políticas públicas educacionais e o acesso do jovem ao mercado de
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POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS E O ACESSO DO JOVEM
AO MERCADO DE TRABALHO
Alessandra Helena Wiederkehr Pontifícia Universidade Católica Do Paraná – PUC-PR
Programa de Mestrado e Doutorado em Educação
RESUMO Um dos desafios da sociedade atual é manter níveis aceitáveis de emprego e de desenvolvimento em bases sustentáveis e possibilitar a inclusão da população em padrões de vida e de cidadania característicos dos países desenvolvidos. A partir deste contexto, realizou-se o presente estudo, que teve o intuito de abordar o acesso ao mercado de trabalho por meio das políticas públicas educacionais. Teve como objetivo geral analisar os fatores educacionais que dificultam e/ou impedem a inserção do jovem no mercado de trabalho. A pesquisa, de cunho qualitativo, teve como instrumento de coleta de dados a entrevista semi-estruturada aplicada a quatro jovens que foram encaminhados ao mercado de trabalho formal (e que tiveram 10 ou mais entrevistas negadas), a seus pais e a cinco empresários ou seus representantes. O estudo demonstrou que a parceria entre as famílias e a escola tem ações diferenciadas para cada entrevistado, mas que a trajetória escolar revela um descompasso entre as expectativas dos pais e o resultado obtido. Chama-se a atenção para a necessidade de uma revalorização epistemológica do espaço escolar, de sua natureza e de suas transformações por meio das experiências educativas e seus movimentos sociais, a fim de que o jovem conheça a origem social de seu sofrimento de não conseguir adentrar o mercado de trabalho. Foi possível constatar que, no Brasil, o acesso à educação e ao trabalho por meio das políticas públicas educacionais acompanha a história política do país e que se faz essencial a elaboração de novas ações educativas que tragam respostas às dificuldades que as políticas educacionais enfrentam, sobretudo no que se refere ao acesso ao mercado de trabalho. Palavras-chave: Políticas públicas educacionais. Educação. Trabalho.
Um dos desafios que as sociedades enfrentam no início do século XXI é manter níveis aceitáveis de emprego e de desenvolvimento em bases sustentáveis. Da mesma forma, também é um desafio possibilitar a inclusão da população em padrões de vida e de cidadania característicos dos países desenvolvidos. Neste momento histórico, é intenso o debate sobre as possibilidades e limites da ação do Estado no desenvolvimento econômico e sobre a efetividade das políticas de inclusão social e de outras políticas que possibilitem que indivíduos tenham acesso a trabalho e escapem da pobreza e da marginalização.
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Neste contexto, abordar o acesso ao mercado de trabalho por meio das
políticas públicas educacionais requer detalhar o campo teórico e de análise
próprio desta política pública. Isto porque se verifica que o processo educativo
está situado geográfica e historicamente, o que significa que se realiza de
formatos diferentes em cada espaço social e em cada espaço de tempo. Sob esta
ótica, se faz necessário, primeiramente, esclarecer o significado de alguns termos
utilizados, como educação, políticas públicas, políticas educacionais e trabalho.
Para Pimenta (2001, p. 53), “A educação enquanto prática social humana
é um fenômeno móvel, histórico, inconcluso, que não pode ser captado na sua
integralidade, senão na sua dialeticidade.” Neste sentido, a educação ocorre por
meio das relações do ser humano com o Estado, com a família e com o meio
social em que está inserido e é um processo contínuo e construído
progressivamente. A educação não seria reduzida a uma mera transmissão do
conteúdo cultural, mas seria a apropriação da realidade em que se está inserida.
Para Saviani (1991, p. 94), “A educação também interfere sobre a sociedade,
podendo contribuir para a sua própria transformação, fato que a torna histórica.”
Por políticas públicas, Boneti (2008, p. 36) compreende
[...] a ação que nasce do contexto social, mas que passa pela esfera estatal como uma intervenção pública numa realidade social, quer seja para fazer investimentos ou uma mera regulamentação administrativa. [...] o resultado da dinâmica do jogo de forças que se estabelecem no âmbito das relações de poder, relações essas constituídas pelos grupos econômicos e políticas, classes sociais e demais organizações da sociedade civil.
Assim, tanto as políticas públicas como as educacionais determinam as
ações no que se refere à educação e definem o direcionamento do Estado. Sob
esta ótica, é necessário pensar no trabalho se refletindo sobre modificações da
base produtiva, bem como nas exigências do capital de acordo com o sistema.
Para Antunes (1999, p. 139),
O trabalho, entendido em seu sentido mais genérico e abstrato como produto de valores de uso é expressão de uma relação metabólica entre o ser social e a natureza. Mais tarde nas formas mais desenvolvidas da práxis social, paralelamente a essa relação homem-natureza desenvolvem-se inter-relações com outros seres sociais, também com vistas à produção de valores de uso.
No sentido apontado por Antunes (1999), define-se trabalho como toda
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atividade que, realizada pelo ser humano, transforma a natureza. Ao realizar essa
atividade, os seres humanos se transformam e, ao se relacionarem com outros
seres humanos na realização dessas atividades, estabelecem as bases das
relações sociais.
Com efeito, o acesso ao trabalho, neste momento histórico, revela o
movimento das diferentes formas de acumulação e as mudanças que se firmaram
na formatação do mesmo por meio das relações sociais das quais ele faz parte.
Para Boneti e Gisi (2007, p. 60), isto acontece “porque, nos dias atuais, a
exclusão é entendida como uma problemática derivada do aguçamento das
desigualdades sociais e, por outro lado, o acesso é entendido como mecanismo
de inclusão.”
No que se refere ao primeiro emprego, a inserção ocupacional dos jovens,
ou seja, a passagem da fase estudantil para a de atividade profissional, é, por si,
marcada por incertezas e experimentações, e os jovens, dependendo das
condições de cada país, tendem a ocupar empregos mais instáveis e precários. No
entanto, o que tem chamado a atenção é a crescente participação, de uma forma
generalizada, dos jovens nas taxas de desemprego nas diversas economias.
No Brasil, segundo Pochmann (2000), existem razões para que o jovem
perca a esperança de ter um trabalho que propicie a ele uma vida com melhores
condições de viver do que seus pais tinham. Para o autor,
De um lado, a estrutura social do país, movida por enorme desigualdade econômica e marcada pelos indicadores de pobreza, analfabetismo e violência, transforma-se numa das fontes principais do enfraquecimento das expectativas de sucesso dos jovens do Brasil. De outro lado, o caminho seguido pela economia nacional tem colocado mais dificuldades que facilidades ao conjunto dos jovens brasileiros, mesmo para os mais ricos. (POCHMANN, 2000, p. 06)
Independente das causas, a situação do jovem brasileiro, no que se
refere às suas expectativas de ingresso no mercado de trabalho formal são
preocupantes.
