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PECUÁRIA E FERROVIA NA “CHICAGOBRASILEIRA”: TRANSFORMAÇÕES TERRITORIAIS EECONÔMICAS EM MEADOS DA DÉCADA DE 1950
Caio van Engelshoven do Lago
Arquivo Público do Estado de São Paulo
Gustavo Henrique de Almeida Ferreira
Mestrando em Geografia – Universidade Federal de Uberlândia
“Talvez em parte alguma do mundo, com efeito, a ação do caminho de ferro
tenha sido tão vivaz, tenha cooperado tão imediata e eficazmente para o
desenvolvimento agrícola, industrial e comercial de um país, como se fez em
São Paulo, ao ponto de ser lícito afirmar que a história do progresso social e
econômico do Estado bem se pode assinalar graficamente pelo diagrama
evolutivo de sua rede de viação férrea” (PINTO, Adolfo.1903)
FERROVIAS EM SÃO PAULO: BREVES CONSIDERAÇÕES
A ferrovia foi o meio de transporte escolhido para vencer a barreira geográfica
da Serra do Mar em São Paulo. Na obra clássica e abrangente do engenheiro Adolfo Pinto,
além de ser por muitos anos funcionário da Companhia Paulista de Estradas de Ferro,
História da Viação Pública de São Paulo de 1903, o autor divide em quatro fases o
desenvolvimento ferroviário: A primeira fase remonta a tentativa fracassada do Regente
Feijó em 1835 da concessão para construção de uma Estrada de Ferro ligando o Rio de
Janeiro, Bahia, Minas Gerais e o Rio Grande do Sul. A segunda fase é conhecida por utilizar
favores para atrair os investidores interessados, a partir de favores do Estado como
garantias de juros ao capital aplicado e zonas privilegiadas. A primeira ferrovia paulista, São
Paulo Railway Company, floresceu no contexto de privilégios e garantias das concessões de
São Paulo, sendo inaugurada em 1867, de capital misto britânico e brasileiro. Possibilitou
vencer a barreira física da Serra do Mar e ligar as férteis terras do interior paulista ao litoral.
Em 1875 já eram sete as ferrovias em São Paulo: Mogiana, Paulista, Sorocabana, Ituana,
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Pedro II e Companhia São Paulo-Rio de Janeiro (Os autores partiram do pressuposto de que
é relevante utilizar a grafia moderna para citar as Estradas de Ferro, como por exemplo, não
utilizar a forma original, Ytuana, e sim a atualizada Ituana. A discussão sobre vocabulário
controlado no Arquivo Público do Estado de São Paulo corroborou com a escolha da grafia
atual. Outro ponto importante é a supressão do nome completo das Companhias, pelo o
nome mais usual e popular. A Companhia Paulista de Vias Férreas e Fluviais até 1911, e
posteriormente Companhia Paulista de Estradas de Ferro até sua encampação em 1961 será
denominada “Paulista” por ser uma escolha clássica da historiografia de ferrovias como feita
por Odilon de Matos e Flávio Saes).
Na fase três apenas as extensas zonas de privilégio ainda perduram por
quilômetros nas vizinhas da linha férrea, na qual é comum as Estradas de Ferro colonizar
áreas pouco povoadas de São Paulo.
A fase quatro está intimamente baseada na lei n° 30 de junho de 1892, a qual dá
o direito a qualquer particular requerer uma concessão de uma Estrada de Ferro. O
engenheiro Adolfo Pinto, em a História da Viação Pública de São Paulo, pagina 230,
contabilizou 18 companhias operando concessões ferroviárias em São Paulo. Desde as
grandes como a Mogiana, Sorocabana, Paulista e São Paulo Railway até pequenos ramais
isolados como a Estrada de Ferro do Bananal faziam parte da complexa malha ferroviária
nascente. Em apenas 34 anos de ferrovia em São Paulo, a malha férrea alcançou a marca de
3471 KM.
LEI N. 30, DE 13 DE JUNHO DE 1892
Regula a concessão de estradas de ferro no territorio do Estado
O dr. José Alves de Cerqueira Cesar, Vice-Presidente do Estado de São Paulo ;
Faço saber que o Congresso Legislativo do Estado decretou e eu promulgo a lei seguinte :
Artigo 1.º - E' livre a qualquer particular, companhia ou empresa, o direito de construir e
explorar estradas de ferro dentro do territorio do Estado de S. Paulo, precedendo licença do
poder competente, observadas as disposições da presente lei.
