plano de desenvolvimento

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1 Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome - MDS Ministério da Ciência e Tecnologia - MCT CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico Edital MCT/MDS/CNPq 38/2008 Plano de Desenvolvimento dos Territórios dos Consórcios de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local (CONSAD) de Mato Grosso do Sul IGUATEMI VALE DO IVINHEMA SERRA DA BODOQUENA Coordenador do Projeto DARIO DE OLIVEIRA LIMA-FILHO Instituição Executora UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL (UFMS) Instituição Colaboradora UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO (UCDB) Relatório versão 1. Campo Grande/MS Abril 2011

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O plano de desenvolvimento, especificamente, procura abordar com um enfoque prático e estratégico a realidade encontrada nos territórios, bem como discutir políticas e ações que visem o fortalecimento das questões SAN e DL nestas regiões. O documento segue os princípios básicos do planejamento moderno: i) é participativo; ii) fundamentado em dados concretos; iii) adequado aos recursos existentes ou potenciais; iv) exeqüível; v) com geração de resultados de curto, médio e longo prazos; vi) politicamente viável; vii) gera ações concretas (dentro das limitações da pesquisa).

TRANSCRIPT

  • 1

    Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate a Fome - MDS Ministrio da Cincia e Tecnologia - MCT

    CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico Edital MCT/MDS/CNPq 38/2008

    Plano de Desenvolvimento dos Territrios dos Consrcios de Segurana Alimentar e Desenvolvimento Local (CONSAD) de

    Mato Grosso do Sul IGUATEMI

    VALE DO IVINHEMA SERRA DA BODOQUENA

    Coordenador do Projeto DARIO DE OLIVEIRA LIMA-FILHO

    Instituio Executora UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL (UFMS)

    Instituio Colaboradora UNIVERSIDADE CATLICA DOM BOSCO (UCDB)

    Relatrio verso 1.

    Campo Grande/MS Abril 2011

  • 2

    Equipe de pesquisadores

    Dario de Oliveira Lima-Filho UFMS Coordenador Geral

    Ccero Antnio Oliveira Tredezini UFMS Subcoordenador

    Leonardo Francisco Figueiredo Neto UFMS Subcoordenador

    Marney Pascoli Cereda UCDB Subcoordenadora

    Milton Augusto Pasquotto Mariani UFMS Subcoordenador

    Olivier Franois Vilpoux UCDB Subcoordenador

    Osmar Ramo Galeano de Souza UFMS Subcoordenador

    Patrcia Campeo UFMS Subcoordenadora

    Mayra Batista Bitencourt Fagundes UFMS Pesquisadora

    Renato Luiz Sproesser UFMS Pesquisador

    Wilson Jos Gonalves UFMS Pesquisador

    Leidy Diana de Souza de Oliveira UFMS Auxiliar de Pesquisa

    Leonardo de Oliveira Dresch UFMS Auxiliar de Pesquisa

    Nelson Alberto Mucanze UFMS Auxiliar de Pesquisa

  • 3

    SUMRIO

    1. DIRETRIZES ................................................................................................... 6 2. OBJETIVOS .................................................................................................... 7 3. BASE CONCEITUAL ...................................................................................... 8 3.1. DESENVOLVIMENTO SOCIOESPACIAL ................................................... 8 Autor: Milton Augusto Pasquotto Mariani.

    3.2. TERRITRIO E TERRITORIALIDADES .................................................... 16 Autor: Milton Augusto Pasquotto Mariani.

    3.3. SEGURANA ALIMENTAR E NUTRICIONAL .......................................... 22 Autores: Leidy Diana de Souza de Oliveira; Dario de Oliveira Lima-Filho; Marney Pascoli Cereda.

    4. PROCEDIMENTOS METODOLGICOS ..................................................... 26 4.1. OFICINAS INTERNAS ............................................................................... 27

    4.2. OFICINAS CONJUNTAS ............................................................................ 28 Autores: Leonardo de Oliveira Dresch; Nelson Alberto Mucanze; Dario de Oliveira Lima-Filho. 5. POLTICAS ................................................................................................... 31 5.2. DESENVOLVIMENTO ECONMICO E SOCIAL ...................................... 34

    5.2. SEGURANA ALIMENTAR E NUTRICIONAL .......................................... 42 Autores: Leonardo de Oliveira Dresch; Leidy Diana de Souza de Oliveira; Ccero Antnio Oliveira Tredezini; Mayra Batista Bitencourt Fagundes.

    6. ESTRATGIAS E AES ............................................................................ 48 6.1. CADEIAS AGROALIMENTARES PRIORITRIAS .................................... 48 Autores: Leonardo Francisco Figueiredo Neto; Olivier Franois Vilpoux.

    6.2. ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS ......................................................... 61 Autora: Patrcia Campeo.

    6.3. ECONOMIA SOLIDRIA ............................................................................ 64 Autor: Milton Augusto Pasquotto Mariani.

    6.4. ESTRATGIAS PARA O FORTALECIMENTO E EXPANSO DE PROGRAMAS E AES DE SAN .................................................................... 70 Autores: Leidy Diana de Souza de Oliveira; Dario de Oliveira Lima-Filho; Marney Pascoli Cereda; Leonardo de Oliveira Dresch. 6.5. ESTRATGIAS PARA DISCUSSO DO PROCESSO DE ELABORAO DE LEIS MUNICIPAIS DE SEGURANA ALIMENTAR E DO PROCESSO DE IMPLANTANO DO SISTEMA NACIONAL DE SEGURANA ALIMENTAR E NUTRICIONAL .................................................................................................. 74

  • 4

    Autores: Wilson Jos Gonalves; Marney Pascoli Cereda.

    6.6. FORTALECIMENTO DA ORGANIZAO DO TERRITRIO E DA COOPERAO ENTRE AS INSTITUIES .................................................... 80 Autora: Patrcia Campeo.

    6.7. PLANOS DE CAPACITAO E FORMAO NO CONTEXTO DO FORTALECIMENTO DO CAPITAL SOCIAL ..................................................... 81 Autores: Osmar Ramo Galeano de Souza; Milton Augusto Pasquotto Mariani; Leonardo de Oliveira Dresch.

    6.8. APRIMORAMENTO DA GESTO DAS ORGANIZAES DO TERRITRIO .................................................................................................... 86 Autora: Patrcia Campeo.

    6.9. REDES DE INSTITUIES E COOPERAO FEDERATIVA ................. 87 Autora: Patrcia Campeo.

    6.10. PARTICIPAO POPULAR NA CONSTRUO DE POLTICAS DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL .............................................................. 90 Autores: Osmar Ramo Galeano de Souza; Leonardo de Oliveira Dresch.

    7. PROPOSTAS PARA O DESENVOLVIMENTO DO TERRITRIO .............. 94 Autor: Dario de Oliveira Lima-Filho; Leonardo de Oliveira Dresch. 8. CONSIDERAES FINAIS .......................................................................... 97 Autor: Dario de Oliveira Lima-Filho.

    9. BIBLIOGRAFIA ............................................................................................. 99

  • 5

    APRESENTAO

    Este o segundo documento elaborado em atendimento ao Edital

    MCT/MDS/CNPq N 038/2008 - Josu de Castro, cujo objetivo consiste em

    aes de diagnstico e planejamento territorial visando promoo de

    segurana alimentar e nutricional e desenvolvimento local em territrios

    CONSAD de Mato Grosso do Sul.

    Trata-se de um trabalho multidisciplinar desenvolvido pela Universidade

    Federal de Mato Grosso do Sul [UFMS] com a colaborao da Universidade

    Catlica Dom Bosco [UCDB]. Nasceu atravs de uma demanda social e uma

    provocao do governo federal prontamente atendido pela UFMS e seu

    parceiro por meio de trabalhos de extenso universitria.

    O plano de desenvolvimento privilegia a anlise de polticas, estratgias

    e aes, com enfoque territorial. Inclui dados complementares mais crticos em

    relao ao documento anteriormente publicado (Diagnstico dos Territrios

    CONSAD). Foi desenvolvido com base nas informaes obtidas na etapa de

    diagnstico e nos resultados das discusses realizadas nas oficinas de

    trabalho conjuntas com os atores dos territrios.

    Nas prximas pginas o leitor ir se aprofundar nestes territrios

    (Iguatemi, Vale do Ivinhema e Serra da Bodoquena), observando dinmicas

    comuns e especficas aos trs, tal qual os pesquisadores o fizeram. Tambm

    ser possvel ver que o meio privilegiado para mudana nestes territrios

    consistem nas pessoas e instituies, cabendo hoje, ao poder pblico, o dever

    de induzir, estimular e qualificar a populao pobre para seu empoderamento1

    e, assim, ganhar condies de assumir a responsabilidade pelos seus prprios

    destinos.

    1 Empoderamento deriva da expresso inglesa empowerment, significa trazer o poder para si.

  • 6

    1. DIRETRIZES

    O presente documento fruto de trabalho de extenso multidisciplinar,

    envolvendo pesquisadores e estudantes de diversas reas, entre elas:

    agronomia, economia, geografia, administrao, sociologia e nutrio.

    O problema da segurana alimentar e nutricional e do desenvolvimento

    local tratado de forma aplicada, estratgica e abarcando as diversas vises e

    discusses das mltiplas reas de estudo que suportam o presente trabalho.

    O documento segue os princpios bsicos do planejamento moderno: i)

    participativo; ii) fundamentado em dados concretos; iii) adequado aos recursos

    existentes ou potenciais; iv) exeqvel; v) com gerao de resultados de curto,

    mdio e longo prazos; vi) politicamente vivel; vii) gera aes concretas (dentro

    das limitaes da pesquisa).

  • 7

    2. OBJETIVOS

    O objetivo geral do projeto promover aes de mobilizao,

    diagnstico e planejamento com vistas a fortalecer a Segurana Alimentar e

    Nutricional (SAN) e promover o Desenvolvimento Local (DL) dos territrios no

    mbito dos CONSADs em Mato Grosso do Sul.

    O plano de desenvolvimento, especificamente, procura abordar com um

    enfoque prtico e estratgico a realidade encontrada nos territrios, bem como

    discutir polticas e aes que visem o fortalecimento das questes SAN e DL

    nestas regies.

  • 8

    3. BASE CONCEITUAL

    A base conceitual discutida em trs tpicos: Desenvolvimento

    Socioespacioal, Territrios e Territorialidades e Segurana Alimentar e

    Nutricional. As discusses constantes neste captulo no almejam esgotar o

    assunto, mas introduzir o leitor no debate acadmico sobre os temas

    fornecendo maior subsdio para as propostas de desenvolvimento.

