribos indígenas do Sul e Sudeste do Brasil. Seriaentão o Peabiru o elo de ligação entre todos eles?

Peabiru e as plantas

Um outro elemento, este de natureza botânica, também poderia servir de apoio àhipótese da origem incaica do Peabiru. Ernani Donato refere-se a uma hipótesesegundo a qual as estradas incas eram semeadas com certas gramíneas

locomotivas, a cal e a tinta dasempreitadas do meu pai, a delícia festivado campo – fui e sou um homem rural.Mas, apesar de vir de um meio operário,absorvi desde muito pequeno um caldode sólida cultura européia. Era umambiente que me estimulava muito. Oslivros me serviram de travesseiro. E mechamo Hernâni porque na noite em quenasci representava-se uma ópera deVerdi que tem esse nome, no teatro dacidade. Nesse dia, plantou-se tambémuma árvore no quintal da casa – era umatradição familiar, para festejar umrecém-nascido. Cultura, tradição, lirismo

– um legado que recebi.

PB – Uma das suas principais influências

foi, sem dúvida, a de Dante Alighieri?

Donato – Sim, como acontece em todafamília de origem italiana. Meu avô,Vittorio, que era veterinário prático,tinha uma vasta biblioteca, em italiano eem português. Adorava ficar comparandopoetas como Carducci, Pascoli, com osnossos, como Castro Alves, que muitoadmirava. Mantinha um pequeno hotelonde também hospedava uma associaçãochamada I Trenta Tre Contenti (Os Trintae Três Alegres), o que lhe dava umcunho maçônico. Entre comes e bebes,faziam teatro, música, poesia e muitadiscussão política. E Vittorio costumavaler poesia para os hóspedes,principalmente a Divina Comédia. Eu,menininho, deitado sobre o móvel queacolhia a máquina de costura, ouvia eparticipava, ao lado de Dante e deVirgílio, de sua peregrinação. Quase 30

anos mais tarde, vi um vigia de caminhão,isolado pelas águas do Pantanal,procurando entender o Inferno natradução de Xavier Pinheiro. Diantedaquele leitor tão humilde, e lembrandoo avô, prometi traduzir a Divina Comédiaem prosa, para entendimento popular.Tirei um tempo de minhas múltiplasocupações, três dias por semana, trêshoras por noite, durante nove meses.Minha mulher, que datilografava, medizia: "Quem vai se interessar por isso?"No último dia desse trabalho, o telefonetocou: era José Paulo Paes, que dirigia aCultrix: "Estou preparando uma coleçãodos grandes poemas em prosa, para opovão. Você traduziria a Divina Comédia?"Ainda hoje, seja qual for a hora em queme liberte do dia, dou minutos da minhanoite para reler, rever, conversar comDante.

PB – E as influências exteriores?

Donato – Houve também um professorque bebia muito, mas que me ofereciaum livro por semana. E uma bibliotecária,inesquecível, na escola. Não só nosindicava as melhores leituras comodepois nos cobrava, com carinho, o quehavíamos extraído delas. Quando eutinha 12 anos, meu colega de carteira nosegundo ano ginasial, Francisco Marins –

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selecionadas que impediam o surgimento de outras plantas 5 . Assim, em certostrechos, o Peabiru seria forrado por uma cobertura vegetal implantada, atividadeessa que, em tese, fugiria das concepções e costumes dos índios que habitavam oterritório brasileiro à época do descobrimento. Sobre essa cobertura vegetal, osrelatos falam de uma "erva miúda" que crescia até cerca de 0,70 m de altura e,mesmo que se queimassem os campos, ela sempre brotava novamente.

Em um trecho do livro "Historia de la Conquista del Paraguay", do Pe. Pedro deLozano, o autor assim se refere ao caminho: "Por esta provincia Tayaoba, junto àscabeceiras do Rio Piquiri corre el camiño nombrado por los guaraníes peabirú ypor los españoles de Santo Tomé (...), y tiene ocho palmos de ancho, en cuyoespacio se le nace una yerba muy menuda que le distingue de toda la demás de loslados, que por la fertilidad crece a media vara, y aunque agostada la paja, sequemen los campos, nunca la yerba del dicho camiño se eleva más" 9 . O jesuítaNicolas del Techo, em seu "Historia de la Provincia del Paraguay de la Compañía deJesús" também destaca a cobertura vegetal do lendário caminho: "(conserva-se)igual todo el año, sin más que las yerbas crecen algo y difieren bastante de las quehay en el campo, ofreciendo el aspecto de una vía hecha con artificio; jamás lamiran los misioneros del Guairá que no experimenten grande asombro" 9 . Caberessaltar que, nessa planta que nem o fogo conseguia destruir e que não cresciaalém do necessário, os religiosos viam um fato milagroso que corroborava a crençade que o Peabiru seria obra do apóstolo Tomé. Nesse aspecto, parece que ospadres apenas interpretavam uma antiga tradição oral indígena que falava de umafigura mitológica, Zumé ou Sumé, cujos equivalentes (Manco Capac, Zemi,Kukulcan, Viracocha, e outros) são reconhecidos em diversas culturas ameríndias,e mesmo no oriente 5, 9 .

Embora os jesuítas destacassem a existência de uma cobertura vegetal de naturezaincomum e até certo ponto miraculosa, segundo tais relatos, os textos nãofornecem informações ou pistas adicionais que permitam ao leitor identificar essatal "yerba muy menuda" que cobriria o leito do caminho. Do livro "La AntiguaProvincia de Guairá y la Villa Rica del Espíritu Santo", de Ramon I. Cardoso,transcrevemos o seguinte trecho: "Lozano cuenta que por la provincia de Tayaobacruzaba el camino de los guaranies llamado Peabirú (...). Respecto a los caminosdice el Dr. Bertoni Moisés S. Bertoni en su 'Prehistoria e Protohistoria' que losguaraníes abrían picada en el monte y después de limpiarla con cierta proligidad, lasembraban de trecho en trecho con semillas de dos o tres especies degramináceas, una especialmente cuyos brotes se propagaban con suma facilidad, yplantas que nacían, pronto cubrían completamente el suelo y podían impedir elcrecimiento de los árboles y de los yuyos, que sin eso hubieran ocultado la picada.Estas gramíneas tan bien escogidas, tenían la especialidad de tener semillasglutinosas o sedosas que se pegaban espontáneamente a los pies y a las piernas delos viajantes. Sobraba con plantarlas o sembrarlas a grandes distancias, de legua alegua, por ejemplo, para que, al poco tiempo, uno o dos años tal vez, resultaretapízalo el camino por una alfombra que impedía el crecimiento de los arbustos yotras malezas que hubieran podido obstruirlo. Una de estas vias... pasaba delGuairá a la costa del Brasil; otra salía de la costa de Santa Catarina y llegaba alSalto Iguasú; otra del Salto Iguasú pasaba por la región del Guairá" 10 .

Assim, o texto de Ramon Cardoso - que se refere ao Peabiru como "caminho dosguaranis" - informa que os índios abriam picadas e nela semeavam gramíneas queformavam um "tapete verde" por sobre a trilha, impedindo inclusive a germinaçãode outras espécies (efeito alelopático?). Uma característica importante dessasgramíneas seria a presença de diásporos que grudavam nos pés e pernas dospassantes, o que asseguraria sua dispersão ao longo do caminho. Luis Galdino,referindo-se a um possível trecho do Peabiru na região de Pitanga (PR), descreve-ocomo uma valeta "forrada com um certo tipo de gramínea nativa, conhecida naregião pelo nome de 'puxa-tripa'" 4 .

