política, educação e cultura organização de alexandre felipe

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POLÍTICA, EDUCAÇÃO E CULTURA Programa de Pós-Graduação em Educação Mestrado em Educação - PPGE Pró-Reitoria de Pesquisa Pós-Graduação em Educação Universidade Estadual do Oeste do Paraná EDUNIOESTE CASCAVEL - PR 2008 Alexandre Felipe Fiuza Gilmar Henrique da Conceição (Organizadores)

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Programa de Pós-Graduação em EducaçãoMestrado em Educação - PPGE

Pró-Reitoria de Pesquisa Pós-Graduação em EducaçãoUniversidade Estadual do Oeste do Paraná

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Impressão e AcabamentoEditora e Gráfica Universitária - EdunioesteRua Universitária, 1619 - E-mail: [email protected] (45) 3220-3085 - Fax (45) 3324-4590CEP 85819-110 - Cascavel-PR - Caixa Postal 701

© 2008, dos autores

Diagramação:Diagramação:Diagramação:Diagramação:Diagramação:Antonio da Silva Junior

FFFFFoto da capa:oto da capa:oto da capa:oto da capa:oto da capa:Paulo Porto, © 1991

Catalogação:Catalogação:Catalogação:Catalogação:Catalogação:Marilene de Fátima Donadel - CRB 9/924

Política, Educação e Cultura/ organização de Alexandre FelipeFiuza, Gilmar Henrique da Conceição. — Cascavel :Edunioeste, 2008.214 p. — (Coleção Sociedade, Estado e Educação ; n. 1)

Vários autores

ISBN: 978-85-7644-175-5

1. Educação - Estudo e ensino (Pós-graduação) - Brasil 2.Pesquisa educacional 3. Universidades e faculdades - Brasil -Pós-graduação I. Fiuza, Alexandre Felipe, Org. II. Conceição,Gilmar Henrique da, Org.

CDD 20. ed. 378.1098162 370.78

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çãoPOLÍTICA, EDUCAÇÃO E CULTURA

COLEÇÃO SOCIEDADE, ESTADO E EDUCAÇÃO(NÚMERO 1)

Programa de Pós-Graduação em EducaçãoMestrado em Educação - PPGE

Pró-Reitoria de Pesquisa Pós-Graduação em EducaçãoUniversidade Estadual do Oeste do Paraná

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UNIVERSIDADE ESTUNIVERSIDADE ESTUNIVERSIDADE ESTUNIVERSIDADE ESTUNIVERSIDADE ESTADUADUADUADUADUAL DO OESTE DO PAL DO OESTE DO PAL DO OESTE DO PAL DO OESTE DO PAL DO OESTE DO PARANÁ - UNIOESTEARANÁ - UNIOESTEARANÁ - UNIOESTEARANÁ - UNIOESTEARANÁ - UNIOESTE

REITORAlcibiades Luiz Orlando

VICE-REITORBenedito Martins Gomes

PRÓ-REITOR DE ADMINISTRAÇÃO E PLANEJAMENTOGeysler Rogis Flor Bertolini

PRÓ-REITOR DE GRADUAÇÃOEurides Küster Macedo Júnior

PRÓ-REITOR DE EXTENSÃOWilson João Zonin

PRÓ-REITORA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃOFabiana Scarparo Naufel

CONSELHO EDITORIALAlfredo Aparecido Batista

Ana Alix Mendes de Almeida OliveiraAngelita Pereira Batista

Antonio Donizeti da CruzClarice Aoki Osaku

Eurides Kuster Macedo JúniorFabiana Scarparo Naufel

Fernando dos Santos SampaioJosé Carlos dos Santos

Lourdes Kaminski AlvesMaria Erni Geich

Miguel Ângelo LazzarettiMirna Fernanda OliveiraNeide Tiemi MurofusePaulo Cezar Konzen

Reinaldo Aparecido BariccattiRenata Camacho Bezerra

Rosana Katia NazzariSilvio César Sampaio

Udo StrassburgWilson João Zonin

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APRESENTAÇÃO

No bojo do processo de verticalização acadêmica,implementada institucionalmente na UNIOESTE pelos diferentesCentros e, no âmbito de sua atuação, pelo Centro de Educação,Comunicação e Artes (CECA), com seus respectivos colegiados decursos, desde 2000, especialmente, colocou, coletivamente, anecessidade de iniciarmos a elaboração do Projeto de Mestrado emEducação, para ser submetido à CAPES ainda que algumas debilidadesse apresentassem claramente na ocasião, tais como as relativas adefinição e articulação dos elementos constitutivos da proposta e asrelativas à produção dos docentes. Não tínhamos a pretensão deque o projeto fosse recomendado pela CAPES, ao menos naquelemomento. A idéia era exatamente mapearmos nossas fragilidades, ea partir daí focarmos todas as nossas energias com vistas à suasuperação. Foi o que ocorreu. Muitos deram sua inestimávelcontribuição, de modo que não podemos ignorar o esforço mútuo,nem apagar fotografias. No histórico deste Programa não há marco-zero propriamente dito. Foram anos cumulativos de agregação deforças e as debilidades constatadas por ocasião da primeira versãoserviram de referência para sua superação exitosa em 2005.

Em termos da implementação do Mestrado em Educação, umpasso importante dado em 2002 foi a definição da área deconcentração “Sociedade, Estado e Educação” e que, após ajustesnecessários, se manteve na proposta aprovada pela CAPES em 2005.Agora, porém, de forma mais articulada com a linha de pesquisa“Educação, Políticas Sociais e Estado”, constitui um conjunto temáticono qual as pesquisas e produções acadêmicas lhe dão sustentaçãoorgânica, visto que congrega estudos orientados para a compreensãode diferentes dimensões da práxis educativa, a partir da análise dosfundamentos e/ou ações do Estado e da sociedade civil nos distintoscampos das políticas sociais.

Nessa direção podemos ressaltar duas iniciativas editoriais: acriação da Coleção Sociedade, Estado e Educação (aqui inaugurada)e a criação da revista Educere et Educare para publicação técnico-científica objetivando a divulgação do resultado de estudos ou depesquisas em andamento de docentes e discentes do Mestrado emEducação, além de artigos de pesquisadores externos à UNIOESTEe do exterior, que dão seqüência ao conjunto de debates com o intuitode aprofundar os estudos acerca da sociedade, do Estado e daeducação.

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Quanto à criação da Educere et Educare – Revista de Educação(versão impressa e eletrônica), vinculada ao Mestrado em Educaçãoe ao Colegiado de Pedagogia, a mesma se encontra em seu quintonúmero. A revista publica Núcleos Temáticos e está dividida em trêsáreas de conhecimento: Fundamentos da Educação, FundamentosMetodológicos e Políticas Educacionais. Esta revista é resultado diretodos esforços conjuntos de nossos Grupos de Pesquisa em Educaçãodo CECA, quais sejam: “Políticas Sociais”, “Trabalho, Estado,Sociedade e Educação”, “Política Educacional e Social”,“Aprendizagem e Ação Docente”, “Gestão Escolar”, “Educação,Cultura, Linguagem e Arte”, “História, Sociedade e Educação noBrasil” e “História e Historiografia na Educação”.

Quanto à criação da Coleção Sociedade, Estado e Educaçãoaqui em apreço trata-se do início de uma coleção que se expressarádoravante por meio de duas coletâneas anuais de artigos depesquisadores docentes e discentes afetos ao Programa, bem comode pesquisadores externos. Neste primeiro volume estamosproduzindo o ponto de partida para a sua regularidade que seestenderá nos próximos anos. Ou seja, a cada ano a ColeçãoSociedade, Estado e Educação publicará dois números cujaabordagem temática e tratamento teórico serão definidos peloColegiado do curso de Mestrado.

Neste volume buscamos estudar o trabalho como elementodeterminante e fundamental de todo o processo educativo, logo, detoda instituição escolar. Em razão disso afirma-se que o conceito deunitariedade da escola ainda está sendo construído e não exclui aespecialização de cada um dentro de seus gostos e inclinações,usufruindo de todos os elevados prazeres humanos. De modo quefaz sentido recuperar o significado de educação, tendo por ponto departida a atividade humana em luta pela sobrevivência como condiçãobásica da hominização. Nesta seara, o texto de Paolo Nosella, Aconstrução histórica do trabalho como um princípio educativo, retomaum tema de grande relevância e avalia como surge um novo conceitode instituição escolar unitária, em particular a partir das reflexões deMario Manacorda. O tema do trabalho também é revisitado em umoutro artigo, Elementos sociais do mundo do trabalho na ficçãocinematográfica: provocações de “O Corte”, de Georgia Sobreira dosSantos Cêa e Rosane Zen, desta feita a partir da análise das mudançasestruturais no mundo do trabalho sugeridos em assuntos e cenasque constituem o filme de Costa-Gavras e se ocupando de umabibliografia que discute o mundo do trabalho e as mudanças queafetam diretamente os trabalhadores.

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Nesse sentido, a luta política para a redução e eliminação dasdesigualdades sociais continua e até mesmo se acentua. Assim, indica-se que reconverter o professor é um empreendimento que implicaem reconverter as próprias instituições de formação docente ou osprojetos institucionais por elas implementados. Desse modo, opropósito de reconversão profissional supõe a reconversão conceitual,ou seja, deve-se assumir que estamos frente ao colapso do conceitode professor, articulado ao colapso de uma determinada concepçãode escola. No âmago desta temática, o texto Redes para reconversãodocente de Eneida Oto Shiroma e Olinda Evangelista, analisa odestaque adquirido pelos programas de capacitação profissional, emparticular, se detendo na requalificação docente, mediante o examede políticas no âmbito nacional e internacional, além de avaliar asparcerias estabelecidas para tais programas. Por sua, vez, no textoIntegração da educação profissional técnica de nível médio namodalidade de educação de jovens e adultos: algumas reflexões sobreo currículo, as autoras Edaguimar Orquizas Viriatto e Renata Gotardotecem considerações sobre o currículo integrado para o ensino médioprofissional na modalidade da Educação de Jovens e Adultos, e emparticular se detém no PROEJA e nas suas diferenças em relação aprojetos similares.

Em Para que servem os cursos de formação de professores?,Lizia Helena Nagel pondera sobre os conceitos de educação, ensinoe aprendizagem, e analisa os resultados produzidos pelo ProgramaInternacional de Avaliação dos Estudantes (Pisa), se detendo no examedo desempenho de alunos brasileiros e relacionando-os àsorientações pedagógicas que embasaram a educação brasileira nosúltimos anos. Ainda tendo como horizonte a preocupação com aescola, os professores Cezar Ricardo de Freitas e Maria Inalva Galter,remontando ao século anterior, analisam em Reflexões sobre aeducação em tempo integral no decorrer do século XX, como oconceito e sua aplicação prática foi ressignificado na atualidade, sejanos projetos nacionais ou naqueles implementados na cidade deCascavel. Com uma temática similar, o artigo Gramsci e a educação:A relação Escola-Partido no contexto da construção da sociedadecapitalista, de Luiz Carlos de Freitas, explora o debate que envolve aEscola Única proposta por Gramsci e sua insuficiente relação comas propostas políticas do autor em relação à intervenção e àtransformação social.

Com base na teoria de Vigotski e de Leontiev, o pesquisadorEnio Rodrigues da Rosa, em seu texto A educação das pessoas cegasou com visão reduzida no Estado do Paraná, esquadrinha as políticas

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educação e legislação no tocante à educação de pessoas cegas noParaná, além de perscrutar os movimentos organizativos em âmbitoregional. Com um tema similar, Alfredo Roberto de Carvalho, emInclusão social no contexto da reorganização capitalista do final doséculo XX: pessoa com deficiência, educação inclusiva e reserva depostos de trabalho, a partir de uma perspectiva histórica, ponderasobre a inclusão social de pessoas com deficiência na escola e notrabalho, verificando pressupostos de modelos inclusivos e suarelação com o contexto econômico, político e social. Ainda no quetange as cotas, e com uma temática que tem gerado calorososdebates, Luis Fernando Cerri, em Notas críticas aos argumentos contracotas para negros nas universidades públicas, escrutinacuidadosamente as argumentações contrárias às cotas para negrosnas universidades, trazidas à cena pelos grandes meios decomunicação e representativas dos interesses políticos dos gruposque controlam tais mídias. Outro trabalho que se ocupa de umaoutra faceta do campo midiático é o artigo A educação pela censura:o controle musical como agente de educação não-formal na ditaduraportuguesa, de Alexandre Felipe Fiuza, que identifica a censuramusical portuguesa como um meio de educação não-formal dapopulação na medida em que a ditadura controlou os discursos desteque era um dos produtos culturais mais consumidos no país.

Tratando sobre o curriculo, no artigo Multiculturalismo eDiretrizes Curriculares Nacionais: uma questão em debate, VaniceSchossler Sbardelotto traz elementos que tem em vista contribuirpara a compreensão do multiculturalismo, que segundo suaperspectiva, tem deslocado a desigualdade entre as pessoas da basematerial para uma diferença cultural, individual, de guetos ouminorias. A expressão dessa perspectiva nas DCNs indicaria a rupturada primazia do conhecimento científico e a supervalorização deaspectos culturais, éticos e morais.

Enfim, em meio a esta dinâmica social, temos aqui nestacoletânea uma série de artigos que não resvalam na realidade, masse ocupam detidamente da concretude dos problemas educativos ede temas prementes no debate educacional contemporâneo. É combase nos relevantes temas aqui elencados que temos a gratasatisfação de convidar a todos a se debruçarem sobre este livro,pois encontrarão aqui material de investigação relevante nastemáticas abordadas pelo coletivo do Mestrado em Educação.

Cascavel, março de 2008.Os Organizadores.

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SUMÁRIO

A educação das pessoas cegas ou com visão reduzidano Estado do Paraná .............................................................. 11Enio Rodrigues da Rosa

Redes para reconversão docente .......................................... 33Eneida Oto Shiroma e Olinda Evangelista

Para que servem os cursos de formação de professores? ...... 55Lizia Helena Nagel

Notas críticas aos argumentos contra cotas para negrosnas universidades públicas .................................................... 73Luis Fernando Cerri

A construção histórica do trabalho comoum princípio educativo ......................................................... 91Paolo Nosella

Inclusão social no contexto da reorganização capitalistado final do século XX: pessoa com deficiência, educaçãoinclusiva e reserva de postos de trabalho .............................. 101Alfredo Roberto de Carvalho

Reflexões sobre a educação em tempo integralno decorrer do século XX ...................................................... 121Cezar Ricardo de Freitas e Maria Inalva Galter

Integração da educação profissional técnica de nívelmédio na modalidade de educação de jovens e adultos:algumas reflexões sobre o currículo ...................................... 139Edaguimar Orquizas Viriato e Renata Cristina da Costa Gotardo

Elementos sociais do mundo do trabalho na ficçãocinematográfica: provocações de “O Corte” ......................... 157Georgia Sobreira dos Santos Cêa e Rosane Toebe Zen

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Gramsci e a educação: A relação Escola-Partidono contexto da construção da sociedade capitalista .............. 173Luiz Carlos de Freitas

A educação pela censura: o controle musicalcomo agente de educação não-formalna ditadura portuguesa ......................................................... 191Alexandre Felipe Fiuza

Multiculturalismo e Diretrizes Curriculares Nacionais: umaquestão em debate ............................................................... 203Vanice Schossler Sbardelotto

SOBRE OS AUTORES ............................................................ 215

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A EDUCAÇÃO ESCOLAR DAS PESSOAS CEGAS OU COM

VISÃO REDUZIDA NO ESTADO DO PARANÁ

Enio Rodrigues da Rosa

“A palavra vence a cegueira.”(VIGOTSKI, 1997, p. 82).

Este artigo pretende assinalar alguns aspectos históricos,políticos e psicológicos sobre o processo de educação escolar daspessoas cegas ou com visão reduzida no Estado do Paraná, tomandocomo marco referencial histórico o surgimento do InstitutoParanaense de Instrução e Trabalho para Cegos (IPC),,,,, em 1939, nacidade de Curitiba, capital do Estado.

É importante deixar claro que este estudo apresenta um exameda questão e não tem a pretensão de esgotar a análise em função deduas condicionantes: a) os limites de um artigo impõem selecionardas fontes primárias e secundárias disponíveis os principaiselementos e abordá-los de modo sucinto; b) até onde foi possívellevantar as fontes, existe pouca produção sobre este assunto noEstado, por isso, uma pesquisa de maior alcance e abrangência, tantona coleta e catalogação das fontes primárias e secundárias, bem comona exploração dos dados, ainda está por ser realizada sobre o temaem questão. Ao lado dessas considerações, outra também se faznecessária: o trabalho procura conjugar as reflexões teóricas e asobservações empíricas da realidade das pessoas cegas ou com visãoreduzida, como fruto das próprias experiências e vivências do autorcomo pessoa cega e militante do movimento das pessoas comdeficiência.

Antes de avançar na exposição, e procurando lastrear opercurso educacional das pessoas cegas, é preciso pontuar algunselementos históricos que antecederam e serviram de base naconstituição e propagação dos serviços especializados de apoio aosalunos matriculados na rede do ensino comum do Estado do Paraná.

Desde o início da Independência do Brasil (1822), tanto naeducação como em outros setores da sociedade, a presença dainiciativa privada de natureza filantrópica assistencial foi uma das

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características que acompanharam o desenvolvimento de programase serviços voltados para o atendimento das carências das massasexcluídas dos bens elementares de sobrevivência, principalmenteno que toca ao atendimento das necessidades das pessoas comdeficiência.

Preocupadas apenas com a formação dos quadros dirigentesdos destinos da nação, as elites brasileiras investiram na educaçãosuperior, deixando a cargo das iniciativas particulares a educaçãoprimária das primeiras letras, mesmo tendo a Constituição Imperialde 1824 estabelecido que esta fosse gratuita e da responsabilidadedas províncias.

A Constituição de 1824, era de

[...] orientação liberal, mas não democrática, assegurava direitos civis(de cidadania) aos brasileiros brancos, mas não aos índios e escravos, edireitos políticos (de voto) aos brasileiros brancos que tinham, nomínimo, renda de 100 mil réis anuais: quem é “coisa” não tem direitos,quem é “povo” ou “plebe” tem direitos civis e políticos diferenciados,proporcionais à renda. Considerando a questão do ângulo do princípioliberal proclamado de igualdade, essa repartição mostrava-seenormemente restritiva, pois, na época, três quartos da populaçãocompunha-se de escravos e grande parte do restante era de brancoslivres e pobres (HILSDORF, 2003, pp. 43 e 44 - grifos da autora).

É neste contexto que surge no Brasil a primeira instituiçãoeducacional especializada para os filhos cegos das classeseconomicamente subalternas – vale lembrar, com exceção dosescravos e dos índios. De acordo com o Decreto Imperial nº 1.429,de 12 de setembro de 1854, foi criado o Imperial Instituto dosMeninos Cegos, inaugurado solenemente em 17 de setembro domesmo ano, na cidade do Rio de Janeiro, sede da Corte (LOBO,1997, p. 558). Na opinião de Silveira Bueno, o surgimento destainstituição dedicada à educação especial parece refletir mais aimportação de certo espírito “cosmopolita” dos grandes centros,como resultado do interesse de figuras próximas ao poder constituídodo que pela sua real necessidade (1993, p. 85).

Este modelo institucional segregado teve início na França, em1784, com a criação do Instituto dos Jovens Cegos de Paris, onde ocapitalismo já havia alcançado um grau mais avançado dedesenvolvimento das forças produtivas, possibilitando inclusive oaproveitamento da mão-de-obra de certos cegos em alguns tipos deatividades econômicas. Transposto para uma realidade econômicabaseada na monocultura para a exportação ainda movida por

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mão-de-obra escrava, a criação do Instituto serviu para retirar dasfamílias e colocar em espaços segregados aquelas pessoas que nãonecessitavam ficar isoladas do convívio da sociedade.

De acordo com algumas informações, mesmo antes dafundação da escola especializada, já havia no Brasil algumas pessoascegas escolarizadas, tanto que no ato de inauguração do Instituto, oDr. José Sigaud aponta dois casos de sucesso quanto às meninascegas: “Olineina de Azevedo que vivia na província do Ceará e secasara com um fazendeiro local e que também estudara em Paris;Delfina da Cunha que vivia em Pelotas na província do Rio Grandedo Sul e que publicara ‘[...] um livro de poesia no reinado do Sr. D.Pedro I’” (ZENI, 1997, p. 122, grifos do autor).

Como parte da propagação do modelo institucional segregado,baseado no Instituto Benjamin Constant, em 1939, foi fundado emCuritiba o Instituto Paranaense de Instrução e Trabalho para Cegos(IPC). “Em 1939, foi fundada a primeira entidade de assistência aosportadores de deficiência visual, o Instituto Paranaense de Cegos”(PARANÁ, 1994, p. 10). Esta entidade é a mantenedora da única EscolaEspecializada ainda existente no Estado, criada em 1941, quandoeste modelo era predominante em todo o País.

Em 1932, merece registro o fato de um estudante cego dacidade de Curitiba ter recorrido ao recém criado Conselho Nacionalda Educação (1932) para ter assegurado o seu direito de estudarnuma escola comum. Conforme o parecer do relator do Processo nº 291, de 04 de novembro de 1932, o Professor Cesário de Andrade,apesar de entender que não seria possível para um professor daescola comum ministrar aulas para um aluno cego que se vale demétodos de ensino tão diferente, junto com os demais alunos, tocadopela compaixão e com base na eqüidade, acabou concedendo odireito do aluno cego freqüentar uma sala de aula do ensino comum.

O professor Cesário de Andrade mostra que não é possível ministrarem conjunto o ensino de classes de alunos cegos, que se valem desistemas especiais e ainda deficientes e de alunos videntes que seguemmétodos pedagógicos comuns. O referido Parecer concluiu pelaconcessão da matrícula pleiteada, porque: seria realmenteprofundamente doloroso que, além do cárcere das trevas, privássemoso requerente desse bálsamo espiritual, que tanto o ajudará a quebrar ocepticismo tão próprio dessa grande desgraça que é a cegueira(SOMBRA, 1983, p. 25).

Mesmo durante a Idade Média, as pessoas cegas filhas daselites que não eram abandonadas a sua própria sorte conseguiram

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atingir níveis elevados de instrução formal e ocuparam posição dedestaque na sociedade. Silva (1986, p. 251-254) fala dos cegos“brilhantes”, dos quais destacam-se aqui três como exemplo: NicolasSaunderson (Professor em Cambridge), John Metcalf (Engenheiro) eMaria Tereza Von Paradis (Concertista). No entanto,

esses cegos só conseguiram alcançar níveis de realização tão notáveisporque não eram abandonados ou entregues à própria sorte. Para quequalquer indivíduo se tornasse professor de Cambridge, engenheiroou concertista, quer fosse vidente ou cego, seria preciso ter recebidoinstrução formal, fato que parece ter passado desapercebido por esseshistoriadores (SILVEIRA BUENO, 1993, p. 62).

Silva (1986) também fala de moças cegas usadas comoprostitutas e rapazes cegos utilizados como remadores nas Galés.Porém, esses são apresentados sem nomes e sem nenhuma mençãode “brilhantismo”. Em qualquer lugar em que os Institutos foramcriados, os dados revelam que em sua esmagadora maioria, aspessoas cegas que deles fizeram uso pertenciam às famílias da classetrabalhadora que não tinham alternativa de educação para os seusfilhos cegos. Zeni (1997) demonstra que, quando da fundação doImperial Instituto dos Meninos Cegos do Brasil, em 1854, por razõesdiferentes, tanto as famílias abastadas como as famílias pobresofereciam resistência quando se tratava de mandar os seus filhoscegos para a instituição.

Não é objetivo deste estudo explorar com detalhes asprincipais controvérsias e polêmicas travadas envolvendo osdefensores do modelo educacional segregado e os defensores daintegração das pessoas cegas ou com visão reduzida nas escolas doensino comum. Contudo, é interessante observar o que diz Araújo,citando Lemos:

A integração no ensino primário foi iniciativa da Fundação para o Livrodo Cego no Brasil, em São Paulo. O ensino integrado de 2º grau foiresultado dos esforços desenvolvidos pelo Instituto BenjaminConstant, no Rio de Janeiro. A integração das pessoas cegas no ensinosuperior foi uma conseqüência de sua admissão ao ensino de 2º grau ese fez através de atividades isoladas dos interessados, mediante aobtenção de pronunciamento do então Conselho Nacional deEducação (1993, p. 50).

No período entre 1946 e 1979, pelo menos seisacontecimentos merecem destaque na luta pela integração dosalunos cegos ou com visão reduzida nas escolas do ensino comum:no ano de 1946, a criação da Fundação para o Livro do Cego noBrasil; 1958, a instituição da Campanha Nacional de Educação

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para Cegos junto ao MEC; 1961, a promulgação da primeira LDBN,Lei n. 4.024/1961, particularmente o Título X, Da “Educação deExcepcionais”, Artigos 88 e 89; 1964, a realização do PrimeiroCongresso Brasileiro para a Educação das Pessoas com DeficiênciaVisual; 1973, a criação do Centro Nacional da Educação Especial –CENESP/Departamento da Deficiência Visual; e 1979, a divulgaçãodas quatro propostas Curriculares para a área da deficiência visual.“De 1975 a 1977, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro, emconvênio com o CENESP, trabalhou no Projeto de Reformulação deCurrículos para Deficientes Visuais, considerando o instrumentobásico de ação no processo ensino-aprendizagem” (BRASIL, 1979,p. 09).

Embora este processo tenha ocorrido paralelamente, é precisocompreendê-lo como parte dos debates e disputas travadas em tornoda elaboração da primeira LDBN, Lei de Diretrizes e Bases Nacional,Lei n. 4.024/1961. Como não há espaço aqui para explorar osprincipais pontos polêmicos que envolviam as discussões sobre aEducação Especial neste período, sobretudo na área da DeficiênciaVisual, entre os defensores do modelo segregado e os defensores daintegração dos alunos cegos nas escolas do ensino comum, valemencionar que para alguns autores a década de 1970, de fatorepresentou um marco histórico importante da Educação Especialbrasileira. Por exemplo, de acordo com Jannuzzi,

[...] podemos colocar a década de 1970 como um marco divisor da EE,porque até então ela esteve mais sujeita à sensibilidade das associaçõesprincipalmente filantrópicas. Agora, em 1973, no governo Médici,criava-se um órgão diretamente subordinado ao MEC para cuidar depolítica da educação especial em termos nacionais, o CENESP (Decreto72.425/73). [...] o Grupo de Trabalho encarregado de operacionalizar oProjeto Prioritário n.º 35, e que vai propor a criação do CENESP,fixando suas diretrizes, contou com a consultoria de James Gallagherda University of North Caroline, por intermédio do Escritório deRecursos Humanos da USAID/Brasil (1997, p. 195-196).

Com o objetivo de atender o previsto na Lei n. 4.024/1961,particularmente do Título X, “Da Educação de Excepcionais”, em1961, a Secretaria de Educação e Cultura do Estado do Paraná criouo Serviço de Educação dos Excepcionais. Dez anos depois, em 1971,a partir das alterações introduzidas pela Lei n. 5.692 de 1971, foicriado o Departamento da Educação Especial (DEE). De acordo comdocumento elaborado pelo DEE, a educação escolar dos educandoscom deficiência “[...] desenvolveu-se em duas vertentes distintas:

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instituições privadas e programas especializados na rede pública deensino” (PARANÁ, 1994, p. 11).

É a partir deste quadro que se pretende assinalar e refletirsobre alguns elementos da educação das pessoas cegas ou com visãoreduzida matriculadas nas escolas do ensino comum. A referênciainicial será o documento preliminar, elaborado pela professora doCENESP, Jurema Venturini, denominado “Projeto EspecialMultinacional de Educação”, que envolvia o Brasil, Paraguai, Uruguaie a Organização dos Estados Americanos. De acordo com estedocumento, o objetivo era a “[...] elaboração de um plano de atuaçãovisando a implantação de serviços de atendimento a cegos edeficientes da visão na região oeste do Estado do Paraná”(VENTURINI, 1975, p. 01).

Fazendo menção às condições de alguns municípios para aimplantação dos serviços, o documento afirma:

O que se pode destacar das informações existentes é que a utilizaçãodo sistema educacional, das unidades de ensino, dos recursos sociaisexistentes nos diferentes municípios, principalmente Cascavel, Toledoe Foz do Iguaçu, permite a organização e funcionamento de programaseducacionais para cegos e deficientes da visão (VENTURINI, 1975, p.17).

Na perspectiva da integração, “[...] a educação e reabilitaçãode cegos e deficientes da visão passa a sofrer nova abordagem,beneficiando-se do nível técnico e científico atingido pelas ciênciasem geral e mais particularmente pelo surgimento das especializaçõesnas ciências médicas e para-médicas e nas ciências docomportamento” (VENTURINI, 1975, p. 03).

Dessa forma, com base nos pressupostos teóricos destedocumento, o atendimento especializado deveria ser realizado nasSalas de Recursos que seriam instaladas em unidades de ensinoregular e com atendimento contínuo do professor especializado. ASala de Recurso desenvolve diversas atividades de apoio aos alunosmatriculados nas escolas do ensino comum. Entre as atividadesespecializadas, destacam-se: o ensino itinerante, em que o professorespecializado realiza o atendimento periódico ao aluno matriculadona unidade de ensino mais próximo de sua residência; atividadesadicionais escolares, tais como: orientação e mobilidade, atividadesda vida diária; reeducação da visão, uso de recursos especiais deleitura e escrita e orientação vocacional. Do ponto de vista dosmateriais adaptados, são considerados como imprescindíveis os livrosem braile, tipos ampliados, livros falados; aparelhos de escrita:regletes, punções, máquinas de datilografia braile e comum;

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especiais: aparelhos para cálculo, sorobã e cubaritímo; materiais paraensino nas diferentes salas de estudo; gravadores e reprodutores;auxílios ópticos (VENTURINI, 1975).

Numa perspectiva multiprofissional de atendimento, além doprofessor especializado, as Salas de Recursos deveriam contartambém com o serviço do médico, do psicólogo, do assistente sociale do orientador vocacional. Além disso, a família também teria umpapel importante no apoio ao processo educacional das pessoascegas ou com visão reduzida, tanto que no caso do Estado do Paranáhouve uma tentativa de criação de uma rede de Associações de Paise Amigos na mesma linha das APAES – Associação de Pais e Amigosdos Excepcionais.

Em Curitiba, tomando por base o “sucesso” das APAES, um grupo depais, profissionais da área e voluntários da comunidade, reuniram-se eem 1972 fundaram a Associação de Pais e Amigos dos DeficientesVisuais (APADEVI), com o propósito de oferecer um conjunto deserviços denominados especializados para apoiar as pessoas cegas oucom visão reduzida, matriculadas ou não na rede escolar de ensino.Os estatutos e a organização da APADEVI, na esteira do modeloapaeano, mantinham a continuidade da instituição filantrópica, aindaque os destinatários de seus serviços fosse um segmento comcaracterísticas absolutamente diversas daquele, próximos apenas naconcepção histórica de dependência e incapacidade (TURECK, 2003,p. 53 – grifos da autora).

Entretanto, ao contrário do movimento apaiano, além deinexpressivas em termos de força política, hoje, as APADEVIS -Associações de Pais e Amigos dos Deficientes Visuais, e outrasinstituições prestadoras de serviços na área da Deficiência Visualnão passam de uma dúzia em todo o Estado. Se na área da deficiênciamental o governo incentivou a consolidação e expansão de uma redeprivada, filantrópica e assistencialista, na área da deficiência visualpreferiu aproveitar a estrutura já instalada das escolas estaduais paracolocar em funcionamento os serviços públicos de atendimentoespecializados para as pessoas cegas ou com visão reduzida, evitandosobretudo gastos financeiros com novas construções. Issoprovavelmente foi um dos fatores que inibiu a consolidação de umarede privada na área da deficiência visual.

Fazendo menção ao trabalho do DEE, quando elaborou aproposta, a professora Jurema Venturini destacou o trabalho do Setorda Deficiência Visual como elemento positivo na implantação deuma rede de serviços especializados nos principais municípios dointerior.

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Quanto aos recursos existentes em Curitiba, cabe destacar em primeiroplano a atuação do Departamento de Educação Especial do Estado quefunciona como órgão centralizador, promotor, realizador e supervisorde todos os programas de atendimento ao excepcional no Estado, tantono que se refere a rede de ensino oficial como particular(VENTURINI, 1975, p. 17-18).

De acordo com a estratégia da implantação da rede,

Um projeto de caráter experimental e inovador poderá partir de umprograma de identificação diagnóstico e avaliação com o objetivo deobter a caracterização da clientela existente e planejar programasadequados as suas necessidades. Esse estudo servirá de base para aescolha de instrumentos e medidas que poderão ser utilizadas em outrasregiões (VENTURINI, 1975, p. 17-18).

O estudo também procurou levantar alguns númerosaproximados de pessoas cegas ou com visão reduzida que poderiamser beneficiadas com os serviços especializados. Pelos dadosestimados, existiam 28.000 cegos no Estado e 3.200 na Região Oestedo Paraná. Quanto à população escolar, o documento fala emaproximadamente 400 alunos com visão “subnormal” na Região,dos quais 50 em Cascavel e 25 em Foz do Iguaçu (VENTURINI, 1975).

Os atendimentos educacionais especializados não poderiamser concretizados sem recursos humanos preparados para fazer aidentificação dos usuários e desenvolver os serviços. A iniciativapolítica de criar e expandir uma rede de serviços públicosespecializados para os principais municípios do Estado somentepoderia ser levada adiante a partir da definição e implementação deuma política de formação de recursos humanos para atuar naeducação suplementar dos alunos cegos ou com visão reduzidamatriculados na rede do ensino comum. Com a intenção de avaliare propor medidas para a Educação Geral e a Educação Especial, em1984, a Secretaria Estadual da Educação elaborou o documento“Fundamentos e Explicitações”, o qual elencava um conjunto demedidas, entre as quais figurava a implantação gradativa da EducaçãoEspecial na rede regular de ensino.

Apesar de ainda não se contar com dados objetivos sobre a incidênciaregional das pessoas portadoras de deficiências, sabe-se que, de acordocom parâmetros estabelecidos pela ONU, aproximadamente 10 porcento da população é portadora de algum tipo de deficiência e necessitade atendimento especializado. Numa filosofia que enfatiza a igualdadede direitos, esse atendimento constitui, aos portadores de deficiências,uma prerrogativa fundamentada na legislação brasileira, expressa naConstituição Federal, nas Leis Educacionais e nas Diretrizes do

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Conselho Estadual de Educação. Com o intuito de dar cumprimentoaos enunciados legais, o Governo do Estado do Paraná, através doDepartamento de Educação Especial da Secretaria de Estado daEducação, vem somando seus esforços e recursos aos da iniciativacomunitária (PARANÁ, 1984, p. 25-26).

De acordo com o documento,

Para alunos cujo grau de desenvolvimento lhes permite freqüentarProgramas Especiais nos estabelecimentos de ensino regular, são criadasClasses Especiais e Salas de Recursos sob inteira responsabilidade doensino oficial. No entanto, assegurar aos deficientes os recursos parao exercício dos seus direitos, constitui um constante desafio àscomunidades e ao Sistema Educacional, pois a maioria não temcondições para usufruir das oportunidades concedidas aos demais.Assim sendo, o Departamento de Educação Especial, ao promover aimplantação gradativa da Educação Especial na Rede Pública Estadual,acrescentará ao sistema de atendimento ao excepcional novasalternativas de participação oficial, bem como executará medidas quepermitam ao Governo do Estado, assumir sua responsabilidade naoferta de oportunidades de educação e integração social dos portadoresde deficiências (PARANÁ, 1984, p. 26).

Quanto à formação de professores, o documento apenasmenciona a necessidade da “Capacitação de Recursos Humanos”(PARANÁ, 1984, p. 26), sem, contudo, avançar de que maneira eonde tal formação deveria acontecer. Para levar adiante o projeto dacapacitação dos professores, o Conselho Estadual da Educaçãoaprovou a

Deliberação 025/84, que dispõe sobre atualização e consolidação dasnormas relativas à implantação, estruturação e funcionamento dosestudos adicionais, a que se refere o parágrafo 1° do artigo 30 da Lei5.692/71, alterado pelo artigo 1° da Lei 7.044/82, na qual sefundamentam os cursos de formação de professores para a EducaçãoEspecial, na forma de Estudos Adicionais (PARANÁ, 1984, p. 12).

Definida as regras pelo Conselho Estadual da Educação, a partirde 1985, o Departamento da Educação Especial iniciou um processode abertura dos cursos dos Estudos Adicionais, cuja oferta aconteceuem praticamente todas as regiões do Estado através de instituiçõesde ensino públicas ou privadas. Na Região Oeste do Estado, porexemplo, a Faculdade de Educação, Ciências e Letras de Cascavel –FECIVEL, em 1985, iniciava o primeiro curso de formação na área dadeficiência visual.

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Não foi possível levantar a documentação referente à primeiraturma da área da deficiência visual que concluiu o curso em meadosde 1986, cuja incumbência foi a de organizar o primeiro Centro deAtendimento Especializado da Região Oeste na cidade de Cascavel,inaugurado em 1987, no Colégio Eleodóro Ebano Pereira.

A partir da constituição de um grupo composto por cinco professoras,oriundas do curso de Formação de Professores para a Educação Especial– área de deficiência visual, na modalidade de Estudos Adicionais, naFaculdade de Educação, Ciências e Letras de Cascavel (FECIVEL), hojeUNIOESTE, em agosto de 1987 foi criado o primeiro CAEDV. Esseprimeiro centro foi integrado ao Colégio Estadual Eleodoro ÉbanoPereira, na zona central de Cascavel, contando inicialmente com aatuação de cinco professoras, entre elas esta pesquisadora, num totalde cento e quarenta horas semanais (TURECK, 2003, p. 55).

Em 1987, através da Resolução n. 78/87 – GD, do ConselhoEstadual de Educação, foi aprovado o Regulamento para oFuncionamento do Curso de Formação de Professores para EducaçãoEspecial com Habilitação de Deficiência Visual e Deficiência Mental,destinado à segunda turma dos Estudos Adicionais. De acordo como Artigo 1º. desta Resolução, fica estabelecido que “para implantação,estruturação e funcionamento dos Estudos Adicionais, estão sendoobservados as Deliberações n.º 025/84 e n.º 035/84 do ConselhoEstadual de Educação”. Conforme o Parágrafo 1o, “o Curso deFormação de Professores para Educação Especial será estruturadocomo curso de Formação Regular, ampliando a formação básica doprofessor de 1a a 4a séries, conferindo-lhe Habilitação específica paraatuação em Classes Especiais”. Já o Parágrafo 2o afirma que: “o Cursode Estudos Adicionais na área de Educação Especial, autorizado pelosPareceres n. 418/85, 155/86 e n.º 189/87 do C.E.E. e pela ResoluçãoSecretarial n.º 4284/86) será mantido pela Fundação FederaçãoEstadual de Instituições do Ensino Superior do Oeste do Paraná –UNIOESTE – e ofertado pela Faculdade de Educação,Ciências e Letrasde Cascavel – FECIVEL”.

De acordo com o Artigo 2º, “a integralização do currículo doCurso de Formação de professores para Educação Especial ocorreráde forma regular e também de forma concentrada em finais desemana, perfazendo um total de 990 horas/aula, incluindo o tempode estágio supervisionado”. Pelo Currículo do Curso, eram asseguintes as disciplinas básicas: Psicologia do Desenvolvimento;Etiologia da Excepcionalidade; Fundamentos da Educação Especial;Modalidade de Atendimento em Educação Especial; Planejamento

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Pedagógico; Técnicas de Observação em Educação; Noções dePsicomotricidade; Psicologia da Aprendizagem; Introdução àMetodologia Científica e Educação para o Trabalho. Quanto àsdisciplinas específicas da área da deficiência visual, o currículocontava com noções de anatomia e fisiologia dos órgãos da visão;Características do desenvolvimento da pessoa com deficiência visual;Prevenção, conscientização e orientação familiar; Artes e Recreaçãoda pessoa com deficiência visual; Metodologia do Ensino do SistemaBraille; Metodologia do Ensino do Sorobã; Metodologia daReeducação visual; Princípios de Orientação e Mobilidade;Orientação Vocacional da pessoa com deficiência visual; EstimulaçãoPrecoce e Métodos e Técnicas de Alfabetização. Definido osconteúdos e encaminhado o processo de formação do professorespecializado para a área da deficiência visual, o Departamento daEducação Especial precisaria também definir o formato dos serviçosde Atendimento Especializado. De acordo com as normas do DEE,

É importante frisar que todos os educandos portadores de deficiênciavisual, em idade escolar, deverão estar regularmente matriculados emescolas comuns e subordinados à estrutura e funcionamento do ensinofundamental. Os Centros de Atendimento Especializado (CAEDV)constituir-se-ão unicamente em suporte pedagógico ao aluno portadorde deficiência visual e ao professor do ensino regular. A matrícula desseseducandos aos CAEDV é opcional e deverá ocorrer, sempre, emperíodo contrário ao da escolaridade regular, sendo que a freqüência éobrigatória (PARANÁ, 1994, p. 70).

Os Centros devem ofertar no sistema de contraturno osseguintes serviços: habilitação e reabilitação para a escrita e leiturabraile, estimulação precoce, reeducação visual, orientação emobilidade, atividades da vida diária, serviço de apoio itinerante,entre outras atividades ligadas à área. Quanto à equipe dos recursoshumanos, enquanto o CENESP propunha além do professorespecializado, o médico, o psicólogo, o assistente social, o orientadorvocacional, entre outros, o Estado do Paraná manteve somente oprofessor especializado.

Se por um lado, esta opção pode ser interpretada como umaforma de valorizar os aspectos pedagógicos, afastando as influênciasda área médica, da psicologia e do serviço social, por outro, porém,pode perfeitamente também ter sido uma decisão com o fim deevitar maiores gastos financeiros na implantação dos serviços, opçãoque parece mais provável, já que a ênfase da formação dosprofessores visivelmente recaiu nos aspectos médicos psicológicos.

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Acompanhando o processo de implantação dos Centros deatendimento, verifica-se que isso ocorreu basicamente entre operíodo de 1987 e 1994. Em 1987, foram 66 Centros; em 1988, 24;em 1989, 27; em 1990, 31; em 1991, 14; em 1992, 09; em 1993,10; e 1994, 04. Total 185 (PARANÁ, 1994, p. 14). Mais de dez anosdepois, em 2007, 203 CAEDVS estavam em funcionamento em 181municípios do Estado. Desses, 48 eram da responsabilidade do DEEe 155 estavam municipalizados. Quanto ao número dos professoresespecializados, eram 208 municipais, 127 do quadro do Estado e 46trabalhando nas entidades prestadoras de serviços contratadosmediante convênio entre essas instituições e o Estado. Em 2005,esta rede de serviço especializado atendia apenas 3.905 pessoascegas ou com visão reduzida em todo o Estado. Deste total, 1679eram pessoas com “baixa visão” e 221 cegas que estavammatriculadas no Ensino Fundamental. No Ensino Médio, eram 98com “baixa visão” e 63 cegos, ao passo que 213 estavammatriculados nos Centros de Jovens e Adultos1 .

O governo do Estado, através do DEE, tem insistentementedivulgado que, dos 399 municípios do Estado, apenas 40 não contamcom algum tipo de atendimento especializado. Esses dadospublicizados assim, de modo genérico e sem fazer a distinção dasáreas específicas atendidas, acabam transmitindo uma falsa realidadeque não contribui para aclarar a questão. No que diz respeito à áreada deficiência visual, é preciso deixar claro que, dos 399 municípios,apenas 181 contam com algum tipo de atendimento especializado.Isso significa que as pessoas cegas ou com visão reduzida de maisde 50% dos municípios estão sem o atendimento, ou deslocando-separa recebê-los em outro lugar, o que certamente dificulta ou impedeo acesso.

Em 1992, ainda durante o primeiro mandato do governadorRoberto Requião, o governo baixou a Instrução Normativa conjuntaSUED/DEE, nº 02/1992, “[...] que estabeleceu critérios para acondução da Educação Especial no processo de Municipalização doEnsino”. De acordo com a normativa, os princípios de Universalizaçãoe Democratização do ensino só serão alcançados através do efetivoatendimento aos alunos portadores de necessidades educacionais1 Esses dados foram obtidos da Área da Deficiência Visual do DEE/SEED, através do correio eletrô-

nico, em 2005 e 2007. Esses números são repassados sempre com a ressalva de que pode nãocorresponder exatamente à realidade, devido a dificuldade de coletar essas informações junto à redeinstitucional. Embora a realidade não deva fugir muito disso, eles precisam ser interpretados comouma amostra. Na busca de maiores informações, no dia 03/09/2007, escrevi para a chefia do DEE epara a coordenação da área de DV. No entanto, até a data de fechamento do artigo não houve nenhumretorno.

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especiais, mediante uma “parceria responsável” entre o Estado e osmunicípios.

Não está em discussão aqui o mérito da municipalização, seela tem produzido resultados positivos ou negativos, os seusdesdobramentos e os múltiplos interesses sócio-econômicos epolíticos que envolvem todo este complexo processo. Porém, nestecaso, é inevitável não estabelecer nenhum tipo de relação entre ofato do governo ter transferido para os municípios toda aresponsabilidade pela solicitação da abertura e manutenção dosserviços e a redução do número dos mesmos após 1992.

Olhando a localização dos atuais 181 Centros de AtendimentoEspecializados, fica claro que esta decisão atingiu justamente aspessoas cegas ou com visão reduzida que residem nos municípiosde pequeno porte. Quando questionados, os dirigentes dessesmunicípios alegam não terem condições financeiras e nemprofessores especializados para abrirem e manterem os serviços.

Outro problema muito sério ainda não solucionado, nem noEstado do Paraná e nem no Brasil, diz respeito aos livros didáticosadaptados (em braile ou com caracteres ampliados) para os alunoscegos ou com visão reduzida matriculados nas instituições públicasou privadas, desde as séries iniciais até o ensino superior. Com oobjetivo de suprir, ao menos em parte, esta demanda, em 1995,com a aquisição de algumas impressoras braile, computadores eoutros recursos necessários, o governo do Estado, através do DEE,atendendo diversas reivindicações do movimento das pessoas cegasou com visão reduzida de todo o Estado, deu início à implantaçãodas Centrais de Produção de Material em Braile.

Na esteira da municipalização, os equipamentos adquiridospelo DEE foram repassados para alguns municípios mediante termode concessão de uso, por meio dos quais os municípios assumiamnão só a responsabilidade com a guarda e a sua conservação, comotambém precisavam fazer a manutenção dos equipamentos, assumiro espaço físico, funcionários e demais materiais de expedientes.Através deste procedimento, foram colocadas em funcionamentoas Centrais de Produção de Material em Braile de Cascavel, Curitiba,Maringá, Francisco Beltrão e Londrina. Mesmo reconhecendo oavanço que esta iniciativa representou, é preciso deixar claro que oproblema da falta dos livros adaptados ainda permaneceu sem umasolução definitiva.

Um passo a mais neste rumo foi dado pelo Estado em 1999,quando o MEC/SEESP repassou para o DEE, um CAP – Centro deApoio Pedagógico às Pessoas com Deficiência Visual, que inicialmente

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foi instalado junto à Seção Braile da Biblioteca Pública do Estado. Deacordo com o projeto, o governo federal adquire todos osequipamentos que compõem o CAP e transfere para os interessados– Municípios, Estados e Entidades Privadas, desde que estes arquemcom as demais despesas para colocar o Centro em funcionamento –recursos humanos, espaço físico, materiais de expedientes, entreoutros. De acordo com a justificativa do Projeto:

Essa proposta vem consagrar os objetivos e as diretrizes estabelecidosna Política Nacional de Educação Especial no que concerne aoatendimento educacional dos educandos com necessidades especiais,compreendidos em sua dimensão não só educativa, mas tambémsociocultural, cujo objetivo é criar condições adequadas para odesenvolvimento pleno de suas potencialidades e o preparo para oexercício da cidadania. O projeto CAP reveste-se de importância por:- consolidar o processo de unificação do movimento associativista noPaís, pela efetiva participação nas principais organizações nacionais pormeio da UBC, numa ação conjunta com o Governo, na formulação eexecução de uma política de atendimento especializado às pessoas cegase às de visão subnormal; - demonstrar claramente o compromissoefetivo do Governo como responsável pela política de atendimentoaos cegos no Brasil; - disciplinar a implantação e o funcionamento dosserviços de produção Braille; - institucionalizar a distribuição do livrodidático em Braille. A consecução dos ideais e das metas do projeto,somente se fará plena pelo envolvimento e comprometimento de todos(Governo e Comunidade) no desenvolvimento das ações institucionaisdo CAP que foi concebido como política pública (ABEDEV, 2000).

No ano de 2001, de acordo com a Resolução n.º 2473-GS/SEEB/2001, foi

[...] criado, no âmbito da Secretaria de Estado da Educação, vinculadaadministrativamente e pedagogicamente ao Departamento de EducaçãoEspecial, o CAP-PR Centro de Apoio Pedagógico para Atendimentoàs Pessoas com Deficiência Visual, do Estado do Paraná, com afinalidade de garantir a inclusão da pessoa com deficiência visual nosistema regular de ensino, bem como promover o plenodesenvolvimento e a integração desses alunos em seu grupo social (Art.1º).

Conforme o Artigo 3º, compete ao CAP, entre outrasatribuições, oferecer serviço de apoio pedagógico complementar,por meio de 04 (quatro) núcleos de atuação, que ficam assiminstituídos: I – Núcleo de Apoio Pedagógico; II – Núcleo de ProduçãoBraille; III – Núcleo de Tecnologia; e IV – Núcleo de Convivência.

Para garantir o funcionamento dos Centros, a Secretaria deEstado da Educação deverá prover recursos financeiros para aquisição

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Apesar da confecção e distribuição dos livros adaptados serda responsabilidade do Programa Nacional do Livro Didático, ligadoao MEC, a falta de investimento financeiro por parte do Estado,através do DEE e dos municípios, nesta área também é visível. A nãogarantia dos livros didáticos adaptados por parte do Estado,independente da pendenga meramente formalista entre União,Estados e Municípios, constitui-se numa das mais flagrantes violaçãodos direitos previstos nos artigos n.º 205 e 208, inciso III, daConstituição brasileira de 1988.

Em conseqüência disso, a Associação Cascavelense dasPessoas com Deficiência Visual (ACADEVI), além de diversaspropostas e moções retiradas durante a realização dos seus seteSeminários de abrangência estadual com repercussão nacional,também já promoveu até manifestação de rua para denunciar e exigirque os livros didáticos sejam assegurados aos alunos.

Cansados de esperar o cumprimento das promessas do Estado emrelação ao fornecimento do livro didático adaptado, cegos de Cascavelse mobilizaram ontem e realizaram uma passeata reivindicando odireito à educação de qualidade, partindo do terminal leste em direçãoao Núcleo Regional de Educação, onde demonstraram sua insatisfação.‘Cego na rua, a luta continua’ e ‘Chega de enrolação, queremoseducação’ eram as frases mais usadas para chamar a atenção da sociedadesobre o descaso que as autoridades têm demonstrado em relação àspessoas cegas. A Acadevi (Associação Cascavelense de DeficientesVisuais), que organizou o protesto, informou que novas manifestaçõesestão sendo preparadas, de forma a radicalizar ações, já que está cansadade ouvir promessas que não se materializam (PARANÁ, 2004, p. 09,grifos no periódico).

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De acordo com as palavras de uma dirigente da entidade:

Estamos sendo prejudicados no nosso direito à educação. Todo o anoé a mesma situação e agora queremos solução, pois os alunos têmcontinuado seus estudos, embora sem livros, porque sabem daimportância de se prepararem. Os professores estão se desdobrandopara conseguir que eles absorvam algum conteúdo, já que o livro embraile é imprescindível no aprendizado do cego”, disse Patricia da SilvaZanetti 23 anos, formada em pedagogia, que integra o movimento(ZANETTI, 2004, p. 09, grifos no periódico).

Enquanto as crianças sem deficiência contam com os livrosdurante todos os dias, desde o início até o fim do ano letivo, durantetodos os anos da sua formação, além de outros inúmeros recursosvisuais e escritos a sua disposição, as crianças cegas ou com visãoreduzida sequer contam com os livros, sem mencionar as demaisdificuldades que enfrentam todos os dias nas escolas. Escrevendonas primeiras décadas do século XX, Vigotski destacou um elementofundamental na educação dos cegos: “Um ponto do sistema brailetem feito mais pelos cegos que milhares de filantropos; apossibilidade de ler e escrever tem resultado ser mais importanteque o ‘sexto sentido e a agudeza do tato e da audição’” (1997, p. 77,grifos do autor).

Além da falta dos livros e outros recursos pedagógicos noprocesso ensino-aprendizagem, a avaliação dos alunos cegos ou comvisão reduzida tem se fundamentado na concepção que Vigotski(1997) caracterizou de biológica ingênua. Para esta concepção, “odesenvolvimento perceptivo, envolvendo a audição, olfato, paladar,tato e a noção de tempo e espaço, constitui canais de interação eestruturação do mundo exterior e será avaliado, a partir da proposiçãoem fichas apropriadas” (PARANÁ, 1994, p. 65). Segundo Vigotski,no plano teórico, esta “[...] concepção tem se expressado na teoriada substituição dos órgãos dos sentidos. De acordo com esta opinião,o desaparecimento de uma das funções da percepção, a falta de umórgão, se compensa com o funcionamento elevado e odesenvolvimento dos outros órgãos” (1997, p. 76).

De acordo com Leontiev (1978, p. 228), “primeiro o trabalho,escreve Engels, depois dele, e ao mesmo tempo que ele, a linguagem(...)”. De fato, na educação dos cegos, primeiro a linguagem, depoiso tato, a audição, a memória, o olfato e o paladar. Da mesma forma,primeiro a reorganização de todo o aparato psicológico do indivíduocego, ponto crucial para orientar o redirecionamento dos órgãosremanescentes, de modo que eles possam desempenhar a sua novafunção no rumo da super-compensação. Por isso, é preciso

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compreender a substituição não no sentido de que outros órgãosassumam diretamente as funções fisiológicas da visão, senão nosentido da reorganização complexa de toda atividade psíquica,provocada pela alteração da função mais importante, e dirigida pormeio da associação, da memória e da atenção à criação e formaçãode um novo tipo de equilíbrio do organismo para mudança do órgãoafetado (VIGOTSKI, 1997).

Em outras palavras, isso significa que, se as pessoas cegas oucom visão reduzida matriculadas nas escolas, mesmo sem os livrosdidáticos, estão conseguindo apropriar-se de algum conhecimento,certamente não é em função da memória elevada, da audição maisaguçada, do olfato mais sensível ou do paladar – apesar do pratoindigesto que são obrigadas a digerir todos os dias. O maiscaracterístico na personalidade do cego é a contradição entre aincapacidade relativa no aspecto espacial e a possibilidade de manter,mediante a linguagem, uma relação total e completamente adequadacom os videntes e conseguir a compreensão mútua, o que entratotalmente no esquema psicológico do defeito e da compensação.

Este exemplo é um caso particular da contradição que estabelece a leidialética fundamental da psicologia, entre a insuficiência organicamentedada e as aspirações psíquicas. No caso da cegueira, não é odesenvolvimento do tato ou a agudeza do ouvido, senão a linguagem,a utilização da experiência social, a relação com os videntes, queconstitui a fonte da compensação (VIGOTSKI, 1997, p. 82).