    3.1. DESENVOLVIMENTO SOCIOESPACIAL

    O desenvolvimento regional pode ser apresentado em duas correntes

    principais, de acordo com suas origens e processos de instalao. A primeira

    est relacionada ao planejamento centralizado de um Estado Nacional,

    tambm entendido como desenvolvimento de cima para baixo. A histria

    econmica associa essa corrente aos grandes projetos estruturantes (a

    exemplo dos complexos industriais), que foram concebidos a partir de uma

    poltica voltada produo nacional. Nessa linha de pensamento, Almeida

    (2001, p.15) cita Perroux, que define desenvolvimento econmico da seguinte

    forma:

    [...] a mudana estrutural provocada no espao econmico pela expanso destes ncleos de indstrias dinmicas. Os plos de crescimento industrial iniciaram o processo que seria, em seguida, difundido ao resto da economia por efeitos multiplicadores e aglomerao sobre o investimento, a renda e o emprego, incluindo a multiplicao de pequenas empresas.

    A segunda corrente, tambm conhecida como desenvolvimento

    endgeno, ou ainda desenvolvimento local, prope um movimento de baixo

    para cima e, mesmo nos dias atuais, caracterizada como forma alternativa

    de desenvolvimento. estabelecida a partir do sistema produtivo local,

    aproveitando suas potencialidades socioeconmicas intrnsecas. A estas, se

    vinculam vrios conceitos que sero apresentados no decorrer deste trabalho.

    Bacelar (2000) argumenta que o desenvolvimento local resultante da

    capacidade dos atores locais se estruturarem e se mobilizarem, tendo como

    base no somente suas potencialidades, mas tambm sua matriz cultural. Nas

  • 9

    palavras de Amaral Filho (1999), desenvolvimento endgeno pode ser

    entendido como:

    [...] um processo de crescimento econmico implicando uma contnua ampliao da capacidade de agregao de valor sobre a produo, bem como da capacidade de absoro da regio, cujo desdobramento a reteno do excedente econmico gerado na economia local, e/ou atrao de excedentes provenientes de outras regies. Este processo tem como resultado a ampliao do emprego, do produto e da renda local ou da regio mais ou menos definido dentro de um modelo especfico de desenvolvimento regional.

    A partir do final da dcada de 1980, tem-se acrescentado ao

    desenvolvimento regional a noo de sustentabilidade, considerando-se, alm

    dos fatores scio-econmicos, a preocupao socioambiental. Buarque (1996)

    conceitua desenvolvimento sustentvel, tomando como referncia o Relatrio

    Bruntland, da Comisso Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento -

    Our Common Future (1987):

    [...] processo de mudana social e elevao das oportunidades da sociedade, compatibilizando, no tempo e no espao, o crescimento e a eficincia econmicos, a conservao ambiental, a qualidade de vida e a equidade social, partindo de um claro compromisso com o futuro e a solidariedade entre geraes.

    Loiola (2001) chama ateno para o novo contexto das relaes entre

    economia, sociedade e meio ambiente, no qual a eficincia econmica, a

    qualidade de vida e a equidade social comeam a experimentar iniciativas mais

    equilibradas, embora ainda esteja muito claro que resultados mais efetivos

    somente sero viabilizados no longo prazo. Alm disso, permanecem algumas

    situaes de conflito de interesses entre diferentes atores sociais e entre

    objetivos de curto e longo prazo.

    Outro aspecto importante em relao ao desenvolvimento regional diz

    respeito relao entre espao geogrfico e concentrao de empresas.

    Para a criao de um ambiente favorvel ao desenvolvimento, deve-se

    comear, segundo Franco (2002), pelo investimento no capital social [CS], aqui

    interpretado pela capacidade que uma sociedade tem de cooperar, e no capital

  • 10

    humano, analisado pela base empreendedora que uma comunidade/localidade

    tem de se articular para a busca de objetivos comuns. Este ambiente favorvel

    depende da existncia de uma cultura que incorpore a cooperatividade

    sistmica e a confiana mtua entre os agentes locais e externos, propiciando

    um estmulo a novos valores e padres que possam conduzir condies

    territoriais e ambientais, econmicos, sociais, culturais, poltico-institucionais

    favorveis ao processo de desenvolvimento de uma localidade, pois este

    depende do ndice de capitais existentes em seu meio e caso estes sejam

    utilizados de forma integrada e sustentvel para a manuteno do meio em que

    esto inseridos. Mas, como definir as formas de capitais que podem compor o

    desenvolvimento de uma localidade?

    Ao referido questionamento, a concepo de Boisier (1998) acerca do

    tema vem reconhecer o desenvolvimento como foras em sinergia ao busc-lo

    como fim. Assim, o autor compe o capital sinrgico como a capacidade social

    de promover aes em conjunto dirigidas a fins coletivos e democraticamente

    aceitos. Portanto, buscam-se como fins, organizar fatores que ativem o

    desenvolvimento territorial, integrando, principalmente, o capital scio-cultural

    por ser um meio solidrio e cooperativo que rene foras e capacidades

    coletivas na busca contnua por melhorias locais, bem como acionando os

    demais capitais (econmico, humano, natural, psicossocial etc.) como

    elementos fundamentais congruentes que podem impulsionar e direcionar o

    desenvolvimento endgeno de uma comunidade.

    Segundo Coleman (1988) apud Fukuyama (1996), pode-se considerar o

    capital social como a capacidade de as pessoas trabalharem juntas visando a

    objetivos comuns em grupos e organizaes. O autor sustenta, ainda, que o

    capital humano est intrinsecamente relacionado ao social, uma vez que as

    pessoas devem se associar umas s outras, compartilhando normas e valores

    que possam levar a objetivos comuns de bem estar, deixando interesses

    individuais e permitindo a insero de interesses coletivos, portanto:

    [...] preciso devolver s pessoas a capacidade de sonhar e de correr atrs dos prprios sonhos e fortalecer a sua capacidade de comunidade, quer dizer, de compartilhar os seus sonhos e de cooperar na busca de objetivos comuns [...] (FRANCO, 2002).

  • 11

    Putnan (1996) analisa o capital social como produto organizacional, que

    embute sentimentos de confiabilidade, apresentando normas de reciprocidade

    que podem contribuir para aumentar a eficincia da sociedade, facilitando

    aes coordenadas e com intuito comum, facilitando a cooperao entre os

    agentes locais. Nesta perspectiva ambos os autores citados tencionam uma

    mesma abordagem ao considerarem a confiana como elemento fundamental

    para qualquer desenvolvimento do capital social. Deste modo, confiana a

    expectativa que nasce no seio de uma comunidade de comportamento estvel,

    honesto e cooperativo, baseado em normas compartilhadas pelos membros

    dessa comunidade (FUKUYAMA, 1996).

    Nesses termos, a relao entre confiana e CS com o desenvolvimento

    territorial parece evidente, pelo menos no que se refere s possibilidades de

    uma dimenso territorial do desenvolvimento fazer-se presente. Isso porque,

    considerando os diferentes ndices de CS encontrados em distintos territrios,

    as possibilidades de desenvolvimento tambm seriam diversas. Em outras

    palavras, um territrio com baixo ndice de CS um ator primevo e seminal

    sofrvel, no sendo capaz de induzir o processo de desenvolvimento com a

    mesma eficincia de um territrio no qual o ndice de CS seja elevado

    (CUNHA, 2000).

    Os modelos de desenvolvimento vm priorizar a estabilidade social,

    desconsiderando a vida humana e seu bem estar como fator prioritrio para o

    desenvolvimento. Dentro desta narrativa, deve-se valorizar os elementos

    intangveis baseados nas energias scio-culturais, bem como na participao

    efetiva e ativa do capital humano e social pr-existente, capazes de

    potencializar nveis de solidariedade e responsabilidade coletiva. O

    desenvolvimento precisa ser dinamizado e no somente qualificado como

    progresso material, deve-se harmonizar subsdios para que seja promovida

    justia, acesso informao e educao e empoderamento de toda

    sociedade envolvida no processo, considerando-o uma metodologia de

    amadurecimento cultural e social (JARA, 1999).

    Repensar o desenvolvimento a partir da construo do capital cultural

    existente em uma comunidade contribuir para o estimulo solidrio ao buscar

    aes coletivas que fortaleam o uso comunitrio dos recursos presentes,

  • 12

    tendo em vista que a valorizao de uma cultura local pode propiciar a sua

    auto-afirmao, identidade e melhorar as foras produtivas.

    Seguindo o raciocnio de Jara (1999) a cultura pode ser considerada

    fator decisrio na coeso social, momento pelo qual as pessoas se conhecem

    mutuamente, crescem em conjunto e desenvolvem uma auto-estima coletiva

    que propicia maior nvel de capital social ao apresentar razes culturais

    fortalecidas que favorecem a reproduo do associativismo, organizao scio-

    comunitria e gesto participativa. Alm disso, a cultura capaz de tornar-se

    um instrumento de progresso econmico e social, a medida que o

    desenvolvimento cultural manterem a integridade identitria coletiva e constroe

    novas possibilidades de emerso social, cultural e econmica.

    Uma sociedade civil prspera depende dos hbitos, costumes e

    princpios ticos de sua gente - atributos que s podem ser moldados

    indiretamente mediante uma poltica deliberada e que precisam, outrossim, ser

    alimentados por meio de uma conscientizao e respeito crescente pela cultura

    (FUKUYAMA, 1996).

    Neste contexto, Le Bourlegat (2000) afirma que a retroalimentao de

    experincias passadas equivalem ao monitoramento para aes futuras,

    provindas da maximizao do capital sociocultural em comunidades primitivas,

    ou seja, aquelas que ainda sobrevivem de sua auto-sustentabilidade, como o

    caso de Furnas do Dionsio, assim, as narrativas orais resgatam, valorizam e

    transmitem, de uma gerao a outra, as experincias coletivas do passado (LE

    BOURLEGAT, 2000). Sob esta concepo, o desenvolvimento est baseado

    em princpios autnomos que oferecem condies a estas comunidades de

    estabelecer estratgias para o prprio desenvolvimento, seguindo as

    particularidades culturais existentes.

    Com o fim da Segunda Guerra Mundial, alguns pases se preocuparam

    em encontrar uma forma para se desenvolver. Os economistas da poca foram

    surpreendidos, pois a nica experincia de crescimento que eles conheciam

    era o Plano Marshal, que tinha como preocupao a situao financeira de

    alguns pases, resumindo-se em desenvolvimento financeiro.

    O desenvolvimento conheceu uma srie de modelos. Nas dcadas de

    1950 e 1960 ele era visto como estgios a serem realizados; mais tarde o

    desenvolvimento foi caracterizado pela dominao exercida por alguns pases.

  • 13

    Desta forma o desenvolvimento tornou-se sinnimo de crescimento

    econmico (TODARO, 1979).

