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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-graduação em Direito REGISTRO DE SONS COMO MARCAS NO DIREITO BRASILEIRO Ricardo Luiz Pereira Marques Belo Horizonte 2008

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-graduação em Direito

REGISTRO DE SONS COMO MARCAS

NO DIREITO BRASILEIRO

Ricardo Luiz Pereira Marques

Belo Horizonte

2008

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Ricardo Luiz Pereira Marques

REGISTRO DE SONS COMO MARCAS

NO DIREITO BRASILEIRO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito. Orientador: Prof. Dr. Rodrigo Almeida Magalhães

Belo Horizonte

2008

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FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Marques, Ricardo Luiz Pereira M357r Registro de sons como marcas no direito brasileiro / Ricardo Luiz Pereira Marques. Belo Horizonte, 2008. 125f. Orientador: Rodrigo Almeida Magalhães Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito. 1. Propriedade industrial. 2. Marca registrada. 3. Registros sonoros I. Magalhães, Rodrigo Almeida. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título.

CDU: 347.77

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Ricardo Luiz Pereira Marques

Registro de sons como marcas no Direito brasileiro

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Direito da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais,

como requisito parcial para a obtenção do

título de Mestre em Direito.

__________________________________________________________

Dr. Rodrigo Almeida Magalhães (Orientador) – PUC Minas

__________________________________________________________

Dr. Rodolpho Barreto Sampaio Júnior – Faculdades Milton Campos

__________________________________________________________

Dr. Alexandre Bueno Cateb – Faculdades Milton Campos

Belo Horizonte, 20 de outubro de 2008.

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Freud defendia que as referências para a felicidade humana são o amor e o

trabalho. Ao final da minha pesquisa no curso de pós-graduação em Direito, refletida

nesta dissertação, concluí não apenas questões jurídicas, mas também que o

psicanalista tinha razão. Um trabalho árduo como este, que demandou tanta atenção

e renúncia nos últimos anos, mostrou-se muito gratificante em seu final. Mas não

seria concluído se não tivesse sido inspirado pelo amor. Amor pela ciência jurídica,

pelo estudo, mas, principalmente, por duas pessoas, a quem dedico cada parte de

meu esforço para atingir este resultado: a doce Luciana, minha esposa, que me

ensinou o amor verdadeiro, e nossa querida filha Beatriz, que me mostrou quão

profundamente pode um homem amar.

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AGRADECIMENTOS

Muitas pessoas foram importantes para que eu chegasse ao final deste

trabalho proposto há alguns anos. E por ter recebido o apoio de tantos familiares,

tantos colegas, professores e amigos, era prudente que eu não fizesse

agradecimentos nominais. Se ocorresse de me esquecer um nome que fosse

causaria a impressão de que aquela pessoa não teria contribuído tanto quanto os

citados, o que não seria verdade e, de certa forma, esvaziaria de importância este

espaço de gratidão.

Mas, por outro lado, em injustiça maior eu incorreria se não referenciasse

certas pessoas que tiveram contribuição determinante em diferentes etapas do

trabalho e que, de certa forma, representam os que me auxiliaram.

Sendo assim, como forma de atender a ambas as intenções, manifesto meu

reconhecimento a todos os que me foram úteis nas pessoas destes grandes amigos,

que contribuíram mais diretamente para o início, desenvolvimento e conclusão dos

estudos representados por esta dissertação.

Inicialmente, meus pais e irmão, familiares que me proporcionam a

confortante sensação de saber que alguém sempre acreditará em mim.

Agradeço, ainda, nas pessoas dos professores Rodolpho Barreto e Daniella

Bernucci, que me apóiam desde quando cursar a pós-graduação era apenas um

projeto e a docência ainda não havia se revelado para mim uma gratificante

vocação.

Para expressar minha gratidão também me valho da Carla Volpini, com seus

importantes conselhos (nunca negados, mesmo que solicitados, na maioria das

vezes, em inoportunos momentos de sobrecarga de trabalho para ela), e dos

professores do programa de pós-graduação em Direito da PUC Minas, que me

revelaram novas visões para o Direito, incentivando-me a continuamente aprofundar

os estudos da ciência jurídica. Como cada mestre contribuiu de diversa maneira,

mantendo a estratégia acima explicada concentro os agradecimentos naqueles que

lecionam Direito Empresarial, e, portanto, ministraram de maior impacto em minhas

pesquisas . Assim, agradeço também aos professores Eduardo Pimenta e Rodrigo

Magalhães, este último de forma tripla, pois também orientou-me nesta dissertação e

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ofereceu grande incentivo para as árduas etapas do processo seletivo de ingresso

no curso de mestrado.

Mas, para ser verdadeiramente justo frente ao que me moveu até aqui preciso

reservar especiais agradecimentos para Luciana e para Beatriz. Sem elas não

haveria condições de sequer seguir estudando, muito menos de concluir a

dissertação. À minha esposa agradeço por atrair para si todas as cotidianas missões

familiares, liberando-me para refletir sobre os problemas que me propus a investigar

e as hipóteses que pretendi confirmar. Por me levantar quando a insegurança e o

cansaço me dobram. E por, tão somente sendo quem ela é, me fazer querer ser

alguém melhor do que sou. À minha filha, agradeço por ela simplesmente existir e,

com isso, me fazer sentir enormemente feliz e capaz de superar qualquer desafio.

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"É preciso que não tenham medo de dizer alguma coisa que possa ser considerada como erro. Porque tudo que é novo, aparece aos olhos antigos como coisa errada. É sempre nesta violação do que é considerado certo, que nasce o novo e há a criação. E este espírito deve ser redescoberto pela juventude brasileira" Mário Schenberg

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RESUMO

O presente trabalho se propõe a analisar a questão do registro de sons como

marcas no Brasil, negado pelo governo brasileiro com base em entendimento de que

a Lei nº 9.279/96, por meio do conceito de sinais registráveis que traz, assim

determinaria. Para cumprir seu objetivo, a dissertação inicia-se com o conceito de

marcas e exposição sobre sua função econômica. Trata da sua evolução e analisa a

regulamentação jurídica do tema, inclusive de países que admitem o registro de

sinais constituídos por elementos sonoros. Em sua parte final, demonstra a

insuficiência da exclusiva interpretação literal para obtenção do sentido e alcance

das normas jurídicas e submete a indagação acerca da possibilidade de registro de

sons como marcas no Brasil às prioridades de outros relevantes processos

interpretativos identificados, concluindo que a interpretação adequada da legislação

brasileira sobre o assunto é aquela que admite como registráveis no Brasil qualquer

sinal passível de publicação, dentre os quais se incluem os sons.

Palavras-chave: Propriedade industrial; marcas; sons; registro.