A importância da linguagem na formação das funções cerebrais“especializadas” também é confirmada e destacada por um dosprincipais colaboradores e divulgadores da obra de Vigotski. Naspalavras de Leontiev,

a criança entra muito cedo em comunicação verbal com os que arodeiam. Trava conhecimento com as palavras, começa a compreendera sua significação e a utilizá-las activamente na sua linguagem. Aapropriação da linguagem constitui a condição mais importante do seudesenvolvimento mental, pois o conteúdo da experiência histórica doshomens, da sua prática socio-histórica não se fixa apenas, é evidente,sob a forma de coisas materiais: está presente como conceito e reflexona palavra, na linguagem. É sob esta forma que surge à criança a riquezado saber acumulado pela humanidade: os conceitos sobre o mundoque a rodeia. A tarefa da criança consiste em apropriar-se destesconhecimentos, destes conceitos. Deve efectuar para isso processoscognitivos adequados (mas não idênticos, evidentemente) aos processosque produziram os conceitos considerados (1978, pp. 328 e 329).

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No caso das pessoas cegas, como exemplificação, éinteressante mencionar que normalmente essas pessoas sãoidentificadas muitas vezes de modo pejorativos como “tagarelas”,deixando nas entre linhas a impressão que, ao falarem demais, elassão em alguns momentos “chatas” por conta disso. Para queafirmações desta natureza, eivadas de preconceitos, possam serminimamente consideradas com alguma seriedade, seria precisoantes reconhecer que se falar demais pode fazer uma pessoa chata,então devemos admitir que esta não é uma característica apenas dealgumas pessoas cegas. Enquanto para certas pessoas que enxergamo falar demais pode ser uma coisa banal, sem sentido e significadomais elevado, para as pessoas cegas, ao contrário, a fala ocupa umpapel fundamental, tanto no sentido de se situar no espaço, captarinformações e as movimentações do ambiente, como também naformação dos processos psicológicos mentais superiores, naorganização das idéias e da comunicação, ou seja, como forma decompensação do prejuízo que o defeito da vista provoca.

Quando Vigotski (1997, p. 82) chama a atenção enfatizandoque “a palavra vence a cegueira”, ele está afirmando que aapropriação das coisas do cotidiano ou dos conhecimentoscientíficos, artísticos e filosóficos nas instituições de ensino, tantopara as pessoas cegas como também para as não cegas, acontecefundamentalmente através do uso da linguagem. Se a tese segundoa qual cerca de 80% dos conhecimentos das pessoas são adquiridospor meio da visão - aliás, tese falsa reforçada pela enorme maioriados professores de cegos - fosse realmente verdadeira, então, defato, se poderia concluir que a cegueira não passa de uma grandedesgraça, como ainda acreditam certas pessoas, mesmo com umnível de formação intelectual mais elevado, independente da posiçãode classe social.

Nesta exposição, foram examinados alguns aspectoshistóricos, políticos e psicológicos que podem contribuir na formaçãode um quadro provisório sobre o percurso que a educação escolardas pessoas cegas ou com visão reduzida trilhou e como ela seencontra organizada no momento no Estado do Paraná. Apesar demais de 50% dos municípios ainda não contarem com atendimentosespecializados e, mesmo aqueles que possuem, seus serviçosfuncionam com bastante precariedade - locais inadequados, falta derecursos materiais e humanos, etc., o fato desta rede estar sob aresponsabilidade dos municípios e do Estado, através do DEE, indicaum aspecto interessante. Desde a criação da primeira escola,organizada por Valentin Hauy em 1784, na França, a educação escolardas pessoas cegas ou com visão reduzida pertencentes à classe

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trabalhadora, independente do modelo segregado ou nas escolasdo ensino comum, não padece apenas de falta de recursos materiais,didáticos pedagógicos e humanos. Embora Vigotski tenha assinaladoacertadamente que “um ponto do sistema braile tem feito mais peloscegos que milhares de filantropos”, constata-se que a educaçãoescolar dessas pessoas ainda continua muito permeada pelosentimento da filantropia - este sentimento não é uma exclusividadedas instituições privadas, ele também está presente nos serviçospúblicos.

Quando o próprio Estado Democrático de Direito nega odemocrático direito dos alunos cegos contarem com o atendimentoeducacional especializado, conforme previsto no artigo n.º 208, III,da Constituição de 1988, não só deixa o caminho aberto comotambém acaba estimulando a atuação do voluntariado nesta área.Diante da conjuntura brasileira e paranaense, em que a políticaeducacional da responsabilidade do Estado vem cada vez mais seconvertendo na política educacional da “responsabilidade social” dasiniciativas privadas, é valida a critica segundo a qual

em terras brasileiras, e ainda nas sul-americanas, o processo históricoconverteu o Estado de Direito em ave rara. Vive-se aqui sob o signo daantrofagia, como dizia Oswald de Andrade. Veja-se: o Estado de Direitotem sucumbido ante o esforço de seus amigos e inimigos. No Brasil,ele é débil ao enfrentar a voragem dos que, por um ou outro motivo,acabam desrespeitando as regras do jogo político (VIEIRA, 1992, p.12).

Mesmo assim, negando a tese da cegueira como uma desgraçae das pessoas cegas como mero objeto da compaixão, da ênfasenos aspectos biológicos da substituição automática dos órgãosremanescentes em detrimento do uso da linguagem, cada vez maismultiplica-se o número de cegos e cegas conseguido graus maiselevados de formação acadêmica e ocupando alguns postos detrabalho ou realizando certas atividades profissionais consideradasde maior relevância social, de acordo com o padrão e as exigênciasda sociedade capitalista.

Em Cascavel, por exemplo, as experiências desenvolvidas pelaAssociação Cascavelense de Pessoas com Deficiência Visual(ACADEVI), com a sua práxis coletiva engajada nas lutas sociais, vêmconfirmando que “(...) as funções particulares podem representarum desvio considerável da norma e, não obstante, a personalidadeou organismo em geral podem ser totalmente normais. A criançacom defeito não é indispensavelmente uma criança deficiente”(VIGOTSKI, 1997, p. 84). O trabalho desenvolvido pela ACADEVI,ao longo de treze anos, também vem confirmando outro postulado

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muito importante de Vigotski, segundo o qual, as pessoas cegas oucom visão reduzida devem ser consideradas e educadas comosujeitos de plena “validade social” (VIGOTSKI, 1997, p. 82).

Nesse sentido, uma educação escolar de fato, comprometidacom a formação de indivíduos de plena “validade social” não podecontinuar atolada até a medula no “vale de lágrimas” onde nasceu,junto com a ciência positivista burguesa, da qual permaneceprisioneira até hoje, apesar de todos os avanços das tecnologias,dos métodos e processos comprovadamente mais adiantados deensino e aprendizagem. Por isso, enquanto não se libertar das visõesmitológicas, religiosas e folclóricas, dos dogmas, dos determinismosdas ciências médicas e das influências da psicologiacomportamentalista, a educação escolar das pessoas cegascontinuará preocupada com as particularidades do defeito da vista,esquecendo-se do enorme manancial de potencialidades existentesquando as pessoas cegas são vistas na sua totalidade.

Com relação à teoria sócio-psicológica ou histórico-culturaldesenvolvida por Vigotski, da qual alguns postulados foram aquiapropriados para refletir sobre a validade social das pessoas cegas,bem como da sua aplicação no processo de ensino-aprendizagemdesses educandos, vale ressaltar que, essa teoria, vem sendo objetode investigação de um grupo de estudos do Programa de EducaçãoEspecial (PEE) da UNIOESTE e da Associação Cascavelense dePessoas com Deficiência Visual (ACADEVI). De acordo com asprimeiras aproximações, pode-se afirma que a concepção vigotskianade pessoa cega, de educação escolar, de sociedade e de mundo, defato representa uma importante contribuição na perspectiva dasuperação da educação burguesa.

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REDES PARA RECONVERSÃO DOCENTE

Olinda EvangelistaEneida Oto Shiroma

Durante a década de 1980, estratégias de formaçãoprofissional ganharam proeminência na agenda global e a educaçãofoi instada a atuar na requalificação necessária às demandas dareestruturação produtiva. Contraditoriamente, para apresentá-lacomo solução da crise econômica e social, apologetas das políticasde ajustes e da reforma do Estado, com apoio da mídia, construírame difundiram a imagem da educação como a causadora do atraso eda pobreza. Atribuiu-se à área educacional a responsabilidade pelacrise econômica e social, pelo desemprego e pela geração do quedenominaram “empregabilidade”.

A reconversão profissional para a adaptação do trabalhadorao novo ordenamento social foi colocada, desde então, no horizontedas tarefas da educação. Sabemos, contudo, que a problemática doacesso ao emprego é muito mais complexa e envolve outras variáveiscomo idade, experiência prévia, rede de relacionamentos, origemsocial, valores, conhecimento tácito entre outros. Gitahy argumentaque a inserção no mercado de trabalho não se limita aos requisitosda formação. Para a autora (1996, p. 1),

Este processo tem levado a um renovado interesse pela forma em quese articulam a organização da produção e do trabalho, as condições deemprego, e as exigências de qualificação, o que torna necessário a análisesimultânea do que ocorre dentro e fora das empresas. Nesse sentido,um tema relevante passa a ser o da construção social das redesprodutivas e as suas novas formas de articulação institucional.

Essa parece ser a perspectiva com base na qual muitasiniciativas de reciclagem, requalificação e capacitação sãorecomendadas tanto por empresários, quanto por trabalhadores. Otermo reconversão profissional tem sido adotado para designar o“processo estratégico e negocial de enfrentamento das mudançastecnológicas e organizacionais e seus impactos sobre o trabalho,que considera e gerencia as inúmeras necessidades técnicas daempresa” (RODRIGUES E ARCHAR, 1995, p. 127) e, não raro, éutilizado como sinônimo de requalificação e correlatos1 . A idéia deuma demanda mercadológica a impulsionar os trabalhadores

1 “A reconversão produtiva dentro das empresas, com a incorporação de novas tecnologias e modos de

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em direção ao cumprimento das exigências de adequação às novasregras do mercado influenciou profundamente as reformaseducacionais das últimas duas décadas.

Neste capítulo, discutimos a temática da reconversão,particularmente a docente, com base na hipótese de que foi este oimperativo que orientou mudanças radicais na formação inicial econtinuada do professor e nas formas de gestão do trabalho docentee do sistema de ensino. De outro lado, consideramos em nossaabordagem a ênfase nas recomendações de organismosinternacionais para a reconversão docente, assim como o papeldisseminador dessa proposta, realizado por redes sociais interessadasem educação.

A RECONVERSÃO ANUNCIADA

O tema da reconversão, pouco debatido no Brasil, é referidoem abundância na literatura educacional portuguesa e emdocumentos de organismos internacionais. O pressuposto destasagências é o de que, dadas algumas condições objetivas – falta deprofessores em algumas áreas, sobra de professores em outras –,dever-se-ia introduzir mudanças na formação inicial e continuadade docentes tendo em vista prepará-los para um espectro de atuaçãoampliado.2. Segundo a Organização dos Estados Iberoamericanos:

organização da produção, promove a diminuição da dotação de pessoal, a terceirização de funções e apreocupação por integrar o trabalhador à empresa, se esforçando por desarticular o coletivo assalariado(MARTÍNEZ, 1994). A privatização de empresas estatais industriais e de serviços faz parte desta reconversãoe debilita o sindicalismo em alguns dos lugares em que tinha mais gravitação.” (GINDIN, 2006, p. 45) “Apolivalência, enquanto proposta destinada ao desenvolvimento de conhecimentos e competências pro-fissionais duráveis, supõe mais do que a aprendizagem ativa e reflexiva de conteúdos significativos.Supõe que os indivíduos, em face das transformações do mundo do trabalho, tenham assegurada apossibilidade de organizar seus próprios processos de reconversão ou requalificação.” (SENAC, 1995, p.61) “A certificação de competências é um processo em curso nos países europeus e nos EUA desde osanos 80. No Brasil e em outros países da América Latina, é um processo mais recente. Foi introduzidopor empresários e pelos governos, estimulados pelos organismos internacionais, acompanhando os pro-cessos de reconversão produtiva, em relação ao desempenho profissional, especialmente em atividadesaltamente especializadas [...].” (MEC. SEMTEC. PROEP, 2003)

2 Podemos referir no Brasil a recente reforma do Curso de Pedagogia, concretizada na Resolução CNE nº1/2006 (BRASIL, 2006). Nela se definem pelo menos oito campos de atuação: docência na EducaçãoInfantil, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, na Educação Profissional e no Curso Normal em nívelmédio, na gestão, na pesquisa, em EJA e em outras áreas da escolha da instituição de ensino (BRASIL,2006). A construção de um profissional polivalente fica aqui explicitada, assim como o movimento dereconversão do professor, antes entendido com funções diretamente ligadas ao ensino.

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[...] en los noventa detectamos el empeño puesto en que los docentes se“perfeccionen”, “reconviertan”, “actualicen”, según las distintas miradas que sehicieron del problema. No fue una cuestión menor para los espíritus reformistasnormalizar las habilidades, “competencias”, de los docentes para una nuevaescuela, es decir, que se apropiaran de nuevos saberes útiles para la escuela delsiglo XXI. (OEI, 2003).

Na Espanha e em Portugal, por exemplo, essa é uma exigênciadas políticas educacionais. Aguerróndo (2002, p. 17) assinala que areconversão é uma estratégia para “aproveitar o excesso deprofessores de uma disciplina” e “cobrir novas necessidades” que,bem organizadas e monitoradas, podem evitar as “fortes resistências”docentes. Entre as formas de se produzir tal reconversão, figuram,segundo a autora, os “encontros de reflexão”. Entretanto, tal modelo“resultou ser de uma interessante eficácia individual”, ou para“pequenos grupos, mas se mostrou bastante inadequado comoestratégia para a reconversão rápida e maciça do professorado emseu conjunto.” (AGUERRÓNDO, 2002, p. 18-19) Desse modo,segundo a autora,

a urgência das transformações maciças levou à etapa atual, que começaa aparecer de maneira cada vez mais promissora na abertura de âmbitosde aperfeiçoamento institucional, mas deve-se ressaltar que isso implicaem transformações no campo da organização da instituição escolar eda administração do sistema. (AGUERRÓNDO, 2002, p. 18-19).

Também Alves (2002, p. 3) defende essa concepção. Para ele,

O professor deve incorporar em sua práxis pedagógica as novaslinguagens, intermediadas pela tecnologia e tende a ser guiado para seadaptar ao novo contexto das mudanças pedagógicas. Manter oureadquirir a competitividade no mundo de trabalho e trabalhar nosentido da reconversão profissional e atualização da demandaprofissional é importante. A flexibilidade, a mobilidade, o acessodemocrático à internacionalização do conhecimento vêm constatar auniversalização do ensino em seus vários segmentos e mudança naformação do perfil do docente.

Os autores referidos veem a reconversão docente como fatorde mudança na educação e como modo de se conseguir o quedenominam “educação de qualidade” e, mesmo, democrática. Deuma perspectiva diferente, De Rossi (2005) assinala que no interior

Se o espectro da atuação do licenciado em Pedagogia é vasto, a formação resulta restrita. Desse modo, aolado da polivalência do “pedagogo” teremos o esvaziamento teórico e político de sua formação.

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das políticas de “modernização educativa” em curso na AméricaLatina dois são os modos predominantes:

a escola expansiva, afirmada no ciclo quantitativo (1950-1970) e utilizadapara consolidar os sistemas de educação de massa pelo paradigma dodesenvolvimento econômico, e a escola competitiva, das necessidadesbásicas de aprendizagem impulsionadas pela reconversão da educaçãopara refundar os sistemas de ensino.

O excerto indica uma outra abordagem do fenômeno dareconversão docente: diz respeito a um tipo de procedimento que,expressando “o conjunto de estratégias adotadas por distintasinstâncias e centros de poder para racionalizar os sistemaseducativos”, tem jem vista adequar as políticas educacionais “àspressões econômicas das agências (inter)nacionais.” (DE ROSSI,2005). Gindin (2006, p. 98) corrobora essa análise, chamando aatenção para o incentivo, nos anos de 1990, às “políticasprodutivistas” que “impulsionam medidas de reconversão neoliberaldo trabalho docente”. Exemplo de impulso a estas medidas podeser encontrado no Plano trienal para o setor educação do Mercosul3 :“Além disso, é necessário o estabelecimento de uma nova aliançaentre o setor educativo e o setor produtivo, face aos processos dereconversão competitiva em que estão envolvidos os países da área.”(MERCOSUR, s.d.)

Como referimos, organismos internacionais elaboraraminúmeras recomendações acerca do professor. Interessa-nos, nopróximo tópico, sistematizar as principais buscando apreender ossentidos dessa reconversão e como pretendem implementá-la nocontinente.

ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS, RECONVERSÃODOCENTE E REDES

Uma das estratégias utilizadas para operacionalizar taispropostas é a constituição de redes encarregadas de difundirconcepções e direcionar os processos de reconversão docente. Nocaso da América Latina e Caribe, duas redes serão aqui destacadas.A primeira delas, a Rede Kipus de Formação Docente, pertence à

3 O Mercosul – Mercado Comum do Cone Sul – foi criado em 1994 e é integrado por Argentina, Brasil,Paraguai e Uruguai. Além desses países, a Venezuela também aderiu ao grupo em julho de 2006.

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UNESCO, mas sua atuação é regional.4 A segunda é o ProgramaRegional da Reforma Educativa na América Latina (PREAL).

A preocupação da UNESCO com a formação docente é grandee seus dados demonstram que existem no mundo 60 milhões deprofessores, mas ainda há carência de 30 milhões para se atingir asmetas estabelecidas no Compromisso de Dakar, Educação para Todos,até 2015.5 Em função desses índices muitas agências internacionaisjustificam sua atuação na área. Embora a UNESCO reconheça queparte de suas diretrizes não deu certo – a exemplo das políticas detreinamento docente – e atribua seu insucesso, não raras vezes, àmá condução pelos Estados nacionais, ela parece ter especialpredileção por atribuí-lo aos próprios professores. As exigências queincidem sobre o professor ultrapassam e ampliam os tempos eespaços da formação, e construir o professor adaptável in totumtorna-se uma tarefa para toda a vida. Insistindo no slogan da“formação ao longo da vida”, a UNESCO delineia o horizonte de suapolítica de superação do professor tradicional:

Sob essa perspectiva, é requerido que as políticas e estratégiasdocentes, além de desenvolverem capacidades para o trabalho emsala de aula, fomentem e fortaleçam a participação dos professoresna gestão de suas instituições, assim como colaborem para formularpolíticas educacionais. Assim, se contribuirá para modificar o enfoquetradicional que tem considerado o docente como um executor depolíticas que são definidas sem sua opinião e conhecimento, o quetambém tem limitado as possibilidades de que as políticaseducacionais se traduzam em práticas efetivas nas escolas e nas salasde aula (UNESCO/OREALC, 2002, p.73).6

4 A UNESCO conta com nove redes: 1) Red de Educación Científica; 2) Foro Regional de Educación paraTodos; 3) Red de Escuelas Asociadas de la UNESCO; 4) Foro Permanente de Educación Secundaria; 5)Red de Innovaciones Educativas, INNOVEMOS; 6) Red de Liderazgo Escolar; 7) LaboratorioLatinoamericano de Evaluación de la Calidad de la Educación (LLECE); 8) Sistema Regional de Información(SIRI) e 9) KIPUS, la Red Docente de América Latina y el Caribe (Disponível em: <http://www.unesco.cl/esp/redes/>. Acesso em: 29.05.2007).

5 Dados obtidos no portal da UNESCO <http://portal.unesco.org/education/en/ev.php-URL_ID=32260&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html>.

6 Encontramos em Marchesi (apud PRELAC, 2007a, p. 50) a definição do professor moderno: “(Atualmen-te) a tarefa que se espera de um professor é um tanto mais ampla do que transmitir conhecimentos aosseus alunos, o que, faz muito pouco tempo, era sua atividade principal e para o que se preparava. Agorafazem falta muitas outras habilidades, sem as quais é difícil conseguir que os alunos progridam na aqui-sição do saber: o diálogo com os alunos, a capacidade de estimular o interesse por aprender, a incorpo-ração das tecnologias da informação, a orientação pessoal, o cuidado do desenvolvimento afetivo emoral, a atenção à diversidade do alunado, a gestão da aula e o trabalho em equipe.”

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Infere-se do excerto que a popularização da noção deprofessor-gestor visa disseminar a idéia de que os professorestambém participam da formulação de políticas educacionais, sendoco-responsáveis por seu sucesso. A questão, entretanto, permanece:como iriam os professores das unidades escolares dos mais remotosmunicípios da grande e heterogênea região da América Latina e Caribesentirem-se motivados, envolvidos e até mesmo responsáveis poruma política pensada em reunião de Ministros no âmbito doCompromisso Educação para Todos? Os próprios documentosrespondem a questão, assinalando a importância fulcral da promoçãode redes sociais e de redes de instituições de formação docente emnível superior, a exemplo do PREAL e da Kipus, estratégicas paramelhorar a performance dos professores em muitos países. Segundodocumento do Banco Mundial, específico para professores do Brasil,as redes têm se mostrado um dos catalisadores mais eficientes paraa formação de professores e contínuo reforço de treinamento(DELANNOY E SEDLACEK , 2000).

Em documento recente, Education Sector Strategy Update, oBanco Mundial (2006, p. 71) explicita a compreensão do papelocupado pelas redes para a formulação de consensos e disseminaçãode idéias. Anuncia que, para dar mais ênfase aos resultados, o Bancose articulará com redes nacionais e regionais de pesquisa paraconstruir sentimento de pertença e foco nos resultados e sustentá-los localmente (BANCO MUNDIAL, 2006, p. 69)7 .

A forte recomendação do uso de redes para difusão eimplantação de reformas educativas na região encontra-se no cernede nossa motivação para compreender como se disseminam asprioridades da reforma educativa pela região, como serãoimplementadas, como atingirão as escolas, como pretendemmodificar as concepções e práticas dos trabalhadores da educação.Buscamos entender o interesse e o papel dos sujeitos históricos queas organizam e orientam. Pretendemos apreender as práticas políticasarticulatórias das ações localizadas por meio da ação das redes. Ouseja, trata-se de passar da análise fragmentada de organizaçõesespecíficas para a compreensão do movimento que decorre de suaarticulação em redes, tentando perceber as interconexões entre olocal, o regional e o global (supranacional, transnacional). As duasredes escolhidas para estudo foram o Programa Regional da ReformaEducativa na América Latina, que possui um Grupo de Trabalho

7 O Projeto Regional de Educação para América Latina e Caribe, PRELAC (2002), sugere como requisitoaos professores trabalhar em redes e aprender com o trabalho cooperativo entre pares.

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especificamente voltado à profissionalização docente, e a Rede Kipusde Formação Docente.

DUAS REDES, UM PROJETO

O PREALO Programa Regional da Reforma Educativa na América Latina,

criado em 1995, é uma parceria entre organizações do setor públicoe privado do hemisfério que procura identificar problemas epromover e implementar políticas educacionais. O PREAL tem trêsobjetivos intermediários: 1) envolver a sociedade civil na reformaeducacional; 2) monitorar o progresso da educação e 3) enriquecero pensamento dos tomadores de decisão (decision-makers) eformadores de opinião sobre política educacional. Suas atividadesincluem o patrocínio de grupos de trabalho regionais sobre questõespolíticas, workshops e conferências, parceria empresa-educação,pesquisa e publicações. As atividades do PREAL recebem apoio daUnited States Agency for International Development (USAID), BancoInteramericano de Desenvolvimento (BID), Banco Mundial, FundaçãoGeneral Eletric, entre outros. Do PREAL participam brasileiros da maisalta expressão no cenário educacional, como o ex-Ministro daEducação, Paulo Renato Souza (1994-2002), assessores do BID eBanco Mundial, como Cláudio Moura Castro e Guiomar Namo deMello, a ex-presidente do Instituto Nacional de Estudos e PesquisasEducacionais Anísio Teixeira (INEP), Maria Helena Guimarães.

Identificando os membros brasileiros que participam do GTProfissionalização Docente (GTD) no PREAL e mapeando os cargospúblicos que já ocuparam, vínculos com Organismos Internacionaise as organizações a que pertencem atualmente, encontramosdiversos tipos de relações interessantes que evidenciam que esteGT é formado por ex- membros do executivo, do CNE, do INEP, queocuparam postos estratégicos no cenário educacional e, agora, forado aparelho de Estado, atuam como consultores, formadores eassessoram a implantação de reformas educacionais em váriosestados, municípios e fazem a formação de gestores atuando emparceria com várias Secretarias de Educação, União Nacional deDirigentes Municipais de Educação (UNDIME) ou Conselho Nacionalde Secretários de Educação (CONSED). Cite-se a atuação de PauloRenato Souza que, estando à frente do Ministério da Educação (MEC)nos governos FHC, junto ao Conselho Nacional de Educação (CNE)

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e INEP, exigiu determinadas adequações dos sistemas educacionais,escolas e professores por meio da aprovação de várias reformaseducacionais em sua gestão (1994-2002). Ao deixar o governo,fundou a empresa Paulo Renato Souza Consultores, com ex-membrosdo MEC que atuam como consultores associados, para assessorar aimplantação de reformas por eles criadas enquanto ocupavam cargosno Ministério. Dentre os clientes dessa empresa, encontram-se oBanco Mundial, BID, Editora Moderna, Grupo Positivo, FundaçãoGerdau, Fundação Jacobs, Fundação Lemann, entre outras. PauloRenato Souza também integra o quadro diretor da Fundação Lemann,de capital suíço, que fornece cursos para gestores da educação emvários estados. Em 2003 e 2004 ofereceram o curso Gestão para osucesso escolar nos estados de São Paulo e Santa Catarina, em seguidaatuaram na formação de gestores de escolas do Ceará, Tocantins eSão Paulo (FUNDAÇÃO LEMANN, 2007). Este curso foi realizadoem parceria com o Instituto Protagonistés, cuja diretora-presidenteé a ex-Secretária de Educação de São Paulo, Tereza RoserleyNeubauer, no governo Covas (1995-2001). Neubauer foi membrodo CNE nas gestões FHC, consultora do Fundo das Nações Unidaspara a Infância (UNICEF), Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP)ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), Programa dasNações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e Banco Mundial(1995-2002) e é membro do GT Descentralização e Autonomia doPREAL. Um dos objetivos da Fundação Lemann é dar “apoio àelaboração de Planos Municipais de Educação junto às SecretariasMunicipais de Educação”. A Fundação Lemann desenvolve, emparceria com o Instituto Ayrton Senna e a Fundação Banco do Brasil,o projeto Escola Campeã, utilizando a metodologia da Fundação LuisEduardo Magalhães (FLEM) com sede na Bahia.

A FLEM desenvolveu um Sistema de Certificação Ocupacionalque visa estabelecer padrões de mérito e competência para a escolhade seus profissionais. Sua Agência de Certificação Ocupacional écomposta de Câmara de Educação e Câmara da Gestão Pública. Daprimeira fazem parte Rubens Portugal8 , Célio Cunha, da UNESCO,

8 Rubens Junqueira Portugal, como executivo de empresas, foi vice-diretor de Planejamento de RH doThe Chase Manhattan Bank e Diretor de RH e Planejamento Estratégico no Grupo Fininvest. Fundador doInstituto Rubens Portugal de Aprimoramento de Professores, em São José dos Pinhais (PR), tem trabalha-do junto às redes públicas de ensino estadual e municipais de vários estados. Organizou e coordenouvários eventos para formação de professores, em sua maioria na Universidade do Professor em Faxinaldo Céu, no Paraná. (IPD, 2007)

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Clemenceau Chiabi Saliba, consultor do Instituto Ayrton Senna, eda Câmara da Gestão Pública, Heloísa Lück, consultora sobre GestãoEducacional do CONSED e coordenadora da Rede Nacional deReferência em Gestão Educacional (RENAGESTE). Em 2006, a revistaGestão em Rede ganhou grande impulso e distribuição com apoiodo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE. OFNDE também garante a distribuição do periódico Nova Escola,produzido pela Fundação Victor Civita (FVC), um dos mais popularesentre os professores. Além da revista, a FVC edita as coleções Ofíciode Professor e Ofício de gestor e desenvolve o projeto Reescrevendoa Educação, com a Editora Ática e Scipione, do qual participam comoarticulistas outros membros do GTD, como Cláudio Moura Castro,Gustavo Ioschpe, Paulo Renato de Souza e o presidente do GrupoGerdau.

A diretora executiva da Fundação Victor Civita, Guiomar Namode Mello, membro do GTD, foi Secretária Municipal de Educação deSão Paulo, no governo do prefeito Mario Covas (1982-1985),consultora do Banco Mundial, membro do CNE no governo FHC,relatora e membro de comissões que elaboraram pareceresimportantes para a reforma educacional, como as diretrizescurriculares para o Ensino Médio (1998), para a Educação Profissional(1999) e para a formação de professores da Educação Básica (2001).Em suma, atuou como consultora de organismo internacional, ajudoua elaborar a política educacional como membro do MEC, prestaconsultoria para implementar a política recomendada em nívelmunicipal, é parceira da UNDIME e do CONSED.

A revista Nova Escola, publicada pela FVC, é subsidiada peloFNDE e distribuída em todas as escolas públicas de ensinofundamental, pré-escolas e classe de alfabetização com mais de 50alunos do país, totalizando 106.867 escolas em 2006. Naquele ano,a FVC teve como parceiros o MEC, a UNDIME, o CONSED, o Inter-American Dialogue (IAD), o PREAL, a Fundação Roberto Marinho.Essa imensa rede institucional certamente decorre dosrelacionamentos de seus dirigentes, por exemplo, Claudia Costin,vice-presidente da Fundação Civita, foi Gerente de Políticas Públicasdo Banco Mundial. Integram o conselho curador da FVC CláudioMoura Castro, aposentado do BID, e a ex-primeira dama RuthCardoso.

O PREAL foi criado em 1995 pelo IAD. Publica Boletins cominformações sobre a educação na região a partir de dados e análisesfornecidos pela UNESCO, CEPAL, BID e Banco Mundial e conta com:

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o apoio generoso da United States Agency for International Development(USAID), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), aAVINA Foundation, a Tinker Foundation, o Banco Mundial, a GEFoundation e outras. Estas instituições têm demonstrado umcompromisso permanente com a reforma educacional na AméricaLatina. Seu apoio contínuo e flexível ao PREAL foi crucial para aconformação das redes institucionais e de informações necessárias parafazer com que este projeto fosse bem-sucedido. (PREAL, 2006, p.8)

Brasileiros de expressão participam do IAD, Armínio Fraga eHenrique Meirelles, ex-presidentes do Banco Central, RobertoTeixeira da Costa e o ex-presidente Fernando Henrique Cardosointegram o quadro de diretores.

A Fundação Lemann, Jacobs e o Grupo Gerdau promoveramem 2006 a Conferência Ações de Responsabilidade Social emEducação: melhores práticas na América Latina. Vários membros doGTD, representante do PREAL, do IAD, participaram das sessõescomo conferencistas, palestrante ou comentaristas. Um dosmomentos mais aguardados da conferência internacional foi areunião de países em seis grupos. O Brasil reuniu personalidades erepresentantes de empresas para propor compromissos concretospara a melhoria da educação na região, discutindo ações quecomporiam um documento final do movimento. Tal documentointitula-se Compromisso todos pela Educação. Analisando osmembros que compõem o conselho de governança, comitê gestore comissões técnica e de articulação, reencontramos muitos dosmembros brasileiros do PREAL.

O Compromisso Todos pela Educação visa mobilizar ainiciativa privada e organizações sociais (terceiro setor) para atuarde forma convergente, complementar e sinérgica com o Estado nadefinição das políticas públicas. O ponto central de sua estratégia éa co-responsabilidade e a busca de eficiência, eficácia e efetividade.Seu enfoque é primordialmente voltado à melhoria da qualidade doensino, traduzida em resultados mensuráveis obtidos por meio deavaliações externas.

Em consonância com o ideal de Educação de qualidade para todos,defendido pelo Todos Pela Educação, o MEC lançou o Plano deDesenvolvimento da Educação (PDE). Dentre as medidas apresentadasno PDE, destacam-se as que tratam da Educação Básica. Elas estãoreunidas principalmente no “Programa de Metas Compromisso TodosPela Educação”, batizado em homenagem Todos Pela Educação (Todospela Educação, 2007)

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Esse breve mapeamento de parte da rede permite observar amarcante influência dos organismos internacionais e regionais, emespecial do PREAL, nas atividades de fundações que, por meio deparcerias, difundem idéias via empresas de telecomunicações eparque editorial. O PREAL exerce, também, papel importante nadifusão de diretrizes para a reforma educacional, disseminandovalores, diretrizes, orientações, conceitos e preconceitos, atuandosobre gestores, legisladores e formadores de opinião.

Ora atuando no governo, ora em fundações e organizaçõesnão-governamentais, os membros do GT Profissionalização Docentedo PREAL influenciam os rumos da reforma educacional brasileira,fornecendo consultorias, assessorando a construção de planosestaduais e municipais de educação, formando professores e gestoreseducacionais, certificando suas competências, atuando eminstituições que vendem serviços para implantar a reformaeducacional em vários estados do Brasil.

Os dados coligidos entre 2005 e 2007, com base eminformações de domínio público, permitiu-nos verificar que osmembros do PREAL realizam uma parte substancial daimplementação da reforma educacional, ou seja, difunde idéias,avaliações e análises sobre a reforma. O programa é formador deopinião, influencia os tomadores de decisão, faz consultoria para aUNDIME e o CONSED, está articulado a organismos internacionaise presta assessoria para formação de professores e gestores em váriosestados do Brasil. Possui, portanto, um papel fundamental nacapilarização das diretrizes internacionais por meio de organizaçõesgovernamentais e não-governamentais regionais e locais.

A REDE KIPUSCom estratégia assemelhada à do PREAL, a Rede Kipus, Rede

Docente da América Latina e Caribe, também se dedica a formaropiniões e difundir idéias acerca da formação docente, mas no âmbitodas instituições superiores de formação. Não tão estruturada quantoo PREAL, a Kipus nasceu da iniciativa de universidades, apoiada pelaUNESCO, em 2003, no Chile e conta, atualmente, com 162organizações filiadas.9 Liga-se ao Projeto Regional de Educação para

9 A Rede foi criada durante o Seminário Latino-americano de Universidades Pedagógicas, realizado naUniversidade Metropolitana de Ciências da Educação, Santiago do Chile, 8 e 9 de maio de 2003.

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a América Latina e o Caribe (PRELAC)10 e é parte da estrutura daUNESCO11 . Constituiu-se, segundo informações em sua páginaeletrônica, como uma aliança entre organizações, instituições epessoas de algum modo envolvidas em processos de“desenvolvimento profissional e humano de docentes”12 . A análisepreliminar de seus documentos possibilitou verificar que não seconfigura como estratégia de junção de órgãos estatais, mas, sim,de universidades, faculdades, institutos, redes profissionais,organizações não-governamentais, sindicatos de professores e, entreeles, órgãos da administração estatal.

O objetivo central dessa rede é a busca do fortalecimentodocente, de seu protagonismo, posto que es una de las claves paralas transformaciones educativas. (UNESCO, 2006). Sua estratégiaconsiste em reunir o conhecimento acumulado pelas instituições deformação docente da região em nível superior e oferecer elementospara o que denomina “uma formação inovadora”, isto é, umaformação que concilie demandas locais ou regionais, apresentando-as como universais. Sua tarefa é a de coordenar um movimentoregional de produção de conhecimento e de re-significação daeducação no interior das universidades e correlatos – e aí está osentido de uma organização lastreada em instituições universitáriasou de nível superior pedagógicas (UNESCO, 2003, p. 4).

Segundo documentos disponíveis no website da UNESCO,gerar conhecimentos e aprender são condições basilares para quese produzam projetos e programas de investigação conjunta. Segundoo texto de abertura de sua página, o seu compromisso refere-se a:

10 O PRELAC prevê um modelo de acompanhamento das reformas. Entre outras, propõe: “maior partici-pação de atores e instâncias e criação de redes”. [...] “incide na institucionalização de redes, as quaissupõem uma organização muito diferente daquelas existentes nos sistemas educacionais atuais, já queexigem uma estrutura aberta, uma grande autonomia, hierarquias não lineares, múltiplas conexões elimites flexíveis. Isso significa um grande desafio na reordenação dos sistemas educacionais.” [...] “Serárealizado um conjunto de ações com os países pelas redes regionais coordenadas pela UNESCO ou porredes de apoio lideradas por outros organismos de cooperação internacional.” (PRELAC, 2002, p. 22)

11 Los QUIPUS fue un sistema o una forma de comunicación de los pueblos andinos, según algunos investi-gadores; otros mencionan que fue un mecanismo de registro de información, estadísticas o hechos históri-cos. También hay quienes afirman que era una forma de levantar información actualizada para planificar y“rendir cuentas” (UNESCO, 2006).

12 Embora se afirme como uma rede interessada em congregar instituições de ensino superior voltadas àformação docente, muitos dos documentos que utiliza originam-se de relatórios sobre as políticas edu-cacionais dos países da região, patrocinados pela UNESCO em conjunto com ministérios da educação.Na página da UNESCO estão publicados em torno de 15 relatórios, entre eles o do Brasil.

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todo lo que signifique fortalecer la profesión y la profesionalidaddocente, en el contexto de una educación de calidad con equidadpara toda la población (UNESCO, 2006). A particularidade da RedeKipus encontra-se, pois, na intenção de investir na “re-significaçãoda educação” no interior das universidades e outras instituições deformação docente para, por esse meio, construir novos significadospara a própria formação. Em 2004, com oito instituições filiadas, aKipus realizou um encontro em Honduras, onde foram consideradostemas emergentes a formação de docentes, os sistemas dedesenvolvimento profissional, a profissionalização do trabalho, operfil dos formadores e a avaliação do desempenho nas instituiçõesformadoras13 . Na Colômbia, em 200514 , discutiram-se modelos eenfoques na formação da perspectiva do ensino-aprendizagem, tantode disciplinas quanto de pedagogia, assim como as práticaspedagógicas e a reflexão sobre a integração entre conhecimentodisciplinar e saber pedagógico para uma difusão justa e eqüitativado conhecimento como bem público15 . Além disso, a própria idéiade “redes pedagógicas e de professores” foi tematizada e consideradaum importante espaço de formação docente e de difusão deconhecimento (UNESCO, 2006)16 .

Entre os documentos produzidos pela Rede, ou por elaencomendados, está a Carta de Santiago do Chile (UNESCO, 2003),que elenca entre seus principais compromissos os que seguem:

a) atuar em consonância com as recomendações relativas àeducação formuladas em conferências internacionais e por comissõesmundial e regionais (UNESCO, 2003, p. 1)17 ;

13 Esse encontro contou com a presença de 15 países da região, representados por universidades peda-gógicas, faculdades de educação, ONGs relacionadas à formação docente, além de alguns ministérios deeducação.

14 O encontro realizou-se em Bogotá, em setembro de 2005.15 O tema desse III Encuentro Internacional de la Red de Formación Docente de América Latina y el Caribe,

KIPUS, foi El conocimiento que educa. A Rede Kipus tiene como uno de sus propósitos fundamentales elmejoramiento de la calidad de la educación, en la cual, como es natural, se ve seriamente comprometida lacirculación del conocimiento que las distintas comunidades acadêmicas construyen, y que fluye por distin-tos canales sociales, encontrándose comprometido en múltiples implicaciones éticas, políticas y educativas,que surgen de su consideración como bien público. (OREALC/UNESCO, 2005)

16 Em outubro de 2006, na Venezuela, ocorreu o IV Encontro, tematizando Políticas Públicas y FormaciónDocente para un Proyecto de País, tendo em vista o fortalecimento de alianças e o desenvolvimento deprojetos entre instituições, organizações e pessoas responsáveis pelo desenvolvimento profissional ehumano de docentes. (UNESCO, 2006)

17 A Carta refere a Conferência Mundial sobre Educação para Todos (Jomtien, Tailandia, 1990), o FórumMundial de Educação (Dakar, Senegal, 2000), as Conferências dos Ministros de Educação da AméricaLatina e Caribe, e o PRELAC.

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b) considerar a formação de docentes como eixo fundamentalpara o sucesso das reformas educativas na região e, simultaneamente,para enfrentar os desafios do Fórum Mundial de Educação de Dakar,tendo em vista a redução da pobreza e o desenvolvimento social eeconômico (UNESCO, 2003, p. 1);

c) considerar como tarefa principal dos sistemas educacionaise dos professores el mejoramiento de la calidad de la educación y supertinência (UNESCO, 2003, p.1);

d) verificar se os currículos são relevantes, valorizar a pesquisaque tenha em vista melhorar a formação, ressaltando-se aqui aformação dos formadores de docentes e a prática profissional comoeixo da formação e como horizonte da acreditação e controle dequalidade das instituições formadoras (UNESCO, 2003, p. 2);

e) difundir uma educação que forme integralmente o serhumano e esteja à disposição de todos os segmentos sociais, comqualidade, assegurando-se a profissionalidade docente e seenvolvendo em discussões que conduzam as universidades aresignificar la educación (UNESCO, 2003, p. 1) e

f) considerar que as universidades pedagógicas e asinstituições formadoras de docentes contribuem significativamente,e mesmo preponderantemente, para a formação dos docentesnecessários aos sistemas escolares (UNESCO, 2003, p. 1-2).

Interessa realçar que, embora muitos dos compromissosacima referidos façam parte da agenda estatal dos países da Região,a Rede Kipus os assume como organização constituída de instituiçõesprioritariamente voltadas à formação docente em nível superior,como assinalado. Também é importante observar que taiscompromissos indicam uma reorientação de rumo. A proposta de“re-significar a educação” mediante a alteração da formação dosformadores nas instituições de formação inicial – ainda que articuladaà formação contínua – parece evidenciar que não se trata apenas dereformar as mentes dos professores da ativa, mas também – e talvezaté principalmente – da consciência da próxima geração deprofessores.

Esse objetivo se expressa em um conjunto de medidas emcurso que tendem a reconfigurar a formação e o trabalho docenteno continente, a saber: estabelecimento de diretrizes curricularesnacionais para a formação inicial de professores; redefinição dasfunções docente; ênfase na profissionalização docente; implantaçãoda certificação periódica de docentes; instituição de gratificaçõespor desempenho.

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Outras tarefas que caracterizam a reconversão docente estãointimamente relacionadas à organização do trabalho e à gestão, tantono nível da escola quanto do sistema educacional. Dizem respeito àintrodução do gerencialismo na educação que se manifesta emcrescentes incentivos à descentralização e autonomia, naflexibilização da legislação, na compreensão da escola como umaorganização complexa que deve prestar contas (accountability) sobrea aplicação dos recursos, mas, fundamentalmente, serresponsabilizada pelos resultados dos alunos nos exames nacionais.A avaliação de impacto e de resultados tão recomendada peloEducation Sector Strategy Update (BANCO MUNDIAL, 2006) estásendo implementada nos vários níveis de ensino, dos anos iniciais àpós-graduação18 . A avaliação incidirá não apenas sobre os alunos,mas também sobre os professores, os gestores e as instituições.

A Rede Kipus evidencia que é preciso preparar adequadamenteo professor, mas prepará-lo apropriadamente pressupõe formartambém os formadores, líderes de escola e gestores, decorrendodaí sua proposta de intervenção nas instituições formadoras,portanto, sobre a formação da intelectualidade da área.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As evidências arroladas neste texto indicam que reconvertero professor é um empreendimento que implica em reconverter aspróprias instituições de formação docente ou os projetosinstitucionais por elas implementados. Desse modo, o propósito dereconversão profissional supõe a reconversão conceitual, ou seja,deve-se assumir que estamos frente ao colapso do conceito deprofessor, articulado ao colapso de uma determinada concepção deescola19 . Para Campos (2004, p. 12):

na escola tradicional [...] os docentes (estão) associados exclusivamenteao trabalho de classe e não necessariamente ao espaço maior da gestão

18 O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), lançado em 2007 pelo MEC, prevê um conjunto de40 ações muitas das quais expressam a incorporação da avaliação de resultados na gestão da educaçãocomo o Provinha Brasil, IDEB, Nova CAPES entre outras.

19 Para Campos (2004, p. 11), “As mudanças no atual cenário levaram a um esgotamento do papel doprofessorado na educação tradicional, associado principalmente à transmissão unidirecional de infor-mação, à memorização de conteúdos, a uma parca autonomia nos projetos e na avaliação curriculares,a uma atitude passiva diante da mudança e da inovação educacional, e a um modo de trabalhar decaráter mais individual do que cooperativo.”

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da escola e do sistema educacional, com o que se poderia entender otrabalho docente como uma tarefa claramente pedagógica.

Os “cursos de capacitação” e correlatos como estratégia deatualização ou “reciclagem” docente – promovida pelo Estado e poragências de formação – são considerados pela UNESCO uma “viado passado”20 . A crítica assenta-se sobre a idéia de que esteprocedimento não levou à ruptura com a feição tradicional da escolae do professor. Está explicitada aqui a posição de que o Estado, emsuas estratégias de formação permanente ou em serviço, não logrouuma mudança substantiva na mentalidade docente, não conseguiuopor-se a uma perspectiva considerada fortemente tradicional e nãoconseguiu sucesso em suas tentativas de “modernizar” o professor21 .Essa avaliação conduziu a uma compreensão de reconversão docenteque põe sobre as instituições de formação a responsabilidade poressa iniciativa. O item 25, do ponto V. Los docentes y el derecho delos estudiantes a aprender, das Recomendações do PRELAC (2007b,p. 5), assinala que é necessário reforzar los procesos de formaciónde quienes forman a los docentes y de los equipos que dirigen lasescuelas para que se generen cambios pedagógicos e institucionalesen los centros educativos.

Desse ponto de vista, o professor tradicional ou o expertorutinario deve tornar-se experto adaptativo, ou seja, os docentesreconvertidos deverão incorporar a capacidade de adaptar-se emtempo integral ou ao longo da vida (UIS, 2006, p. 54). Assim, adeclamada obsolescência de los saberes docentes exigiriam nãoapenas sua reconversão profissional por meio de novas estratégiasde formação, como também produziria novas formas de regulaçãodo trabalho docente que, ao contrário de produzir a democratizaçãodo acesso ao conhecimento, son funcionales a la reconversión de laeducación como mercancía subordinada a los requerimientos de lacompetitividad. (IMEN,s.d., p. 11).

20 Campos (2004, p. 14) entende que se trata da “re-significação de seu trabalho e (da) recuperação daposição central dele (que) pressupõem um reconhecimento de que há um conjunto de fatores quedeterminam o desempenho, e de que esses fatores interagem e influenciam uns aos outros. Entre eles:formação inicial, desenvolvimento profissional em serviço, condições de trabalho, saúde, auto-estima,compromisso profissional, clima institucional, valorização social, capital cultural, salários, estímulos, in-centivos, carreira profissional, avaliação do desempenho.”

21 O professor moderno deve ser capaz de se co-responsabilizar pelos resultados do trabalho da suaescola, articulando as políticas internacionais com as locais e nacionais, ser protagonista nas mudançaseducativas e garantir o aprendizado dos estudantes (PRELAC, 2007a, p. 60); comprometer-se com osresultados de seu trabalho, combater os baixos resultados de aprendizagem e da insatisfação, frustraçãoe situação de conflito em que vivem os docentes (Idem, p. 61).

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Pode-se perceber que a transformación educativa reduz-se apolíticas que produzem a precarização do trabalho do professor(OLIVEIRA, 2004), agravada pela reconversão laboral, nummecanismo em que o professor é responsabilizado individualmentepor suas condições de acesso e permanência no mundo do trabalho.

As redes aqui referidas, por meio de seus intelectuais einstituições, encarregam-se de difundir esse tipo de ideário na região.Evidencia-se um dado da realidade social contemporânea poucoexplorado nas pesquisas educacionais, ou seja, o de que os indivíduos,dotados de recursos e capacidades propositivas, organizam suasações e criam espaços políticos, por vezes virtuais, para atuar emdefesa de seus interesses. Mesmo nascendo em uma esfera informalde relacionamentos pessoais ou institucionais, os efeitos das redespodem ser percebidos em várias conexões/interações com o Estado.Essas conexões ajudam a compreender porque encontramos, emnível nacional, reprodução fiel de justificativas, argumentos ediscursos presentes em documentos de organismos internacionais.Compreender a articulação local-global e as determinaçõesfundamentais que estão fora dos muros da escola, mas influenciamprofundamente as decisões tomadas em seu interior, além dasmudanças nas relações e no trabalho realizado no “chão da escola”,são desafios para os pesquisadores da área.

A atuação de redes em âmbito nacional, regional einternacional, visando reconverter “espaços” e “funções” dosprofessores de modo a provocar uma re-significação da educação, éum tema de investigação importante, de nosso ponto de vista. Mapeare acompanhar as ações das redes tem o propósito de contribuir paraconhecer as estratégias de disseminação, cooptação e também deenfrentamento e resistência à produção de consensos na disputapela hegemonia na sociedade capitalista.

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PARA QUE SERVEM OS CURSOS

DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES?

Lizia Helena Nagel

INTRODUÇÃO

I - Recuperando o significado e a função da educação

A pergunta: PPPPPara que servem os cursos de formação deara que servem os cursos de formação deara que servem os cursos de formação deara que servem os cursos de formação deara que servem os cursos de formação deprofessores? professores? professores? professores? professores? não pode ser respondida sem o prévio esclarecimentosobre o que se entende por educação emque se entende por educação emque se entende por educação emque se entende por educação emque se entende por educação em seus desdobramentosnaturais de ensinoensinoensinoensinoensino e de aprendizagemaprendizagemaprendizagemaprendizagemaprendizagem, Na verdade, se existeinteresse na formação de professores, isso parece ser justificadoporque se credita à figura docente uma função própria ao trabalhode educar. Mesmo assim, avançando na questão, indaga-se: Qual éQual éQual éQual éQual éa função conferida ao professora função conferida ao professora função conferida ao professora função conferida ao professora função conferida ao professor, hoje?, hoje?, hoje?, hoje?, hoje?

Diante desse questionamento, deve-se lembrar que o trabalhotrabalhotrabalhotrabalhotrabalhode educar de educar de educar de educar de educar tem cunho social exatamente porque, na história doshomens, ele sempre aparece sob a elucidação de atos ouatos ouatos ouatos ouatos oupressupostos considerados válidos para assegurar umapressupostos considerados válidos para assegurar umapressupostos considerados válidos para assegurar umapressupostos considerados válidos para assegurar umapressupostos considerados válidos para assegurar umasobrevivência (entre os pares) igual, ou melhorsobrevivência (entre os pares) igual, ou melhorsobrevivência (entre os pares) igual, ou melhorsobrevivência (entre os pares) igual, ou melhorsobrevivência (entre os pares) igual, ou melhor, a já existente, a já existente, a já existente, a já existente, a já existente.Com maior ou menor racionalidade, com maior ou menorconsciência sobre a intencionalidade educativa, espiando pelo “túneldo tempo”, apreende-se que filhos aprendiam com os mais velhos aforma mais eficiente para se abrigarem das intempéries, adaptarem-se ao meio, caçarem, plantarem, confeccionarem utensílios eferramentas, tudo com o interesse de evitar dores ocasionadas pelamera reprodução de tentativas anteriores infrutíferas.

Partindo do crédito que o homem não nasce feito, mas sehominiza no percurso de sua luta por sobrevivência, no processoangustiante de manter-se vivo, deve-se lembrar dos aspectos culturais(emocionais, psicológicos, comportamentais e intelectuais) que vãosurgindo, no tempo, na dinâmica das relações humanas. Assim, é

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bom recordar que o amor platônico já foi vivido como ideal; que osadolescentes não se afirmavam como contestadores de qualquerautoridade; que os cavaleiros achavam correto ajoelharem-se diantede um senhor e que as refeições não exigiam o uso de garfo e faca.Também é preciso lembrar o desenvolvimento da linguagem em suaforma articulada, a elaboração de conceitos abstratos, a capacidadede julgar o já dado. Enfim, nenhum comportamento humano podeser visto como produto de uma evolução natural, biológica e/ou comoresultado de aprendizagem solitária, peculiar a uma única pessoa.

Assumindo-se, também, que a hominização, como processopróprio aos homens em sociedade, não é uma trajetória apenas deaperfeiçoamento contínuo, lembra-se Adorno e Horkheimer (1985,p. 195), quando, impressionados com o horror provocado pelo anti-semitismo, dizem: “A transformação da inteligência em estupidezA transformação da inteligência em estupidezA transformação da inteligência em estupidezA transformação da inteligência em estupidezA transformação da inteligência em estupidezé um aspecto tendencial da evolução históricaé um aspecto tendencial da evolução históricaé um aspecto tendencial da evolução históricaé um aspecto tendencial da evolução históricaé um aspecto tendencial da evolução histórica”. Essa não-linearidade no aperfeiçoamento, que consiste, segundo os autoresreferenciados, na possibilidade de estupidez da própria inteligência(1985), não pode ser esquecida caso se pense na educação comoalgo inerente ao nosso amanhã.

Sem escapar da possibilidade de o homem agir por razõesque possam tornar-se calamitosas, isso não elimina, mas, aocontrário, confirma o ato de educar como uma necessidade geradapor expectativas e por práticas que se impõem, mesmo quandocoordenadas por mero desejo de manutenção do mínimo jáconquistado. Assim, para além de um provável preço a pagar emfunção de um afã estúpido de sobrevivência, o homem não deixa deser um Prometeu Acorrentado que, na tragédia de Ésquilo (1998:pp. 35,36), diz:

Eles desconheciam as casas bem feitascom tijolos endurecidos pelo sol,e não tinham noção do uso da madeira;como formigas ágeis levavam a vidano fundo de cavernas onde a luz do soljamais chegava, e não faziam distinçãoentre o inverno e a florida primaverae o verão fértil; (vs 580-587)

[...] O mais importante de tudo:não existiam remédios para os doentes,nem alimentos adequados, nem os bálsamos,nem as poções para ingerir, e finalmente,

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por falta de medicamentos vinha a morte,até o dia em que mostrei às criaturasmaneiras de fazer misturas salutarescapazes de afastar inúmeras doenças. (vs 617-624).

Enfim, o homem, ou melhor, o educador traduziu o seutrabalho na esteira da responsabilidade que Prometeu se atribuiu.Sua função, decodificada socialmente, foi a de repassar aos outrosos engenhos e saberes engenhos e saberes engenhos e saberes engenhos e saberes engenhos e saberes já construídos, tentando impedir apossibilidade de reprodução das dificuldades já vividas, comotambém, interrompendo o fantasmagórico ciclo do “eternoeternoeternoeternoeternorecomeçorecomeçorecomeçorecomeçorecomeço” em qualquer trabalho, em qualquer fazerfazerfazerfazerfazer, em qualquersabersabersabersabersaber.