Artigo 2.º - Ao Governo do Estado compete conceder licença para construcção e exploração
de vias ferreas, mediante as seguintes condições :
§ 1.º - Serão respeitados os direitos adquiridos em virtude de contracto ou concessões
legalmente feitas, até á data desta lei, ou pelo Governo do Estado, ou pelo da União Federal,
ou pelas municipalidades.
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§ 2.º - O requerente deverá apresentar a administração estudos geraes da zona que a
estrada de ferro projectada vai atravessar.
Estes estudos comprehendem […]
A expansão da lavoura cafeeira do Vale do Paraíba fluminense e paulista em
direção “oeste”, a partir da segunda metade do século XIX é considerada pela historiografia
tradicional como força motriz da expansão da malha férrea em São Paulo. Segundo
Monbeig (1984).
As novas vias férreas são as vias do café; seu traçado por vezes caprichoso e que
foi preciso mais tarde corrigir ou suportar penosamente, dependendo da
posição das maiores fazendas e da localização as cidades do café.
Entretanto existem outras realidades de circulação nas ferrovias paulistas. O
transporte, armazenagem e comércio de café fora por longas décadas do século XIX e XX a
atividade econômica mais relevante para as ferrovias deste estado. Embora cada região do
estado possua especificidades geográficas, sendo melhor ou pior para tal cultura. A região
de Barretos ao norte de São Paulo, nunca teve uma grande vocação cafeeira, e sim vocação
para pecuária, principalmente para engorda de gado de corte vindo do “Brasil Central”.
O transporte de gado vivo em vagões gaiolas para abatedouros e o
processamento de proteína animal no Frigorífico em Barretos para os mercados de São
Paulo e Rio de Janeiro, além da exportação, principalmente após a eclosão da Primeira
Guerra Mundial é um uso distinto das ferrovias “cata-café” (“Cata-café”: pequeno ramal
ferroviário, em geral em bitola estreita, destinado a um interesse imediato de determinado
produtor cafeeiro ou microrregião. Exemplo: Estrada de Ferro Companhia Fazenda Dumont)
descritas por Odilon de Matos.
Segundo Saes (1981, p.113):
Ao finalizar a análise do grupo chamado “gêneros alimentícios”, devemos nos
referir a algumas mercadorias que se distinguem das anteriores por implicarem
em alguma forma de elaboração industrial: charque, carnes congeladas e
conversa alimentícias.
CONTEXTUALIZAÇÃO DA PECUÁRIA, FERROVIA E CAFÉ NO BRASIL E NA REGIÃO DE BARRETOS-SP
O município de Barretos localiza-se no Norte paulista, entre as mesorregiões
geográficas de São José do Rio Preto e Ribeirão Preto, próximo da divisa com Minas Gerais,
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especificamente o Triangulo Mineiro. Possui córregos e rios tributários da Bacia do Paraná,
com destaque ao caudaloso e azulado Rio Grande e o barrento Rio Pardo. A região fora
ocupada por migrantes mineiros, dentre eles, Francisco Barreto e família, com o objetivo de
criar gado extensivamente por volta de 1830. Segundo TONON, 2000 p.86
“Contudo, faz-se necessário observar que estas primeiras levas de migrantes
eram compostas por indivíduos de poucas posses (pequenos proprietários e
roceiros), que transmitiam para suas vilas de origem notícias entusiásticas
acerca de grandes extensões de terra próxima ao rio Pardo”.
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Mapa Da Região De Barretos: Estradas De Ferro e Estações
Fonte: Arquivo Público do Estado de São Paulo. Processo Secretaria de Transportes do Estado de São Paulo.Processo: Proposta de encampação da Cia Paulista de Estradas de Ferro. Código de referência: 2.1.367.1/p.82. Ano: 1959.
A devastação das densas matas por meio de queimadas e abertura de clareiras
foi o modo como ocorrera à ocupação do espaço. No Álbum comemorativo do primeiro
centenário da fundação de Barretos 1954, existe a tentativa de forma literária e heróica de
descrever a ocupação das terras do sertão do rio Pardo e a narrativa de grandes queimadas
e geadas naturais que destruíram o “inóspito inferno verde”, formando assim grandes
pastagens e invernadas “naturais”. Sabe-se que o fogo nos Cerrados, quando é de origem
natural, é benéfico para esta vegetação. Mas quando é causado por fatores não-naturais,
pode causar grandes estragos na fauna e flora locais. Segundo Álbum Comemorativo do
Primeiro Centenário (1954 p.13):
Era um mundo verde, infernal! Dentro, o viajador sentia-se mergulhado nas
trevas, sem a visão do azulado da ânfora celeste, sem vislumbrar a mínima
cintilação das estrelas pelo fechamento da cúpula esverdeada lá no cimo, perto
das nuvens. Uma verdadeira muralha de troncos e galhos e folhagens.