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ABSTRACT

The present work paper proposes to analyse the issue of the register of

sounds as brands in Brazil, denied by Brazilian Government based on the

understanding that the Federal Law 9.279/96 thus states, by the concept of signs

able to be registered. In order to fulfill its objective, the dissertation has its start with

the brand concept and the explanation of its economics purpose. Examines its

evolution and analyses the juridical rules concerning the issue, including countries

that admit the register which are built up by sound elements. In its final part,

demonstrates the insufficiency of the exclusive literal interpretation in order to get the

sense and the reach of the juridical rules, and query the possibility of the sound

register as brands in Brazil besides other identified interpretative relevant processes,

with the conclusion that the proper interpretation of brazilian law about the subject is

the one that admits to register any sign able to be published, including the sound

among them.

Keywords: Industrial Property; brands; sounds; register.

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LISTA DE ABREVIATURAS

Art. - Artigo Cia. - Companhia Coord. - Coordenador Ed. - Edição E.g. – Exempli gratia Inc. - Incorporation Mr. - Mister Nº - Número P. - Página V. - Volume V.g. – Verbi gratia Vs. – Versus

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LISTA DE SIGLAS

CD – Compact Disk CEE – Comunidade Econômica Européia CUP – Convenção da União de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial DVD – Digital Video Disk EUA – Estados Unidos da América GATT – Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio GE – General Electric INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial MGM – Metro-Goldwin-Mayer OAMI – Instituto de Harmonização do Mercado Interno OMC – Organização Mundial do Comércio OMPI – Organização Mundial da Propriedade Industrial RPI – Revista da Propriedade Industrial SCT – Comitê Permanente sobre Direito de Marcas, Desenhos Industriais e Indicações Geográficas TRIPS – Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights USPTO – United States Patent and Trademark Office

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO..............................................................................................................13 2 CONCEITO E FUNÇÃO ECONÔMICA DAS MARCAS...............................................18 3 DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO.............................................................................26 3.1 Antigüidade e Idade Média......................................................................................26 3.2 Período pós-revolucionário – século XIX..............................................................27 3.3 Primeira metade do século XX................................................................................30 3.4 Abandono da função identificadora de origem ou procedência.........................32 3.5 Virada do milênio: valiosos elementos da empresa.............................................35 4 REGULAMENTAÇÃO JURÍDICA................................................................................39 4.1 Necessidade de proteção jurídica..........................................................................36 4.2 Idade Média...............................................................................................................41 4.3 Período pós-revolucionário.....................................................................................41 4.4 Regulamentação supranacional.............................................................................43 4.4.1 Convenção de Paris de 1883................................................................................43 4.4.2 Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio – TRIPS.....................................................................................................46 4.4.3 Outros instrumentos de regulamentação supranacional..................................51 5 REGULAMENTAÇÃO JURÍDICA NO BRASIL............................................................53 5.1 Decreto nº 2.682 de 23 de outubro de 1875...........................................................54 5.2 Decreto nº 3.346 de 14 de outubro de 1887...........................................................55 5.3 Códigos de Propriedade Industrial.........................................................................58 5.4 Lei nº 9.279 de 14 de maio de 1996.........................................................................60 6 O REGISTRO DE SONS COMO MARCAS: TRATAMENTO JURÍDICO INTERNACIONAL............................................................................................................64 6.1 Estados Unidos........................................................................................................64 6.2 União Européia.........................................................................................................67 6.3 Rússia........................................................................................................................76 6.4 América do Sul.........................................................................................................77 6.4.1 Argentina................................................................................................................77 6.4.2 Uruguai...................................................................................................................78 6.4.3 Comunidade Andina de Nações..........................................................................79 6.4.4 Chile........................................................................................................................80 7 CRÍTICA À LINHA INTERPRETATIVA QUE NEGA A POSSIBILIDADE DE REGISTRO DE SONS COMO MARCAS NO BRASIL....................................................82 7.1 Insuficiência da interpretação exclusivamente literal de normas jurídicas.......86 7.2 Interpretações para além do texto..........................................................................90 8 A POSSIBILIDADE DO REGISTRO DE SONS COMO MARCAS NO DIREITO BRASILEIRO...................................................................................................................96 9 CONCLUSÕES...........................................................................................................110 REFERÊNCIAS..............................................................................................................115

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1 INTRODUÇÃO

O uso das marcas surgiu na Idade Média sob enfoque bastante diferente do

atual. De lá para cá, os sinais distintivos evoluíram, passando a reunir diferentes

funções. A de certificadora da conformidade dos produtos e serviços a certas

normas administrativas se manteve ao longo do tempo. Mas o principal papel das

marcas no mundo hoje dialoga com o ideal de desenvolvimento econômico dos

países – aqui se incluindo a busca pela livre iniciativa e livre concorrência.

Com o passar do tempo, elas se tornaram poderosos instrumentos de

identificação e distinção num mercado cada vez mais concorrido. E, em decorrência

disso, revelaram outra função, qual seja, a de importantes instrumentos de auxílio

aos consumidores na escolha ou preterição do bom e do mau fornecedor.

Sua importância chegou a tal ponto que, no Brasil, a titularidade de marca

ganhou caráter de direito fundamental ao ser incluída no art. 5º, XXIX, da

Constituição da República – regulamentado pela Lei nº 9.279/96.

Todavia, a idéia de livre utilização dos sinais marcários choca com sua própria

razão de existir. Todo aquele que desenvolve um produto ou serviço tem o interesse

de diferenciá-lo com um símbolo de uso exclusivo, impedindo que, no futuro, caso

seu trabalho adquira notoriedade, sua reputação não venha a ser usurpada em

concorrências parasitárias.

Para atender a esse anseio, criou-se um modelo legal protetivo, adotado

também pelo Brasil, que prevê o registro das marcas em um órgão oficial próprio.

Após esse procedimento, o sinal distintivo é atribuído ao uso exclusivo da pessoa

natural ou jurídica que o requereu. Portanto, todos os usuários brasileiros de marcas

têm, regra geral, o interesse em registrar aquele traço que os distingue dos demais.

Durante algum tempo, a interpretação que defendia o registro apenas de

figuras e expressões textuais bastou àqueles que pretendiam ser identificados no

mercado. Todavia, o endurecimento da concorrência incutiu nos empreendedores a

necessidade de se valerem de novos e mais eficazes meios de diferenciação e

divulgação frente a seus concorrentes. O avanço tecnológico, trazendo a reboque o

desenvolvimento da comunicação, com destaque para a expectativa de

convergência digital, torna cada vez mais viável esse intuito. Tendo isso em vista,

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ganharam força idéias de se criarem marcas não simplesmente visuais, mas que

explorem outros sentidos humanos como, por exemplo, a audição.

Mas, como intuitivo, se a nova geração de marcas não for oficialmente

protegida, os empreendedores evitarão se dedicar a essa forma de distinção no

mercado, em prejuízo, principalmente, do incremento das atividades empresariais e

de prestação de serviços, assim como das garantias protetivas do consumidor, que

se verá alijado de formas mais diretas e sofisticadas de identificação de seus

fornecedores prediletos.