Ligando materialidade, necessidade, intencionalidade ematerialidade, necessidade, intencionalidade ematerialidade, necessidade, intencionalidade ematerialidade, necessidade, intencionalidade ematerialidade, necessidade, intencionalidade etrabalhotrabalhotrabalhotrabalhotrabalho, chega-se à conclusão de que o ato de educarato de educarato de educarato de educarato de educar,,,,, em suaoperacionalização, não se constitui um simples produto daconsciência de homens ilustrados. Tampouco se constitui um merodesejo de adultos bem intencionados ou, ainda, um conjunto depressupostos arbitrários de indivíduos que. por natureza, ouprerrogativas econômicas, divertem-se em ter poder, impondo aosoutros o seu saber! O ato de ensinar não pode ser simplesmenteconfundido com o repasse de conhecimentos e valores considerados,a priori, ilegítimos, como propõe uma tese que vem sendo defendidapor diferentes autores na pós-modernidade.

Incrível acreditar que, até a data de hoje, o mundo construídoe pensado pelos homens foi, simplesmente, um conjunto de erros ede ilusões, a não ser que se faça uma atualização da leitura religiosaque conferia a Adão, e aos seus descendentes, uma natureza tãodecaída quanto incapaz, tal como teria sido definida por São Paulo,na Bíblia Sagrada. Dizia o apóstolo:

[Os homens] Então, cheios de toda espécie de malícia, perversidade,cobiça, maldade, cheios de inveja, homicídio, contenda, engano,malignidade. (cap. 1. v. 29)...São difamadores, maldizentes, inimigos de Deus, insolentes, soberbos,altivos, inventores de maldades, desobedientes aos pais. (cap. 1, v. 30)...São insensatos, imodestos, sem afeição, sem palavra e sem

coração, sem misericórdia... (cap.1. v. 31)

Não parece, na verdade, ser por obra dessa natureza,qualificada apenas por seus defeitos e/ou limites, que o homem tenha

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se manifestado, historicamente, a favor do conhecimento relacionadocom o “fazer e/ou saber do passadofazer e/ou saber do passadofazer e/ou saber do passadofazer e/ou saber do passadofazer e/ou saber do passado” como mediação para o “fazer” como mediação para o “fazer” como mediação para o “fazer” como mediação para o “fazer” como mediação para o “fazere/ou saber do futuroe/ou saber do futuroe/ou saber do futuroe/ou saber do futuroe/ou saber do futuro”””””. No mesmo sentido, não parece justificávelnão parece justificávelnão parece justificávelnão parece justificávelnão parece justificáveltomar os erros, ou as ilusões do conhecimento, para legitimar alegitimar alegitimar alegitimar alegitimar aimpossibilidade de ensinarimpossibilidade de ensinarimpossibilidade de ensinarimpossibilidade de ensinarimpossibilidade de ensinar, justificando e, justificando e, justificando e, justificando e, justificando e glorificando apenas asglorificando apenas asglorificando apenas asglorificando apenas asglorificando apenas asexperiências privadas como condição para o desenvolvimentoexperiências privadas como condição para o desenvolvimentoexperiências privadas como condição para o desenvolvimentoexperiências privadas como condição para o desenvolvimentoexperiências privadas como condição para o desenvolvimentodo ser humano. do ser humano. do ser humano. do ser humano. do ser humano. O conhecimento sobre o fazer e/ou o saber dofazer e/ou o saber dofazer e/ou o saber dofazer e/ou o saber dofazer e/ou o saber dopassadopassadopassadopassadopassado, não descolado do seu oposto íntimo, o fazer e/ou o saberfazer e/ou o saberfazer e/ou o saberfazer e/ou o saberfazer e/ou o saberdo futurodo futurodo futurodo futurodo futuro, fundado na apreensão do trabalho necessário àsobrevivência, implica, obrigatoriamente a noção de comunidade,que se renova, sob maior ou menor conscientização, por atoseducativos. Atos educativos que levam a pensar o homem como umser ativo, com intencionalidade, como um ser que não se caracterizanem pelo vazio, nem pela falta de projetos. Nesse sentido, comoSaviani (1995, p. 17), assume-se o entendimento do ato educativoo ato educativoo ato educativoo ato educativoo ato educativocomo o:

[o] ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduosingular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente peloconjunto dos homens. Assim, o objeto da educação diz respeito, deum lado, à identificação dos elementos culturais que precisamser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que eles setornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, àdescoberta das formas mais adequadas para atingir esse objetivo(Grifo nosso).

Apresenta-se, pois, a educação, imersa nos interesses de umadada sociedade que pleiteia sobreviver da maneira sempre maisotimizada possível (seja ela capitalista, ou não). Assim comointimamente vinculada ao trabalho que, para além das classes sociais,produz o ser social, o homem que se expressa buscando existir sobos limites da qualidade possível de acordo com tal ou qual épocahistórica. Nesse quadro, pensa-se a educação como uma práticasocial que se afunila no ensino propriamente dito, formalizado,preferencialmente, pelas instituições educacionais e ministrado,efetivamente, por professores.

II - Expondo os dados sobre os resultados educacionais

Recuperado, de forma mais ampla e remota, o significado deeducar, preso por suas raízes à concepção de homem como um sersocial que se faz ao longo do trabalho, capaz de prover e de modificaros meios ou as condições de existência, passa-se a expor informações

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e/ou dados oferecidos pelos órgãos responsáveis pelo sistemaeducacional, os quais remetem a reflexões mais abrangentes.

Iniciando pelo Programa Internacional de Avaliação dosEstudantes (Pisa1 ) realizado no ano 2000, com 250 mil estudantesna faixa de 15 anos, do qual os brasileiros participaram por conviteda Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico(OCDE), tem-se, pelos resultados obtidos, a informação dodespreparo de nossos educandos para enfrentar os atuais desafiosda sociedade contemporânea. A “sobrevivência” dos nossos jovens,se estimada em relação com as “competências”2 apresentadas pelosestudantes de outras nacionalidades, encontrar-se-ia em níveis dedificuldade bem maiores do que a de seus pares na mesma época.

No ano de 2000, entre 31 países, os brasileiros conseguiramficar em último lugar na prova de Leitura, garantindo apenaspontuação nos níveis mais baixos da escala de avaliação. Incapazesde compreender os textos escritos, as ordens dadas, mostram umatendência a responder de forma subjetiva, de acordo com o quecada um pensa, as questões apresentadas. Com os resultados deoutras dez nações que aplicaram o teste no ano subseqüente, o Brasilconsegue sair, no campo da Leitura, do 31º lugar e colocar-se no37º, e assegurar o penúltimo lugar, ou seja, o 400, em Matemática eem Ciências. O quadro a seguir mostra as pontuações obtidas pelospaíses com pior desempenho.

1 O Pisa surge como um teste sobre as competências de uso da linguagem que se tornaram cruciais nomundo moderno, segundo o entendimento dos países mais avançados do globo. Pisa 2000 - RelatórioNacional (2001, p.87).

2 Competência, conceito de Phillipe Perrenoud (1993) adotado nos documentos oficiais da educação, éentendida como a “capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiando-seem conhecimentos, mas sem se limitar a eles”. (In: INEP, Saeb, 2002 a)

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Quadro 1 - Ranking dos países que participaram do Pisa: PioresDesempenhos (2000-2001)

Fontes: www.inep.org.br e http://www.pisa.oecd.org. Acesso em: 18/08/05.

Dentro dessa mesma classificação, na qual a Coréia do Sul sesitua em 7º. lugar, outra reflexão se impõe, baseada em documentoanterior, no PISA 2000 - Relatório Nacional (2001, p. 79), que registra:

[...] A Coréia nos idos 60 não estava melhor do que o Brasil,seja em qualidade, seja em quantidade. Não era um país mais ricodo que o Brasil. Não obstante, atingiu os níveis quantitativos dosmais avançados países da OCDE e níveis qualitativos acima de quasetodos eles.

Qualquer análise que possa ser feita dos dados obtidos, noconjunto das avaliações dos jovens brasileiros, leva à seguinteconclusão: a aprendizagem dos alunos no campo da leitura e daa aprendizagem dos alunos no campo da leitura e daa aprendizagem dos alunos no campo da leitura e daa aprendizagem dos alunos no campo da leitura e daa aprendizagem dos alunos no campo da leitura e daprodução de textos é insignificanteprodução de textos é insignificanteprodução de textos é insignificanteprodução de textos é insignificanteprodução de textos é insignificante. Problema tanto maior para osistema de ensino quanto mais se credita à economia modernamaiores exigências relativas ao manejo rigoroso e analítico dalinguagem. (Pisa, 2000. Relatório Nacional, 2001) Para a faixa etáriaque está a concluir a escolaridade básica obrigatória, o desempenhoo desempenhoo desempenhoo desempenhoo desempenhoapresentadoapresentadoapresentadoapresentadoapresentado por eles, quer em nível internacional3 ou nacional, nomáximo, poderia ser qualificado comopoderia ser qualificado comopoderia ser qualificado comopoderia ser qualificado comopoderia ser qualificado como medíocre.medíocre.medíocre.medíocre.medíocre. Medíocre porexpressar a fragilidade das estruturas mentais4 até então adquiridas,

medrO medrO medrO medrO medrO arutieL arutieL arutieL arutieL arutieL acitámetaM acitámetaM acitámetaM acitámetaM acitámetaM saicnêiC saicnêiC saicnêiC saicnêiC saicnêiC

7373737373 lisarB ainâblA anitnegrA

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3 “Nossa última incursão em comparações internacionais nos deixa em penúltimo lugar em Ciências.Fomos salvos do último lugar pela presença de Moçambique, em plena guerra civil. Pior, o anúncio detão trágico resultado passou quase despercebido e foi minimizado pelo MEC.” (Pisa 2000. RelatórioInternacional, 2001, p.80).

4 Segundo o Exame Nacional do Ensino Médio 2002 - Relatório Pedagógico, as estruturas mentais são asresponsáveis pela construção contínua de conhecimentos e são desenvolvidas por suas interações como mundo físico e social desde o nascimento (2002, p. 11).

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produzidas, nesse nível, em nosso entendimento, por falta deinterações mais efetivas com o universo que os cerca, por falta deinteração com o sabersabersabersabersaber e o fazerfazerfazerfazerfazer já existente, ou já produzido, nomundo.

Com 15 anos em média, os alunos não conseguem raciocinare se comunicar eficientemente, embora essa seja a preocupaçãocentral do instrumento de avaliação que enfatiza o domínio deconhecimentos e habilidades básicas, indispensáveis para umaparticipação efetiva na sociedade. Perceber os diversos tipos de textosou documentos em suas funções diversas, interpretar formulários,gráficos, correspondência oficial, cartas pessoais, etc., identificar erecuperar informações, são algumas das operações reconhecidascomo necessárias aos indivíduos de hoje e que, infelizmente, nãoconseguem ser concretizadas, com destreza, pelos concluintes doEnsino Médio.

Importante frisar que o Relatório Pisa 2000 (2001) registraum dado importante nesse quadro de dificuldades de aprendizagem.Os resultados aferidos excluem as possíveis diferenças entre asOs resultados aferidos excluem as possíveis diferenças entre asOs resultados aferidos excluem as possíveis diferenças entre asOs resultados aferidos excluem as possíveis diferenças entre asOs resultados aferidos excluem as possíveis diferenças entre asclasses sociais.classes sociais.classes sociais.classes sociais.classes sociais. Os jovens com amplo acesso a bens culturais etecnológicos não apresentam desempenho diferenciado dos demaisque não possuem condições econômicas similares. As escolasAs escolasAs escolasAs escolasAs escolaspúblicas não se distanciam, em seus resultados, das escolaspúblicas não se distanciam, em seus resultados, das escolaspúblicas não se distanciam, em seus resultados, das escolaspúblicas não se distanciam, em seus resultados, das escolaspúblicas não se distanciam, em seus resultados, das escolasparticulares.particulares.particulares.particulares.particulares.

Numa linha de tempo, sem superar as dificuldades apontadasno ano de 2000, o Pisa de 2003 mostra que o desempenho do país,na Leitura, não apresenta afastamento significativo do escoreanterior5. No entanto, a preocupação com a eficiência do ensino noBrasil não começou pela primeira participação do Brasil no Pisa. OSistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) foi criadoem 1990 e realiza, desde então, avaliações, a cada dois anos, nasUnidades da Federação, dimensionando o desempenho dos alunosnas diversas regiões brasileiras.

Por acompanhar, portanto, há mais tempo, o desempenhodos alunos das 4ªs. e 8ªs. séries do Ensino Fundamental e das 3ªs.séries do Ensino Médio, em 2007, o Saeb pode apresentar o quadrodo desenvolvimento do ensino no país, através de indicadoresexpostos em uma sucessão histórica.

5 Pequenos avanços, pouco significativos, no entanto, foram verificados em Matemática (nas áreas “Espa-ço e Forma” e “Mudança e Relação”) e em Ciências, que apresentou uma melhora de 25 pontos emrelação à avaliação anterior.

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Quadro 2 – Proficiência por Série e por Curso em Língua Portuguesa

MEC.INEP.SAEB. Primeiros resultados. Medidas de desempenho do SAEB 2005 em perspectiva comparadaPrimeiros resultados. Medidas de desempenho do SAEB 2005 em perspectiva comparadaPrimeiros resultados. Medidas de desempenho do SAEB 2005 em perspectiva comparadaPrimeiros resultados. Medidas de desempenho do SAEB 2005 em perspectiva comparadaPrimeiros resultados. Medidas de desempenho do SAEB 2005 em perspectiva comparada.

D.F. Brasília, fev.2007.

Quadro 3 – Proficiência por Série e por Curso em Matemática

MEC.INEP.SAEB. Primeiros resultados. Medidas de desempenho do SAEB 2005 em perspectiva comparadaPrimeiros resultados. Medidas de desempenho do SAEB 2005 em perspectiva comparadaPrimeiros resultados. Medidas de desempenho do SAEB 2005 em perspectiva comparadaPrimeiros resultados. Medidas de desempenho do SAEB 2005 em perspectiva comparadaPrimeiros resultados. Medidas de desempenho do SAEB 2005 em perspectiva comparada.D.F. Brasília, fev.2007.

De 1995 a 2005, as medidas de proficiência dos alunos, tantoem Língua Portuguesa como em Matemática, quer do EnsinoFundamental, quer do Ensino Médio, caem de modo expressivo. Issose torna mais relevante quando se especulam os resultados obtidosem relação aos objetivos declarados nessas áreas, facilmenteidentificáveis tanto nos diversos documentos legais dos órgãoscompetentes como em revistas científicas, credenciadas no país pelopróprio MEC/INEP/CAPES. Com o auxílio dos chamados descritores6 ,as expectativas sobre o desempenho dos alunos são detalhadas nos

aseugutroPaugníLmeaicnêiciforPedsadideM aseugutroPaugníLmeaicnêiciforPedsadideM aseugutroPaugníLmeaicnêiciforPedsadideM aseugutroPaugníLmeaicnêiciforPedsadideM aseugutroPaugníLmeaicnêiciforPedsadideM

osruCeeiréS osruCeeiréS osruCeeiréS osruCeeiréS osruCeeiréS 5991 5991 5991 5991 5991 7991 7991 7991 7991 7991 9991 9991 9991 9991 9991 1002 1002 1002 1002 1002 3002 3002 3002 3002 3002 5002 5002 5002 5002 5002

latnemadnuFonisnEodeiréS.ª4 3,881 5,681 7,071 1,561 4,961 3,271

latnemadnuFonisnEodeiréS.ª8 1,652 0,052 9,232 2,532 0,232 9,132

oidéMonisnEodeiréS.ª3 0,092 9,382 6,662 3,262 7,662 6,752

acitámetaMmeaicnêiciforPedsadideM acitámetaMmeaicnêiciforPedsadideM acitámetaMmeaicnêiciforPedsadideM acitámetaMmeaicnêiciforPedsadideM acitámetaMmeaicnêiciforPedsadideM

osruCeeiréS osruCeeiréS osruCeeiréS osruCeeiréS osruCeeiréS 5991 5991 5991 5991 5991 7991 7991 7991 7991 7991 9991 9991 9991 9991 9991 1002 1002 1002 1002 1002 3002 3002 3002 3002 3002 5002 5002 5002 5002 5002

latnemadnuFonisnEodeiréS.ª4 6,091 8,091 0,181 3,671 1,771 4,281

latnemadnuFonisnEodeiréS.ª8 2,252 0,052 4,642 4,342 0,542 5,932

oidéMonisnEodeiréS.ª3 9,182 7,882 3,082 7,672 7,872 3,172

6. Os descritores, em seus diferentes graus de complexidade, expressam os objetivos mais relevantes doensino, apontando para as habilidades que devem ser desenvolvidas nos alunos por serem consideradasessenciais à vida em sociedade. Os descritores de Língua Portuguesa, por exemplo, apontam para algu-mas das competências discursivas dos sujeitos tidas como essenciais nas diversas situações de leitura(INEP, 2002 a).

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Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN´s), que fundamentam, deforma clara, não só os itens das avaliações elaborados pelo Saeb eEnem, como são ratificadas nos comentários que dão corpo aosRelatórios sobre os resultados obtidos nos anos de 2001, 2003 e2005.

Essas informações oficiais que servem para demarcar, oucircunscrever, o ensino brasileiro, no entanto, insistem em algunsrefrões que precisam ser identificados pela pertinência com queaparecem e, principalmente, pelas conseqüências que possam causar.São, entre outros, os seguintes: a) negação da memorizaçãonegação da memorizaçãonegação da memorizaçãonegação da memorizaçãonegação da memorização comoum ato sem sentido para a aprendizagem; b) afirmação da exigênciade habilidades habilidades habilidades habilidades habilidades dos alunos tomadas de modo independente dosindependente dosindependente dosindependente dosindependente dosconteúdoconteúdoconteúdoconteúdoconteúdos (externos, objetivos,) que lhes dariam significado ouforma; c) ênfase na criatividade criatividade criatividade criatividade criatividade dos discentes, como um processode desenvolvimento natural, biológico, independentemente dequalquer produção humana anterior; d) valorização da construçãoconstruçãoconstruçãoconstruçãoconstruçãoindividualizada de significadosindividualizada de significadosindividualizada de significadosindividualizada de significadosindividualizada de significados para além de parâmetros existentes;e) desvalorização do conhecimento científicodesvalorização do conhecimento científicodesvalorização do conhecimento científicodesvalorização do conhecimento científicodesvalorização do conhecimento científico, em favor de umnovo tipo de conhecimento personalizado. Princípios que, centradosnão na defesa de relações, mas na defesa da autonomia e dasubjetividade dos indivíduos (potencialmente emuladores do“narcisismo”), são creditados como responsáveis pela “cidadania”cidadania”cidadania”cidadania”cidadania”e/ou pelo “comprometimento com atuações sociais significativas”!“comprometimento com atuações sociais significativas”!“comprometimento com atuações sociais significativas”!“comprometimento com atuações sociais significativas”!“comprometimento com atuações sociais significativas”!

Nesse quadro, a proposta educacional do MEC, saltando dosseus pressupostos para seus objetivos, sem estabelecer correlaçãoentre os meios e os fins, entre os pressupostos e os objetivos, exige,através de avaliações sistemáticas, que os alunos demonstrem a“sociabilidade adquiridasociabilidade adquiridasociabilidade adquiridasociabilidade adquiridasociabilidade adquirida em seus cursos”em seus cursos”em seus cursos”em seus cursos”em seus cursos”, ou, melhor, demonstremter recebido a educação necessária para a sociedadeeducação necessária para a sociedadeeducação necessária para a sociedadeeducação necessária para a sociedadeeducação necessária para a sociedadecontemporâneacontemporâneacontemporâneacontemporâneacontemporânea. Os resultados podem ser aqui dimensionados.

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Quadro 5 – Percentual de estudantes nos estágios de construção decompetências em Língua Portuguesa: 2001-2003

Fonte: INEP Relatório Saeb 2001e Saeb 2003.7

Quadro 6 – Percentual de estudantes nos estágios de construção decompetências em Matemática: 2001-2003

Fonte: INEP Relatório Saeb 2001e Saeb 2003.

Assumindo-se, hoje, o nível Adequado como referência parapensar o aluno brasileiro possivelmente bem sucedido socialmente- tem-se que o percentual dos escolarizados nesse nível é muitopequeno. Distanciam-se, portanto, os resultados da escola dopropugnado por Jacques Delors (2001), patriarca estrangeiro dapatriarca estrangeiro dapatriarca estrangeiro dapatriarca estrangeiro dapatriarca estrangeiro daeducação brasileira em tempos de globalizaçãoeducação brasileira em tempos de globalizaçãoeducação brasileira em tempos de globalizaçãoeducação brasileira em tempos de globalizaçãoeducação brasileira em tempos de globalização que define aaprendizagem relevante como aquela própria a um aluno capaz de

augníLmeaicnêtepmoC augníLmeaicnêtepmoC augníLmeaicnêtepmoC augníLmeaicnêtepmoC augníLmeaicnêtepmoCoigátsE:aseugutroP oigátsE:aseugutroP oigátsE:aseugutroP oigátsE:aseugutroP oigátsE:aseugutroP

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F.E.ª4 F.E.ª8 M.E.ª3 .F.E.ª4 F.E.ª8 M.E.ª3

ocitírcotiuM 12,22 68,4 29,4 7,81 8,4 9,3

ocitírC 67,63 80,02 02,73 7,63 0,22 7,43

oiráidemretnI 61,63 67,46 45,25 2.63 8,36 2,55

odauqedA 24,4 32,01 43,5 9,4 3,9 2,6

odaçnavA 34,0 60,0 - * * *

7 O Relatório do SAEB de 2001 se distingue do Relatório do SAEB de 2003 porque os intervalos dasescalas de desempenho das áreas de conhecimento avaliadas em 2001 foram reduzidos para 4. O nível5, Avançado, em 2003, é diluído no nível Adequado, fazendo com que as concentrações nos diversosestágios se alterem. O nível Avançado que qualificava os leitores como tendo habilidades consolidadas,como leitores maduros, capazes de transpor para situações novas o conhecimento adquirido, desapare-ce no último Relatório. O nível Adequado, em 2003, passa a expressar competência nas habilidadescompatíveis com a série.

meaicnêtepmoC meaicnêtepmoC meaicnêtepmoC meaicnêtepmoC meaicnêtepmoCoigátsE:acitámetaM oigátsE:acitámetaM oigátsE:acitámetaM oigátsE:acitámetaM oigátsE:acitámetaM

1002beaS 1002beaS 1002beaS 1002beaS 1002beaS 3002beaS 3002beaS 3002beaS 3002beaS 3002beaS

F.E.ª4 F.E.ª8 M.E.ª3 .F.E.ª4 F.E.ª8 M.E.ª3

ocitírcotiuM 5,21 56,6 48,4 4,11 3,7 5,6

ocitírC 97,93 17,15 06,26 1,04 8,94 3,26

oiráidemretnI 98,04 58,83 75,62 9,14 7,93 3,42

odauqedA 87,6 56,2 99,5 4,6 3,3 9,6

odaçnavA 10,0 41,0 - * * *

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viver em sociedadeviver em sociedadeviver em sociedadeviver em sociedadeviver em sociedade, capaz de descobrir o outro,descobrir o outro,descobrir o outro,descobrir o outro,descobrir o outro, de ter objetivoster objetivoster objetivoster objetivoster objetivoscomunscomunscomunscomunscomuns, de transformar-se em uma personalidade rica, capaz demostrar competência para a comunicaçãocompetência para a comunicaçãocompetência para a comunicaçãocompetência para a comunicaçãocompetência para a comunicação!

Nesse ponto, retorna, com mais fôlego, a questão básica destetexto: Afinal, quais informações estão sendo repassadas nos cursosde formação dos professores para que os docentes possamresponsabilizar-se por egressos da rede de ensino com“personalidade rica”, com “competência na área do diálogo”? Comoa escola está administrando meios e instrumentos para a obtençãodo sucesso de seus alunos ao término de seus cursos? Quaisestimulações feitas aos docentes podem repercutir em resultadostão indesejados? Quais atuações didáticas propugnadas vêmgarantindo aos profissionais tantos insucessos? Até quanto oseducadores estão obedecendo às orientações do MEC, que assumiu,em atitude inédita, uma única e particular concepção pedagógica - oconstrutivismo - construtivismo - construtivismo - construtivismo - construtivismo - como verdadeira e legítima opção para o ensinode todos os aprendentes aprendentes aprendentes aprendentes aprendentes matriculados?

Ora, essas perguntas têm maior procedência porque, emprimeiro lugar, a escola está regulada, em todos os níveis de ensino,pela filosofia e pela pedagogia dos PCNs, que conferem ao aluno odireito natural, individual e acadêmico de aprender a aprenderaprender a aprenderaprender a aprenderaprender a aprenderaprender a aprender, deaprender a fazeraprender a fazeraprender a fazeraprender a fazeraprender a fazer, de aprender a viveraprender a viveraprender a viveraprender a viveraprender a viver e de aprender a seraprender a seraprender a seraprender a seraprender a ser, em, em, em, em, emtodos os níveis de ensino, por si mesmo. todos os níveis de ensino, por si mesmo. todos os níveis de ensino, por si mesmo. todos os níveis de ensino, por si mesmo. todos os níveis de ensino, por si mesmo. Ora, as competências ehabilidades, que já deveriam ter sido adquiridas ou, melhor, que jádeveriam ter sido progressivamente acumuladas pelos alunos, desdea década de 90, ao longo de sua escolarização e de seu crescimentofisiológico, não se revelam em índices progressistas. Dados quepodem ser lidos no documento do INEP, Qualidade da Educação:uma nova leitura do desempenho dos estudantes da 3ª. série do EnsinoMédio (2004 (b) p. 8), que diz:

Os dados indicam que 42% dos alunos da 3ª. série do ensino médioestão nos estágios “muito crítico” e “crítico” de desenvolvimento dehabilidades e competências em Língua Portuguesa. São estudantes comdificuldade de interpretação de textos de gêneros variados. Não sãoleitores competentes e estão muito aquém do esperado para o final doensino médio. Os denominados “adequados” somam 5%. São os quedemonstram habilidades de leitura de textos argumentativos maiscomplexos. Relacionam tese e argumentos em textos longos,estabelecem relações de causa e conseqüência, identificam efeitos deironia ou humor em textos variados, efeitos de sentidos decorrentesdo uso de uma palavra, expressão e da pontuação, além dereconhecerem marcas lingüísticas do código de um grupo social.

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Ora, se de fato se atribuir, ou se responsabilizar, simplesmente,o alunado pelas aprendizagens que deve realizar, conforme determinaa pedagogia da globalizaçãopedagogia da globalizaçãopedagogia da globalizaçãopedagogia da globalizaçãopedagogia da globalização, por que essas mesmas aprendizagensainda não teriam se realizado?

São, pois, com essas aprendizagens não realizadas, declaradaspelo próprio INEP, que os alunos do Ensino Médio adentram naUniversidade, sequer tendo conhecimento sobre a norma culta desua própria língua ( SOARES, 1999, 2004).

Nesse ponto, nada melhor do que oferecer alguns dados sobrea escrita dos egressos dos Cursos Superiores. Marin e Giovani (2007,p.15-41) ajudam nessa tarefa com sua pesquisa sobre o perfil dosconcluintes que receberam formação para assumirem a função deprofessores. As pesquisadoras em tela, analisando as redações feitaspelos alunos, examinando a expressão escrita e os argumentosutilizados nas respostas às questões apresentadas a eles, revelam obaixo índice de compreensão das questões formuladas e/ou dasordens dadas para o cumprimento das tarefas. Dentre os resultadosencontrados, as dificuldades são assim listadas: a) usam expressõesvagas, ambíguas ou pouco adequadas; b) não conseguem organizaras tarefas; c) incluem informações estranhas aos textos; d) dãorespostas inadequadas; e) não articulam os elementos com osconhecimentos já adquiridos; f) mostram conhecimentos limitados,pobres; g) têm percepção fragmentada; h) repetem coisas já ditas;i) defendem argumentos sob alternativas que se opõem; j) nãodemonstram nem memória nem atenção; k) apresentam erros deortografia, acentuação, concordância e pontuação.

Para completar esse quadro pouco alvissareiro, o Inep, combase no questionário sócioeconômico aplicado aos estudantes queparticiparam do Enade, em 2006, informa que apenas 34% dosuniversitários lêem, no máximo, dois livros por ano, excetuando osescolares. Outra fonte, como o Centro Integrado Empresa – Escola(CIEE), também revela, a partir de 1104 entrevistas com estudantesde universidades públicas e privadas, que não só os universitárioslêem pouco, como 18% deles declararam não gostar da leitura.Despreocupados em buscar informações em jornais e revistas, 77%desses mesmos estudantes revelaram que nenhuma obra lida osteriam influenciado de modo significativo em sua vida.Provavelmente, diga-se de passagem, nenhum professor deve terrecebido aconselhamento direto (pelos limites da pedagogia da “não-coerção” ou “da não imposição externa”) para imiscuir-se nasdecisões do aluno sobre sua formação literária, intelectual!

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Tais resultados, mais uma vez, obrigam ao retorno da perguntabásica deste texto, agora, sob forma variada. Assim, se ascompetências e habilidades esperadas dos alunos não se confirmamapós escolarização de oito, onze ou quinze anos, quais relaçõespodem ser feitas com a formação dos professores, orientada porórgãos e/ou documentos legais, em diferentes cursos e/ouUniversidades? Quais hipóteses podem ser dadas para um ensinotão malsucedido após formação específica direcionada para aeducação?

Ou, ainda, não seria melhor afirmar que os resultados obtidosnas avaliações do sistema escolar são um verdadeiro sucesso e queprovém, de modo natural, das medidas pedagógicas encaminhadassob a orientação do Banco Mundial, da UNESCO, de Jacques Delors,de Perrenoud, entre outros assessores brasileiros do MEC? Afinal,nunca é demais lembrar o decálogo de Perrenoud (2000) que, entreoutras recomendações, põe aos educadores a obrigação de preservaros direitos imprescritíveis do aprendiz. Dentre estes direitosproclamados apresentam-se alguns para reflexões obrigatórias sobreas possíveis conseqüências da atual metodologia educacional,adotada pela pós-modernidade:

• O direito do aluno de não estar constantemente atento.• O direito de só aprender o que tem sentido.• O direito de não obedecer seis a oito horas por dia.• O direito de se movimentar.• O direito de não manter todas as promessas.• O direito de não gostar da escola e de dizê-lo.• O direito de escolher com quem quer trabalhar.• O direito de não cooperar para seu próprio processo.

III - Considerações pouco exploradas

Perrenoud (1999), como parceiro ativo dos educadoresbrasileiros que se propõem de vanguarda, não acentua apenas osdeveres do professor para com seus alunos. Com tal orientação,confirma o que vários outros adeptos dessa pedagogia dapedagogia dapedagogia dapedagogia dapedagogia daglobalizglobalizglobalizglobalizglobalização ção ção ção ção sugerem: a redução da função do professor em nomea redução da função do professor em nomea redução da função do professor em nomea redução da função do professor em nomea redução da função do professor em nomedo desenvolvimento natural e autônomo das operaçõesdo desenvolvimento natural e autônomo das operaçõesdo desenvolvimento natural e autônomo das operaçõesdo desenvolvimento natural e autônomo das operaçõesdo desenvolvimento natural e autônomo das operaçõesintelectivas dos alunos.intelectivas dos alunos.intelectivas dos alunos.intelectivas dos alunos.intelectivas dos alunos.

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Perrenoud também se associa às propostas de “ensino” queatenuam a importância do saber já construído historicamente.Embora diga que não há competências sem saberes, deixa claro queo tempo destinado ao repasse dos saberes deve ser menor queo tempo destinado ao repasse dos saberes deve ser menor queo tempo destinado ao repasse dos saberes deve ser menor queo tempo destinado ao repasse dos saberes deve ser menor queo tempo destinado ao repasse dos saberes deve ser menor queos dedicados às competências. “os dedicados às competências. “os dedicados às competências. “os dedicados às competências. “os dedicados às competências. “Competências” já definidas, nodocumento do Saeb (2001 (a), p. 11), como

[...] diferentes modalidades estruturais da inteligência quecompreendem determinadas operações que o sujeito utiliza paraestabelecer relações com e entre os objetos físicos, conceitos, situações,fenômenos e pessoas(Grifo nosso).

É com esse mesmo posicionamento que o Inep/Saeb (2001(a), p.19), salientando a importância das “competências” e, dentreelas, a exploração discursiva da língua, diz:

Como se sabe, tal perspectiva rompe com a tradição“conteudística” de abordagens descontextualizadas (sic!) e,assim, favorece o desenvolvimento das múltiplas capacidadescomunicativas de que o indivíduo deve dispor para responder àsexigências de sua condição de ser social e participativo (...) (Grifo nosso).

Na associação imediata da tradição “conteudística” com “anegação de conhecimentos impostos”, com “a rejeição deimposições coercitivas de parâmetros”, Foucault e seus pares sãoabsorvidos espontaneamente pela rede de ensino, nos limites deum pragmatismo conveniente à defesa da própria tendênciaeducacional. Por superficialidade analítica, um pós-estruturalista,negado pelo próprio Piaget (1981), é integrado ao estruturalismopiagetiano, ou melhor, é absorvido pela tendência pedagógicaconstrutivista, admitida pelo governo brasileiro como únicaconcepção a ser adotada em todo território nacional.

Na verdade, encobertas pela pós-modernidade, as orientaçõespedagógicas que partem dos órgãos responsáveis pela educaçãobrasileira apóiam pressupostos contraditórios. Ao lado da apologiado educar, do ensinar, consideram todos os discursos comoplausíveis, admitem encontrar a verdade, inclusive, em sistemasopostos ou antagônicos, recusam normas, regras e princípios,renegam referenciais, rejeitam qualquer uniformidade oupadronização, abandonam preocupações com os determinantessociais e aceitam, naturalmente, a imprecisão de termos e a falta derigor nos discursos.

Com essa pauta, a pedagogia oficialpedagogia oficialpedagogia oficialpedagogia oficialpedagogia oficial também conclama osprofessores a aperfeiçoar a democracia nos limites da concepção do

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indivíduo, ou da concepção de sujeito, já proposto pelo liberalismoclássico. Da mesma forma, estimula a cidadania, embora o teóricoque dê cobertura a essa proposta, Piaget (1999, p.84), diga:

Não compreendemos nem moralmente nem intelectualmenteo mundo atual. Ainda não encontramos o instrumento intelectualque nos tornará possível a coordenação dos fenômenos sociais, nem aatitude moral que nos permitirá dominá-los pela vontade e pelo coração(Grifo nosso).

Diante de afirmações tão categóricas e tão contraditórias queimpregnam as diretrizes educacionais, o conjunto de interrogaçõesque dá corpo ao texto reaparece sob outras formas. Assim, questiona-se:

• É possível formar educadores quando não mais secredita relevância ao trabalho do professor ?

• Qual a função do professor, hoje, com base napedagogia que considera o indivíduo capaz de aprendera ser, fazer e conhecer por conseqüência de meraestimulação de sua autonomia para a realização deoperações mentais?

• É factível educar o educador que não considera maispossível conhecer e/ou compreender o próprio mundoem que vive?

• É viável o sucesso da escola quando essa não mais sepropõe a ensinar?

• Não se poderia dizer que os resultados atuais dasavaliações do sistema de ensino são um verdadeirosucesso?

E, por último, a pergunta mais importante:• De fato, dentro do quadro descrito, para que servemDe fato, dentro do quadro descrito, para que servemDe fato, dentro do quadro descrito, para que servemDe fato, dentro do quadro descrito, para que servemDe fato, dentro do quadro descrito, para que servem

os cursos de pós-graduação em educação?os cursos de pós-graduação em educação?os cursos de pós-graduação em educação?os cursos de pós-graduação em educação?os cursos de pós-graduação em educação?

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NOTAS CRÍTICAS AOS ARGUMENTOS CONTRA COTAS

PARA NEGROS NAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS

Luis Fernando Cerri

Quando você for convidado pra subir no adroDa fundação casa de Jorge Amado

Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretosDando porrada na nuca de malandros pretos

De ladrões mulatos e outros quase brancosTratados como pretos

Só pra mostrar aos outros quase pretos(E são quase todos pretos)

E aos quase brancos pobres como pretosComo é que pretos, pobres e mulatos

E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratadosE não importa se os olhos do mundo inteiro

Possam estar por um momento voltados para o largoOnde os escravos eram castigadosE hoje um batuque um batuque

Com a pureza de meninos uniformizados de escola secundáriaEm dia de parada

E a grandeza épica de um povo em formaçãoNos atrai, nos deslumbra e estimula

Não importa nada:Nem o traço do sobrado

Nem a lente do fantástico,Nem o disco de Paul Simon

Ninguém, ninguém é cidadão.

(Haiti – Caetano Veloso)

INTRODUÇÃO

As políticas afirmativas para acesso de estudantes negros àsuniversidades públicas estão em um novo nível de debate. Numprimeiro momento, no início da década, o debate centrava-se naconstitucionalidade, justiça e efetividade da iniciativa em cumprir seusobjetivos. Hoje, o quadro atual das também chamadas políticas decotas é outro. Estudos e relatórios recentes (p.ex. BRANDÃO, 2007)

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afastam alguns questionamentos anteriores, como ocomprometimento da qualidade acadêmica do aluno que ingressoupor cotas. No que se refere à constitucionalidade, consolidou-se nojudiciário o princípio de que as políticas afirmativas são legais, a partirdo princípio de dever do Estado na produção de igualdadesubstantiva, para além da igualdade formal.

Nesse quadro, em meados de 2007, é possível observar umareação em setores da sociedade brasileira, procurando abrir um novociclo de discussões e reverter uma política que começa a dar sinaisde consolidação e adaptação, tendendo, portanto, a generalizar-seno curto prazo. Assim, reportagens, sobretudo no jornalismotelevisivo da Rede Globo e na revista Veja, do Grupo Abril (portantodois dos maiores conglomerados da comunicação de massa no país)recolocaram a questão das cotas. Essa reação procura atingir, alémdos pressupostos teóricos, seu modus operandi, a partir da afirmaçãode que o conceito de raça (base da política implementada) não existeou não é minimamente objetivo para ser aplicado. Além disso essaspolíticas tiveram reforçada sua ligação com o Governo Lula, o queacabou por constituir uma manobra para associar a insatisfaçãooposicionista com a crítica a uma política pública supra-governamental, e mesmo, em muitos casos, além do alcance dopoder decisório dos governos, uma vez que fica no âmbito daautonomia universitária, em boa parte dos casos.

Além de um fenômeno midiático, que pode ser associado àoposição política a um governo em particular, seu lugar social é oâmago de empresas capitalistas envolvidas em processos deoligopolização de seu mercado. Nesse quadro, o recurso aoradicalismo do discurso liberal – contrário portanto a qualquerintervenção do estado em qualquer campo da vida social oueconômica – ajuda a explicar uma predisposição natural contrapolíticas públicas compensatórias em geral, e as políticas de cotasem particular.

Esse texto objetiva discutir as bases da argumentação usadanesse processo de reação. A pergunta no final das contas é: “temosum compromisso, como nação, com a reparação de prejuízoshistóricos causados aos negros?” A estratégia para respondernegativamente a essa pergunta tem duas linhas principais: 1) não háprejuízos históricos que sejam verificáveis ou não é possível definirquem é negro (linha predominante em Ali Kamel, por exemplo) e 2)há desvantagens históricas impostas aos negros, mas elas não podemser resolvidas através de políticas afirmativas: elas não funcionarão,

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porque não funcionaram em parte alguma em que foram implantadas(linha predominante em Thomas Sowell). Pretendemos discutirpreliminarmente esses argumentos, de um ponto de vista favorávela políticas educacionais afirmativas para negros. Parte-se da idéia deque há, sim, uma desvantagem social e educacional da populaçãonegra, desvantagem essa que foi construída historicamente no Brasile que tem sido combatida, sobretudo, por pressão do movimentonegro sobre o Estado, cobrando-o por seu discurso republicano /democrático. Entretanto, não tem sido enfrentada decisivamente adesigualdade que separa brancos e não-brancos.

No título, a expressão “notas críticas” demonstra o caráternão exaustivo desse capítulo, bem como o fato de ter sido produzidopor um leitor crítico envolvido no debate e com um ponto de vistaespecífico (historiador, com formação em Educação, favorável eavaliador da implementação de uma política de cotas universitáriapara negros em especial), e não um especialista com formação nasquestões em tela.

“NÃO SOMOS RACISTAS” – O ARGUMENTO DE QUE NÃO HÁ OQUE REPARAR.

O livro do sociólogo e executivo da Rede Globo de Televisão,Ali Kammel, tem como título “Não somos racistas”. Ele é um dosprincipais divulgadores da tese de que não há reparação a ser feitapara os negros, porque não há efetiva desigualdade baseada nocritério racial. Seu raciocínio fica na borda da idéia de que no Brasilnão há racismo, embora não entre de vez nessa idéia, apenassugerindo que “não somos racistas”. A primeira pessoa do pluralindefinida (quem somos nós, que não somos racistas?) permite essaproximidade, sem adesão definida, com a idéia de Brasil comodemocracia racial.

Apesar de se tratar de um ensaio, com características dematerial de divulgação, o livro de Kamel é relevante por dois motivos.Primeiro, porque teve ampla divulgação e repercussão, alcançandodiversas edições e ganhando espaço nos meios de formação deopinião. Por outro, é representativo devido ao estrato social a quepertence – uma parcela específica da elite econômica brasileira,proprietária e/ou financiada por instituições conservadoras decomunicação social. Kamel atua como “intelectual orgânico” daclasse social que representa / serve / pertence.

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O indicativo importante que discutiremos a seguir é que esseautor demonstra que os desenvolvimentos da sociologia brasileiradesde os anos 50 não tiveram repercussão nessa elite nacional. Assim,a crítica à idéia de democracia racial, o reconhecimento daespecificidade do racismo brasileiro - diverso do norte-americano,mas nem por isso menos nefasto em suas conseqüências - e oreconhecimento das contribuições das culturas negras ao processocivilizatório nacional, que são hoje dominantes na academia e mesmoem amplas parcelas dos setores do Estado que são responsáveis porpolíticas sociais, apresentam-se como não–hegemônicos nasociedade e, por isso, combatidos por uma parcela fundamental daclasse dominante.

Um auxílio à caracterização do lugar social ocupado por Kamel,necessária, embora não suficiente para a análise de suaargumentação, é feito pela professora Yvonne Maggie (UFRJ), noprefácio à mencionada obra. Afirma Maggie1 :

Executivos de grandes redes, usualmente, não manifestam suasposições pessoais sobre temas nacionais. Por isso sua participação nodebate público é tão importante para demonstrar que as empresas damídia são instituições formadas por alguns indivíduos que têm opiniõespróprias, uma outra batalha que Ali Kamel vem travando com muitaspatrulhas de plantão (p. 10).2

1 Maggie é antropóloga e estuda as relações raciais, entre outros temas. Destacamos o artigo “Racismo eanti-racismo: preconceito, discriminação e os jovens das escolas cariocas”, cuja principal conclusão é ade que os marcadores raciais não são significativos na definição de conflitos e afinidades entre os alunos.Subsidiariamente, sugere que não cabe ao Estado propor estratégia distinta das definidas pelos alunosem seu enfrentamento de conflitos e desigualdades, argumentando contra as políticas de reserva devagas nas universidades.

2 Os meios de comunicação são dirigidos por pessoas com opinião própria, isso é amplamente reconhe-cido. Os proprietários de um veículo também têm opinião própria, e em geral o alinhamento com essaopinião é um fator positivo para que o jornalista ou o executivo galguem posições na hierarquia daempresa. É importante rememorar as posições da Rede Globo em alguns casos da história recente, demodo a temperar a visão um pouco (ou sem nenhum adjetivo) idealizada de Maggie. Temos, por exem-plo, o caso da eleição de Brizola para o governo do Rio de Janeiro em 1982, em que as pesquisas deopinião divulgadas pela emissora davam a vitória a outro candidato, criando condições para uma fraudeeleitoral que não se realizou, afinal. Podemos citar também: a ocultação do movimento das Diretas János programas jornalísticos da emissora até quando não foi mais possível, pela evidência dos movimen-tos de massa; a edição do debate do 2º turno da eleição presidencial de 1989, favorável ao candidatoCollor e desfavorecendo o candidato Lula; a gafe da entrevista do então ministro Rubens Ricupero,expondo os favores da emissora à propaganda eleitoral de Fernando Henrique Cardoso em 1994, semsaber que toda a conversa estava sendo transmitida; mais recentemente, pode-se destacar a ação daemissora para forçar o 2º. turno das eleições presidenciais em

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2006, expondo ilegalmente a foto de uma pilha de dinheiro apreendida pela Polícia Federal, supostamen-te para o pagamento, pelo Partido dos Trabalhadores, de um dossiê contra o candidato presidencialGeraldo Alckmim, que contou com a ativa participação política de Kamel, não apenas noticiando mas,como o cidadão Kane, criando a história. Esse acontecimento gerou um amplo debate sobre o papel damídia, da Globo e de Kamel, nas revistas Carta Capital e Caros Amigos na época. Por fim, Kamel envol-veu-se nos debates sobre a compra, pelo Programa Nacional do Livro Didático do Governo Federal, dolivro “socialista” de Mário Schmidt, da editora Nova Geração. Isso foi feito no bojo de uma crítica aogoverno Lula, como se o mesmo, através disso, estivesse procurando doutrinar estudantes, embora olivro tenha sido adotado durante o governo FHC e eliminado durante o governo Lula. O executivoconsolida-se, portanto, como uma voz relevante na defesa dos interesses dos grandes conglomerados decomunicação e suas posturas político-ideológicas de longa data.

3 Disponível em: <http://www.dialogoscontraoracismo.org.br>. Texto apresentado por Paolo Nosella noIV Colóquio de Pesquisa sobre instituições escolares, no PPGE da UNINOVE, São

A síntese da obra de Kamel pode ser feita em quatro linhasprincipais. Inicialmente está a negação do racismo como convicção,difícil de comprovar ou refutar, pois é um elemento subjetivo e nãonecessariamente verbalizado pelas pessoas, mesmo porque é crimeinafiançável definido na Constituição Federal. Com isso, pretende-se negar a amplitude da discriminação racial, o que é mais difícil portratar-se de uma prática social, refletida em dados objetivos. Porisso, a obra conta com um exercício estatístico na tentativa dedemonstrar que os negros não compõem a maior parte da populaçãopobre do país, bem como não há diferença de remuneração ou deacesso a emprego entre negros e não-negros. Outra linha deraciocínio importante da obra é a negação dos “pardos” comonegros. Em seguida, vem a assertiva de que os problemas de rendae acesso a bens sociais, entre eles a educação, por parte de “pardose negros” resultam da pobreza e do nível educacional, e não dosefeitos do racismo. Por fim, defende que a saída para esse problemaseja o investimento maciço na educação básica, o que é umadecorrência lógica do não - reconhecimento da desigualdade comofator central: se todos são formal e teoricamente iguais, uma políticauniversalista de distribuição de recursos deve ser capaz de resolveras desigualdades que não se devem a fatores raciais, mas a fatoreseconômicos.

Sem pretensão de sermos exaustivos, comentaremos cadaum desses tópicos.

“Não somos racistas”, mas no Brasil há racismo. Essa é aconclusão de uma pesquisa desenvolvida pelo Fórum Diálogos Contrao Racismo 3 , ou seja, a maioria da população entrevistada não seassume como racista, e a maioria afirma que há racismo no Brasil,levando-nos ao paradoxo do racismo sem racistas, que motivou o

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Paulo, 29 de agosto de 2007 e no Encontro de Estudos e Pesquisas em História, Trabalho e Educação, doHISTEDBR, UNICAMP, Campinas, 04 de setembro de 2007. Contou com atenta leitura e sugestões daProfa. Dra. Ester Buffa.

desenvolvimento de diversas campanhas de esclarecimento,com o mote “Onde você guarda o seu racismo?”.

A negação dos efeitos práticos do racismo começa por umitem que Kamel intitula como “A gênese contemporânea da naçãobicolor”. Manifesta um susto com o que chama de “transformaçãode pardos em negros”:

Certo dia, caiu a ficha: para as estatísticas, negros eram todos aquelesque não eram brancos. Cafuzo, mulato, mameluco, caboclo, escurinho,moreno, marrom-bombom? Nada disso, agora ou eram brancos oueram negros. De repente, nós que éramos orgulhosos da nossamiscigenação, do nosso gradiente tão variado de cores, fomos reduzidosa uma nação de brancos e negros. Pior: uma nação de brancos e negrosonde os brancos oprimem os negros. Outro susto: aquele país não erao meu.(KAMEL, 2006, p. 18).

Temos nesse trecho um autor chocado, como Adão e Evadiante da “expulsão do paraíso”, dando-se conta de que as estatísticasoficiais incorporaram toda a discussão da sociologia sob o impactoda obra de Florestan Fernandes e outros: o Brasil não é umademocracia racial. Seguindo seu argumento, retoma Gilberto Freyree a concepção de que ele não acreditava na democracia racial comorealidade, mas apenas como ideal a ser buscado; portanto, paraKamel, o racismo existia e existe (p. 20), mas a nação não se queriaracista, além de sempre condenar o racismo.

Há dois problemas nessa argumentação: um é reduzir a naçãoa uma generalidade abstrata e homogênea. Não existe “a nação”como sujeito que faz ou deixa de fazer alguma coisa, existe a naçãocomo conjunto de pessoas e grupos concretos que disputam projetosde nação e interesses entre si. A metonímia da nação é um recursoretórico da luta ideológica, que não é admitida quando adentramosa esfera do rigor acadêmico. Assim, é de se reconhecer que não é “anação” que sempre combateu o racismo, mas uma parcela dela. Secombateu, tinha opositores, e esses certamente são os que praticam/ praticavam o racismo, assumidamente ou não. Uma das grandesconquistas dos movimentos negros e contra o racismo em geral é aidentificação de que o racismo no Brasil, ao contrário de umaconvicção (como em partes dos Estados Unidos ou na África do Sul

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sob o Apartheid), é um conjunto de práticas discriminatórias nãoassumidas como tal, que incluem mesmo o paternalismo exercidosobre pessoas negras. É o que se caracteriza como “racismo cordial”(TURRA e VENTURI, 1995). É o que evidencia, por exemplo, o FórumDiálogos contra o Racismo, mencionado acima.

O primeiro passo para o combate ao racismo é reconhecê-lo,não só como abstração e coisa dos outros, mas como uma estruturapsicológica coletiva sobre a qual temos pouco controle, até omomento que o reconhecemos em nós, independente do grupo raciala que pertencemos e da forma que ele assume. Ora, no discurso deKamel, tanto a nação quanto o racismo são desprovidos desubjetividade, materialidade e de complexidade.

Kamel busca na Sociologia dos anos 50 o “desvio errado” queo Brasil teria tomado, pelo qual estaríamos chegando a uma naçãobicolor, através do que caracteriza de equívoco teórico, ou seja, aclassificação de pretos e pardos como negros. Como força de seudiscurso, ignora os índios (cuja população e auto-declaração temcrescido, e cuja identificação racial ou cultural é inequívoca) e osorientais. Afirma também que a denúncia do racismo brasileirodesconsideraria as relações de amizade e as relações conjugais inter-raciais. É outro equívoco. O fato de que no Brasil se encontram essasrelações é um ponto positivo, mas não invalida a construção teóricareferente ao racismo brasileiro e suas especificidades. Pelo contrário,combater o racismo não passa por identificar os pontos em que asociedade brasileira não pratica a discriminação, mas exatamentepelo reconhecimento dos pontos em que essa discriminação existe,e as formas pelas quais essa discriminação é exercida. E nessa tarefa,o livro de Kamel não só não ajuda em nada, mas atrapalha ao tentarrecuperar elementos do mito do Brasil como democracia racial,beneficiado pela ausência de um racismo tal qual se praticaria emoutros países, cujo arquétipo é sempre os Estados Unidos da América.

Para o argumento de que não há o que se possa repararespecificamente nas relações raciais brasileiras, uma das idéias maisimportantes esgrimidas por Kamel é a de que as raças não existem.Desse argumento biologizante (e, portanto, de certo modo, filiadoao positivismo) derivam a crítica à junção de pretos e pardos nacategoria única de negros, bem como a crítica à idéia de que seríamos,sim, um país racista. Também depende desse raciocínio a crítica àidéia subsidiária de que a pobreza no Brasil é predominantementenegra, base das políticas afirmativas por parte das Universidades edo poder público em geral.

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A “redescoberta”, por parte do discurso contra as políticasafirmativas para negros, da ausência de raças na espécie humanapela Antropologia, num primeiro momento, e depois pela Genética,são um esforço conservador de restabelecer o desgastado princípiode igualdade formal que permita a continuidade do tratamento igualaos que são, na verdade, desiguais, de modo a não colocar o Estadoa promover igualdade. É significativo que esse argumento sejarecuperado no momento atual, em que o antigo argumento daigualdade formal entre os brasileiros (expresso na máxima liberal deque todos são iguais perante a lei) tem perdido seu efeito prático demanter as desigualdades. Sim, porque as decisões judiciais nos litígiospor vagas em universidades que adotaram a política de cotas vêmtendendo a estabelecer a insuficiência do princípio da igualdadeformal (e, portanto, dos direitos formais) diante das evidências deque as condições das pessoas as desigualam e mesmo as impedem,na prática, de exercer sua igualdade formal. Tem vencido, portanto,o princípio dos direitos substantivos, práticos, que a justiça devefavorecer.

A partir dessa realidade, a reação às políticas afirmativas, daqual Kamel participa, passa a buscar um outro argumento no qualpossa sustentar a existência de igualdade em algum plano, e oencontra na negação do conceito de raça e na “confusão genética”de nosso povo. Assim, recentemente, desenvolveram-se análisesgenéticas de negros famosos e comprovou-se a presença de origensgenéticas européias predominantes em pessoas que fenotipicamentejamais seriam reconhecidas como européias. Deixemos de lado ofato de que se recorre a um expediente cientificista, pelo qual osdetalhes da pesquisa são deixados de lado (como o significado exatode “origem européia dos genes”) em favor do discurso de autoridadefascinante do laboratório e do jaleco branco na emissão de“verdades”. Trata-se aqui de discutir o conceito de raça diante dessequadro cientificista.

É importante notar que nos Estados Unidos não se fazemanálises genéticas da população latina para verificar o quanto deeuropeu ela tem no corpo. Afinal, latino-americanos descendem deeuropeus, índios e negros, em diferentes perspectivas. O autor dessaslinhas, por exemplo, que tem origem majoritariamente italiana eaparência caucasiana, nos EUA é “latino”, e no Brasil é “branco”. Jáo Neguinho da Beija-Flor, que no Brasil tem sua genética expostacomo mais europeu que negro, nos EUA é claramente negro. E noBrasil também, apesar de sua carta genética. Por que isso ocorre?

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Da constatação de que raças não existem, não derivalogicamente a afirmação de que somos todos iguais. Ora, temosaparências diferentes, fenótipos distintos, e isso não é irrelevantenas relações sociais. Nenhuma criança pede à outra seu exame deDNA para isolá-la na escola, na hora do lanche: elas o fazem a partirda aparência do(a) colega. Ninguém é recusado num emprego peloseu código genético, mas pela aparência. Se a raça não existe comoconceito biológico ou antropológico, a raça existe nas relações sociais!A raça existe na Sociologia, na História, na porta da casa noturna, nahora do mau policial decidir se atira primeiro e pergunta depois, ouo contrário. A raça não reúne as pessoas pelo mapa genético, maspela experiência social compartilhada, pelos relacionamentos,pressupostos, preconceitos. Que essas relações sejam temperadas,no Brasil, pela posse ou não de dinheiro e bens, é uma especificidadedas relações sociais brasileiras, não um fator que negue o peso dasrelações raciais.