    Hoje o desenvolvimento adquiriu novos valores, o econmico foi deixado

    de lado dando lugar ao social. Segundo vila,

    [...] O ncleo conceitual do desenvolvimento local consiste no efetivo desabrochamento - a partir do rompimento de amarras que prendam as pessoas em seu status de vida das capacidades, competncias e habilidades de uma comunidade definida(portanto, com interesses comuns e situada em [...] espao territorialmente delimitado, com identidade social e histrica), no sentido de ela mesma mediante ativa colaborao de agentes externos e internos- incrementar a cultura da solidariedade em seu meio e se tornar paulatinamente apta a agenciar (discernindo e assumindo dentre rumos alternativos de reorientao do seu presente e de sua evoluo para o futuro [...] (VILA, 2000).

    A comunidade deve estar presente durante todo o processo de

    encaminhamento para o desenvolvimento local, j que o mesmo est em suas

    mos diretamente ou no. Toda a comunidade-localidade est inserida no

    desenvolvimento local, desde o sapateiro at os rgos pblicos. Segundo

    Coriolano,

    Trata-se de um tipo de desenvolvimento que no medido apenas em termos de produo, de capital, do PIB, mas em decorrncia da reduo de dependncia econmica, do incremento da confiana local aos seus prprios meios de trabalho, da integrao de comportamentos individuais nos objetivos comuns da comunidade. (CORIOLANO, 1998).

    O desenvolvimento deve ser endgeno, onde a populao tem que

    participar na administrao do projeto, decidindo o que deve ser realizado e

    no esperar que agentes externos determinem como e o que deve ser feito.

    Conforme Nery: preciso que seja estimulado um processo, ou seja, preciso criar novos espaos e oportunidades de relacionamento para que as vivncias se convertam em aprendizagem, e es pessoas e a coletividade progressivamente se tornem mais capazes de realizar seus projetos, de dar respostas aos problemas, num nvel cada vez mais permanente. (NERY, 1998)

  • 14

    Portanto, no processo de desenvolvimento o homem o alvo central,

    membro fundamental para a construo de sua comunidade, capaz de gerar

    melhoria na vida da populao.

    Instintivamente, quando se fala em desenvolvimento numa perspectiva

    geral de anlise, logo se remete idia de um processo dinmico que implica

    em crescimento, avano e progresso. Assim, nas cincias sociais em

    especfico, define-se o desenvolvimento como uma melhora qualitativa no nvel

    de bem-estar de um determinado grupo social, usando como referncia os

    indicadores sociais, polticos e econmicos disponveis. Ento, pode-se denotar

    que aumentos nos nveis de renda, qualidade de vida e infra-estrutura, por

    exemplo, so alguns indicativos de desenvolvimento.

    No incio do sculo XX, sobretudo no perodo ps-Segunda Guerra

    Mundial, as polticas de desenvolvimento centralizavam-se nos Estados-Nao,

    que, em face da profuso das idias keynesianas, promoviam macios

    investimentos em infraestrutura e ampliao da demanda por bens e servios.

    No entanto, com o advento e consolidao do fenmeno de globalizao nos

    ltimos decnios do sculo XX, que provocou a perda de importncia do

    Estado como nico elemento promotor do desenvolvimento, observa-se uma

    regionalizao das propostas de desenvolvimento numa perspectiva local

    A crise do Estado-Nao, em suma, refere-se sua incapacidade

    crescente de regular e interferir na economia privada, especialmente, a partir

    da ampliao da capacidade da economia capitalista de ajustar, em escala

    planetria, a interdependncia entre as condies de tempo e espao no

    processo global de produo de mercadorias.

    Assim, o Estado adquire o status de apenas um dos muitos agentes

    fomentadores do desenvolvimento, sobretudo no que se refere ao ordenamento

    poltico dos territrios, de modo que a efetivao das dinmicas do

    desenvolvimento se deve s sinergias dos atores locais. Em sntese, esta a

    essncia do que se convencionou chamar de desenvolvimento local.

    No entanto, a crise econmica iniciada nos EUA no final de 2008 que

    teve repercusses profundas nos pases desenvolvidos (capitalistas)

    certamente questiona o modelo capitalista de desenvolvimento. Neste sentido

    novas discusses emergiram na academia trazendo novas perspectivas do

    conceito.

  • 15

    Sob uma perspectiva histrica, verifica-se que, no Brasil, os estudos

    enfocando o local comeam a ganhar destaque durante a formulao da

    Constituio Federal de 1988, perodo em que se iniciam reflexes sobre

    descentralizao de polticas pblicas, poder da localidade, necessidade de

    integrao de projetos sociais e econmicos que beneficiem a maioria da

    populao e tambm, a construo de um projeto poltico que promova o

    desenvolvimento humano. nessa poca que o desenvolvimento local ganha

    corpo terico pelos pesquisadores nacionais.

    consenso a idia de que o desenvolvimento local realizado em

    escala humana, e atribui-se a ele a capacidade de reafirmar as potencialidades

    e identidades locais frente globalizao. Deve-se pens-lo como um processo

    de superao de problemas sociais, onde a sociedade se torna, para seus

    membros, mais justa e legtima, tendo o homem como sujeito e beneficirio das

    aes. Os indivduos devem participar ativamente e no apenas serem

    favorecidos pelo desenvolvimento.

    Fato que merece uma apreciao um pouco mais detida refere-se aos

    impactos do fenmeno de globalizao nas dinmicas do desenvolvimento

    local. Muito embora a globalizao tenha sido um dos fatores que minaram o

    poder poltico centralizado do Estado-Nao, incitando as polticas de

    desenvolvimento regionalizadas, ela traz em seu bojo uma idia de

    homogeneizao scio-cultural, econmica e espacial. Assim sendo,

    paradoxalmente o desenvolvimento local vem de encontro a essa premissa

    globalizada de constante homogeneizao dos territrios, reafirmando as

    potencialidades locais.

    A importncia do local redescoberta na dcada de 1980, no Brasil, no

    bojo do debate sobre a descentralizao e a reforma do Estado, propostas

    defendidas tanto por melhorias quanto por entidades da sociedade civil mais

    comprometidas com a qualidade de vida e com a cidadania.

    A necessidade das comunidades passarem a interferir em seu prprio

    crescimento, em busca de maior dinamismo nas atividades econmicas locais,

    e a lutar por uma melhor distribuio de riqueza e renda impuseram-se,

    sobretudo, desde que os efeitos da globalizao se fizeram sentir. O aumento

    do desemprego, a carncia de polticas sociais, a deteriorizao da qualidade

    de vida, a degradao ambiental atingiram tambm o Centro-Oeste brasileiro.

  • 16

    Durante muitas dcadas, nosso modelo de desenvolvimento baseou-se

    em intervenes macroeconmicas. Regies inteiras, muitas delas longe dos

    centros urbanos mais dinmicos, no se beneficiaram desse

    desenvolvimento.

    Falharam as polticas federais e estaduais. Contudo, surgiram

    experincias inovadoras no mbito local. Algumas comunidades do litoral

    cearense demonstram, assim com outras comunidades no restante do pas,

    como o lugar pode assumir a luta por seu prprio desenvolvimento, mesmo em

    condies precrias de modernizao.

    O desenvolvimento local que toma feio na Europa surge em vrios

    lugares do mundo passando a ser visto como uma das estratgias mais

    adequadas para sair da crise, sobretudo com a valorizao de um novo modelo

    de desenvolvimento: o desenvolvimento local a partir de uma pequena escala

    territorial realizado em escala humana, atendendo as demandas sociais.

    Trata-se de um tipo de desenvolvimento que no medido apenas em

    termos do aumento de produo de capital, do PIB, mas em decorrncia da

    reduo da dependncia econmica, do incremento da confiana local aos

    seus prprios meios de trabalho, da integrao de comportamentos individuais

    nos objetivos comuns da comunidade local.

    3.2. TERRITRIO E TERRITORIALIDADES

    A geografia busca entender a singularidade dos lugares em que se

    vive, saber o que os diferencia e os aproxima dos outros e como as diferentes

    sociedades interagem na construo de seu patrimnio cultural, que uma

    produo cultural e resulta das necessidades e dos anseios dos homens, em

    todos os estratos sociais. Na concepo da Geografia crtica, o espao fruto

    de relaes econmicas e scio-polticas que se articulam e produzem o

    territrio. (CORIOLANO, 2005)

    Os territrios se formam em determinado espao onde se realizam

    relaes de poder. Estas relaes so limitadas espacialmente, tanto no

    sentido da dominao, quanto da resistncia do dominado. Desta forma, o

    territrio implica a existncia de fronteira. O conceito de territrio est

    intimamente ligado noo de limite ou fronteira. Para Raffestin (apud SILVA,

  • 17

    2002), territrio implica a noo de limite, mesmo que este no seja traado.

    Para Roncayolo (apud SILVA, 2002), a existncia do territrio depende de uma

    superfcie (espao), de uma forma de atuao (poder) e de um limite

    (fronteira). Para Sack (apud SILVA, 2002), o territrio pode ser usado para

    conter ou restringir, da mesma maneira para excluir, sendo o limite territorial

    tambm o limite de conteno, restrio e excluso.

    Silva apresenta o territrio como um espao concreto, determinado pelo

    solo apropriado por um grupo e base para a tomada e manuteno do poder e

    para a formao do Estado. onde se forma sua identidade cultural (RATZEL

    apud SILVA, 2002).

    Alm disso, parafraseando outros autores (CORRA et al. apud SILVA,

    2002), o territrio ainda trata da anlise das relaes de poder no espao, mas

    no s o espao prprio do Estado-nao, mas dos diferentes atores sociais e

    a manifestao do poder de cada um sobre uma rea precisa. No mais, ainda

    caracterizado como uma estratgia geogrfica para controle de pessoas e

    coisas pelo controle de rea, e estaria intimamente ligada s relaes de

    poder para com quem e o que controlado, afetado e influenciado no espao

    geogrfico.

    Compreendendo o territrio como um espao definido e delimitado por e

    a partir de relaes de poder, como um instrumento de exerccio de poder e

    um espao que sofre determinada relao de poder, nada mais apropriado do

    que aplicar estes conceitos ao entendimento das territorialidades exercidas

    nos territrios CONSADs de MS e a percepo que os moradores tm dos

    conflitos existentes. De acordo com Andrade (apud SILVA,2002), o conceito

    de territrio est ligado idia de poder, de domnio ou de gesto de uma

    determinada rea. Alm disso, aqueles que tm o controle territorial podem

    estar fora do territrio, controlando os que esto dentro dos seus limites.