A partir de uma análise mais “acurada” da região, no intuito de estudar com
profundidade as características geográficas, históricas e culturais, é possível verificar que a
região de Barretos localiza-se numa área de transição entre a Mata Atlântica e os Cerrados.
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Particularmente na região norte do país, Pierre Monbeig já observava que esta região estava
condicionada a um solo de pouca fertilidade. Ou seja, a terra era propícia para atividades
econômicas baseadas em pastagens e agropecuária. Embora a região produzisse algumas
culturas agrícolas, tais como arroz, café, etc.
A expansão da cultura cafeeira do Vale do Paraíba até as modernas fazendas do
oeste paulista em meados do século XIX, como Campinas, Rio Claro, Araraquara e Ribeirão
Preto nunca se consolidou como grande cultura agrícola no extremo Norte paulista. O
importante geógrafo Pierre Monbeig classificou a região de Barretos como constituída de
arenitos, formando solos arenosos, permeáveis e muito ácidos, não sendo os mesmos
indicados à cafeicultura.
Com o advento do café no início do século XVIII e sua expansão para o Vale do
Paraíba paulista e posteriormente regiões como Campinas, Jundiaí e Rio Claro, com uma
maior distância geográfica do litoral, passaram a ser exigidos meios de transporte mais
eficazes para a viabilidade econômica da agricultura. Segundo STEFANI (2007), o transporte
de mercadorias era feito em lombos de animais ou por escravos, sendo assim um
transporte limitado, com baixa capacidade de carga.
A preocupação com a implantação de caminhos foi uma constante na vida da
colônia brasileira e também do Império. A abertura dos portos brasileiros em 1808 para os
ingleses significou, por um lado, o desenvolvimento de um capitalismo competitivo e, por
outro, dar preferências às “concessões de privilégios”. Na transformação do espaço,
necessário ao desenvolvimento capitalista, faz-se necessário o desenvolvimento do
transporte de mercadorias. Exemplo é a concessão para a São Paulo Railway: único caminho
férreo para o porto de Santos (RIBEIRO, 2009), monopólio do eixo Santos – São Paulo
(BRASILEIRO, 2001, p. 169).
A primeira ferrovia paulista a São Paulo Railway, de capital misto brasileiro e
inglês, encabeçada pelo Barão de Mauá, tinha como objetivo vencer a barreira geográfica da
Serra do Mar e ser o caminho logístico para exportação da nova riqueza do estado. Após a
ligação entre Santos e Jundiaí estar estabelecida, a partir de 1867, nasceu uma diversidade
de companhias férreas como a Mogiana, Paulista, Sorocabana, Araraquarense, Noroeste
entre outras. Contudo não houve o intuito de construção de uma malha ferroviária que
integrasse o estado, mas simplesmente para atender aos interesses imediatistas do
escoamento de café. Para Calo (1978) apud Ribeiro (2009), foi em função do café que não se
pensou nas articulações ferroviárias entre si: “a fronteira agrícola se expandiu, nasceram
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novas cidades e geraram-se divisas que financiavam as ferrovias (eram elas, portanto, fruto
da iniciativa privada, e não da estatal)...” (CALO, 1978, p. 26 apud RIBEIRO, 2009, p. 49).
Diferenças métricas nas bitolas, traçado irregular, dependência econômica do
ciclo do café, além da concorrência entre as diversas companhias férreas paulistas segundo
a historiografia clássica foram grandes responsáveis pelo fracasso na consolidação do
modal de ferroviário de transporte no estado. Em 1974, Odilon Nogueira de Matos,
publicou: Café e ferrovias: a evolução ferroviária de São Paulo e o desenvolvimento da
cultura cafeeira, obra na qual o binômio “café-ferrovia” era uma simbiose natural para
explicar a expansão da ferrovia, nascimento de cidades e ocupação dos sertões paulistas.
O transporte ferroviário ligado ao café inicia-se no Rio de Janeiro. Após uma
crise, em finais dos anos de 1890, a economia cafeeira desloca-se inteiramente para o oeste
paulista (BRASILEIRO et al, 2001, p. 169). Entretanto, não havia uma politica de integração
entre as ferrovias (caminhos tortuosos), apresentava-se diferentes tamanhos de bitolas e,
no futuro, perdia-se a sua finalidade tornava-se deficitárias.