Caetano Veloso, na letra da canção que é epígrafe do presentetexto, traduz poeticamente o significado desse argumento: no Brasil,“branco” é todo aquele que não é “quase preto” ou “quase branco”.Então, porque pretos e pardos podem ser reunidos, estatisticamente,em uma categoria única, a de negros? Pela similaridade das suasexperiências e relações! Por que ser “quase branco” ou “quase preto”ou “preto” faz diferença nas relações sociais. Sobretudo, cumprequestionar esse debate, evidenciando que, historicamente, para sofrerdiscriminação racial, “cafuzo, mulato, mameluco, caboclo, escurinho,moreno, marrom-bombom” (Kamel) são “tratados como pretos /Só pra mostrar aos outros quase pretos / (E são quase todos pretos)/E aos quase brancos pobres como pretos / Como é que pretos,pobres e mulatos /E quase brancos quase pretos de tão pobres sãotratados” (Veloso). Porém, quando se trata de definir políticasredistributivas, a raça (o que identifica um grupo pelas aparências eexperiências sociais que compartilha) não é aceita como critério.

A revista Veja chegou a aproximar os defensores das cotasraciais com os nazistas ou os africâners do regime do Apartheid,misturando alhos com bugalhos e fazendo a clássica inversão que oMarx da Ideologia Alemã identificaria claramente como ideologiaburguesa. As cotas constituem uma prática redistributiva e visambeneficiar os “discriminados” (e não prejudica-los ou extermina-los),e não estão baseadas em bases pseudocientíficas e biologizantes daquestão racial, exatamente o contrário dos nazistas e arquitetos doApartheid.

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Por fim, os estudos estatísticos de Kamel são malabarismospara tentar demonstrar que o racismo não é a causa das diferençasentre negros e brancos no que se refere à renda e acesso a bens emgeral. Nesse exercício, acaba por demonstrar a toda curva e a cadaatalho de seu raciocínio, a situação de inferioridade contra a qualnegros – pretos e pardos – se debatem no Brasil. Essa situaçãoprecisaria ser negada pelo autor, pois ela é a evidência material deque o racismo não só existe no campo das idéias, mas manifesta-sena produção material de desigualdades. Por exemplo, quando afirmaque negros ganham menos que brancos em uma determinadacategoria, por serem menos escolarizados, cai na própria armadilha,ao evidenciar que negros e brancos não têm o mesmo tipo de acessoà educação. Ao tentar afirmar que essas situações não se devem aoracismo, roça-se – implícita e perigosamente - a idéia de que osnegros seriam menos dotados intelectualmente (afinal, se não háobstáculos racistas, por que os negros têm desempenhos inferiores?).Ao contrário dessas formulações, outros estudos, como ospatrocinados pela UNESCO (por exemplo HENRIQUES, 2002)evidenciam que a cor da pele é fator de piora na situação social,educacional, econômica, enquanto trabalhos como os de Cavalleiro(2000) e Fazzi (2004) analisam o impacto do preconceito e dadiscriminação (sobretudo por parte de professores) no aprendizadode crianças e jovens negros.

“AÇÃO AFIRMATIVA NÃO FUNCIONA” – O CAMINHO PARASUPERAR A DESIGUALDADE É O TRATAMENTO IGUALITÁRIO.

Kamel e outros debatedores contrários às políticas afirmativassustentam-se sobretudo no estudo de Thomas Sowell para afirmarque as cotas não funcionam: beneficiariam apenas os estratos maisaltos dos grupos favorecidos, ou ainda poderiam levar à exacerbaçãodos preconceitos dos não–beneficiados. Por isso, essa parte do textoé dedicada a comentar a obra “Ação afirmativa ao redor do mundo.Estudo empírico”, de Sowell. O título é revelador do eixo doargumento do autor, um argumento neopositivista, de que sobraemoção e faltam dados empíricos ao debate sobre cotas e outrasações afirmativas. Entretanto, na medida em que ele promove umapesquisa ampla e comparativa de diversas experiências em distintospaíses, sustenta a posição de que seu objeto mostrou-seinvariavelmente nefasto em todos os casos estudados. O fetiche dodado bruto como emissor de verdade é algo superado no debateacadêmico há muito tempo, afinal, a opinião está na base da

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construção dos instrumentos que extraem os dados do real, e porisso os dados não logram ter a força bruta que positivistas eneopositivistas lhe imputam. Antes do dado, temos a discussão decomo esse dado foi produzido, ou seja, a validação dos enunciadosnão ocorre mais no autoritarismo frio dos dados, mas na razoabilidadedos instrumentos, dados e argumentos construídosintersubjetivamente. É ao rascunho dessa tarefa que nos dedicamosa seguir.

O historiador José Roberto Pinto de Góes apresenta a obra eoferece um panorama interessante sobre a utilização das idéias eargumentos de Sowell em função da realidade brasileira. Em outrostermos, a ele cabe comentar o significado da obra traduzida a serlida pelos brasileiros, e espera-se que procure traçar paralelos como caso brasileiro, não analisado por Sowell. Afirma Góes que “Osistema só tem beneficiado uma minoria. Não a minoria, mas umaminoria preexistente no interior de uma minoria” (in SOWELL, p. x),e por isso apenas os negros com melhores condições educacionaisterão acesso à universidade. O argumento de Góes evidencia algunsdados correlatos importantes: a) no Brasil, atualmente, nem a minoriada minoria vinha tendo acesso à universidade pública, o que garanteo argumento de que o racismo é um fator central na exclusãoeducacional de negros e b) as políticas de cotas não se opõemnecessariamente ao mérito acadêmico. Em outros termos, se há umaparcela afortunada na minoria negra brasileira, porque afinal elapermanecia praticamente ausente dos bancos universitários?Beneficiados pelos estudos posteriores (p. ex. BRANDÃO, 2007),podemos afirmar que a minoria da minoria está acessando auniversidade (ou seja, aqueles negros filhos de pais de classe médiabaixa e classe baixa que conseguem sair do mercado de trabalho ereceber algum apoio financeiro da família). Além dessa “elite”, outrosalunos que não poderiam permanecer na universidade sem apoiofinanceiro do Estado ou das universidades têm se agarrado às franjasdos combalidos serviços de apoio aos estudantes e têm-se mantidona graduação. Outros tantos entre esses, por sua vez, não resisteme são obrigados à evasão. No fim das contas, as cotas têm a) permitidoà “minoria da minoria” acessar a universidade, que antes não o fazia;b) permitido a uma parcela da maioria da minoria o mesmo acessoe permanência e c) falhado em garantir a permanência de outroscotistas da maioria da minoria. Inegavelmente estamos um passoadiante do que estávamos antes das cotas no quesito da inclusão. Enão cabe à política afirmativa resolver todos os problemaseducacionais, apenas os problemas de desigualdade.

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Góes também entra em discussões reveladoras, como aoposição a políticas de transferência de renda em geral para ospobres, a idéia de que cotas fornecerão diplomas, mas não educação(o que em 2004 era um palpite, largamente desmentido pelosresultados atuais no desempenho acadêmico dos cotistas) e o orgulhoda mestiçagem versus divisão entre brancos e não-brancos nasestatísticas. Mas um dado muito mais interessante do conjunto deelementos que esgrime é a crítica ao “imperialismo cultural” norte-americano, que estaria presente nos financiamentos da FundaçãoFord para o estudo de questões raciais brasileiras até a importaçãodas cotas como política inclusiva. Essa crítica convive sem problemasde consciência com o fato de que o cabedal de informações de Sowell,que Góes está a apresentar, é produção de um pesquisador norte-americano, financiado e comissionado pela norte-americana HooverInstitution on War, Revolution and Peace, da Universidade deStanford. Não é uma contradição, é o reconhecimento de que, comas devidas ressalvas críticas e análise de interesses, o conhecimentonão tem validade a partir do país ou instituição, mas pela suacoerência, consistência e relevância. Nesse rumo, Góes questionaporque o Brasil imita as cotas dos estadunidenses, e não o profundorespeito, em sua cultura política, pelos direitos individuais. Emboraa afirmação soe um pouco estranha após o Patriotic Act de GeorgeW. Bush e os fatos nas prisões de Guantánamo e Abu Ghraib,podemos responder que não imitamos essa característica pelomesmo motivo de não imitar a riqueza norte americana. Prosperidadeeconômica e cultura política são elementos construídos durantedezenas de gerações. Cotas são uma política pública de curto prazo.Além disso, é questionável a idéia de imitação norte-americana,porque o livro que Góes apresenta tem exatamente o caráterdemonstrativo da amplitude das ações afirmativas no mundo, comcasos que precedem o dos Estados Unidos.

Para passarmos a Sowell propriamente, já que não cabe aquiesgotar toda a contra-argumentação possível a Góes, basta indicarque o assunto é apaixonante, e é um exercício formidável à vigilânciaconstante que o estudioso precisa ter para não passar do debatefundamentado e razoável para a provocação gratuita em favor desuas paixões. Góes dedica seus últimos parágrafos à paixão, e numtexto apaixonado critica a paixão de seus opositores nessa discussão.E para tanto, termina citando o padre Antonio Vieira, sobre os malesda paixão conjugal, o que pode não ser uma referência confiável,uma vez que ao jesuíta casto e celibatário deveria faltar exatamente

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aquilo que é tido em Sowell como critério de autoridade e validadedo discurso: o conhecimento empírico. Qualquer leitor de primeiraviagem percebe, entretanto, que sob o véu do empirismo e daneutralidade está o conceito apriorístico do autor, que procura negaras ações afirmativas como ações viáveis para diminuir asdesvantagens de grupos sociais. Pode-se perceber isso,por exemplo,quando o autor afirma que seu estudo dá espaço para opiniões deambos os lados, quanto às ações afirmativas, mas as opiniõesfavoráveis têm pouco ou nenhum espaço, e aparecem jádecompostas (e por vezes mutiladas) pela análise do autor.

Sowell desenvolve um estudo extenso, e foge às dimensõesdeste capítulo discutir cada um dos seus encaminhamentosmetodológicos ou argumentativos, motivo pelo qual discutiremosapenas alguns deles. Já que o autor, após a análise de 5 casosnacionais, afirma que tanto as características em cada país quantoos argumentos pró-ações afirmativas são mais universais do que seadmite, e já que debatedores como Kamel e Góes derivam daí aidéia de que tais ações são universalmente nefastas, procuraremosfazer nossas anotações numa perspectiva de comparação / adaptaçãocom o caso brasileiro.

Uma das primeiras conclusões apresentadas por Sowell é que,em todos os países estudados, as pessoas que se auto-declarampertencentes a uma minoria beneficiada por ações afirmativascrescem em número rapidamente. Há um tom de condenação aessa prática, como se a assunção de uma tal identidade tivesse algode ilegítimo a priori. Não podemos afirmar nada sobre os casosapresentados por Sowell, mas podemos traçar algumas linhas sobreo caso brasileiro.

O processo de construção de identidades é complexo, e essacaracterística é acirrada nos tempos em que vivemos, sejam eleschamados de pós-modernidade, modernidade tardia, ou o que querque seja. O fato é que atualmente, em quase todos os espaços, aidentidade não é atribuída irreversivelmente de fora para dentro doindivíduo, a partir de relações sociais e aparências fechadas, mastambém de dentro para fora, o que nos coloca na condição de umaestrutura dinâmica e variável de composição de identidades (cf., p.ex., Hall, 2005). Por outro lado, assumir uma identidade, por exemplo,ao ser perguntado em uma entrevista do censo populacional, é umexercício de representação de si mesmo, com bases que podem sermais ou menos concretas, dependendo do significado dessaidentidade para a convivência social.

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A população indígena brasileira nos censos populacionais ePesquisas Nacionais por Amostra Domiciliar (PNAD), vem crescendomuito acima de sua taxa de fertilidade, o que significa que maispessoas estão se identificando como índias. Embora não hajanenhuma vantagem direta nisso, esforços de diversas instituiçõesem valorizar as diversas culturas e povos nativos podem estartornando “ser índio” um dado não carregado de desvantagenspessoais, somente. Ou seja, a reaproximação de alguém com suasorigens não depende necessariamente de vantagens materiaisimediatas, mas também de um processo de reconciliação com umaidentidade negada, pelo reencontro mental com suas virtudes. É oque se chama de orgulho cultural ou étnico das próprias origens. E alógica das identidades impede que alguém assuma uma origem quesomente lhe traga prejuízos. Mesmo quando ela continue alvo dediscriminações e sofrimentos, entretanto, obter a aprovação e oreconhecimento dentro do próprio grupo oprimido, mas unido, podeser compensação suficiente, e não obtê-la pode ser vergonhasuficiente para superar os eventuais benefícios a se obter ocultandoas próprias origens.

A identidade ameríndia, tanto em termos étnicos quantoculturais, é quase inequívoca na experiência social brasileira. Trata-se de um assunto privado, até o momento em que essas identidadespassem a significar o acesso facilitado a recursos providos pelo poderpúblico. Desse ponto em diante, instala-se a pantanosa discussãosobre a autenticidade da identidade assumida, que não é capaz dealcançar a objetividade absoluta, já que se instala entre os sujeitossociais, posicionados e interessados nos resultados desse debate.

O caso da identidade negra tem outros elementos queampliam sua complexidade, a começar pelos recursos que ela emtese permitirá acessar, com a recente inserção das ações afirmativasno quadro das relações econômicas e sociais. Mas antes disso, énecessário considerar um outro complicador, que é o fato de que aassunção de uma identidade negra se dá no interior de uma“sociedade dos brancos”, e portanto tem um caráter, na prática, desubversão social e de construção de espaços alternativos deconvivência e reconhecimento. O conceito está implícito no títulode uma das obras-chave da sociologia brasileira, “O negro no mundodos brancos”, de Florestan Fernandes. Para ele, em suma, o Brasilnão resulta da integração das três raças, mas da criação de um mundoque serve ao branco, para o qual negros e índios foram coagidos atrabalhar, e do qual não tomam parte senão negando a si próprios.Um exemplo típico desse princípio pode ser encontrado na idéia

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de que, quando tem dinheiro, o negro alcança a mesma condiçãodo branco e não é mais discriminado. Todas as conexões da fraseanterior confirmam a tese do mundo dos brancos. O mesmo se dácom a idéia que estrutura um outro caso cotidiano, pelo qual alguémse horroriza por um conhecido ter sido chamado de negro ou depreto: “Imagine, fulano, você não é preto, é moreno!”. Ser negro éentendido como desvantagem, e ao estabelecer relações positivascom um afrodescendente com características físicas que o colocamna mira da discriminação, uma estratégia de proteção que confirmaa opressão é negar sua negritude.

No caso do Brasil, é nesse quadro que se assume a condiçãode negro. É verdade que existe a “negritude de ocasião”, e que porvezes falham grotescamente os mecanismos criados pelasuniversidades para coibir os abusos da autodeclaração no acessoaos benefícios das políticas afirmativas. Mas, em geral, assumir acondição de um grupo tradicionalmente oprimido, explorado emarginalizado significa um enfrentamento de uma ordem socialtradicional, com conseqüências políticas importantes no sentido dademocratização do Brasil. Aqui, não se pode inferir nenhumaleviandade generalizada ou prejuízo político coletivo para o fato deque mais pessoas assumam sua negritude. O oportunismo nesseato não compensa seu preço.

Para cumprir o objetivo prévio de refutar as ações afirmativascomo um todo, Sowell acaba por defini-las de modo incorretamenteamplo, como todo e qualquer tratamento que privilegie uma parteda população e persiga outra, com o que se inverte completamenteo princípio em suas vinculações originais, seja em termos de filosofiapolítica (uma abordagem redistributiva em perspectiva laica edemocrática, de raiz iluminista), seja em termos de história (a lutapor produção de igualdade em sociedades marcadas fortemente pordesigualdades e opressão). É essa manobra que permitirá a Sowell(e a seus tributários no Brasil, Kamel, o jornalismo da Editora Abrilna revista Veja / jornal Folha de São Paulo) a curiosíssima identificaçãodas ações afirmativas ao nazismo e ao anti-semitismo em geral. Issopode ser verificado quando, ao fornecer um panorama geral daquestão, afirma:

Em alguns países, tem ocorrido a total debandada física do grupo sempreferências como resultado da política preferencial que reduz suasperspectivas. O êxodo em resposta à discriminação dos chineses daMalásia, dos indianos das Ilhas Fiji, dos russos da Ásia Central, dosjudeus de grande parte da Europa pré-guerra e dos huguenotes da

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França do século XVII drenou esses países de capacitações e talentosmuito necessários. Sintetizando, as políticas preferenciais representamnão apenas a transferência de benefícios de um grupo para outro, maspodem também resultar em perda para o conjunto, quando os doisgrupos reagem com uma contribuição menor para a sociedade(SOWELL, 2004, p. 15).

Não é difícil perceber que o conceito de ação afirmativaaplicado por Sowell é excessivamente amplo, e, portanto, falho emtermos de historicidade e critério de seleção. A conseqüência é acomparação de fenômenos históricos completamente díspares e umaconclusão que não é sustentável: o anti-semitismo ou a opressão deuma elite contra os estrangeiros seriam formas de ação afirmativa!

Outra distorção promovida pela frouxidão do conceito de açãoafirmativa em Sowell está em superdimensionar os conflitosinterétnicos como resultado, principalmente, da aplicação de açõesafirmativas. Desse modo, argumenta, a reação contra as políticaspelos que não são beneficiados por elas é desproporcional aosbenefícios concedidos, aumentando os conflitos e o ressentimentoentre os grupos. Em alguns casos, como o do Sri Lanka, fica faltandopouco para o autor afirmar que cotas ou listas levaram o país à guerracivil, o que certamente seria desconsiderar que um evento dessamagnitude, via de regra, não é amarrado a uma única causa, e queno conjunto de causas que levam a guerras civis, a reação às açõesafirmativas não jogam um papel decisivo.

No caso brasileiro, o argumento de que as políticas afirmativasincrementarão o racismo vem sendo esgrimido com algumafreqüência. Talvez seja o caso de pensar se, a partir delas, o saláriodos negros e, sobretudo, o das mulheres negras, passe a ser inferior,em média, aos dos demais grupos sociais, que o acesso adeterminados empregos passe a ser restringido para negros, que osnegros sejam o grupo definitivamente majoritário entre os que sãopobres, ou os mais atingidos pela violência policial e 3 vezes maisvitimados por mortes por arma de fogo que os não-negros (SALES,2006, p. 38). Poderiam ainda as cotas ser origem da ausência práticade negros nos altos escalões do executivo, legislativo e judiciário,bem como na comunicação de massa? Poderiam acabar gerandocomportamentos discriminatórios e intimidadores, como anedotas,apelidos pejorativos, restrições a relacionamentos pessoais? Se todasessas coisas já não existissem, talvez fosse considerável a hipótesede que políticas afirmativas viessem a criá-las no Brasil.

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O que efetivamente temos visto, no campo dos fatos novosquanto à discriminação racial que remotamente poderiam serrelacionados às cotas, não chegam a ser fatos novos. Pichaçõesracistas em locais públicos, atentados intimidatórios isolados,manifestações racistas em cursos em que isso antes não ocorria,não porque os alunos não fossem racistas, mas pelo fato de que nãohaviam antes sujeitos passíveis de discriminação racial, são exemplos.Nenhum deles escapou ao controle, e todos podem ser enquadradoscom os instrumentos que a lei brasileira dispõe para coibirdiscriminação.

Um outro exemplo das estratégias de Sowell para a defesa desua tese pode ser encontrado na informação que dá sobre os avançoseconômicos e sociais da população negra norte-americana antes dosanos 60, marco da conquista dos direitos civis e das garantias contraos efeitos do racismo. Para o autor, a melhoria da condição de vidada população negra norte americana já havia começado antes daspolíticas afirmativas, e demonstra isso com estatísticas sobre essapopulação. Trata-se, entretanto, de um período de prosperidade ecrescimento contínuo da economia, mas falta o dado sobre o mesmoavanço econômico e social da população não–negra, para podermosentender o comparativo. Assim, o argumento fica incompleto: amelhoria das condições de uma população não é um dado absoluto,mas relativo ao desenvolvimento de outros grupos. Quando todosavançam, a taxa de avanço de cada um passa a ser um fator decisivopara a compreensão do processo e das desigualdades referentes aele.

As críticas de Kamel, Sowel, Maggie e Góes às políticasafirmativas não são uniformes em termos de qualidade eprofundidade. Muitas delas não se aplicam à experiência brasileiraem hipótese alguma, e outras são apenas inválidas para o momentoatual, mas não se pode imaginar que a realidade seja estática e quealgumas dessas críticas não possam vir a valer num futuro próximo.A operação de interferir nas relações sociais e educacionais –sobretudo quando se trata de uma instituição relativamenteautônoma, como é o caso da Universidade Pública – é uma operaçãolegítima, mas ao mesmo tempo arriscada. Por isso, o cuidado e aatenção constante às novas características e dimensões dos projetose sua realização configuram-se hoje como uma tarefa irrecusável,para a qual a crítica dos opositores é uma contribuição constante.

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A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO TRABALHO

COMO UM PRINCÍPIO EDUCATIVO1

Paolo Nosella

ANTECEDENTES HISTÓRICOS

Se na história dos homens o trabalho sempre foi um fatofatofatofatofatoeducativo, a originalidade de Marx consistiu em erigir este fatouniversal à categoria de princípio princípio princípio princípio princípio. Com isso, Marx introduziu econsagrou, na ciência pedagógica, a idéia de ser o trabalho o elementodeterminante e fundamental de todo o processo educativo, logo, detoda instituição escolar:

Eu diria, com Marx, que a base ou o fio vermelho (filo rosso) que costurao conjunto da história é o trabalho do homem, em colaboração comos outros homens, para dominar a natureza e humanizá-la, de forma aproduzir e aumentar a própria vida material e espiritual. Esta semprefoi a raiz da história, isto é, o trabalho entendido como atividade dohomem para produzir a própria vida; é a confrontação com a naturezaque só acontece em associação com os outros homens. Naturalmente,exatamente aí nascem as contradições maiores da história humana: otrabalho, de manifestação de si, como Marx dizia, torna-se perdiçãodo homem a si mesmo... Esperamos podê-lo recuperar esse homemperdido (MANACORDA, DVD, 2007).

Entretanto, esta idéia, incipiente na época de Marx, teve umalonga elaboração teórica ao longo da história, sendo, ainda hoje,objeto de explicitações.

Em 1847/48, n’Os Princípios Básicos do Comunismo e noManifesto, Marx e Engels lançam as bases de uma nova concepção

1 Texto apresentado por Paolo Nosella no IV Colóquio de Pesquisa sobre instituições escolares, no PPGE daUNINOVE, São Paulo, 29 de agosto de 2007 e no Encontro de Estudos e Pesquisas em História, Trabalhoe Educação, do HISTEDBR, UNICAMP, Campinas, 04 de setembro de 2007. Contou com atenta leiturae sugestões da Profa. Dra. Ester Buffa.

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educacional , recomendando “combinar educação e trabalho fabril”.Esta combinação inaugurou uma discussão pedagógicarevolucionária, que, porém, era muito incipiente naquela época (In:Manacorda, 1991, p. 16). Com efeito, a recomendação se apresenta,do ponto de vista pedagógico, por demais genérica. Ou seja, didáticae concretamente, como se poderia “combinar”, para as crianças, ostempos e as atividades da escola e da fábrica? Por que Marx e Engelsrecorreram a essa fórmula? Sabemos a consideração que estesautores tinham pelas fábricas, ou melhor, pelo industrialismonascente. Sabemos também que, na época, crianças que trabalhavamnas fábricas jamais freqüentavam escolas; de outro lado, Marx eEngels pensavam que o industrialismo nascente não poderiaprescindir das ágeis e pequenas mãos das crianças. Quanto tempoe quantos estudos se passaram até Vigotsky (anos 1920) afirmarque a essência das atividades das crianças é representada pelabrincadeira. Não, porém, no sentido atribuído a essa palavra pelosenso comum; pois a “brincadeira” das crianças é um verdadeiro“trabalho” de estruturação da personalidade. Por isso, para umacriança, o que importa é o processo da atividade, não seu resultadofinal. Por isso, ainda, a atividade lúdica das crianças é historicamentedeterminada, não apenas por utilizar brinquedos e brincadeirascaracterísticos de cada fase da história dos homens, masprincipalmente porque é nesta atividade que o ser humano, duranteseus primeiros anos, produz historicamente sua personalidade. Emsuma, a intuição marxiana encontrará nas pesquisas de Vigotsky suaexplicitação adequada.

Em 1866/67, vinte anos depois, nas Instruções aos delegadose n’O Capital (livro 1, cap. 13), Marx apresenta a conhecida fórmulapedagógica de educação politécnica e/ou tecnológica. Issorepresentou um notável passo adiante no sentido de esclarecer aidéia pedagógica marxiana de combinação da educação com otrabalho fabril (In: Manacorda, 1991, p.25).

Em 1875, n’O Programa de Gotha, Marx insiste na afirmaçãode que trabalho e educação possuem uma base social comum,historicamente determinada e que por isso não poderia haver nasociedade burguesa escolas iguais para classes desiguais. (In:Manacorda, 1991, p. 38).

Em 1919/20, na Revolução de Outubro e no Esquerdismo,doença infantil do comunismo, Lênin reafirmou que não se podeconceber o ideal de uma sociedade futura sem unir, na educaçãodas jovens gerações, ensino e trabalho produtivo. Formulou e

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determinou a opção programática de uma escola politécnica, paratodos, “que faça conhecer, em teoria e na prática, todos os principaisramos da produção”. Por meio de tal escola, diz Lênin, “se passará àsupressão da divisão do trabalho entre os homens, à educação, aoensino e à preparação de homens omnilateralmente aptos, capazesde tudo fazer” (In: Manacorda, 1991, p. 40-42).

Em 1916, Gramsci firma posição contrária ao ensinoprofissionalizante, precoce, pragmatista e tecnicista, defendendo aidéia de que a relação entre escola e trabalho produtivo, assim comoo marxismo a entende, inscreve-se numa concepção de cultura“desinteressada”, isto é, de longo alcance, porém científica,humanista e moderna. (Gramsci, 1980, p. 440-442 e 536-537).

Em 1920, o projeto da escola-do-trabalho de Gramscirelacionava-se à libertação dos trabalhadores: “a concepçãodesenvolvida por nós (Ordine Nuovo) girava em torno de uma idéia,a idéia de liberdade (concretamente, no nível da produção históricaatual e dentro da hipótese de uma ação autônoma e revolucionáriada classe operária)” (Gramsci, 1980, p. 616). Ou seja, para ele,naquele momento, a escola do trabalho tinha como função efetivara aspiração de liberdade existente nos ânimos da classe trabalhadora.

Em 1932, no cárcere fascista, Gramsci escreveu seus famososCadernos do Cárcere, sobretudo os nº 12 e nº 22, respectivamenteOs Intelectuais e a Organização da Cultura (1975, p. 1511) eAmericanismo e Fordismo (1975, p. 2137), nos quais o autor expõeo conceito de trabalho e de instituição escolar unitária. O eixocurricular principal de sua proposta é o estudo do processo deprodução e reprodução da vida humana (no lugar do ensino do latimda escola tradicional). A escola unitária objetiva entender o mundodo trabalho, refletir sobre ele e moldar os hábitos fundamentais deum cidadão útil à sociedade. Não, porém, à sociedade “de marcaamericana”. É a escola que modela os instintos, o corpo, o olhar, amente, o coração, a vontade, em consonância com os valores ético-políticos e os processos científicos do trabalho industrial moderno,integrando os valores da escola tradicional de cultura desinteressada:

a crise (escolar) terá uma solução que, racionalmente, deveria seguiresta linha: escola única inicial de cultura geral, humanista, formativa,que equilibre, de modo justo, o desenvolvimento da capacidade detrabalhar manualmente (tecnicamente, industrialmente) e odesenvolvimento das capacidades de trabalho intelectual (GRAMSCI,2000, p.33).

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Mais adiante, no mesmo Caderno, Gramsci adverte:

o advento da escola unitária significa o início de novas relações entretrabalho intelectual e trabalho industrial não apenas na escola, mas emtoda a vida social (GRAMSCI, 2000, p. 40).

Ou seja, o ideal da escola unitária não se concretiza numasociedade desigual, fragmentada e injusta, mas crescecrescecrescecrescecresce-junto-junto-junto-junto-junto-----comcomcomcomcomo desenvolvimento de uma sociedade economicamente unitária.

Dos anos 1930 em diante, os educadores não mais duvidamque o processo industrial pôs em crise a escola tradicional retóricade cultura geral e que a nova escola terá que considerar, de algumaforma, os modernos processos de produção.

Entretanto, como essa unitariedade econômica e social nãoocorreu, cada setor social e produtivo continua criando escolas paraformar seus dirigentes e especialistas, de forma desarticulada. Parauns, importa, antes de tudo, a produção, a tecnologia e o lucro e,para outros, o mais importante é a formação e a libertação de todasas pessoas. Estes últimos, que desejam uma sociedade maisigualitária, mais humanista, pensam numa escola na qual a culturageral esteja ligada à produção moderna, mas, concretamente, nãosabem como efetivá-la. Os primeiros, mais realistas, pensam emescolas específicas e diferenciadas para dirigentes e paratrabalhadores. Para estes, a escola do trabalho é a instituição quequalifica a mão de obra necessária ao desempenho das diferentesprofissões, de forma mecânica e unidirecional. Justificam tal opçãocom a teoria do capital humano, discurso pedagógico oficial queentendeu, nos anos 1960 e 1970, (e que ainda perdura) aescolarização como investimento na qualificação profissional.

A crítica à teoria do capital humano feita por educadores queprivilegiam o ideal da igualdade social se avolumou nos anos 1970 e1980 e o trabalho como princípio educativoo trabalho como princípio educativoo trabalho como princípio educativoo trabalho como princípio educativoo trabalho como princípio educativo foi explicado comosendo uma relação mais complexa e mais abrangente. A principalbandeira destes críticos foi a defesa da educação politécnica parapolitécnica parapolitécnica parapolitécnica parapolitécnica paratodostodostodostodostodos. No entanto, este ideal é sempre frustrado diante de umasociedade fragmentada. Ou seja, enquanto a sociedade for esta queaí está, teremos, de um lado, escolas técnicas profissionalizantesque, mesmo quando competentes, não ensinam arte, nem filosofia,nem política. De outro lado, teremos algumas poucas escolashumanistas que ensinam arte e filosofia, porém desvinculadas domundo do trabalho. Haverá ainda outras, assistencialistas, que quasenada ensinam.

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O DEBATE, HOJE

Todos sabemos que o fator responsável pela dualidade escolar,ou seja, ensino profissional para os trabalhadores e de culturadesinteressada para os dirigentes, é a sociedade de classes, quefrustrou o sonho iluminista de integrar as artes liberais com as artesmecânicas. Mas, tal assertiva geral, teoricamente indiscutível,esconde importantes questões culturais que merecem hoje serdestacadas.

Uma delas se refere à linha de sombra de desprestígio queacompanha até mesmo a franca defesa que se faz da escolaprofissional. É preciso, em suma, explicar porque o ensinoprofissional, prático e disciplinado, por todos elogiado e solicitado, émarginalizado no sistema de ensino regular; inversamente, porqueo ensino regular de cultura geral é por todos criticado, por serindisciplinado, pobre de conteúdos, retórico, inútil, porém éprestigiado e central no sistema. Considerando insuficiente a teseda conspiração política, valeria a pena pesquisar para entender melhoro que está por trás deste paradoxo.

Outra questão: há educadores que não concordam com autopia de uma escola unitária, básica e para todos, porque pensamser impossível integrar, num mesmo currículo, estudos teóricossérios, atividades culturais e artísticas metódicas e rigorosas, compráticas produtivas e tecnicamente avançadas. O próprio Gramsciescreveu: “A escola, se é feita seriamente, não deixa tempo para aoficina e, vice versa, quem trabalha seriamente, somente com umenorme esforço de vontade, pode instruir-se. Encaixá-las uma naoutra, assim como estão fazendo, é uma das inúmeras aberraçõespedagógicas que impossibilitaram à escola na Itália de ser algo sério.”(Gramsci, 1980, p. 537)

Todavia, há também educadores que, mesmo sabendo que asuperação da dualidade escolar é concomitante à superação dasociedade de classes, entendem que manter a tensão entre o idealde uma escola unitária e a realidade existente dinamiza as forçaspolíticas projetualmente em direção a uma escola e a uma sociedademais igualitárias. Temem que, se o ideal da escola unitária esmorecer,a fragmentação escolar perpetuar-se-á representada, no imagináriosocial, como se fosse uma realidade metafísica ou a-histórica, eimutável. Há, finalmente, outros educadores, idealistas, queacreditam na realização do projeto pedagógico da escola unitáriaindependentemente da conformação sócio-econômica.

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Estas posições teóricas existem entre nós há tempo e poucose modificam, pois ideologicamente visam, sobretudo, a contrapor-se aos outros, isto é, a convencer os oponentes. A isso se acrescenteo fato de que as inúmeras experiências escolares de integração entreformação profissional e cultura geral, no ensino básico, semprefracassaram, inclusive entre nós, no Brasil. Talvez, cometamos oooooequívoco de pensar que o conceito e o modelo de unitariedadeequívoco de pensar que o conceito e o modelo de unitariedadeequívoco de pensar que o conceito e o modelo de unitariedadeequívoco de pensar que o conceito e o modelo de unitariedadeequívoco de pensar que o conceito e o modelo de unitariedadeescolarescolarescolarescolarescolar, propostos pelo marxismo (e não somente por este),, propostos pelo marxismo (e não somente por este),, propostos pelo marxismo (e não somente por este),, propostos pelo marxismo (e não somente por este),, propostos pelo marxismo (e não somente por este),estejam historicamente definidosestejam historicamente definidosestejam historicamente definidosestejam historicamente definidosestejam historicamente definidos.

De nossa parte, acreditamos poder contribuir com este debateafirmando que o conceito de unitariedade da escola ainda estáo conceito de unitariedade da escola ainda estáo conceito de unitariedade da escola ainda estáo conceito de unitariedade da escola ainda estáo conceito de unitariedade da escola ainda estásendo construídosendo construídosendo construídosendo construídosendo construído. Desde a “combinação de educação e trabalhofabril” de Marx e Engels (1847), passando pela “escola politécnica”de Lênin (1919) e pela “escola unitária de cultura desinteressada dotrabalho” de Gramsci (1932), a elaboração teórica da intuiçãomarxiana continua ainda hoje. Por exemplo, Manacorda (2007)propõe a “escola plena”, que integre uma formação rigorosa,indispensável ao homem contemporâneo, com as condiçõesconcretas para que cada um, livremente, se forme naquilo que é doseu gosto: arte, matemática, aeromodelismo, informática,astronomia, esporte ou até mesmo técnicas artesanais (Manacorda,2007, dvd).

Em outras palavras, a fórmula pedagógica de escola unitária,defendida pelos marxistas, vem se construindo e modificando aolongo do tempo conforme as mudanças objetivas e culturais queocorrem na sociedade, uma vez que as novas tecnologias e as novassituações culturais transformam os sentidos de muitas coisas. Porexemplo, o sentido da solidão, fruto de exclusão ou abandono, nãoé o mesmo sentido que tem a solidão voluntária, cercada de muitosinstrumentos técnicos como televisão, telefone, internet, que podemgarantir os contatos com outras pessoas.

Da mesma forma, no início da revolução industrial, eram rarasas pessoas integralmente formadas, capazes de se dedicarem avariadas atividades, de forma satisfatória. Em geral, a formação erafortemente especializada. Por isto, naquela conformação social, afórmula crítica da escola politécnica fazia sentido. Entretanto, hoje,cada vez mais aparecem pessoas que são muito especializadas, masque, ao mesmo tempo, utilizam e usufruem de inúmeras outrasespecializações. Hoje, não é preciso ser músico para se ter acesso eapreciar músicas sofisticadas; nem é preciso ser técnico emcomputação para usufruir dos instrumentos da informática e dacomunicação virtual; nem é preciso ser de tradicional família de

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políticos para dedicar-se a atividades político-sociais em ONGs,partidos, sindicatos, associações, etc. (exemplo, ver o efeito políticoda internet no recente caso da Campanha “Criança Esperança” daGlobo).

Portanto, na sociedade atual, chamada por alguns de pós-industrial, é construído um novo conceito de formação unitáriaum novo conceito de formação unitáriaum novo conceito de formação unitáriaum novo conceito de formação unitáriaum novo conceito de formação unitáriaque não exclui a especialização de cada um dentro de seus gostos einclinações, desde que se possa e saiba usar e usufruir dos resultadosdas demais especializações. A questão principal não é o efetivo saberoperar, mas a possibilidade de optar e usufruir “de todos os elevadosprazeres humanos” (MANACORDA, DVD, 2007). Ou seja, aliberdade de opção é o cimento da nova unitariedade escolar. Afrustração da profissionalização precoce decorre da exclusão, e nãotanto da especialização em si. A possibilidade de optar, naturalmente,exige a eliminação da desigualdade social, pois é esta que reduz asopções para muitos e as multiplica para poucos. Nesse sentido, aluta política para a redução e eliminação das desigualdades sociaiscontinua e até mesmo se acentua.

Deste ponto de vista, a fórmula escolar de Manacorda parecehoje mais apropriada para traduzir o novo conceito de instituiçãoescolar unitária, pois harmoniza de forma original o tempo deformação rigorosa para todos com o tempo de opção individual:

É preciso que a escola, ao invés de ser um lugar aberto cinco horasdiárias, durante nove meses por ano e pelo resto do tempo permanecerfechada e vazia, seja o espaço dos adolescentes, onde estes recebam dasociedade adulta tudo o que é possível receber e, ao mesmo tempo,sejam estimulados em suas qualidades pessoais e capacitados a gozartodos os elevados prazeres humanos (MANACORDA, DVD, 2007).

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INCLUSÃO SOCIAL NO CONTEXTO DA

REORGANIZAÇÃO CAPITALISTA DO FINAL DO SÉCULO

XX:

PESSOA COM DEFICIÊNCIA, EDUCAÇÃO INCLUSIVA E

RESERVA DE POSTOS DE TRABALHO

Alfredo Roberto de Carvalho1

A partir da segunda metade do século XX, num contextomarcado pelo fortalecimento das lutas contra as práticaspreconceituosas e discriminatórias, como as de gênero e de raça, omovimento organizado de pessoas com deficiência começa a secolocar no cenário político em diversos países do mundo,reivindicando o fim dos procedimentos segregativos e a adoção demedidas que favorecessem a sua inclusão nos diferentes espaços eatividades sociais, em especial, na escola comum e no trabalhoformal. No final do século, estas reivindicações e outras passaram afazer parte de um conjunto de documentos resultantes deconferências internacionais que vão propor o paradigma inclusãosocial. Este paradigma passa a ser proposto num momento em queo capitalismo, comandado pelo capital financeiro, vem implantandoum novo modelo de acumulação, caracterizado pela privatização,desregulamentação, flexibilização, globalização e a ideologia doestado mínimo e do livre mercado. Tudo isto e muito mais, buscandominimizar os custos e maximizar os lucros dos capitalistas. Nesteatual processo, o que mais tem ocorrido é o aumento das parcelasexcluídas da sociedade, principalmente em relação ao mercado detrabalho, do qual as pessoas com deficiência, com raras exceções,jamais tiveram acesso. Diante desta situação, parece não fazer sentidose falar no paradigma inclusão social, principalmente quando se referea este segmento historicamente excluído.

Este trabalho busca levantar e refletir algumas questões quepodem contribuir no entendimento a respeito da inclusão social depessoas com deficiência no contexto da reorganização da acumulaçãocapitalista, verificado nas últimas décadas do século XX, em especiala questão da inclusão escolar e a reserva de postos de trabalho. Para

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tanto, busca-se: levantar e analisar os modelos de tratamento ecompreensão desenvolvidos pela humanidade em relação às pessoascom deficiência ao longo da história; apontar os pressupostos domodelo inclusivo e o contexto econômico, político e social em que omesmo está sendo defendido e verificar até que ponto as propostasde educação inclusiva e de trabalho formal, para este segmento social,estão articuladas com a reestruturação do processo de produçãocapitalista do final do século XX; e, finalmente, algumas consideraçõesa respeito da possibilidade de se falar e lutar por inclusão social numcontexto marcado pelo aprofundamento da exclusão.

Na abordagem deste tema, o ponto de partida é a existênciados homens como seres ativos, produzindo sua existência a partirde determinadas condições presentes na sua vida real, pois é estaprodução que determina o que eles são. “O que eles são coincide,portanto, com sua produção, tanto com o que produzem, como como modo como produzem. O que os indivíduos são, portanto, dependedas condições materiais de sua produção” (MARX e ENGELS, 1984,p. 27-28). Procurando conceituar a deficiência a partir da vida realdos homens, parece ser correto defini-la como sendo “toda perdaou anormalidade de uma estrutura ou função (...) que gereincapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrãoconsiderado normal para o ser humano” (BRASIL, 1999, art. 3º, inc.I). Sendo assim, a deficiência não é simplesmente sinônimo de umdefeito físico, sensorial ou mental, mas está relacionada à capacidadedo indivíduo de dar conta das tarefas que lhe são colocadashistoricamente, ou seja, ela se define a partir do modo pelos quaisos homens estão produzindo sua existência.

No que se refere aos modelos de compreensão e tratamentodispensados às pessoas com deficiência ao longo da história, amaioria dos poucos escritos que de alguma forma tratam ou fazemreferência a este tema indica que estas, com raras exceções, sempreforam marginalizadas ou, até mesmo, excluídas do convívio social.Este trabalho parte do pressuposto de que tais procedimentos sãodeterminados por razões objetivas presentes em diferentes contextossociais, como é o caso das sociedades primitivas e dos modos deprodução escravista, feudal e capitalista. Ao se trabalhar com estesquatro períodos históricos, não se nega a existência de outros, comoé o caso do modo de produção asiático, que ainda necessitam sermelhor conhecidos em relação a esta temática.

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As sociedades primitivas se constituíram no período históricomais extenso vivenciado pela humanidade. Na maior parte domesmo, a humanidade se constituía de pequenos agrupamentosnômades, os quais sobreviviam perambulando pela terra, enfrentandoum mundo selvagem, em busca da caça, da pesca e de tudo aquiloque a natureza podia lhes oferecer. “O regime comunitário primitivocaracterizava-se por um nível extraordinariamente baixo dedesenvolvimento das forças produtivas ao qual correspondia umaprodutividade do trabalho muito baixa. Os homens daquela épocaproduziam tão pouco que quase logo consumiam todo o produto”(ERMAKOVA e RÁTNIKOV,1986, p. 35).

Devido às dificuldades existentes nesse mundo selvagem, paraque cada pessoa pudesse sobreviver, era indispensável que cada umestivesse em condições de produzir os seus meios de vida e auxiliaros demais membros do grupo a fazer o mesmo e, ainda, ser capazde se livrar dos perigos impostos pela natureza. Mais tarde, com odesenvolvimento da agricultura e do pastoreio, os homens passama se fixar em determinadas regiões, iniciando sua fase desedentarização e estabelecendo condições mais favoráveis para asobrevivência do agrupamento. Segundo SILVA (1986), ao se analisarestudos de renomados antropólogos e historiadores da medicina,pode-se constatar dois tipos de procedimentos em relação às pessoascom deficiência nas sociedades primitivas “uma atitude de aceitação,tolerância, apoio e assimilação e uma outra, de eliminação,menosprezo ou destruição” (SILVA, 1986, p. 39). A explicação paraa existência destas duas formas de tratamento em relação às pessoascom deficiência pode ser encontrada nas características e no processode desenvolvimento das sociedades primitivas.

O primeiro fato a ser considerado é o de que, na maior partedeste período histórico, os homens viviam no nomadismo, o quecolocava a cada membro do agrupamento a necessidade de ser capazde garantir a sua sobrevivência num mundo selvagem. Diante destarealidade, não havia condições objetivas que permitissem asobrevivência de pessoas com deficiência, já que elas não conseguiamacompanhar o ritmo dos demais membros do grupo nos constantesdeslocamentos em busca de novos campos de caça e coletas defrutos, bem como nos enfrentamentos com animais ferozes e comoutros agrupamentos de seres humanos. Sendo assim, estes povosprimitivos, por uma questão de sobrevivência, não tinham outraalternativa a não ser livrarem-se daqueles que estavam sem condiçõesde acompanhá-los em seu ritmo de vida promovendo, desta forma,uma “seleção natural”.

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O segundo fato a ser considerado refere-se ao processo desedentarização dos homens. Além da descoberta da agricultura e dadomesticação de alguns animais, também houve um maiorincremento na produção de instrumentos artesanais, os quaispotencializaram as ações humanas, permitindo aos povos primitivosmelhorarem as suas condições de vida. Também é importanteconsiderar que tais povos produziam seus meios de vida sobre umregime comunitário, “comunismo primitivo”, no qual se podia adotaro princípio de que cada um contribuiria com o grupo conforme assuas possibilidades e receberia para si aquilo que o mesmo pode lhedar. Nessa sociedade, é perfeitamente possível se adotar atitudes deaceitação, tolerância, apoio e assimilação em relação às pessoas comdeficiência, já que estas poderiam desenvolver atividades queestavam em conformidade com a sua forma de ser e, assim,contribuírem na manutenção do grupo.

Apesar destas condições, alguns povos primitivossedentarizados continuaram a adotar a prática do extermínio,menosprezo e destruição. Esse procedimento pode ser explicadocomo o resultado da herança de antigos costumes que, como jáexposto, decorriam de razões objetivas que a natureza impunha aosagrupamentos de nômades e que, mesmo num ambiente já favorávelà sobrevivência de tais pessoas, continuaram a ser praticados. Esteprocedimento, que não mais encontrava razão de ser na própriarealidade, fundamentou-se em explicações místicas a respeito daexistência de pessoas com deficiência, as quais perpassam todahistória e ainda hoje figuram no imaginário social.

Na quase totalidade da existência da sociedade primitiva,quando diferentes agrupamentos humanos entravam em conflitos,a tribo vencedora não podia fazer prisioneiros aqueles que pertenciamao grupo dos vencidos, já que ela não possuía meios de alimentá-los, assim as alternativas eram assassinar todos os inimigos ou aceitá-los como novos membros da comunidade. Porém, o processo desedentarização e a elevação do nível de desenvolvimento das forçasprodutivas “(...) tornou a força de trabalho do homem capaz deproduzir mais do que o necessário para a sua manutenção” (ENGELS,1984, p. 181). Com esta possibilidade, criaram-se condições paraque os prisioneiros fossem transformados em escravos. Desta forma,“(...) passou a ser conveniente conseguir mais força de trabalho, oque se logrou através da guerra” (ENGELS, 1984, p. 181). Odesenvolvimento deste processo levou a constituição do modo de

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produção escravista e as principais formações sociais dessa épocahistórica foram a grega e a romana. Em ambas sociedades, o trabalhoera concebido enquanto uma atividade degradante para os homense só deveria ser desenvolvida por aqueles considerados como seresinferiores. Estes, com exceção de uma pequena minoria detrabalhadores livres, eram prisioneiros de guerras que, para teremdireito a uma sobrevida, eram obrigados a trabalhar como escravos.Devido à intensidade da exploração, a vida destes trabalhadores erarapidamente consumida. “Freqüentemente, a exploração impiedosado escravo durante 7-8 anos causava a sua morte” (ERMAKOVA eRÁTNIKOV, 1986, p. 43).

Este fato colocava para a classe dominante a necessidade desempre renovar a força de trabalho, o que era feito, principalmente,através da guerra, com a qual se podia, além de conquistar territóriose promover saques, obter novos escravos. Para tanto, se recorria aum exército formado por indivíduos da própria classe dominante, aqual necessitava iniciar a educação de seus filhos nas artes guerreirasainda na infância. Um exemplo típico deste fato é o que aconteciaem Esparta: “aos sete anos, o Estado apoderava-se do jovemespartano e não mais abria mão dele. De fato, até aos quarenta ecinco anos pertencia ao exército ativo, e até aos sessenta, à reserva”(PONCE, 1992, p. 40).

Um dos procedimentos mais conhecidos desta época emrelação às pessoas com deficiência foi o adotado em Esparta. Nestacidade-estado, toda a criança que nascia e que era filho da nobrezatinha que ser, em conformidade com as leis vigentes, examinada poruma espécie de comissão oficial formada por anciãos de reconhecidaautoridade, que se reunia para tomar conhecimento do novo cidadão.Conforme estas leis,

se fosse um bebê normal e forte (se o achavam belo, bem formado demembros e robusto) ele era devolvido ao pai que passava a ter aincumbência de criá-lo. Depois de certa idade - entre os 6 e 7 anos - oEstado tomava a si a responsabilidade e continuava sua educação(PLUTARCO apud SILVA, 1986, p. 121).

O que a comissão buscava era evitar que as crianças, que seencontravam fora da normalidade exigida, pudessem sobreviver. Paratanto:

se lhes parecia feia, disforme e franzina (...), esses mesmos anciãos,em nome do Estado e da linhagem de famílias que representavam,ficavam com a criança. Tomavam-na logo a seguir e a levavam a umlocal chamado “Àpothetai”, que significa “depósitos”. Tratava-se de

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um abismo situado na cadeia de montanhas Taygetos, perto de Esparta,onde a criança era lançada e encontraria sua morte (SILVA, 1986, p.122).

A exigência de perfeição física, sensorial ou mental tambémestava colocada para as pessoas com deficiência oriundas das classesexploradas, pois do contrário elas não serviriam nem mesmo paraserem submetidas à escravidão. Plutarco, ao se referir à forma pelasquais um escravagista tratava os seus escravos, afirma que “Catãonão só martirizava os seus escravos, como os instruía em certasartes, para vendê-los mais caro posteriormente; não só abandonava,como o ‘ferro velho’, os escravos inservíveis, como cobrava umataxa dos que queriam se divertir com as suas escravas” (PLUTARCOapud PONCE, 1992, p. 65).

Embora não esteja explicitado que os “escravos inservíveis”fossem aqueles que possuíssem alguma deficiência, certamenteestavam enquadrados nesta categoria os que, ao longo de sua vida,viessem a adquirir graves problemas físicos, sensoriais e mentaisque lhe impedisse a obtenção de uma produção acima daquilo quenecessitavam consumir para continuar vivos, ou seja, um excedentepara contribuir no financiamento da superestrutura que se fazianecessária nas relações de produção escravista.

Apesar das dificuldades para uma pessoa com deficiência serescravizada, algumas eram submetidas a esta condição, vivendo nastabernas, nos bordéis, nos circos romanos, etc, “para serviços simplese às vezes humilhantes, costume esse que foi adotado por muitosséculos na História da Humanidade” (SILVA, 1986, p. 130). Quandoestas, em razão de sua anormalidade, começaram a ser utilizadaseconomicamente como pedintes ou enquanto seres bizarros emespetáculos, as mesmas passaram a ter algum valor mercantil. “(...)existia em Roma um mercado especial para compra e venda dehomens sem pernas ou braços, de três olhos, gigantes, anões,hermafroditas” (DURANT apud SILVA, 1986, p. 130).

No final deste período histórico, para abrigar alguns dos queconseguiam escapar do extermínio ou sobreviver ao abandono,passaram a ser organizadas algumas instituições: “lares paradeficientes (“paramonaria”); lares para pessoas cegas(“tuflokoméia”); instituições para pessoas com doenças incuráveis(“arginoréia”); e também organizações para pessoas muito pobrese para mendigos (“ptochéia”).” (SILVA, 1976, p. 126-127).

Este procedimento, denominado como modelo dainstitucionalização, e que foi aprofundado no modo de produção

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feudal e se tornou predominante na quase totalidade do capitalismo,esteve voltado, principalmente, para aquelas pessoas com deficiênciapertencentes às classes exploradas da sociedade. No feudalismo, osasilos, hospitais e hospícios geralmente eram mantidos pela IgrejaCatólica, principal organização econômica e política deste período.Apesar da existência dessas instituições, é importante salientar que,no feudalismo, a maioria das pessoas com deficiência não eraminternadas. Isso ocorria porque a sociedade não dispunha de recursossuficientes para adotar tal procedimento, o que levava boa partedessas pessoas a sobreviver da mendicância. Existiam tambémaqueles que eram aproveitados nas atividades laborais desenvolvidasno interior dos feudos, o que se tornava possível devido a maiorparte da produção ocorrer no âmbito familiar, em que cada indivíduopoderia trabalhar segundo as suas condições físicas, sensoriais oumentais.

Até o final do feudalismo, a pessoa com deficiência eracompreendida somente a partir de uma abordagem mística, a qualsurgiu nos seio dos povos primitivos e foi incorporada pelos principaispensamentos religiosos e ainda hoje se faz presente no senso comum.No que se refere ao cristianismo, que é o pensamento teológicopredominante no ocidente, existem passagens bíblicas em queaparecem pessoas com deficiência sendo “curadas” por Jesus. Estaspassagens encontram-se especialmente nas palavras dosevangelistas, em que, “segundo seus relatos, Jesus fez mais de 40milagres notórios. Deles todos, pelo menos 21 são relacionados apessoas portadoras de deficiências físicas ou sensoriais (...)” (SILVA,1986, p. 88). Nestas passagens, as causas das deficiências sãoatribuídas à possessão de maus espíritos, castigos por pecados seusou de ancestrais e ainda como instrumentos para realização de obrasdivinas.

O modelo místico começa a ser contestado a partir de algunsacontecimentos que passaram a ocorrer ainda no final do feudalismo.As descobertas geográficas do final da primeira metade do segundomilênio contribuíram para que, nos séculos XVI e XVII, ocorresseum gradativo aumento do mercado por produtos manufaturados,ampliando a acumulação de capitais e o desenvolvimento da ciênciae da tecnologia, potencializando as condições do homem na lutapara dominar a natureza. Estes acontecimentos foram consolidandoum novo modo de produção assentado na propriedade privada, nacompra e venda de mercadorias, no trabalho assalariado e na extraçãoda mais-valia.

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O progresso científico, impulsionador e impulsionado pelodesenvolvimento econômico, político, social e cultural, verificadona sociedade moderna, começou a refletir na forma de se ver,compreender e tratar as pessoas com deficiência. A primeira formade compreensão destas pessoas, derivada da ciência moderna aindafortemente presente na consciência social, é definida por VIGOTSKI(1997) como “Biológica Ingênua” (p. 33). Segundo este mesmo autor,esta teoria afirma que “as relações entre os órgãos dos sentidos seequiparam diretamente com as relações entre os órgãos pares; otato e a audição compensam diretamente a visão que há declinado,como o rim são, compensa o doente; o menos orgânico se cobremecanicamente do mais orgânico (...)” (VIGOTSKI, 1997, p. 33-34).

Esta teoria tem servido para fundamentar, dentre outrosentendimentos, a idéia de que o tato e o ouvido dos cegos substituema sua visão, e que a audição dos surdos é substituída pela sua grandecapacidade de ver.

A prática e a ciência faz tempo desmascararam a falta de fundamentodesta teoria. Uma investigação baseada em fatos tem demonstrado quena criança cega não há o aumento automático do tato ou da audiçãodevido à visão que lhe falta (...). Pelo contrário, a visão por si mesmanão se substitui, senão que as dificuldades que surgem devido à suafalta se solucionam mediante o desenvolvimento da superestruturapsíquica (VIGOTSKI, 1997, p. 34).