A partir da sugestão de que essa planta pudesse ser a "yerba mui menuda" à qualse referiam os jesuítas em seus relatos sobre o Peabiru, fomos a Pitanga e, com ainestimável orientação do Sr. Clemente Gaioski - funcionário aposentado do IBGE epesquisador do Peabiru - coletamos algumas amostras desse capim vegetando empropriedades na zona rural do município. Quando as plantas foram identificadas,constatou-se a presença de duas espécies: Homolepis glutinosa (Sw.) Zuloaga &Soderstr. e Panicum pilosum Sw. A primeira espécie, H. Glutinosa, apresentavaunidades de dispersão pegajosas, que aderiam à pele. Aliás, o nome vulgar daplanta "puxa-tripa" derivaria do fato do que seus diásporos aderiam ao pé ou à patade um animal, e este, ao deslocar-se, levava consigo também partes dainflorescência e a própria raquis, que seriam então arrastadas como se fosse umalonga "tripa". Quanto à segunda espécie, P. Pilosum, essa característica pegajosanão nos pareceu evidente, embora isso provavelmente possa variar dependendo doestágio de maturação dos frutos.

hoje um escritor importante –, e euresolvemos escrever uma novela deaventuras. Só para espantar o tédio dasaulas. Chamava-se O Tesouro enaturalmente era recheada de navios,piratas, canhões trovejantes e lindasmulheres. O "Diário de S. Paulo" tinha umsuplemento infantil, "O Guri", queaceitava colaborações. Resolvemostentar a sorte e fomos aceitos e pagos –recebíamos 400 réis por capítulo. Tudo iaàs mil maravilhas, mas a horas tantasMarins resolveu fazer o navio entrarterra adentro – é claro que não deucerto. Recebemos uma carta do diretordo jornal: "Vocês podem pensar que opúblico é tonto, mas eu não sou.Encerrem em dois capítulos". M inhaadolescência foi uma fase de grandeprocura e inquietação, muita leitura.Marins e eu fundamos uma sociedadeliterária em um bairro proletário, e umabiblioteca de aluguel, ao mesmo tempoem que iniciávamos colaborações emjornais.

PB – Sua vida mostra uma trajetóriaextraordinária, entre os primórdios domenino interiorano, "rural", como dizser, e o sofisticado intelectual epublicitário metropolitano, muito bem-sucedido. Conte-nos um pouco da suasaga.

Donato – Abri meu caminho na vidafazendo mil coisas diversas. Desdepequeno fui "menino sem parada", era dotipo que sumia de casa duas, três vezespor semana... Meu primeiro "emprego",com 7, 8 anos, foi o de ajudante de meupai nas construções. Depois, fui aprendizde alfaiate, balconista, porteiro decinema, colhedor de algodão, faiscador,professor de escola de comércio,secretário de advogado, redator erepórter de vários jornais do interior,sitiante, inspetor-viajante de umacompanhia editora. Bati pé pelo Brasiltodo, quando era moço, mas gostavamesmo era de Mato Grosso – lá tem detudo, antigo e moderno. Em 1952abandonei um emprego excelente emuma das principais editoras do país parame meter em negócios de colonização,em Mato Grosso. Ia e voltava de láinúmeras vezes – o negócio nada merendeu em dinheiro, mas me deu muitosamigos e um material que depoisaproveitei no romance Chão Bruto.Aminha ânsia de viajar era angustiante,selvagem – uma espécie muito pessoaldaquela Weltschmerz ("dor do mundo")romântica que me fez beirar inclusiveatitudes extremas, tanto em políticaquanto em religião. Dessa fase torturada– para mim associada sempre a um cheirode estrada – me ficou pelo menos oconhecimento de muita gente, de muitosambientes, uma experiência multicor,muito necessária a um escritor. Fui atéum dos primeiros pilotos civis brevetadosno interior, sonhava em ter um

aviãozinho próprio...

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Seriam essas as espécies assinaladas pelos cronistas do Peabiru? Em caso negativo,quais seriam as espécies? Quanto a H. Glutinosa, de acordo com a "FloraFanerogâmica do Estado de São Paulo", trata-se de uma planta perene,decumbente (ramos prostrados), radicante (capacidade dos ramos de emitiremraízes adventícias), com altura variando de 0,6 m a 2 m, ocasionalmenteestolonífera, distribuída desde o México até a Argentina, ocorrendo em campos,restingas e borda de florestas. P. Pilosum, por sua vez, é descrita como perene,sem rizomas, estolonífera, às vezes decumbente, radicante nos nós inferiores,medindo de 0,2 m a 0,85 m, distribuindo-se da América Central à Argentina,vegetando em locais sombreados de beira e interior de florestas, menos comum emcampo aberto, preferindo solos úmidos 11 .

Homolepis glutinosa, pelas características descritas, é uma planta que mereceestudo mais aprofundado, especialmente pelas propriedades "adesivas" de suasunidades de dispersão, o que a tornaria uma candidata em potencial ao rol dasespécies possivelmente usadas pelos guaranis como revestimento dos caminhos quecortavam suas terras. Todavia, sua eventual preferência - diferentemente de P.Pilosum - por lugares abertos, como campos e bordas de florestas, poderiaeventualmente comprometer a propagação da espécie em trechos onde o Peabirucortasse florestas fechadas. Vale lembrar que, como mencionado anteriormente,não foi encontrado nenhum tipo de revestimento digno de destaque, nos vestígiosde velhas trilhas indígenas preservadas em meio à floresta.

Seria possível associar o traçado original do Peabiru à cobertura vegetal hodierna?Um cuidadoso trabalho de coleta e levantamento da flora poderia eventualmentecontribuir para a resposta a essa questão. O pesquisador José Francisco M. Valls,da EMBRAPA/CENARGEN, destaca a importância do estudo, sob o enfoquearqueológico, da ação humana no transporte de sementes e mudas. No caso deespécies do gênero Arachis (amendoim), diversas populações tem sido coletadasvegetando próximo a sítios arqueológicos, como é ocaso de A. Stenospermae, queocorre junto a ruínas do século 16, no município de Peruíbe (SP) 12 . De acordocom o autor, "pareceria apropriado investigar-se as associações desta espécie,

disjunta no Mato Grosso e Litoral, com o traçado do lendário caminho Peabiru...".

Na "Flora Fanerogâmica do Estado de São Paulo", notou-se que os locais indicadosde coleta de espécimes de Homolepis glutinosa - Cachoeira Paulista, Cananéia,Iguape, Itararé, Paraguaçu Paulista, São Carlos e São Paulo - acompanham em geralo suposto traçado do Peabiru ou de outras rotas indígenas, como a antiga trilhados Guaná, que se transformaria no Caminho Velho do Ouro 4. Seria isso uma meracoincidência? Independentemente da resposta, acreditamos que a Botânica possaser um instrumento a mais no sentido de se esclarecer pontos obscuros da históriada ocupação e conquista do território brasileiro pelos povos que aqui habitaram e

habitam.

Notas

(*) Professor adjunto [email protected], Departamento de Botânica,

Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho (Rio Claro, SP).

1. Prous, A. 1991. Arqueologia brasileira. Brasília, Editora da UnB.

2. Silva, M. M. F. 1949. Geografia dos transportes no Brasil. RJ, IBGE/CNG.

3. Pinto, A. A. 1903. Histór ia da viação pública de S. Paulo (Brasil). SP, Vanorden & Cia.

4. Galdino, L. 2002. Peabiru: os incas no Brasil. BH, Editora Estrada Real.

5. Donato, E. 1997. Sumé e Peabiru: mistér ios maiores do século da descoberta. SP, Edições GRD. 6.

Maack, R. 1968. Geografia física do estado do Paraná. Cur itiba, UFPR/IBPT.

7. Chmyz, I. & Sauner, Z. C. 1971. Nota prévia sobre as pesquisas arqueológicas no vale do r io Piquir i.

Dédalo 13: 7-36.

8. César, G. 1975. Crendices: suas or igens e classificação. RJ, MEC.

9. Holanda, S. B. 1977. Visão do paraíso, 3ª Edição. SP, Companhia Editora Nacional.

10. Cardoso, R. I. 1918 La antigua província de Guairá y la Villa Rica del Espír itu Santo. Buenos Aires,

Librer ía y Casa Editora.