Neste sentido, Bourdieu e Passeron (1992) vem ao encontro dessa
preocupação ao afirmarem que a escola oportuniza, por meio da aprendizagem, a
aceitação das relações hierárquicas do capitalismo, reproduzindo, no
relacionamento com os alunos, a socialização fracionada entre indivíduos, grupos
ou classes sociais.
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O presente estudo realizou incursões teóricas sobre questões que
discutem as perspectivas para o trabalho juvenil neste início de século, visto que
os jovens têm o direito de se profissionalizarem e trabalharem em condições que
respeitem sua personalidade em desenvolvimento.
Este trabalho aborda as questões dos reflexos provocados pelo novo
contexto econômico relativos às dificuldades de inserção dos jovens no mercado
de trabalho, enfatizando, sobretudo, o papel e a contribuição das práticas
educativas por meio das políticas públicas no tocante à capacitação dos jovens
para as demandas do mercado.
Neste texto, definiu-se como objetivo geral compreender a relação existente entre as trajetórias escolares não-lineares e a empregabilidade negativa, ou seja, como as trajetórias escolares não-lineares dificultam a entrada dos jovens no mercado de trabalho.
Utilizou-se, como instrumento de coleta de dados, a entrevista que, segundo Bogdan e Biklen (1994, p. 134), varia quanto ao grau de estruturação e “[...] é utilizada para recolher dados descritivos na linguagem do próprio sujeito, permitindo aos investigados desenvolver intuitivamente uma idéia sobre a maneira como os sujeitos interpretam aspectos do mundo.” Com base nesses autores, tomou-se o cuidado, em relação à entrevista, para não controlar o conteúdo de forma demasiadamente rígida para que se pudesse levantar uma série de tópicos sobre os jovens, seus pais e os empresários ou representantes das empresas. Por esse motivo, optou-se pela entrevista semi-estruturada, que, de acordo com Trivinõs (1987), é um dos principais meios que tem o investigador para realizar busca de dados. Não desmerecendo o valor dos outros tipos de entrevista, Trivinõs (1987, p. 146) entende que
a entrevista semi-estruturada, ao mesmo tempo em que valoriza a presença do investigador, oferece as perspectivas possíveis para que o informante alcance a liberdade e a espontaneidade necessárias, enriquecendo a investigação.
Na direção apontada pelos autores mencionados – Bogdan e Biklen
(1994) e Trivinõs (1987) –, procurou-se deixar os entrevistados à vontade para
falarem sobre esse momento de inserção do jovem no mercado de trabalho, sem,
entretanto, perder de vista o âmbito qualitativo da entrevista.
As entrevistas foram gravadas e, posteriormente, transcritas e submetidas
à análise sociológica.
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Tomou-se como base para a realização desta pesquisa o sociólogo
Bourdieu (1997, p. 708), para quem
A sociologia sabe que ela deve ter os meios de questionar primeiro em seu próprio questionamento, todas as preconstruções, todos os pressupostos que existem tanto no pesquisador como no pesquisado e que fazem com que a relação de pesquisa freqüentemente só se instaure na base de um acordo dos inconscientes.
Ainda no que se refere às entrevistas, entende-se que se deve ter cuidado
com as falas espontâneas dos entrevistados, pois o que se deseja saber está
ligado aos efeitos de toda a vivência social dos mesmos, desde a sua infância.
A passagem da fase estudantil para a fase profissional traz dúvidas,
novas experiências e preocupações não somente para os jovens, como também
para os adultos que com eles convivem e para a sociedade. Exemplo disso é que,
desde que a história vem sendo registrada, pais, pedagogos, filósofos, cientistas
sociais e sociólogos têm se preocupado com os problemas da juventude.
Assinalam-se, por exemplo, Shakespeare, com Hamlet e Romeu e Julieta;
Rousseau, com Emílio e Virgínia; Goethe, com Werther, entre outros. Somente no
decorrer dos séculos XVIII e XIX é que a juventude começou a ser ressaltada
como uma passagem para a vida adulta e, a partir daí, é que as diferenças
começaram a ser percebidas e estudadas cientificamente.
A passagem do século XIX para o século XX marcou um período histórico
que intensificou a necessidade de o homem adaptar-se ao ritmo das máquinas.
Nesse período, ocorreu a evolução tecnológica, em decorrência da qual o indivíduo
já não mais conseguiu acompanhar o ritmo desejado da produção. Nesse contexto,
desde que a escola surgiu, o papel desta passou a ser enfatizado na produção de
indivíduos com a finalidade de servir às necessidades do setor econômico da
sociedade capitalista. Neste sentido, Enguita (1989, p. 199) explica que
A mais elementar destas formas, embora não a mais importante, é a sua própria divisão interna. A quase totalidade dos sistemas escolares apresenta, durante o período obrigatório, algum tipo de divisão entre ensino acadêmico e profissional, planejados, grosso modo, para conduzir os jovens, respectivamente, a postos de trabalho de gravata ou de macacão.
Com base em Enguita (1989), se entende que a escola reproduz, sob
múltiplas formas, a divisão do trabalho predominante na sociedade e que a
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educação tende a estar associada, como requisito básico, para que o jovem
consiga, efetivamente, se inserir no mercado de trabalho. Nesta conjuntura que
envolve mercado de trabalho, inserção ocupacional e contexto escolar, encontra-
se uma palavra-chave: capitalismo.
Neste contexto, falar em políticas educacionais requer que se tragam
informações sobre o que já ocorreu e vem ocorrendo em nosso país e, com estas
informações, entender o presente. Assim, sem ter a intenção de fazer um resgate
detalhadamente histórico, faz-se, a seguir, um relato de alguns fatos que foram
significativos na trajetória das políticas educacionais brasileiras.
Inicialmente, cabe mencionar o movimento da Escola Nova, que se
iniciou, no Brasil, na década de 1920 e se fortaleceu na década de 1930,
sobretudo em 1932, com o Manifesto da Escola Nova, que incorporou os
princípios trazidos pelas leis orgânicas, ou seja, a formação do homem para agir
na sociedade brasileira. Nessa época, o desenvolvimento do Brasil urgia modificar
o formato da educação, pois o aumento da indústria requeria maior preparação
dos trabalhadores. (ROMANELLI, 1998).
Outro marco na trajetória da educação brasileira foi a Constituição
Federal de 1937 que, em seu artigo 129, preceitua que
O ensino pré-vocacional e profissional destinado às classes menos favorecidas é em matéria de educação o primeiro dever do Estado. Cumpre-lhe dar execução a esse dever, fundando institutos de ensino profissional e subsidiando-os de iniciativa dos Estados, dos Municípios e dos indivíduos ou associações particulares e profissionais. (BRASIL, 1994, site).