A despeito desses equívocos, a teoria biológica ingênua foiimportante na medida em que deu as primeiras contribuições pararomper com o fatalismo da abordagem mística a respeito daspossibilidades de existência das pessoas com deficiência e começoua colocar a questão no âmbito da ciência. Com este novo enfoque,“no lugar da mística foi posta a ciência, no lugar do preconceito, aexperiência e o estudo” (VIGOTSKI, 1997, p. 76).

Apesar desse avanço, que começa a ocorrer já nos doisprimeiros séculos da sociedade moderna (XVI e XVII), o que severificou, principalmente com aqueles que pertenciam aos setoresexplorados da população, foi o aprofundamento do modelo deinstitucionalização das pessoas com deficiência e outros divergentes.“O que ocorreu, na verdade, foi o isolamento daqueles queinterferiam e atrapalhavam o desenvolvimento da nova forma deorganização social, baseada na homogeneização e na racionalização”(SILVEIRA BUENO, 1993, p. 63). Segundo este mesmo autor:

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O que se pode depreender destes dois séculos é o início do movimentocontraditório de participação-exclusão que caracteriza todo odesenvolvimento da sociedade capitalista, que se baseia nahomogeneização para a produtividade e que perpassará toda a históriada educação especial (SILVEIRA BUENO, 1993, p. 63).

A educação sistematizada das pessoas com deficiência, quepassou a ocorrer nesse período, se restringiu basicamente aos filhosda nobreza e da nascente burguesia enriquecida, os quais puderamusufruir de sua condição de membros das elites. Os demais estavamlargados à própria sorte.

Essa massa não tem nome, não tem história, não tem pátria. Eram,juntamente com muitos outros que não quiseram ou não puderam sesubmeter à nova ordem, a escória da qual nada mais resta senão asestatísticas dos asilos e a menção de que fazia micagens na feira ou quetocava desafinadamente uma rabeca pelas ruas em troca de algunsníqueis (SILVEIRA BUENO, 1993, p. 63).

Na segunda metade do século XVIII, foram organizadas emParis, na França, as primeiras instituições do mundo voltadas para aeducação de surdos (1760) e cegos (1784). O surgimento dasprimeiras instituições especializadas na educação de pessoas comdeficiência quase sempre é apresentado pelos historiadores comosendo o resultado do esforço da moderna sociedade em oferecereducação escolar a este segmento.

Se o surgimento das primeiras instituições escolares especializadascorrespondeu ao ideal liberal de extensão das oportunidadeseducacionais para todos, (...) respondeu também ao processo deexclusão do meio social daqueles que podiam interferir na ordemnecessária ao desenvolvimento da nova forma de organização social(SILVEIRA BUENO, 1993, p. 64).

Isso passou a ocorrer na medida em que essas instituiçõesforam rapidamente perdendo o seu caráter educativo e setransformando em espaço de isolamento e exploração das pessoascom deficiência pertencentes às classes exploradas, pois estas eramobrigadas à internação e ao “(...) trabalho forçado, manual e tedioso,parcamente remunerado, quando não em troca de um lugar nomaravilhoso espaço do asilo-escola-oficina” (SILVEIRA BUENO, 1993,p. 69).

Com o tempo, este modelo se espalhou para praticamentetodos os países do mundo, geralmente mantido por açõesfilantrópicas e tendo como função principal recolher e isolar do

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convívio social todas as pessoas que interferiam e atrapalhavam odesenvolvimento da nova forma de organização social, baseada nahomogeneização e na racionalização, orientada por uma lógicavoltada para a produção e o lucro.

Este processo, combinado com a popularização da educaçãoformal, provocou uma grande expansão da educação especial aolongo do século XX.

Porém, é preciso considerar que isso ocorreu com a incorporação dealunos que, no seu surgimento, não faziam parte de suas preocupações,isto é: daqueles que apresentavam distúrbios de linguagem, distúrbiosemocionais e os considerados com problemas de aprendizagem, osquais passaram a ser a imensa maioria dos freqüentadores do ensinoespecializado (CARVALHO, ROCHA e SILVA, 2006, p. 47).

Sendo assim, pode-se afirmar que

a ampliação da educação especial espelhou muito mais o seu caráter deavalizadora da escola regular que, por trás da igualdade de direitos,oculta a função fundamental que tem exercido nas sociedadescapitalistas modernas: o de instrumento de legitimação da seletividadesocial (SILVEIRA BUENO, 1993, p. 80).

Por volta da metade do século XX, num contexto marcado,principalmente nos países do capitalismo central, pela política doestado do bem estar social e pela defesa dos direitos das minoriassociais, o paradigma da Institucionalização começou a sercriticamente examinado e denunciado como sendo uma prática queviolava os direitos do homem. Em oposição à institucionalização,surgiu o modelo da integração, o qual encontra-se alicerçado na ofertade serviços, com a finalidade de “normalizar” as pessoas comdeficiência. Para tanto, há a “(...) necessidade de modificar a pessoacom necessidades educacionais especiais, de forma que esta pudessevir a se assemelhar, o mais possível, aos demais cidadãos, para entãopoder ser inserida, integrada, ao convívio em sociedade” (BRASIL,2000, p. 16).

Devido ao seu caráter também segregativo, este paradigmalogo passou a ser criticado: “diferenças, na realidade, não se“apagam”, mas sim, são administradas na convivência social”(BRASIL, 2000, p. 17). Estas críticas, que se espraiaram pelos maisdiferentes espaços sociais, tiveram origem em dois segmentos: oprimeiro foi o das próprias pessoas com deficiência, que a partir docrescimento da sua organização enquanto movimento social,verificado, principalmente, nas últimas três décadas do século XX,permitiu que algumas fossem tomando consciência e lutando contra

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os determinantes que as têm colocado na condição de excluídassocialmente; o segundo foi o acadêmico, em que alguns estudiosos,a partir da formulação e apropriação de novos entendimentos arespeito do processo de aprendizagem e desenvolvimento daspessoas com deficiência, se colocaram ao lado destas na luta contraos procedimentos excludentes.

Estas críticas contribuíram para formular o paradigma inclusãosocial, afirmando que não é a pessoa que deve se ajustar ao meio,mas é a sociedade que deve garantir os suportes necessários paraque todos possam usufruir da vida em comunidade. Nesta proposta,não se nega que as pessoas com deficiência necessitam de serviçosespecializados, mas estas não são “(...) as únicas providênciasnecessárias caso a sociedade deseje manter com essa parcela deseus constituintes uma relação de respeito, de honestidade e dejustiça” (BRASIL, 2000, p. 18).

Na última década do século XX, dois documentosinternacionais vêm propor, dentre outras mudanças, oestabelecimento de um novo paradigma em relação ao atendimentoeducacional das pessoas com deficiência. O primeiro é a Declaraçãosobre Educação para Todos, (Jomtien, Tailândia, 1990).

Um dos itens desta Declaração propõe que as necessidades básicas deaprendizagem das pessoas portadoras de deficiências requerem atençãoespecial. É preciso tomar medidas que garantam a igualdade de acessoà educação aos portadores de todo e qualquer tipo de deficiência, comoparte integrante do sistema educativo (ROSA e ANDRÉ, 2006, p. 76-77).

O segundo documento, apontando na mesma direção,denominado Declaração de Salamanca (Espanha, 1994), propõe quetodos os governos devem dar “(...) a mais alta prioridade política eorçamentária à melhoria de seus sistemas educativos, para quepossam abranger todas as crianças, independentemente de suasdiferenças ou dificuldades individuais” (p. 10).

Paradoxalmente, a proposta inclusiva aparece num contextoem que o estado passa a encolher ou a extinguir suas políticas sociais.Este contexto começa a ser formado a partir dos anos setenta, coma necessidade do capitalismo em estabelecer um novo modelo dedesenvolvimento assentado nos pressupostos ultraliberais ouneoliberais, com profundas conseqüências para as mais diversasáreas dos fazeres humanos. Tratou-se da saída burguesa para a granderecessão econômica internacional de 1973, decorrente da diminuiçãonas taxas de lucros e agravadas com o “choque do petróleo”, a qual

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levou os detentores do capital financeiro a adotar um novo padrãode acumulação, denominado de “acumulação flexível”, o qual:

(...) se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercadosde trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelosurgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneirasde fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo,taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica eorganizacional (HARVEY, 1992, p. 140).

A acumulação flexível recoloca alguns problemas que ocapitalismo havia contido, principalmente nos países centrais, nachamada “era de ouro”.

Na década de 1980 e início da de 1990, o mundo capitalista viu-senovamente às voltas com problemas da época do entreguerras que aEra de Ouro parecia ter eliminado: desemprego em massa, depressõescíclicas severas, contraposição cada vez mais espetacular de mendigossem teto a luxo abundante (...) (HOBSBAWM, 1995, p. 19).

A entrada em cena do modelo de acumulação flexívelencontra-se articulado com o processo de mundialização financeira,a qual:

(...) designa as estreitas interligações entre os sistemas monetários e osmercados financeiros nacionais, resultantes da liberalização edesregulamentação adotadas inicialmente pelos Estados Unidos e peloReino Unido, entre 1979 e 1987, e nos anos seguintes pelos demaispaíses industrializados (CHESNAIS, 1998 p. 12).

O resultado deste processo foi e tem sido o aumento daexploração dos trabalhadores em todo o mundo, com redução salariale dos direitos trabalhistas, enfraquecimento do movimento sindicale a ampliação do exército de mão-de-obra de reserva. O novoprocesso de acumulação exige um conjunto de reformas que favoreçaa ampliação dos mercados, permitindo que o processo deacumulação capitalista possa recobrar o fôlego perdido. Estasreformas passam a ser introduzidas nos países periféricos atravésde um receituário coordenado por organismos internacionais como,o Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Interamericano deDesenvolvimento (BID), Banco Internacional para a Reconstrução eDesenvolvimento - Banco Mundial (BIRD) e a Organização Mundialdo Comércio (OMC). A partir do início dos anos noventa, asrecomendações destes organismos internacionais atingem o Brasilatravés de uma política fundada na “... (i) abertura comercial; (ii)âncora cambial no Dólar; (iii) privatização de empresas e atividadesexercidas pelo Estado; (iv) austeridade fiscal; (v) desregulamentação

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(flexibilidade) das relações econômicas e de trabalho e (vi) focalizaçãodas políticas públicas.” (DEDECCA apud DEITOS, 2005, p. 70).

Articulado com o receituário dos organismos internacionais,o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), com ajustificativa de racionalizar e reduzir os gastos públicos, além deacelerar o processo de privatização, também propôs:

a) a renovação e/ou eliminação em grande escala de muitas instituiçõese programas existentes; b) a modificação e a desregulamentação dasrelações entre os setores público e privado; e c) a redefinição dosbeneficiários dos programas sociais para atender mais eficientementeas necessidades dos que são realmente pobres (VIANNA, 1998, p. 172).

A prioridade no desenvolvimento de políticas focalizadas, emdetrimento das universais, passou a se dar não com o rompimentodo tradicional modelo de “atendimento” aos segmentos mais“vulneráveis socialmente”, o qual ocorria através da ação deentidades assistencialistas e filantrópicas e, sim, tratou-se da plenaparticipação do estado na mobilização da sociedade civil para um“neofilantropismo”, com a implantação do programa ComunidadeSolidária. “O eixo da estratégia do governo para reduzir asdesigualdades e atenuar a pobreza é assegurar que os programassociais atendam genuína e eficientemente as necessidades dos pobrese dos desempregados mediante uma colaboração inovadora com asociedade civil” (VIANNA, 1998, p.73).

O que se pode depreender deste contexto é que a luta daspessoas com deficiência contra as históricas práticas excludentesvem se dando num momento marcado por reformas neoliberais ouultraliberais, em que as novas políticas sociais estão articuladas como estabelecimento de um novo padrão de acumulação capitalista,centrado principalmente na privatização, na desregulamentação, naflexibilização, na globalização, na ideologia do estado mínimo, dolivre mercado e da equidade social com a denominada equiparaçãode oportunidades por meio do desenvolvimento de políticasfocalizadas.

As principais reivindicações das pessoas com deficiênciacolocadas neste contexto, no paradigma inclusão social, dizemrespeito ao direito de freqüentarem as escolas comuns e de teremacesso ao trabalho formal. A primeira tem se configurado na buscada superação das instituições educacionais segregativas e a adoçãode uma educação inclusiva, e a segunda na luta pela reserva depostos de trabalho para aqueles que vêm sendo rejeitados pela lógicado processo de produção capitalista.

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No que se refere à educação, o que se tem buscado é superaro dualismo entre escolas segregadoras e exclusivistas. Este dualismo,como já demonstrado, surgiu para retirar do convívio social aquelesque podiam perturbar a ordem necessária ao desenvolvimento docapital, fazendo parte desta, a tarefa colocada pela burguesia para aeducação escolar de massas, isto é: transmitir à população osconhecimentos técnicos, políticos, e os valores ideológicosnecessários à produção e à reprodução da sociedade capitalista. Naatualidade, a exclusão educacional não tem ocorrido somente comaqueles que estão fora das escolas comuns. O novo padrão deacumulação capitalista, que se tornou hegemônico no Brasil nadécada de noventa, exige dos trabalhadores um conhecimento menosdiscursivo e amplamente operativo e interativo, menos intelectivo emais pragmático. Nesse contexto histórico, o que se requerprincipalmente do aluno é a competência para buscar novasinformações e habilidades. Essas exigências retiram da escola umconjunto de conteúdos científicos e filosóficos necessários àemancipação intelectual do educando, contribuindo para ajustá-lo,de forma a-crítica, à realidade.

A corrente teórica que mais tem defendido a superação destedualismo é a abordagem Histórico-cultural, que tem como principaisexpoentes Vigotski, Leontiev e Lúria. Esta defesa, não decorre porrazões humanitárias, respeito à diversidade e valorização dasdiferenças, mas do entendimento científico de que a deficiência nãoé apenas defeito e limitação, mas também fonte geradora de energiamotriz, a qual pode levar à constituição de uma superestruturapsíquica capaz de reorganizar toda a vida da pessoa, tornando-aalguém de plena valia social.

Se algum órgão, devido à deficiência morfológica ou funcional, nãoconsegue cumprir inteiramente seu trabalho, então o sistema nervosocentral e o aparato psíquico assumem a tarefa de compensar ofuncionamento insuficiente do órgão, criando sobre este ou sobre afunção uma superestrutura psíquica que tende a garantir o organismono ponto fraco ameaçado. (VIGOTSKI, 1997, p. 77).

Em relação à escola especial, Vigotski afirma que a mesma

(...) cria um mundo pequeno, separado e isolado, no qual tudo estáadaptado e acomodado ao defeito da criança, tudo fixa sua atenção nadeficiência corporal e não o incorpora a verdadeira vida (...) em lugarde tirar a criança do mundo isolado, desenvolve geralmente nestacriança hábitos que a levam a um isolamento ainda maior e intensificaa sua segregação (VIGOTSKI, 1997, p. 41-42).

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Em relação à reserva de postos de trabalho para pessoas comdeficiência, existem registros que atestam que já no início do séculoXIX este procedimento era adotado pelo menos numa região daInglaterra: “Em 1815, no Parlamento inglês, assinalou-se o caso deuma paróquia de Londres que estabeleceu um contrato com umfabricante do Lancashire pelo qual este se comprometia a receber,por cada 20 crianças sãs física e mentalmente, uma idiota” (MARX,1982, p. 189).

Ainda na Europa, no início do século XX, com o advento daPrimeira Guerra Mundial, aumentou consideravelmente o númerode pessoas com deficiência, os quais, em muitos países, passaram areivindicar o direito de voltar a ocupar um posto de trabalho. Comoresultado destas reivindicações,

(...) em 1923 a OIT recomendou a aprovação de leis nacionais queobrigavam entidades públicas e privadas a empregar um certo montantede portadores de deficiência causada por guerra. Em 1944, na Reuniãode Filadélfia, a OIT aprovou uma recomendação, visando induzir ospaíses-membro a empregar uma quantidade razoável de portadoresde deficiência não-combatentes (PASTORE, 2000, p. 157).

Nas décadas seguintes, esta recomendação da OrganizaçãoInternacional do Trabalho foi transformada em lei em diversos paíseseuropeus. “Os primeiros países que aderiram à idéia foram aInglaterra e a Holanda, sendo seguidos pela Grécia, Luxemburgo,Espanha, Irlanda, Bélgica. O Japão entrou no esquema bem maistarde (1960)” (PASTORE, 2000, p. 158).

No Brasil, um dos primeiros documentos federais que tratoude certa forma deste tema foi o Decreto- Lei nº 5895 de 20/10/1943, o qual propunha que: “fica o Departamento Administrativodo Serviço Público autorizado a estudar e a expedir normas para oaproveitamento de indivíduos de capacidade reduzida nos cargosou funções do Serviço Civil Federal” (BRASIL, 1943, art. 1º)

Mas, foi nos anos de 1990 e 1991 que foram aprovadas duasleis federais estabelecendo reservas de postos de trabalho parapessoas com deficiência, tanto no setor público quanto na iniciativaprivada.

A primeira (Lei 8112) criou uma reserva de empregos para pessoascom deficiência nos órgãos civis da União, autarquias e fundaçõespúblicas federais (...) A Segunda (Lei 8213), por sua vez, estabeleceucotas compulsórias a serem respeitadas pelas empresas privadas naadmissão e demissão de pessoas com deficiência (CARVALHO eORSO, 2006, p. 172).

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No Brasil, mesmo com estas leis, são raras as pessoas comdeficiência que têm conseguido se fixar numa relação de trabalhoformal. “O Brasil é possuidor de um dos maiores contingentes depessoas com deficiência (16 milhões), sendo que destes, 60%encontram-se em idade de trabalhar e 98% dos mesmos encontram-se desempregados” (PASTORE apud CARVALHO e ORSO, 2006, p.158). A justificativa dos liberais do final do século XX, em relação aesta situação, é a mesma utilizada para explicar o desempregoestrutural na sociedade contemporânea, ou seja, a falta dequalificação profissional. “No mundo inteiro, os portadores dedeficiência sofrem restrições em termos educacionais, o quedificulta a sua inserção no mercado de trabalho” (PASTORE, 2000,p. 76).

Se na perspectiva liberal, a falta de qualificação é apresentadacomo um empecilho para o ingresso das pessoas com deficiênciano regime de trabalho formal, as novas tecnologias são apresentadascomo a grande redentora deste seguimento social.

As novas tecnologias estão viabilizando certas atividades até entãoimpensáveis pelos portadores de deficiência. Esse é o caso dainformática e das telecomunicações. Essas tecnologias estão permitindoaos portadores de deficiência um domínio de atividades até poucotempo inexeqüíveis (PASTORE, 2006, p. 86).

Ao contrário do que afirma os liberais, o avanço tecnológiconão tem resultado em melhores condições de existência para aspessoas com deficiência, a não ser para aquelas que pertencem àsclasses dominantes, que não necessitam trabalhar e podem ter acessoàs novas tecnologias para usufruir do ócio. No caso das pertencentesàs classes exploradas, pode-se afirmar que hoje a sua exclusão doprocesso de trabalho é até maior que em outros tempos, como naIdade Média, isto porque naquela sociedade alguém que só possuíssetrinta por cento de visão e ainda fosse coxo poderia perfeitamentetrabalhar “pilotando” o principal veículo de transporte terrestre, ouseja, uma carroça. Na atualidade, com todo o desenvolvimentotecnológico, esta pessoa foi transformada em “deficiente”,considerada pela própria legislação previdenciária como incapacitadapara o trabalho.

Em relação à utilização das novas tecnologias por parte daspessoas com deficiência pertencentes às classes exploradas, pode-se elencar pelo menos três fatores que vão na direção oposta aopregado pela ideologia liberal:

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O primeiro refere-se à apropriação privada das tecnologias por parteda classe dominante, que acaba impedindo que a maioria da população,dentre ela, as pessoas com deficiência pertencentes à classe explorada,possa ter acesso àquelas de uso pessoal (...) O segundo diz respeito aofato de que, por mais desenvolvidas que possam ser as tecnologias,não têm conseguido substituir os órgãos dos sentidos, a ausência ouanormalidade de membros do corpo humano e nem graves deficiênciasmentais ao ponto de tornarem a capacidade produtiva deste segmentosocial tão rentável para o capitalista quanto a dos demais trabalhadores(...) O terceiro refere-se ao fato de que a tecnologia da produçãocapitalista é desenvolvida a partir das necessidades impostas pelo tipode mercadoria a ser produzida e está “adequada” a exploração de umpadrão médio de ser humano (CARVALHO e ORSO, 2006, p. 167-168).

Desta forma, o capitalismo, por estar assentado napropriedade privada dos meios de produção, na relação assalariadade trabalho, na produção de mercadorias e na obtenção do lucropor meio da extração da mais-valia, a incorporação de novastecnologias não favorece a inclusão de mais pessoas no mercado detrabalho, mas pelo contrário, amplia o contingente dedesempregados.

Aumentando em extensão, em concentração e eficácia técnica, os meiosde produção tornam-se cada vez menos meios de emprego do operário(...) o capital adicional, formado no curso da acumulação atrai pois, emproporção à sua grandeza, operários em número cada vez menor(MARX, 1992, p. 159).

As informações e idéias apresentadas ao longo deste trabalhopermitem a formulação de algumas considerações a respeito dainclusão social das pessoas com deficiência no contexto dareorganização do processo de acumulação capitalista do final doséculo XX.

Se o dualismo educacional entre escola especial e exclusivistafoi uma criação imposta pela ordem capitalista e, se a primeira sótem servido para atrofiar o processo de aprendizagem edesenvolvimento das pessoas com deficiência, então lutar contra omodelo segregativo é se colocar contra um dualismo que só tem,por um lado, servido para favorecer a formação de um indivíduopadronizado para melhor atender as exigências do processo deprodução capitalista e, por outro, segregar aqueles que, por razõesbiológicas ou sociais, desviam do almejado padrão.

No atual modelo de acumulação capitalista, em que a classedominante cada vez mais se apropria do conhecimento tecnológico,colocando-o a serviço da exploração dos trabalhadores, promovendo

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a concentração da riqueza e o desemprego e a miséria doproletariado, é necessário não se deixar seduzir com o “canto dasnovas tecnologias”, pois a tendência que se apresenta para as pessoascom deficiência não é a sua inclusão no processo produtivo formal,mas sim, o aprofundamento da exclusão de que são vitimas aquelesque pertencem as classes sociais exploradas.

Tendo em vista que a base objetiva da exclusão da maioriadas pessoas com deficiência decorre da impossibilidade destas deatender ao padrão de “produtividade” imposto pela exploração declasse, e que o estabelecimento e expansão da escola segregada nasociedade moderna têm respondido, fundamentalmente, ànecessidade de legitimar este processo, então defender a reserva depostos de trabalho para aqueles que não podem se ajustar à lógicada exploração capitalista e lutar contra a segregação educacionaldos mesmos não é se colocar ao lado da reorganização capitalistaque começou a se verificar nas últimas décadas do século XX, pelocontrário, a radicalização destas reivindicações pode contribuir nadenúncia da lógica exploradora excludente que caracteriza toda ahistória da sociedade capitalista e ainda permitir às pessoas comdeficiência a compreensão de que a sua exclusão social resulta,fundamentalmente, da exploração classista.

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REFLEXÕES SOBRE A EDUCAÇÃO EM TEMPO

INTEGRAL NO DECORRER DO SÉCULO XX1

Cezar Ricardo de FreitasMaria Inalva Galter

Quando se discute a educação em tempo integral, é precisodeixar claro sobre qual conceito estamos falando: educação emperíodo integral, educação integral ou educação integrada. Suasdefinições expressam diferentes concepções de sociedade e precisamser esclarecidas, pois aparecem mescladas nos discursos. No entanto,há que serem analisadas separadamente.

Não obstante isso, é preciso entender o que vem sendo essaforma de atendimento escolar, como vem sendo construída e qualopção tem sido implementada no processo de escolarização emnossa sociedade, tendo sempre em vista que a chamada “educaçãoem tempo integral” é um resultado dos embates que acontecem nasociedade entre classes com interesses antagônicos.

Para tentar entender a primeira definição – educação emperíodo integral – apresentaremos aqui a escola brasileira de finsdo século XIX, numa leitura a partir de dois clássicos da literatura:Manuel Antônio de Almeida e Raul Pompéia. Para analisar o segundoconceito - educação integral - traremos brevemente a concepção deeducação dos teóricos Miguel Bakunin e Karl Marx. Por fim, o quechamamos de “educação integrada”, discutiremos a partir de umaexperiência educacional de Anísio Teixeira, realizada na Bahia. Étambém, a partir deste ensaio que buscaremos traçar odesenvolvimento das experiências de jornada escolar prolongada,como ela foi se construindo até chegar aos nossos dias e a quaisnecessidades buscava atender.

Passemos então para a primeira questão. A educação emtempo integral não é uma novidade histórica. Quando a escola seconstituía como privilégio de uma pequena parcela da população, eera voltada para a formação dos quadros dirigentes da sociedade, atarefa educativa era realizada em período integral.

1 Este artigo é parte do segundo capítulo da monografia: A experiência da escola em tempo integral na rede pública municipal de Cascavel

(2001-2005), defendida em fevereiro de 2006. A mesma resultou de uma pesquisa desenvolvida no Curso de Especialização em História da

Educação Brasileira da Unioeste - Campus de Cascavel. Uma versão preliminar desse estudo foi publicado na Revista Educere et Educare (vol.

2 - n. 3 - 2007). Versão eletrônica disponível em: http://e-revista.unioeste.br/index.php/educereeteducare/article/view/660.

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Busquemos indícios na literatura brasileira, na obra Memóriasde um Sargento de Milícias (ALMEIDA, 1999), escrita em meados doséculo XIX. Em um capítulo específico, o narrador alude ao fato deque certo personagem, pertencente às camadas médias da sociedade,não estará o dia todo na escola realizando seus estudos. No capítulopodemos ler:

Ao meio-dia veio o padrinho buscá-lo (na escola) e a primeira notíciaque ele lhe deu foi que não voltaria no dia seguinte, nem mesmo aquelatarde. (...)

Um dos principais pontos que ele passava alegremente as manhãs etardes em que fugia à escola era a Igreja da Sé. (ALMEIDA, 1999, p.52-54, grifos nossos)

Entretanto, essa não era a única forma que se apresentava aescola para as classes mais abastadas. Havia também aquelas emregime de internato, desnudadas pelo romance O Ateneu de RaulPompéia, escrito em 1888. O autor descreve nesse “romance auto-biográfico” as atividades desenvolvidas pela personagem naquelainstituição. Um destaque são as atividades esportivas (base dasescolas em tempo integral contemporâneas), que inclusive serviamde vitrine para a escola: “com maior concorrência preferia sempre aexibição dos exercícios ginásticos (...) e o público, pais ecorrespondentes em geral (...) compareciam no dia da festa daeducação física.” (POMPÉIA, s/d, p. 43-45)

De uma certa forma, a passagem pela instituição não trazboas lembranças para o “autor-personagem”. Porém, no fim da obra,ele apresenta o discurso de uma outra personagem em defesa doregime de internato: “e não se diga que é um viveiro de maus germes,seminário nefasto de maus princípios, que hão de arborecer depois.Não é o internato que faz a sociedade; o internato a reflete. Acorrupção que ali viceja, vai de fora.” (Idem, p. 190)

A escola ilustrada tanto na obra de Antônio de Almeida, quantona de Pompéia, demonstra uma educação que ocorria em tempointegral e que era voltada para uma elite brasileira. Esse modeloescolar, bastante limitado socialmente, permaneceu até as décadasde 20 e 30 do século XX. Quando, porém, transformações no modeloeconômico brasileiro determinaram as demandas por uma escolauniversal, reduziu-se, então, a jornada diária, inclusive a própriaduração da escola primária passou a ser questionada comouma das condições para poder estendê-la a toda a população,conforme analisou Anísio Teixeira:

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2 Essa foi uma alternativa no Brasil, devido à grande demanda. Ao invés de aumentar o número de salas deaula, diminui-se a carga horária. Assim cada sala de aula podia receber até quatro turmas por dia - três nodiurno e uma no noturno (TEIXEIRA, 1994).

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No Estado de São Paulo, que liderou o movimento, chegou a sugeriruma escola de dois anos e com esforço é que alguns educadoresconseguiram elevá-la a quatro anos de estudo, no meio urbano, e três,na zona rural.

(...)

E a escola primária, reduzida na sua duração e no seu programa, eisolada das demais escolas do segundo nível, entrou em um processode simplificação e de expansão de qualquer modo. Como já não era aescola da classe média, mas verdadeiramente do povo, que passou abuscá-la em uma verdadeira explosão de matrícula, logo se fez de doisturnos, com matrículas independentes pela manhã e pela tarde e, nascidades maiores, chegou aos três turnos e até, em alguns casos, a quatro.(TEIXEIRA, 1994, p. 161-162)

Para além da discussão do tempo da jornada diária, é preciso,também, apontar alguns elementos referentes à concepção deeducação. Ao lado daquelas instituições elitistas, o século XIX traztambém discursos de uma educação integral. Um dos defensoresdessa tese era Bakunin, conforme nos atesta Portilho (2005). Segundoa autora, por volta de 1830, Bakunin apresenta na Rússia a concepçãode educação integral. No entanto, essa proposta era para um modelode sociedade em que não existissem classes. Nessa sociedadeidealizada, o ensino integral seria um aliado para consolidar aliberdade dos trabalhadores, por meio de uma educação científica,compreendendo também o ensino industrial ou prático:

A instrução deve ser igual em todos os graus para todos; porconseguinte, deve ser integral, quer dizer, deve preparar as criançasde ambos os sexos tanto para a vida intelectual como a vida do trabalho,visando que todos possam chegar a ser pessoas completas.(BAKUNIN, 2003, p. 78)

A concepção integral aparece aqui mais vinculada, a umaquestão de formação abrangente de todos os aspectos humanos, enão se referindo especificamente a tempo integral. Porém, seriaimpossível essa formação nos moldes da escola que foi universalizadano século XX, que chegou a ter até 3 horas diárias de estudo.2

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Uma formação integral implica em o aluno permanecer maistempo envolvido com a sua educação, ainda que não seja o tempotodo na escola, pois existem outros espaços em que a sua formaçãopode ser completada (ginásios, espaços culturais, locais de lazer,etc.). Essa formação ampla, envolvendo inclusive a esfera produtiva,também foi desenvolvida por Marx3 , porém, não no sentido quedefendia Basedow4 . Para Marx, a educação na sociedade capitalistaatende aos interesses do capital. Ela é determinada pela forma comose organizam as relações sociais mais amplas.

Nesse sentido, a lógica da educação no capitalismo é voltadapara a produção, para aumentar os lucros, objetivando o interesseda classe privilegiada: a burguesia. Nesse sistema, inclusive, oconhecimento é concebido como uma propriedade privada.Desenvolve-se, então, apenas uma das potencialidades do sujeito,aquela voltada para o econômico. A educação escolar da sociedadecapitalista forma o “homem unilateral”.

Ao propor uma educação, Marx, assim como Bakunin, sugere-a para uma sociedade em que não haja divisão de classes e sem apropriedade privada dos meios de produção. Ele defende umaformação para que o homem tenha todas as suas potencialidadesdesenvolvidas, não apenas aquela voltada para a produção:

Torna questão de vida ou morte substituir a monstruosidade de umapopulação operária miserável (...) pela disponibilidade absoluta do serhumano para as necessidades variáveis do trabalho; substituir oindivíduo parcial, mero fragmento humano que repete sempre umaoperação parcial, pelo indivíduo integralmente desenvolvido para oqual as diferentes funções sociais não passariam de formas diferentese sucessivas de sua atividade. (...) Mas não há dúvida de que a conquistainevitável do poder político pela classe trabalhadora trará a adoção doensino tecnológico, teórico e prático, nas escolas dos trabalhadores.(MARX, 1994)

Nessa proposta educacional, segundo a leitura que Enguita(1993) faz de Marx, ensino intelectual, trabalho físico e trabalhoprodutivo devem estar articulados, mas no sentido de proporcionarao trabalhador o controle e a intervenção no processo produtivo.

3 Karl Marx (1818-1883) não escreveu sistematicamente sobre educação. Ela sempre aparecia quando elediscutia outras questões: críticas à sociedade capitalista, propostas para uma nova sociedade, etc.

4 Basedow (1723-1790) defendia que as crianças das camadas populares articulassem trabalho e estudo,mas apenas para consolidarem a sua condição social: “(...) Felizmente, as crianças plebéias necessitamde menos instrução do que as outras, e devem dedicar metade do seu tempo aos trabalhos manuais.”(BASEDOW apud PONCE, 1992, p. 137).

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É preciso que o trabalhador entenda os fundamentos, asrelações e a lógica de funcionamento do trabalho. Uma aprendizagempara além da concorrência na sociedade capitalista, em que todas aspotencialidades humanas (científica, artística, cultural, produtiva)sejam consideradas e desenvolvidas – homem omnilateral. É preciso,portanto, uma educação integral.

A questão da educação integral chegou até nós. Entretanto,sabemos que ela não é aquela de O Ateneu, pois não está voltadapara uma classe privilegiada; tampouco é a de Bakunin ou Marx,posto que ainda vivemos em uma sociedade classista. Qual é entãoa concepção de educação integral que é discutida hoje?

A resposta está num movimento que ficou conhecido comoEscola Nova, que aconteceu no início do século XX, influenciandomassivamente o pensamento sobre educação. Segundo Paro (1988),com esse movimento a escola passa a ser vista como instânciatransformadora da sociedade, com a capacidade de diminuir osconflitos sociais. Tudo isso baseado nos ideais liberais, objetivando aformação de um “cidadão” inserido numa sociedade democrático-burguesa.

Um dos expoentes do escolanovismo foi John Dewey (1859-1952), que fazia uma crítica ao ensino vigente à época, concebidopor ele como tradicional, intelectualista, mecânico e formal. Propõe,então, uma nova pedagogia, na qual o centro do ensino seja o alunoe não o professor, com ênfase nos procedimentos e não nosresultados (TEIXEIRA, 1954).

Essas idéias tiveram grande influência mundial, embora muitocriticadas pelas conseqüências que causaram para a classetrabalhadora. Entre as críticas, um autor influente da análise daHistória da Educação Brasileira, Ghiraldelli Jr (1991), afirma que oescolanovismo foi uma forma da burguesia “queimar os seuspertences”, ou seja, ao invés dela proporcionar às classestrabalhadoras uma escola que garantia o conhecimento, optou pordesconfigurá-la para, então, universalizá-la.

Nosso objetivo, entretanto, não é fazer aqui uma análise daEscola Nova. Queremos entender apenas qual foi sua influência paraas idéias de educação integral, tendo em vista que, ainda hoje,grandes estudiosos da escola de jornada ampliada vão buscarsubsídios teóricos nessa fonte. Um exemplo disso é CAVALIERE(2002a), que tem influenciado muito os estudos dessa questão:

Vamos retomar a concepção de educação integral, tendo por base oconceito de “educação como reconstrução da experiência”, no contexto

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da corrente filosófica pragmatista e seu destacado autor John Dewey.Buscamos aqui uma possível base teórica para a elaboração de umaproposta de educação fundamental que possa corresponder às novasnecessidades e problemas que hoje apresentam as escolas públicasbrasileiras voltadas para esse segmento do sistema. (CAVALIERE,2002a, p. 248)

Segundo Vítor Paro (1988), o escolanovismo defendia quenão bastava “desanalfabetizar” as grandes parcelas da população,era preciso uma reformulação interna da escola, para que estafornecesse uma educação integral para formar o “cidadão”.Entretanto, nesse momento histórico, o país não dispunha decondições materiais suficientes para universalizar essa educação.Portanto, somente as famílias com melhores condições financeirastiveram acesso a ela.

A universalização do ensino só vai atingir índices significantesa partir da década de 50, sentindo profundamente as influências doescolanovismo, principalmente no deslocamento da função científica/instrutiva da escola. É justamente nesse momento que a educaçãoem tempo integral ressurge como proposta para a rede pública:

Na década de cinqüenta encontramos as propostas de educação emtempo integral, só que, dessa feita, advogando-se sua extensão para oâmbito dos sistemas escolares. As bases são ainda escolanovistas,preocupadas com a formação integral, só que agora voltadas para ascamadas populares. (PARO, 1988, p. 191)

Novamente a educação em tempo integral se efetiva apenaspara uma parcela restrita da população, devido aos altos custosenvolvidos. O exemplo significativo é o Centro Educacional CarneiroRibeiro – CECR – idealizado por Anísio Teixeira, grande difusor doescolanovismo no Brasil, e que em seu discurso de inauguração dainstituição (21 de outubro de 1950), percebemos proposições atuais,com destaque às novas funções atribuídas à escola:

E desejamos dar-lhe [à escola] seu programa completo de leitura,aritmética e escrita, ciências físicas e sociais, artes industriais, desenho,música, dança e educação física. Além disso, desejamos que a escolaeduque, forme hábitos, forme atitudes, cultive aspirações, preparerealmente, a criança para a sua civilização (...) E, além disso, desejamosque a escola dê saúde e alimento à criança, visto não ser possível educá-la no grau de desnutrição e abandono em que vive. (TEIXEIRA apudEBOLI, 1969, p. 14)

Diante disso, percebemos que as idéias de Anísio Teixeiraimplantadas no CECR não são de uma educação integral, mas de

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uma educação integrada, ou seja, é uma escola preocupadaexplicitamente em integrar outras funções sociais (saúde, segurançaetc.). Esse ensaio merece uma atenção especial, pois muitos doselementos criados na experiência baiana são percebidos nasexperiências de jornada escolar prolongada realizadas atualmente.

O CECR era composto por quatro “Escolas-classe” destinadasao “ensino de letras e ciências” e uma “Escola-parque” para atividadessociais, artísticas e esportivas. Todo o complexo tinha a capacidadede atender até 2000 crianças. Os alunos ficavam um turno na Escola-classe e o outro na Escola-parque, num regime de semi-internato(5% dos alunos ficavam em regime de internato).

O corpo docente era diferenciado. Segundo Eboli (1969),professores primários “comuns” para as Escolas-classe, e para aEscola-parque professores primários especializados, em música,dança, teatro, artes industriais, desenho, biblioteca, esportes erecreação.

O CECR foi construído num bairro pobre da periferia deSalvador, uma característica constante nos projetos de educação emtempo integral para as camadas populares. Estas por sua vez, deacordo com Paro, enxergam na escola uma “salvação” das suascrianças, entregues aos riscos da criminalidade:

A experiência do CECR, ao centrar-se nas camadas populares e emsua formação, antecipa, de certa forma, as questões que se farãopresentes, incisivamente, nas décadas posteriores, quando se procuravaatribuir à escola o papel de contribuir para a solução de problemassociais relacionados com a condição de pobreza da população. (PARO,1988, p. 192)

Depois dessa experiência baiana, a questão da educação emtempo integral volta a tomar fôlego somente na década de 80, comos Centros Integrados de Educação Pública – CIEPs – no Rio deJaneiro. Essa é, sem dúvida, a maior experiência, numericamentefalando, de escola com jornada prolongada. Chegou a ter em tornode 500 escolas desse tipo funcionando em todo o Estado. Essaexperiência foi amplamente estudada5 , despertando o interessequanto à possibilidade (ou não) de estendê-la à toda rede pública deensino.

Quanto à organização das atividades executadas pelos alunos,permaneceu a distinção. Num turno as crianças tinham aulas donúcleo comum, e no contra-turno as atividades diversificadas(MACHADO, 2002). Até houve tentativas de intercalar disciplinasdo núcleo comum com as outras, mas não deu certo, pois:

5 Sobre os CIEPs ver estudos de CAVALIERE (1996, 2002a, 2002b e 2003); PORTILHO (2005); MACHA-DO (2002) e SOBRINHO & PARENTE (2005).

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(...) para a construção de uma organização do tempo escolar maisflexível (...) necessita-se, ao contrário do que possa parecer à primeiravista, de um nível de organização muito mais desenvolvido. Isso incluium corpo de profissionais que seja capaz de organizar o trabalhopedagógico de forma consciente do ponto de vista político-filosóficoe complexa do ponto de vista técnico-pedagógico (CAVALIERE, op.cit., p. 123).

O fundamento da proposta baseava-se, de certa forma, naexperiência baiana, mas era ambiciosa no que se referia àabrangência. Buscava atender não apenas a função instrucional, mastambém aquelas outras funções sociais que a escola vinhaincorporando historicamente:

Tratava-se da idéia de que o tempo ampliado, se posto à serviço nãoapenas da dinamização e intensificação das atividades de ensino-aprendizagem estrito-senso, mas também da vivência de um conjuntode experiências definidas como culturais, esportivas e artísticas,possibilitando às crianças das classes desfavorecidas, além da superaçãodo renitente fracasso escolar, o ingresso num universo cultural maisamplo e propiciador de percursos emancipatórios (Idem, p. 123).

A proposta do CIEP, inicialmente, foi implantada nos três níveisde ensino da Educação Básica do Rio de Janeiro, porém,paulatinamente foram se concentrando na Educação Infantil e SériesIniciais do Ensino Fundamental. Isso pode ter acontecido por doismotivos: primeiramente, que as crianças menores constituem a maiordemanda para ficar o dia inteiro na escola, tendo em vista que seuspais trabalham e elas não deveriam ficar sozinhas pelo risco queisso envolve. Em segundo lugar, os jovens não dispõem de maistempo para ficarem na escola o dia todo, pois muitos precisam selançar ao mercado de trabalho, a fim de completar a renda da família.Isso tende a reforçar a concepção que se tem hoje, principalmenteentre os educadores contrários à educação em tempo integral, quea vêem como prática assistencialista, como um local onde os pais seobrigam a deixar seus filhos para poderem ir trabalhar. Uma visãoque desconsidera as demandas sociais exercidas historicamente pelaescola pública.

A experiência carioca acaba influenciando, também, outrosdiversos projetos semelhantes. Ainda que mantidas as diferençasque cada particularidade exige, temos o PROFIC (Programa deFormação Integral da Criança) em São Paulo, os CEIs (Centro deEducação Integral) em Curitiba, e os CAICs em nível nacional.6

6 Em relação ao Profic, Paro (1988) faz uma análise comparativa entre essa experiência e os CIEP´s.Quanto à experiência curitibana (CEI), esta foi analisada por Gomes (1994).

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Este último vai influenciar, por sua vez, outras experiências anível municipal por todo o país, inclusive em Cascavel, merecendo,portanto, maior atenção neste estudo7 .

O projeto dos CAICs inicia-se a partir de 1990, com o entãopresidente Fernando Collor de Mello. Parte das políticas sociais dogoverno federal visava desenvolver ações integradas de educação,saúde, assistência e promoção social para crianças e adolescentes(SOBRINHO & PARENTE, 1995). Inicialmente, denominava-se ProjetoMinha Gente e sua característica principal era a construção do CentroIntegrado de Atenção à Criança e ao Adolescente – CIAC, que previao atendimento em creches, pré-escola e ensino de 1º grau; saúde ecuidados básicos; convivência comunitária e desportiva. Tinha comometa definida a construção de 5 mil CIACs e atender a cerca de 6milhões de crianças (IDEM, p. 10).

A partir de 1993, o projeto é assumido pelo Ministério daEducação8 e passa a se chamar Programa Nacional de AtençãoIntegral à Criança e ao Adolescente – PRONAICA – que buscavaarticular-se com órgãos federais, estaduais e municipais, ong’s eorganismos internacionais para o desenvolvimento de ações deatenção integral à criança e ao adolescente. Os CIACs passaram aser denominados CAICs – Centro de Atenção Integral à Criança.

Essa mudança, segundo SOBRINHO & PARENTE (1995), deve-se à ênfase dada pelo MEC à “pedagogia de atenção integral”, e que:

Na denominação adotada pelo Projeto Minha Gente (CIAC),destacava-se a característica arquitetônica do centro Integrado. Com onome Centro de Atenção Integral à Criança – CAIC, a tônica desloca-se para o atendimento integral, que requer a adoção de pedagogiaprópria independente do espaço físico a ser utilizado. ( SOBRINHO& PARENTE, 1995, p. 10)

Na prática, essa mudança não alterou muito a concepção doprojeto, que manteve basicamente a mesma estrutura física. Aintenção da mudança é que para o atendimento integral utilizar-se-iam estruturas físicas já existentes, apenas se faria uma ação integradacom elas. No entanto, o projeto só se efetivou com a construção deoutras unidades físicas, os CAIC’s.

7 Foi a experiência de Cascavel-PR que motivou-nos a desenvolver este estudo (ver FREITAS, 2006).

8 Conforme Lei Federal nº 8642, de 31 de março de 1993.

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Quanto ao financiamento, o Pronaica era compartilhado entreo governo federal (construção dos CAIC’s), os Estados (recursoshumanos) e municípios (aquisição do terreno e manutenção).

Ao manter as crianças envolvidas o dia todo nos CAIC’s, oprojeto tinha dois objetivos: primeiramente, oferecer àquelas famíliasmarginalizadas pela estrutura econômica, condições mínimas paraque seus filhos freqüentassem a escola, onde lhes era oferecido oque a sua família não teria condições de proporcionar: comida,vestuário (uniforme), assistência médico-odontológica, etc. Emsegundo lugar, evitar que essas crianças se lançassem precocementeno mercado de trabalho (sub-empregos). Os dois objetivosunificaram-se na tentativa de diminuir o índice de evasão e repetênciaescolar, sem, no entanto, considerarem os motivos que realmentelevavam essas famílias a se tornarem marginalizadas pela sociedade.

Segundo Vitor Paro, a preocupação com a educação integralé secundarizada na medida em que as atividades de arte, cultura eesporte são utilizadas apenas para manter as crianças o dia todo noscentros. A escola é vista, por um lado, como uma forma de minimizaros efeitos gerados pela estrutura econômica, e, por outro, comoreprodutora da lógica excludente (PARO, 1988).

Entendemos, porém, que é inegável que o projeto dos CAIC’sajudou, em muito, a difundir a idéia de uma escola pública de tempointegral. Não é ele quem inicia, mas juntamente com os CIEP’s doRio de Janeiro, constituem a realização em grande escala, apesar deseus problemas e limites, de um projeto que era visto comoimpossível. As experiências desenvolvidas ali serviriam de modelopara inúmeras outras, que chegam até os nossos dias.

A utilização da educação como uma forma de atender a outrasdemandas sociais também se realiza em nossa sociedade por meiode outras instituições que não são escolas públicas. Segundo PARO(1988), desde que o regime de internato (nos moldes de O Ateneu)passou a ser questionado como solução para as elites, ele foi atribuídoàs classes subalternas. Com o desenvolvimento no Brasil de umasociedade urbano-industrial a partir do século XX, as relações sociaistambém sofrem algumas modificações, alterando inclusive a formada sociedade pensar a educação. A tradicional escola em regime deinternato ou semi-internato, segundo Paro, além de muito onerosa,não respondia mais aos interesses da classe com maior poderaquisitivo. Essas pessoas podiam oferecer outras oportunidadeseducacionais aos seus filhos (música, teatro, esportes,...) alémdaquelas ofertadas pelas escolas.

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9 Sabe-se que atualmente até nos presídios há uma preocupação em levar educação escolar aos detentoscomo uma forma de ressocialização.

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Assim, ao invés de segregar os filhos das classes maisabastadas, passa-se a fazê-lo com os filhos das classes menosfavorecidas. Porém, como não poderia deixar de ser, com outraroupagem:

Sem ilusões. A segregação das crianças e adolescentes oriundos dasclasses dominadas, quando tais crianças e jovens se revelaram como“ameaças sociais” sempre foi proposta pela classe dominante, atribuindoao Estado o papel de executor dessa segregação. Essa é a origem deinstituições como a FEBEM, os reformatórios de menores e asentidades “filantrópicas” subvencionada pelos órgãos oficiais. (PARO,1988, p. 207)

Essas instituições cumpririam um papel de “ressocialização”,que ocorreria através de práticas educativas, como esportes, teatros,oficinas profissionalizantes, etc. As instituições do tipo FEBEM e osreformatórios para menores se apresentam como “cadeias” paramenores, e caracterizam-se por uma prática essencialmenterepressiva. Nos últimos anos, tornaram-se “panelas-de-pressão”prestes a explodir, devido à superlotação. As freqüentes rebeliõesmostram, de certa forma, a falência desse tipo de instituição comoforma de ressocialização.

Para entender melhor a relação dessas instituições com oobjeto deste artigo - a educação em tempo integral – tomamos oexemplo de Cascavel-PR. Nesse município foi criada uma instituiçãono fim da década de 80, seguindo alguns direcionamentos dasFEBEM’s, embora detenha particularidades. Trata-se do CAOM –Centro de Assistência e Orientação ao Menor. Araci Jost (2001)analisou essa instituição e segundo ela:

O CAOM, como instituição assistencial para o enfrentamento dapobreza em Cascavel, organizou a questão do atendimento a essascrianças e adolescentes (...) tendo como preocupação central: osuprimento das necessidades básicas e o afastamento desses menoresdas ruas. Assim, desenvolveu o seu processo de trabalho dentro deuma concepção formativa de cunho repressivo, amparado no Códigode Menores, tendo como enfoque as questões de segurança, deixandode lado as questões sócio-educativas (JOST, 2001, p. 21-22).

Essa autora reivindica, no decorrer do seu trabalho, que ainstituição assuma questões mais educativas (no sentido escolar) doque repressiva, seguindo inclusive, uma certa tendência de outrasinstituições similares9. A autora propõe que na realização de seu

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trabalho, a instituição se preocupe com a qualidade da formaçãoescolar do menor atendido, utilizando recursos didáticos para auxiliarna pesquisa, na leitura, nas atividades esportivas, além de umainiciação profissional. Todas essas atividades desenvolvidas noperíodo de contra-turno escolar.

Quanto às entidades “filantrópicas”, estas parecem ter umapreocupação mais pacífica, desenvolvendo trabalhos que são muitobem vistos pela sociedade. Em Cascavel, uma instituição desse tipomerece destaque: o CEMIC – Centro de Estudos do Menor eIntegração na Comunidade. Numa pesquisa in locus Vera Anger(2003), fez uma importante análise dessa instituição:

O CEMIC surgiu para atender o menor marginalizado ou em vias demarginalização em suas necessidades básicas, como educação integral,reforço escolar, lazer, alimentação, vestuário, atendimento médico eodontológico (...) objetivando melhorar o relacionamento familiar eas condições de vida da família (ANGER, 2003, p. 41).

No CEMIC as atividades desenvolvidas são divididas em: ÁreaEducacional; Área Educacional Complementar; Área Sócio-recreativa;Área de Trabalho Educativo; Área de Saúde; Área Familiar e TrabalhoVoluntário (IDEM, p. 46) Interessam-nos, neste trabalho, as quatroprimeiras áreas pela identificação com as propostas da educaçãoem tempo integral.

Na Área Educacional são oferecidas oficinas artesanais,informática, pesquisas e experiências práticas, buscando aprofundarconteúdos escolares, além de culinária, cultivo e preparo de plantasmedicinais e hortaliças, recreação e esportes, atividades culturais ecívicas. Na Área Educativa Complementar, a preocupação é específicacom o reforço escolar da criança ou adolescente. A Área Sócio-recreativa responsabiliza-se pela realização de jogos, gincanas,exercícios físicos, apresentações artísticas, brincadeiras, etc. Já a Áreade Trabalho Educativo é mais voltada para os adolescentes quedesenvolvem atividades com características profissionalizantes:padaria, cozinha, horta e marcenaria.

Percebe-se, tanto no CAOM quanto no CEMIC, umaidentificação com a proposta de escola de tempo integral. Entretanto,no primeiro ela aparece mais como uma maneira da instituiçãocumprir a sua função corretiva, ao passo que, no segundo a propostatem um caráter de “prevenção” às situações que propiciem oenvolvimento do menor com atividades ilícitas ou insalubres,aproximando-se esta muito mais da proposta da ETI. Entretanto, aespecificidade do CEMIC é outra. É uma instituição mantida por

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entidades não-estatais, apesar de receber apoio financeiro dosgovernos federais, estaduais e municipais.

As duas entidades são reconhecidas como assistencialistas,mas, apesar disso, desenvolvem atividades de atribuições da escola.Algumas, inclusive, são “complementos” ou “preenchimentos delacunas” da escola, como é o caso do reforço escolar.Paradoxalmente, agora nos parece acontecer o contrário, é ainstituição escolar que assume as atribuições das entidadesassistenciais. Duas questões merecem esclarecimento aqui:primeiramente a escola já vem há muito tempo desempenhandooutras funções sociais que não são especificamente “conhecimentosformais”; em segundo lugar, há uma “crença” de que a escola podeevitar todos os males da sociedade, e que, portanto, se eladesempenhar bem a sua função, não mais precisaríamos daquelasinstituições sociais. São questões que não resolvem, nem quesuperficialmente, os reais problemas estruturais que geram aqueles“potenciais menores infratores”.

A evolução da tendência da escola de jornada prolongada temum marco importante na década de 90: a Lei de Diretrizes e Basesda Educação Nacional de 1996. Com a aprovação dessa lei, aeducação em tempo integral já recebe um indicativo. Segundo oartigo 34:

A jornada escolar no ensino fundamental incluirá pelo menos quatrohoras de trabalho efetivo em sala de aula, sendo progressivamenteampliado o período de permanência na escola (...).

§ 2º O ensino fundamental será ministrado progressivamente emtempo integral a critério dos Sistemas de Ensino (Lei de Diretrizes eBases da Educação Nacional. Brasília: Centro de Documentação eInformação Coordenação de Publicações, 1997).

Fica evidente, assim, que não é uma lei que cria a educaçãoem tempo integral, pois ela já vinha acontecendo de várias formas.Isso também mostra como as políticas educacionais são um reflexodos embates na sociedade. Se a ETI aparece apontada na legislaçãoé porque já existe uma demanda social a que ela visa atender.

É necessário, ainda, levar em conta uma outra função socialdesempenhada pela escola, apontada por Gilberto Alves (2001). Épreciso considerar que, a sociedade em que vivemos é histórica,está em constante transformação. De certa forma, os espaços desocialização também se transformam.

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A rua, que foi durante certo tempo, espaço privilegiado para ascrianças brincarem, se socializarem, hoje já não oferece as condiçõespara isso, por conta da insegurança que nos envolve.

Nesse sentido, a criança tem encontrado na escola o seuprincipal espaço de lazer e socialização. Essa é uma das demandassociais da escola de tempo integral, destinada às classes menosfavorecidas, um espaço para a prática de atividades desportivas,culturais (dança, teatro,...) e de lazer.

Por fim, percebemos que a educação em tempo integralapresentou-se de diferentes maneiras. Dessa diversidade demanifestações, emergem confusões (intencionais ou não) a respeitodo seu conceito. Conforme mostramos no início, ETI pode significarapenas ensinar a criança durante todo o dia, como ocorria nos liceus.Por outro lado, para Marx e Bakunin educação integral devedesenvolver todas as potencialidades humanas, integrando-as paraque o homem vivesse numa nova sociedade sem classes. Já com oescolanovismo no Brasil, a educação integral volta-se para a formaçãode um “novo cidadão”, a escola integraria o sujeito na medida emque o alfabetizasse e o preparasse para o novo contexto econômico-social. Com as propostas dos Caic´s, a ETI passa a ser vista comouma forma de atender integralmente as crianças, nos seus aspectoseducativo, alimentar, da saúde e segurança (não necessariamentenessa ordem).