Inserido nesse cenário, o problema sobre o qual se debruça a presente

pesquisa reside na recusa do órgão administrativo brasileiro incumbido de proceder

ao registro de marcas – e, portanto, dar início à proteção oficial – em receber

pedidos relativos a marcas sonoras, baseado em entendimento de que a Lei nº

9.279/96, por meio do conceito de sinais registráveis que traz, assim determinaria.

É uma posição atrasada, principalmente quando comparada com regimes

jurídicos estrangeiros, inclusive de vizinhos da América do Sul. Muitos países, em

especial aqueles que representam as maiores economias mundiais, percebendo a

mudança de cenário supra-referenciada, alteraram suas legislações ou seus critérios

hermenêuticos para permitir o registro das chamadas marcas não-tradicionais ou

heterodoxas, dentre as quais se incluem aquelas constituídas por sons.

Nesse passo, o posicionamento oficial brasileiro frente ao assunto deve ser

problematizado. Interpretar-se com o devido cuidado a norma jurídica pertinente,

investigando a possibilidade de o atual quadro normativo brasileiro conferir proteção

oficial como marcas também aos sons – e não somente a figuras e a expressões

textuais –, atribuindo o uso comercial exclusivo destes como elemento identificador e

distintivo a pessoas naturais e jurídicas fornecedoras de produtos ou serviços,

mostra-se tarefa merecedora de atenção, dados os avanços que sua conclusão

pode gerar na prática empresarial do país.

É a essa análise que se propõe o presente trabalho, que, para tanto, inicia-se

com o conceito de marcas e exposição sobre sua função econômica, a fim de

demonstrar a relevância do instituto e sua influência sobre o desenvolvimento.

No capítulo seguinte, a pesquisa trata da evolução histórica das marcas,

desde a Antigüidade até o momento atual. O objetivo do tópico é apurar não

somente a atual configuração do objeto do estudo, mas também as alterações que

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esse tipo de sinal distintivo vem sofrendo ao longo do tempo e, principalmente, o que

as motivou, identificando-se a validade de se vincularem a evoluções sociais

mudanças no regime dos sinais marcários.

A terceira parte analisa a regulamentação jurídica das marcas, primeiro

abordando a necessidade de sua criação e existência para, em seguida, examinar

como ela ocorreu nas diferentes etapas de crescimento do instituto. Buscando

objetividade, o trabalho centraliza sua atenção na lógica do registro em órgãos

públicos como ato inaugural da proteção jurídica, assim como no conceito de sinais

registráveis atribuído pelos instrumentos normativos, e, em específico, se esse

conceito abarca os sinais sonoros. Destaca-se, nesse tópico, a exposição sobre a

tendência à internacionalização e, por conseqüência, à harmonização das

legislações sobre propriedade industrial dos diferentes países. Adiantando-se a

eventuais críticas sobre suposto caráter de empobrecimento da matéria que os

impulsos harmonizadores trariam, o trabalho cuida de demonstrar que a

aproximação das normas é, ao menos no que tange aos signos distintivos, não só

inofensiva como necessária. E, encerrando o capítulo, expõem-se aspectos

fundamentais do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual

Relacionados ao Comércio (TRIPS) e seu impacto na regulação das marcas pelos

países signatários.

Em seu passo seguinte, o estudo, ainda tratando da regulamentação jurídica,

desce seu foco às diferentes normas brasileiras sobre marcas, começando pelo

antigo Decreto nº 2.682 de 1875 até a atual Lei nº 9.279 de 1996. Nesse intervalo,

sempre priorizando a questão do registro e do conceito de sinais registráveis, a

referência ao julgamento Meuron & Cia. vs. Moreira & Cia. mostra-se obrigatória,

mas exsurge com destaque a verificação da tradição jurídica brasileira de não

restringir a possibilidade de símbolos admitidos a registro como marca, contrapondo-

se ao conceito disposto na norma hoje em vigor – ou melhor, à forma como ele é

interpretado pelo órgão administrativo incumbido de administrar e proceder aos

registros de marcas no Brasil. Ao lado disso, a Exposição de Motivos do anteprojeto

transformado na Lei nº 9.279 bem como a descrição do cenário em que a mudança

normativa se deu constituem subsídios que serão úteis para a conclusão desta

pesquisa.

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Mas, antes desta, cotejando as informações obtidas nos dois capítulos

anteriormente referidos, se impôs estudo mais específico sobre a maneira como

outros países regulamentam o registro e o conceito de símbolos registráveis como

marcas, admitindo ou não o registro de sinais constituídos por elementos sonoros.

Isso porque uma das principais motivações apresentadas pelo Poder Executivo para

o Congresso Nacional reformar a legislação marcária na década de 90 foi

exatamente a necessidade de aproximar o Brasil do regulamento jurídico dos países,

cujo estudo dos sinais distintivos se encontrava em estágio mais aprofundado. E,

tendo em vista apurar se ocorreu, de fato, a aproximação pretendida, o sexto

capítulo aborda o regramento de países representantes das maiores economias do

mundo – Estados Unidos, China, Japão, Coréia do Sul e os integrantes da União

Européia – e também de nações em desenvolvimento – Rússia e principais países

da América do Sul –, cujas economias assemelham-se mais à do Brasil, permitindo-

se comparação mais contextualizada.

A partir dos resultados extraídos nas etapas anteriores, os últimos capítulos

se dedicam a criticar a linha interpretativa seguida pelo governo brasileiro por meio

das diretrizes traçadas pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), que

nega a possibilidade do registro de sons como marcas no Brasil. Inicialmente, os

tópicos relembram a contribuição benéfica das marcas sonoras para o cenário

econômico. Em seguida, ressaltam que a posição brasileira frente ao registro de

sons decorre de interpretação literal do conceito de sinais registráveis dado pelo art.

122, da Lei nº 9.279/96, demonstrando as desvantagens desse tipo de

compreensão.

Verificada a insuficiência da exclusiva interpretação filológica para obtenção

do sentido e alcance das normas jurídicas, a dissertação se viu compelida a

investigar outros métodos interpretativos, necessitando, portanto, guinar em direção

à Hermenêutica Jurídica. Mesmo não sendo esse ramo da ciência jurídica

diretamente afeito aos estudos de Direito Empresarial, por muitas vezes se

apresenta útil no deslinde de questões que nestes se colocam, o que não se

mostrou diferente no presente trabalho. Portanto, não deve surpreender o apenas

aparente desvio de rumo para se cuidar das tradicionais Escolas Hermenêuticas, em

especial as criadas por Savigny e Ihering, e de seu produto prático, resultando na

identificação de consagrados métodos ou técnicas de interpretação.

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Cumprida essa etapa, cujo objetivo é demonstrar a possibilidade – e

necessidade! – de se interpretarem leis escritas a partir de diferentes critérios, uma

vez que o Direito é ciência voltada a diferentes fatores, a pesquisa retoma os trilhos

do Direito Empresarial e entra em sua última fase. Nesta, de posse das conclusões

obtidas ao longo de todo o trabalho, submete a indagação acerca da possibilidade

de registro de sons como marcas no Brasil às prioridades de cada um dos processos

interpretativos identificados, a fim de apurar se há amparo no Direito Brasileiro para

as marcas sonoras.