11. Longhi-Wagner, H. M.; Bittr ich, V.; Wanderley, M. G. L. & Shepherd, G. J. 2001. Poaceae, In

Wanderley, M. G. L., Shepherd, G. J. & Giulietti, A. M., orgs. Flora fanerogâmica do estado de São

Paulo, vol. 1. SP, Editora Hucitec.

12. Valls, J. F. M. 1996. O gênero Arachis (Leguminosae): importante fonte de proteínas na pré-histór ia

sul americana. Anais da VIII Reunião da Sociedade de Arqueologia Brasileira, vol. 2. Porto Alegre,

EDIPUCRS.

PB – Um dos seus sonhos foi tornar-se

também um empresário agrícola.

Donato – M inha forte inclinação peloruralismo tocou em excessos. Interessei-me, com atraso de quase um século,pelo mutualismo proudhoniano,chegando até a cogitar de um Banco deTrocas, visto como base de todotrabalho cooperativo. Eu precisava de umherói e elegi Emiliano Zapata. Menoscomo general, no campo de luta, maiscomo inspirador de um exército que,sendo preciso e quando o foi, trocava oarado pelo rifle e, deposto este, voltavaàquele. Interessou-me o equalitarismo ea idéia de um mundo rural integrado porpequenas unidades solidárias. Aos 16, 17anos, comecei a ler os romancistasrussos, franceses, italianos, alguns sul-americanos, como Jesús Lara e Gallegos.Mas Tolstoi foi minha grande paixão,queria até vestir-me como ele – a família

não me permitiu a barba e a camisacamponesa. Anos depois, já em SãoPaulo, investi minhas economias nacompra de um sítio na serra deBotucatu, que batizei com o nome dapropriedade rural de Tolstoi – IasnaiaPoliana. Foi uma desilusão total, não como ideal mas com o pessoal escolhido. Oquanto devem ter rido de mim – omenino que pretendia fazê-los sócios...de um sonho! O sonho durou dois anos,os prejuízos, bem mais.

PB – Como foi que criou, nos anos 1950e 60, seus grandes romances de feição"telúrica"?

Donato – Foi neles que desaguou toda aminha inquietação "ruralista". Uma outragrande influência literária que tive foi ado romancista italiano Ignazio Silone,muito importante na década de 1930.Quando me caiu nas mãos, casualmente,seu grande livro Fontamara, li-o de umaarrancada só, sem poder desgrudar osolhos. Ele dizia o que eu – sem me darconta – passara a vida preparando-mepara dizer. Li todos os seus livros, ele metocou fundo, com o seu amor pela terra,pelo homem da terra. Levei 15 anospesquisando a história da minha regiãonatal. Entusiasmei-me pela área do rioBatalha, a 100 quilômetros de onde eumorava, quando por lá descobriraminscrições pré-históricas. E escrevi ahistória dos imigrantes italianos nalavoura do café, no meu primeiroromance "social", Filhos do Destino,lançado em 1951. Depois, veio ChãoBruto, em 1957 – em uma de minhasviagens, ao atravessar o rio Paraná,encontrei um antigo companheiro deescola que se tornara um capanga.Passei então três meses lá pelas bandasdo Pontal do Paranapanema, escrevendoa história de grileiros e posseiros, deboiadeiros e canoeiros, dessa região queaté hoje é uma das mais violentas doestado. O livro teve cinco edições, em

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Car togr afias da tr ilha pr incipal e r amais do peabir u

Historiadores tentam desvendar origem do caminho que ligava o Brasil ao antigoimpério Inca

André Kovalevski (*)

A história brasileira, a despeito da quantidade de livros e pesquisas publicadas aolongo dos anos, ainda é um enredo repleto de perguntas sem resposta. E o quemais atormenta o imaginário de historiadores e pesquisadores é algo tão misteriosoquanto inspirador: como seria o Brasil antes da chegada de portugueses e outrosexploradores europeus?

Na busca por respostas, alguns indícios têm vindo à tona, os quais revelam algo nomínimo surpreendente: comerciantes e soldados Incas teriam pisado em territóriobrasileiro e mantido, mesmo que isoladamente, contato com nossos indígenas,especialmente os guaranis.

Em seu livro Náufragos, Traficantes e Degredados (Editora Objetiva, 1998), ojornalista Eduardo Bueno dá algumas pistas do que foi o Peabiru: "Não se tratava deuma mera vereda na mata: era quase uma estrada, sinalizada por certa erva muitomiúda".

A denominação Caminho do Peabiru aparece pela primeira vez no livro História daConquista do Paraguai, Rio da Prata e Tucumán, escrito pelo padre jesuíta PedroLozano, nascido em 1697.

Ponto de partida - O que pouca gente sabe, especialmente na Baixada Santista, éque São Vicente, além de ser a primeira vila organizada fundada no País, foi um dospontos de partida da rota, cujo nome, em tupi-guarani, significa pe (caminho) eabiru (gramado amassado).

dois anos. Mais tarde esse romance foifilmado duas vezes, e obteve prêmios. Fiztambém um romance que me deu muitotrabalho, Rio do Tempo, a história doAleijadinho, uma grande figura que lutousempre com preconceitos de todo tipo.Mas meu maior livro é, sem dúvida, SelvaTrágica, lançado em 1960, que teve umgrande impacto na crítica e nos leitores.Esgotou cinco edições, uma delas de 60mil exemplares. Foi filmado por RobertoFarias, com a estréia de Reginaldo Fariacomo ator. Ganhou o prêmio Saci edepois representou o Brasil no Festivalde Veneza.

PB – Ele trata da condição dostrabalhadores da erva-mate na região doPantanal, um assunto que até então

nunca tinha sido abordado.

Donato – Esse episódio, que constitui umverdadeiro massacre de trabalhadoresbrasileiros, no início do século 20, émuito pouco conhecido. O mote dessaobra eu encontrei em apontamentos deautores paraguaios, como Rafael Barrett,que diziam: "...casi todos los peones quehan trabajado en el Alto Paraná... hanmuerto"; e "de 300 hombres sacados deVillarica en 1900 para los yerbales deTormenta en el Brasil, no volvieron másque 20". Fui introduzido nesse mundomisterioso e terrível por um amigo, nasminhas viagens rio acima e abaixo, noParaná, e adquiri o vício do mate pelolado pior: o quanto ele custava em suor,sangue e lágrimas, para chegar à cuia dosapreciadores. Fui ouvindo histórias deantigos trabalhadores, terríveis; mediziam: "Quem se meteu nisso, morreu".Me contaram que em Campo Granderesidia um homem que teve de lutar degarrucha em punho e viu seu filhomorrer, porque ousou escrever sobre oque se passava na cultura do mate. Melevaram para conhecer um peão que eraum arquivo vivo, um mostruário, tinha nocorpo sinais de 18 facadas, com cortesque haviam sido costurados com agulha e

barbante de costurar saco.

PB – Mas, na época em que escreveusobre isso, as condições já haviam

mudado?

Donato – Mais ou menos. Honra seja feitaa Getúlio Vargas, que acabou com omonopólio do mate e com o trabalhoescravo – até mais ou menos 1938 aCompanhia Mate Larangeira, argentina,mantinha esse monopólio. Mas quandome embrenhei nos ervais de MatoGrosso, isso no final da década de 1950,havia ainda cerca de 5 mil homens emulheres trabalhando em condiçõesextremamente precárias, sem descanso,durante 14 horas diárias, das 3 da manhãàs 5 da tarde, na colheita e notransporte da erva – entre a "mina" e oacampamento o mate tinha de serlevado, pelo meio da selva, em fardos de150, 200 quilos, amarrados às costas dos

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A trilha que ligava o litoral brasileiro aos Andes também era alcançada a partir deCananéia (SP) e Porto dos Patos (SC).

O que tem dificu ltado o trabalho dos estudiosos é o fato de que odesenvolvimento, particularmente a agricultura, acabou por apagar boa parte doseu traçado original. Em São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e MatoGrosso do Sul praticamente não existem mais trechos originais.