    Se o ator territorializa o espao, o territrio decorrente das aes dos

    homens, suas afinidades e relaes que se estendem a apropriao. O

    territrio atua dinamicamente com as facilidades empreendidas pela

    comunicao e mobilidade, aproximando indivduos que concebem uma

    identidade coletiva entre si e com a produo do espao no qual exerce sua

    fora de trabalho. Na abordagem geogrfica era relacionado ao Estado-nao

    e enfatizado pela Geografia poltica como afirma Souza:

  • 18

    O territrio surge, na tradicional Geografia Poltica, como espao concreto em si (com seus atributos naturais e socialmente construdos) que apropriado, ocupado por um grupo social. A ocupao do territrio vista como algo gerador de razes e identidade: um grupo no pode mais ser compreendido sem o seu territrio, no sentido de que a identidade scio-cultural das pessoas estaria inarredavelmente ligada aos atributos do espao concreto (natureza, patrimnio arquitetnico, paisagem) [...] (SOUZA, 1995)

    A sucesso de geraes faz com que todas essas peculiaridades sejam

    transferidas intergeraes garantindo a prosperidade e renovao scio-

    cultural. O territrio tambm est relacionado com as razes, a formao, o

    povoamento. O homem, em coletividade, se instala em determinada rea e

    nela produz e reproduz suas condies de sobrevivncia, a diversidade

    quantitativa e qualitativa dessa categoria imensurvel.

    A articulao entre os atores movidos por interesses comuns em torno

    de uma mesma atividade organiza e fortalece o territrio, conseqentemente

    outros elementos (infra-estruturas, equipamentos) so inseridos para dar maior

    especializao, e sua presena ou ausncia respectivamente, agrega ou

    segrega.

    Uma das partes integrantes do territrio notada pelas formas, recursos

    naturais e atributos artificiais, em maior ou menor grau com interferncia do

    trabalho esto dispersas e representam o esforo do homem e a

    heterogeneidade scio-espacial. A outra parte, no menos importante, se

    refere diversificao cultural contextualizada nesta realidade scio-espacial

    que se torna notria pela informao transmitida atravs de smbolos (roupas,

    objetos, etc.).

    Turra Neto (2000) coloca que o territrio se estabelece por noes de

    limite e informaes: [...] O ator desenvolve um conjunto de signos que lhe

    permitem comunicar a outros os limites do seu territrio. Limites que no

    precisam necessariamente estar demarcados no terreno, podem estar em

    signos colocados nas roupas, na msica, nas ideologias etc. [...].

    Em alguns casos a delimitao no anunciada, mas acena nos

    comportamentos e atitudes, como afirma Raffestin (1993), [...] o limite um

  • 19

    sinal ou, mais exatamente, um sistema smico utilizado pelas coletividades

    para marcar o territrio: o da ao imediata ou o da ao diferenciada. [...]

    importante salientar que a anlise da categoria territrio antes restrito

    ao Estado-nao, passou a ser estudado na escala local, em bairros,

    comunidades, no trabalho, como pode ser observado at o presente momento

    da evoluo desse trabalho. As fronteiras poltico-administrativas, por si s, no

    discernem os territrios, e sua sobreposio inerente mobilidade,

    comunicao e relaes estabelecidas na sociedade moderna.

    Multifacetado, o territrio para Haesbaert (2004) compreendido sobre

    os seguintes aspectos:

    Poltica (referida s relaes espao-poder em geral) ou jurdico-poltica (relativa tambm a todas as relaes espao-poder institucionalizadas):

    a mais difundida, onde o territrio visto como um espao delimitado e

    controlado atravs do qual se exerce um determinado poder, na maioria

    das vezes, mas no exclusivamente, relacionado ao poder poltico do

    Estado.

    Cultural (muitas vezes culturalista) ou simblico-cultural: prioriza a dimenso simblica e mais subjetiva, em que o territrio visto,

    sobretudo, como o produto da apropriao/valorizao simblica de um

    grupo em relao ao seu espao vivido.

    Econmica (muitas vezes economicista): menos difundida, enfatiza a dimenso espacial das relaes econmicas, o territrio como fonte de

    recursos e/ou incorporado no embate entre classes sociais e na relao

    capital-trabalho, como produto da diviso territorial do trabalho, por

    exemplo.

    A partir das relaes humanas so expressas suas afinidades, seus

    costumes, suas habilidades, ou seja, a cultura de um povo. O territrio uma

    extenso das relaes humanas, onde se encontram suas razes, sua

    histria, seus ancestrais. Primeiramente, como valor de uso, o territrio um

    forte elo de identidade; e posteriormente, como valor de troca, demonstra a

    apropriao.

    Alm da identidade espao-cultural outras caractersticas so expostas

    por outros autores. De acordo com Souza (1985) o territrio [...] espao

  • 20

    definido e delimitado por e a partir de relaes de poder [...]. Sabe-se que o

    poder no resultado da vontade do indivduo, no se pode se envolver de

    poder, outros que investem poder sobre o indivduo. No depende apenas da

    deliberao, da permisso, da vontade individual, depende da coletividade

    conceder o mrito. Da mesma forma que a coletividade concede, ela retira o

    mrito. Portanto o poder itinerante e se mantm enquanto o grupo se

    sustentar. No mbito da poltica, Raffestin (1993) coloca: [...] O territrio um

    trunfo particular, recurso e entrave, continente e contedo, tudo ao mesmo

    tempo. O territrio o espao poltico por excelncia, o campo de ao dos

    trunfos [...].

    O entrelaamento de interesses comuns unidos a formas semelhantes

    de utilizao de uma rea so elementos que esto na gnese da consolidao

    de um territrio.

    [...] O territrio o lugar em que desembocam todas as aes, todas as paixes, todos os poderes, todas as foras, todas as fraquezas, isto , onde a histria do homem plenamente se realiza a partir das manifestaes da sua existncia. [...] (SANTOS, 2002)

    O homem vive em grupo e se entende enquanto sociedade, quando os

    compromissos mtuos so estabelecidos. O territrio entendido pela

    identidade coletiva (humana) estendida sobre a sua parte fsica delimitada por

    fronteiras que indicam a atuao de poder. Para Raffestin (1993) a populao

    est na origem de todo o poder, [...] Nela residem as capacidades virtuais de

    transformao; ela constitui o elemento dinmico de onde procede a ao [...].

    O territrio no constitudo apenas por delimitaes de fronteiras e

    estratgias administrativas, que iro definir a extenso de atuao dos

    indivduos que o regem. Est arraigado gnese do povoamento, das pessoas

    que se estabeleceram sobre a superfcie. As adaptaes dos indivduos s

    adversidades e condies naturais concebem ferramentas e tcnicas que iro

    favorecer a sobrevivncia, a adaptao e o desenvolvimento destas

    sociedades.

    [...] O territrio tem que ser entendido como o territrio usado, no o territrio em si. O territrio usado o cho mais a identidade. A identidade o sentimento de pertencer quilo

  • 21

    que nos pertence. O territrio o fundamento do trabalho, o lugar da residncia, das trocas materiais e espirituais e do exerccio da vida. [...] (SANTOS, 2002)

    Vrios so os atributos entrelaados que podem distinguir e determinar

    o territrio, como caractersticas geoecolgicas, recursos naturais, o homem,

    ligaes afetivas e de identidade, combinados entre si, demonstram uma

    infinidade de condies. Das relaes sociais e das relaes entre o homem e

    o meio natural surgem as peculiaridades dos territrios.

    A intensificao do uso do espao por qualquer atividade, por qualquer

    forma de expresso, numa rea relativamente definida, concebe o territrio. O

    uso efetivo por indivduos e a maneira intrnseca da prtica de apropriao e

    relacionamentos particulares estabelecidos, delineia a territorialidade.

    A territorialidade um fenmeno de comportamento associado

    organizao do espao em esferas de influncia ou em territrios nitidamente

    diferenciados, considerados distintos e exclusivos, ao menos parcialmente, por

    seus ocupantes ou pelos que os definem. Tambm pode ser entendida como

    base de poder de determinado grupo sobre determinada rea, uma estratgia

    para afetar, influenciar, ou controlar recursos e pessoas, por controle de rea.

    Sendo assim, a territorialidade atua tambm como uma estratgia

    geogrfica para influenciar pessoas e coisas pelo controle de rea, e estaria

    intimamente ligada s relaes de poder para com quem e o que controlado,

    afetado e influenciado no espao geogrfico (SACK,1986 apud SILVA, 2002).

    Territrio uma categoria geopoltica, sendo produzido por aes

    polticas e socioeconmicas que remetem s relaes de fora e poder.

    Martins (2003 apud CORIOLANO, 2005) lembra que a posse, a identidade e

    as relaes travadas, transformam lugares em territrios. E cada vez mais os

    lugares e as regies querem ser conhecidos pelos recursos ativos,

    dinamicamente construdos pela organizao scio-territorial, pelas polticas e

    formas prprias da gesto do desenvolvimento local e regional, envolvendo e

    integrando diferentes setores, atuando em contextos abrangentes e

    competitivos.

    Enquanto a territorialidade (definidas por relaes de poder, atravs do

    controle e tambm pela apropriao simblica e afetiva de uma rea

    geogrfica por indivduos e grupos) identificada pelas prticas sociais, o

  • 22

    territrio a manifestao geogrfica dessa territorialidade.

    O territrio o lugar onde a histria do homem se concretiza a partir

    das manifestaes de sua existncia. As atividades agropecurias produzem

    territrios, da mesma forma que todas as outras atividades advindas do modo

    industrial, e estabelecem relaes sociais e de apropriao e consumo do

    espao que ocorrem nas localidades.

    3.3. SEGURANA ALIMENTAR E NUTRICIONAL Entender as dimenses e variveis que afetam o fenmeno da

    insegurana alimentar e nutricional essencial para o delineamento de

    estratgias para seu combate. Para Timmer, Falcon e Pearson (1983), resolver

    o problema da fome no mundo envolve expandir as opes disponveis, as

    quais so funes dos rendimentos, dos preos dos alimentos, da rede de

    suprimentos e do conhecimento do consumidor. Embora a fome de qualquer

    indivduo em particular possa ser resolvida facilmente, mediante

    disponibilizao de renda e de alimento, resolver o problema da fome para toda

    a sociedade muito mais complicado porque a abordagem necessita ser

    integrada com o resto da economia.

    Para aqueles autores, um sistema alimentar que contm muitas pessoas

    em estado de insegurana alimentar possui falhas em pelo menos uma dessas

    dimenses: um fracasso na produo de alimentos em quantidade suficiente,

    na determinao dos tipos de alimentos a serem produzidos, na gerao de

    renda suficiente para compr-los ou na educao das famlias sobre os

    alimentos que devem ser consumidos ou evitados. Cada um desses fatores

    pode contribuir para o problema da alimentao, o que devem ser identificadas

    so as causas diretas e indiretas da fome.

    De acordo com Cohen et al. (2009), o ambiente socioeconmico,

    poltico, institucional, cultural e natural condiciona a economia alimentar,

    especificamente: i) a disponibilidade de alimentos (produo domstica;

    capacidade de importao; estoque regulador; subsdios produo); ii) a

    estabilidade (variaes no clima; flutuaes no preo; fatores polticos e

    econmicos); e iii) o acesso ao alimento no nvel pas (pobreza, poder de

    compra, renda, transporte e estrutura de distribuio). Alm disso, tambm

  • 23

    afeta diretamente as condies de sade da populao (higiene, condies

    sanitrias, qualidade da gua, qualidade e segurana do alimento). Por sua

    vez, a disponibilidade de alimentos e a estabilidade afetam o acesso das

    famlias a alimentos, as prticas de cuidado (prticas de alimentao,

    conhecimento nutricional, preparao de alimentos, hbitos de alimentao e

    distribuio de alimentos intrafamlia), os bens, as atividades e as estratgias

    de subsistncia das famlias.