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2 CONCEITO E FUNÇÃO ECONÔMICA DAS MARCAS

Marcas são sinais utilizados para identificar e distinguir produtos e serviços

disponíveis no mercado daqueles semelhantes ou afins em seu gênero. E marcas

sonoras, como dedutível, são aquelas constituídas por elementos sonoros.

Nem sempre os sinais marcários tiveram a acepção exposta em seu conceito,

é certo, pois a sua idéia e proteção jurídica transformaram-se no tempo,

acompanhando a evolução social, econômica e também tecnológica das nações.

Da Antigüidade até o século XXI passaram por profunda evolução, tornando-

se elementos fascinantes e quase onipresentes:

As marcas tornaram-se tão importantes que, hoje em dia, praticamente nada existe sem uma marca. O sal é embalado em recipientes com marcas, as laranjas recebem selos com o nome do plantador, porcas e parafusos são embalados com a marca do distribuidor e peças para automóveis – velas, pneus, filtros – recebem nomes de marca que diferem dos nomes dos fabricantes dos automóveis. (KOTLER, ARMSTRONG, 1993, p. 178)

Em nossa altamente comercializada sociedade elas [as marcas] saturaram tanto nossas vidas que nem nos damos conta delas. Somos expostos a inúmeras marcas toda vez em que vamos ao supermercado, drogaria ou shopping, e a diversas outras sempre que ligamos nossos rádios, televisões ou computadores. Além disso, nós geralmente usamos as marcas em conversas informais para fazer observações sobre política, fazermos uma piada ou animar uma metáfora sem prestar especial atenção ao seu caráter de marca (SCHECHTER; THOMAS, 2003, p. 540, tradução nossa).1

Sua contribuição atual para a sociedade vem merecendo inúmeros estudos, a

partir de diferentes ciências, com enfoque em diversos pontos de vista.

Para muitos teóricos as marcas atualmente contribuem para regulação da

concorrência, protegendo contra práticas parasitárias e, por conseqüência,

incentivando o investimento em desenvolvimento, aperfeiçoamento e divulgação de

novos produtos e serviços. Além disso, os sinais marcários também permitem

aumento e manutenção da clientela a partir de sensações incutidas na mente do

consumidor, que formam a chamada “identidade” da marca.

1 “In our highly commercialized society they so thoroughly saturate our lives that we often don´t even notice them. We are exposed to dozens of marks every time we go to the supermarket, drug store or shopping mall, and to dozens more whenever we turn on our radios, televisions and personal computers. Moreover, we often use trademarks in casual speech to make political point, spice up a joke, or enliven a metaphor without paying particular attention to their trademark status.”

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A reflexão sobre o desenvolvimento histórico das marcas ressalta a dupla função a que serve essa fonte de proteção – como um mecanismo de identificação, assim como uma técnica que fornece uma vantagem de marketing. (MILLER; DAVIS, 2007, p. 157, tradução nossa)2

Barbosa, a propósito, destaca que a função de conservação da clientela é até

mais antiga que a de atração, embora não negue que esta venha ganhando corpo

nos últimos tempos:

Os direitos sobre os signos distintivos são direitos de clientela em sua forma mais flagrante. A situação perante o mercado conseguida pela empresa depende da produção de coisas e serviços capazes de satisfazer necessidades econômicas, como também depende de que o público seja capaz de identificar a coisa e o serviço como tendo as qualidades necessárias. Tal função é também, embora parcialmente, desempenhada pelos modelos e desenhos industriais. Usando a distinção do direito norte-americano entre local goodwill e personal goodwill, ou da mesma noção do direito francês refletida nas expressões achalandage e clientèle (clientela resultante da localização e clientela resultante de fatores pessoais) os signos distintivos teriam a finalidade de assegurar que a boa vontade do público, obtida em função das qualidades pessoais da empresa (qualidade, pontualidade, eficiência, etc) seja mantida inalterada. Está claro que a mais moderna técnica comercial tenta ampliar o papel criador de clientela dos signos distintivos, sem os quais a publicidade seria inconcebível, mas, historicamente, é como meio de conservação da clientela obtida que se concebe tais signos. (BARBOSA, 2003, p. 798-799)

Os teóricos de marketing, em paralelo, chamam atenção para outra utilidade

das marcas não afeta diretamente à concorrência, mas ligada ao cotidiano dos

empresários, que é a praticidade na distribuição de mercadorias e serviços, bem

como no processamento de pedidos. Ao lado disso, as marcas também facilitam a

segmentação na oferta ao mercado para diferentes grupos de consumidores, aos

quais produtos e serviços com características específicas podem ser eficazmente

identificados e diferenciados pelos respectivos sinais representativos. Exemplos

dados para ambas situações por Kotler e Armstrong – que também mencionam o

aspecto concorrencial e de clientela – são esclarecedores:

Marcas também dão vantagens ao vendedor. A marca torna mais fácil para o vendedor processar pedidos e localizar problemas. Assim, a Anheuser-

2 “Reflecting back upon trademark´s historical development highlights the dual function this source of protection serves – as a mechanism for providing identification as well as a technique for providing a marketing advantage.”

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Busch recebe um pedido de 100 caixas de cervejas Michelob, em vez de um pedido de ‘uma certa quantidade de sua melhor cerveja’. A marca do vendedor e a marca registrada do vendedor também proporcionam proteção legal para aspectos específicos de um produto que poderiam, de outro modo, ser copiados por concorrentes. As marcas permitem que o vendedor atraia um grupo leal e lucrativo de consumidores. Elas também auxiliam o vendedor a segmentar o mercado – a Procter & Gamble pode oferecer 10 marcas de detergente, não apenas um produto geral para todos os consumidores. (1993, p. 178)

As marcas, ainda, orientam os consumidores na busca de suas pretensões,

permitindo-lhes reconhecer o produto ou serviço que anteriormente lhes agradou, e

repetir a aquisição que lhes pareceu bem-sucedida, ou mesmo identificar aquele que

não lhes satisfez, e não incorrer na mesma experiência. Isso sem contar a habilidade

de reconhecer uma nova mercadoria ou facilidade em decidir por experimentá-la.

Assim, as marcas aumentam a eficiência na relação de consumo, haja vista que,

“não houvesse um nome ou um símbolo ao qual associar a experiência de, por

exemplo, tomar um refrigerante, o consumidor acharia difícil repetir ou evitar aquela

experiência” (SEMENIK; BAMOSSY, 1995, p. 316). Em outras palavras, as marcas

reduzem os custos de transação, conforme conclui Posner (2004a, p. 167).