A produção, logística, comercialização e exportação do café paulista sem dúvida
era a atividade econômica mais dinâmica e representativa entre o Segundo Império e a
República Velha, sendo este tema amplamente discutido em diversos trabalhos acadêmicos.
Contudo, existiram outros tipos de geografia de circulação nas linhas férreas paulistas: havia
transporte de pessoas, madeira, carne industrializada, produtos manufaturados, defensivos
agrícolas, automóveis, grãos entre outros. Segundo Silveira (2011, p. 39),
Qual o motivo de defender o termo “Geografia da Circulação, Transportes e
Logística”? Porque a circulação agora não se refere só ao movimento de
mercadorias, de pessoas e de informações que produzem e reproduzem o
espaço, mas também pelo fato dessa circulação ter se tornado atributo
fundamental em tempos de capitalismo global, do movimento circulatório do
capital. Circulação significa movimento contínuo, expressa a necessidade de
realização contínua dos interesses dos indivíduos no espaço.
Enquanto crises cíclicas atingiam a grande lavoura cafeeira no início do século XX
no Brasil, a demanda de proteínas animais crescia exponencialmente nos crescentes centros
urbanos como São Paulo e o Rio de Janeiro. Ademais dos importantes mercados
domésticos, no ano de 1914 é registrada a primeira exportação brasileira de carne
congelada, impulsionada com a Primeira Guerra Mundial. Segundo o Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (2014):
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O primeiro registro de embarque do produto foi na 1ª Guerra Mundial. De
acordo com relatório do ministro dos Negócios da Agricultura, Indústria e
Comércio da época, Ildefonso Simões Lopes, foi um impulso para as vendas
externas do produto: “As carnes congeladas, artigo inteiramente novo e cujo
preparo e exportação só se iniciaram em 1914, já se firmaram como um dos
mais relevantes elementos de riqueza nacional”. Devido à conflagração universal,
houve uma profunda modificação no comércio exterior do Brasil.
Os capitais acumulados com a cafeicultura paulista permitiram a modernização
da infraestrutura e o incremento de manufaturas inexistente em outras partes do país. Os
membros da família Prado, formada por importantes cafeicultores, comerciantes e
banqueiros, lideraram a construção de uma linha férrea que ligasse a região de Campinas e
São Carlos, grandes cidades produtoras de café, até os trilhos da São Paulo Railway em
Jundiaí. Nasce então a Companhia Paulista de Estradas de Ferro, CPEF, em 1868, ligando
Jundiaí até Porto Antônio Prado ou Porto Cemitério (Colômbia), na divisa com Minas Gerais e
Itirapina até Panorama na fronteira com Mato Grosso do Sul.
A Paulista, como ficou conhecida essa companhia, era diferente das demais, por
possuir maior racionalidade em sua malha utilizando bitola larga (1,60m), dois troncos
principal, ao invés do emaranhado de linhas para atender interesses pontuais da elite
cafeeira local, por exemplo, como era a malha da Mogiana no Leste do estado. A
pontualidade, qualidade nos serviços e constante preocupação com a viabilidade do
empreendimento, além da diversificação dos fretes divergem do quadro de caos e
bancarrota de diversas ferrovias paulistas. Segundo Darrell (1977 p. 253):
Sob a administração de Antônio, a Paulista estendeu suas linhas, introduziu
inovações importantes tais como o reflorestamento para os dormentes e o
combustível, a eletrificação, carros de passageiros todos em aço para o serviço
de primeira e segunda classe, e locomotivas modernas, ações que ajudaram a
permitir sua rentabilidade e a manutenção de um alto padrão de serviços.
Antes mesmo dos trilhos da Paulista chegarem a Barretos em 1909, o
Conselheiro Antônio Prado já se envolvia com a pecuária na região, e também será
reconhecido como notório criador de gado na cidade. Nos relatórios da Paulista é destacado
o grande potencial econômico e o principal motivo para continuar a expansão da Paulista
mesmo em um espaço sem vocação para a cafeicultura. Segundo o Relatório da Companhia
Paulista de Vias Férras e Fluviais (1909 p. 21):
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Com a abertura da estação de Barretos, à distância apenas de 6 léguas do
território do estado de Minas, e com o funcionamento de um serviço regular
para o transporte de animais e mercadorias através do Rio Grande, como a
poucos anos foi estabelecido, por iniciativa e com auxílio da Companhia Paulista,
no Porto Antônio Prado, forçosamente a cidade de Barretos se vai construir o
entreposto comercial não só de toda a zona do triângulo mineiro que se estende
à oeste de Uberaba como do sul de Goiás e grande parte do Mato-Grosso.