    O problema mais geral da insegurana alimentar est enredado no

    conjunto de processos de produo, transformao, distribuio e consumo de

    alimentos para satisfazer tanto necessidades nutricionais, quanto estticas e

    sociais. Estes processos compem o sistema alimentar. O funcionamento real

    desse sistema freqentemente deixa muitas pessoas pobres inadequadamente

    alimentados por causa de redes de conexes que determinam o status de

    emprego e renda, os preos que devem ser pagos pelos alimentos e outros

    bens e servios, e a capacidade de movimentao em busca de melhores

    oportunidades. Desta forma, a compreenso das conexes existentes no

    sistema de alimentao permite que os analistas de poltica alimentar evitem o

    isolamento entre os elos que compe o sistema alimentar (TIMMER; FALCON;

    PEARSON, 1983).

    A SAN afetada por aspectos como pobreza, sade, produo de

    alimentos, estabilidade poltica, fenmenos naturais, infra-estrutura e acesso

    aos mercados (POST, 2006). Segundo Maluf e Menezes (2000), dentre os

    fatores que afetam a SAN, a falta de acesso aos alimentos a principal causa

    da insegurana alimentar, ou seja, o alimento existe, mas as pessoas no tm

    acesso a ele. Portanto, o problema da insegurana alimentar , principalmente,

    uma questo de polticas pblicas de distribuio de renda. De fato, segundo

    Hoffmann (2008), a renda o principal determinante da insegurana alimentar

    no Brasil.

    De acordo com FAO (2002), a fome e a desnutrio generalizadas em

    um mundo que possui abundncia de alimentos implica que a pobreza extrema

    a principal causa da desnutrio. Nem sempre compreendido, no entanto,

    que a fome e a desnutrio, por sua vez so as principais causas da pobreza.

    Elas afetam a capacidade dos indivduos para escapar da pobreza de vrias

    formas:

  • 24

    i) reduzindo a capacidade de prtica de atividade fsica e, portanto, o

    potencial produtivo do trabalho de todos aqueles que sofrem de fome;

    ii) prejudicando a capacidade das pessoas desenvolverem-se fsica e

    mentalmente, retardando o crescimento das crianas, reduzindo seriamente a

    capacidade cognitiva e freqncia escolar e inibindo o desempenho, de forma a

    comprometer a eficcia do investimento em educao;

    iii) causando danos graves para a sade, em longo prazo, ligados a

    taxas mais elevadas de doena e morte prematura;

    iv) perpetuando a desnutrio e a pobreza de gerao em gerao:

    mes que passam fome do luz a crianas com baixo peso, as quais, por sua

    vez, comeam a vida com desvantagem;

    v) contribuindo para a instabilidade social e poltica, que enfraquece

    ainda mais a capacidade do governo reduzir a pobreza.

    Pessoas cronicamente subnutridas esto, portanto, em uma posio

    social que lhes oferece condies propcias para o perpetuao da baixa

    produtividade, da pobreza crnica e da fome. Segundo Cohen et al. (2009) e

    FAO (2006; 2002), os custos da inanio so considerveis.A desnutrio, a

    perda de peso excessiva, o baixo peso ao nascer devido ao baixo crescimento

    intra-uterino, a subamamentao (no-exclusiva por seis meses e/ou

    interrompida antes de um a dois anos) e deficincias de vitamina A, zinco e

    ferro causam a morte de 3,6 milhes de crianas menores de cinco anos de

    idade a cada ano no mundo (BLACK et al., 2008). Por isso, os esforos para

    acelerar o progresso contra a desnutrio em todas as suas formas deve ter

    um lugar de destaque na agenda poltica global. A figura 3.3.1 mostra as

    principais causas e conseqncias da insegurana alimentar e nutricional.

    Uma dieta inadequada uma das principais causas imediatas de

    desnutrio, junto com as doenas. Os dois interagem em um crculo vicioso

    para baixo: o consumo inadequado de alimentos aumenta a vulnerabilidade a

    doenas infecciosas e, por sua vez, as infeces, podem impedir o organismo

    de absorver uma alimentao adequada (OMS, 1997). Isso resultado de um

    conjunto complexo de causas subjacentes ao nvel das famlias: o acesso

    insuficiente aos alimentos - um aspecto da insegurana alimentar - prticas

    inadequadas de cuidados com a sade e acesso inadequado gua potvel,

    saneamento bsico e servios de sade. Estas variveis esto ligadas renda

  • 25

    do pas e da famlia e capacidade de utilizao adequada desta renda. Em

    ltima instncia, esses fatores so incorporados no ambiente poltico,

    econmico, social e cultural em que as famlias se encontram (FAO, 2006).

    Deste modo, todas as variveis mencionadas so correlacionadas com a forma

    como as famlias esto inseridas no processo social de produo [figura 3.3.1],

    as quais dependem das polticas adotadas pelos governantes mundiais,

    nacionais, regionais e locais.

    Figura 3.3.1: Causas e conseqncias da m-nutrio. Fonte: Jonsson (1995).

    Conseqncias a curto-prazo:

    Mortalidade, morbidade e incapacidade

    Conseqncias a longo-prazo: estatura dos adultos, habilidade intelectual, produtividade

    econmica, desempenho reprodutivo, metabolismo e doenas cardiovasculares

    M-nutrio

    Cuidado de sade inadequado

    Alimentao inadequada

    Doenas

    Insegurana alimentar das

    famlias

    Ambiente familiar inseguro e falta de servios de sade

    Causas imediatas

    Baixa renda: emprego, habitao, ativos, remessas, penses e

    transferncias

    Causas subjacentes

    Falta de capital: financeiro, humano, fsico, social e natural

    Contexto social, econmico e poltico

    Causas bsicas

  • 26

    4. PROCEDIMENTOS METODOLGICOS

    A primeira etapa da pesquisa, referente ao diagnstico territorial,

    caracterizou-se como uma pesquisa mista, com anlises qualitativas e

    quantitativas de dados primrios e secundrios. Para coleta dos dados

    primrios foram utilizados cinco instrumentos diferentes: Questionrio SAN,

    Questionrio Potencialidades, Ambiente das Organizaes, Ambiente das

    Instituies e Questionrio Logstico. Os resultados foram analisados por

    diversos pesquisadores de vrias reas acadmicas visando descrever e

    entender as dinmicas dos territrios.

    O segundo documento elaborado pela pesquisa, o Plano de

    Desenvolvimento, trata de inferncias sobre os dados obtidos na etapa do

    diagnstico, focando a realidade territorial e formas de alter-la. Inclui, tambm,

    como elemento adicional o debate dos resultados em oficinas de trabalho

    internas e externas.

    Para Demo (1995), a pesquisa tradicional estabelece o primado do

    mtodo sobre a realidade. Estas, com feies empiristas e positivistas,

    selecionam da realidade social apenas aquilo que cabe no mtodo. Por outro

    lado, emergem metodologias alternativas, tais como pesquisa-ao e pesquisa

    participante, que se prope a ir ao sentido contrrio, construindo um mtodo

    que melhor se adqe a captar a realidade e transform-la. neste sentido

    que se direciona esta pesquisa, visando primazia da realidade ao invs do

    mtodo.

    Este planejamento territorial prope-se a investigar a realidade social

    atravs da base emprica j construda, associando a resoluo de um

    problema coletivo a aes discutidas e validades juntamente com os atores

    sociais locais envolvidos de modo cooperativo e participativo.

    Segundo Buarque (1999), existem diversas tcnicas voltadas consulta

    a atores, instituies e organizaes que permitem levantar a percepo e a

    compreenso dos mesmos sobre a realidade atual e suas propostas de aes.

    Procurou-se levantar ambos os aspectos simultaneamente, ou seja, tanto a

    percepo dos atores sobre a sua realidade, como tambm suas propostas

    para aes sobre os problemas encontrados.

  • 27

    O mtodo selecionado para essa finalidade foi realizao de Oficinas

    de Trabalho. Tais como a pesquisa-ao, invocam o que os atores do territrio

    possuem de conhecimento sobre suas prprias realidades e problemas, que

    mediados pelos pesquisadores responsveis em suas diversas reas

    temticas, propiciam um ambiente para uma construo coletiva da percepo

    da realidade e prioridade nas aes.

    Buarque (1999, p. 69) afirma que: As oficinas de trabalho com atores sociais constituem um valioso mtodo de consulta estruturada sociedade, organizando a construo coletiva na percepo da realidade e definio das prioridades. [...] deve captar e organizar a percepo dos atores e promover a negociao das vises diferenciadas, mediante a reflexo em torno dos problemas e potencialidades da realidade.

    4.1. OFICINAS INTERNAS

    As oficinas de trabalho internas foram realizadas em trs momentos

    distintos: i) planejamento; ii) desenvolvimento do diagnstico e iii) consolidao

    do plano de desenvolvimento.

    Na primeira fase, planejamento, foi estruturado um documento-guia com

    alocao de responsabilidades aos pesquisadores envolvidos e foram

    discutidos aspectos gerais referentes ao projeto, seus objetivos e

    peculiaridades relevantes a sua execuo. A elaborao dos instrumentos de

    coleta de dados aconteceu ainda nesta etapa, atravs de brainstorming2, com a

    participao de todos os pesquisadores. O trabalho conjunto teve como

    objetivo proporcionar uma viso holstica dos dados a coletados em campo.

    Houveram tambm adequaes solicitadas pelo demandador do trabalho,

    MDS, ocorrendo encontros internos para modificao da arquitetura de

    exposio dos resultados da pesquisa.

    Aps o planejamento foi-se a campo para coleta de dados nos trs

    territrios CONSADs. Uma vez os dados obtidos, foram tabulados e analisados

    juntamente com dados secundrios por cada equipe responsvel da pesquisa.

    As oficinas internas foram realizadas neste segundo momento com o objetivo

    2 Expresso inglesa que significa tempestade de idias. Usualmente um mtodo para resoluo de problemas em que todos os envolvidos participam e sugerem sob mediao de um responsvel.

  • 28

    de discutir o desenvolvimento do diagnstico territorial. Os subcoordenadores

    apresentavam os resultados e discutiam as informaes com todos os

    pesquisadores.

    No terceiro momento das oficinas de trabalho internas era realizado

    trabalho expositivo e deliberativo sobre as aes constantes em cada rea

    temtica do Plano de Desenvolvimento Territorial. Esse trabalho foi

    fundamental, pois, um trabalho multidisciplinar, tal qual este, apresenta muitas

    vises distintas sobre os mesmos aspectos, portanto, freqentemente surgem

    diferentes proposies.