O valor de uma marca para a empresa que a usa para designar seus produtos é tornar possível a redução de custos de pesquisa para os clientes por meio da informação que a marca transmite ou contém sobre a qualidade do produto daquela empresa. (POSNER, 2004a, p. 168, tradução nossa)3

Nesse sentido sustentam, ainda, estudiosos de marketing, como Kotler e

Armstrong:

As marcas auxiliam os compradores de muitas maneiras. Elas fornecem informações sobre a qualidade do produto. Os compradores que sempre compram a mesma marca sabem que obterão a mesma qualidade todas as vezes que compram. Marcas também aumentam a eficiência das pessoas que fazem compras em supermercados. Imagine um comprador que fosse ao supermercado e encontrasse milhares de produtos sem rótulos. Finalmente, as marcas ajudam a chamar a atenção do consumidor para novos produtos que podem beneficiá-lo – a marca torna-se a base sobre a qual toda uma história sobre as qualidades especiais do novo produto pode ser construída. (KOTLER; ARMSTRONG, 1993, p. 178)

3“The value of a trademark to the firm that uses it to designate its brand is the saving in the consumer´s search costs made possible by the information that the trademark conveys or embodies about the quality of the firm´s brand.”

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A comunicação entre cliente e fornecedor ou prestador de serviço seria muito

mais complicada – e, por conseqüência, onerosa – se em cada operação as partes

não pudessem se valer das marcas e, para se entender, tivessem que se referir aos

produtos ou serviços objetos de negociação por meio de sua caracterização em

detalhes. Nesse ponto, “o benefício de se atribuir uma marca é análogo ao de

designar pessoas por nomes, ao invés de descrevê-las” (POSNER, 2004a, p. 167,

tradução nossa).4

Mas não é só. Posner ainda destaca que, após receber o devido amparo

jurídico, as marcas, tornando-se espécie de objeto de direito de propriedade,

incentivam a produção mediante a redução do acesso, ou o que o mencionado autor

chama de interação “acesso versus benefício” (2004a, p. 12-13). Em outras

palavras, o direito de propriedade, ao conceder exclusividade de uso, gozo e

disposição a um certo titular, e impedindo, portanto, que concorrentes também

façam uso das criações para as quais não concorreram, incentiva os agentes de

mercado a investirem em inovações. Seja porque, do ponto de vista dos

investidores, terão garantia jurídica de que seu investimento será usufruído apenas

por eles mesmos – potencializando-se os ganhos, permitindo-se, inclusive, o retorno

dos custos –, ou porque, pelo contrário, do ponto de vista dos concorrentes que não

investiram, não terão formas lícitas de compartilhar os resultados dos investimentos

feitos por outros.

O benefício dinâmico do direito de propriedade é o incentivo que a titularidade de tal direito confere para o investimento na criação ou melhoria de um recurso no período 1 (por exemplo, plantação de certo cultivo), de forma que ninguém mais possa se apropriar do recurso no período 2 (época da colheita) [...] Valendo-se de um exemplo de propriedade intelectual, uma empresa tem menos chances de despender recursos no desenvolvimento de um novo produto se empresas concorrentes que não arcaram com as despesas de desenvolvimento puderem duplicar o produto e produzi-lo pelo mesmo custo marginal do inovador; a competição irá abaixar o preço até o custo marginal e os custos da invenção não serão recuperados. (POSNER, 2004a, p. 13, tradução nossa).5

4 “The benefit of the brand name is thus analogous to that of designating individuals by names rather than by descriptions.” 5 “The dynamic benefit of a property rights is the incentive that possession of such a right imparts to invest in the creation or improvement of a resource in period 1 (for example, planting a crop), given that no one else can appropriate the resource in period 2 (harvest time). [...] To take na example from intellectual property, a firm is less likely to expend resources on developing a new product if competing firms that have not borne the expense os development can duplicate the product and produce it at the same marginal cost as the innovator; competition Will drive price down to marginal cost and the sunk cost of invention will not be recouped.

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Ao decidir o caso Qualitex Co. vs. Jacobson Products Co., Inc., a Suprema

Corte dos Estados Unidos ressaltou as funções de redutora dos custos de transação

e de instrumento de incentivo ao investimento:

O direito de marcas, ao impedir outros de copiar uma marca identificadora de origem, ‘reduz os custos de compra e de decisão dos consumidores’... e rápida e facilmente assegura ao potencial comprador que aquele item – o item marcado – é feito pelo mesmo fabricante de outro item marcado similarmente e que ele ou ela gostou (ou não gostou) no passado. Ao mesmo tempo, o direito ajuda a assegurar que um produtor (e não um concorrente imitador) colha a recompensa financeira da reputação decorrente da associação com um produto desejável. O direito desse modo ‘encoraja a produção de produtos de qualidade’ e simultaneamente desencoraja aqueles que esperam vender produtos inferiores tirando proveito da inabilidade do consumidor para avaliar rapidamente a qualidade de um item oferecido à venda. (apud SCHECHTER; THOMAS, 2003, p. 547)6

Ademais, merece referência a posição de outros estudiosos que, por diverso

lado, defendem que a contribuição atual das marcas é, em verdade, na proteção da

outra ponta das atividades econômicas organizadas para produção e circulação de

bens e serviços. Tais autores não negam os benefícios auferidos pelos titulares com

o uso de suas marcas, mas defendem que o objetivo principal dos sinais distintivos

é, hoje, o amparo aos consumidores:

A proteção da marca não constitui nem um prêmio a um esforço de criação intelectual, que possa ser protegida por si mesma, nem um prêmio pelo investimento em publicidade; é um instrumento para uma diferenciação concorrencial que tem como último fundamento a proteção dos consumidores e, portanto, seus limites, na função distintiva que cumpre. (Ascarelli apud BARBOSA, 2003, p. 801, tradução nossa)7

Não se pode discordar completamente desse posicionamento. Afinal, sabe-se

que a regulação da concorrência, mesmo focada na figura do empresário, não

6 “Trademark law, by preventing others from copying a source-identifying mark, ‘reduce[s] the customer´s costs of shopping and making purchasing decisions’… for it quickly and easily assures a potential customer that this item – the item with this mark – is made by the same producer as other similarly marked items that he or she liked (or disliked) in the past. At the same time, the law helps assure a producer that it (and not an imitating competidor) will reap the financial reputation-related rewards associated with a desirable product. The law thereby ‘encourages[s] the production of quality products’ and simultaneously discourages those who hope to sell inferior products by capitalizing on a consumer’s inability quickly to evaluate the quality of an item offered for sale.” 7 “La protección de la marca no constituye ni um premio a um esfuerzo de creación intelectual, que pueda ser protegida por sí misma, ni un premio por las inversiones en publicidad; es un instrumento para una difereciación concurrencial que tiene como último fundamento la protección de los consumidores y por lo tanto, sus límites, en la función distintiva que cumple.”