No que concerne à profissionalização dos jovens, no Brasil, a primeira
preocupação surgiu na década de 1940. Em outras palavras, em atendimento ao
dispositivo constitucional federal de 1934 – que delegou, em seu art. 5º, inciso
XIV, à União a competência de “traçar as diretrizes da educação nacional”
(BRASIL, 1994, site) –, o Ministro da Educação Gustavo Capanema redigiu as
Leis Orgânicas de Ensino, as quais foram implantadas por meio de decretos-leis
sancionados entre os anos de 1942 e 1946.
As Leis Orgânicas do Ensino – a Lei Orgânica do Ensino Industrial, em
1942; a Lei Orgânica do Ensino Comercial, em 1943; e a Lei Orgânica do Ensino
Agrícola, em 1946 –, materializaram as reformas e as mudanças conduzidas pelo
Ministro da Educação:
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Esses três decretos-leis organizaram o ensino técnico profissional nas três áreas da economia, de forma que ele contivesse dois ciclos – um fundamental, geralmente de quatro anos, e outro técnico, de 3 a 4 anos. [...] além do industrial básico de 4 anos, existia, no mesmo ciclo, o curso de mestria, de 2 anos. Já o 2º ciclo possuía, além dos cursos técnicos de 3 a 4 anos, o curso de formação de professores (pedagógico) de 1 ano. (ROMANELLI, 1998, p. 154).
Além dos cursos de formação mencionados, Romanelli (1998) ainda
aponta que os três decretos-leis previam cursos artesanais, de curta duração
variável e os cursos de aprendizagem.
Cabe mencionar que a Lei Orgânica do Ensino Industrial, assinada em
30/01/42, trouxe, em seu bojo, o deslocamento de todo o ensino profissional para
o nível médio, o que fez com que ocorresse um processo gradual de valorização
do ensino profissional, principalmente do industrial, em razão das exigências
propostas pelas mudanças tecnológicas daquela época. (ROMANELLI, 1998).
Outro aspecto a ser destacado é que, em 1942, o presidente Getúlio
Vargas assinou o Decreto-Lei nº 4.048, instituindo o Serviço Nacional de
Aprendizagem dos Industriários (SENAI), órgão subordinado à Confederação
Nacional da Indústria (CNI). Entre as competências imputadas ao SENAI, se
encontravam: organizar e administrar, em todo o país, escolas de aprendizagem
para capacitação de trabalhadores e ministrar ensino continuado de
aprendizagem, aperfeiçoamento e especialização de mão-de-obra. A criação do
SENAI foi de suma importância, pois sua implementação colaborou com o
desenvolvimento da indústria nacional, tornando-se, assim, uma vitória das
lideranças empresariais brasileiras. (ROMANELLI, 1998).
Ainda nessa época, para o desenvolvimento do Brasil, era necessário
modificar a formatação da educação, pois o aumento da indústria requeria a maior
preparação dos trabalhadores, dado as turbulências político-econômicas geradas
pela Segunda Guerra (1939-1945). Tais turbulências se refletiram no país e
comprometeram o ritmo das importações e a disponibilidade de mão-de-obra
qualificada. Assim, com o objetivo de promover o crescimento nacional, era
necessário suprir as lacunas da indústria de base e da deficiência de
especialização profissional.
Com a promulgação das Leis Orgânicas do Ensino, ficou clara a
ocorrência de duas estratégias para a formação da força de trabalho: uma seria o
sistema federal de ensino, sob o controle do Ministério da Educação; a outra seria
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o controle das classes empresariais sobre os cursos de aprendizagem industrial.
(ROMANELLI, 1998). Segundo o mesmo autor, instalou-se, no país, um dualismo
que dividia a educação escolar em duas: das camadas populares e das elites.
Neste sentido, as camadas mais populares buscavam as escolas de
aprendizagem que, em sua maioria, eram mantidas pelo SENAI e pelo SENAC,
instituições que pagavam para os alunos estudarem, funcionando, assim, como
um atrativo para essas populações mais pobres.
Outro aspecto apontado por Romanelli (1998, p. 168) é que “Em se
tratando de pré-adolescentes, a população que procurava as escolas de
aprendizagem era a população que precisava começar a trabalhar mais cedo,
portanto não podia freqüentar as escolas do sistema oficial”. O sistema oficial de
elite era, então, procurado pelas classes médias e altas, as quais buscavam o
ensino de formação, considerado, na época, um ramo que classificava socialmente.
No contexto exposto, foi adotada uma nova constituição – a de 1946 –
que, descentralizou, administrativa e pedagogicamente, o sistema educacional
brasileiro, “sem que a União deixasse de assumir o seu papel, quanto à
proposição de linhas gerais pelas quais deveria organizar-se a educação
nacional”. (ROMANELLI, 1998, p. 170). Essa constituição também previu, em seu
art. 169, recursos mínimos destinados à educação: “Anualmente, a União aplicará
nunca menos de dez por cento, e os Estados, O Distrito Federal e os Municípios
nunca menos de vinte por cento da renda resultante dos impostos na manutenção
e desenvolvimento do ensino”. (BRASIL, 1946, site).
Com base na constituição de 1946, foi constituída, pelo Ministro da
Educação da época, uma comissão de educadores, cujos estudos culminaram
com a Lei nº 4.024/61, primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB), sancionada em 20/12/1961, pelo então presidente João Goulart, quase
trinta anos após ser prevista pela Constituição de 1934. (SAVIANI, 2003)
A Lei nº 4.024/61 manteve a competência da União para legislar sobre a
matéria, bem como contemplava, em seu artigo 104, “a organização de cursos ou
escolas experimentais, com currículos, métodos e períodos escolares próprios”.
(BRASIL, 1961). Isto significa, segundo Romanelli (1998, p. 181), que não
prescreveu “um currículo fixo e rígido para todo o território nacional, em cada nível
e ramo”, quebrando, de certa forma, a rigidez e conferindo “certo grau de
descentralização”. Esta lei manteve a estrutura tradicional do ensino, composta
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pelo ensino pré-primário (escolas maternais e jardins de infância); ensino primário
de 4 anos; ensino médio (formado pelo ginasial, de 4 anos e o colegial de 3 anos,
que compreendiam os ensinos secundário e técnico (industrial, agrícola, comercial
e de formação de professores); e o ensino superior. (ROMANELLI, 1998).
A exemplo da ocorrência de um processo de modificações que originou a
LDB (Lei nº 4.024/61), teve-se a Lei nº 5.692/71, que fez a junção dos ramos
profissionais do ensino médio ao secundário e desses todos ao curso primário.