    4.2. OFICINAS CONJUNTAS

    As oficinas conjuntas aconteceram entre os dias 07 e 15 de outubro de

    2010, nas cidades de Caracol, Nova Andradina e Iguatemi, representando os

    territrios CONSADs Serra da Bodoquena, Vale do Ivinhema e Iguatemi,

    respectivamente. Foram convidadas aproximadamente 230 pessoas, entre os

    contatos entrevistados no mbito das organizaes e instituies, bem como

    indicados pelos prprios Consrcios.

    Os eventos possuam trs objetivos principais: i) apresentar e validar o

    diagnstico territorial; ii) incorporar a percepo dos atores do territrio ao

    diagnstico; e iii) discutir indicativos para formulao de um plano de

    desenvolvimento que abarcasse a segurana alimentar e nutricional e o

    desenvolvimento local dos territrios.

  • 29

    Foto 4.2.1: Professor Dr. Ccero Tredezini durante exposio dos resultados obtidos no diagnstico (Nova Andradina/MS)

    Com objetivo de subsidiar a discusso foram apresentados os itens

    abordados no diagnstico territorial e seus resultados prvios, estes incluem:

    apresentao geral do projeto e conceito de segurana alimentar, metodologia

    da pesquisa e instrumentos de coleta de dados empricos, caracterizao

    histrico-cultural, estrutura fundiria, caracterizao social (educao e sade),

    SAN, aspectos ambientais, econmicos e resultados das pesquisas dos

    ambientes das instituies e organizaes.

  • 30

    Foto 4.2.2: Pesquisadores e participantes da Oficina Conjunta realizado na cidade de Iguatemi/MS

    Durante as apresentaes os temas eram expostos e os participantes

    provocados a exporem suas opinies. Diversas contribuies foram feitas. No

    trmino das discusses foi questionado se os resultados eram coerentes com a

    percepo dos atores do territrio e foram elaborados indicativos de aes

    territoriais visando garantia de a segurana alimentar e o desenvolvimento

    local. Estes resultados sero abordados neste documento.

  • 31

    5. POLTICAS

    Esta seo discute brevemente conceitos e propostas para polticas na

    rea de desenvolvimento econmico e social (seo 5.1) e segurana alimentar

    e nutricional (seo 5.2). Estratgias e aes para as temticas so discutidas

    de forma especfica para diversas reas temticas: cadeias agroalimentares,

    arranjos produtivos locais, economia solidria, programas de SAN, CONSEAs,

    leis municipais de SAN, fortalecimento do capital social, gesto das

    organizaes do territrio, redes de instituies e cooperao federativa e

    participao popular no desenvolvimento de polticas.

    Di Giovanni (2009) descreve conceitualmente poltica pblica no como

    simplesmente a interveno do Estado em uma situao considerada

    problemtica, mas como uma forma contempornea de exerccio de poder nas

    sociedades democrticas. Este resultante de uma complexa interao entre o

    Estado e a Sociedade, entendido em um sentido amplo, que inclui as relaes

    sociais travadas tambm no campo da economia. Desta interao que se

    definem as situaes sociais problemticas, bem como as formas, os

    contedos, os meios, os sentidos e as modalidades de interveno estatal.

    Indiscutvel e unnime a responsabilidade do Estado em interagir com

    a sociedade de forma a atender suas demandas da melhor forma possvel,

    dados os recursos limitados. Para tanto, surgem s discusses e divergncias

    de como dever ser esse processo. Os liberais acreditam que a melhor

    maneira deixar o mercado trazer o desenvolvimento aos excludos, portanto,

    o crescimento econmico seria suficiente para sanar questes tais como a

    fome e a extrema pobreza. Por outro lado, vertente acadmica e de governos

    mais protecionistas discordam dessa viso, acreditando que o crescimento

    econmico uma forma muito lenta para trazer solues, defendendo tambm

    aes sociais para esse fim.

    Segundo Ignacy Sachs (2008), o desenvolvimento nacional deve ser

    uma combinao de crescimento econmico, aumento igualitrio do bem-estar

    social e preservao ambiental. Para tanto, afirma que um projeto de

    desenvolvimento deve contemplar alguns elementos: i) integrar aes de curto,

    mdio e longo prazo, no isolando aes, uma vez que a construo da

    sociedade humana deve ser um projeto; ii) mudana de paradigma, passando

  • 32

    do crescimento financiado pelo influxo de recursos externos e pela acumulao

    de dvida externa para o do crescimento baseado na mobilizao de recursos

    internos (crescimento induzido pelo emprego), incluindo: planejamento local,

    reabilitao do sistema financeiro nacional dando bases ao funcionamento das

    empresas e reforma fiscal incluindo Imposto sobre Valor Adicionado altamente

    progressivo sobre consumo; iii) Esforo para o desenvolvimento incluindo todos

    os nveis, do local ao nacional, abarcando uma agenda poltica de criao de

    empregos para todos que envolva negociao entre os interesses do poder

    pblico, trabalhadores, empregadores e sociedade civil organizada.

    Sachs (2008) afirma que polticas complementares deveriam ser

    previstas neste sentido, entre elas: estimular emprego em atividades no

    voltadas ou dependentes de importaes (obras pblicas, habitaes com

    mo-de-obra de voluntrios beneficiados, servios sociais, empregos

    relacionados conservao de energia e reciclagem de material, consolidar e

    modernizar a agricultura familiar com base na pluriatividade, estimular a

    formalizao de micro-empresas e trabalhadores autnomos e a organizao

    dos mesmos de forma a barganhar no mercado, estabelecer conexes

    mutuamente benficas entre grandes e pequenas empresas, utilizar-se de

    compras governamentais para estimular os pequenos e micro

    empreendimentos e fortalecer as empresas nacionais tornando-as competitivas

    em escala global.

    O World Bank (2001), por outro lado, acredita que as polticas de

    promoo do desenvolvimento e combate a pobreza devem levar em

    considerao trs aspectos: i) promover oportunidades para os mais pobres,

    que pode ser alcanada atravs do crescimento econmico em conjunto com

    instituies que atuem no sentido de promover uma compensao aos que

    sarem prejudicados no processo, visando eqidade; ii) facilitar a autonomia,

    no que diz respeito a aes pblicas sensveis s necessidades dos pobres no

    sentido da interao de processos polticos, sociais e institucionais. A

    transparncia das aes do governo juntamente com a participao dos at

    ento excludos, eliminando barreiras sociais e institucionais, so fundamentais

    neste sentido; e iii) aumentar a segurana, atravs da reduo da

    vulnerabilidade (a choques econmicos, catstrofes naturais, doena,

    incapacidade e violncia pessoal), alm de parte intrnseca da melhoria do

  • 33

    bem-estar. Incentivo ao investimento em capital humano e em atividades de

    maior risco e maior rendimento. A ao nacional no sentido do controle dos

    riscos e ampliao acesso aos pobres fundamental para o desenvolvimento

    proposto nestes moldes.

    Percebe-se que as orientaes do World Bank so mais brandas,

    pontuais e compensatrias, e menos estruturais em relao s propostas por

    Sachs. Seguindo a vertente conservadora estruturam-se alguns exemplos de

    programas de combate a pobreza, tais como o brasileiro Fome Zero e o

    Oportunidades do Mxico.

    O programa Fome Zero [PFZ], implementado em 2003 na gesto do

    presidente Lula, tem como objetivo a promoo da segurana alimentar e

    nutricional atravs da incluso social e da conquista da cidadania pela

    populao mais vulnervel fome. O PFZ se fundamenta em quatro eixos

    articuladores, so eles: acesso a alimentao, fortalecimento da agricultura

    familiar, gerao de renda e articulao, mobilizao e controle social. A

    estratgia do governo foi ampla, tendo por

    [...] base a transversalidade e intersetorialidade das aes estatais nas trs esferas de governo, no desenvolvimento de aes conjuntas entre o Estado e a sociedade, na superao das desigualdades econmicas, sociais, de gnero e raa, na articulao entre oramento e gesto e de medidas emergenciais com aes estruturantes e emancipatrias (FOME ZERO, 2006).

    Os Consrcios de Segurana Alimentar e Desenvolvimento Local

    (CONSADs) so parte integrante do terceiro eixo articulador do programa

    Fome Zero referente gerao de renda, constituindo-se em organizaes

    territoriais, institucionalmente formalizadas, que se agrupam para desenvolver

    aes, diagnsticos e projetos, com a finalidade de gerar trabalho e renda. So

    organizaes civis sem fins lucrativos, formadas de 1/3 de representantes do

    poder pblico e 2/3 de representantes da sociedade civil (CONSAD, 2010).

    Atualmente se discute a transformao dos CONSADs de associaes

    privadas para consrcios pblicos. Esses consrcios fazem parte de uma

    espcie de rearranjo do federalismo brasileiro, criando um ente entre os

    municpios, estados e o governo federal. um instrumento capaz de formalizar

  • 34

    uma gesto intergovernamental para assumir diversas finalidades e objetivos

    comuns, em diversas escalas de atuao do poder pblico e com formas

    diferenciadas de contribuio dos entes consorciados. No contexto sub-

    regional potencializa a atribuio do governo estadual de planejamento e

    coordenao da gesto e prestao de servios e polticas pblicas no mbito

    territorial (RAVANELLI, 2010).

    5.1. DESENVOLVIMENTO ECONMICO E SOCIAL

    Os estados brasileiros apresentam grande diversidade em sua

    capacidade econmica, tributria e administrativa pelo fato de encontrarem-se

    em estgios diferenciados de institucionalizao do poder pblico. Os territrios

    convertidos em estados entre o final da dcada de 1970 e final da dcada de

    1980 encontram-se ainda no processo de state building e construo do seu

    aparato pblico. Esse o caso do Mato Grosso do Sul (1977), Roraima (1980),

    Rondnia (1981), Amap (1986) e Tocantins (1988) (RAVANELLI, 2010).

    As municipalidades que compem os territrios CONSADs de Mato

    Grosso do Sul apresentam o perfil: i) municpios pequenos, com menos de

    25.000 habitantes; ii) baixo nvel de industrializao, predominando setores

    primrios e tercirios; iii) nveis de desenvolvimento humano (IDH-M) inferiores

    a mdia estadual; iv) concentrao de renda e fundiria; v) pfia participao na

    composio do produto interno bruto estadual. Existem municpios que

    destoam do perfil geral como o caso de Nova Andradina, Navira e Ponta

    Por.