Somente em 1970 alguns vestígios do Peabiru foram encontrados pela equipe do

professor Igor Chmyz, da Universidade Federal do Paraná. O grupo achou cerca de30 km da trilha na área rural de Campina da Lagoa (PR). Ao longo do trecho, opesquisador descobriu sítios arqueológicos com restos de habitações utilizadas,provavelmente, quando os índios estavam em viagens.

Algumas iniciativas têm buscado recuperar parte da rota. Trabalho do arquitetoDaniel Issa Gonçalves, pela USP, posiciona o caminho sobre a atual malha urbana dacidade de São Paulo. "As trilhas indígenas são um dos raros testemunhos da vida noperíodo pré-colombiano brasileiro", afirma Daniel.

Mas o que ainda intriga os pesquisadores é quando e como o caminho teria sidocriado. A pesquisadora Rosana Bond diz ser difícil datar o Peabiru com precisão.

Mil anos - Em suas pesquisas, ela diz ter encontrado hipóteses de que o Peabirupode ter sido utilizado pelos Itararés, no interior paranaense, já nos anos 400 ou500 D.C., portanto, mil anos antes da conquista européia. "Achei tambémsuposições de que o caminho, em seu trecho paraguaio e andino, já era usado noséculo VIII", afirma.

Mas a principal característica que faz do Peabiru algo excitante aos olhos demuitos pesquisadores é a possibilidade dele ter sido utilizado para o contato entreíndios brasileiros e os Incas.

"Isso é praticamente certo. Há autores que defendem a tese de que o Peabiruteria sido aberto de Oeste a Leste, de lá para cá, dos Andes rumo ao Brasil, e nãoo contrário. É provável que comerciantes e soldados Incas tenham estado, emalgumas oportunidades, no teritório brasileiro. Não foi uma presença constante,pois os nossos índios não permitiam", diz Rosana.

Não bastassem essas afirmações, outro detalhe também contribui para aumentar aaura de mistério que cerca o caminho: "Chama a atenção a existência de pedrasorientadas, de uso astronômico, e de relógios solares - semelhantes aos incaicos -em alguns pontos do Sul do Brasil, inclusive no litoral", comenta Rosana.

Nas palavras do escritor e historiador Hernâni Donato, a maior autoridade brasileirano assunto e autor de mais de 60 livros, é fundamental olhar o caminho pelos olhosdos Incas e não apenas pelo prisma dos europeus.

"Do coração do império, as estradas Incas apontavam para os quadrantes daAmérica. As mais importantes, pavimentadas, protegidas, arborizadas e regadas.Outras, secundárias, meramente de exploração - como o Peabiru - menoscuidadas, preparando o futuro avanço para o Atlântico".

Fonte: Novo Milênio

Postado por Peabiru Calunga às 10:28 0 comentár ios

Sumé e peabiru

"Um friso de praia debruado pelo muro das montanhas. Nenhuma brecha ou portaque o introduzisse na largueza além serrana, o europeu estava confinado à beiramar!". Mas em São Vicente, existia uma exceção: Havia uma estrada antiga,visivelmente transitada". Oito palmos de largura a mergulhar no interior Brasileiro.

O português, vendo que aquela estrada pouco perdia para as vias de Portugal,perguntou ao Índio?

- O quê é isto? Quem realizou este trabalho?

- Peabiru, respondera o Índio!

trabalhadores. Qualquer passo em falsocausava a quebra da espinha docarregador. E então... os próprioscompanheiros, na falta de outro recurso,sorteavam entre si, jogando cartas, quemdaria um alívio ao acidentado... um tirona cabeça! Sei que horrorizei meusleitores urbanos, que pensavam que a

erva-mate era colhida em jardins... Outrabrutalidade era o "trabalho do uru" – ohomem responsável pelo "barbaguá", umaespécie de forno de madeira onde a ervaera preparada para o consumo. Ele tinhade trabalhar dia e noite, sem parar,remexendo as folhas sob um calor atroz.Depois de algum tempo desse trabalho,todos os pêlos do corpo vão secando,caindo, o homem vai ficando esturricado,transforma-se em um feixe de ossos.

PB – Chegou a correr risco de vida, portratar desse assunto?

Donato – Sim, recebi "avisos",telefonemas. Contavam-me histórias,como a do último jornalista curioso queaparecera naquelas paragens e quevirara "comida de formiga". Selva Trágicairritou muita gente. Houve até um padreque ficou zangado comigo porquedescrevi uma Semana Santa que não énem santa nem cristã. Mas o que voufazer? Meu lema é o de Stendhal: "Aliteratura é um espelho que se leva aolongo de um caminho" – e que vairetratando a realidade, nem sempre fácilou agradável de ver. Mas achei tambémmuita gente que facilitou meu trabalho,deu-me depoimentos. Até, quandorecebi um telefonema me ameaçando demorte, houve um amigo, ex-delegado depolícia, que quis montar guarda no meuescritório. Topei com muita genteinteressante – encontrei um únicohomem decente explorando mate emMato Grosso, e que me apoiou muito.Chamava-se Enio Gato Preto Martins, umhomem tão culto que lia Shakespearepara seus peões, à noite.

PB – Há vários trabalhos seus sobrearqueologia. Quais foram suas pesquisasmais interessantes?

Donato – Em um dado momento penseiem entrar para a carreira diplomática ecomecei a me preparar para o seutemido vestibular, com um professorparticular. Ele me pediu um trabalhosobre o Tratado de Tordesilhas – quemudaria o curso de minha história.Deparei com uma palavra que se tornariauma obsessão para mim nos 57 anosseguintes – "Peabiru", que significa umcaminho de 8 metros de largura, emgeral de pedra, feito pelas primitivaspopulações do Peru (na fase pré-incaica)e cujos vestígios podem ser encontradosaté hoje por grande extensão daAmérica do Sul, de São Vicente, noBrasil, ao Pacífico. Essa descoberta mesacudiu, me convulsionou, me agrediu,remexi mapas antigos, do século 17... e

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- E quem abriu este caminho tão longo?

- Pay Sumé, sendo tudo o que ele pode dizer...

- Pay Sumé?! Mas é de São Tomé que estão falando!

Foi necessário um milagre para explicar o que era uma técnica viária desenvolvida,atribuída por mais de duzentos anos ao apóstolo São Tomé. Viera o apóstolo aevangelizar os índios e estradar o continente, pois aquela técnica, para osportugueses, não poderia ser obra da natureza, muito menos, para eles, de umpovo "não civilizado".

O Caminho foi a "porta de entrada" para a colonização da terra recém descoberta.Por ela, os europeus ganharam os sertões e fundaram Vilas, até a sua proibição porTomé de Souza em 1.533, a qual cominava com a pena de morte aos infratores.

Só em 1.603 e por iniciativa de guaranis, veio a ser estabelecido precariamente suautilização. Com esta abertura, voltou ao conhecimento do Peabiru, o maisimportante caminho da América do Sul Oriental. "Os índios chamavam Peabiru a umcaminho pré-cabralino". Escreveu Romário Martins ( na Revista Guairacá, Curitiba,1.941 - Caminhos Históricos do Paraná).

Esse Caminho, primitiva via indígena de comunicação pré-colonial, era chamado de"Peabiru ou Peabiyú", pelos índios, e "caminho de São Tomé" pelos Jesuítas.Encontrando caminhos existentes antes da vinda dos conquistadores europeus, osjesuítas o atribuíram à intervenção do sobrenatural, e concluiram que foram feitospor milagres, com a só passagem do Apóstolo Tomé por outras partes.

Taunay nos fala sobre o trecho, extensão e utilização: "Como quer que seja, essecaminho existia e muito batido, com uma largura de oito palmos, estendendo-sepor mais de 200 léguas, desde a capitania de São Vicente, na costa do Brasil, até asmargens do Rio Paraná, passando pelos rios Tibaxia (Tibagi), Huyabay (Ivaí) ePiquerí".