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favorece apenas a este. Em regra, normas, procedimentos e práticas centradas na

proteção do empresário e dos componentes do fundo de comércio beneficiam

também os consumidores porque um mercado seguro e liberto de desvios

indesejáveis – as chamadas práticas de concorrência desleal, das quais a

apropriação indevida de marcas é uma das mais prejudiciais, diante do importante

papel por elas exercido – propicia livre disputa entre empresários concorrentes. E

esta resulta na busca pela preferência dos consumidores a partir apenas da sua

satisfação, gerando, por conseqüência, aperfeiçoamento das práticas empresariais,

como, por exemplo, o desenvolvimento de novos produtos/serviços e a diminuição

de preços.

Embora tenhamos dito sobre o fundamento doutrinário da concorrência desleal que ‘na realidade a concorrência desleal se apresenta sob os mais variados aspectos, visando sempre atingir o industrial, o comerciante (entendido este no seu sentido mais genérico, eis que dentre os mesmos podemos incluir as pessoas que praticam atividades profissionais e aquelas prestadoras de serviços), tirando-lhes direta ou indiretamente a sua clientela, causando ou não prejuízos’, temos que convir que a concorrência desleal, além de atingir sobremaneira o industrial, o comerciante ou o prestador de serviços, também se dirige aos consumidores. No meio destes últimos é que consegue todos os seus anseios, mormente quando são levados a erro, dúvida e confusão, adquirindo os produtos do concorrente, quando deveria ocorrer para com os verdadeiros. (SOARES, 1988, p. 674)

A ressalva que pode ser feita a essa segunda corrente de pensamento é

apenas na ênfase que dá à proteção ao consumidor, como se fosse a única ou a

mais importante contribuição das marcas à economia e, via reflexa, à sociedade.

Não é sequer uma crítica à essência do entendimento, mas um destaque que vale

ser feito para se evitar que a discussão se encaminhe a fóruns inadequados.

Equívocos no centro de interesse da matéria podem levar, na prática, a distorções

na aplicação e, principalmente, no desenvolvimento do instituto,8 motivo pelo qual

deve-se tentar afastar qualquer possibilidade de sua ocorrência.

Com efeito, e como se verá no capítulo seguinte, as marcas foram

construídas no mundo moderno a partir dos empresários e pensando-se nos

benefícios possíveis às atividades empresariais. Sua principal contribuição reside no

campo da concorrência e do livre mercado, bem como na proteção da clientela, e, se

8 Como já vem ocorrendo, sobretudo no Direito Civil, com os princípios da função social e dignidade da pessoa humana, por exemplo, que, pela fala de alguns precipitados, acabam por vezes sendo forçosa e superficialmente lançados como suposta justificativa para as mais miraculosas teses contra tudo o que tais autores entendem como injusto, perdendo-se profundidade e efetividade na análise dos problemas atuais.

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as marcas se prestam também para guiar e amparar o consumidor em suas

escolhas, tal circunstância deve ser encarada como um reflexo ou contribuição

indireta advinda da primeira. Tanto é assim que se percebe uma relação de

subordinação entre a contribuição das marcas para o consumidor e seu papel na

proteção da livre iniciativa. O consumidor mais protegido estará quanto mais livre for

o mercado e mais leal for a concorrência entre seus integrantes. Como pontua

Ferraz Júnior, é “por extensão” que “a livre concorrência deve ser vista como forma

de tutela do consumidor, na medida em que”, como dito, “a competitividade induz a

uma distribuição de recursos a mais baixo preço” (1993, p. 10).

Hoje, o direito de marcas permite ao comprador manifestar uma preferência em sua compra, permite ao fabricante promover seus produtos, e (talvez apenas incidentalmente, ao menos na maioria dos casos) serve para assegurar certo nível de qualidade. (MILLER; DAVIS, 2007, p. 158, tradução nossa)9

Cumpre deixar claro que não se está defendendo que as marcas não

contribuem nas políticas de proteção e defesa do consumidor. O que ora se afirma é

tão-somente que este não é seu fundamento principal, não é a sua contribuição num

momento mais imediato, mas sim uma finalidade secundária.

Esta [a proteção dos consumidores], porém, advirta-se, não é a função essencial das marcas, mas função secundária, porque o fim imediato, tanto da marca como da proteção que as leis lhe asseguram, é resguardar os direitos e interesses econômicos de seu titular (CERQUEIRA, 1982, p. 758)

O termo “secundário” é aqui utilizado para se referir às contribuições das

marcas aos consumidores não por se considerá-las menos importantes, é bom que

se diga. Mas referida expressão é lançada pretendendo-se dizer, repita-se, que as

contribuições ao consumidor não são o alvo último dos sinais marcários, mas sim um

objetivo alcançável num segundo momento, após cumprido seu principal papel.

Conforme a clássica justificativa do sistema de marcas, a proteção jurídica tem por finalidade em primeiro lugar proteger o investimento do empresário; em segundo lugar, garantir ao consumidor a capacidade de discernir o bom e o mau produto. O exercício equilibrado e compatível com a função social

9 “Today, trademark law allows the buyer to assert a preference in his or her purchasing, allows the manufacturer to promote its product, and (perhaps only incidentally, at least in most cases) serves do assure a certain level of quality.”

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desta propriedade levaria a que o investimento em qualidade seria reconhecido (BARBOSA, 2003, p. 801).

Não há escala de valores entre maior ou menor importância nessa

comparação. Ao contrário, ambas contribuições devem estar presentes. E, uma vez

equilibradas, como explica Barbosa no trecho supratranscrito, prestam grande tributo

à sociedade.

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3 DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO

3.1 Antigüidade e Idade Média

A origem exata do uso de sinais como marcas é bastante imprecisa e

controversa (CERQUEIRA, 1982, p. 710; SCHECHTER; THOMAS, 2003, p. 541),

mas a doutrina aponta que já na Antigüidade símbolos eram apostos em utensílios

diversos e em animais para indicação de propriedade (ARNOLDI; ADOURIAN, 2003,

p. 226; DOMINGUES, 1984, p. 1-2; LOUREIRO, 1999, p. 227; SCHECHTER;

THOMAS, 2003, p. 541; SOARES, 1968, p. 11).

Na Idade Média, com o aparecimento das comunas, renascendo o comércio e

surgindo as corporações de ofício, as marcas passaram a desempenhar outra

função, que era a de atestar a conformidade da mercadoria assinalada a certas

normas e regulamentos impostos por aquelas organizações (Waelbroeck, citado por

CERQUEIRA, 1982, p. 752; MILLER; DAVIS, 2007, p. 157-158). Em razão de seu

perfil monopolístico e perfeccionista, as corporações de ofício obrigavam seus

artesãos a inserir nos bens fabricados sinais identificadores do respectivo grupo,

para impedir que quem não pertencesse a seus quadros fabricasse ou vendesse

artigos ligados a seu objeto, bem como para garantir que os artesãos que a

compunham atendessem às rígidas especificações de fabricação, mantendo-se o

nível de qualidade dos trabalhos corporativos.