    Esses territrios (CONSAD - Iguatemi, Vale do Ivinhema e Serra da

    Bodoquena) foram reconhecidos pelo Governo Federal, fundamentado em

    estudo feito pelo Instituto Brasileiro de Administrao Municipal [IBAM], como

    regies carentes, menos desenvolvidas, e que apresentavam um elemento de

    coeso que os caracterizam como territrios. Foram alvos privilegiados da

    poltica pblica dos Consrcios de Segurana Alimentar e Desenvolvimento

    Local (CONSADs), parte do Programa Fome Zero, que visam promover o

    desenvolvimento e a gerao de renda para populao em risco de

    insegurana alimentar atravs de uma linha institucional especial.

  • 35

    As temticas desenvolvimento e poltica foram abordadas nas sees

    3.1 e 5, respectivamente. Neste espao ser discutido, de forma mais emprica

    e especfica, a seguinte questo: polticas para desenvolvimento econmico e

    social.

    Sabidas as diretrizes que fundamentam esse documento referente sua

    exeqibilidade e viabilidade poltica, as recomendaes polticas sero

    direcionadas a realidade local.

    Dados empricos e recomendaes A pesquisa do ambiente das instituies, descrita no primeiro documento

    desta pesquisa, interrogou representantes do poder pblico municipal sobre as

    aes e polticas visando o desenvolvimento local e a segurana alimentar e

    nutricional (este segundo aspecto ser discutido no item 5.2). Como resposta,

    em vistas do desenvolvimento econmico e social, citou-se aes e polticas

    agrupadas nas categorias:

    Transferncia direta de renda condicionada: So alguns dos exemplos encontrados: Bolsa Famlia, Vale Renda,

    Programa de Erradicao do Trabalho Infantil (PETI) e programas municipais

    correlatos.

    So aes que atuam simultaneamente em diversos aspectos: do

    renda para garantir o acesso a alimentos pelas famlias em risco, estimulam as

    crianas a se manterem nas escolas e injetam dinheiro nas economias locais.

    Segundo Paes de Barros (2005), um dos instrumentos mais eficientes

    para combater a pobreza, pois toda verba destinada atinge o pblico-alvo. Por

    outro lado, um aumento do salrio mnimo, por exemplo, beneficiaria apenas as

    pessoas que j possuem emprego e renda.

    As discusses sobre os programas de renda mnima j ultrapassaram o

    debate sobre caracteriz-la ou no como assistencialismo. Atualmente discute-

    se a sua abrangncia, se deve ser focalizada nos mais pobres entre os pobres

    ou torn-la em um direito universal.

    A transferncia de renda condicionada fundamental como integrante

    de um conjunto de aes estruturantes, entretanto, ineficaz sozinha. O

    aumento das verbas destinadas a estes programas devero ser acompanhados

  • 36

    com aes de: microcrdito para populao carente; melhoria no sistema de

    acompanhamento e fiscalizao das famlias beneficiadas; capacitao e

    qualificao tcnica para incluso dos excludos ao mercado de trabalho e

    ampliao dos recursos em programas estruturais.

    O Bolsa Famlia, assim como qualquer outro programa de transferncia

    de renda, deve ser um coadjuvante no processo de desenvolvimento, no

    protagonista, como atualmente apresentado pelos representantes dos

    poderes pblicos municipais.

    Capacitao e qualificao da mo-de-obra: A maior parte dos municpios entrevistados declarou a existncia de

    diversos cursos para capacitao e qualificao da mo-de-obra local. Entre os

    cursos citados estavam: secretariado, corte e costura, artesanatos diversos,

    cabeleireiro, manicure e pedicure, pes e bolos e cursos diversos voltados aos

    produtores rurais.

    A grande incidncia de cursos um aspecto positivo, tanto na questo

    acesso, quanto na capacidade de unir a populao para participar destes.

    Aspecto negativo ressaltado a natureza dos cursos avessa as reais

    necessidades dos mercados locais e muitas vezes incapazes de gerar renda

    aos beneficirios. Os cursos parecem arbitrados atravs de um cardpio

    pronto de opes e sem qualquer anlise prvia do mercado de trabalho. Um

    exemplo simplificado de anlise pode ser visto no quadro 5.1.1.

    QUADRO 5.1.1: Exemplo de anlise simplificada do mercado de trabalho potencial Dados do IBGE (2009) indicam que a maior despesa para o brasileiro est na habitao, que compromete 35,9% da renda. So exemplos de servios nesta rea: servente, pedreiro, carpinteiro, pintor, vidraceiro, eletricista, entre outros. A mesma pesquisa indica que 19,8% da despesa mdia do brasileiro destinam-se a alimentao, e, prximo desta, 19,6% para o transporte. Profissionais qualificados nestas reas possuem alta probabilidade de ingressar no mercado de trabalho auferindo renda. Alguns exemplos de profisses nestas reas so: cozinheiro, aougueiro, padeiro, verdureiro, motorista, mecnico automotivo, eletricista automotivo, entre outras. Fonte: Elaborado pela pesquisa.

    O exemplo do quadro 5.1.1 pode ser adaptado a realidade municipal ou

    territorial e os cursos dirigidos e programados conforme as demandas locais.

  • 37

    Trariam um duplo beneficio, para os profissionais capacitados, que possuiro

    chances reais de ingressar no mercado de trabalho e auferir renda suficiente

    para sustentar sua famlia, e para populao local que contar com maior

    oferta de servios. A formao de turmas deve ser programada para no gerar

    profissionais em excesso em determinadas regies.

    Deve-se tambm ser verificada a necessidade de empresas locais, como

    o caso das malharias, em que a mo-de-obra qualificada escassa representa

    um gargalo ao desenvolvimento da atividade e criar / apoiar cursos especficos

    estabelecendo parcerias.

    Cursos de capacitao que demandem equipamentos e ativos

    especficos podem ser montados em salas itinerantes atendendo a todos os

    municpios do territrio.

    Crdito e Assistncia Tcnica: O crdito vem crescendo de forma muito expressiva no Brasil nos

    ltimos anos. Para se ter uma idia, em agosto de 2010 representou

    aproximadamente 46% do PIB. A estimativa do Banco Central que em 2010

    haja um aumento de 22% em relao ao ano anterior.

    A existncia de crdito e assistncia tcnica acessvel e adequados as

    realidades locais so fatores que influenciam a produo e o bem-estar nos

    territrios. O diagnstico dos territrios CONSAD de MS encontrou como

    organizaes de crdito: bancos comerciais, bancos pblicos, uma OSCIP

    (Banco da Gente), organizaes de crdito consignado e uma iniciativa do

    poder pblico municipal. Como organizaes de assistncia tcnica atuantes

    no territrio foram encontradas: Agncia de Desenvolvimento Agrrio e

    Extenso Rural [AGRAER] e, em escala restrita aos assentados do movimento

    social Fetagri, a Criana, Esporte, Cultura, Educao e Recreao

    [CRESCER].

  • 38

    Foto 5.1.1: Escritrio da AGRAER do municpio de Nova Andradina / MS

    Dentre as diversas modalidades de crdito encontra-se o microcrdito,

    que tem como intuito principal subsidiar e fomentar a produo, e

    conseqentemente, a renda das camadas mais pobres da populao que em

    outras circunstancias jamais conseguiriam acesso a financiamento. Segundo

    Hermann (2005), o microcrdito uma poltica ou iniciativa de financiamento

    direcionada a pequenos produtores ou comerciantes que se encontram

    temporariamente em dificuldades ou pretendam ampliar seu negcio.

    Observou-se que as polticas de crdito privilegiam os pequenos

    agricultores principalmente atravs do PRONAF (Programa Nacional de

    Fortalecimento da Agricultura Familiar), enquanto que os residentes urbanos

    no possuem outras formas de acesso ao crdito que no as tradicionais.

    Esto desprotegidos por completo com relao ao acesso ao crdito em

    condies do seu perfil, sendo possvel afirmar que so excludos do sistema

    financeiro, impossibilitados de serem empreendedores e geradores de renda e

    emprego.

    Portanto, tornar-se imprescindvel criar mecanismos instrumentalizados

    atravs do microcrdito com o firme propsito de atender aos excludos do

    sistema financeiro, principalmente aqueles ligados ao mercado informal. A idia

  • 39

    central que a poltica do microcrdito com seu carter de poltica de incluso

    social bastante significativo, portanto, pode ser um elemento a mais a ser

    usado com intuito de romper com a pobreza e a insegurana alimentar.

    Semelhante ao que ocorre com a disponibilidade de crdito privilegiado,

    quase que restrita a um programa e um pblico-alvo, a assistncia tcnica se

    concentra em uma organizao, a AGRAER. Os recursos humanos e

    econmicos limitados e o grande nmero de produtores fazem com que a

    organizao privilegie servios burocrticos e o atendimento aos

    assentamentos rurais.

    A existncia e abrangncia dos escritrios de atendimento so aspectos

    positivos, enquanto a falta de credibilidade nos servios e recursos

    insuficientes constituem-se em aspectos negativos.

    necessrio o fortalecimento da assistncia tcnica nos territrios

    atravs do aumento da credibilidade da AGRAER, realizando um servio pr-

    ativo no sentido de procurar o produtor e levar at eles solues e recursos,

    privilegiando no s os assentados em programas da reforma agrria como os

    pequenos e mdios produtores. As aes de assistncia tcnica devem

    tambm ser direcionadas para atender as reais demandas dos produtores.

    Durante visita em campo realizada pela pesquisa foi relatado que os cursos

    oferecidos por intermdio da AGRAER e SENAR no os atendiam, sendo

    utilizado o exemplo dos defensivos agrcolas, que eram utilizados pelos

    produtores e no eram discutidos em cursos.

    Infra-estrutura e indstrias: Entre as aes citadas pelos Municpios como promotoras do

    desenvolvimento da localidade esto a infra-estrutura e a atrao de empresas

    e indstrias. Entre as obras de infra-estrutura citadas esto: pavimentao e

    manuteno de vias pblicas, disponibilizao de recursos de apoio a produo

    e comercializao (transporte de mercadoria, resfriadores de leite, patrulhas

    agrcolas mecanizadas, criao de feiras e mercados dos produtores),

    ambientes de apoio ao turismo, pontos de venda de artesanato, entre outros.

    Segundo Leite (2006), a experincia de desenvolvimento da parte

    meridional da Itlia, exemplo mundialmente reconhecido de desenvolvimento

    local, se deu em duas frentes: removendo obstculos de natureza local e

  • 40

    institucional ao desenvolvimento da agricultura e estmulo ao desenvolvimento

    industrial, este segundo incluindo tambm massivos investimentos em infra-

    estrutura em um plano de longo prazo.

    Para tornar os territrios atrativos aos investimentos externos e

    competitivos na escala interestadual so necessrios: poltica tributria

    compensatria em resposta as vantagens fiscais oferecidas pelos outros

    Estados brasileiros (adequao a guerra fiscal enquanto ainda no existe

    uma relao cooperativa intergovernamental); infra-estrutura logstica incluindo

    estradas, ferrovias e hidrovias acessveis, baratas e em boas condies;

    organizao das atividades produtivas visando sua sustentabilidade atravs do

    Zoneamento Ecolgico-Econmico (Estadual) e Planos Diretores (Municipais);

    qualificao da mo-de-obra local (aumento do nvel de escolaridade e ensino

    tcnico); facilitao de acesso a crdito para iniciativas privadas que gerem

    emprego e renda; entre outras.