Em 1913 é inaugurada a Companhia Frigorífica e Pastoril, primeiro matador
frigorífico com capacidade de estocar carne refrigerada. O conselheiro Antônio Prado era o
presidente do frigorífico neste importante e tradicional centro pecuário paulista. As boiadas
provenientes do “Brasil Central” como Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais após longas
jornadas pelas estradas de chão eram engordadas nas invernadas do vale do Rio Grande.
Prontamente a carne congelada e seus produtos industrializados eram despachados
principalmente para São Paulo, Rio de Janeiro e Santos. Infelizmente o grupo JBS-FRIBOI hoje
dono da planta frigorífica mais antiga do país relatou não ter conservado os arquivos do
frigorífico, que mudou de dono várias vezes durante sua longa história.
Havia um ramal da Paulista, juntamente com a planta industrial distante 4 km do
centro de Barretos, com objetivo de embarque de proteínas processadas na unidade local.
Com a abertura de outros frigoríficos no estado como o Wilson, na cidade de Osasco, em
1918, era comum o embarque de gado vivo para sua logística para outras indústrias
frigoríficas atuantes no país. Portanto, Barretos e sua região eram o ponto de transição
entre o distante e tradicional “Brasil Central” e a moderna e industrial terra paulista.
Pecuária e Ferrovia caminham juntas nesta experiência inovadora no Brasil. A
Companhia Paulista realiza a logística deste novo polo gerador de frete, nacional e de maior
valor agregado. A carne congelada era destaque na Europa e nos Estados Unidos, como
mostra Tonon (2000, p. 96):
Dentro deste quadro, passaram a se inserir o Brasil e o Frigorífico Barretos. Este
último, em 1914, enviou, a título de experiência, para a Grã-Bretanha um
carregamento de 1.400 quilogramas de carnes processadas no valor de
1:100$000. Devido a boa aceitação, teve inicio um período de exportações
regulares para Itália, Inglaterra, Gibraltar, França e Estados Unidos.
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CONSOLIDAÇÃO E AUGE DA “CHICAGO BRASILEIRA”
A partir da consolidação do modelo ferroviário no Brasil (sabe-se que não
integrado territorialmente), bem como sua relação com o café e, particularmente em
Barretos, com a pecuária, surge o termo “Chicago Brasileira”. Chamada de indústria
agropecuária, a cidade era referência nacional na industrialização da carne.
O imaginário popular do período de 1950 conduzia a ideia de progresso e
modernidade. O álbum centenário de Barretos, publicado em 1954, oferece-nos uma visão
panorâmica do município. A exaltação da cidade, bem como uma grande carga de
propaganda e anúncios de “benfeitores”, é o retrato da situação econômica que
condicionava a cidade.
Fazendo-se uma comparação com Chicago, dos Estados Unidos da América, é a
terceira cidade mais populosa do país, localizada as margens dos Grandes Lagos, no estado
de Illinois. É conhecido por ser um importante centro do agronegócio estadunidense e pela
Chicago Stock Exchange, bolsa de valores agrícola.
A obra literária de Upton Sinclair, the Jungle, traduzido literalmente como a selva,
descreve minuciosamente a Chicago dos frigoríficos no fim do século XIX e início do XX, com
seu odor desagradável e grande exploração do “Beef Trust”, ou seja, cartel da carne, sobre
os trabalhadores dessa cadeia produtiva. No site da biblioteca do Congresso dos Estados
Unidos é possível acessar várias charges políticas contra esse poderoso cartel industrial que
controlava essa imensa e lucrativa cadeia produtiva. Esse cartel era formado pelas
companhias Swift, Armour, Morris e Wilson.
A ferrovia era o modal logístico responsável pela distribuição tanto de gado vivo
quando de proteínas processadas para os importantes mercados consumidores
estadunidenses. Comparativamente Barretos também era reconhecida pela utilização do
modal ferroviário para logística de gado e proteínas processadas, e o ano de 1954 segundo
o ÁLBUM COMEMORATIVO DO PRIMEIRO CENTENÁRIO, a cidade possuía três plantas
frigoríficas: Frigorífico Anglo (Antigo frigorífico Pastoril), agora sob controle de capital inglês,
Vestey group, Frigorífico Minerva e Charqueada Bandeirantes, de capital nacional, além de
um matadouro municipal sendo realizado neste mesmo ano, 214.308 abate no município.