O Peabiru fora de suma importância, seja pelo traçado que cortava o continenteseja pelas personagens que por ele transitavam, ainda que considerado somente operíodo pós-cabralino: soldados sacerdotes, aventureiros, os artíficies de nossaAmérica.

O Traçado

Taunay, citando mapas de Luis Antônio de Souza Botelho e Mourão, morgado deMatheus, diz que o traçado teria sido: "Saindo de São Paulo, passando porSorocaba, pela Fazenda Botucatu que foi dos padres da Companhia, dirigindo-se aSão Miguel junto ao Paranapanema e costeando este rio pela esquerda, tocandoem Encarnacion, Santo Xavier e Santo Inácio, onde, de canoa descia oParanapanema, entrava no Paraná e subia Ivinheíma até quase às suas margens; aíseguia, por terra pela Vacaria até as cabeceiras do Aguaraí ou Corrente onde,tornando-se de novo Fluvial, seguia por esse afluente até o Paraguai, pelo qualsubia, etc...".

Alfredo Romário Martins esmiuça: "Era São Vicente, Piratininga, São Paulo,Sorocaba, Botucatu, Tibagi, Ivaí, Piqueri, bifurcava-se o caminho, indo um ramalpara o Sul, até o Iguaçú, no ponto em que este rio, na sua margem esquerda,recebe o Santo Antônio".

Este roteiro não é em muito diverso daquele estabelecido por Batista Pereira(Carta a paulo Duarte, Revista do Arquivo Municipal de São Paulo, vol. XXXVIII),"Uma picada de 200 léguas que, com duas varas de largura ia do Litoral (SãoVicente) até Assunção no Paraguai, passa por São Paulo ...".

O padre Leonardo Nunes, citado por Serafim Leite (De: História da Companhia deJesus no Brasil), fixou o marco final do roteiro iniciado na praia de São Vicente; Aopoente do Paraná, o caminho prosseguia, atingido o Peru e a Costa do Pacífico". Opadre Lozano confirma-o, afirmando que pelas tributários do Rio Paraguai, o

Peabiru atingia o coração do Peru. Segundo a maioria dos estudiosos, os incas aconstruíram. O Barão de Capanema assegura-nos que "seria essa estrada protegidapor obras de defesa, devida aos incas, de c ujo tempo se afirma existirem vestígiosde estradas da Bolívia a até o Paraguai".

tive o maior choque quando percebi queesses caminhos passavam por lugares emque eu havia brincado, em criança.Larguei tudo o mais, o projeto de serdiplomata, o estudo, a namorada até, eorganizei uma pequena expedição, massem revelar o que procurava. Disfarceidizendo que ia em busca de um tesourojesuíta. Mas depois desanimei, seriapreciso muito tempo disponível, muitapesquisa, dedicação integral ao tema,bem pouco tratado até hoje, paraencontrar os traços de uma culturamuito anterior à época cabralina, osvestígios de um intenso tráfego interiorde populações, por toda a América doSul. Eu me casei, criei três filhos, fuitrabalhar como editor, ou em grandesagências de publicidade... mas meuinteresse pelo tema não esmoreceu,continuei a estudá-lo como pude. Só em1997 pude lançar um livro sobre isso,Sumé e Peabiru: Mistérios Maiores doSéculo da Descoberta. E agora eu o

estou reescrevendo.

PB – Fez também pesquisas sobre acultura da poaia, sobre as condições

precárias dos trabalhadores dessa área?

Donato – Sim, cheguei a trabalhar nisso.Mas, com as anotações feitas, eu estavaviajando um dia para Cuiabá quandoalguém me informou que já existia umlivro – não era um romance – sobre esseassunto. Joguei minhas anotações no rioe deixei para lá. Continuei a escreverobras de ficção durante as décadasseguintes, alternando-as com livros dehistória, pesquisa, divulgação. Em 1963 fizum folhetim, Núpcias com a Morte, parao jornal "Última Hora". Em 1976 publiqueium livro de contos, Babel, e em 1982 fizum romance-roteiro, O Caçador de

Esmeraldas, que foi filmado.

PB – Poderia resumir qual a linhafilosófica, ou de ação, que adotou em

sua vida tão rica de experiências?

Donato – Há uma frase, não sei se é deWill Durant ou de Daniel-Rops, quedefine a postura que me acompanhou:"Só é verdadeiramente homem livreaquele que é gibelino entre os guelfos eguelfo entre os gibelinos". É o que tenho

sido.

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Em busca da Rota Perdida

Sumé e peabiru

Porto Tumiaru, depois São Vicente

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A influência do Peabiru

Se julgarmos tal caminho merecedor de tantas referências é porque não somentefoi o mais importante da face atlântica da América Latina, mas também o maiorvarredouro cultural e civilizador. É Jaime Cortesão quem revela: "Duas grandesfamílias culturais corresponderam predominantemente a esses dois sistemas decaminho: no sul, os tupis-guaranis, ao "Peabiru", no Norte, os aruaques à redequase exclusivamente fluvial do Amazonas".

Foi pelo Peabiru que a civilização européia adentrou a oeste e subiu aos Andes. Epara expressar a velocidade da penetração, basta assinalar que o galo, introduzidoem 1.502 em Cananéia, aparecia já em 1.513 na Corte Incaica, assombrando-a portal modo que o futuro reinante tomou o nome de Ataualpa, isto é, galo. "Estarapidez na dissimilação dum elemento cultural prova quanto eram rápidas a ativasas comunicações através do continente...", admite Cortesão.

Apogeu e fim do Peabiru

A proibição de transitá-lo, baixada em 1.533, pretendeu clausurar o caminho. Aprimeiro de Junho de daquele ano Tomé de Souza relatava ao rei português asrazões do fechamento: A fácil comunicação entre a Vila de São Vicente com ascolônias Castelianas causavam um grande prejuízo à Alfandega Brasileira, resultadodo contrabando, que já era exercido desde quela época.

Tão severamente o fez que somente se conhece uma trangressão. E em 1.548, paraa guerra contra o gentio Carijó, o exército se alonga de muito o caminho,velejando pelo litoral, para não desobedecer à proibição.

Foi em 1.603 quando inrromperam na Vila de São Paulo, quatro soldados Paraguaiosde Vila Rica do Espírito Santo que vieram pelo Peabiru. São Paulo os festejou e àtítulo de homenagem os fez acompanhar, na volta, por doze homens, encarregadosde reconhecer as etapas, de reavivar o traçado.

Esse quase século de obediência à proibição acabara com as imponências e oscuidados, que os construtores dotaram o Peabiru. Após a revitalização dotracajado, passou a ser roteiros de religiosos, de bandeirantes, faiscadores, decontrabandistas.

O Peabiru em Botucatu

Chegando aos Campos da fazenda de Botucatu que foi dos padres da companhiadefrontava a Serra, referência preferencial de todos os caminhos ao sul paulista.Chegado de Sorocaba, lançava um sub ramal na direção da cuesta. Aluísio deAlmeida, nasceu e foi menino no Guareí antes de ser aluno do Seminário deBotucatu, escreveu ter conhecido o caminho e que soube utilizado comfreqüência pelo Padre Estanislau de Campos, visitador anual das Fazenda Jesuíticasda região, exatamente as de Guareí e de Botucatu. Era "muito fundo" e chegavaaté o pé da Serra. este "pé da serra"embicava no Bairro do Alambari, galgava amorraria para vir a surgir nas alturas da capela de Santo Antônio. E estava nacidade. Até a chegada da Via Rondon já mais de um quarto do nosso séculodecorrido, esse era o caminho para viajantes e tropas e as primeiras levas deimigrantes europeus e americanos entrarem em Botucatu.

Sumé ou São Tomé?

A origem do cominho está amarrada ao mito Sumé. Segundo os indígenas a cada

passada que ele dava, o caminho ia se abrindo. Mas, quem fora Sumé?