Diante disso, uma questão urgente entre os educadores éentender essa tendência de extensão da jornada escolar que vemsendo implementada em um número cada vez maior de municípios,e buscar subsídios teóricos para construção de uma propostapedagógica consistente. Faz-se mister que o adjetivo “integral” nãose direcione apenas ao tempo escolar, mas abarque, primeiramente,o desenvolvimento de uma educação que consiga integrar osconteúdos apresentados ao aluno, para que ele passe a entender osfundamentos e as implicações históricas daquele conhecimento. Emsegundo lugar, e como conseqüência disso, que contribua paradesenvolver no educando, a sua consciência enquanto serdeterminado socialmente, que entende o seu papel de sujeitohistórico e, sobretudo, social (coletivo), (des)integrado numa lógicaeconômica que pode ser superada.

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INTEGRAÇÃO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL TÉCNICA

DE NÍVEL MÉDIO NA MODALIDADE DE EDUCAÇÃO DE

JOVENS E ADULTOS: ALGUMAS REFLEXÕES

SOBRE O CURRÍCULO

Edaguimar Orquizas ViriatoRenata Cristina da Costa Gotardo

INTRODUÇÃOINTRODUÇÃOINTRODUÇÃOINTRODUÇÃOINTRODUÇÃO

O artigo tece algumas considerações a respeito do currículointegrado para o ensino médio profissional na modalidade daEducação de Jovens e Adultos. Partimos do pressuposto de que aorganização curricular integrada ao ensino médio profissional namodalidade da Educação de Jovens e Adultos deve primar por ummodo de estruturação das disciplinas e do tempo escolarcomprometidos com a aquisição dos conhecimentos necessários àconstrução de um projeto societal no qual todos tenham os mesmosdireitos. No caso do PROEJA, isto requer não somente amparo legalpara a sua efetivação, mas principalmente investimento financeiro,pedagógico e administrativo por parte do poder público, visto que aEducação de Jovens e Adultos tem sido marcada por políticaseducacionais frágeis, efêmeras e descontínuas.

Nunca é demais lembrar que integrar currículo não significaestruturar em uma grade curricular um amontoado de disciplinasvinculadas à Base Nacional Comum, Formação Específica e Estágios.Como referenciado pelo Documento Base1 , “o que se pretende éuma integração epistemológica, de conteúdos, de metodologias ede práticas educativas” (BRASIL, 2006, p.30). Isto não é pouca coisa,ainda mais quando nos referimos ao currículo integrado de umapolítica educacional, como é o caso do PROEJA, que unifica um nível

1 Referimo-nos ao Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade deEducação de jovens e Adultos.

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(Ensino Médio) e duas modalidades de ensino (EJA e FormaçãoProfissional).

Diante do desafio de construir um currículo que integre oconhecimento científico, tecnológico e cultural para a formação dejovens e adultos deste país, que foram alijados do processo regularde ensino, realizamos a apresentação dos cursos e programas deeducação profissional abrangidos pelo Programa Nacional deIntegração da Educação Profissional com a Educação Básica, naModalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA) e, naseqüência, problematizamos a organização curricular dos cursos aserem ofertados, mediante ao disposto no Decreto nº 5.840/2006,ao prever a:

observância às diretrizes curriculares nacionais e demais atosnormativos do Conselho Nacional de Educação para a educaçãoprofissional técnica de nível médio, para o ensino fundamental, para oensino médio e para a educação de jovens e adultos (Artigo 4º, IncisoIII).

Esperamos que, a partir da compreensão da legislação,possamos refletir sobre a implantação e implementação do PROEJAno sentido de averiguar as possibilidades e os limites de ofertar oensino médio integrado à educação profissional, na modalidade deeducação de jovens e adultos, com uma estrutura curricular queefetivamente integre ciência, tecnologia e cultura.

1. O PROEJA

O PROEJA, instituído pelo Decreto nº 5.478, de 24 de junhode 20052 , revogado e redefinido pelo Decreto nº 5.840, de 13 dejulho de 2006, abrange cursos e programas de educação profissionalde formação inicial e continuada de trabalhadores e educaçãoprofissional técnica de nível médio (Artigo 1º, parágrafo 1º). Propõe-se, portanto, formar para o trabalho e, ao mesmo tempo, elevar aescolaridade dos sujeitos que não puderam concluir os estudos nafaixa etária adequada.

Neste sentido, o PROEJA apresenta-se como uma novidadeno cenário educacional brasileiro, ao visar não somente atender uma

2 O Decreto nº 5.478/2005 instituía o PROEJA na rede de instituições federais de educação. Previa cargahorária máxima de 1600 horas para formação inicial e continuada e 2400 horas para formação técnicade nível médio. O Decreto nº 5.840/2006 estende a possibilidade de oferta para as redes de ensinoestaduais, municipais e privadas e passa a definir carga horária mínima para a formação.

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de ensino camada social que já fora excluída do processo educacional,mas também ao pretender integrar a formação geral àprofissionalização. Sem dúvidas, o PROEJA pode significarefetivamente o acesso dos trabalhadores que apresentam distorçãoidade/escolaridade a um ensino que possibilite qualidade na formaçãogeral e na formação profissional, elevando seu nível de escolaridade.Entretanto, as condições concretas para que essa concepção deeducação supere a anterior, caracterizada historicamente por umensino dual, exige, como já afirmamos, não somente respaldo legal,mas principalmente o comprometimento político com as camadaspopulares do nosso país, por parte do poder público, expresso empolíticas de financiamento público, de formação inicial e continuadade professores, de valorização do magistério público oficial.

A instituição do PROEJA pode vir a representar tanto umavanço como um retrocesso diante dos embates políticos,econômicos e sociais que nos encontramos. É difícil reconhecer, masnecessário – senão caímos em ilusionismos educacionais, vivendocomo o grande herói grego, Ulisses, que encantado com o cantodas sereias deixou-se ser conduzido às profundezas do mar, lápermanecendo e vivendo um grande engodo – que a reestruturaçãoeconômica aliada à reforma do Estado brasileiro na perspectivagerencial influenciam diretamente o modo de organizar e gerir aeducação pública. Nunca é demais recapitular que, na última década,a educação brasileira passou por um processo de reforma cuja matrizteórica estava sustentada fortemente pelos anseios do neoliberalismo.Não é à toa que a educação passa a ser compreendida como umserviço público a ser adquirido em conformidade com o poderaquisitivo do cliente.

A educação profissional, especificamente, vivenciou trágicasmudanças que a desvincularam inclusive da forma regular de ofertado ensino médio3 . A retomada dessa possibilidade de articulaçãopor meio do Ensino Médio integrado4 não consiste em uma políticaconsolidada, pelo contrário, ainda é o novo sendo construído a partirdo velho, até porque, entre outros obstáculos, a questão dofinanciamento não fora resolvida. Em outras palavras, queremosreafirmar que a disputa política gira em torno da organização e da

3 Referimo-nos particularmente aos efeitos do Decreto nº 2.208/1997 e ao PROEM (Programa Expansão,Melhoria e Inovação do Ensino Médio ), instituído durante o governo Jaime Lerner, no Estado do Paraná.

4 Após alguns anos de questionamento do Decreto nº 2.208/1997 e reivindicações da sociedade aogoverno federal, a forma integrada foi regulamentada pelo Decreto nº 5.154/2004.

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gestão da educação, confrontando duas perspectivas: numa aeducação é um direito social, portanto pública e estatal e, em outra,a educação é um serviço social e como tal, o cliente consome/adquirede acordo com as suas necessidades e possibilidades imediatas.

O PROEJA, neste contexto, é mais uma política pública emdisputa. Sublinhemos que o neoliberalismo, ao contrapor-se aokeynesianismo, traduz um projeto de organização e gestão societaldistinto; porém, ambos perseguem o mesmo objetivo, qual seja, ode reproduzir e ampliar a acumulação do capital. Isto significa que apossibilidade de lutar por uma sociedade embasada nos princípiossocialistas resulta do próprio embate colocado pela atual crisemanifestada, conforme Netto (1995, p. 183-199), pelo colapso dosocialismo real e pela crise do capitalismo democrático.

Trata-se, nos dizeres de Netto (1995), de

implementar reformas que abram modelos de desenlaces explosivos einsurrecionais, mas sem iludir-se quanto (e preparando-sepoliticamente para) à inevitabilidade de momentos traumáticos numprocesso certamente pouco idílico – e sem qualquer concessão a umapretensão ‘lógica de dois tempos’ (um de ‘reforma’, outro de‘revolução’); trata-se, aqui, de uma complexa processualidade quesintetiza num só ‘tempo’todas as dimensões do que Marx chamou de‘época de revolução social’ (p. 199).

A expressão da disputa pode ser exemplificada pelo Decretonº 5.478, de 24 de junho de 2005, que inicialmente instituiu o PROEJAno âmbito das instituições federais de educação tecnológica. Porque restringir a oferta de cursos e programas de formação inicial econtinuada de trabalhadores e de educação profissional técnica denível médio? Por que limitar a carga horária máxima de mil eseiscentas horas e duas mil e quatrocentas horas, respectivamenteaos cursos de formação inicial e continuada de trabalhadores e aoscursos de educação profissional técnica de nível médio?

A primeira indagação nos conduz a ações corporativas emdetrimento a ações ético-políticas (FRIGOTTO; CIAVATTA E RAMOS,2005, p. 1097-1098). Argumentam os autores

Para a SETEC, a oferta da educação profissional integrada ao ensinomédio na modalidade EJA manteria uma incumbência residual com aeducação básica, da qual ela foi esvaziada... e a educação de jovens eadultos – com a qual a política de educação profissional nunca havia seocupado ... Para a rede federal, essa medida contribui para justificarsua manutenção na esfera político-administrativa própria e não na esfera

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da educação superior, na qual sua identidade e diretrizes seriamcompartilhadas com as demais instituições de ensino superior.

Quanto ao limite da carga horária dos cursos significa admitirque “aos jovens e adultos trabalhadores se pode proporcionar umaformação ‘mínima’” (FRIGOTTO; CIAVATTA E RAMOS, 2005, p.1098). Tais indagações também podem ser interpretadas dentro docontexto de transferência do direito à educação pública estatal parao não-estatal5 , favorecida pela organização e gestão das instituiçõesfederais de educação tecnológica.

A expressão da disputa pode ainda ser exemplificada peloDecreto nº. 5.840/2006 ao constatar alguns indicativos quecontrariam a possibilidade de implementar a integração da EducaçãoProfissional com a Educação Básica, na modalidade de Educação deJovens e Adultos. Observemos, por exemplo, a designação “formaçãoinicial e continuada de trabalhadores” (Decreto nº 5.840/2006, Artigo1º, parágrafo 1º, Inciso I). Essa designação, introduzida pelo Decretonº 5.154, de 23 de julho de 2004, substitui a denominação “educaçãoprofissional básica” adotada pelo Decreto nº 2.208, de17 de abril de1997, que dava o suporte legal para que instituições públicas, privadase não-estatais, ofertassem cursos de formação profissional de curtaduração e de qualidade duvidosa.

O Decreto que institui o PROEJA, mesmo não definindo oque denomina de “formação profissional inicial e continuada detrabalhadores”, articula essa formação “ao ensino fundamental ouao ensino médio, objetivando a elevação do nível de escolaridadedo trabalhador” (Decreto nº. 5.840/2006, Artigo 1º, parágrafo 2º,Inciso I) e vincula essa articulação (ensino fundamental ou ensinomédio) aos termos do Decreto nº 5.154/04, Artigo 3º, parágrafo 2º,o qual remete essa formação preferencialmente aos cursos deeducação de jovens e adultos, prevendo determinados itineráriosformativos. Sublinhemos que “considera-se itinerário formativo oconjunto de etapas que compõe a organização da educaçãoprofissional em uma determinada área, possibilitando oaproveitamento contínuo e articulado dos estudos” (Decreto nº5.154/04, Artigo 3º, parágrafo 2º). Ou seja, após a conclusão com

5 Transferência dos serviços não-exclusivos do Estado para a esfera do público não-estatal, composto porinstituições jurídicas, sem fins lucrativos, que embebidas pelo espírito da solidariedade vêm assumindoum serviço público, outrora ofertado exclusivamente pelo Estado. Eficiência, eficácia e produtividadesão as metas que orientam tais instituições cujo propósito consiste em melhor servir o cidadão-cliente.

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aproveitamento dos cursos e programas do PROEJA, os jovens eadultos atendidos farão jus a certificados de formação inicial oucontinuada para o trabalho.

A possibilidade de construir itinerários formativos destinadosà formação profissional inicial e continuada de trabalhadores,articulada ao ensino fundamental ou ao ensino médio, na modalidadeda EJA, poderia representar um avanço legal que repercutiria emações de intervenção nesse tipo de formação que é ofertada, comojá dissemos, com uma qualidade duvidosa e de cunho mercadológico.Entretanto, o Artigo 3º, Inciso I, do Decreto nº 5.840/06, ao prevercursos para a formação inicial e continuada de trabalhadores comuma carga horária mínima de 1400 horas, sendo destinadas nomínimo 1200 horas para a formação geral e 200 horas para aformação profissional, parece não possibilitar a ruptura com o atéagora vigente; pelo contrário, pode continuar reforçando a oferta decursos que se adaptem às demandas do mercado, atendendo ainteresses imediatos dos trabalhadores e seus prováveisempregadores. Sublinhemos que não há orientações normativas queregulamentem tais cursos.

Se a formação inicial e continuada de trabalhadores (ensinofundamental e médio) prevê uma carga horária mínima de 200 horasdestinadas para a formação profissional, essa formação não deveriaser regulamentada? Diferentemente do proposto pelo Decreto nº2.208/97, que possibilitava cursos básicos restritos à preparação demão-de-obra para o mercado de trabalho, os cursos e programasdestinados à formação inicial e continuada de trabalhadores prevêemqualificação e aumento do nível de escolaridade. Este fato – um ganholegal, sem dúvidas – demanda uma regulamentação para que oscursos não venham a assumir uma proposta curricular que privilegieo mercado, acontecimento que só parece possível mediantemobilização política por parte daqueles que estão diretamenteenvolvidos com o processo de ensino-aprendizagem, uma vez quenão há interesse por parte do governo em implementar ações quefavoreçam os trabalhadores em detrimento ao mercado.

Outro aspecto a ser considerado quanto à formação inicial econtinuada de trabalhadores de nível médio diz respeito às DiretrizesCurriculares Nacionais para o Ensino Fundamental (DCN). Instituídapela Resolução 02/98, as DCNs indicam o reconhecimento de saberesrelacionados à vida cidadã (art.3º, inciso IV, alínea a) que, a princípio,não parece constituir-se em um problema, uma vez que os adultosestão inseridos diretamente nos aspectos do mundo do trabalho

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(embora não possamos garantir que os compreendam). Comopensar, no entanto, um curso de formação inicial e continuada denível médio, se não temos a garantia de que os conteúdos do ensinofundamental foram assimilados? Como garantir que oreconhecimento desses saberes estarão embasados no efetivodomínio das ciências que os fundam? Uma vez mais abre-se apossibilidade de, via iniciativa privada, os sujeitos serem certificados,sem garantir efetivamente sua formação escolar e a aquisição deconhecimentos.

Além da formação inicial e continuada dos trabalhadores,articulada ao ensino fundamental ou ao ensino médio, o PROEJAabrange ainda a educação profissional técnica de nível médio, deforma integrada ou concomitante, nos termos do Decreto nº 5.154/04, Artigo 4º, parágrafo 1º, Incisos I e II, e expressa no Decreto nº5.840/06 pelo Artigo 1º, parágrafo 2º, Inciso II. Aqui também deveser prevista a possibilidade de conclusão de curso a qualquer tempo,o que, como já apontamos, rompe com a possibilidade de integração.

No caso dos cursos de educação profissional técnica de nívelmédio do PROEJA, a carga horária mínima prevista é de 2400 horas,sendo que destas minimamente 1200 horas são destinadas para aformação geral; para a habilitação profissional técnica deverá serrespeitada o estabelecido para a devida habilitação (Artigo 3º, Decretonº 5.840/06). Lembremos que a carga horária da habilitaçãoprofissional técnica consta na Resolução CEB nº 4, de 8 de dezembrode 1999, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para aEducação Profissional de Nível Técnico.

A flexibilidade da oferta do ensino médio, no caso da formaçãoinicial e continuada de trabalhadores e no caso da educaçãoprofissional técnica de nível médio, integrada ou concomitante, namodalidade da EJA, precisa ser debatida e problematizada para queefetivamente possamos, no âmbito legal, encontrar subsídios queamparem a construção de um currículo voltado para a emancipaçãosocial e produtiva do homem.

O aproveitamento de estudos com obtenção de certificaçãoa qualquer tempo, previsto no artigo 6º, bem como o reconhecimentode conhecimentos e habilidades obtidos fora da escola, amparadopelo art.7º, ambos do Decreto nº 5.840/06, permitem um arcabouçode possibilidades de formas de oferta e de certificação. Por um lado,isso garante a autonomia por parte dos sistemas de ensino e, poroutro, admite que a implantação do programa fique a critério daquiloque for mais conveniente a cada secretaria, seja Estadual ouMunicipal.

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No Estado do Paraná, a Secretaria Estadual de Educação –SEED – adotou como política a integração da educação profissionalao ensino médio na modalidade de educação de jovens e adultos deforma presencial e sem previsão de saídas no decorrer do curso6 .Isso aponta para a possibilidade de elevar a escolaridade de sujeitoshistoricamente alijados do processo educacional, sem perder ohorizonte da qualidade do ensino ofertado. Ao considerarmos que alegislação federal possibilita formas de oferta e de certificaçãodiversificadas, torna-se fundamental um posicionamento político porparte das secretarias de estado, o que no Estado do Paraná temevidenciado, ao menos enquanto política, um compromisso com aqualidade de ensino a ser ofertado pelo PROEJA.

A SEED, no I Seminário do PROEJA7 , apresentou umdiagnóstico das possibilidades de oferta do PROEJA no Estado. Paraofertar o programa, os estabelecimentos de ensino deveriam atenderaos seguintes requisitos: a) ofertar cursos profissionalizantes namodalidade regular; b) ofertar PROEJA no mesmo cursoprofissionalizante já existente no estabelecimento. Ambos osrequisitos são justificados como forma de garantir uma oferta comqualidade, pois parte-se do pressuposto de que os estabelecimentosjá contam com infra-estrutura física e humana e experiência na ofertado curso profissionalizante, para que possam ofertar o PROEJA deforma a minimizar possíveis entraves.

Ainda durante o evento acima citado, a Secretaria de Educaçãomapeou os estabelecimentos que ofertarão PROEJA no ano de 2008:41% estão em comunidades de baixa renda; 23 % em comunidadescom necessidade de acesso à profissionalização; 21% contam comtrabalhadores que buscam formação e 15% em comunidadesessencialmente agrícolas. Isso demonstra que a oferta do PROEJAno Estado pretende atender a uma demanda efetiva das comunidades.Por esse motivo, a forma como o processo está sendo conduzido

6 Informação obtida através da Chefe do Departamento Educação e Trabalho, SEED/PR, durante o I Semi-nário PROEJA, realizado em Curitiba, PR, nos dias 07,08 e 09 de maio de 2007.

7 O I Seminário PROEJA foi realizado pela Secretaria de Educação do Estado do Paraná, contando comrepresentantes dos Núcleos Regionais de Educação e das escolas que pretendiam, a partir de um primei-ro diagnóstico, ofertar cursos pelo PROEJA em 2008, bem como com representantes das Universidadesenvolvidas no projeto de pesquisa “Demandas e Potencialidades do PROEJA no Estado do Paraná”,financiado pela CAPES/SETEC. O Seminário foi organizado como tentativa de esclarecer, aos envolvidos,as bases legais do Programa bem como sobre o processo de implantação na rede estadual de ensino.

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parece bastante condizente com as necessidades dos trabalhadoresque intencionam ingressar nos cursos do PROEJA, e a decisão denão apenas certificar, e sim formar, é bastante importante para agarantia do acesso a conhecimentos por parte da classe trabalhadora.

1.1 O Currículo do PROEJA

O desafio de construir um projeto político-pedagógico queintegre o currículo, entendido aqui em sentido stricto, ou seja, umrol de conhecimentos necessários para formar e qualificar jovens eadultos na Educação Profissional integrada ao Ensino Médio, exigeenfrentar questões pertinentes aos conteúdos a serem ensinados/apreendidos por esses jovens e adultos e à metodologia adotadadurante o processo ensino-aprendizagem.

Ao organizar uma estrutura curricular que atenda a estaexigência, faz-se necessário explicitar de que conhecimentos estamosfalando, que jovens e adultos tomamos como referência, em queperspectiva o currículo se fundamenta ao distribuir conteúdostraduzidos em disciplinas, ao longo de determinado tempo escolar,sobretudo considerando que estes jovens e adultos, excluídos atéentão do processo regular de ensino, poderão elevar sua escolaridadepara o ensino médio e ainda obter formação profissional para exercerdeterminada atividade laboral. Recapitulemos com Moreira e Silvaque

O currículo não é um elemento inocente e neutro de transmissãodesinteressada do conhecimento social. O currículo está implicado emrelações de poder, o currículo transmite visões sociais particulares einteressadas, o currículo produz identidades individuais e sociaisparticulares (MOREIRA E SILVA, 1994, p. 7-8).

A nosso ver, a importância do PROEJA reside justamente napossibilidade de debater e enfrentar, entre outras, essas questões,contrapondo-se inclusive às propostas do governo federal comrelação às Diretrizes Curriculares Nacionais que, ainda em vigor,amparam a elaboração dos projetos curriculares dos diferentesEstados da nossa nação, na direção do pragmatismo, desprovidosdo viés da luta de classe.

Dito de outra forma, reafirmar no espaço da educação públicaestatal o compromisso em elaborar uma proposta curricular integradaque agregue conteúdos necessários para instrumentalizar os jovense adultos a exercerem o poder político, participando ativamente na

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sociedade. Para tanto, precisamos “... entender a favor de quem ocurrículo trabalha e como fazê-lo trabalhar a favor dos grupos eclasses oprimidos” (MOREIRA E SILVA, 1994, p.16).

Nestes termos, compreendemos o currículo integrado emduas dimensões: uma ideológica, envolvendo as questões deconteúdo, método e metodologia, e outra política, comprometidacom os interesses da classe historicamente oprimida por aquelesque sempre detiveram os meios de produção e reprodução da vidamaterial.

A dimensão política traduz os embates e conflitos em tornodo conhecimento que represente os interesses hegemônicos daclasse trabalhadora. Lembremos que a política é o “(...) processomediante o qual se põe em xeque a repartição da riqueza apenasentre os que são proprietários” (FRANCISCO DE OLIVEIRA, 1999,p. 65). Portanto, a dimensão política visa alterar as relações de poderque vigoram em prol das classes dominantes com o intuito dereorganizar os conhecimentos que comporão os conteúdos escolarespor meio das disciplinas, organizados numa estrutura curricular.

A organização curricular, nesta perspectiva exige a participaçãodos envolvidos no processo educacional, para que juntos possamelaborar um projeto de curso no qual haja efetivamente a articulaçãoentre

... experiências, trabalho, valores, ensino, prática, teoria, comunidade,concepções e saberes observando as características históricas,econômicas e socioculturais do meio em que o processo se desenvolve(BRASIL, 2006, p. 36).

A dimensão ideológica, intrinsecamente articulada à definiçãode Sacristán e Gómez (1998, p.125), ao definir currículo como umpercurso a ser realizado, expressa uma forma de currículo que orientao processo de ensino-aprendizagem. Para tanto, deve estabeleceros conteúdos a serem transmitidos para que se formem os sujeitosnuma determinada época. Assim como toda a educação, o currículotambém é espaço/elemento de disputa no interior da escola: porum lado, busca manter a hegemonia, podendo, no entanto, contribuirpara seu questionamento.

O modo como se organiza um currículo, portanto, influenciaas práticas escolares. Por constituir-se como espaço de luta, éfundamental que os educadores compreendam quais ações eintenções estão implícitas, para que possam agir de forma conscienteno processo de ensino-aprendizagem.

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Como já anunciamos, o Decreto nº 5.840/06 indica comoreferência curricular a observância às diretrizes curriculares nacionais.Isto significa que essas orientações estão inseridas num modelo deeducação que apartava a educação profissional do ensino médio.

A orientação prevista pelo Decreto nº 5.840/06 para os cursosde educação profissional técnica de nível médio sinaliza, portanto,para as DCNs para a educação profissional de nível médio, para oensino fundamental, para o ensino médio e para a educação de jovense adultos (Artigo 4º, Inciso III). Todas num contexto que reforçava aseparação entre ensino médio e educação profissional.

A substituição do Decreto nº 2.208/97 pelo Decreto nº 5.154/04 não provocou mudanças significativas nas Diretrizes CurricularesNacionais. A Resolução nº 1, de 03 de fevereiro de 2005, queatualizou as DCN para o EM e EP, e a Resolução nº 04, de 27 deoutubro de 2005, que incluiu novo dispositivo à Resolução nº 1/2005, não alteraram o conteúdo proposto pelas diretrizes referidas.

Na prática, o que parece permanecer é um forte indicativo deque as escolas não mudem a forma de ofertar os seus cursos, optandopreferencialmente pelos cursos concomitantes ou subseqüentes.Imaginem os integrados ao EJA? Compreendidas dessa forma, asDCNs que regulamentam o PROEJA, ao menos em nível nacional,constituem-se como uma verdadeira “colcha de retalhos”, quepropõem a integração curricular a partir de uma legislação quefragmenta educação profissional e formação geral. Sublinhemos queo princípio educativo que fundamenta o currículo integrado é otrabalho. Isto significa compreender as questões econômicas, sociais,históricas, políticas e culturais da Ciência e Tecnologia, portanto,não é possível fragmentar de um lado a educação profissional e deoutro a formação geral, elas são indissociáveis.

Outro aspecto a ser problematizado diz respeito àpossibilidade de conclusão de curso a qualquer tempo. Como pensarna integração de um currículo que prevê “saída” durante o curso? Oque podemos considerar como fator que está sendo disputado numcurrículo organizado dessa forma? Parece-nos um simplesatendimento à demanda por elevação da escolaridade e atendimentoao mercado de trabalho, sem a efetiva preocupação com a realformação e qualificação dos alunos-trabalhadores que freqüentarãoo programa.

A nosso ver, para não ficarmos reféns dos posicionamentospolíticos por parte das Secretarias de Ensino, faz-se necessário, porparte do Ministério da Educação, implementar uma política pública

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relativa ao currículo condizente com os interesses da classetrabalhadora, para o que torna-se fundamental a organização e lutapolítica dessa classe.

Outro aspecto apontado nas DCNs para o Ensino Médio(Resolução 03/98) refere-se à noção de competências, que remete aum modelo próprio de indivíduo a ser formado. Ramos (2002) chamaa atenção para o fato de que ao se mudar o termo qualificação paracompetência, perde-se a noção de coletividade, tanto em seu carátersocial quanto no processo de ensino-aprendizagem, instituindo-se anoção de individualidade. Cêa (2007), ao discutir quais saberes estãoem disputa no interior da escola, argumenta que nesse momentohistórico temos um ethos competitivo, com a naturalização daexclusão, o que confirma os apontamentos de Ramos. Além disso,temos a formação de um modus cambiante, com a instabilidadecomo norma de vida; e um sapere valorativo, com o pragmatismodo conhecimento. Estes dois últimos aspectos tornam-se bastanteelucidativos ao analisarmos o Documento Base “Programa deIntegração da Educação Profissional ao Ensino Médio na modalidadede Educação de Jovens e Adultos”, que afirma que não há trabalhopara todos (instabilidade) e que prevê a certificação deconhecimentos adquiridos fora da escola (pragmatismo).

Novamente podemos apontar para os saberes em disputa nointerior do currículo. Formar indivíduos que não irão participar domercado formal de trabalho, dando a eles noções de“empregabilidade”, para que possam constituir-se comoempreendedores, é corroborar para que aceitem as condiçõeshistóricas atuais e acolham a exclusão como um dado natural.

No artigo 4º das DCNEM fica clara a orientação dos quatropilares para a educação contida no relatório de Jaques Delors, quaissejam, aprender a conhecer; aprender a ser; aprender a fazer eaprender a conviver; também é explicitada a sociedade para a qualse pretende formar, ao propor o “desenvolvimento da flexibilidadepara novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores”(Inciso IV). Configura-se realmente aquilo que apontamos acima:vivemos numa sociedade em que não há postos de trabalhogarantidos a todos e, portanto, devemos formar para as múltiplaspossibilidades que o indivíduo terá de criar para poder sobreviver.

Há uma indicação de constituir currículos por áreas, bemcomo a adoção de resolução de problemas ou de projetos comoforma metodológica para a interdisciplinaridade ocorrer (Res. 03/98, Art. 8º, inciso II). Constituir currículos por áreas é integrar?

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Resolver problemas e trabalhar com projetos garante ainterdisciplinaridade? São duas questões que merecemaprofundamento quando o assunto é integração curricular. Aprincípio, a constituição de currículos por área parece ser a melhorforma de integração. No entanto, parece-nos que, ao conseguirestabelecer o trabalho conjunto de várias disciplinas, através de umaárea de conhecimento, não seria necessário trabalhar com projetose resolução de problemas. Metodologicamente, essas são formasorientadas por correntes pedagógicas/psicológicas que postulam aconstrução do saber pelo indivíduo, rompendo com o trabalhosistemático dos conteúdos por parte do professor, indicando oecletismo presente na legislação.

O artigo 9º das DCNEM define que os conteúdos devam sertrabalhados a partir da relação teoria-prática, entendida como formapossível de aplicação na realidade do aluno. Se a relação teoria-práticanão for explicitada no interior dos currículos, para além da aplicaçãoda teoria à prática cotidiana, podemos reduzir o conhecimento auma perspectiva utilitária, pragmática, gerando problemas como onão ensinar-aprender o que não se irá utilizar. Se remetermos aafirmação para a EJA, considerando que os alunos já dominam osconhecimentos que necessitam para estar em sociedade e nomercado de trabalho, o que a escola deverá ensinar, então? Nessaperspectiva, parece fácil avaliar e reconhecer saberes prévios.Devemos compreender que aliar teoria à prática numa perspectivade emancipação é tornar a teoria um guia da ação e não simplesmenteaplicar o que se aprende no processo de trabalho.

Enfim, as possibilidades de formas de oferta e de organizaçãocurricular propostas no PROEJA parecem estar num contexto deembate político no interior do próprio MEC/SETEC, uma vez quetanto possibilita à iniciativa privada maneiras de inserir-se nessa formade educação, garantindo os interesses do mercado, quanto ofereceespaço para uma implantação/implementação de políticasgovernamentais comprometidas com a efetiva formação escolar/profissional dos sujeitos que ingressarão nos cursos do PROEJA.

PARA CONCLUIR

Neste artigo, procuramos esboçar criticamente algunselementos que podem interferir no processo de implementação do

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currículo integrado para o Ensino Médio Profissional na Modalidadeda Educação de Jovens e Adultos. Destacamos a importância docurrículo como possibilidade de luta pela hegemonia da classetrabalhadora diante do famigerado discurso neoliberal que,reiteradamente, procura sua consolidação/legitimação no campoeducacional. Isto exige, no aspecto legal, uma política educacionalcomprometida com os trabalhadores, que deve ser construída a partirda mobilização e luta política dos mesmos, para que, minimamente,possa ser estabelecida enquanto lei e perseguida enquanto prática.

Observamos que vivenciamos um momento peculiar nahistória da educação brasileira, marcado pela imposição visceral deuma política educacional neoliberal, explicitada por Neves (2005)como uma nova pedagogia da hegemonia do capital. Isso nos obriga,enquanto profissionais da educação, reafirmar os nossos princípios,razão pela qual lutamos pela escola pública estatal.

Tomar como reflexão a legislação que direta ou indiretamentese relaciona com o PROEJA, permitiu mostrar as contradições eincoerências a serem enfrentadas para que possamos construir eimplementar um currículo que efetivamente expresse osconhecimentos necessários à classe trabalhadora para suaemancipação. Nestes termos, o PROEJA, embora não se proponha aproblematizar as causas que produziram a necessidade deimplementar a EJA – pelo contrário – carrega um cunho moral etécnico superior aos problemas/entraves educacionais (lembremosque o documento Base denomina o PROEJA como uma políticaperene), pode, no espaço da contradição, dar conta de uma demandadiscriminada, humilhada, marginalizada do processo educacional.

Para tanto, as instituições públicas dos sistemas de ensinoestaduais e municipais bem como as instituições federais de educaçãoprofissional (Universidade Tecnológica Federal do Paraná, os CentrosFederais de Educação Tecnológica, as Escolas Técnicas Federais, asEscolas Agrotécnicas Federais, as Escolas Técnicas Vinculadas àsUniversidades Federais e o Colégio Pedro II) devem assumir o PROEJAcom o comprometimento político com as camadas populares, porum lado e, por outro, com a busca de implementar políticas quesolucionem os problemas de aprendizagem nas classes regulares.Obviamente, é uma tarefa coletiva, para além do PROEJA. Este é odesafio.

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ELEMENTOS SOCIAIS DO MUNDO DO

TRABALHO NA FICÇÃO CINEMATOGRÁFICA:

PROVOCAÇÕES DE “O CORTE”

Georgia Sobreira dos Santos CêaRosane Toebe Zen

INTRODUÇÃO

O filme O corte (Le Couperet), França, 2005, de Costa-Gavras [...] émais um filme-bomba com as características semelhantes às de umaexplosão que apenas detona o assunto e tem um final aberto a qualquerinterpretação. Desfecha inesperadamente uma vigilante mirada. Valeo olhar (GUIMARÃES, 2006)1 .

Concordando com a crítica de cinema e aceitando o desafiode expor uma interpretação acadêmica das provocações do filme,este trabalho tem por objetivo tecer algumas considerações a respeitodas mudanças estruturais no mundo do trabalho a partir de temas esituações presentes no filme “O Corte”2 . Após uma breveapresentação da trama que se desenvolve no filme, ainda nestaintrodução, este artigo destaca o contexto econômico e político dodesemprego, suas implicações para a conduta humana diante daausência de oportunidades de ocupação produtiva e reflete, ao final,sobre as alternativas para o enfrentamento da crise atual.

1 Dinara G. M. Guimarães participou como convidada do site <www.críticos.com.br>, tecendo conside-rações sobre o filme O Corte. Seu texto, intitulado “Costa-Gravas no divã”, de junho de 2006, estádisponível em <http://criticos.com.br/new/artigos/critica_interna.asp?secoes =4&artigo=1034>.

2 Baseado em um romance de Donald Westlake (The Ax), o filme tem como título original “Le Couperet”.O roteiro, elaborado por Constantin Costa-Gravas, que também dirige o filme, contou com a colabora-ção de Jean-Claude Grumberg. José Garcia, Karin Ward e Geordy Monfils integram o elenco. A produ-ção envolveu profissionais da França/Bélgica/Espanha e foi elaborado em 2005. No Brasil ele foi lançadoem 2006. 122 min.

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O filme que serviu de provocação para a elaboração deste artigo temroteiro e direção de Costa-Gravas3. Através de “O Corte”, o cineastaretrata com doses de humor as conseqüências que o trabalhador vemsofrendo com a intensa reestruturação produtiva, sobretudo odesemprego por ela causado.

“O Corte” apresenta a angustiante rotina de Bruno Davert, umengenheiro, alto executivo da indústria de papel, que é demitido daempresa em que trabalhou durante quinze anos, depois de um processode fusão empresarial e de reestruturação produtiva que incluiu cortesde funcionários e alocação de filial da indústria em outro país onde amão-de-obra é mais barata, e a matéria-prima abundante. Durante osprimeiros meses de desemprego, Bruno Davert vive como se estivessegozando merecidas férias. A indenização rescisória permitiu manter afamília durante algum tempo com o padrão de vida a que estavamacostumados. Diferentemente do que imaginara, conseguir outroemprego torna-se tarefa muito difícil. A elevada qualificação para otrabalho e os anos de experiência, que dão a seu currículo um nível deexcelência de difícil comparação, não lhe ajudam a ingressar numanova ocupação, ao contrário: suas credenciais são freqüentementeconsideradas elevadas demais para as vagas disponíveis e ele própriose angustia ante a possibilidade de ocupações distantes de suascapacidades.

Depois de dois anos desempregado, Bruno entra em desespero.A família de Davert sofre as dificuldades do forçoso rebaixamento dopadrão de vida. Somente sua esposa, Marlène, trabalha em doissubempregos (bilheteira de cinema e auxiliar de um consultório) quemal lhe possibilitam arcar com as despesas elementares da casa. BrunoDavert também sofre a depreciação de sua imagem pessoal, pois jánão se sente mais digno do convívio social e tem dificuldades emmanter a chefia da família, ter segurança na relação amorosa com aesposa e orientar o casal de filhos. No auge do desespero, elabora umplano para conseguir o emprego que, acredita, lhe devolverá adignidade. Entretanto, seu plano prevê a eliminação física do engenheiroresponsável pela produção de papel da Arcádia, maior indústria doramo de produção de papel. Mas somente isto não bastava: precisavatambém eliminar todos aqueles em condições de disputar este cargo.O filme se desenvolve a partir dessa trama armada pelo protagonista.

3 Konstantinos Costa-Gavras nasceu em Loutra-Iraias, Grécia, em 1933. Naturalizado francês, ocineasta faz uso da crítica e da denúncia política e social como elementos fortes de seus filmes.Os interessados em sua filmografia podem encontrá-la em <http://www.adorocinema.com/personalidades/diretores/costa-gavras/corpo.asp>.

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Apesar do aparente suspense que o filme possa representar, oclima predominante da trama é a comédia. As situações em que BrunoDavert se vê envolvido para atingir seu objetivo final são hilárias, emexem com o ideário do expectador. Afinal, do que seríamos capazespara conseguirmos um emprego? Que diferença há em matar agorapor um emprego, ou matar na guerra? Se a sociedade vive em guerra(ainda que não declarada), então matar para sobreviver é ou não umproblema moral? Que sentido o trabalho assume na vida dos sujeitose que tipo de sentimentos e de atitudes sua falta pode desencadear?Essas e muitas outras são questões despertadas pelo filme, e provocama reflexão no expectador.

CONTEXTO ECONÔMICO E POLÍTICO DO DESEMPREGOCONTEXTO ECONÔMICO E POLÍTICO DO DESEMPREGOCONTEXTO ECONÔMICO E POLÍTICO DO DESEMPREGOCONTEXTO ECONÔMICO E POLÍTICO DO DESEMPREGOCONTEXTO ECONÔMICO E POLÍTICO DO DESEMPREGOE SUE SUE SUE SUE SUAS INTERFAS INTERFAS INTERFAS INTERFAS INTERFACES COM A SUBJETIVIDACES COM A SUBJETIVIDACES COM A SUBJETIVIDACES COM A SUBJETIVIDACES COM A SUBJETIVIDADE:ADE:ADE:ADE:ADE:PROVOCAÇÕES E DENÚNCIAS DE “O CORTE”PROVOCAÇÕES E DENÚNCIAS DE “O CORTE”PROVOCAÇÕES E DENÚNCIAS DE “O CORTE”PROVOCAÇÕES E DENÚNCIAS DE “O CORTE”PROVOCAÇÕES E DENÚNCIAS DE “O CORTE”

A situação de desemprego que o personagem principal do filmevivencia integra o cotidiano de milhões de pessoas. Segundo estudoda Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2008, p. 9), em 2007foram identificados 189,9 milhões de desempregados no mundo. Estasituação se agrava mais ainda visto que, no mesmo ano, “cinco decada diez personas con empleo4 eran trabajadores familiares noremunerados5” (OIT, 2008, p. 12), o que demonstra o significativocrescimento de formas precárias e não formais de emprego.

O desemprego, mote central de “O Corte”, é o feito socialmais evidente do processo de reconfiguração do capitalismo, iniciadonas últimas três décadas.

Esse processo, decorrente das crises de produtividadeexperimentadas pelo capitalismo6 a partir dos anos 1970, impôsalterações no regime de acumulação fordista e na regulação econômico-

4 Segundo a OIT (2008, p. 9), “A expressão ‘pessoas com trabalho’ compreende todas as pessoasempregadas conforme a definição da OIT, incluídas as pessoas que trabalham por contaprópria, as que têm um emprego, os empregadores e os familiares não remunerados. Porconseguinte, não se faz uma distinção entre o sector da economia subterrânea e o da economiaoficial” (tradução livre).

5 “[...] cinco em cada dez pessoas com emprego eram trabalhadores familiares não remunera-dos.” (tradução livre).

6 “Embora haja diferentes interpretações da crise do capitalismo contemporâneo (ARRIGHI,1996, 1997; CHESNAIS, 1996, 1998; HARVEY, 1999; MÉSZÁROS, 2002, 2003), é traço

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política do Estado keynesiano. O cenário do mundo do trabalho passaa incorporar mudanças que tornam mais flexíveis os processos detrabalho, os mercados de trabalho, os produtos e padrões de consumo(HARVEY, 1992, p. 140); em suma, incorpora a flexibilização dasrelações de trabalho, que teve como principal conseqüência social asignificativa redução quantitativa do trabalho formal na produção.

Antunes (1995) afirma que ocorreu uma processualidadecontraditória, que de um lado reduziu o operariado industrial e fabril,mas que de outro aumentou o subproletariado, o trabalho precário e oassalariamento no setor de serviços. Segundo o autor, configura-seuma nova morfologia do trabalho, assim descrita:

[...] além dos assalariados urbanos e rurais que compreendem o operariadoindustrial, rural e de serviços, a sociedade capitalista moderna vemampliando enormemente o contingente de homens e mulheresterceirizados, subcontratados, part-time, que exercem trabalhostemporários, entre tantas outras formas assemelhadas de informalizaçãodo trabalho, que proliferam em todas as partes do mundo. [...] Estacomplexidade do mundo do trabalho nos instiga a refletir sobre ascondições deste ‘novo proletariado’ [...]” (ANTUNES, 2005, p. 17).

A demanda efetiva de força de trabalho, por meio de vínculosformais, que outrora fora um dos principais sinais de êxito da erafordista (HARVEY, 1999, p. 125), perde espaço para uma lógica fundada

comum a identificação, no processo de reprodução ampliada do capital, da predominância dasua forma financeira sobre a sua forma produtiva, tornada possível, fundamentalmente, pelaabundância de capital proveniente da prosperidade do regime de acumulação fordista, assen-tado na relação (keynesiana) entre aumento da produtividade do trabalho e ampliação dascondições de reprodução do capital e do trabalho. Nesse contexto, a regulação exercida pelochamado Estado de bem-estar social ou Estado keynesiano (ou outra variante de Estadointervencionista no período, como o militar no Brasil), que visava controlar as relações entreganhos do capital e do trabalho, se torna inviável. Isso porque se ampliam as possibilidades dosganhos do capital se efetivarem majoritariamente fora dos limites tributários e geográficosimpostos pelos acordos de produtividade e, portanto, ao largo da necessidade de incorporaçãomaciça de trabalhadores na produção (pleno emprego) e longe da intervenção direta do Estadonas relações que passam a se estabelecer entre capital e trabalho, com ampliada vantagempara o primeiro, o que vai exigir a reorganização da esfera produtiva em novas bases [...]. Aregulação a ser exercida pelo Estado capitalista, visando sustentar e garantir socialmente oregime de acumulação que se torna predominante, vai ser justificada por teses e mediada porpolíticas neoliberais, visando legitimar a predominância do individualismo do mercado sobre asocialização da produção. Os custos sociais da predominância do capital financeiro sobre ocapital produtivo (desemprego, acentuação das fissuras sociais, ampliação da pauperização e damiséria, etc.) e a ampliação da concentração do capital sem demonstração efetiva do aumentoesperado da sua capacidade de acumulação são as principais evidências não só da permanênciada crise, mas de seu agravamento” (CÊA, 2003, p. 39).

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no enxugamento do quadro de trabalhadores das empresas. Odesemprego, a partir de então, assume um caráter de positividade,uma demonstração de que as empresas estão envidando esforços parao aumento da produtividade.

No filme, a empresa Arcádia, após o processo de fusão – queenvolveu a empresa em que Davert trabalhava – e de enxugamento deseus quadros profissionais, implementa uma maciça campanhapublicitária, informando sobre o processo de reestruturação que lhepermitiu adquirir a liderança no ramo de papel reciclado.

O perfil profissional fordista – em que a mão-de-obra era peçacentral da produção, no qual cabia ao trabalhador a realização deatividades produtivas bem definidas, atendendo às necessidades daprodução em massa na empresa verticalizada – passa a sofrersignificativas alterações e configura-se uma nova forma de exploraçãodo trabalho, pautada na flexibilidade.

A flexibilização contou, dentre outras, com três importantesferramentas de operacionalização das transformações no mundo dotrabalho: a reestruturação produtiva, o neoliberalismo e o processo definanceirização da economia. A reestruturação produtiva afetou de formadireta os meios de produção – empresas, maquinário, tecnologia,matérias-primas, organização do trabalho coletivo, etc. –, as formasde contrato e as exigências de competências profissionais para o usomais eficiente da força de trabalho; o neoliberalismo, por sua vez,consiste na reforma do Estado, para que este, enquanto estrutura decomando político do capital7, corresponda às novas demandas doregime de acumulação; a financeirização8 ocorreu pela diminuição da

7 Mészáros (2002, 2003) compreende o Estado moderno como a estrutura de comando oucontrole político do capital. Conforme explica, “é a completa ‘ausência’ ou ‘falta’ de coesãobásica dos microcosmos socioeconômicos constitutivos do capital [produção e controle, produçãoe consumo, produção e circulação] – devida, acima de tudo, à separação entre o valor de usoe a necessidade humana espontaneamente manifesta – que faz existir a dimensão política docontrole sociometabólico do capital na forma de Estado moderno” (id., 2002, p. 123). É a“subordinação necessária do ‘valor de uso’ – ou seja, a produção para as necessidades humanas– às exigências de auto-expansão e acumulação do capital” (id., ibid., p. 100) que proporcionaao capitalismo a sua capacidade de expansão, ao mesmo tempo em que passa a necessitar doEstado como sua estrutura de comando político que deve diminuir, na medida do necessário, osdesequilíbrios e as distorções das dimensões constitutivas do sistema do capital.

8 Termo utilizado por diversos autores (CHESNAIS, 1996, 1998; SALAMA, 1999) para designaro sentido e a forma predominantes de expansão do capital, a partir dos anos 1970. SegundoChesnais (1996, 1998), as empresas (corporações) não atuam somente como unidades produ-tivas, mas também como ativos financeiros que se desdobram em autofinanciamento e aplica-ção financeira, num processo que acaba por criar um novo paradigma de organização e umanova estratégia tecno-financeira.

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participação do setor produtivo da mais-valia socialmente produzida,que passou a ser concentrada, em sua maior parte, no setor financeiro.

A financeirização da economia e a reestruturação produtiva sãoexpressões de um processo amplo e complexo. Seus impactos atingemtodos os setores produtivos, das esferas urbana e rural. Enquanto asindústrias concentram suas produções em atividades centrais,terceirizando serviços e atividades secundárias a empresas menoresou a trabalhadores organizados em subcontratos, a agricultura foiatingida pela inviabilização da produção em pequena escala, ao mesmotempo em que a propriedade da terra sofreu novo processo deconcentração fundiária.

Esse conjunto de transformações foi identificado por Harvey(1992) como expressão do esgotamento do fordismo, abrindo espaçopara a consolidação de um novo regime de acumulação. Para o autor,está a ocorrer uma transição no regime de acumulação e no modo deregulamentação social e política a ele associado, “[...] um processo detransição rápido, mas ainda não bem entendido” (HARVEY, 1999, p.134)9 .

O autor denomina as constantes transformações nas relaçõescapitalistas como um processo de “acumulação flexível”, que designa:

[…] flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho,dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento desetores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimentode serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamenteintensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional(HARVEY, 1992, p. 140).

9 Com base em Harvey (1999), pode-se sintetizar o regime de acumulação flexível da seguintemaneira: “No âmbito da organização do trabalho, observa-se a flexibilização dos processos dereprodução do capital – nos quais as empresas passam a também atuar como ativos financeiros–, a flexibilização dos processos de trabalho – nos quais a aplicação intensiva da tecnologiapermite a variabilidade na produção de mercadorias e na prestação de serviços, rompendo como caráter rígido da base técnica fordista –, além de uma mobilidade intensa nos mercados detrabalho e de consumo. À diminuição exponencial dos custos da produção, por conta doaumento da produtividade advinda das inovações tecnológicas, corresponde um aumento, emmesma medida, da exploração absoluta e relativa da força de trabalho, agravado pelo rompi-mento com o pacto social fordista de pleno emprego. Daí o sentido de uma base produtivaflexível, que é uma outra dimensão do processo de transferência do capital produtivo para oâmbito da reprodução fictícia do capital financeiro, o que promove a volatilidade deste emrelação aos diferentes mercados de capitais mundiais, em busca de maiores rendimentos” (CÊA,1999, p. 40).

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Como instrumento regulador dessa nova configuração, o Estadocapitalista tem as suas funções alteradas. Nos países do capitalismocentral, as políticas de caráter neoliberal tiveram como alvo prioritárioo estado de bem estar social e suas estruturas adjacentes. ConformeVasapollo (2005), na Europa, durante a vigência do Estado keynesiano,a população foi massivamente atendida, ao menos no que se refere àsnecessidades básicas: saúde, educação, trabalho, assistência social.Nos países periféricos, que jamais tiveram a consolidação desta facedo Estado, os principais alvos foram as instituições e os mecanismosrelacionados aos poucos direitos sociais conquistados pelo trabalhoao longo da história republicana (BOITO Jr., 1998). O trabalhoassalariado, condição para a sobrevivência da classe trabalhadora nomodo de produção capitalista, é um desses principais alvos.

O resultado mais brutal destas transformações foi a expansão,sem precedentes na era moderna, do desemprego estrutural, que atingeo mundo em escala global, sendo a conseqüência social mais impactantedas mudanças econômicas e políticas em curso. Como estratégiaideológica mais evidente, o pensamento (neo)liberal burguês produziuo preceito de que a posição dos indivíduos no mercado de trabalho éimediatamente definida pelos méritos individuais, para os quais seriamdeterminantes a qualidade de seus atributos, a gama de seusconhecimentos e a eficácia real de suas capacidades pessoais(MACHADO, 1998).

No filme de Costa-Gravas, tal ideário é posto a nu. Se em outrasfases do modo capitalista de produção as mudanças no modo deproduzir resultaram mais danosas aos trabalhadores com níveis dequalificação inferiores, o atual modelo consegue dar-se ao luxo detambém dispensar trabalhadores altamente qualificados, como é o casodo protagonista do filme.

A despeito da complexidade e das contradições deste processo,a cada membro da sociedade se impõe o desafio de se inserir nasrelações sociais e realizar suas necessidades pessoais. Para tanto, sãonecessários, aos trabalhadores, o ingresso, o exercício de atividades ea vivência de experiências no âmbito do mercado de trabalho. A avaliaçãode sua competência passa, portanto, primordialmente, pela capacidadede internalização, aquiescência, submissão e resposta ao conjunto depreceitos, normas e regulações que caracterizam histórica econcretamente o jogo do mercado de trabalho e da relação salarial.

Nesse contexto, verifica-se que as estruturas formais (Estado,empresas), tanto nos países centrais como nos periféricos, têm tomado

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iniciativas no sentido de estimular as atitudes individuais deenfrentamento do desemprego, sempre no horizonte e nos limites daspossibilidades apresentadas pelo atual momento de configuração doprocesso de reprodução ampliada do capital (subemprego,terceirização, informalidade, etc.).

Segundo Antunes (2004), a partir dos anos 1970, quandoocorrem os primeiros impulsos do processo de reestruturaçãoprodutiva, as empresas passam a adotar novos padrões organizacionaise tecnológicos. Na gestão do trabalho, métodos denominadosparticipativos são incorporados à produção, atuando como mecanismosque procuram o envolvimento dos trabalhadores nos planos dasempresas.

A questão da participação dos trabalhadores no processo detrabalho – seja ela em maior escala (como nos países do capitalismoavançado e nas empresas mais fielmente organizadas segundo oparadigma toyotista), seja ela em menor escala (como no caso depaíses como o Brasil e das empresas de menor porte, onde aindapredomina o referencial fordista de organização da produção) –evidencia o fato de que as relações de trabalho passam a necessitar,mais que em momentos históricos anteriores, da adesão dostrabalhadores às perspectivas e objetivos empresariais, conformeatestam algumas análises.

Segundo Antunes (1995, p. 35), é por meio do “envolvimentocooptado” do trabalhador que o capital apropria-se do “saber e dofazer do trabalho”.

Para Alves (2000), a reestruturação produtiva em curso aprimoraa articulação entre coerção capitalista e consentimento operário, deforma que a captura da subjetividade operária pela lógica do capitalacaba por tornar-se uma necessidade técnica do processo produtivo.

Gounet (2002, p. 46-47), numa interpretação semelhante,destaca que a aceitação, a colaboração e a adesão à filosofia da empresapor parte dos trabalhadores tornam-se elementos essenciais para aefetivação de um novo modelo produtivo, de padrão flexível, integradoe competitivo: “Se os trabalhadores rejeitam o sistema, ele não podefuncionar” (id., p. 55).

Na ótica empresarial, essa ênfase na subjetividade operáriarepresentaria uma ampliação da autonomia do trabalhador frente aosprocessos de trabalho e uma redução da fragmentação entre pensar efazer, com significativo aumento da parcela de trabalho intelectualenvolvido na produção. Interpretações teóricas que se vinculam a essa

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ótica, mesmo que de forma não assumida, postulam que areestruturação produtiva dos últimos vinte anos transformou,irreversivelmente, o “trabalho operário em trabalho de controle, degestão da informação, de capacidades de decisão que pedem oinvestimento da subjetividade” (LAZZARATO e NEGRI, 2001, p. 25).

Antunes (1995, p. 34) salienta o caráter aparente da supostaeliminação da ruptura entre elaboração e execução que as alteraçõesnas formas de organização do trabalho estariam promovendo. Segundoele, essa interpretação prende-se a uma aparência, uma vez que

[...] a concepção efetiva dos produtos, a decisão do que e do como produzirnão pertence aos trabalhadores. O resultado do processo de trabalhocorporificado no produto permanece alheio e estranho ao produtor,preservando, sob todos os aspectos, o fetichismo da mercadoria (id. ibid;grifos do autor).

O que ocorre, de fato, é uma mudança qualitativa na forma deser da exploração do capital sobre o trabalho, seja agregando valor,via utilização da tecnologia de ponta nos processos produtivos, sejaprecarizando ainda mais as condições objetivas de trabalho, ou, ainda,estabelecendo como critério de permanência e de inserção nos locaisde trabalho a completa adesão e concordância dos trabalhadores aosideais e objetivos das empresas; de toda forma, aprimora-se e refina-se a especificidade do modo de produção capitalista como uma relaçãode exploração do capital sobre o trabalho. Exploração essa que toma aaparência de uma completa identificação entre os interesses do capitale os interesses do trabalho, como se fosse possível que as necessidades,capacidades, expectativas, sonhos e desejos humanos se tornemimanentes às demandas de produção e reprodução do capital.