A Lei nº 5.692/71, que fixou as “diretrizes e bases para o ensino de 1º e 2º
graus” (BRASIL, 1971, site), proporcionou ao ensino profissional a formalização
da obrigatoriedade da profissionalização do ensino médio no segundo grau, mas
por dificuldades esta obrigatoriedade não aconteceu. (SAVIANI, 2003) Ainda em
1971, foi firmado um acordo de empréstimo internacional entre o Banco Mundial e
o governo brasileiro, o qual se transformou no primeiro acordo oficializado para a
área da educação, tendo sido chamado de Acordo MEC/BIRD I. (ROMANELLI,
1998).
Por meio do Acordo MEC-BIRD I, continuava a interferência externa que
já vinha ocorrendo no Brasil, sendo exemplo disso vários acordos assinados em
1966, entre o Brasil e o United States Agency International for Development
(USAID): o acordo entre o Ministério da Agricultura, o Conselho de Cooperação
Técnica da Aliança para o Progresso (CONTAP) e USAID, que firmaram acordo
para treinamento de técnicos rurais; o Acordo MEC/CONTAP/USAID, visando à
expansão e ao aperfeiçoamento de professores de ensino médio no Brasil; o
Acordo MEC/USAID, objetivando à modernização administrativa universitária; o
Acordo MEC/INEP/CONTAP/USAID, “sob a forma de aditivo aos acordos
anteriores para aperfeiçoamento do ensino primário”. (HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
NO BRASIL, 2009, site).
Os acordos mencionados mostram que se fazia presente uma influência
externa nos destinos das políticas educacionais brasileiras, seja no então ensino
primário, no ensino médio, em cursos técnicos. Silva (2003, p. 286), a respeito,
afirma que,
Durante a gestão Robert McNmara (1968-1981) o Banco Mundial assumiu a política estratégica de diversificação setorial de empréstimos, redimensionando-os de acordo com os seus interesses políticos, ideológicos e econômicos para alcançar a economia dos países capitalistas devedores.
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O Banco Mundial, ainda na gestão McNamara, “aprimorou sua política
econômica e suas estratégias para alcançar e modificar a economia dos governos
devedores” (SILVA, 2003, p. 286), o que fez com que essa instituição financeira
se apresentasse como a única com os instrumentos capazes de “reduzir a
pobreza, combater o analfabetismo e com capacidade para aplicar políticas
econômicas rentáveis e compatíveis”. (SILVA, 2003, p. 286)
Para Saviani (2007, p. 400), “[...] a década de 1980 é uma das mais
fecundas da nossa história, rivalizando apenas com a década de 1920 [...].”
Saviani (2003, p. 34) relata a tentativa de vários estados de implementar a política
educacional vigente durante a década de 1980. Assim, “Em nível estadual,
diversos governos de oposição ao regime militar, eleitos em 1982, ensaiaram
medidas de política educacional de interesse popular.” Neste sentido, ocorria a
exigência de modificar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação brasileira, o que
implicou modificações nos anos que se seguiram. A oportunidade surgiu com a
instalação da Nova República e a aprovação de uma nova Constituição Federal
(SAVIANI, 2003).
Assim, em 20/12/1996, a nova Lei de Diretrizes e Bases foi sancionada,
trazendo mudanças significativas em todos os níveis de ensino escolar, as quais
perduram até os dias atuais. Uma das mudanças significativas foi quanto à
preparação para o trabalho, estabelecida pelo seu parágrafo 2º do artigo 36,
segundo o qual “O ensino médio, atendida a formação geral do educando, poderá
prepará-lo para o exercício de profissões técnicas” (BRASIL, 1997, site), e pelos
artigos de 39 a 42.
Conforme especificam esses artigos da Lei nº 9.394/96, as diretrizes para
a educação profissional deverão tornar o indivíduo apto para a vida produtiva. A
escola fornece conhecimentos que tenham alguma utilidade para que o aluno
possa engajar-se profissionalmente e participar da comunidade. Assim a LDB
incorpora trabalho de forma restrita e universal; é o corolário do incentivo à
integração da escola à comunidade. (SAVIANI, 2003)
Com relação ao Ensino Médio, a grade curricular contém as disciplinas
que são comuns e as que são obrigatórias em toda a base nacional. Porém,
existe a flexibilidade, explícita nos artigos da LDB, dada a diversidade de cada
escola.
Em referência à Educação Profissional, ou preparo para o ingresso no
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mercado de trabalho, com base na LDB, em seus artigos de 39 a 42, do Capítulo
III, entende-se que a função da escola é preparar os alunos com conhecimentos
básicos sobre as profissões e sobre as perspectivas para o ingresso no mercado
de trabalho. Tem-se, também, a concepção de que deverá ocorrer a preparação
para o exercício da cidadania, para a autonomia e para o pensamento de forma
ética.
Saviani (2003, p. 216), no que tange ao Ensino Profissional, se manifesta
da seguinte forma em relação ao Capítulo III da LDB:
Esse capítulo parece mais uma carta de intervenção do que um documento legal, já que não define instâncias, competências e responsabilidades. Além disso, esse projeto traz como conseqüência o descumprimento do MEC em relação às escolas técnicas federais, provavelmente a experiência mais bem-sucedida de organização do nível médio a qual contém os germens de uma concepção que articula formação geral de base científica com o trabalho produtivo, de onde poderia se originar um novo modelo de ensino médio unificado e suscetível de ser generalizado para todo o país.
O Decreto nº 2.208, de 17/04/1997, regulamentou o § 2º do art. 36 e os
artigos de 39 a 42 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Segundo Souza
(2006, p. 478),
Em lugar de constituir uma unidade interativa entre a escola e trabalho, a proporção contida no Decreto n. 2.208/97 restringe-se à mera divisão do trabalho educacional, onde à educação profissional cabe o papel de fornecer a qualificação social na forma de conhecimento e habilidades gerais para o exercício de atividades produtivas – necessária para jovens e adultos se adaptarem às novas demandas de produtividade e competitividade.
Entende-se que o Decreto nº 2.208 permitiu uma educação profissional
interligada aos interesses dos empresários. Na compreensão de Souza (2006, p. 481),
A proposta de governo propunha um modelo de desenvolvimento economicamente sustentado, de participação ativa na vida internacional, de abertura para o mundo, modelo de ‘justiça social’ em que o direito à vida com dignidade fosse garantido, assegurando a inserção da economia brasileira no mercado globalizado.
Entretanto, conforme Harvey (1992), a globalização deixa marcas nas
relações do trabalho, no modo de regulamentar a vida social e política. Neste
sentido, o fenômeno da globalização é, ao mesmo tempo, gerador de riquezas e
responsável pelo aumento dos excluídos do processo social, aumentando o
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agravamento das desigualdades sociais e, consequentemente, da exclusão social.