Após a Primeira Guerra Mundial o “Beef Trust” internacionalizou sua atuação em
diferentes regiões do globo. Argentina, Uruguai, Austrália e também o Brasil foram alvos
preferenciais de investimentos na cadeia produtiva de proteínas. A Companhia Frigorífica e
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Pastoril foi adquirida pelo Vestey group, um grupo inglês que dialogava diretamente o truste
da carne estadunidense. Antes um setor controlado pelo capital estritamente nacional,
neste corte temporal o setor produtivo de proteínas, criadores, invernistas tem que conviver
com gigantes internacionais, com grande poder de barganha. Segundo Azzam (1996):
With the formation of NPC in 1903, the packing giants or "Beef Trust," as they
had collectively become commonly known, extended from coast to coast. As
reported by Walker,54 the Armour Packing Company owned large plants in
Chicago, Kansas City, South Omaha, East St. Louis, and Forth Worth, and
slaughtered yearly 1.2 million cattle, 3.5 million hogs, and 1.5 million sheep. Swift
and Company controlled plants in Chicago, Kansas City, South Omaha, East St.
Louis, South St. Joseph, Forth Worth, and South St. Paul, and slaughtered 1.6
million cattle, 4 million hogs, and 2.3 million sheep yearly. Morris and Company
slaughtered 800,000 cattle, 1.2 million hogs, and 800,000 sheep in plants located
in Chicago, East St. Louis, and South St. Joseph. NPC operated in Chicago, Kansas
City, St. Louis, Omaha, Hutchinson (Kansas), and New York, and slaughtered
close to 1 million cattle, 3 million hogs, and 800,000 sheep a year. S&S was
confined to New York City, Kansas City and Chicago and slaughtered fewer than 1
million in all categories. Finally, the Cudahy Packing Company slaughtered 1.3
million hogs, 500,000 cattle, and 400,000 sheep per year in South Omaha, Kansas
City, Sioux City, and Los Angeles. The major packers also operated one of the
largest transportation enterprises in the world. Armour alone had title to more
than half of the 25,000 refrigerator cars owned by the 6 packers and operated
over 300 million car-miles a year.55.
O grande poder de barganha do “Beef Trust” frente aos consumidores
estadunidenses, muitas vezes sendo acusados de práticas de comércio desleais, foi alvo de
investigações governamentais nos Estados Unidos, e até teve o presidente Theodore
Roosevelt como partidário contra a exploração econômica, social e moral que os trustes
realizavam contra a população de seu país. Segundo Azzam (1996):
The year 1903 also marked the beginning of a long and protracted series of
investigations which would end 17 years later in a consent decree between the
major packers and the Department of Justice. The investigation had two sources.
First was President Theodore Roosevelt, whose goal when he took office in 1901
was to protect the public from exploitation by the trusts. "To him, trusts were
less an economic than a political, social and moral problem.
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CONCLUSÃO
Para entendermos o processo de expansão, auge e decadência do transporte
ferroviário na cidade de Barretos, bem como sua intima relação com a pecuária, é preciso
reunir as informações inerentes aos fatores geográficos, culturais, políticos, econômicos e
sociais. Para apreender o conceito de espaço geográfico, é preciso levar em conta os objetos
geográficos, naturais e artificiais e também a sociedade. E então chegarmos a compreensão
da totalidade (SANTOS, 1985, p. 5).
A condição dos solos e sua vegetação condicionou uma prática agrícola pautada
na pecuária e na criação de animais. No contexto histórico da época, o Centro-Oeste
brasileiro era um grande “celeiro bovino”, que atendia a uma demanda de carne
principalmente nos províncias do Sul e Sudeste. Posteriormente, o mercado internacional
era atendido, beneficiado, em parte, com o advento da Primeira Grande Guerra.
Porém, a prática industrial era basicamente na região Sudeste. Era necessário
trazer o gado, viajando centenas de quilômetros, até chegar em Barretos. Barreiras naturais,
como o Rio Grande, levava os animais a um cansaço natural. Assim, começa a surgir a
prática de invernadas e engorda do gado. Com a chegada do gado, começa um surto
industrial da carne em Barretos, beneficiado pelo capital inglês (maior parte) e nacional. A
criação de objetos artificiais, tais como frigoríficos e matadouros, foi fundamental para o
desenvolvimento desta prática econômica.
Para o escoamento desta produção, outro objeto criado foi a ferrovia. Como
disse Raffestin, a circulação e a comunicação são adventos da modernidade, Barretos
começa a despontar no cenário nacional como um importante centro produtor de carne
industrializada. Além da carne, houve uma tentativa de diversificação da cadeia produtiva, e
muitos produtos eram comercializados: sabão, vísceras, ração animal, fornecimento de
matéria prima para o setor de calçados, tecidos, etc.