O personagem Bruno Davert é o emblema do sujeito queincorpora, da forma mais radical, a exacerbação da lógica destrutivado capitalismo, nos tempos atuais. Ao internalizar a necessidade deconseguir sua inserção produtiva no mercado de trabalho, por suaprópria conta e risco, o personagem conclui que deve utilizar-se damesma estratégia das empresas: é preciso dominar e fazer desapareceros concorrentes.

O filme, ao retratar a subjetividade de Davert, dominada edirigida pelo desespero do desemprego, e ao apresentar umapossibilidade trágica de enfrentamento individual desse dilema social,estimula a reelaboração das reflexões apresentadas ao final daintrodução deste artigo: a lógica destrutiva do capitalismo, típica dosgrandes detentores do capital, pode tender a ser assumida pelos

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homens, na sua individualidade? Essa lógica pode chegar ao extremoda eliminação física dos concorrentes, envolvendo inclusive os própriostrabalhadores? Existem saídas individuais para a crise do capitalismo?A continuidade do tratamento de outros temas provocativos do filmepode proporcionar o enfrentamento dessas questões.

Num dos episódios de “O Corte”, quando Bruno e MarlèneDavert estão em sessão de terapia para casais, todos os problemasconjugais (adultério da esposa, apatia social e descontrole emocionalde Bruno) giram em torno do desemprego de Davert. O psicólogo,procurando convencer Bruno de sua parcela de responsabilidade sobrea situação, diz-lhe: “Você não é o seu trabalho!”, ao que Bruno, imediatae convictamente responde: “O trabalho é a minha vida!”. Davert,convencido de que seus problemas somente serão sanados seconseguir outro emprego, empenha-se de forma insana em prol deseu objetivo.

Em tempos em que se pretende discutir o papel do homem nasociedade, procurando retirar do trabalho a centralidade das relaçõessociais, uma das maiores contribuições reflexivas que “O Corte” podeproporcionar é justamente a recolocação deste tema em debate.

Desde o início da crise capitalista instaurada a partir dos anosde 1970, passando pela dissolução da experiência histórica dosocialismo no leste europeu, a centralidade ou não do trabalho nasrelações sociais passa a ser um tema de disputa entre pensadorespós-modernos e marxistas-marxianos. Os pós-modernos apresentamcomo principal argumento questionador da centralidade do trabalho aprópria inovação tecnológica, o que daria ao homem a possibilidadedo não-trabalho, uma vez que a ampliação da capacidade decomunicação e de interação permitiria que se extrapolasse e sesubvertesse a ordem “tradicional” de ocupação por meio de empregos.Para os marxistas-marxianos, a possibilidade do não-trabalho não existepara o trabalhador, pois sua condição de existência no capitalismo,enquanto classe, está condicionada à exploração pela outra classe, adetentora do capital.

[...] as teses que defendem o fim da centralidade do trabalho como traçoconstitutivo da chamada “crise da sociedade do trabalho”, sua substituiçãopela esfera comunicacional ou da inter-subjetividade encontram seucontraponto quando se parte de uma concepção abrangente e ampliadade trabalho, que contempla tanto sua dimensão coletiva quantosubjetiva, tanto na esfera do trabalho produtivo quanto improdutivo,tanto material quanto imaterial, bem como nas formas assumidas pela

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divisão sexual do trabalho, pela nova configuração da classe trabalhadora,entre os vários elementos aqui apresentados (ANTUNES, 2005, p. 38).

Além desta condição, há ainda uma outra, que aparece commuita clareza no filme, e é parte fundante do pensamento marxiano: ohomem só se faz homem pelo trabalho.

Essa dimensão dúplice e mesmo contraditória presente nomundo do trabalho que cria, mas também subordina, humaniza edegrada, libera e escraviza, emancipa e aliena, manteve o trabalhohumano como questão nodal em nossa vida. E, neste conturbado limiardo século XXI, um desafio crucial é dar sentido ao trabalho tornandotambém a vida fora dele dotada de sentido (ANTUNES, 2005, p. 13;grifo do autor).

No contexto atual, de crise do trabalho abstrato e deindividualização da problemática da precarização das ocupações eescassez de empregos, são inúmeros os casos de trabalhadores quetêm sua condição física e subjetiva abaladas. A perda de sentido davida, dentro e fora do trabalho, é um fenômeno cada vez maisabrangente. Segundo Cêa e Murofuse (2007, p. 3-4),

Um dos principais objetos degradados [na relação homem natureza, pormeio do trabalho] é a própria dimensão biológica do trabalho, expressapela capacidade humana de mobilizar energias físicas e mentais querestam desgastadas para além dos ambientes laborais. Ou seja, oaniquilamento da saúde por força de uma dada forma de organização dotrabalho destrói não apenas o ser trabalhador, mas também o ser humanoque se manifesta em outras esferas, além daquela constituída pelotrabalho alienado.

A gravidade desse quadro, subsumida pelos anúncios do fimdo trabalho10, é competentemente exposta por Costa-Gravas, numalinguagem ficcional que é ao mesmo tempo denúncia e sinal de alarme.Mas a situação apresentada no filme permite uma outra reflexão: apesardas teses que postulam a centralidade de outras dimensões na vidahumana, o uso da força de trabalho não é dispensado como medidade valor, como nos alerta Antunes (2005, p. 17):

10 “Como conseqüência das significativas mutações que ocorreram no mundo da produção e dotrabalho, nas últimas décadas do século XX, tornou-se freqüente falar em ‘desaparição dotrabalho’ (Dominique Meda), em substituição da esfera do trabalho pela ‘esfera comunicacional’(Jürgen Habermas), em ‘perda de centralidade da categoria trabalho’ (Claus Offe), em ‘fim dotrabalho’ (Jeremy Rifkin), ou, ainda, na versão mais qualificada e critica à ordem do capital,Robert Kurz, para citar as formulações mais expressivas” (ANTUNES, 2005, p. 59).

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[...] se o trabalho ainda é central para a criação do valor, o capital, por suaparte, o faz oscilar, ora reiterando seu sentido de perenidade, oraestampando a sua enorme superfluidade, da qual são exemplos osprecarizados, flexibilizados, temporários, além, naturalmente, do enormeexército de desempregados e desempregadas que se esparramam pelomundo.

O drama vivenciado pela família de Davert – por ele e sua esposa,especialmente – expõe claramente tal superfluidade. Precarizados edesempregados, muitas vezes tratados como simples números emestatísticas do mercado de trabalho, são homens e mulheres de carnee osso, lutando por sua sobrevivência, encontrando estratégias diversaspara se manifestarem como mercadoria, ao mesmo tempo em quesuas angústias, desesperos, carências e traumas denunciam os riscoshumanos da exacerbação da alienação do trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Numa das mais contundentes e profundas análises da formade ser do capital nos últimos tempos, Mészáros (2002, p. 41) adverte:

Encher buracos cavando buracos cada vez maiores – o que tem sido amaneira predileta de solucionar os problemas na presente fase dodesenvolvimento – é algo que não pode continuar indefinidamente.Descobrir uma saída do labirinto das contradições do sistema do capitalglobal por meio de uma transição sustentável para uma ordem socialmuito diferente é, portanto, mais imperativo hoje do que jamais o foi,diante da instabilidade cada vez mais ameaçadora.

Na ficção que deu origem às reflexões aqui apresentadas, éoutro personagem, que não Davert, que aponta a necessidade de sevislumbrar uma lógica social capaz de eliminar o capitalismo e adesumanização que lhe é parte integrante.

Enquanto Bruno Davert coloca em ação seu plano parareconquistar o emprego, acaba, mesmo sem querer, estabelecendouma relação próxima com um de seus adversários que, assim comoele, passou um longo tempo desempregado. Diante disso, teve que sesubmeter a ocupações completamente distintas da anterior; de altoexecutivo, passou a subempregado, atuando como balconista de umpequeno e decadente restaurante. Bruno fica perplexo ao perceberque Etienne Barnet, apesar de todas as dificuldades, consegue lidar deforma centrada e tranqüila com a situação, apesar das adversidades.

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Barnet, diferentemente de Davert, percebe que o problema nãoé individual, portanto não o carrega como se fosse um estigma. Etiennecompreende que o desemprego e todas as demais mazelas que atingemos trabalhadores são causadas pela lógica do capitalismo – ele estevedesempregado, hoje desempenha uma atividade precária, distante desua capacidade produtiva e intelectual, mas sobrevive; mas se nãofosse ele a passar por isso, seria qualquer outra pessoa. Para o sistemaé indiferente quem fica desempregado ou não. Para o sujeito que estádesempregado é que isso ganha a conotação de um problema. Etiennenão prevê uma solução isolada ou individualizada para as dificuldadespor que vêm passando os trabalhadores: na sua concepção, eles sóterão solução quando o sistema inverter sua lógica, colocando o homemno centro de tudo.

Quando, finalmente, Bruno Davert consegue dar cabo ao seuplano e atingir seu objetivo, eliminando todos os seus adversários eainda o sujeito que ocupava a vaga pleiteada, o expectador é induzidoa refletir sobre a possibilidade de que a solução idealizada pelopersonagem para resolver o seu problema pessoal pode não ser inédita,e que ele próprio pode ser vítima de semelhante estratagema. Issoporque, se o problema do desemprego, para Davert, foi solucionado,para os demais desempregados ele ainda persiste. Portanto, amensagem final que a obra cinematográfica “O Corte” nos deixa é:quando a solução dos problemas sociais é individualizada, eles tendema persistir. Se solucionados para alguns, são aguçados para outros. Ese todos, absurdamente, tiverem a mesma idéia para resolver oproblema do desemprego11 , então a humanidade tende a se extinguir.

11 No Brasil, em janeiro de 2006, a imprensa noticiou amplamente um crime movido pelomesmo motivo encenado na trama de Costa-Gravas: uma estagiária confessou ter planejado amorte de duas colegas para conseguir uma vaga de emprego em uma indústria de derivados depetróleo, em Cubatão, São Paulo. A jovem confessou que queria recuperar o emprego naempresa e, como não havia mais vagas, decidiu planejar o assassinato. Uma das vítimassobreviveu, mas ficou gravemente ferida. Outra foi morta com cinco tiros na porta de casa, emSantos. Disponível em: http://noticias.terra.com.br/brasil/interna/0,,OI841213-EI5030,00.html.Acessado em 20 fev. 2008.

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GRAMSCI E A EDUCAÇÃO: A RELAÇÃO ESCOLA-PARTIDO

NO CONTEXTO DA CONSTRUÇÃO

DA SOCIEDADE SOCIALISTA

Luiz Carlos de Freitas

INTRODUÇÃO

Gramsci é hoje no Brasil o mais citado intelectual da esquerda,que fundamenta teoricamente os projetos de educação institucional, apartir da ótica da classe trabalhadora. Possivelmente nenhum intelectualda educação voltada para os trabalhadores consegue esboçar qualquerreflexão teórica sobre este tema, sem lançar mão do pensamentogramsciano. Contudo, percebe-se algumas lacunas na interpretaçãoda concepção de educação proposta por Gramsci. Creio que a grandedificuldade destas interpretações está em relacionar a concepção deeducação gramsciana ao projeto de escola proposto por Gramsci ecomo se daria a relação desta com a sociedade no contexto da luta declasses.

Com isto não estamos afirmando que as teorias educacionais,fundamentadas no pensamento gramsciano, não demonstremteoricamente que Gramsci era um defensor ardente do socialismo eque se dedicava a esta causa agindo politicamente através de um partido.A questão que levantamos é que a defesa de um modelo de escola, aosmoldes da Escola Única proposta por Gramsci, que não leve emconsideração a necessidade de uma ação mais organizada fora dosmuros da escola, contrapondo-se ao estado burguês, parece-nos quenão nos possibilita uma compreensão clara da proposta gramscianade escola.

Neste texto pretendemos analisar a forma como Gramsci pensouum modelo de escola voltada para a formação integral do ser humanoe como esta escola se relaciona com a sociedade e com o partidopolítico. Para dar conta minimamente desta questão é preciso que seleve em consideração o momento histórico vivido por Gramsci, seuenvolvimento com o movimento revolucionário internacional e sua

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preocupação com as peculiaridades nacionais da Itália. É neste contextoque Gramsci desenvolve seu projeto de Escola Unitária.

Levando em consideração o critério de totalidade do pensamentode Gramsci, procuramos desenvolver nossa reflexão sobre a escola apartir do entendimento de alguns de seus conceitos centrais. O conceitode partido e o conceito de hegemonia foram considerados em nossotrabalho como essenciais para a compreensão da relação de seu projetode educação com o seu projeto de sociedade. De posse de umacompreensão mínima destes conceitos pudemos avançar com maiorclareza em sua teoria sobre os intelectuais, sobre a educação em seusentido amplo e sobre a educação formal proposta para a EscolaUnitária.

Após este percurso, poderemos então ter uma visão um poucomais transparente do projeto de educação e de escola propostos porGramsci e, talvez, possamos também melhor compreender se a escoladefendida por ele foi pensada como possível em qualquer sociedade,se apenas para a sociedade socialista ou ainda enquanto interlocutoraentre a sociedade capitalista e o horizonte socialista a ser alcançado,desde que acompanhada de uma luta pela transformação radical nasociedade.

A CONCEPÇÃO DE PARTIDO EM GRAMSCI Podemos observar dois momentos da compreensão de Gramsci

sobre o partido político. Um primeiro momento caracterizado pelasua militância no Partido Socialista Italiano, de 1913 a 1919. E umsegundo momento que se inicia a partir da experiência “derrotada”das greves que ocorreram em Turim no ano de 1919 e que culminamcom seu desligamento do PSI e a criação do Partido Comunista Italianoem 1921. Compreender este processo de amadurecimento dopensamento de Gramsci é essencial para a compreensão dodesenvolvimento de sua principal contribuição teórica para a organizaçãoda classe trabalhadora. O conceito de hegemonia desenvolvido porGramsci e o papel do partido e demais instituições proletárias, incluindoa escola, na construção da revolução socialista será gestado a partirdas constatações concretas que Gramsci tirou da sua militância práticadeste período.

No período de 1913 a 1919, Gramsci teve uma militânciacomum dentro do PSI. Até aquele momento não havia perspectiva

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revolucionária, a curto prazo, na Itália. A avaliação feita pela IIInternacional, a qual era filiado o PSI, era de que não estavam dadas ascondições objetivas para ocorrer uma revolução proletária, e queportanto, caberia aos partidos de cunho socialista disputar o parlamentocomo caminho para a tomada do poder.

A revolução socialista na Rússia, iniciada em 1917, coloca emxeque o que era unanimidade em todos os partidos socialistas domundo que estavam ligados à II Internacional. O pensamentomecanicista do marxismo, que direcionava as ações destes partidos,os colocava em uma posição cômoda. Dado que a realidade concretado desenvolvimento capitalista não era ainda suficiente para queestourasse uma revolução, não haveria porque se preocupar com ela.No entanto, contrariando esta avaliação, Lênin e os bolcheviques tomamo poder na Rússia, mesmo este sendo um país de capitalismoextremamente atrasado. Teoricamente Lênin comprovou, através deseu escrito Imperialismo: etapa superior do capitalismo, que o capitalismojá estava suficientemente desenvolvido a nível mundial e que esta seriasua última etapa. Observando-o na sua totalidade, era possível derrotaro capitalismo mesmo em países atrasados, desde que istodesencadeasse uma onda revolucionária nos países desenvolvidos.

No caso dos socialistas da Itália, mantiveram, mesmo depoisda tomada do poder pelos bolcheviques na Rússia, uma posiçãobastante apática.

O socialismo italiano da época de Gramsci era vítima do ‘esperismo’,tanto da sua ala reformista, comandada por Filippo Tuiratti, para quema evolução econômica levaria ao socialismo (...) quanto da ala maximalista(defensora do programa máximo da social democracia), cujo líder, Serratti,dissera: ‘Nós marxistas, interpretamos a história e não a fazemos’, o queo levava a ficar à espera do ‘grande dia’ da revolução (SECCO, 2006,p.24).

Por este motivo, em 1919 Gramsci, juntamente com outrosmilitantes do PSI, dentre eles Tasca, Togliatti e Terracini, iniciaram umdebate interno no partido, tendo como principal instrumento dedivulgação de suas idéias a revista, criada por eles, denominada OrdineNuovo. A interpretação dada por este grupo, em especial Gramsci,sobre o caminho revolucionário na Itália divergia daquele pelo qualtrilhava o PSI, esta visão do Ordine Nuovo era fruto da experiênciaconcreta da revolução bolchevique na Rússia.

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Os textos publicados nesta revista, especialmente os deGramsci, buscam demonstrar e convencer os militantes da necessidadeda construção da revolução já, ou seja, a partir do momento históricoem que estavam vivendo. Por isso vão buscar nas organizações detrabalhadores já existentes na Itália os embriões por onde começar oprocesso de construção de um pensamento revolucionário que tencionea luta de classes para a tomada do poder. Neste aspecto, cabe observarduas questões que consideramos relevantes para diferenciar opensamento de Gramsci do pensamento do movimento socialistadominante naquele momento: primeiro que este percebe a importânciada subjetividade para que a revolução ocorra de fato; e depois que jáhavia condições objetivas, pelo menos na Itália, de se organizar arevolução. A partir destas duas constatações, possíveis principalmentepor causa do exemplo histórico dos bolcheviques, Gramsci se dedicaráa pensar formas de instrumentalizar politicamente e cientificamente oproletariado para tomarem e assumirem o poder na direção do Estado.Como fazer esta formação é a grande preocupação de Gramsci, que olevará a buscar nas condições objetivas que se apresentavam naquelemomento, observando principalmente a região mais desenvolvida daItália, em especial a cidade de Turim.

Como deveria agir o partido diante desta realidade? Qual deveriaser sua função num momento de perspectiva revolucionária? Diantede tais questões, Gramsci passará a valorizar as iniciativas dostrabalhadores e a, ao mesmo tempo, defender que o partido será ocatalisador destas iniciativas. Não de forma passiva, mas de formadialética, influenciando e deixando-se influenciar pelas organizaçõesproletárias de massa: “Gramsci inventa os Sovietes italianosprocurando-os no movimento real, naquilo que já existe, isto é, nasComissões Internas, que devem ser desenvolvidas e transformadasem organizações com um poder e com uma capacidade representativamuito maior” (GRUPPI, 1980; p.74).

As greves ocorridas em 1919, na cidade de Turim, apontaramos Conselhos de Fábrica como o órgão de representatividade legítimado proletariado. Em muitos casos, estes conselhos ocuparam as fábricase passaram a dirigi-las, demonstrando uma alta capacidade organizativados operários. Estes acontecimentos levam Gramsci a entender osConselhos de Fábrica da mesma forma que Lênin compreendeu osSovietes na Rússia pré-revolução socialista. Quando Lênin, em 1917,afirma que os Sovietes são organizações com as quais o partido deveter relações diretas, certamente tem a clareza de que o partido não

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conseguiria atingir a massa que os sovietes conseguiam, por isso seulema “Todo poder aos sovietes”. Gramsci terá a mesma compreensãocom relação aos conselhos de fábricas, afirmando que estes demonstramcapacidade de dirigir a massa, desse modo, o partido deve então estarjunto a estes conselhos, visto que os militantes alcançados pelasorganizações dos Conselhos de Fábrica são um número muito maiordo que os militantes do Partido Socialista.

A partir deste entendimento, a questão que se coloca ao partidosocialista é: como estreitar as relações políticas com os Conselhos deFábrica? Na visão de Gramsci e do grupo da Ordine Nuovo serianecessário levar estes Conselhos a tomar as fábricas e passar a dirigi-las. O papel do partido então seria o de radicalizar este processoatravés de uma formação teórica e do convencimento político dosconselhos, levando sempre em conta esta experiência concreta surgidados próprios operários e não transformando os conselhos em apêndicedo partido. O que Gramsci desenvolve neste caso é uma concepçãode partido muito próxima da concepção que Lênin desenvolveu, emsua obra “Que Fazer?” para a Rússia, em 1902, principalmente no quediz respeito às críticas da linha social democrata assumida na IIInternacional. O PSI não passava de “um pobre tabelião que registraas operações realizadas espontaneamente pelas massas” (GRAMSCI.IN: GRUPPI, 1978, p.56). A principal crítica de Gramsci ao PSI erasua impossibilidade de influenciar na formação da consciênciarevolucionária do proletariado; esta impossibilidade não estava ligadaàs questões objetivas do desenvolvimento histórico do capitalismo,como afirmavam os dirigentes do partido, mas à concepção de partidoassumida pelo PSI. O PSI:

move-se, e não pode deixar de fazê-lo, preguiçosa e tardiamente: expõe-se continuamente ao perigo de transformar-se em objeto de conquistasde aventureiros, de carreiristas, de ambiciosos. Por causa de suaheterogeneidade, nos inumeráveis atritos de suas engrenagens, não estánunca em condições de assumir o peso e a responsabilidade das iniciativase das ações revolucionárias, que os eventos incessantemente colocamdiante dele (Idem, p. 56).

Gramsci entendia o partido como a vanguarda do proletariadoe não como a massa de proletários. Contudo afirmava a importânciado trabalho do partido junto às massas sem se deixar levar pelosinteresses imediatos desta, mas também não negando a importânciade sua organização espontânea, como dos Conselhos de Fábrica.

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Outra questão que fica clara a partir da citação de Gramscivista acima é sua não aceitação de um modelo de partido aberto, emque muitas tendências possam se abrigar para militar. Este modelo departido também foi duramente atacado por Lênin no período do governoprovisório russo, após a revolução democrático-burguesa de marçode 1917. Em “As Teses de Abril” podemos ver a seguinte declaração deLênin ao expor sua primeira tese, tratando sobre a questão da guerra:“Não somos embromadores. Devemos apoiar-nos tão somente naconsciência das massas. Se é necessário permanecer em minoria, poisbem, fiquemos em minoria. É conveniente, às vezes, recusarmos aocupar uma posição majoritária, não podemos ter medo de ficar emminoria” (LÊNIN, 1967, p. 21).

O partido, tanto para Gramsci quanto para Lênin, deveria darconta de criar um núcleo centralizado com sólida formação política edisposição para a luta revolucionária e ao mesmo tempo, manter aligação com as massas para elevar sua consciência sem, contudo,tirar sua capacidade criadora.

Um novo elemento trabalhado por Gramsci de forma bastanteaprofundada é o conceito de hegemonia. Este conceito, que parte deuma questão prática, coloca um grande desafio para o partidorevolucionário, que é a conquista da hegemonia. Mas afinal o que vema ser a hegemonia para Gramsci? Este termo não foi utilizado somentepor Gramsci, mas este dá uma centralidade a esta questão, devido àrealidade histórica colocada para ele: “Gramsci recupera explicitamenteo conceito teórico-prático de hegemonia, tomado de Lênin. O contextoque preside a essa recuperação revela-se tão esclarecedor quanto umasimples análise interna de seus componentes” (BUCI-GLUCKSMANN,1980, p.229).

Embora Lênin tenha trabalhado com este conceito, acaba pornão se prender em uma análise mais sistemática sobre isto. Dado omomento histórico russo, as vésperas da tomada do poder peloproletariado, coloca-se a necessidade de canalizar a energia paraaprofundar na questão da ditadura do proletariado. Por isso Lêninconcentrou seus esforços na busca de embasar teoricamente umaforma de governo que conseguisse se manter no poder em um Estadosocialista. Além disso, havia neste período a social democracia da IIInternacional, que dava linha aos partidos e movimentos revolucionários;sua tese era a de que seria possível a destruição do capitalismo pelavia pacífica e não haveria mais a necessidade da revolução violenta doproletariado, portanto o papel dos comunistas seria o das alianças

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políticas para a conquista de cargos no parlamento como forma degarantir a transformação do estado burguês em estado socialista.

Segundo Lênin os principais teóricos que davam linha à IIInternacional, em especial Karl Kautsky, estavam deformandocompletamente o marxismo e transformando-o em um pensamentoliberal, abandonando a sua essência, ou seja, a da necessidade darevolução violenta e da instituição da ditadura do proletariado: “Como auxílio de sofismas patentes, extirpa-se do marxismo o que constituisua vida, a essência revolucionária; admite-se tudo no marxismo, excetoos métodos de luta revolucionaria, a propaganda, o preparo desta lutae a educação das massas nesse sentido” (LENIN, p.92).

Esta realidade colocada para Lênin o obriga a enfatizarexaustivamente a defesa da ditadura do proletariado como a essênciade todo o pensamento marxista. Muitas vezes, por falta decontextualização histórica, isto vem sendo interpretado como a negaçãoda importância da questão da hegemonia, a interpretar a hegemoniacomo sinônimo de ditadura do proletariado e até mesmo em colocarem contraposição um conceito a outro. Desenvolveremos, a seguir, aconcepção de hegemonia em Gramsci e a relação da hegemonia como partido.

O PARTIDO E A CONSTRUÇÃO DA HEGEMONIA

Conforme já salientamos anteriormente o conceito de hegemoniaé desenvolvido por Gramsci, a partir de Lênin. Segundo Gruppi, otermo hegemonia foi utilizado por Lênin pela primeira vez em 1905.Não é por acaso a data de 1905, pois cabe lembrar que este foi operíodo em que estourou, na Rússia, o “ensaio geral” da revoluçãoque desembocou na tomada do poder pelo proletariado em novembrode 1917. O contexto histórico em que Gramsci desenvolve o conceitode hegemonia é diferente deste, embora com elementos comuns.

Sem negar o pensamento de Lênin, o que Gramsci faz é alargaro conceito de hegemonia: “(...) Gramsci – quando fala de hegemonia– refere-se por vezes à capacidade dirigente, enquanto outras vezespretende referir-se simultaneamente à direção e à dominação. Lêninao contrário, entende por hegemonia, sobretudo, a função dirigente”(GRUPPI, 1978, p. 11).

O conceito de hegemonia em Gramsci, conforme frisamos nacitação acima, diz respeito não apenas à ditadura do proletariado

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enquanto força de coerção, mas também enquanto um mecanismo deconvencimento de classes sociais divergentes a trilharem juntas ummesmo caminho.

Além desta capacidade de convencimento, a hegemonia emGramsci também diz respeito às alianças que o proletariado pode edeve fazer para conquistar o poder. Neste caso, o conceito de hegemoniaé utilizado como direção ideológica de um movimento ou partido demassas. Quando Gramsci desenvolve este aspecto da hegemonia, estápartindo de uma realidade concreta de seu país e suas diferençasregionais e o que ele tenta unificar é a luta do proletariado de Turimcom a dos camponeses de regiões ainda não industrializadas da Itália.Segundo ele, “a revolução apresenta-se praticamente como hegemoniado proletariado que guia seu aliado: a classe camponesa”. (OrdineNuovo, 1 de novembro de 1924. In: BUCI-GLUCKSMANN, 1980, P.231). Gramsci não descarta as alianças com outras classes, como apequena ou a média burguesia, por exemplo. Neste caso a hegemoniaaparece não só como direção, mas também como domínio dos demaisgrupos com os quais o proletariado se aliou.

Um terceiro elemento que podemos destacar no conceito dehegemonia formulado por Gramsci diz respeito diretamente à questãoideológica. Por questão ideológica entende-se a capacidade deconvencimento teórico de uma classe sobre os indivíduos desta mesmaclasse através do conhecimento científico e do aprimoramento cultural.Quanto a esta questão, Gramsci salienta três graus de avanço deconsciência do proletariado para se constituir em pensamentohegemônico: 1) econômico-corporativo, quando o pensamento destegrupo se alinha por questões de lutas imediatas ligadas a uma categoriade pessoas (comerciante, professor, metalúrgico, etc); 2) quando seatinge a capacidade de se solidarizar com o grupo social mais amplo,exigindo do estado mudanças legislativas que lhes garantam igualdadejurídica. Contudo, este grau de consciência permanece ainda no campoeconômico e nos limites do Estado em vigor; 3) quando se adquire aconsciência de classe, isto é, quando percebe-se e convence-se danecessidade de tomar o poder da classe dominante que dirige o Estado,colocando em seu lugar outra classe que lhe dê nova direção (CfGRAMSCI, 2000, vol. 3, p. 41).

O conceito de hegemonia em Gramsci, conforme relatoacima, possui uma dimensão bastante ampla. As três característicasapontadas são centrais para a compreensão da relação entre aconstrução da hegemonia e o partido. As greves dos operários deTurim em 1919 e 1920 marcam a reflexão de Gramsci sobre o papel

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do partido diante das organizações dos trabalhadores. Até estemomento Gramsci enxergava os Conselhos de Fábrica como o agentecentral da revolução na Itália. O “fracasso” destas greves e aimpossibilidade dos Conselhos tomarem o poder é que levam Gramscia teorizar sobre a função de um partido revolucionário: “(...) só aderrota dos conselhos de Turim impôs a Gramsci a necessidade teóricade aprofundar o conceito de hegemonia e a necessidade de uma açãocultural que já se esboçava na experiência do semanário L’OrdineNuovo” (SECCO, 2006, p. 33).

A partir de então podemos compreender que quando Gramscie seu grupo de Ordine Nuovo rompem de vez com o PSI e criam oPartido Comunista da Itália, a situação não era mais a mesma dosanos de 1919 e 1920, quando parecia que o proletariado estava a umpasso da tomada do poder.

Ao observar a derrota dos Conselhos de Fábrica de Turim noque tange à ação revolucionária, Gramsci passa a teorizar a importânciada ação do partido, não apenas como dirigente político do movimentoproletário, mas também enquanto agente construtor da hegemonia.Isto significa que a tarefa do partido era muito mais ampla do que seimaginava, ou seja, não era mais possível acreditar que a revoluçãoestava por acontecer e que, portanto, bastava ao partido preparar-separa a tomada do poder e dar direção ao movimento operário. Tampoucose podia concordar com as alianças que o PSI realizava afirmando ocaminho reformista para a tomada do poder. Uma tarefa muito maiscomplexa estava colocada para o partido que se propusesse a dirigiras massas, este deveria ser um agente de formação e construtor darevolução.

Diante desta realidade é que o PCI, criado pelo grupo do OrdineNuovo vai ganhando um novo caráter, o de pensar as táticas para aconstrução da revolução na Itália. Isto não será tranqüilo dentro dopartido, pois se por um lado o rompimento com o PSI se dáprincipalmente pelo caráter reformista deste, por outro deve evitar osectarismo. “De fato, durante o congresso de separação a questãoprincipal era distinguir os revolucionários dos não revolucionários(reformistas). (...) Mas havia também naquele Congresso muitíssimoscomunistas que achavam que a revolução era imediata” (NOSELLA,2004, p. 85-86). É este o ponto principal em que o conceito dehegemonia, aprofundado por Gramsci, ganha importância no interiordo Partido. Gramsci rompe com o PSI por este ser um partidoreformista, mas também discorda daqueles que acham ser possível arevolução sem a construção de alianças.

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Neste período o fascismo bate às portas do Estado italiano,colocando para o PCI e outros partidos e movimentos populares anecessidade de uma ação política para combater este fenômeno. Duasposições se criam no PCI: uma, representada por Bordiga, era a deradicalizar a luta pela tomada do poder unicamente por este partido; eoutra, representada por Gramsci, defendia a formação de uma FrenteÚnica construindo alianças com outros grupos ou partidos de cunhopopular. Nesta discussão, entre estas posições divergentes dentro doPCI, Gramsci vai desenvolvendo e aprofundando teórica e praticamenteo seu conceito de hegemonia. Neste caso, podemos observar que opartido, na visão de Gramsci, tinha duas tarefas importantes: a deconvencer os grupos de seu próprio partido a lançarem mão de umaação hegemônica contra o fascismo e a de conseguir fazer aliançascom outros grupos sociais, podendo trilhar um mesmo caminho, massem perder a perspectiva da revolução.

Como vemos, a função do partido revolucionário para Gramscitem uma tarefa muito mais complexa do que apenas pensar formas deação política para governar. Além da capacidade de convencimento deseus militantes e da agilidade para fazer alianças sem perder suaidentidade, a ação deste partido deve ser a de construir, mesmo antesda existência de uma situação revolucionária, um pensamentohegemônico entre as classes potencialmente revolucionárias:

É necessário então todo um processo afim de que as classes subordinadasfiquem autônomas, se dêem um partido, uma linha política, umaconcepção cultural. Então conquistada esta autonomia, lutam para ficarhegemônicas, dirigentes. Elas podem ficar hegemônicas ainda antes daconquista do poder, isto é, podem difundir em toda a sociedade suaprópria concepção não só política, mas cultural. A hegemonia se conquistaantes da conquista do poder, e é uma condição essencial da conquista dopoder (GRUPPI, 1980, p. 82).

Talvez esta seja a maior contribuição do conceito de hegemoniadesenvolvido por Gramsci. Ao observar a realidade concreta italianaapós 1919, Gramsci avalia que a revolução naquele caso não aconteceriasem uma sólida formação de consciência proletária. Esta formaçãonão se daria apenas no partido e com os militantes do partido, masdeveria se estender a todas as classes oprimidas, ou seja, caberia aopartido também a função de trabalhar na construção de uma formaçãocultural que se contrapusesse ao pensamento burguês dos opressoresem todos os espaços que estivessem presentes os oprimidos.

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Aqui, passamos então a perceber a importância da atuação dopartido na formação cultural da classe oprimida, entendendo estaformação como instrumento necessário na construção do pensamentohegemônico das classes oprimidas. È nesta perspectiva que Gramscivai desenvolvendo sua concepção de educação.

O PARTIDO E A EDUCAÇÃO

Segundo Nosella (2004, p. 106), antes de ser preso Gramsci jáhavia desenvolvido escritos sobre a questão da formação cultural dasmassas. Em um texto, inacabado, chamado “Alguns Temas sobre aQuestão Meridional”, Gramsci discute o papel dos intelectuais nasociedade. Quando pensa sobre este assunto tem em vista a dificuldadede unificação ideológica entre os operários do norte da Itália e oscamponeses do sul desta. Por isso podemos afirmar que os escritosde Gramsci do cárcere, no tocante à questão da educação e formaçãodos intelectuais orgânicos do proletariado, não são meras reflexõesteóricas, mas uma necessidade concreta colocada pela realidade socialitaliana ao partido, percebida por Gramsci na sua militância antes daprisão.

Por isso, apesar de Gramsci ter sistematizado seu pensamentosobre o partido e sua relação com a educação nos seus escritos naprisão (cadernos do cárcere), parece-nos não ser possível umainterpretação fiel deste pensamento se não levarmos em consideraçãoa preocupação central deste pensador, que era a construção darevolução através da conquista hegemônica das classes trabalhadoras(operários e camponeses). Esta construção da hegemonia seria a tarefaprimordial do partido. Em outras palavras, a concepção de educaçãogramsciana está ligada à totalidade de seu pensamento social e, emespecial, à preocupação de como o partido deveria pensar um projetode educação que formasse os intelectuais orgânicos do proletariado:

O moderno príncipe deve e não pode deixar de ser o anunciador e oorganizador de uma reforma intelectual e moral, o que significa, deresto, criar um terreno para um novo desenvolvimento da vontadecoletiva nacional-popular no sentido da realização de uma forma superiore total de civilização moderna (GRAMSCI, 2000, p.18).

O partido, denominado por Gramsci de “o moderno príncipe”,portanto é o que deve definir e organizar a educação das massas, ouseja, só faz sentido falar de educação em Gramsci e ser fiel ao seu

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pensamento se a discussão levar em conta o projeto políticorevolucionário vivenciado por este pensador.

Nesta perspectiva, Gramsci desenvolve seu conceito-propostade educação dos trabalhadores. Esta proposta será sistematizada porGramsci, apenas nos anos de 1931 e 1932, em especial no caderno12 dos cadernos do cárcere. Cabe lembrar que, durante todo estetempo que Gramsci estava na prisão, sempre procurou ser informadoo máximo possível, através de cartas de familiares, amigos ecompanheiros do partido, sobre os acontecimentos políticos da Itáliae da União Soviética, onde estavam sua mulher e filhos. É importantefrisarmos esta questão para afastarmos a interpretação de que opensamento de Gramsci estava apenas no campo teórico. Pelo contrário,a leitura deste texto nos deixa claro seu diálogo com a realidade históricadaquele momento, tanto na Itália fascista, quanto na Rússia socialista.

A questão sobre a qual nos cabe refletir então é: qual seria arelação da educação proposta por Gramsci nos cadernos do cárcerecom a sociedade e o partido? No caderno 12, intitulado “Apontamentose notas dispersas para um grupo de ensaios sobre a história dosintelectuais”, esta questão é trabalhada por Gramsci a partir de umduplo entendimento de educação. A princípio fala da educação em seusentido amplo, entendendo-a como toda formação humana, portantoressalta a importância de várias organizações que possuem um papeleducativo. Num segundo momento detém-se no conceito de educaçãoescolar institucional, neste caso pensa sobre a influencia da escolatradicional na formação do ser humano. No caderno 13, “Breves notassobre a política de Maquiavel”, Gramsci ressalta o papel do partido naconstrução de uma educação voltada para a formação completa do serhumano. Prenderemos-nos, especialmente, na análise destes doistextos para buscarmos uma melhor compreensão sobre como Gramscirelaciona a educação, a escola e o partido.

A educação, tomada por Gramsci em sentido amplo, não ocorreapenas na escola, mas em todos os grupos sociais. Com base nestaafirmação é que ele define o conceito de intelectual orgânico e odiferencia do intelectual tradicional: “O ponto central da questãocontinua a ser a distinção entre intelectuais como categoria orgânicade cada grupo social fundamental e intelectual como categoriatradicional, distinção da qual decorre toda uma série de problemas ede possíveis pesquisas históricas” (GRAMSCI, 2001, p. 23).

De acordo com Gramsci todo grupo social forma seusintelectuais orgânicos, estes são responsáveis pela continuidade da

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reprodução do modelo de sociedade defendido pelo grupo ao qual fazparte ou pelo qual é formado. Na sociedade capitalista, por exemplo,a burguesia, classe detentora do poder econômico, forma seusintelectuais nas diversas instâncias da sociedade para que possamreproduzir este sistema. Neste caso, a educação para a formação dointelectual orgânico da burguesia começa desde o espaço da casa,passando pelo trabalho e atingindo a sistematização dos currículosescolares.

Quanto a este tipo de intelectual, ressalta Gramsci, não é formadoapenas pela classe dominante. O proletariado, enquanto classedominada no sistema capitalista, também forma seus intelectuaisorgânicos. Neste aspecto não é difícil afirmarmos a importânciafundamental do partido revolucionário na formação do intelectualorgânico do proletariado. Além do partido, também faz este papel deformador os sindicatos e outros grupos que reúnam trabalhadoresem defesa de algum direito. No entanto, a necessidade imprescindíveldo partido se faz no sentido de ligar as diversas lutas econômicas dostrabalhadores à luta política-ideológica: “No partido político, oselementos de um grupo econômico superam este momento de seudesenvolvimento histórico e se tornam agentes de atividades gerais,de caráter nacional e internacional” (Idem, p.25).

O partido revolucionário deve ter como preocupação central aformação de quadros para a militância em todos os espaços onde seencontre aglomeração de trabalhadores. Esta tarefa é muito maisimportante para a classe proletária do que para a burguesia, pois se aideologia burguesa está presente em todos os espaços da sociedade,visto que esta vive sob a égide do capitalismo, o proletariado nãodispõe da mesma vantagem. Neste sentido, a formação de intelectuaisorgânicos e seu papel na sociedade já são algo bem definido, poisestes se formam com clareza nos objetivos de sua formação e comvisão de classe bem definida. Por isso Gramsci se preocupará maisprofundamente com os intelectuais tradicionais, desenvolvendo entãouma teoria educacional paralela a um modelo de escola que garantissea formação completa do ser humano.

Se a formação dos intelectuais orgânicos se dá nos espaçosfora da escola institucionalizada, o mesmo não ocorre com osintelectuais tradicionais. Estes, por não estarem militando em nenhumpartido ou grupo social, consideram-se e são considerados livres dequalquer influência dos antagonismos de classes presentes nasociedade. Contudo, dada a impossibilidade de neutralidade numasociedade de classes:

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uma das características mais marcantes de todo o grupo que se desenvolveno sentido do domínio é sua luta pela assimilação e pela conquista‘ideológica’ dos intelectuais tradicionais, assimilação e conquista quesão tão mais rápidas e eficazes quanto mais o grupo em questão for capazde elaborar simultaneamente seus próprios intelectuais orgânicos (Idem,p. 19).

Aqui, Gramsci deixa clara a importância da influência dointelectual orgânico na educação do intelectual tradicional, além disso,coloca um desafio ao partido, representante e organizador dosinteresses da classe dominada: pensar um modelo de educação quegaranta a formação completa do ser humano, possibilitando-o ascapacidades para dirigir a sociedade.

Cabe-nos então a seguinte questão: como o partidorevolucionário deve pensar a construção de um modelo de escola eeducação? È possível a construção deste modelo antes da revolução?Estas indagações são sistematizadas por Gramsci no contexto da criseda educação tradicional e emergência da educação profissionalizantena Itália. É neste contexto que Gramsci desenvolve a sua concepçãode educação e escola, chamando de Escola Única.

O PARTIDO E A ESCOLA

O avanço da indústria e a necessidade de mão de obra para seufuncionamento determinam o tipo de escola e educação oferecidaspelo Estado aos trabalhadores. No caso da Itália nas primeiras duasdécadas do século XX, realidade da qual Gramsci vai partir para suaproposta de escola, a tendência era a: “(...) de abolir qualquer tipo deescola ‘desinteressada’ (não imediatamente interessada) e ‘formativa’,ou de conservar um reduzido exemplar, (...) bem como a de difundircada vez mais as escolas profissionais especializadas” (Ibidem, p. 33).

O que Gramsci chama de escola “desinteressada” é a escolahumanista que se preocupa com a formação intelectual do ser humano,e as escolas profissionais, que eram meros treinamentos de mão deobra para o mercado de trabalho.

Diante deste contexto, resgata os valores da escola tradicional,que não estava preocupada com a formação de mão de obra, mascom a formação humana. Ao resgatar estes valores o faz, não nosentido de defesa ao retorno da escola tradicional, mas no sentidodialético de superação e transformação, contudo, sem negar ascontribuições deste modelo. É neste sentido que Gramsci desenvolveum conceito de escola capaz de superar a dicotomia entre a formação

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profissional e a formação humanista, e a denomina de Escola Únicaou Unitária.

Na perspectiva de Gramsci, a Escola Unitária deve ser a educaçãosistematizada para as crianças e adolescentes até os quinze ou dezesseisanos. Neste período, a educação escolar deve-se preocupar com aformação geral e desinteressada, ou seja, não se pode dar um caráterpragmático aos conteúdos escolares. Por outro lado, deve-se garantirum equilíbrio entre o trabalho intelectual e o trabalho físico, deixandoa especialização profissional para a fase posterior à Escola Unitária.Esta escola deve ser em período integral e mantida pelo Estado,garantindo todos os espaços necessários para o bom desenvolvimentoda aprendizagem, inclusive os espaços físicos, tais como, bibliotecas,dormitórios, refeitórios, salas de estudos, etc. Juntamente com osaspectos físicos também se faz necessário uma reestruturação docurrículo e a ampliação do corpo docente, visto que quanto maior apossibilidade do professor relacionar-se individualmente com o aluno,maior a garantia de aprendizagem.

Gramsci divide a educação escolar em dois níveis: o primeironível, correspondendo a três ou quatro anos, em que a criançaaprenderia a ler, escrever, fazer contas e ter uma noção inicial de históriae geografia. Paralelo a esta aprendizagem deve-se introduzir lições dedireitos e deveres já criando o hábito de responsabilidade social. Nosegundo nível da Escola Unitária deve-se se preocupar com a formaçãoda autonomia do estudante: “(...) criar os valores fundamentais do‘humanismo, a autodisciplina intelectual e a autonomia moral necessáriaa uma posterior especialização, seja ela de caráter científico (estudosuniversitários), seja de caráter imediatamente prático-produtivo(indústria, burocracia, comércio, etc.)” (Ibidem, p. 39).

Embora a especialização profissional não seja a preocupaçãoda Escola Unitária, esta não deixa de tomar o trabalho como princípioeducativo. Contudo o conceito de trabalho desenvolvido nesta escolanão será o mero trabalho braçal, mas o conceito amplo de trabalhoenquanto atividade teórico-prática. Para Gramsci, não há possibilidadede divisão total entre pensar e fazer, visto que toda atividade teóricacarece de esforço físico e toda atividade prática carece de teoria. “Istosignifica que, se pode falar de intelectuais, é impossível falar de não-intelectuais, porque não existem não-intelectuais” (Idem, p. 52).

A Escola Unitária, portanto, deverá formar um novo tipo deintelectual, diferente do intelectual tradicional e diferente do intelectualorgânico e, ao mesmo tempo, comprometido com o conhecimentocientífico e político da nova sociedade.

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O problema da criação de uma nova camada intelectual, portanto,consiste em elaborar criticamente a atividade intelectual que cada umpossui em determinado grau de desenvolvimento, modificando suarelação com o esforço muscular-nervoso no sentido de um novoequilíbrio e fazendo com que o próprio esforço muscular-nervoso,enquanto elemento de uma atividade prática geral, que inovaperpetuamente o mundo físico e social, torne-se o fundamento de umanova e integral concepção do mundo” (Ibidem, p. 53).

Exposta sinteticamente a proposta de escola de Gramsci, nãopodemos deixar de nos remeter à reflexão sobre a totalidade de seupensamento. Conforme demonstramos acima o intelectual Gramscifoi antes de tudo um militante revolucionário, com formação políticadentro do partido político, por isso afirmamos que não se poderia teruma boa compreensão de sua proposta de escola sem levar emconsideração os outros elementos que Gramsci julgava imprescindíveispara a realização deste tipo de escola. “O advento da escola unitáriasignifica o início de novas relações entre trabalho intelectual e trabalhoindustrial não apenas na escola, mas em toda a vida social” (Ibidem,p. 40). Por isso devemos buscar o entendimento da escola unitária apartir da relação desta com o tipo de sociedade que ela está inseridaou deve se inserir. Tomando o partido revolucionário como agenteeducativo e organizador da hegemonia do grupo ao qual ele representa(o proletariado), é este que estaria encarregado de assumir esta propostade escola.

O partido revolucionário, ao se fazer presente nas organizaçõespopulares, deverá buscar sempre convencer os trabalhadores a uniremseus interesses imediatos com os interesses históricos. No sindicato,organizar a luta econômica, mas sempre apontando e puxando a massapara a necessidade da revolução. Na escola defender a educação estatal,mas lutando constantemente para a destruição do Estado burguês e aconstrução do Estado proletário. No caderno do cárcere número 13,Breves notas sobre a política de Maquiavel, Gramsci aponta, em algumaspassagens, a importância do partido para uma reforma intelectual emoral. Uma questão central colocada neste texto por ele é a se hápossibilidade de uma mudança cultural na escola sem uma mudançana sociedade. Ao que parece sua resposta é não, pois: “(...) umareforma intelectual e moral não pode deixar de estar ligada a umprograma de reforma econômica; mais precisamente, o programa dereforma econômica é exatamente o modo concreto através do qual seapresenta toda reforma intelectual e moral” (GRAMSCI, 2000, p. 19).

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E quem seria o responsável por esta reforma na sociedade?Segundo Gramsci o partido político revolucionário, chamado por elede príncipe, aquele que: “(...) toma o lugar, nas consciências, dadivindade ou do imperativo categórico, torna-se a base de um laicismomoderno e de uma completa laicização de toda a vida e de todas asrelações de costumes” (Idem, p.19).

Diante de tais afirmações, parece ser possível constatar aprofunda ligação do partido com a transformação da escola, contudo,também podemos perceber que a defesa que Gramsci faz da escolaunitária não é no sentido de um projeto utópico incapaz se realizar ouque se deve esperar de uma mudança na sociedade para buscar suarealização, mas de uma disputa constante no campo da ideologiapresente na escola. É exatamente nisto que consiste o papel do partido,trabalhar incansavelmente na formação de intelectuais que possamatuar nas escolas do capitalismo, sem se iludir com ela, e que aomesmo tempo consigam conquistar a massa para a defesa de umoutro modelo de escola e de sociedade.

Dadas estas constatações, entendemos que a proposta deescola formulada por Gramsci é bem mais complexa do que transplantá-la mecanicamente de uma realidade histórica, datada e localizada, paraqualquer outra realidade. Também não se pode pinçar de uma totalidadecomplexa, como é o pensamento político de Gramsci, apenas a questãoeducativa em seu sentido restrito. Por isso consideramos importantee buscamos ressaltar neste texto alguns dos conceitos centrais dopensamento gramsciano, como a questão da hegemonia, dosintelectuais, da educação e da escola. Notamos que todos estesconceitos desenvolvidos por Gramsci estão ligados a uma concepçãode sociedade e de partido.

Isto nos possibilita afirmar que a luta pela escola unitária, apartir de uma concepção gramsciana, só se justifica se conjugada coma luta pela sociedade igualitária, que rompa com a divisão do trabalhointelectual e físico garantindo a todos a possibilidade de agirem comointelectuais. Se “(...) todos os homens são intelectuais, mas nem todosos homens têm na sociedade a função de intelectuais (...)” (GRAMSCI,2000, p.18), é porque a sociedade capitalista não garante igualdade defato para que todos possam desenvolver suas capacidades. Logo épreciso um outro modelo de sociedade para que a intelectualidade sejacomum a todos os seres humanos e para que a escola desempenheesta função.

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A EDUCAÇÃO PELA CENSURA: O CONTROLE MUSICAL

COMO AGENTE DE EDUCAÇÃO NÃO-FORMAL NA

DITADURA PORTUGUESA

Alexandre Felipe Fiuza

Qual relação pode ser estabelecida entre a música e a educação?Parte-se da recorrente premissa de que a educação não se dá unicamenteatravés de processos formais, mas igualmente mediante outrasinstâncias, entre estas destacamos os objetos artísticos, em particularneste trabalho, a canção. Esta última, por sua vez, mescla duaspotencialidades presentes na palavra e no som. Sua conjunção produzuma rica e influente manifestação artística.

Por conseguinte, a opção por se abordar a canção neste textotambém se justifica por sua inserção social através dos meios decomunicação e da indústria fonográfica e editorial. Esta manifestaçãocultural certamente contribuiu na formação cultural dos ouvintes,inclusive em sua faceta de agente educativa. Há que se apontar aindao papel desempenhado pela canção na popularização da poesiaportuguesa a partir da década de 1960. Uma outra particularidade dacanção é a de que ela se trata de uma produção cultural de largo,rápido e freqüente alcance. Sua utilização abarcou quase todo oconteúdo televisivo e radiofônico das décadas de 1960 e 1970, e nãosomente naqueles anos.

Logo, cabia aos artefatos culturais um papel significativo deagente educativo não-formal, por isso a emergência de seu controlepelo regime ditatorial português (1926-1974). Há que se enfatizar quea censura não foi unicamente um jogo de opostos que contrapôsideologias políticas, dogmas, códigos de ética e de moral distintos.Havia também em sua essência uma perspectiva de preservação dostatus quo, uma política deliberada de calar uma outra proposta desociedade que viesse a alterar as estruturas de poder.

Tudo que fosse visto como indicativo de negatividade para oregime era passível de veto: crimes, suicídios, greves e atuação desindicatos, benesses às multinacionais, denúncias de corrupção, mortespor enchentes e por fome, guerra colonial, queda de avião, mendicância,

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a doença do ditador português António Salazar, o nome e as ações deopositores políticos, entre outros temas. Neste index também estavamrelacionados os nomes dos cantores de oposição que, na maioria dasvezes, não podiam sequer ser citados. No arquivo da Censuraportuguesa são dezenas de matérias de jornais em que os nomes dosmúsicos José Mário Branco, Sérgio Godinho, Adriano Correia deOliveira, Zeca Afonso, Francisco Fanhais1 , estão riscados pela canetaimplacável dos censores. Estes e outros vetos nos textos, por suavez, retiravam a inteligibilidade dos textos e, como diria o jornalistaportuguês Mário Castrim: “Os cortes eram tais que alguns amigoschegaram, pelo que liam, a julgarem-me lelé da cuca” (CASTRIM, 1996,p. 08).

Se a canção contestatória foi controlada quando de suaveiculação radiofônica, a ditadura não restringiu suas atividades aocontrole destas emissões. O rádio foi amplamente utilizado emdiferentes fases pelo regime salazarista. Uma das searas raramenteobservada pela historiografia portuguesa refere-se à política educacionaldo regime, consubstanciada na programação da Rádio Escolar. Porexemplo, este programa educativo, no período de outubro de 1960 ajunho de 1970, contou com uma série de disciplinas, tais como:História, Música, Educação Moral, Canto Coral, Conto Infantil, LínguaMaterna, Moral e Religião, Segurança no Trânsito, Recitação, EducaçãoCívica, Educação Física, Educação Musical, Higiene, Geografia, LínguaPortuguesa, Audição Musical, Trabalhos Manuais e “Coisas e Casos”.

Uma constante previsível nestes estudos refere-se à vulgarizaçãode uma moral e de uma política capitaneada pelo regime e por suasorganizações, como a Mocidade Portuguesa, a Mocidade PortuguesaFeminina, a Legião Portuguesa, a Fundação Nacional para a Alegria noTrabalho, entre outras. Estas instituições tiveram seu auge nas décadasde 1930 e 1940, mas ainda reverberaram nas duas décadas seguintes.Notadamente, boa parte da programação cultural destas instituiçõesignorava a produção intelectual e musical dos opositores a Salazar, oque se traduziu numa freqüente exposição de uma imagem folclorizadae ideologizada da “aldeia feliz” que era o país dos portugueses

1 Por exemplo, como aparece nas ordens transmitidas por telefone: “24/11/70 – Disco Décadade 60, de Luís Filipe Costa – SUSPENDER anúncio ou qualquer referência – coronel Garcia daSilva”, ou ainda a proibição em relação ao entrevistado desta pesquisa, o ex-padre FranciscoFanhais: “26/4/70 – Queima das Fitas do Porto. Espectáculo no teatro Sá Bandeira com baladas– CORTAR o nome do abade Fanhais. Mas, para não se notar o CORTE, é melhor CORTARos nomes de todos intervenientes. Coronel Saraiva” (PRÍNCIPE, 1979, p. 59-51).

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“orgulhosamente sós” de que falava Salazar, e que representavamtambém as marcas de grandiosidade de uma “estética” defendida pelosalazarismo.

A programação da Rádio Escolar é passível de comparação comdois projetos implementados durante a ditadura brasileira: o MOBRAL- Movimento Brasileiro de Alfabetização, criado através da Lei número5.379, de 15 de dezembro de 1967, que durou até o início da décadade 1980, e o Projeto Minerva, criado em 1970, que oferecia umaemissão radiofônica “educativa” e “cultural”.

Desde os primeiros anos da ditadura salazarista, o processoeducacional implementado privilegiou uma verticalização cada vez maior,mediante o controle das escolas de formação de professores, dadiminuição da escola obrigatória de cinco para três anos2, do controlee da inculcação ideológica por meio dos manuais escolares, dasassociações de cunho fascista, da repressão e da censura. Em meio atal política, a ausência de um projeto de erradicação do analfabetismomanteve Portugal entre os países europeus de menor índice dealfabetização. Em 1925, por exemplo, a França possuía uma taxa de5% de analfabetismo, enquanto Portugal registrava uma taxa de 64%de analfabetos3. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatísticasde Portugal, o analfabetismo atingia 49 % em 1940, trinta anos depoisainda mantinha 33,7 % da população na mesma situação.