Em síntese, à época, a marca do produto identificava e individualizava o mestre e sua oficina. Garantia que o mestre pertencia à respectiva corporação, provando o exercício legítimo da atividade e o respeito às regulamentações e especificações técnicas da corporação (ARNOLDI; ADOURIAN, 2003, p. 235)

Com o passar do tempo, as corporações começaram a exigir que também os

artesãos criassem e inserissem marcas individuais em suas obras, e que tais sinais

necessariamente se fizessem acompanhar pelos símbolos corporativos. Mas o

objetivo também era somente fiscalizatório, buscando-se conseguir identificar o

artesão responsável por eventual falsificação ou fabricação em desacordo com os

padrões de qualidade (SCHECHTER; THOMAS, 2003, p. 542).

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As marcas corporativas, conforme exposto acima, serviam de elo de ligação entre o produtor ou artesão e consumidores, ou para identificar estabelecimentos e atividades, criando um monopólio real do exercício profissional. E, como na hipótese de falsificações ou produção em desacordo com as regras técnicas corporativas tornou-se necessário identificar o culpado para a punição devida, havia marcas individuais obrigatórias. (DOMINGUES, 1984, p. 19)

Posteriormente, alguns artesãos demonstraram o desejo de criar marcas

pessoais, desvinculadas daquelas representativas do grupo corporativo, com o

intuito de criarem vínculo facilmente identificável entre sua pessoa e a obra e fixá-lo

junto aos compradores das mercadorias. Todavia, as respectivas corporações,

apesar de aceitarem as marcas pessoais – desde que apostas ao lado e em

tamanho menor das corporativas e das individuais obrigatórias –, não as

incentivavam de nenhuma forma. E, de todo modo, esses sinais personalizados não

chegaram a ser usados em grande escala. Afinal, era uma época em que não havia

maiores preocupações em se fortalecer a ligação do produto com seu fabricante,

formando-se clientela, pois o regime de monopólio das corporações assegurava

mercado ao artesão. Além disso, tratando-se de produção artesanal, as mercadorias

eram muito peculiaridades entre si e relativamente escassas. Portanto, distinguiam-

se umas das outras por si mesmas, principalmente a partir do estilo de trabalho de

cada artesão, tornando dispensável a identificação do produtor por qualquer outro

tipo de sinal.

3.2 Período pós-revolucionário – século XIX

Contudo, a evolução do século XVIII e XIX trouxe uma série de descobertas e

invenções que alteraram bastante os modos de produção, tais como novas

máquinas, fontes de energia e mesmo métodos de trabalho, além do início da

utilização de novas matérias-primas. Teve lugar o que se convencionou chamar de

Revolução Industrial, ocorrida entre os anos de 1760 e 1830, e que, a partir da

mecanização do trabalho, aliada aos ideais liberais da Revolução Francesa, pôs fim

às corporações de ofício. A nova forma de produção proposta chocava-se com os

rígidos procedimentos impostos pelas corporações e, por outro lado, o ideário

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iluminista não aceitava o regime de privilégios monopolistas corporativos, que eram

vistos como atentatórios à liberdade individual e prejudiciais à economia dos países.

FILANGIERI, em 1780, em sua Scienza della legislazione, destacava que os melhores regulamentos do mundo, as melhores leis, os melhores estabelecimentos, não seriam mais eficazes para melhorar o trabalho que a livre competição de mercado, a concorrência. Com ela, os artífices tratariam de melhorar seus produtos para superar os competidores e como os compradores prefeririam comprar a mercadoria melhor fabricada, o concorrente vencido cuidaria de melhorar sua manufatura para reconquistar a clientela. Assim, este esforço constante dos concorrentes para superaram os competidores no mercado seria o melhor caminho para atingir a perfeição das artes, sendo as leis que destruíam ou restringiam a concorrência verdadeiro flagelo das artes e manufaturas. (DOMINGUES, 1984, p. 39)

Tais descobertas e invenções, como cediço, logo se espalharam pela Europa

e chegaram aos Estados Unidos, resultando no surgimento das grandes fábricas,

com produção em massa e em série dos artigos de necessidade da população. Os

produtos de mesmo gênero começaram, então, a ser oferecidos em grandes

quantidades, e, ademais, muito parecidos entre si, já que o processo de fabricação

passou a ser uniforme.

O trabalho realizado nas oficinas passou para as fábricas, as produções dos artesãos deram lugar à produção mecânica, com máquinas cada vez mais potentes, capazes de produzir dezenas de produtos rigorosamente iguais e cada vez mais rápido. (ARNOLDI; ADOURIAN, 2003, p. 237) E assim, as finas e elaboradas produções personalizadas dos artesãos passaram a ser substituídas pela produção mecânica de máquinas cada vez mais potentes que produziam dezenas de produtos rigorosamente iguais e cada vez mais perfeitos (DOMINGUES, 1984, p. 41)

Se os produtos passaram a ser idênticos em essência, tornou-se necessário

se criarem formas para diferenciá-los, ainda que a partir de sua origem (fabricante)

apenas. Além disso, percebeu-se a necessidade de se perseguirem maneiras de

atração e manutenção de clientela, impedindo esta de adquirir os produtos das

fábricas concorrentes. Era o início da ampla concorrência.

Surgiram, assim, as primeiras propagandas e estratégias mais elaboradas de

comércio e, com elas, as marcas passaram a desempenhar novas funções: a de

elemento de identificação entre os artigos fabricados e a de sinal de diferenciação

na publicidade tanto do produto como do fabricante.

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Então a existência no mercado de produtos uniformes, iguais ou quase iguais, deu nova dimensão e relevo às marcas comerciais e de concorrência, e provocou o aparecimento das primeiras formas de propaganda, o reclame, a que logo se juntaram novas técnicas de venda através de agentes, viajantes, venda por correspondência, tudo muito assemelhado às condições de fabricação e mercado da vida contemporânea (DOMINGUES, 1984, p. 42)

Com o tempo, e desenvolvimento de pequenas melhorias implantadas pelos

empresários, seja na forma de produção, seja na maneira de comercializá-los, os

bens começaram a se diferenciar entre si. E verificou-se que sinais distintivos

apostos aos bens, além de identificá-los, poderiam se constituir em poderosos

elementos de sua divulgação. Atribuindo-se marcas às mercadorias agora com

características diversas e específicas, a ressaltar e relembrar de modo simples, mas

eficiente, suas diferenças/vantagens frente aos demais bens oferecidos no mercado,

criava-se na mente do comprador uma identidade do produto.

No século XIX, a marca foi usada para aumentar o valor percebido do produto por meio de tais associações [nome do produto com a marca]. Em 1835, a marca de scotch chamada Old Smuggler foi introduzida para capitalizar a reputação da qualidade desenvolvida por determinados engarrafadores que usavam um processo especial de destilação (TAVARES, 1998, p. 3)

Com a invenção e o registro da patente da primeira máquina de fabricar sacos

de papel, em 1852, inaugurou-se a fase de embalagem dos produtos. E, nessas

embalagens, lançava-se a identificação do fabricante pela sua marca pessoal

(geralmente apenas o seu nome, ainda). Teve lugar no Brasil uma das inúmeras

experiências bem-sucedidas nesse sentido, por parte de Francisco Matarazzo, que

conseguiu expandir seus negócios a partir da idéia de vender em pequenas latas –

devidamente identificadas com sua marca – a banha que se importava em grandes

barris de madeira dos Estados Unidos, que dificultavam a venda no varejo

(TAVARES, 1998, p. 16).