Com relação ao agravamento das desigualdades sociais, pode-se pensar na política pública educacional implantada na década do ano 2000, que foi o Plano Nacional de Educação, o qual se concretiza com duas perspectivas para a política educacional. Segundo Valente e Romano (2002, p. 99), essas duas perspectivas traduziam dois projetos conflitantes do país: o projeto democrático e popular, expresso na proposta da sociedade, e o plano que expressava a política do capital financeiro-internacional e a ideologia das classes dominantes, devidamente refletido nas diretrizes e nas metas do governo. Para Valente e Romano (2002), esse plano deveria ser mais bem articulado com a sociedade brasileira, pois, mesmo sendo aprovado pelo congresso, transparece o desejo do Banco Mundial para países subdesenvolvidos.
Outra política, implementada , com relação à profissionalização, foi a Lei
nº 10097/2000, que regulamenta o trabalho de sujeitos abaixo dos 18 anos de
idade. Como é uma lei recente, deverá passar por estudos e avaliações.
Propôs-se este estudo como um esboço para um futuro aprofundamento
das questões apontadas. Considera-se relevante ressaltar alguns tópicos que, de
modo resumido, podem revelar as primeiras reflexões sobre o tema das políticas
públicas educacionais.
Para Boneti (2008, p. 58),
Os diferentes momentos históricos da sociedade nos mostraram que a questão social aparece evidenciando uma relação de diferenciação entre as diferentes camadas sociais, que formam a totalidade social, tendo o espaço produtivo como inserção.
Com efeito, acredita-se que a efetividade das políticas públicas
educacionais ocorrerá no intuito de possibilitar que mais indivíduos tenham
acesso ao trabalho e escapem da pobreza e da marginalização.
Mesmo compreendendo que o trabalho é o elemento que integra os
indivíduos à sociedade, para Boneti (2008, p. 85),
É a partir desta ótica, não mais da garantia do emprego, mas do trabalho conquistado no âmbito da competitividade do mercado, é que atuam as instituições de repasse a diferentes segmentos sociais do conhecimento socialmente produzido. Trata-se de instrumentalizar os sujeitos sociais de um ‘conhecimento útil’, mas exige-se deles uma homogeneidade de afinada racionalidade instrumental.
Outra importante dimensão a destacar é que se deve considerar, na
execução da educação, a participação decisória de instituições que financiam
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projetos, como, por exemplo, o Banco Mundial. Exemplo disso é dado por Deitos
(2006), que menciona o financiamento, por meio do Banco Mundial, para o Ensino
Médio e para o Ensino Profissional. Segundo Deitos (2006, p. 104), ao se verificar
as despesas financeiras produzidas pelos programas’, constatar-se-á ‘que os recursos oriundos do financiamento externo não acrescentaram quase nada, sob o aspecto das necessidades geradas pelos problemas educacionais nacionais, e pouco serviram para minimizá-los.
Desse modo, compreende-se a política pública educacional como uma
política social que aflora no processo histórico pelo Estado Capitalista. De acordo
com Boneti e Gisi (2007, p. 68),
Atualmente esta questão se agrava devido ao próprio avanço das relações capitalistas, quando o acesso ao conhecimento técnico não é garantido igualitariamente a todas as camadas sociais. O conhecimento técnico para um país capitalista globalizado passa a ser um bem de capital. Mesmo o conhecimento supostamente garantido pelo Estado, a forma como se dá a sua distribuição, beneficia segmentos sociais mais abastados que os outros.
A permanência da escola de forma linear, anos a fio, permite a sutil incorporação das regras do mundo social, que é recheado de símbolos de poder, como, por exemplo, o corpo técnico, como orientadores, supervisores e administradores, e o diretor, fazendo com que o aluno tome consciência das relações de força e poder que existem na sociedade.
Assim, a ação de todo o corpo técnico da escola vai sendo reconhecido e legitimado pelos alunos de forma sutil e não arbitrária, fortalecendo as relações de poder. É bem verdade que as relações de poder estão propensas a se reproduzirem, estabelecendo as hierarquias, nas quais os sistemas simbólicos teriam, em si mesmos, a sustentação para se constituir o poder na sociedade. Em relação aos jovens desta pesquisa, aqueles que são capazes de produzir textos com uma letra legível e de calcular com base nas operações matemáticas, teriam sua produção considerada superior aos que ainda não têm este esquema mental. Este esquema de pensamento, comparando um jovem que tem uma trajetória linear que possibilitou a sua educação para o trabalho, nem sempre é percebida, o que transcorre nas entrevistas com os sujeitos desta pesquisa de forma sutil.
Para Bourdieu (2004, p. 164), um título, como o título escolar, é capital
simbólico universalmente reconhecido e garantido, válido em todos os mercados.
Enquanto definição oficial de uma identidade oficial, ele liberta seu detentor da
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luta simbólica de todos contra todos, impondo a perspectiva universalmente
aprovada. O capital simbólico, segundo Bourdieu (1996b, p.107), é uma
propriedade qualquer (de qualquer tipo de capital físico, econômico, cultural,
social), percebida pelos agentes sociais cujas categorias de percepção são tais
que eles podem entendê-las e reconhecê-las atribuindo-lhes valor.
Parece que o jovem, por querer ingressar no trabalho e conseguir a sua
legitimidade perante a sociedade, encontra respaldo nas instruções que recebeu
ao longo dos anos na escola. É nesse sentido que a sua aprovação ou não diante
de uma entrevista tem a correspondência em sua carreira escolar que, para
alguns, foi positiva e, para outros, foi dolorosa e negativa. O aluno, diante de uma
série de fatores, teve que representar ou atuar em um campo escolar e se utilizar
desses conhecimentos para enfrentar a sua inserção na sociedade laborativa.
Sendo assim, não apenas nas últimas séries da escola, os alunos
deveriam ser preparados para o trabalho, mas esse processo deveria ter início já
no jardim de infância; desta maneira, os jovens começariam a visualizar seu
próprio papel e a função na sociedade em que vivem.
Para um empresário entrevistado, participante desta pesquisa,
“A escola inclui a todos, mas o adolescente tem que querer; se nosso funcionário, parou de estudar, ele será incentivado a voltar aos estudos. E na entrevista, percebemos na trajetória que é possível confiar, que assim que ele for contratado permanecerá com seus estudos. Afinal, a empresa incentiva a estudar. Sendo assim, ninguém sai ileso. A escola começa a formação, oferecendo horários, regras, que tudo culmina no mercado de trabalho; ele é a continuação da escola”. (Grifo nosso)
Visto o trabalho como uma extensão da escola, de acordo com os dizeres
do empresário entrevistado citado, considera-se que as regras do jogo que são
absorvidas por meio das brincadeiras, ou mesmo durante as aulas, fixam o
padrão para as leis da sociedade.