O mito Sumé é uma incógnita. Figura relatada em toda a extensão do ContinenteAmericano. Sabe-se que possui muitos nomes: Sumé, Xumé, Pai Abara entre nossosíndios, Quetzalcoatl na América do Norte, Sommay entre os Caríbas; no Haiti eraZemi, na América Central era Zamima., e muitos outros... mas a figura é sempre amesma, Homem branco, longa barba, saía das águas para ensinar o cultivo damandioca e muitas outras técnicas. Fora ouvido e estimado. Quisera legislar,moralizar, condenando a antropofagia e a poligamia, mas os homens aborreciam-secom isso. Em alguns lugares incendiaram a cabana que estaria preso; Em outros,dispararam-lhe dezenas de flechas. Também quiseram escalpela-lo. Ileso dosatentados sofridos,, aborrecido com o procedimento traiçoeiro dos beneficiados,retirou-se, andando de costas sobre as águas do mar, lago ou do grande rio deonde viera anteriormente. Desaparecia tão misteriosamente quanto aparecera.

Grupo de Estudos

Interdisciplinares da UNIBR

São Vicente

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Deixou em todas as nações, a promessa de que voltaria em melhores tempos para o

cumprimento final da missão que recebera.

Em 1.551, o espanhol Betanzoz recolheu dos andinos um retrato falado: "...disseram que, de acordo com a informação que possuíam, era um homem alto comroupa branca que chegava até seus pés, e que sua veste tinha um cinturão, etrazia o cabelo curto com uma tonsura na cabeça, à maneira de um padre, e quecarregava na mão uma certa coisa que parecia lembrar o breviário que os padres

trazem nas mãos.

Hans Stadem ("Viagem ao Brasil") narra o sucedido: "M isterioso personagem queveio do mar (...) e nessa direção desapareceu depois que, molestado por alguns, sedesgostou e deu por terminada a sua missão de legislador e mestre de todoseles..."

Siggfried Huber ( "O segredo dos Incas") diz: "... pregou-lhe a palavra do bem ecensurou sua imoralidade. Furiosos por verem seus excessos censurados, oscamponeses se apoderaram de Tonapa, flagelaram-no e amarraram-no a trêspesadas pedras. Subitamente, três magníficas águias desceram dos céus; com obico serrado, cortaram as amarras e libertaram o prisioneiro. Tornou à paria,estendeu seu manto sobre as ondas e, vagando nele, como num barco, rumou paraa praia...

Entre os botucudos, Manizes, citado por Arthur Ramos ("Introdução à AntropologiaBrasileira") "...encontrou a veneração por Maré, dito "o antigo", cabeleira ruiva eestatura maior que a dos outros homens, anda à tona nas águas ou sobre asnuvens. Essa criatura porventosas ensinou os homens a servirem-se da natureza,"inventou" o botoque e as danças e fere com flexa invisível, o coração dosinimigos."

As Pegadas

Foram vistas por Nóbrega, Montoya e muitos outros, pegadas em rochas, quedariam o testemunho da passagem e dos trabalhos estradais do apóstolo São Toméao longo do caminho.Estas pedras gravadas em baixo relevo e sobrepintadas,identificam pontos importantes do caminho pré-histórico. Inscrições no mesmoestilo são encontradas na Bolívia e Peru, atestando a presença do herói mítico,que partiu do Brasil em direção aos Andes. Para muitos, esse sinal era um "sêlo"daengenharia Incaica, pois era desse modo, com a implantação de um pé humano,

que se indicava nas estradas Peruanas, a direção e as distâncias.Mito ou realidade, a figura de Sumé é encontrada em toda a extensão dasAméricas, e sê não fosse por ele, a colonização do Brasil seria bem mais difícil...

Hernani Donato - "Achegas para a História de Botucatu"

Pay Sumé

Todos os povos primitivos denunciam solene respeito por certos personagens que

se impuseram à sua crença como entes privilegiados por um poder sobrenatural. Aimaginação indígena se deleita em admitir a existência de heróis-mitos civilizadorescujos destinos se cruzam entre diversas tribos, oferecendo-lhes afinidades sociais.Sendo assim, encontramos em nossos estudos da religião dos índios brasileiros um

verdadeiro super-homem , com múltiplas denominações.

Entre os tupinambás visualiza-se o culto à "Monan", uma espécie de deus

semelhante ao cristão. Mas existia também um outro Monan, que tambémqualificavam de "Maire", ou seja, o "transformador". Espírito desenvolvido,conhecedor de sortilégios, a ação civilizadora de Maire-monan teria se manifestadona introdução da agricultura entre os avós dos tupinambás, para os quais teria

trazido todos os vegetais necessários para a alimentação de seus descendentes.

Maire-monan, também revelou-lhes os segredos das plantas alimentícias,necessários para se distinguir os vegetais úteis e os nocivos, apontando-lhes o uso

que podiam fazer de suas virtudes medicinais. Coube-lhe ainda, representar opapel de transformador de costumes e isso, ele fez por vezes, de maneira cruel,levantando contra si a cólera dos homens que recebiam o seu justo castigo. A vidade Maire-monan foi muito rica em peripécias de toda a sorte. Não se conhecementretanto, casos ou episódios que ilustrem sua passagem marcante, pois movidos

pelo ódio que despertavam suas sentenças, foi condenado à morte.

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Conta-se que o convidaram-no para uma festa e obrigaram-no a saltar por cima detrês fogueiras. Depois de ter sido bem sucedido na primeira, Maire-monandesmaiou na segunda e foi consumido pelas chamas. O estalo de seu crânioqueimando, produziu o trovão, enquanto as labaredas da fogueira mudavam-se em

raios.

Estes mesmas virtudes de que se revestiam o culto de Maire-monan, foramencontradas entre os tupis na figura de "Sumé". Os dados coletados pelos padresNóbrega e Simão de Vasconcelos, viam em Sumé a figura de São Tomé, que osindígenas denominavam de "Zomé" e que, em épocas remotas, teria sido um guiaesclarecido. Versões encontradas na Bahia, identificam Sumé com o apóstolo Tomée, segundo um frade baiano, teria percorrido essa região ensinando aos índios ocultivo da mandioca e suas múltiplas utilidades. Sumé também exerceu o papel de

legislador,proibindo algumas tribos de poligamia e antropofagia. Em uma lenda,conta-se, que alguns índios enraivecidos pela limitação de sua sexualidade, atearamfogo à casa de Sumé. Outros falam que foi alvo de flechadas ou ainda que oamarraram a uma peada pedra e o jogaram no rio. E, há quem diga que foisubmetido a uma prova de resistência e teve que caminhar sobre o fogo,

queimando os pés.

Os índios tupis acreditavam que Sumé partiu andando sobre as águas do oceanoAtlântico e que prometeu voltar um dia para continuar sua obra civilizatória. Talvez

esta profecia se cumpra e Sumé retorne para salvar os índios brasileiros.

Uma nova versão, conta que Sumé ao ser perseguido pelos tupinambás, foi para oParaguai e dali para o Peru. Para esta travessia, teria aberto uma estrada que ficouconhecida como "Peabiru" ou o "Caminho das Montanhas do Sol". Recentemente,um arqueólogo brasileiro reconstituiu tal estrada, encontrando dezenas de

marcos. Esta descoberta confirma que realmente existiu intercâmbio entre os

indígenas do Brasil com os do Peru.

Os famosos vestígios de pés humanos, gravados em pedras, foram mostrados pelosíndios aos primeiros portugueses que chegaram ao Brasil. Em alguns lugares, comoem São Gabriel da Cachoeira, no rio Negro (Amazonas), os moradores, ainda hoje,depositam velas e fazem preces em torno de uma forma de pegada feita em umarocha. Uns a atribuem a um anjo, outros a São Tomé, ou Pai Sumé. Nas costas da

Bahia, gente simples do povo, também se recreia a percorrer as escarpas marinhas,onde se supõe terem ficado os indícios da fuga de Sumé. Inscrições no mesmoestilo são encontradas na Bolívia e Peru, atestando a presença do herói mítico,

que talvez, partiu do Brasil em direção aos Andes.