    A pr-atividade do Estado e dos Municpios deve ser o meio privilegiado

    para garantir o desenvolvimento dos mesmos. O desenvolvimento dos

    territrios deve passar a fazer parte de um planejamento de curto, mdio e

    longo prazo, isento de interesses polticos imediatistas.

    Empreendimentos scio-produtivos:

    O conceito de empreendimentos scio-produtivos mais amplo e no

    necessariamente sinnimos de empreendimentos econmico-solidrios, esses

    discutidos na seo 6.3. So exemplos de empreendimentos scio-produtivos

    citados nas entrevistas: hortas ou lavouras comunitrias, cozinhas

    comunitrias, padarias comunitrias, malharias comunitrias, cooperativas e

    associaes.

    Os empreendimentos scio-produtivos no devem ser vistos apenas

    como uma alternativa ao emprego formal, mas como uma oportunidade de

    desenvolvimento. A pulverizao de esforos e a baixa auto-estima dos

    trabalhadores so graves problemas nas regies abrangidas pelos CONSADs

    e devem ter substituda a mentalidade de subalternidade, baseada na

    alienao do trabalho, por uma mentalidade em que o trabalhador identifique-

    se como proprietrio e gestor do seu prprio trabalho (IBAM, 2003).

  • 41

    Como aspecto positivo o diagnstico detectou a existncia de diversos

    empreendimentos scio-produtivos criados com o apoio do poder pblico nos

    territrios CONSADs de MS. Negativamente, constataram-se diferentes

    dinmicas e nveis de comprometimento entre os beneficiados, sociedade civil

    e poder pblico para com o sucesso destes.

    Foto 5.1.2: Restaurante oriundo de um empreendimento scio-produtivo proposto pelo CONSAD Vale do Ivinhema em Bataypor / MS

    Os entrevistados declararam em alguns casos a falta de auxilio do poder

    pblico municipal para o sucesso do empreendimento, do outro lado, os

    representantes das prefeituras alegaram falta de comprometimento,

    organizao e esprito imediatista dos beneficiados. A realidade a

    constatao de um alto nvel de desistncia nos empreendimentos. O

    restaurante comunitrio de Bataypor e a horta comunitria implantada em

    Taquarussu so exemplos. Atualmente o primeiro permanece com apenas

    duas beneficiadas e o segundo com apenas um.

  • 42

    Foto 5.1.3: Horta comunitria existente na cidade de Taquarussu / MS

    Em vista do fortalecimento de tais iniciativas devero ser levados em

    considerao alguns aspectos: i) estudo de mercado para propor

    empreendimento vivel e auto-sustentvel; ii) treinamento no s na atividade

    fim do projeto como tambm no trabalho comunitrio; iii) perodo de incubao

    obrigatrio do empreendimento com acompanhamento tcnico; iv)

    remunerao dos beneficiados atravs de bolsa por perodo determinado at o

    empreendimento comear a gerar dividendos; v) criao de linha de crdito

    privilegiado para beneficiados pelo empreendimento, estimulando-os a criao

    de um negcio prprio; vi) em caso de desistncia de beneficiados,

    recuperao de ativos investidos pelo poder pblico. Sanes devero ser

    estudadas para desestimular pessoas desinteressadas no sucesso do

    empreendimento, tais como restituio de parte da bolsa concedida e proibio

    por tempo determinado de participao em empreendimentos desta natureza.

    5.2. SEGURANA ALIMENTAR E NUTRICIONAL

    As polticas pblicas delineiam o ambiente em que produtores, agentes

    comerciais do sistema agroalimentar e consumidores tomam decises no nvel

  • 43

    micro; ou seja, o ambiente microeconmico delineado de acordo com as

    condies macroeconmicas. Nesse sentido, a poltica macroeconmica

    influencia o sistema agroalimentar como um todo. Os preos dos alimentos so

    fortemente condicionados pela poltica fiscal e monetria. O nvel de emprego e

    distribuio de renda (e consumo de alimentos) tambm determinado mais

    pela poltica macroeconmica do que pelos investimentos setoriais (ACKRILL

    et al., 2002).

    Portanto, a poltica nacional de alimentao e nutrio est inserida na

    poltica geral do desenvolvimento socioeconmico de um pas [figura 5.2.1],

    com a finalidade de garantir a toda a populao condies scio-econmico-

    culturais que melhorem o estado nutricional e de sade. Assim, cuidadoso

    clculo das necessidades das famlias recomendado para o planejamento

    mais adequado das intervenes de sade em cada contexto (TIMMER, 2000).

    Figura 5.2.1: Relao entre poltica macroeconmica e poltica de alimentao e nutrio. Fonte: Timmer, Falcon e Pearson (1983).

    Poltica Macroeconmica

    Inflao

    Macropoltica de preos

    Poltica Oramental

    Poltica Fiscal e Monetria

    Consumidores

    Poltica Alimentar

    Programas Alimentares

    Produtores

    Poltica Comercial

    Poltica de Preos dos Alimentos

    Comrcio rural/urbano

    Salrios Taxa de Juros Taxa de Cmbio

  • 44

    Polticas alimentares tm cumprido o papel de fornecer acesso

    alimentao para a populao, mas falham no que diz respeito saudabilidade

    desses alimentos. As polticas alimentares se dividem em trs grandes

    categorias: i) fornecimento de quantidades suficientes de alimentos; ii)

    fornecimento de alimentos livres de contaminao, e; iii) fornecimento de dieta

    saudvel e de qualidade para todos. Estes trs aspectos so tratados pelas

    instituies, mas raramente interagem uns com os outros ou tm estratgias

    coordenadas conjuntamente (TIMMER; FALCON; PEARSON, 1983).

    Polticas de nutrio e dieta podem encontrar-se em estreita aliana com

    as polticas para a agricultura sustentvel (HUANG; ROZELLE, 2009).

    Contudo, necessria mudana de pensamento, de forma a reconsiderar o

    papel da alimentao comercial na produo. Polticas de nutrio bem

    sucedidas podem ainda provar ser o prximo grande passo na melhoria da

    sade pblica (BLACK et al., 2008).

    Segundo Cohn (1995), as polticas sociais, por si s, no so suficientes

    para reverter os altos ndices de pobreza e desigualdade social, seria

    necessria uma nova articulao entre poltica econmica e poltica social.

    Compreender o contexto scio-poltico e a dinmica econmica de uma

    sociedade fundamental para a compreenso do fenmeno de SAN (PINGALI;

    ALINOVI; SUTTON, 2005).

    Dados empricos e recomendaes Conforme anlise feita no item 5.1, as declaraes dos representantes

    dos poderes pblicos municipais referentes s aes que so realizadas

    visando segurana alimentar e nutricional foram agrupadas em categorias e

    nestas brevemente discutidas:

    Transferncia de renda condicionada:

    A transferncia de renda j foi discutida no item 5.1. A poltica de

    transferncia de renda condicionada economicamente a mais eficiente e com

    resultados imediatos, entretanto no deve ser tida como ao isolada, mas

    parte integrante de um conjunto de aes.

  • 45

    Merenda escolar: A merenda escolar, programa que possui recursos tanto do governo

    federal, atravs do Programa Nacional de Alimentao Escolar [PNAE], quanto

    estaduais e municipais, atende no s a necessidade imediata de alimentao

    dos estudantes beneficiados como tambm tem o potencial de criar um hbito

    alimentar nutricionalmente adequado.

    No diagnstico dos territrios CONSADs de MS foi constatada a

    incidncia de diversos problemas oriundos de uma alimentao inadequada,

    tais como: hipertenso arterial, obesidade, desnutrio e diabetes mellitus.

    Entrevistados declararam que a alimentao que predomina na regio pouco

    diversificada e sem a presena de frutas, legumes e verduras.

    O potencial do programa de merenda escolar enorme e deve ser explorado. A agregao de a educao alimentar ao programa deve estudada,

    incluindo todos os membros da famlia, sendo a escola um meio privilegiado.

    Doao de alimentos e cestas bsicas: A doao de alimentos e cestas bsicas so aes assistenciais com resultados imediatos sobre o problema da fome, mas que de forma alguma

    reduzem a insegurana alimentar.

    Devem existir, porm, no como ao isolada, mas dentro de um

    conjunto de aes emergenciais e estruturantes. Entrevistados sugeriram

    durante as oficinas conjuntas a vinculao da doao de alimentos com os

    produtos da agricultura familiar, fortalecendo o aspecto da produo de

    alimentos regional de uma forma socialmente justa. Multimistura: O farelo multimistura, composto por farelos de arroz, trigo, casca de ovo e folha de mandioca foi desenvolvido e popularizado pela Pastoral da Criana

    visando recuperao do estado de desnutrio e anemia em crianas. Na cidade de Jardim / MS, que integra o territrio CONSAD Serra da Bodoquena, a produo e utilizao da multimistura foi integrada ao sistema

    municipal de sade, sendo prescrita por mdicos e distribuda atravs dos

    postos de sade e agentes comunitrios. Dois tipos de farelo so produzidos,

    um para recuperao nutricional, energtico e recomendado para anemia e

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    outro visando manuteno nutricional, rico em fibras e recomendado

    principalmente para casos constipao.

    Foto 5.2.1: Cozinha mantida pela Prefeitura Municipal de Jardim para produzir a multimistura

    Apesar de inovadora a ao municipal, existe uma orientao recente da

    Pastoral da Criana, fundamentada em estudos cientficos, que indica a baixa

    eficincia da multimistura na melhoria do quadro nutricional das crianas.

    Aes bsicas de educao e sade, associadas ao estmulo das famlias para

    uma alimentao diversificada, com alimentos frescos e integrais, so mais

    eficientes e perenes que a utilizao isolada da multimistura. Legislao e fiscalizao sanitria:

    A legislao e fiscalizao sanitria so fundamentais para

    institucionalmente promover a segurana dos alimentos. Entretanto, predomina

    a informalizao dos alimentos produzidos e comercializados nos territrios

    CONSADs externos as redes varejistas, tais como doces, queijos e derivados,

    pes, conservas e pimentas, entre outros.

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    Os produtores, de uma forma geral, afirmam desconhecimento dos

    requisitos necessrios a regularizao ou dificuldades para cumpri-los.

    Foto 5.2.2: Agroindstria familiar de doces em barra derivados da cana-de-acar na cidade de Anaurilndia / MS.

    O estmulo a produo de alimentos pela agricultura familiar e o seu

    beneficiamento dever ser acompanhado de uma consultoria gratuita,

    disponvel e pr-ativa, bem como linhas de crdito