Segundo Bourdieu e Passeron (1992, p. 82-83),
Particularmente manifesta nos primeiros anos de escolaridade em que a compreensão e o manejo da língua constituem o alvo de atenção principal no julgamento dos mestres, a influência do capital lingüístico não cessa nunca de se exercer: o estilo permanece sempre levado em conta, implícita ou explicitamente, em todos os níveis do ensino médio e, ainda que em graus diversos, em todas as carreiras universitárias, mesmo científicas. Mais do que isso, a língua não é apenas um instrumento de comunicação, mas ela fornece, além de um vocabulário mais ou menos rico, um sistema de categorias mais ou menos complexo, de sorte que a aptidão à decifração e à manipulação de estruturas
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complexas, quer elas sejam lógicas ou estéticas, depende em certa parte da complexidade da língua transmitida pela família.
Há, aqui, uma tendência que se pode apontar para ocorrência dessa
situação, ou seja, se o agente (aluno) aprende o que lhe é repassado na escola, isto
é, o manejo da língua, o capital lingüístico da família nunca pára de exercer
influência. A língua não seria apenas um elemento de comunicação, mas fornece ao
interlocutor todo um sistema de estruturas internalizadas desde a infância. O fato de
ter dificuldades em se expressar poderia dificultar o aprender a ler e a escrever;
penetrando na própria conscientização de suas atitudes e aspirações da sociedade.
As ações desenvolvidas pelos jovens se transformam em ações sociais, se eles atribuírem a elas um sentido próprio e se esses se relacionarem com o comportamento de outras pessoas. Seguindo esse raciocínio, outro estudioso das Ciências Sociais, Weber (2003), acreditava que os seres humanos são conscientes de suas ações. O autor distingue formas da ação social: a ação racional em relação a um fim, a ação racional em relação a um valor e a ação objetiva. Weber (2003) compreende a conduta dos seres humanos levando em conta se esta leva em consideração as atitudes ou ações do outro.
Para entender o trabalho dos jovens, segundo Weber (2003), deve-se
compreendê-lo socialmente, envolvendo a análise da sua situação social e o
entendimento das suas intenções no mundo capitalista.
Para Weber (2003), o ser humano atua racionalmente, visando aos fins,
comparando racionalmente os meios com os fins, com suas consequências. Ele
visa a valores e age conforme sua crença religiosa, conforme sua formação
anteriormente aprendida socialmente. Essas ações são aprendidas conforme a
classe social de que faz parte.
A classe social é uma questão de poder para a produção ou para a
aquisição de bens. Para Weber (2003), dependendo do seu status social, o poder se
manifestaria socialmente. Diante desta afirmação, parte-se para questionamentos:
Será que os jovens que não conseguem adentrar o mercado de trabalho encontram
em seu status social um entrave? Tem-se o entendimento de que as atitudes dos
pais ajudam a condicionar as atitudes dos filhos, e que as estratégias em educá-los
está interligada a sua própria vivência social, cultural e educacional.
É evidente que a vivência de situações sociais, como a vida na escola, é
diferente para cada um dos envolvidos, existindo uma crença de que todos
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deveriam ter as mesmas oportunidades, fazendo com que todos os componentes
da sociedade fossem iguais.
Para Weber (2003), a ciência ou os estudos da sociedade deveriam ser
dedicados a compreender e a explicar os valores nos quais acreditam. Em outras
palavras, esta pesquisa pretende extrair o conteúdo simbólico da ação que o
jovem empreende durante a sua inserção no mercado de trabalho.
Na escola, o aluno pratica ações, e Weber (2003) relata que a ação é aquela cujo sentido pensado pelo jovem é referida ao comportamento dos outros, seja seu colega ou professor, orientando-se por ele o seu comportamento.
A educação escolar tornou-se destaque nas preocupações empresariais,
em vista de aumentar a adaptabilidade do contratado aos imperativos da prática
diária do trabalho.
Concebe-se que, para desempenhar uma função, se necessita ter as
noções de limites, regras e reflexos interiorizadas por meio da educação e que o
jovem tem que colocar em prática o que foi incorporado ao longo dos anos na
escola ou com seus pais e ou responsáveis.
Considerando o pensamento dos autores citados, entende-se que se
esteja utilizando a concepção de habitus de Bourdieu (1996a, p. 21), que a
enfatiza “como um sistema transferível de disposições socialmente constituídas”.
O habitus revela a ligação entre o pensamento do jovem que se origina dentro de
sua camada social e a articulação da sociedade dividida em camadas e expressa
a forma por meio da qual o jovem internaliza as possibilidades definidas pela sua
camada social, tendo em vista a sua inserção laboral.
Confirma-se, assim, que o importante não é somente o resultado escolar, mas se foi resultado de um tempo adequado de dedicação. Esta será, também, a equação pela qual o jovem será avaliado na empresa: se ele é capaz de produzir e se organizar no transcorrer de sua jornada de trabalho.
Uma das empresas entrevistadas nesta pesquisa repassou a avaliação que ocorre no transcorrer da evolução do funcionário contratado, seja jovem ou adulto: a avaliação, com o tempo, adquire formato mais especializado ou detalhado, a fim de medir aspectos como rejeição ao tempo, organização, empenho, liderança, respeito aos colegas e hierarquia. A prática cotidiana demonstrou que, a fim de equilibrar a avaliação, é verificado se o jovem contratado foi dedicado, igualando-se ao que ocorre no ambiente escolar.
No início do século XXI, a necessidade da entrada no mundo do trabalho
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exige do jovem esperteza suficiente que a ele possibilite utilizar as práticas do tempo na escola no tempo do trabalho. O argumento utilizado pelo empresário exige que a postura do jovem ajude a empresa a crescer economicamente, o que é confirmado por meio das avaliações escolares.
A interligação entre trajetória escolar e o tempo dedicado às tarefas e aos
estudos escolares encontra respaldo na seguinte citação de Enguita (1989, p. 205):
Quando se eleva a nota de um aluno porque empenhou-se bastante, embora seus resultados sejam ruins, ou se reduz a de outro porque não se esforça, embora seus resultados sejam bons, se está reconhecendo que o que preocupa a escola, nos alunos, é o comportamento ou o caráter, mais que o conhecimento ou as capacidades.
As palavras de Enguita (1989) revelam que a escola avalia de acordo com
a capacidade individual do jovem, preparando-o para atuar competitivamente
conforme o funcionamento do próprio mundo de trabalho. Só ter um nível de
estudo já não é a certeza de ter um trabalho. Diante das novas exigências, é
preciso que o jovem seja criativo e, ao mesmo tempo, flexível para aceitar as
regras da empresa.
Todavia, os jovens que realizam a interação entre família, escola e empresa devem satisfazer a sua exigência real para sua vida, pois a máscara representará a concepção que ele faz de si mesmo, que será o papel que se esforçará para viver. Esta será seu verdadeiro “eu”: aquilo que gostaria de ser. A escola pode ajudar na construção deste papel que, por sua vez, pode ser a parte principal de sua personalidade, pois ele entra na escola como um indivíduo e, se aceita as regras, adquire um caráter e se torna uma pessoa.