A lenda de Sumé, constitui um poderoso elemento para se caracterizar aprocedência andina do tupi e, provavelmente, sua origem asiática. A história nosfala freqüentemente no nome do apóstolo Tomé, que teria percorrido a Índia, aChina e até algumas ilhas da Oceânia. Entretanto, o nome deste apóstolo tambémaparece entre os nossos tupis e isso nos serve de útil indicação.

Existe uma versão relatada pela população do Baixo-Amazonas dizendo que:"Quando S. Tomé esteve entre os índios, meteu-se numa igarité com quatrocablocos reforçados, deu um remo a cada um, ficou no jacuman (remo de popaque serve de leme) e mandou remar rio acima. De vez em quando um cablococansava e parava de remar. O santo não dizia nada, batia com o jacuman natraseira dele. E onde o jacuman do santo batia, a carne ia murchando como pormilagre."

Estas histórias não justificam por si só, a passagem do apóstolo por estas latitudes.Mas a notícia de sua existência na América Meridional, entre um povo procedentedo Pacífico, não constituiria uma tradição dos povos asiáticos que tenham estadoem contato com ele antes da migração por via marítima? Desalojado dos Andes ouda orla do Pacífico por algum povo mais forte veio o tupi estender-se ao longo doAtlântico e executava ele ainda a conquista gradual da terra, quando Cabralancorou em Porto Seguro.

Estas são as suposições que se fazem em torno do difícil e arriscado problemaetnológico tupi, mas das conjecturas em torno das raças que aqui habitaram naépoca do descobrimento, destacam-se os indícios das tradições colhidas pelosmissionários e naturalistas que acreditam na hipótese de uma caminhada migratóriaque, seguindo do norte, através da Sibéria oriental, alcançassem o estreito deBehring, tomassem a direção sul, atravessando o Canadá, os Estados Unidos e

México e, pelo estreito do Panamá se derramasse na parte meridional docontinente.

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Este êxodo milenar modificaria assim, por montanhas e vales, o povo retirante,alternado-lhe a cor, a linguagem, o hábito, o porte, a crença, segundo as terras,os céus, as águas, os rios percorridos, mas não teria o dom de apagar de todo astradições comuns, que surgem modificadas ou transformadas no tempo e noespaço, como ecos de uma origem recuada.

Rosane Volpatto

Fontes :

Introdução à Arqueologia Brasileira - Angyone Costa ;

A Visão do Paraíso - Pe. Ruiz MonttoyaSumé e Peabiru - Hernani Donato

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Sábado, 20 de Setembro de 2008

Porto Tumiaru, depois São Vicente

Mapa da Baia de São Vicente e Santos, J. Alber naz, 1631

São Vicente primitiva e pequenina

Costa e Silva Sobrinho

São Vicente primitiva e pequenina! S. Vicente na sua infância prodigiosa! S.

Vicente de Antonio Rodrigues e de Martim Afonso de Sousa! S. Vicente de Manuelda Nóbrega, de Leonardo Nunes e de José de Anchieta! Há que tempos tudo istovai! Os nossos olhos, os olhos da nossa memória, que é que poderão distinguir hojeatravés desse passado tão distante?

Diz-nos a História, no seu perene relembrar, que muita coisa poderão elesentrever, inclusive mesmo algumas relíquias documentárias dignas de seremexumadas do esquecimento.

Sendo assim, que remédio! Sacudamos o velho pó dos arquivos, deitemos abaixo oslivros que, tratando da matéria, repousam aprumados nas estantes das nossasbibliotecas. Esforcemo-nos por ressuscitar o povoadozinho transitório.

Não se há mister de ser muito versado na história pátria para conhecer aquelefamoso bacharel que Diogo Garcia, marinheiro português ao serviço de Espanha,teria encontrado em S. Vicente em 1527, já com trinta anos mais ou menos de

morada habitual, e vivendo em companhia de filhos e genros.

Ficará, porém, de lado esse assunto. Apesar das discussões que tem suscitado,anda ele ainda muito cheio de obscuridade.

Frei Gaspar, historiador de faro sutil, vem-nos em seguida em nosso auxílio,apontando com o dedo do lado de lá, o lado onde existiu mais tarde o Porto das

Naus; pois no mistério daquelas paragens outro povoador andou.

Merecem traslado as suas próprias palavras, que são poucas e ilustrativas:

"João Ramalho, diz Frei Gaspar, foi o único europeu estabelecido em Piratininga,

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quando aqui residia Martim Afonso. Até seu companheiro Antonio Rodrigueshabitava na marinha defronte de Tumiaru, em terras que por sesmaria lheconcedeu o mencionado donatário; e por isso o encontro muitas vezes no livromais antigo da Câmara de S. Vicente, exercitando os empregos de juiz, vereador ealmotacé. Suspeito que já morava ali mesmo, continua o historiador, quando aqui

chegaram os primeiros povoadores, e que esta seria uma das razões motivas defundar o capitão-mor a vila perto da última barra. Não passa de conjetura minhaesta última circunstância; porém que Antonio Rodrigues assistia defronte deTumiaru pelos anos de 1543, consta do citado livro mais antigo da Câmara de S.Vicente, no qual se acha declarado em vereação de 4 de agosto do dito ano, quederam a vara de almotacé a Antonio Rodrigues, morador da banda d'além".(Memórias, n. 155).

Fixara-se João Ramalho no planalto para poder mais facilmente receber os escravosaprisionados no sertão pela sua gente. Dali os mandava para o litoral, para o portode Tumiaru, destinados ao aludido Antonio Rodrigues, seu sócio, que os enviava,por sua vez, à Bahia e Pernambuco.

A propensão mercantil dos portugueses culminara naqueles apresadores de índios.Sempre com o olho turvo no mais crescido lucro, protegia-os ainda uma lei da

Câmara de S. Vicente, que vedava a compra de escravos vermelhos acima da taxade 4$000, e ao mesmo tempo recomendava aos cristãos a maior discrição napresença dos indígenas. Nenhum branco podia maldizer do outro, nem tambémdepreciar-lhe a mercadoria.

Óbvio se nos afigura, apesar disso, que tanto Antonio Rodrigues como Ramalhomuito fizeram em benefício dos povoadores do nosso país.

De sua mulher, filha do régulo Piqueroby, batizada com o nome de AntoniaRodrigues, teve o primeiro numerosa descendência, à qual o linhagista PedroTaques deixou infelizmente de referir-se, para decerto não tisnar de bugrismo osaltos foros de nobreza das famílias que incluiu no seu registro nobiliário. SilvaLeme, entretanto, menos apegado a primazias de nobreza, não se desdenhou demencioná-la na Genealogia Paulistana.

Destarte, além da companheira de Antonio Rodrigues, poderemos enumerar várias

outras mulheres de povoadores e todas elas autóctones de origem. Acodem-nos àmemória os nomes de Isabel Dias - Bartyra, mulher de João Ramalho; o deMargarida Fernandes, filha do morubixaba de Ibirapuera, casada com BrazGonçalves; o de Maria da Grã ou Terebé, filha de Tibiriçá e mulher do ex-jesuítaPero Dias; o de Ana Camacho, mameluca, descendente de João Ramalho, mulherde Domingos Luís, alcunhado o Carvoeiro, na qual radicam sua genealogia osBuenos e os Camargos; o de Suzana Dias, filha de Lopo Dias, neta de Tibiriçá,

mulher de Manuel Fernandes Ramos, o desbravador do sertão de Parnaíba; o deMécia Fernandes - a quarteirona esposa de Salvador Pires, bisneta de Piqueroby,que propagou numerosos descendentes - sendo merecidamente qualificada deAssú (Mécia-Assú) pelos subidos quilates dos seus predicados.

Sobram os documentos para multiplicarmos essa lista de matriarcas aborígenes.