Numa sociedade com tão baixo nível de escolarização a cançãopoderia ser um meio de formação cultural importante. Obviamentenão advogamos a mera inter-relação entre analfabetismo e consumomusical. A canção é um fenômeno cultural de forte inserção social nosmais diferentes países, independente da diferenciação entre aseconomias nacionais. Apesar da dificuldade em se mensurar a recepçãodestes textos musicais pela população, as canções podem tercontribuído para fomentar o debate de uma série de temas abordadospelos compositores portugueses. O que se sabe com segurança é asua forte inserção nos setores mais escolarizados da população, emparticular entre setores oposicionistas. Isto não quer dizer que taisdiscursos não encontraram ressonância entre as classes populares,mesmo nas mais próximas de uma cultura política de sujeição ao regimeautoritário.

2Base III da Reforma do Ensino Primário. Dec. – Lei n º 1969, de 20-5-1938.3Disponível em: <http://www.setubalnarede.pt/content/index.php?action=articlesDetail

Fo&rec=1265>. Acesso em: 13 jun. 2007.

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Há que se levar em consideração que a censura que atingiu asnotícias e as canções não se restringiu aos textos mais politizados. Aexemplo do que aponta o pesquisador brasileiro Paulo César Araújo,em seu livro Eu não sou cachorro não (2002), em relação ao veto aos“cafonas” no Brasil, também em Portugal a Censura não teve apenascomo alvo os músicos e os textos mais engajados politicamente. Osvetos baseados no âmbito moral, embora também indicativos dadesigualdade social, também foram recorrentes em relação ao quepejorativamente se enquadra como “música pimba” portuguesa.

Estes temas proibidos aparecem, por exemplo, na resposta daCensura ao pedido de aprovação das canções enviado pela CasaRapsódia4 . Neste parecer são examinadas sete canções, em três delas,ao invés do “nada a opor”, é imposta a sentença “não é de divulgar”.Por exemplo, o censor Manuel Nunes Barata vetou a letra de O Patrãoe a Criada, cujo trecho do texto dá a tônica do tema: “A mulher doAguiar/ Ouviu barulho de noite/ e acordou sobressaltada/ levantou-sesem ruído/ e foi dar com o marido/ agarrado à criada [...]”. Com omesmo espírito da letra anterior, Rosa do Fole também é vetada: “Lána minha rua/ vai subir pra lua/ mais um foguetão/ a rosa engordou/ eo povo já diz/ que foi o João [...]”. Neste processo, aparece unicamenteo parecer do censor, datado de 30 de maio de 1974, e as letras dascanções em anexo. O nome dos compositores e dos discos que seriamgravados não foram citados.

Na mesma pasta aparece um outro compositor atingido peloveto, desta feita em razão de uma crítica social um pouco mais ingênua.Logo, compositores não enquadrados no que se convencionou chamarde “músicos de contestação” (depois do 25 de abril, de “intervenção”)também podiam ver suas canções proibidas quando expunham asmazelas sociais presentes no país. Citamos trechos do parecer:

À Gerencia Discos RapsódiaEm referência às seguintes letras que submetem a exame prévio cumpre-me informar que superiormente se entendeu o seguinte:A SAFIRA É QUEM SE AMOLA – não é de divulgarS. PEDRO RAPIOQUEIRO – nada a oporO POBREZINHO – não é de divulgar[...]

4 IAN/ TT (Instituto dos Arquivos Nacionais/ Torre do Tombo), SNI (Secretariado Nacional deInformação)/ Censura, cx. 461, RIAV, pacote 440, Pasta 1: Censura de Letras de TrechosMusicais – Casa Rapsódia (Discos).

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Lisboa, 31 de outubro.O Chefe da Rep. Da Inf. Áudio-Visual – Manuel Nunes Barata. 5

Os dois vetos acima atingem os dois campos mais visados: omoral e o político. Em A Safira é quem se amola, a dubiedade do textoé percebida pelo censor, talvez em sua altamente “subversiva”mensagem de cunho erótico: “Se o disco rola, consola/ também alegra,a mocidade/ e a safira é quem se amola/ a rossar na cavidade [...]”. Ooutro veto, de O Pobrezinho, perpassa o campo político, em particulara mendicância tão escondida e combatida durante a ditadura, inclusiveem falas do próprio Salazar, aqui abordadas pelo compositor: “[...] Étão triste, mendigar/ E tanto custa a sofrer/ Sai de casa, pra pedir/Buscando o pão pra comer [...]”. Novamente os nomes doscompositores não aparecem no processo.

Num outro parecer emitido novamente pelo mesmo censoranterior, desta feita em 20 de abril de 19746, a apenas cinco dias dofim da ditadura e da Censura, são aprovadas as letras de Ai Alice, Setee meia e Eu não sei o que fazer. Quanto à letra de A culpa é do mexelhão,ao invés de colocar o freqüente “não é de se divulgar”, aparece aseguinte justificativa para o veto: “Falta o mínimo de construção poéticae demasiado prosaico”. Logo, desta vez, a censura é, digamos, deordem lingüística/ literária. Aqui o censor assume sua vertente de críticoliterário, como nos pareceres encontrados no Brasil. Num outroprocesso da Censura portuguesa, encontra-se registrado um desabafodo censor em torno desta questão:

Todos estes poemas (poemas isto?!) são de uma mediocridade que, muitoembora, não subvertam no ponto de vista político, subvertem a culturae a língua Portuguesa, o que é ainda pior. Na realidade, a quem serviráqualquer música que tenha por letras tais poemas?! Talvez que no espíritocom que se redigiram as instruções que oportunamente se dirigiram àseditoras de discos, se encontrem razões para não se aprovarem as letrasem causa.7

Para descontentamento do mesmo censor, seus “pedidos” nãosão cumpridos e no mês seguinte ele redige um novo parecer emresposta a Discos Rapsódia, desta vez em relação a sete canções (cujasletras não estão anexas ao processo consultado). Destas, três foram

5 IAN/ TT, SNI/ Censura, cx. 461, RIAV, pacote 440, Pasta 1: Censura de Letras de TrechosMusicais – Casa Rapsódia (Discos).

6 Idem.7 Idem, nº. 1/ RIAV/ DGI, 03 jan. 1974.

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vetadas, enquanto duas receberam o julgamento: “pelas mesmas razõesreferidas julgo não divulgar”, a terceira letra foi objeto de uma reflexãoum pouco mais atenciosa: “Em relação à letra denominada A Seringado Zé da Pinga, esta é de tal modo abastarda, revelando uma subculturaque julgamos prejudicial divulgá-la de qualquer modo, mesmo atravésda música popular”.8

Portanto, não bastasse a ausência do Estado no que se refere àdemocratização da Educação, a produção musical advinda ourepresentativa dos setores populares também foi perseguida eenquadrada como subcultura. Por outro lado, estas canções tambémforam objeto de crítica pelos músicos mais engajados, por suasimplicidade discursiva e musical. O que não se atentou na altura é ofato que ambos setores foram vítimas do mesmo controle censório.

Nossas últimas pesquisas realizadas numa outra documentaçãoda Censura, liberada no final do ano de 2006, revelam um grandenúmero de canções e poesias proibidas. No acervo do Serviço Nacionalde Informações, em particular na documentação da Direcção dosServiços de Espectáculos, lotado na Torre do Tombo, encontramosuma série de canções e poesias vetadas pelo setor. A título de ilustração,no dia 25 de abril de 1974, data da queda da ditadura portuguesa,estava previsto um evento na Escola Secundária Gago Coutinho deAlverca. A diretora da escola enviou um pedido de autorização àDirecção Geral de Espectáculos para a realização de um evento deteatro e de variedades9. Do programa foram proibidas três letras decanções, entre elas, Venham mais cinco, de José Afonso: “[...] A buchaé dura/ mais dura é a razão/ que a sustém/ só nesta rusga/ não hálugar/ para os filhos da mãe”10.

Se a canção foi uma arma para a oposição, ela também foiutilizada até fins da ditadura como agente formadora de opinião pelogoverno e por simpatizantes deste ideário. A instituição fascista

8 Idem, 10 fev. 1973.9 IAN/ TT, SNI/ Censura, IGAC, proc. 27, 15 abr. 1974.10 Esta canção foi gravada em 1973, mas parece tratar de Salazar que havia morrido três anos

antes. Afinal, depois de cair da cadeira, em agosto de 1968, foi exonerado pelo Presidente daRepública de seu cargo de Presidente do Conselho. Acredita-se que ele tenha vivido um períodosenil e que no início sequer sabia que não era mais o Presidente do Conselho (como ficou claronuma entrevista a um jornal francês, cerca de um ano depois de seu afastamento). É a esta faseque parece se referir a irônica letra da canção: “[...] Se o velho estica/ eu fico por cá/ se temmá pinta/ dá-lhe um apito/ e põe-no a andar/ de espada à cinta/ já crê que é rei/ d’aquém, ed’além-Mar [...]”. In: AFONSO. José. Venham mais cinco. Orfeu, 1973, nº. STAT-017.

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Mocidade Portuguesa possuía inúmeros corais, e para disseminar seu“canto colectivo”, publicava cadernos com letras e partituras dos hinose canções a serem executadas por todo o país. Por exemplo, em 1969,publicou Cancioneiro para a Mocidade: canto colectivo, com músicasjá conhecidas desta “mocidade”, em que temas caros à ditadura eramtrabalhados: a guerra colonial, a nação unida, o passado heróico e ofolclore.

Na marcha Aqui é Portugal, letra de Mário Ribeiro e ManuelTino, temos a confluência de um dos dois temas mais recorrentes, ouseja, do heroísmo e da unidade nacional: “A nossa história bela/ Estácheia de tais feitos [...] Que Portugal, uno e valente/ Viveráeternamente!” (CANCIONEIRO, 1969, p.19). Em Angola é Portugal,também de Mário Ribeiro, a guerra colonial é justificada: “Com ascarnes retalhadas/ Pela acção do banditismo/ Angola dá grandesmostras/ Do mais são portuguesismo!”. Portanto, os militaresportugueses eram heróis, ao passo que os rebeldes independentistaseram “bandidos”. Tal imagem é reiterada e de forma mais explícitaainda: “O inimigo é perverso/ Persistente e desleal/ E acima de tudoquer/ Dar cabo de Portugal”.

Além destas máximas, o autor enfatiza na partitura o ritmoexigido: “Marcial, sempre deciso [sic!] e bem ritmado”(CANCIONEIRO, 1969, p. 23). Como diria o escritor português JoséCardoso Pires em seu livro Dinossauro Excelentíssimo: “A Rádio e aTelevisão transmitiam-na entre marchas invencíveis e compassos deprocissão, um-dois, esquerda-direita, Laus Deo; o altifalante do gabinetedespejava-a continuamente” (PIRES, 1974, p. 65).

Em relação à documentação da Censura portuguesa, deve-se atentar ànatureza das fontes na medida em que são expressão da visão oficialproduzida pelo Estado e, como tais, devem ser balizadas a partir dosdebates políticos e culturais atinentes ao período. Logo, a observância degrupos sociais concretos, como os músicos e as expressões políticas queestes carregam, é fundamental para o entendimento do embate entremúsico e Estado.

A Censura, em seu oficio quase inquisitorial, interditava textosde cunho político, erótico ou qualquer outro tema que questionasse aideologia do Estado Novo português. Contudo, nem sempre era otexto o objeto do veto, por vezes, bastava o nome do autor (a) paraque viesse a interdição da obra, chegavam a proibir até mesmo onome de tradutores de obras estrangeiras quando estes não fossemligados ao governo. O fato é que após a queda da ditadura, os

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pesquisadores entraram em contato com inúmeros documentos queapontaram a incidência e o alcance da atividade censória em Portugal.Por exemplo, somente em janeiro de 1974, segundo relatório daComissão de Censura à Imprensa, foram suspensos de circulação138 títulos e, destes, 71 foram reprovados e proibidos de circular(RODRIGUES, s/d, p. 78). Na literatura não era muito diferente, o quelevou a uma progressiva autocensura e uso freqüente de metáforas, aexemplo das letras das canções:

A censura oficial ou oficiosa impunha ao escritor uma permanente einsidiosa auto-censura, apenas ultrapassada pelo engenho próprio deescrever entrelinhas ou de encontrar metáforas apropriadas. Assim,palavras como aurora ou amanhecer passaram a significar socialismo,primavera/ revolução, camarada/ prisioneiro, vampiro/ polícia, papoila/vitória popular. (RODRIGUES, s/d, p. 80)

Um dos mais censurados no campo da música e da poesia foio compositor José Afonso11. Mesmo com o acidente sofrido por Salazar(ao cair, literalmente, da cadeira - fato que o afastou definitivamentedo poder em 1968 e que o levou à morte em 1970), seu sucessor,Marcelo Caetano, a exemplo do primeiro, professor universitário dacadeira de Direito, manteve a similar política repressiva e econômicade seu antecessor. Assim, continuaram a todo vapor as atividades daCensura, como se vê num parecer censório de março de 1971, sobreuma coletânea de poesias (algumas delas transformadas, antes oumesmo depois, em canções) de José Afonso, intitulada Cantar de Novo:

Trata-se de uma colectânea de poesias do Dr. José Afonso, algumas dasquais musicadas e não raro transmitidas por Rádio Argel, no seuprograma contra o nosso País. Exemplos: A morte saiu à rua; Olhai onardo e a cicuta; Cantar alentejano – poema dedicado a Catarina Eufémia,a mulher que um soldado da GNR matou e é considerada heroína peloPartido Comunista Português; Coro dos caídos; Vampiros – este poemaestá musicado e é constantemente transmitido por Rádio Argel [...]Conclusão: Se estes poemas fossem retirados do livro não haveria malpois todo o resto é inofensivo e artisticamente válido. Julgo ser um livropara proibir (AZEVEDO, 1999, p. 573-4).

11 Aliás, há de se referir que este músico foi um dos maiores símbolos da resistência à ditadura.Foi o autor de Grândola, Vila Morena (a primeira foi E depois do adeus, de José Calvário e JoséNiza, interpretada por Paulo de Carvalho), para a saída dos capitães dos quartéis para achamada “Revolução dos Cravos”, que pôs fim à ditadura. Em 2007, completaram-se vinte anosda morte de Zeca Afonso, como também era chamado.

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Com este parecer o livro foi proibido e só poderia ser relançadoapós a retirada dos poemas citados pelo censor. Apesar da Censuraportuguesa ter atuado ao longo dos 48 anos de ditadura, não foi umcontrole homogêneo, afinal as circunstâncias também determinaramadaptações e a criação de leis que fizessem frente à Imprensa e àsmanifestações artísticas. Na chamada “primavera marcelista”, ou seja,durante o exercício do governo do primeiro Ministro Marcelo Caetano,entre 1969 e 1974, houve uma confusão também entre os censorespara saber o que havia de fato mudado. Para a sociedade também nãoficavam claros os limites desta “censura” agora chamada de “exameprévio”. Por exemplo, no ofício circular nº 12427 emitido pela Direcção-Geral de Segurança12 , há uma lista de onze livros proibidos de circularno país, entre eles Pedagogia do Oprimido, do educador brasileiroPaulo Freire. No mesmo documento constavam ainda revistas dosEUA, Alemanha, Inglaterra e Itália também proibidas de circularemem Portugal.

No mesmo dia, uma outra circular, de nº 1242613, tambémemitida pela DGS, elencava 17 livros “autorizados a circular no país”.Entre eles, A Internacional, de Marx e Engels; o irônico e clássico livroDinossauro Excelentíssimo, de José Cardoso Pires, e uma coletânea depoesias de José Afonso, organizada por Viale Moutinho.

Apesar deste controle, até o início de 1972, não havia a censuraprévia dos discos em Portugal, o que fazia com que os discosconsiderados subversivos fossem freqüentemente apreendidos pelapolícia, bem como os editores das gravadoras pressionados a nãoinvestir em trabalhos que atentassem à moral e à política divulgadaspela ditadura portuguesa. Tal pressão levou a uma autocensura doscompositores e também das gravadoras, estas últimas movidas aindapelo risco financeiro de terem seus discos apreendidos e seuinvestimento perdido. O governo português, frente à forte inserçãosocial dos “cantautores” portugueses, potencializou seus serviços decensura junto à produção discográfica. Convém ressaltar que, se paraa sociedade civil o governo utilizava o eufemismo de “exame prévio”,nos documentos internos e/ou confidenciais deixava muito claro suaatividade, como se vê na Circular 26 - DGI, de 19 de fevereiro de1972, enviada à Rádio Triunfo e Discos Alvorada:

12 Documento datado de 30 de maio de 1973, nº. de entrada 139. Cópia existente no Arquivodo Centro de Documentação 25 de Abril, em Coimbra.

13 Idem.

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Em 28 de Janeiro de 1971, enviei a V. Exa. o ofício confidencial n. 36-DGI/G, em que dava conta de que “resulta expressamente das leis emque deve ser vedada a edição ou radiodifusão de canções ou outrasformas musicais que, pelo seu conteúdo e objectivos, ou em face dascircunstâncias em que foram compostas, possam pôr em causa interesseslegalmente protegidos” [...].14

Por fim, neste mesmo documento, o Director-Geral daInformação reproduz as proibições em relação às canções:

a) as que contenham, ainda que veladamente, ultrajes às instituições ouinjúria, difamação ou ameaça contra as autoridades ou os seus agentesou contra os poderes constituídos, e bem assim as que se proponhamridicularizá-los;

b) as que aconselhem, instiguem ou provoquem os ouvintes a faltar aocumprimento dos deveres militares ou ao cometimento de actosatentatórios da integridade e independência da Pátria;

c) as que contenham palavras ou idéias ofensivas da dignidade e dodecoro nacional;

d) as que contenham expressões obscenas ou ofensivas das leis, da morale dos bons costumes;

e) as que incitem à depravação e ao vício ou exaltem formas de condutaou comportamento imorais ou anti-sociais;

f) as que, por qualquer modo, incitem ao crime ou exaltem actividadescriminosas e concitem os cidadãos a impedirem a acção da justiça nainvestigação de crimes ou na perseguição de criminosos;

g) as que, contendo alusões a factos da vida nacional, os deturpem noseu significado, por forma a estabelecer confusão ou desorientar osespíritos;

h) as que se propuserem divulgar factos ou acontecimentosmanifestamente falsos, com ou sem comentários;

i) as que em geral, não pudessem ser apresentadas em espetáculos públicossem risco do decoro, da moral, do respeito devido às instituiçõesautoridades e ao bom nome e prestígio do País. 15

14 IAN/TT, SNI/ Censura, cx. 4610. 15 IAN/TT, SNI/ Censura, cx. 4610.

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Tais prerrogativas legais guardam profundas semelhanças comseus similares brasileiros, abarcando um universo tão amplo quepossibilitavam um leque ainda maior de casos passíveis de interdição.Contudo, nos processos portugueses, os censores não citavam alegislação que embasava o veto, como o que foi feito no Brasil paradar uma imagem de cumprimento da lei. Ao censor cabia uma tarefasubjetiva, apesar dos preceitos legais a que estava submetido, afinalbastava elaborar a sua interpretação da mensagem, seja ela, na visãodo censor, explícita ou subliminar. Vale ressaltar que, caso aprovasseuma letra muito ofensiva ao poder e que esta viesse a se configurarnum “sucesso”, o censor corria o risco de até mesmo ser alvo de umprocesso interno ou mesmo de demissão. Logo, temos uma legislaçãocensória a ser observada e, concomitantemente, uma certaindependência interpretativa, por mais que pudessem ser questionadasem grau de recurso pelos interessados.

Apesar do controle da cultura, no campo musical as vozesopostas ao poder ditatorial foram ouvidas explícita e implicitamentenos discursos sonoros e nos movimentos musicais. Em meio à violentaGuerra Colonial iniciada em 1961, muitos dos militares portuguesesencontravam nas canções de José Afonso, Adriano Correia de Oliveirae Luís Cília, entre outros músicos, um exercício de lembrança de seupaís e familiares, bem como um meio de politização e de elaboraçãode uma crescente crítica à guerra e à exploração dos africanos.

Todavia, nem todas as críticas à ditadura foram vetadas, mesmoas que possuíam um discurso mais direto. Concomitante, aspossibilidades do discurso presente nas letras, as entonações, osarranjos, a tessitura musical da canção também podiam remeter auma leitura sombria da realidade. Mesmo as letras mais cifradas podiamproduzir efeitos em diferentes públicos. As canções de cunho engajadonão fizeram as revoluções, mas contribuíram para este intento. Alémdisso, não foi o discurso sonoro que engessou as lutas políticas aosublimar ou ao poetizar as ações práticas. Enfim, apesar dos limitesda mensuração de seus efeitos, a canção, engajada ou não, teve umpapel importante na formação das pessoas que viveram aquelesconturbados anos.

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MULTICULTURALISMO E DIRETRIZES CURRICULARES

NACIONAIS: UMA QUESTÃO EM DEBATE

Vanice Schossler Sbardelotto

Neste artigo, que se constitui como apresentação de discussõessuscitadas na pesquisa que vem sendo desenvolvida sobre omulticulturalismo e as Diretrizes Curriculares Nacionais para o EnsinoFundamental – DCNs – no programa de mestrado em Educação daUnioeste – Universidade Estadual do Oeste do Paraná, pretende-sediscutir a questão acerca da cultura e do multiculturalismo. Estesconceitos fazem parte do norte para a educação apresentados nasDCNs. A defesa da cultura e do respeito à diversidade cultural sãoincisivas no documento, desta forma, pretendo analisar estes conceitosà luz do método materialista histórico dialético, buscando compreendere apontar as divergências que existem na defesa da cultura nasDiretrizes e a compreensão de cultura na perspectiva materialista.

Na pesquisa, vem se buscando compreender a presença domulticulturalismo nas Diretrizes e a sua difusão nas propostascurriculares elaboradas no contexto deste documento, que propõe acultura como eixo central dos currículos, uma vez que reiteram aabertura da produção curricular de forma a atender as peculiaridadesculturais e regionais do país. Para tanto, discutir e compreender acultura nesta sociedade torna-se central, pois a partir desta definiçãodo que se entende, nesta pesquisa, por cultura, se assentará o debate.

Outra questão igualmente importante e pertinente é o papel doGoverno, como expressão do Estado, na elaboração, aprovação eexecução das políticas sociais, entre elas as políticas educacionais,porém, devido a espaço e tempo, não se tratará de aprofundar estaquestão neste trabalho. Porém, aponta-se que se entende que o Estado,na sociedade capitalista, atende prioritariamente aos interesses da classeeconomicamente dominante, isso se expressa, entre outras práticas,na proposição de leis. Este fato denota que as Diretrizes CurricularesNacionais não são produzidas desinteressadamente, mas se articulama uma organização do Estado liberal.

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Ao analisar as Diretrizes Curriculares Nacionais fica explícito –como não poderia deixar de ser um documento propositivo, norteador– a concepção de homem, projeto social, entendimento sobre cultura,valores sociais e éticos que se pretendem difundir nos currículosescolares. Existindo um apelo à educação como sendo a grandeintegradora da sociedade, promotora de paz, felicidade e equidadesocial. É sobre estes aspectos que se propõem as discussões nestetrabalho.

A discussão a respeito das funções que vêm sendo atribuídas àescola foi temática de um artigo de Newton Duarte, apresentado emuma mesa redonda do X Encontro Nacional de Didática e Prática deEnsino, realizado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro em1999. O autor faz uma análise sobre o papel que vem sendo atribuídoà escola nos últimos anos, como sendo, esta e a educação, o meio deenfrentar e superar a “crise dos valores” morais e ético. Neste artigose apresenta que tal crise está vinculada a forma de organização dasociedade e, desta forma, somente pela reorganização desta se poderiamresolver tais problemas. O apelo à educação faz parte do jogo ideológicopresente nesta sociedade, que busca camuflar, ocultar sua naturezaavessa à harmonia e à igualdade material.

O autor problematiza da seguinte maneira:

Ressalto já de início que estou partindo de um pressuposto: o de que ocapitalismo passa pela mais profunda e grave de todas as suas crises. [...]Esse pressuposto leva-me a concordar com o que escreveu Saviani (1991,p. 103 e 1996, p. 181) acerca da escolha que essa crise exige de todos nós:a escolha entre o socialismo ou a barbárie, isto é, a escolha entre lutar deforma coletiva e organizada pelo socialismo ou ficar, a cada ano quepassa, em estado de cada vez maior perplexidade perante o crescimentoda barbárie. Não seria justamente esse crescimento que estaria produzindoo crescente apelo por um pretenso “resgate” de determinados valoresmorais? Não seria esse crescimento da barbárie que estaria tornandotemas como educação e ética tão recorrentes na retórica dos governantes,dos empresários e dos meios de comunicação? (DUARTE, 2000a, p.177).

Pretende-se articular esta discussão de Duarte à defesa domulticulturalismo presente nas DCNs, que será abordadoposteriormente. Nas DCNs, o resgate e respeito à diferença entre asculturas está posto de forma desarticulada do contexto social em queé gerada, como se a desigualdade entre as pessoas tivesse outra causaque não a desigualdade material oriunda da sociedade capitalista(WOOD, 2003). A defesa de que as diferenças culturais, étnicas e

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religiosas segregam grupos, coloca em segundo plano a diferençamaterial produzida nesta sociedade e colabora para a associaçãomomentânea dos indivíduos em torno de questões que parecem ser“politicamente corretas” (DUARTE, 2004), mas que articulammagistralmente a desagregação da classe trabalhadora.

Exemplos destas defesas encontram-se facilmente nos debatessobre a função da escola e da educação. Tanto que para o mesmoevento em que foi publicado o referido artigo de Newton Duarte,encontra-se outro, de Frei David Raimundo Santos, integrante doEDUCAFRO – Educação e Cidadania de Afrodescendentes Carentes,São Paulo. Segundo Santos,

Aí está o grande erro das esquerdas: acham que a discriminação racial ésecundária o que a determinante é a discriminação social. Na verdade,as duas são extremamente arrasadoras. Todo branco pobre sofrediscriminação social. No entanto, o negro pobre, além de sofrer discriminaçãosocial, sofre também a DISCRIMINAÇÃO RACIAL. Se você der maisênfase à discriminação social, corre o perigo de reproduzir o sistema,negando à maioria do povo seu espaço, pois, segundo a UNESCO, 70%do povo brasileiro é afrodescendente (SANTOS, 2000, p. 70, grifos nooriginal).

Tais argumentações acerca da discriminação e das diferençaspartem da suas existências na sociedade, não buscando, assim, ascausas desta problemática, que tanto para Duarte (2004) como Wood(2003) estão na sociedade capitalista. Como cita a última autora, “ocapital luta por relações diretas e não mediadas por indivíduos, homensou mulheres, que do ponto de vista do capital assumem a identidadeabstrata do trabalho” [grifo do autor] (p. 239). Ou seja, a exploraçãodo trabalho para a obtenção da mais-valia e para a acumulação docapital (MARX, ENGELS, 1999) não vê cor, raça, etnia; interessasomente “sugar as energias” dos indivíduos no processo de produçãoe é na base material que se configuram as diferenças entre as classes,entre as pessoas.

Desta forma, retornando ao primeiro fragmento exposto, é essasociedade capitalista que é oposta ao desenvolvimento moral dosindivíduos, pois em uma sociedade onde todos competem com todos,sejam brancos, negros, mulheres, minorias étnicas, etc, o que está nocentro desta sociedade é a exploração do trabalho do outro. Logo, adiscussão sobre a cultura ou a multiplicidade de culturas não pode serempreendida fora da compreensão de luta de classe. Nesta perspectiva,pretende-se analisar a cultura buscando categorizá-la la nos clássicos

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do materialismo histórico dialético Karl Marx, Friedrich Engels, AlexisLeontiev e no contemporâneo Newton Duarte.

Como assinalado anteriormente, depreende-se das DiretrizesCurriculares Nacionais, um projeto multicultural de Educação. Estaafirmação pode ser construída analisando o texto das diretrizes.

No texto introdutório às diretrizes, é exposto que um marcofundamental destas é o seu caráter flexível, pois permitem o ajustedos currículos às necessidades, realidades e culturas regionais. O queem si não caracteriza nenhum problema, porém esta flexibilidade, daforma como é exposta, apresenta a cisão do conhecimento científicoda realidade em que ele é produzido, tratando conhecimento científicoe realidade cultural como coisas distintas. Isso difere do que é expostopor Leontiev (1978) que afirma que a cultura é o produto da ação doshomens sobre a natureza na produção da sua vida e que desta açãoresulta o conhecimento sobre a própria natureza. Este conceito deconhecimento também é abordado por Mao Tsé Tung (2001), quandodefende que todo conhecimento é uma elaboração teórica sobre aprática. Desta forma, conhecimento científico e realidade estão nomesmo terreno, não sendo opostos nem cindidos.

O caráter multicultural das diretrizes é evidenciado em todo oseu texto. Na introdução, é assinalada a defesa do pluralismo de idéiascomo sendo uma das maneiras a se atingir o objetivo da educaçãoque, conforme as Diretrizes, é formar o cidadão pleno, “tendo comometa o ideal de uma crescente igualdade de direitos entre os cidadãos,baseado nos princípios democráticos” (BRASIL, 1998, p. 03).

O texto vai explicitando, com argumentos de difícil refutação, oseu objetivo para a educação:

O exercício do direito à Educação Fundamental supõe, também todoexposto no artigo 3° da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,na qual os princípios de igualdade, da liberdade, do reconhecimento dopluralismo de idéias e concepção pedagógicas, da convivência entreinstituições públicas e privadas estão consagradas (BRASIL, 1998, p.01).

Prever a consagração e, portanto, o direito ao pluralismo deconcepções pedagógicas evidencia que toda e qualquer corrente seráaceita, o respeito a estas diferenças, sob o tom da democracia, deixa ocaminho livre para práticas pedagógicas de qualquer natureza. Duarte(2004), apoiado em Marx, comprova que tal defesa é a negação deque existam conhecimentos mais desenvolvidos que outros,“conhecimentos universais a serem transmitidos na escola” (p. 229).

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Desta forma, destaca o autor que “a escola seria então nadamais do que um espaço, entre muitos outros, de troca e decompartilhamento de crenças culturalmente estabelecidos” (p.227).

A ausência de um projeto social único, ou a explicitação dafragmentação da educação proposta pelas DCNs, dá-se na medidaque cada escola tem a “liberdade” de realizar seu próprio planocurricular, levando em conta a necessidade da sua comunidade local.Teríamos ou teremos, desta forma, no país, inúmeros projetos quepodem ser até transformadores das suas micro-realidades, porém, o“fato de uma situação ter suas particularidades não a isola do todosocial” (DUARTE, 2000a) e o “todo” é proposto nas DCNs atravésdos conteúdos mínimos, que, como exposto anteriormente, cindiu oconhecimento científico da vida cidadã, impossibilitando assim acompreensão da totalidade social, ao menos no plano legal. De acordocom Duarte (2000b), existe um movimento empreendido pelos pós-modernos de desconsideração da totalidade, como se ela não fosseapreensível, ressaltando que “ a unidade, ainda que conserve ascaracterísticas essenciais da totalidade, (...) ela é objetivamente partede um todo e o processo de conhecimento deve caminhar da análiseabstrata dessa unidade para a síntese concreta do todo no pensamento”(DUARTE, 2000b, p. 89).

Os princípios a serem desenvolvidos pela educação escolar, deacordo com as DCNs, privilegiam comportamentos éticos, de respeitoaos direitos e deveres, ao bem comum e à ordem democrática, alémdo respeito à diversidade de manifestações artísticas e culturais. Estesprincípios, expostos na primeira das sete diretrizes, se seguem demais três outras questões, que são tratadas com maior relevância pelotexto, antes de chegar à questão do conhecimento científico, este quepara Duarte (2000b, 2004) deve ser o centro da escola, de forma queesta não se guie pelo cotidiano, pelo espontaneísmo, mas deveaproximar os alunos dos conhecimentos científicos universais,diminuindo a distância entre os indivíduos e a riqueza intelectual dogênero humano. Desta forma, segundo Duarte (2000b), seria possívela escola contribuir na luta contra a alienação.

Esta quarta diretriz traz textualmente a cisão entre osconhecimentos científicos e os conhecimentos da vida cidadã; estademarcação de conhecimentos como sendo diferentes, de camposdiferentes, explicita uma concepção de educação:

IV – Em todas as escolas, deverá ser garantida a igualdade de acesso dosalunos a uma Base Nacional Comum, de maneira a legitimar a unidade

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e a qualidade da ação pedagógica na diversidade nacional; a Base NacionalComum e sua Parte Diversificada deverão integrar-se em torno doparadigma curricular, que visa estabelecer a relação entre a EducaçãoFundamental com:

a) a Vida Cidadã, através da articulação entre vários dos seus aspectos como:1. a Saúde;2. a Sexualidade;3. a Vida Familiar e Social;4. o Meio Ambiente;5. o Trabalho;6. a Ciência e a Tecnologia;7. a Cultura;8. as Linguagens; com,

b) as Áreas do Conhecimento de:1. Língua Portuguesa;2. Língua Materna (para populações indígenas e migrantes)3. Matemática;4. Ciência;5. Geografia;6. História;7. Língua Estrangeira;8. Educação Artística;9. Educação Física;10. Educação Religiosa (na forma do art. 33 da LDB) (BRASIL, 1998,p. 7)

Pode-se perceber que os conhecimentos a serem trabalhadosna escola estão de acordo com os princípios estabelecidos na primeiradiretriz. Os conteúdos privilegiam primeiramente conteúdos atitudinais,que exprimem que a escola deve ocupar-se de “moldar” o cidadãoresponsável, cooperativo, preocupado com as questões culturais,ambientais, etc, para, depois, ensinar o que é conhecimento científico.Para Vigostski (2005), os conceitos cotidianos elevam-se à categoriade conceitos científicos, após passarem pelo processo de reelaboraçãoem pensamento; desta forma, não existiriam dois “tipos” diferentesde conteúdos a serem ensinados, o foco de ensino deveria estar nosconceitos científicos. Duarte (2000b), articulando os conceitos deVigostki, afirma que “os conceitos científicos, ao serem ensinados àcriança através da educação escolar, superam por incorporação osconceitos cotidianos, ao mesmo tempo que a aprendizagem daquelesocorre sobre a formação destes” (2000b, p. 86).

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Nesta diretriz é possível depreender que conhecimentoscientíficos e conhecimentos cotidianos têm, respectivamente, o mesmograu de importância, desta forma, um não é superior ao outro e aescola, portanto, não pode privilegiar um em detrimento do outro.Este relativismo em relação ao conhecimento, Duarte (2004) associa acompreensão pós-moderna de conhecimento, em que todos seriamválidos e não existiriam conhecimentos mais desenvolvidos que outros.

Para Marx e Engels (1978) os conhecimentos resultam doprocesso de interação do homem com a natureza. É neste processode produção da vida material que o homem vai formulando teorias, vaicriando representações sobre este mundo. Os autores afirmam que“a produção de idéias, de representações, da consciência, está de início,diretamente entrelaçada com a atividade material e com o intercâmbiomaterial dos homens, como a linguagem da vida real “ (p. 36). Destaforma, os conhecimentos da “vida cidadã”, contidos nas DiretrizesCurriculares Nacionais, sobre a saúde, sexualidade, vida familiar esocial, etc, foram produzidos ao passo que o homem foi interagindocom a natureza e com os outros homens, como resposta às suasnecessidades.

Esta separação que ocorre com os conhecimentos tem influênciadireta do relatório da UNESCO, formulado por uma comissão presididapor Jacques Delors. Neste relatório aparece que a educação deve resolverum problema causado pelo desenvolvimento da ciência. Pois para estacomissão, o distanciamento entre as nações e as diferenças entre aspessoas é resultado do desenvolvimento tecnológico do século XX.Neste quadro, a educação deve resolver este problema fornecendopessoas qualificadas para o mercado e ainda produzir indivíduosharmoniosos, responsáveis, que respeitem a natureza, a diversidadede tradições e culturas. (DUARTE, 2000a)

Para Duarte (2000a), existe uma inversão ideológica no relatóriodesta comissão:

Para a comissão não são as relações capitalistas de produção que limitamos objetivos da ciência e da educação, mas sim estas que limitam odesenvolvimento social ao progresso econômico. Basta, portanto, queos educadores, cientistas e demais membros da sociedade abandonemsuas antigas concepções e abracem uma concepção mais ampla dedesenvolvimento e dos objetivos da Educação (p. 186).

A elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais seguiu estaconcepção. Tanto que o ensino de diferentes culturas, o destaque eresgate das diferenças culturais, para este documento, pode resolver

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o problema das minorias e acabar com a discriminação, pois estariacriando uma “consciência cidadã” de respeito ao outro, invertendo alógica da produção da consciência. Para Marx e Engels (1999) “não éa consciência que determina a vida, mas a vida que determina aconsciência” (p. 37).

Desta forma se explicita o caráter conservador e a lógicamulticultural desta política educacional materializada nas DiretrizesCurriculares Nacionais.

Conforme explicitado no início do texto, após esta breve análisedas DCNs, parte-se para abordar a cultura e o multiculturalismo. Oprimeiro na concepção de Leontiev (1978) e o segundo a partir dotexto “A rendição pós-moderna à individualidade alienada e a perspectivamarxista da individualidade livre e universal” (DUARTE, 2004), porentender que ambos os autores trazem elementos para compreensãodos referidos conceitos, indicando, desta forma, uma possibilidade decompreensão das políticas neoliberais.

Para Leonitev (1978), o homem é um ser da natureza e tudo oque tem de humano é decorrente da sua vida em sociedade, a partir daapropriação de todos os objetos da cultura humana. Desta forma, seuprocesso de hominização1 segue o desenvolvimento social e nãobiológico, a partir da organização social do trabalho para a satisfaçãodas suas necessidade e do desenvolvimento da linguagem pelanecessidade de comunicação.

As mudanças físicas pelas quais passou o homem, segundo oautor, são decorrentes da necessidade de produção: o desenvolvimentodos sentidos, a utilização das mãos, etc. No momento em que ascondições físicas estavam dadas, estavam dadas também as condiçõespara o desenvolvimento cultural ilimitado do homem, “a passagem dohomem a uma vida em que a sua cultura é cada vez mais elevada nãoexige mudanças biológicas hereditárias” (LEONTIEV, 1978, p. 263 -264).

No processo de produção material, o homem cria objetos quepassam a conter o significado da sua criação e utilização. Leontiev(1978) chama esse processo de objetivação do trabalho, de forma queos objetos carregam a cultura humana. As novas gerações se apropriamda cultura universal a partir do contato com estes objetos mediadospor sujeitos mais desenvolvidos, que já os compreendam, sejam estesobjetos, ferramentas de trabalho ou a linguagem, por exemplo.

1 Para Leontiev (1978) o processo de hominização é o processo pelo qual passou a espécie “homosapiens” para se distinguir dos animais.

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Ao nascer, o indivíduo está inserido em um meio cultural eabsorve as características deste meio, com condições de apropriar-sedos objetos culturais desenvolvidos e, a partir desta apropriação, darcontinuidade ao desenvolvimento humano. Este meio cultural do qualfala Leonitev (1978) não se restringe à cultura imediatamente local,mas à universal, que inclui o modo de produção, divisão das classessociais, etc. A apropriação dos objetos da cultura universal sofreinevitavelmente a influência deste meio social. Desta forma, as diferentesculturas são provenientes da apropriação desigual da cultura universal,devido à desigualdade econômica do modo de produção em que seencontram os indivíduos.

Para Leontiev (1978), a cultura é a objetivação da ação doshomens, é o saldo da sua transformação histórica, constituindo-se defenômenos e objetos criados pela humanidade. Os objetos carregamo resultado da ação humana, carregam a cultura humana. As novasgerações precisam entrar em contato com estes objetos através deuma ação mediada.

Para se apropriar destes resultados, para fazer deles as suas aptidões,<<os órgãos da sua individualidade>>, a criança, o ser humano, deveentrar em relação com os fenômenos do mundo circundante atravésdoutros homens, isto é, num processo de comunicação com eles(LEONTIEV, 1978, p. 272 – grifos no original).

A educação é o processo pelo qual se transmite às novas geraçõesa cultura do gênero humano. Este processo deve ser desenvolvido porquem tenha se apropriado desta cultura. O processo educacional refleteo estágio de desenvolvimento das forças produtivas, logo, quanto maisestas se complexificam, maior deve ser a complexificação também doprocesso educacional, para que não ocorra um distanciamento entreos indivíduos e o produto do trabalho, o que Marx e Engels (1999)chamam de alienação.

A apropriação deste desenvolvimento cultural está ligada aodesenvolvimento da sociedade, à divisão do trabalho e à exploração deuma classe pela outra, desta forma,

A concentração das riquezas materiais nas mãos de uma classe dominanteé acompanhada da uma concentração da cultura intelectual nas mesmasmãos. Se bem que as suas criações pareçam existir para todos, só umaínfima minoria tem o vagar e as possibilidades materiais de receber aformação requerida, de enriquecer sistematicamente os seusconhecimentos (...) (LEONTIEV, 1978, p. 175).

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O que ocorre, portanto, é a apropriação privada, por parte daclasse dominante, da cultura universal humana; não se trata de teruma cultura da burguesia e outra do proletariado. Esta apropriaçãoprivada da cultura produz uma estratificação desta mesma cultura,pois a minoria que detém os meios de produção detém também osmeios de difusão da cultura intelectual (LEONTIEV, 1978).

Em relação à determinação econômica da difusão da cultura,Leontiev (1978) continua:

O processo de alienação econômica, produto do desenvolvimento dadivisão social do trabalho e das relações de propriedade privada, não tem,portanto por única conseqüência afastar as massas da cultura intelectual,mas também dividir estas em elementos de duas categorias, umasprogressistas, democráticas, servindo o desenvolvimento da humanidade,as outras que levantam obstáculos a este progresso, se penetram nasmassas, e que formam o conteúdo da cultura declinante das classesreacionárias da sociedade (LEONTIEV, 1978, 276)

Segundo o autor, estas diferenças na apropriação da culturageradas pela desigualdade econômica são utilizadas, muitas vezes,pela classe dominante, para querer classificar raças como inferiores esuperiores, da mesma maneira como se divulga atualmente haver anecessidade de resgatar as diferentes culturas, não se postulando queestas decorrem das desigualdades econômicas. Afirmar que existe umaúnica cultura universal do gênero humano, resultante da interação doshomens com a natureza e com os outros homens na produção demeios para a satisfação das necessidades, parece opor-se à classetrabalhadora e discriminar as variações culturais, isso porque tão fortetem sido o jogo ideológico desta sociedade.

Este jogo ideológico, Duarte (2004) credita à concepção pós-moderna que se tem veiculado atualmente. Para este autor, os pós-modernos têm atitude cética em relação ao desenvolvimento dasociedade, pois compreendem-na num profundo processo defragmentação e dissolução dos objetivos totalizantes, universais. Negama possibilidade de conhecer a realidade cientificamente e por issopostulam não haver conhecimentos mais desenvolvidos em relação aoutros, e negam a possibilidade de transmitir conhecimentos. Comestas explicitações do autor, torna-se possível compreender que baseteórica tem fundamentado as Diretrizes Curriculares Nacionais,

Atacar a concepção moderna de sujeito é, portanto, atacar a concepçãomoderna de ser humano (...). A idéia de um desenvolvimento universalda humanidade é acusada de ser eurocêntrica, colonialista, centrada na

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cultura e na tecnologia ocidentais. Tal noção de desenvolvimento ou deprogresso humano seria, segundo os pós-modernos, uma das maiores,senão a maior responsável pela destruição de outras culturas, pelodesequilíbrio ecológico e pelo racismo. Isso tem repercussões fortes nocampo da educação, bastando citar como exemplo a idéia de educação“pós-colonialista” e “multicultural” que se oporia ao princípio de queexistam conhecimentos universais a serem transmitidos na escola(DUARTE, 2004, p. 226 – 227)

Esta passagem tem valor didático imenso, pois tem condiçõesde auxiliar o esclarecimento da ligação entre esta concepção de educaçãomulticultural e o processo de alienação dos homens da cultural universalhumana, pois “nesta perspectiva, o conhecimento é apenas e tãosomente aquilo que é ‘tido como verdadeiro’ num específico contextocultural” (DUARTE, 2004, p. 227).

Estas considerações acerca da cultura e da concepção demulticulturalismo são fundamentais para a continuidade da pesquisada qual trata o presente texto, pois servem de base, ou formulam abase para posteriores análises acerca da política educacionalimplementada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais. Identificar omulticulturalismo à perspectiva pós-moderna explicita toda lógica liberalque tem fundamentado as políticas do Estado na sociedade capitalista.A temática do presente texto, bem como outras questões referentes àpolítica social e Estado, serão retomadas e aprofundadas em estudosfuturos.

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SOBRE OS AUTORESSOBRE OS AUTORESSOBRE OS AUTORESSOBRE OS AUTORESSOBRE OS AUTORES

Alexandre Felipe FiuzaAlexandre Felipe FiuzaAlexandre Felipe FiuzaAlexandre Felipe FiuzaAlexandre Felipe FiuzaLicenciado em História pela UFPB, Mestre em Educação pelaUNICAMP, Doutor em História pela UNESP (com estágio dedoutorando junto à Universidade de Lisboa) e Pós-Doutor em HistóriaContemporânea pela UAM (Espanha). Professor do Colegiado dePedagogia e do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Educaçãoda UNIOESTE.

Alfredo Roberto de CarvalhoAlfredo Roberto de CarvalhoAlfredo Roberto de CarvalhoAlfredo Roberto de CarvalhoAlfredo Roberto de CarvalhoGraduado em Pedagogia, Especialista em Fundamentos da Educação eMestrando em Educação junto ao Programa de Pós-Graduação strictosensu em Educação da UNIOESTE. Professor Pedagogo da rede públicado Governo do Estado do Paraná.

Cezar Ricardo de FreitasCezar Ricardo de FreitasCezar Ricardo de FreitasCezar Ricardo de FreitasCezar Ricardo de FreitasGraduado em Pedagogia pela UNIOESTE, Especialista em Ensino deGeografia e História pela União das Escolas Superiores do Vale doIvaí, Especialista em História da Educação Brasileira pela UNIOESTE eMestrando em Educação junto ao Programa de Pós-Graduação strictosensu em Educação da UNIOESTE. Professor da rede pública doGoverno do Estado do Paraná.

Edaguimar Orquizas ViriatoEdaguimar Orquizas ViriatoEdaguimar Orquizas ViriatoEdaguimar Orquizas ViriatoEdaguimar Orquizas ViriatoGraduada em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letrasde São Bernardo do Campo e em Letras pela Faculdade de FilosofiaCiências e Letras Nossa Senhora Medianeira, Mestre em Educaçãopela UNICAMP, Doutora em Educação pela PUC/SP, Pós-Doutora emEducação pela USP e pela Universidade do Minho. Professora doColegiado de Pedagogia e do Programa de Pós-Graduação stricto sensuem Educação da UNIOESTE.

Eneida Oto ShiromaEneida Oto ShiromaEneida Oto ShiromaEneida Oto ShiromaEneida Oto ShiromaGraduada em Terapia Ocupacional pela Universidade Federal de SãoCarlos, Doutora em Educação pela UNICAMP e em Industrial Relations- London School of Economics And Political Sciences. Pós-Doutorapela Universidade de Nottingham. Professora Associada da UFSC. FoiCoordenadora do Programa de Pós-graduação em Educação da UFSC(2006-2008) e Coordenadora do Fórum Sul de Coordenação deProgramas de Pós-graduação em Educação (2007-2008). Bolsista deProdutividade em Pesquisa do CNPq - Nível 2.

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Política, Educação e Cultura

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SOBRE OS AUTORESSOBRE OS AUTORESSOBRE OS AUTORESSOBRE OS AUTORESSOBRE OS AUTORES

Enio Rodrigues da RosaEnio Rodrigues da RosaEnio Rodrigues da RosaEnio Rodrigues da RosaEnio Rodrigues da RosaGraduado em Pedagogia, Especialista em Fundamentos da Educação eMestrando em Educação junto ao Programa de Pós-Graduação strictosensu em Educação da UNIOESTE. Atua como professor pedagogoda Rede Estadual de Ensino do Paraná. Militante da AssociaçãoCascavelense de Pessoas com Deficiência Visual (ACADEVI), do FórumMunicipal em Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência e Vice-presidente do Conselheiro do Conselho Estadual dos Direitos dasPessoas com Deficiência (COEDE).

Georgia Sobreira dos Santos CêaGeorgia Sobreira dos Santos CêaGeorgia Sobreira dos Santos CêaGeorgia Sobreira dos Santos CêaGeorgia Sobreira dos Santos CêaGraduada em Pedagogia pela UERJ, Mestre em Educação pela UFF eDoutora em Educação pela PUC/SP. Atualmente é professora adjuntada Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Atua como colaboradoraexterna do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Educação daUNIOESTE. É membro do Grupo de Estudos e Pesquisas sobreTrabalho, Estado, Sociedade e Educação - GP-TESE (UNIOESTE/CNPq)e membro participante do Coletivo de Estudos de Política Educacional(FIOCRUZ/CNPq). Participa do GT Trabalho e Educação da AssociaçãoNacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd);atualmente integra o Comitê Científico ad hoc do referido GT.

Gilmar Henrique da ConceiçãoGilmar Henrique da ConceiçãoGilmar Henrique da ConceiçãoGilmar Henrique da ConceiçãoGilmar Henrique da ConceiçãoGraduado em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letrasde Lorena e em Ciências Contábeis pelo Centro de Ensino Superiorde São Carlos, Mestre em Fundamentos da Educação pela UFSCARe Doutor em Filosofia e História da Educação pela UNICAMP.Atualmente é Mestrando em Filosofia pela UNIOESTE e Professoradjunto do Colegiado de Pedagogia e do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Educação da UNIOESTE. É editor daEducere et Educare - Revista de Educação.

Lizia Helena NagelLizia Helena NagelLizia Helena NagelLizia Helena NagelLizia Helena NagelGraduada em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letrasde Bagé, Especialista em Metodologia da Pesquisa em Educação pelaCenafor, Mestre em Educação pela UFRGS, Doutora em Educaçãopela PUC/SP. Atualmente é professora titular do Centro Universitáriode Maringá e consultora do Centro Universitário de Maringá.

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Alexandre Felipe Fiuza e Gilmar Henrique da Conceição (Orgs.)

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SOBRE OS AUTORESSOBRE OS AUTORESSOBRE OS AUTORESSOBRE OS AUTORESSOBRE OS AUTORES

Luis Fernando CerriLuis Fernando CerriLuis Fernando CerriLuis Fernando CerriLuis Fernando CerriGraduado em História, Mestre em Educação, Doutor em Educaçãopela UNICAMP e Pós-Doutorando em Educação pela UniversidadNacional de La Plata (Argentina). Atualmente é professor associado daUEPG. É líder do Grupo de Pesquisa em Didática da História, daUEPG. É um dos coordenadores nacionais do GT de Ensino de Históriae Educação da Associação Nacional de História (ANPUH). É bolsistade produtividade em pesquisa da Fundação Araucária desde Agosto de2008, e coordenador brasileiro do Programa Centros Associados parao Fortalecimento da Pós-Graduação Brasil-Argentina (convênio UEPG-UNLP).

Luiz Carlos de FreitasLuiz Carlos de FreitasLuiz Carlos de FreitasLuiz Carlos de FreitasLuiz Carlos de FreitasGraduado em Filosofia, Especialista em Fundamentos da Educação eMestrando em Educação junto ao Programa de Pós-Graduação strictosensu em Educação da UNIOESTE. Atua como professor na RedeEstadual de Ensino do Paraná.

Maria Inalva GalterMaria Inalva GalterMaria Inalva GalterMaria Inalva GalterMaria Inalva GalterGraduada em Pedagogia pela UNIOESTE, Mestre em Educação eEspecialista em Educação Pública no Brasil pela UEM, Doutoranda emEducação pela UNICAMP. Professora do Colegiado de Pedagogia daUNIOESTE.

Olinda EvangelistaOlinda EvangelistaOlinda EvangelistaOlinda EvangelistaOlinda EvangelistaGraduada em Filosofia pela UFPR, Mestre em Educação e Doutora emEducação pela PUC/SP, e Pós-doutora pela Universidade do Minho.Atualmente é professora Associada I da Universidade Federal de SantaCatarina atuando no cargo de Coordenadora do Curso de Pedagogia.Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq - Nível 2.

Paolo NosellaPaolo NosellaPaolo NosellaPaolo NosellaPaolo NosellaLicenciado em Filosofia na Itália com titulação reconhecida pelaUNISINOS, Bacharel em Teologia pela mesma Instituição, Mestre eDoutor em Filosofia da Educação pela PUC/SP. Professor Titular emFilosofia da Educação na Universidade Federal de São Carlos/SP e doPrograma de Mestrado e Doutorado em Educação da UniversidadeNove de Julho de São Paulo (UNINOVE). Bolsista de Produtividadeem Pesquisa do CNPq - Nível 1A

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SOBRE OS AUTORESSOBRE OS AUTORESSOBRE OS AUTORESSOBRE OS AUTORESSOBRE OS AUTORES

enata Cristina da Costa Gotardoenata Cristina da Costa Gotardoenata Cristina da Costa Gotardoenata Cristina da Costa Gotardoenata Cristina da Costa GotardoGraduada em Pedagogia, Especialista em Fundamentos da Educaçãoe Mestranda em Educação junto ao Programa de Pós-Graduação strictosensu em Educação da UNIOESTE. Pesquisadora do projeto depesquisa interinstitucional Demandas e Potencialidades do PROEJAno Estado do Paraná.

Rosane TRosane TRosane TRosane TRosane Toebe Zenoebe Zenoebe Zenoebe Zenoebe ZenGraduada em Pedagogia, Especialista em Fundamentos da Educaçãoe Mestranda em Educação junto ao Programa de Pós-Graduação strictosensu em Educação da UNIOESTE. É membro do Grupo Estudos ePesquisa sobre Trabalho, Estado, Sociedade e Educação (TESE) daUNIOESTE.

VVVVVanice Schossler Sbardelottoanice Schossler Sbardelottoanice Schossler Sbardelottoanice Schossler Sbardelottoanice Schossler SbardelottoGraduada em Pedagogia (2000), Especialista em Fundamentos daEducação (2003) e Mestre em Educação (2009) pela UniversidadeEstadual do Oeste do Paraná. Professora do curso de Pedagogia -UNIOESTE/Francisco Beltrão e Pedagoga da UTFPR - Campus DoisVizinhos.

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Alexandre Felipe Fiuza e Gilmar Henrique da Conceição (Orgs.)

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EDITORA E GRÁFICA UNIVERSITÁRIA

Assessoria Especialdo Gabinete da Reitoria

Assistente Administrativa

Criação e Diagramação

Impressão

Acabamento

Paulo KonzenLaurenice VelosoHélio A. Zenati

Geyze Colli Alcântara Lima

Antonio da Silva JuniorVinícius Thomas BackRachel Cotrim

Gilmar Rodrigues de OliveiraIzidoro Barabasz

Gentil David TeixeiraLeandro MirandaPaulo Henrique SoaresVera Müller