O imaginário popular foi muito interessante, uma vez que a ideia de “Chicago
Brasileira”, era difundida pela imprensa local. A burguesia e as elites locais também tiveram
um papel fundamental nessa construção popular e moderna, uma vez que comparar
Barretos com Chicago (que era o grande centro industrial de carne bovina nos Estados
Unidos) foi uma estratégia de levar o nome de Barretos para o Brasil. Com o auge da
ferrovia e pecuária na região, cria-se as festas populares, parques de exposições ligado à
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atividade pecuária. Tais práticas começam a fazer parte da agenda cultural de toda a
população.
REFERÊNCIAS
AZZAM; A. Assessing Competition inmeatpacking: Economic history, theory andevidence. United States of Agriculture, 1996.
BRASILEIRO, A. et al. Transportes no Brasil:história e reflexões. Brasília: GEIPOT; Recife:EDUFPE, 2001. 525 p.
BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária eAbastecimento, 2014. Disponível em:<http://www.aduaneiras.com.br/destaque/270710_comercio_agro.asp>. Acesso em 20 dejulho 2014.
DARRELL, L. E. A família Prado. São Paulo: EditoraCultura 70, 1974.
MATOS, O. N. Café e ferrovias: a evoluçãoferroviária de São Paulo e o desenvolvimentoda cultura cafeeira. São Paulo: Editora Pontes,1974.
MONBEIG, P. Pioneiros e Fazendeiros de SãoPaulo. São Paulo: Hucitec, 1984.
PINTO, A. História da Viação Pública de SãoPaulo. 2° edição. Governo do Estado de SãoPaulo, São Paulo
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RIBEIRO, E. Caminhos e Descaminhos: e ferrovia ea rodovia no bairro Barcelona em Sorocaba-SP– a produção espacial no processo deindustrialização e urbanização em Sorocaba.São Paulo: Annablume; Sorocaba: Prefeitura deSorocaba, 2009. 174 p.
SAES, F. A. M. de. As Ferrovias Paulistas,1870-1940. São Paulo: Hucitec, 1981.
STEFANI, C. R. B. O sistema ferroviário paulista:Um estudo sobre a evolução do transportede passageiros sobre trilhos. Dissertação demestrado USP, São Paulo 2007.
SANTOS, M. Espaço e Método. São Paulo: Nobel,1985. 88 p.
SILVEIRA, M. R. Geografia da Circulação, transportee logística: Construção epistemológica eperspectivas. In: SILVEIRA, M. R. (Org.)Circulação, transportes e logística:diferentes perspectivas. São Paulo: OutrasExpressões, 2011. p. 21-68.
SINCLAIR, U. The Jungle. A Penn State eletronicclassics series publication, 1906.
TONON, A. P. Interações do vício: prostituiçãofeminina e as exposições agropecuárias nacidade de Barretos. 127 f. 2000. Dissertação(Mestrado em História) – Faculdade deHistória, Direito e Serviço Social, UniversidadeEstadual Paulista, Franca 2000.
1860
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ANEXOS
FONTE PRIMÁRIA I
Processo Secretaria dos Transportes do Estado de São Paulo.
Código de referência: 2.1.83.1. Ano: 1912.
Assunto: Redução dos preços dos fretes e instalação de vagões frigoríficos para o transporte de
peixe.
Interessado: Companhia de Pesca de Santo
1861
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Fragmento da FONTE PRIMÁRIA I
Análise Documental
O processo começa com uma carta de três páginas do diretor da Companhia de Pesca de Santos
ao Secretário de Agricultura. A linguagem é clara, direta e crítica quanto a evidente dependência
das ferrovias paulistas do transporte de café, além de abordar temas como a crise na pequena
agricultura no interior do estado e a dificuldade de acesso dos consumidores do estado a peixes
frescos em sua alimentação.
As grandes Companhias férreas como a Paulista e a Araraquara respondem a Secretaria da
Agricultura, que em suas zonas de atuação não há demanda para comércio de peixe fresco, nem a
necessidade da utilização de vagões frigoríficos para tal finalidade.
Crítica da Fonte: Demonstra o interesse de alguns grupos em diversificar o transporte de cargas
das ferrovias paulistas, em especial com a utilização de vagões frigoríficos.
FONTE PRIMÁRIA II
Processo Secretaria dos Transportes do Estado de São Paulo.
Código de referência: 2.1.291.1. Ano: 1931.