Em vista do pequeno número de famílias existentes naquele tempo, intensivo

cruzamento tinha por força de haver entre elas. Por isso, escreveu João Mendesde Almeida que, após a primeira ou a segunda geração, não haveria em São Pauloquem não houvesse recebido o sinal da chancela brasílica.

Conta-nos Afonso de Taunay, uma das autoridades mais eminentes neste particular,que o barão de Sousa Queiroz, cidadão de grande prestígio em São Paulo,procurando certa vez instruir um parente, longos anos ausente, acerca dasrelações de família, assim o aconselhava: "Quando vires alguém decentemente

trajado, dá-lhe o tratamento de primo, porque o é de fato". (São Paulo no séculoXVI, pág. 230).

Honras de pioneiro teve o náufrago João Ramalho. Êmulo de Caramuru, patriarcados escravizadores de índios, alcaide-mor de Santo André, capitão-mor da vila dePiratininga quando em 1562 esteve ameaçada de um assalto dos tupis do sertão,aliados aos tamoios do vale do Paraíba, foi ele pai de muitos filhos, que se ligaram àmelhor gente indígena. Dele derivam inúmeras famílias. Nem há quase paulista de

antiga estirpe, assevera-nos com a sua competência magistral Afonso de Taunay,que na extremidade de sua árvores genealógica não lhe encontre o nome e o desua mulher Isabel Dias.

Em São Vicente, entre os primeiros discípulos dos jesuítas contaram-se os seusnetos. Na verdade, quando começaram, com a chegada do padre Leonardo Nunes,

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os ministérios dos jesuítas em São Vicente, o primeiro atrito foi com João Ramalho,porque eram eles contra as mancebias e o cativeiro injusto dos índios. Gravíssimafoi a questão. Sofreu Leonardo Nunes amiudadas ameaças. Mas tudo se desanuviou

em 1559, com a intervenção de Nóbrega e Manuel de Paiva, este último parente eamigo de João Ramalho.

Naqueles dias tão distantes, os problemas relativos à moral e aos costumes deviamde fato ser tremendos.

Na Bertioga, por exemplo, havia certo Pascoal Barrufo, que fazia servir-se à mesapor jovens escravas, no maduro esplendor das suas formas, como outras tantas Evas

no Paraíso, e dava-se à fantasia de com isso afrontar os seus hóspedes maisrespeitáveis. (Taunay, obr. cit., 7).

Quem se der ao paciente labor de respigar fatos interessantes nos nove volumes

de Silva Leme, a intervalos achará uma iluminura galante para aligeirar os enfadosde trabalhos como este nosso. Ponhamos um exemplo:

No princípio da fundação de S. Paulo, em 1554, passou de S. Vicente para ali umirmão leigo da Companhia de Jesus. Chamava-se Pero Dias.

Governava os índios daquela região o cacique Tibiriçá que foi batizado com o nomede Martim Afonso Tibiriçá. Era este violento, desabrido, tenaz, e os seus olhosencovados, como duas sinistras janelas, refletiam-lhe a alma nos instantes decapricho e de mau humor. Ao irmão leigo, entretanto, rodeava-o constantementede inefáveis atenções. Afeiçoou-se tanto pelo leigo Pero Dias, que o pediu paraseu genro.

Explicaram-lhe os padres a impossibilidade de realizar-se tal pretensão. Não secapacitava, porém, o cacique de que aquele irmão leigo, em quem resplendia umamocidade pletórica, não pudesse casar. E, pertinaz, porfiava no seu propósito. Nãohavia meio de o velho índio compreender o poder dos votos religiosos. Nãopercebia nada das razões que ao celibato e à castidade prendiam o seu afeiçoado.

Vendo os superiores de Pedro Dias que tão poderoso e dedicado amigo começavaa entediar-se com o caso, julgaram melhor consultar sobre ele a Santo Inácio deLoyola, então residente em Roma. E pelo fundador da Ordem foi resolvido, em facedas ponderosas razões apresentadas, desligar o jovem leigo da Companhia epermitir-lhe, querendo, que se casasse. Destarte Pedro Dias desposou Terebé, afilha de Tibiriçá, que no batismo veio a receber o nome de Maria da Grã, emhomenagem ao padre Luís da Grã, que foi o primeiro superior do Colégio dePiratininga.

Encontrou Pero Dias na sua Terebé, a mulher predestinada, que foi para ele umadivindade reveladora, que o amou com o mesmo profundo enternecimento de umasenhora dotada das mais puras virtudes antigas. Desse consórcio surdiu, enfim,grande descendência. E Tibiriçá, o antepassado da maioria dos paulistas, na imensaembriaguez da sua felicidade, viveu mais esse sonho radiante.

Martim Afonso Tibiriçá, companheiro de armas dos paulistas e amigo leal dos

jesuítas, mereceu destes, quando faleceu, no Natal de 1562, "a maior homenagem,que os mesmos fazem aos seus amigos, ainda que sejam reis" (Serafim Leite, Hist. daComp. de Jesus no Brasil, 1, 292).

Essa figura, luminosa e real, ficará na memória de todos os brasileiros.

Neta desse Tibiriçá e filha de João Ramalho, foi ainda Joana Ramalho, casada com

Jorge Ferreira, cavaleiro fidalgo, capitão-mor loco-tenente da Capitania de S.Vicente por duas vezes, a primeira em 1556 e a segunda em 1567.

Iniciou, segundo frei Gaspar e frei Vicente do Salvador, uma povoação na Ilha deSanto Amaro, a qual se extinguiu antes de ter pelourinho (Memórias, 281; Históriado Brasil).

"Ele opinava conforme os empregos que tinha", diz-nos frei Gaspar (obr. cit., 287).

Talvez por isso mesmo, a nosso sentir, teria fomentado a célebre questão de terrasentre a condessa de Vimioso (N.E.: o nome certo é Vimieiro) e o conde deMonsanto.

Frei Vicente do Salvador, na sua História do Brasil, que é a primeira história doBrasil composta por brasileiro, observou que os portugueses, sendo grandesconquistadores de terras, não se aproveitavam por negligência das do Brasil, masse contentavam "de andar arranhando ao longo do mar como caranguejos" (pág.

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19).

Insolidários neste ponto com o laureado historiador baiano, ser-nos-ia fácildemonstrar o seu desacerto com o simples exemplo dos nobres povoadores de SãoVicente, se não tivéssemos de deslizar do nosso tema. Os vicentinos, a quemserviram de molde as ações dos seus maiores, souberam inscrever-se no padrão dobandeirismo.

Falta-nos espaço para desenvolver aqui esse assunto, mas citaremos um caso paraexemplificar.

No seu viver recolhido, entre o verde das matas e o marulhar das ondas, houvesempre em São Vicente a vitalidade latente de um povo viril.

Aí estão os Motas, os Monizes de Gusmão, os Laras, os Guerras, os Paivas, osSodrés, os Pachecos Nobres, os Tavares, os Furtados de Mendonça, os Lopes daSilva, e tantos outros nomes de genuína cepa vicentina. São títulos que convidam ainstrutivas digressões pelo passado. E bem as merece terra tão evocativa.

Ocorre-nos, em conclusão, haver lido numa das obras de Cícero, uma passagem arespeito de um antigo solar romano que nos impressionou vivamente. Contava-nos oinsigne orador que aquela vivenda tinha sido para Cnéus Octavius, parente ilustredo imperador Augusto, um título de honra que havia concorrido para elevá-lo àdignidade de cônsul, embora fosse ainda bastante moço.

É que aquele solar era um símbolo no qual se encerravam as tradições heróicas dosseus antepassados. Ele ali estava evocando aos pósteros o amor do passado, oculto das tradições, porque o presente se alumia e encaminha pelo pretérito.

Em S. Vicente, tudo nos projeta o espírito através das centúrias, tudo nosaproxima do passado e nos faz pensar nesse elemento plástico formador dosdestinos da nacionalidade - que é a sua gente admirável.

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