Assim mesmo, as semelhanças na estrutura da escola e na empresa que,
aparentemente, são diversas se refletem na igualdade do pensamento dos
empresários, funcionários ou professores e diretores ou corpo pedagógico. Quer
se trate de uma avaliação escolar ou avaliação do rendimento profissional, os
dirigentes veem se a representação ocorreu dentro do que é esperado para o
bom funcionamento da empresa ou escola.
É sabido que o certificado de conclusão do Ensino Fundamental ou Médio
legitima a posição social que o jovem ocupa. Para o senso comum, os certificados
serviriam para demonstrar que as posições na sociedade se definem pelo nível de
estudo, mas a elevação do mínimo de qualificação técnica exigida para o
exercício de algumas funções pretendidas pelos jovens não traz consigo a
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igualdade entre a qualificação técnica que a escola certifica e a qualidade social
que o certificado chancela. Isto quer dizer que não basta o jovem ter concluído o
Ensino Médio ou Fundamental para que as possibilidades do acesso ao mercado
de trabalho sejam mais positivas.
Desta forma, o sistema escolar reproduz os conteúdos como forma de
inculcação e reproduz, também, a estrutura de distribuição cultural por meio das
regras escolares, pressupondo que os alunos tenham essas regras familiarizadas,
pois pertencem à cultura dominante. Dessa forma, o fato de ter aceito essas
regras permite que o aluno tenha a sua trajetória escolar de forma linear, salvo
mudanças de cidade. E, ao final do ano letivo, lhe é concedido um prêmio, uma
certificação ou aprovação que são reconhecidos e legitimados socialmente.
De acordo com o pensamento de Bourdieu e Passeron (1992), os valores
da família são vividos pelos jovens de forma única e são apreendidos
naturalmente. Sendo assim, os ensinamentos, a cultura que é transmitida pela
escola são considerados universalmente como válidos para a obtenção do
certificado da trajetória escolar.
Apesar de a família ter, para seu núcleo, valores e uma seleção de
significações, a escola, como instituição, também tem impregnados, em sua rede
de ações, seus valores e significações que, para muitos, são considerados uma
forma arbitrária de educação que é sustentada pela classe social de que faz parte.
Os empresários entrevistados acreditam que alguns jovens têm um dom
no domínio de uma função, o que facilita a sua aceitação na entrevista seletiva e
que outros, com a trajetória não-linear, por não demonstrarem interesse em
querer aprender ou estudar caso sejam aprovados, são descartados logo no
início. Na verdade, não existia o dom, e sim as diferenças nas trajetórias
escolares dos jovens que passaram na entrevista, as quais decorrem da maior
proximidade entre a cultura da família e a cultura da escola.
Percebe-se que a socialização primária, ou seja, a apreendida desde a
primeira infância no interior da família, tem um grande peso na formação da
personalidade. No pensamento de Bourdieu; Boltanski (1989), a ação pedagógica
exercida pela família permanece nas pessoas de forma duradoura, pois foi
incorporada na forma de habitus.
Responder aos imperativos do mercado de trabalho é tão importante na sociedade contemporânea como respirar ou alimentar-se. O jovem é impelido a
19
atender a esses imperativos, visto que a sociedade e a própria família o impulsionam à entrada no mundo do trabalho. Para ir em direção a esta impulsão social, é necessário lembrar o que Bourdieu (1997) relata, ou seja, a ideologia espontânea do capitalismo, a qual alerta sobre um arbitrário cultural que está impregnado no campo de atuação desses jovens.
A dominação social do capitalismo faz com que a “força de trabalho” seja
aceita, pois ele percebe a venda desta força de trabalho pelos pais, ou seja, quem
trabalha se sente útil e tem um sentido para a sua vida.
Diante do exposto este artigo procurou lançar reflexões sobre o acesso ao mercado de trabalho por meio das políticas públicas educacionais, com base, sobretudo, em entrevistas semi-estruturadas com jovens, seus pais e empresários ou representantes que inserem ou não esses jovens no espaço laborativo. A análise se voltou para a identificação dos fatores que dificultam e/ou impedem, ou facilitam, a inserção desses jovens no mercado de trabalho, bem como averiguar se os reflexos das práticas utilizadas no habitus familiar podem exercer influência sobre a sua inserção ou não no mercado de trabalho e verificar os critérios utilizados na seleção de um jovem pelo empresariado.
No que tange à avaliação para a entrada no mercado de trabalho, no
contexto desta pesquisa, os jovens se submetem aos critérios utilizados pelos
empresários ou representantes que os entrevistam. Constatou-se, por meio das
entrevistas com os empresários ou seus representantes, que a aparência do
jovem, sua expressão verbal e sua demonstração de interesse no momento da
entrevista constituem aspectos positivos no processo seletivo. Além disso, foram
mencionados, também como aspectos positivos, escrever corretamente, ter letra
legível, ter uma meta para sua vida, a existência de compatibilidade entre a idade
e a série e ter crença religiosa.
Como aspectos negativos, a letra legível e a aparência foram novamente
mencionadas, revelando que os empresários ou responsáveis observam o
descuido com o corpo, a maneira de vestir, o asseio e a higiene corporal. Outro
aspecto negativo apontado foi o jovem não ter alguém responsável por ele, não
ter religiosidade e não respeitar os pais, os professores e familiares. Esses
aspectos revelam que o investimento que os pais empreendem, como, por
exemplo, o acompanhamento, a valorização, a aceitação e o respeito à disciplina
escolar favorecem, futuramente, o ingresso no mercado de trabalho.
Por serem as análises desta pesquisa baseadas na perspectiva da
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construção histórica do conhecimento, este pequeno recorte da comunidade
blumenauense, no que se refere à inserção do jovem no mercado de trabalho,
sinaliza a possibilidade de resistência em pensar sobre a construção de novas
relações sociais, em que a trajetória escolar do jovem possa ter maiores
possibilidades de entender, de forma profunda, o cotidiano das relações
familiares e escolares. Nesse contexto, os dados dos empresários revelam que
existe uma uniformidade de fatores na escolha dos jovens e que existe uma
relação única desses com a empregabilidade negativa.
O estudo demonstrou que a parceria entre as famílias e a escola tem
ações diferenciadas para cada entrevistado, mas que a trajetória escolar revela
um descompasso entre as expectativas dos pais e o resultado obtido. Nesse
sentido, as expectativas dos pais estavam concretamente interligadas à vida
social que mantinham, revelando que existe uma rede de significados que são
socialmente compartilhados, sobretudo com os outros filhos e com parentes. O
jovem tem incorporado o seu mundo social com sua maneira de agir e reagir, de
certa forma, o seu modo de pensar e sentir. Igualmente evidencia que o papel da
escola ou da família não são as únicas instituições interligadas na inserção do
adolescente no mercado de trabalho, mas têm que ser pensadas, constituídas e
constituintes das relações sociais, como revela Frigotto (2003, p. 11).