Assunto: Adaptação de carros frigoríficos para ampliar o serviço de transporte de leite para a
capital, feito pelas cias. Sorocabana, Central do Brasil e São Paulo Railway.
1863
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Interessado: Secretaria da Educação e Saúde Pública.
Fragmento da FONTE PRIMÁRIA II
1864
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Fragmento da FONTE PRIMÁRIA II
Análise Documental
O processo discute a urgência na adoção de vagões refrigerados para o transporte de leite pelas
Companhias férreas de São Paulo. Apenas cubos de gelo já não são suficientes para que o
produto chegue em boas condições a seus respectivos mercados consumidores. O processo
apresenta também projetos de construção de vagões refrigerados e exemplos de sua utilização
no exterior.
Crítica da Fonte: Apesar de inclusive esbarrar em questões de saúde pública como o dilema de
manter a qualidade do leite fresco para as famílias de São Paulo, as ferrovias demonstram
resistência em utilizar os vagões frigoríficos em suas operações.
No fundo SETRANS não foi encontrado nenhum processo sobre o transporte de carne in natura ou
congelada pela Paulista, de Barretos para outros mercados e para o exterior, utilizamos essas
duas fontes documentais como parte de uma problemática maior, ou seja, a utilização de vagões
refrigerados e a diversificação dos fretes das ferrovias paulistas.
1865
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PECUÁRIA E FERROVIA NA “CHICAGO BRASILEIRA”: TRANSFORMAÇÕES TERRITORIAIS E ECONÔMICAS EM MEADOS DA DÉCADA DE 1950EIXO 1 – Transformações territoriais em perspectiva histórica: processos, escalas e contradições
RESUMO
O artigo tem como objetivo discutir a relação entre a pecuária e a ferrovia paulista, com especial
interesse pela região de Barretos, linha-tronco da Companhia Paulista, importante centro da
cadeia produtiva de proteínas até metade do século XX. A “Chicago Brasileira” recebia tropeiros
conduzindo boiadas de todo o chamado “Brasil Central” para engorda, abate, industrialização e
comercialização tanto em mercados domésticos, quanto internacionais. A invenção do vagão
refrigerado possibilitou o consumo de carnes in natura em larga escala, primeiramente nos
Estados Unidos da América, depois pelo resto do mundo. O objetivo do artigo é debater a
historiografia tradicional da ferrovia paulista, a qual é baseada na sua íntima relação com a
expansão da cultura cafeeira e na irracionalidade de companhias férreas com malhas de pouca
viabilidade econômica. Entretanto há outras vicissitudes complexas nos trilhos paulistas, como a
logística de gado vivo e proteína in natura e industrializada, além do transporte de bens
industrializados, arroz, frutas, imigrantes, informações e até mesmo doenças, as quais serão
discutidas ao longo da proposta. A metodologia empregada no trabalho será realizada a partir de
revisões bibliográficas relacionadas ao tema, com o objetivo de mostrar a diversidade de cargas
transportadas entre as décadas de 1940 e 1950. Os dados foram coletados nos documentos do
Museu Ferroviário de Jundiaí e no Arquivo Público do Estado de São Paulo, fundo FEPASA. Em
relação ao método geográfico empregado, priorizaremos os elementos do espaço (homens,
firmas, instituições, meio) como variáveis; também a especificidade do lugar: a especificidade de
Barretos; as técnicas empregadas naquele momento histórico: “em cada época os elementos ou
variáveis são portadores [ou são conduzidos] por uma tecnologia específica e uma certa
combinação de componentes do capital e do trabalho. As técnicas são também variáveis, porque
elas mudam através do tempo.” (SANTOS, 1985, p. 12). Certas regiões são num dado momento
histórico, mais utilizado e, em outro, o são menos. Por isso cada região não acolhe igualmente as
modernizações nem seus atores dinâmicos, cristalizando usos antigos e aguardando novas
racionalidades (SANTOS; SILVEIRA, 2008). Preliminarmente, têm-se que esta questão do uso do
território em Barretos naquele período histórico, atendia a racionalidades hegemônicas: capital
internacional para a industrialização da carne, bem como os produtos transportados nas ferrovias
tinha como destino o mercado estrangeiro. Pierre Monbeig (1984) falava das franjas pioneiras no
norte de São Paulo nas décadas de 1940 e 1950, que proporcionaram mudanças significativas no
território e na economia de Barretos, tais como a implantação de galpões, frigoríficos, fábricas,
máquinas motorizadas e materiais agrícolas.
Palavras-chave: Pecuária; Ferrovia; Barretos.
1866