Neste início de terceiro milênio, a sociedade traz ao jovem uma série de
interrogações, cabendo à escola, neste novo contexto, trabalhar com outros
elementos, além dos tradicionais, pois o jovem de hoje, além de viver num outro
universo e ter novas expectativas, precisa fugir da exclusão social. Contudo, não só
os educadores, mas também os pais, enfrentam o desafio de contribuir com os
jovens para que se adaptem ao momento social em que estão inseridos. Este
desafio pode ser vencido pelo cultivo do hábito do diálogo no qual estejam propostos
o pensar a resolução de situações e a frequência em momentos culturais.
A educação somente por meio da escola não é mais suficiente para
garantir ao jovem o sucesso na trajetória escolar. Entretanto, oferece uma
possibilidade a mais, um quesito que será avaliado em sua iniciação no mercado
de trabalho e melhores opções que a marginalidade. Os lugares ou as ocupações
que os jovens estão aceitando apontam para o agravamento da situação de
marginalização e de desnivelamento social, que são resultantes de uma
inadequação ao mercado de trabalho. Isso significa compreender que o que está
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em discussão é a importância ou não da trajetória ser linear, em que o poder
perpassou as várias séries escolares, pois são reconhecidas como o lugar onde
se aprendem as regras do mundo social. A escola teria seu papel legitimado de
fazer com que o aluno se reconheça como membro de uma classe na expectativa
de se inserir no mundo do trabalho.
Nesta pesquisa, demonstrou-se que sentimentos ocultos no âmbito
familiar foram revelados, sentimentos reprimidos, como a correlação entre o
sucesso escolar e a certeza da entrada no mundo do trabalho, ligados à
inteligência e ao bom rendimento do jovem com a sua origem social, ou melhor,
com o capital cultural herdado da família.
Considera-se que a discussão proposta nesta pesquisa sobre o acesso
ao mercado de trabalho por meio das políticas públicas educacionais deveria
ganhar espaço nos debates em todo o Brasil, pois a preocupação com a
reformulação nos sistemas educacionais se faz necessária, com a introdução do
currículo de matérias que facilitem ao adolescente conhecer sua aptidão e com a
modernização dos equipamentos na área da informática.
Apresenta-se como cada vez mais fundamental a solidificação das
estruturas que permitam ao jovem acessar a escola, por meio da distribuição da
renda, de melhores condições educacionais e de um crescimento econômico
distribuído de forma igualitária em todas as camadas sociais.
Espera-se que se tenha transmitido ao leitor que a complexidade da
importância da aceitação da escola está na realidade social, visto que, por todas
as razões mencionadas, se deve ir além do senso comum, bem como que é real
e, por analogia estrutural e funcional, que, entre o campo escolar e o campo
empresarial existe a complementação de ambos.
As observações feitas permitem afirmar que o trabalho está se
modificando e que se está diante de um processo de inserção ao trabalho que
exige o retorno aos determinantes econômicos, escolares e sociais das inúmeras
inferências à liberdade dos jovens.
Essas mudanças no campo do trabalho exigem que a escola também se
modifique, ou seja, o trabalho intelectual está adquirindo novos contornos, o que
obriga a escola a assumir outro papel que não seja mais o de mera repassadora
de informações que, inclusive, já estão disponíveis nos meios eletrônicos de
comunicação e informação.
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A sociedade nutre uma imagem de que existem as mesmas oportunidades para todos os jovens, mas isto não corresponde à realidade. Essa sensação gera o efeito de que eles se sentem fracassados e com a perda da auto-estima, e excluídos socialmente. Boneti (2003, p. 28) explica que o termo exclusão significa “mais do que separar, segregar, discriminar grupos sociais por determinadas características inatas ou desenvolvidas.” Para o autor, excluir tem o significado de expulsar do mundo dominante, de literalmente “colocar para fora dos parâmetros e das normas que regem as relações sociais; não apenas marginalizar e sim desconsiderar a existência humana. Excluir significa criar e perpetuar condições sociais que tornam permanente o ato de morrer”. (BONETI, 2003, p. 28). Assim, considera-se ser incluído nas entrevistas seletivas levanta indícios que podem auxiliar a compreensão dos mecanismos que produziram a trajetória escolar
Sugere-se que os empresários assumam compromissos e responsabilidades em uma nova dimensão, que vão muito além do enfoque puramente financeiro, agregando novos valores empresariais e empreendedores, que considerem a vida social e a conduta ética da empresa, apoiando a implementação das políticas públicas.
Para Pochmann (2000, p. 56), quanto mais favorável o funcionamento do
mercado de trabalho, quanto mais efetivos os programas de garantia de renda e
quando maior qualidade tiver o sistema educativo, menor a proporção de pessoas
que tendem a abandonar a condição de inatividade. O trabalho assume a função
educativa e se constitui um fator decisivo em sua vida. É um valor, um instrumento
de realização humana que se subordina a outros valores, tais como direito ao
convívio familiar, à saúde, ao lazer, à educação e à formação técnico-profissional.
Para Gisi (2004, p. 50), são desafios
que dizem respeito à busca da qualidade da educação em todos os níveis de escolarização. Esta, por sua vez, diz respeito ao financiamento da educação e à proposição de projetos pedagógicos que contemplem a diversidade cultural e propiciem uma aprendizagem efetiva, em especial para aqueles que tiveram menores oportunidades educacionais. Os desafios dizem respeito também à proposição de formas de ingresso que contribuem com a democratização da educação e com a construção da cidadania.
Diante do exposto, no que se refere a políticas públicas educacionais, há
que se pensar nas estratégias para se garantir uma maior estabilidade social, pois
volta-se à questão que originou a pesquisa: o acesso ao mercado de trabalho por
meio das políticas públicas predispõe à diminuição de chances dos jovens no
23
mercado de trabalho? Talvez fosse mais prudente falar numa escola e numa
educação familiar em sintonia com o mundo social, com sua proposta e suas
modificações, com seu espaço e com seu tempo de ação.
Neste sentido, chama-se a atenção para a necessidade de uma
revalorização epistemológica do espaço escolar, de sua natureza e de suas
transformações por meio das experiências educativas e seus movimentos sociais,
a fim de que o jovem conheça a origem social de seu sofrimento de não conseguir
adentrar o mercado de trabalho.
Conclui-se que a educação, como uma política social, tem sua relevância
no que se refere a sua função de socialização do conhecimento, acarretando um
processo de inserção que lhe é legitimado e favorecendo sua importância política
de preparar para o acesso ao mercado de trabalho.
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