Hoje tais questões parecem elementares. Mas, até então, não haviam sido

percebidas, e, à época, tiveram grande repercussão na indústria e no comércio.

Outro dos industriais a ter essa percepção, e também um dos primeiros a se valer

dessa estratégia, foi William Hesketh Lever, co-proprietário da Lever Brothers (que

futuramente viria a se tornar a Unilever), de Bolton, Inglaterra. Em 1884, Lever teve

uma idéia simples, mas que, dado o pioneirismo, rendeu-lhe grandes vantagens.

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Decidiu ele criar um nome para o sabão de sua fabricação, uma embalagem que

estampasse esse nome, e um formato padrão para o produto, a fim de chamar

atenção para o grande diferencial deste, que era uma fórmula menos agressiva às

mãos dos consumidores. Surgiu, e logo ganhou fama, o sabão Sunlight que, objeto

de ampla divulgação, aumentou sua vendagem de 3.000 toneladas, em 1886, para

60.000 toneladas, no ano de 1900 (PILLET apud DOMINGUES, 1982, p. 67).

Experiências como a de Lever e seus contemporâneos foram deixando claro

que, instalada a ampla concorrência, não bastava melhorar a qualidade da produção

– o que tornou-se, aliás, fator essencial para a sobrevivência de qualquer empresário

–, mas era indispensável se divulgarem tais melhorias, da maneira mais eficaz

possível. E, para essa missão, as marcas foram se mostrando instrumentos muito

úteis.

3.3 Primeira metade do século XX

Assim, os industriais e comerciantes adentraram o século XX enxergando os

sinais distintivos de outra forma. A concorrência deixou de se dar exclusivamente

pelo preço, começou a ocorrer com base nas qualidades dos produtos, e as marcas

desempenharam papel fundamental nesse cenário. Elas, então, passaram a

protagonizar as estratégias de vendas, servindo não mais para somente identificar

bens, mas também para formar a sua imagem pública, distinguindo-os de seus

similares e chamando atenção para suas características.

Como se sabe, desde o seu início o século XX se caracterizou como um

período de evolução tecnológica sem precedentes, ainda em curso, no qual surgiram

em velocidade cada vez maior inventos que, também cada vez mais rapidamente,

chegaram ao alcance dos consumidores. Após a Primeira Guerra Mundial, por

exemplo, tornaram-se disponíveis ao público os primeiros refrigeradores, em seguida

ultrapassados como novidade pelo telefone, rádio, televisores e computadores,

sucessivamente. A cada novo bem uma nova marca era lançada para ressaltar e

divulgar a inovação. E, a cada melhoria efetuada num produto, uma marca

subsidiária era criada, também para permitir ao consumidor entender e perceber do

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que se tratava a nova mercadoria, ou a linha de produtos. São práticas, a propósito,

que ainda hoje são bastante adotadas, como se nota, por exemplo, no lançamento

de carros multicombustíveis (que recebem o apelido de “flex”), de refrigerantes com

fórmulas novas ou com baixo teor calórico (chamados de “lemon” e “zero”,

respectivamente), ou cremes dentais com ação abrangente (denominados “tripla

ação”, “total 12”, etc).

A marca pode valorizar a empresa ao tornar mais preciso o processo de segmentação. Especialmente nos casos em que a empresa possui diversos produtos numa única categoria, como pasta dental, refrigerantes ou detergentes de roupa, as marcas permitem que a empresa possa efetivamente dividir o mercado, vinculando uma marca diferente a cada versão do produto direcionada a um segmento diferente. É claro que esse efeito está estreitamente ligado à diferenciação do produto. A diferença entre os dois efeitos é que atribuir uma marca para diferenciar o produto tem como principal objetivo distinguir esse produto das marcas da concorrência. No caso do efeito de segmentação de mercado, o que se pretende é distinguir as marcas dentro da linha de produtos da empresa para atrair e atender a diversos segmentos diferentes. (SEMENIK; BAMOSSY, 1995, p. 319)

E, após a consolidação de uma marca no mercado, os lançamentos de novos

bens pelo mesmo fabricante começaram a se fazer acompanhar da referência à

marca deste ao lado da do produto, na tentativa de incutir no consumidor, em geral

com sucesso, presunção de qualidade. Era a estratégia das marcas múltiplas,

adotada pela primeira vez pela Procter & Gamble em 1928 (TAVARES, 1998, p. 16),

e posteriormente notabilizada por empresários como a Nestlé, por exemplo, e, no

Brasil, pela Bombril.

O lançamento de um novo produto também é beneficiado pelo reconhecimento de uma marca no mercado. Ao satisfazer os clientes com produtos que exibem a marca General Eletric, a GE pode contar com o goodwill (o conceito favorável) criado pela marca para facilitar o processo de introdução de um novo produto. Este é amparado pela imagem e reputação existentes, criadas pela marca. Diversas empresas obtiveram sucesso na comercialização de novos produtos “pegando carona” nas marcas já existentes de outros comercializados pela empresa. O lançamento do Mr. Coffee Coffee constitui-se numa ampliação lógica da linha da fabricante de café. Devido ao sucesso e reconhecimento da marca Mr. Coffee, não houve um único varejista que se negasse a vender também a nova marca no seu lançamento. O detergente de grande sucesso da Procter & Gamble, denominado Ivory Dishwashing Liquid, permitiu que a P&G conquistasse, em menos de um ano, 8% do rentável mercado de xampus e condicionadores, “emprestando” a marca e lançando o xampu e condicionador Ivory. (SEMENIK; BAMOSSY, 1995, p. 319)

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Como notório, esta também é uma maneira de utilização das marcas que até

os dias atuais mostra-se de boa utilidade.10

3.4 Abandono da função identificadora de origem ou procedência

O século XX também testemunhou outra mudança importante na função das

marcas, pois foi nessa época que deixaram elas definitivamente de servir ao papel

indicador de procedência que as caracterizou na Idade Média.

Há autores que discordam dessa afirmativa (BARBOSA, 2003, p. 801) e

defendem que ainda hoje as marcas continuam tendo a função indicativa de origem

do produto ou serviço que assinalam. Contudo, nos anos 80, a inovação por parte de

executivos de algumas sociedades empresárias norte-americanas deixou claro que,

de fato, não há mais prioridade em se valer dos sinais marcários para informar ao

consumidor a figura do produtor ou prestador de serviço. Ao contrário, percebendo a

alteração no mercado, tais profissionais criaram um novo modelo de negócios no

qual decidiram não mais produzir as mercadorias, relegando a fabricação a terceiros,

que dela se ocupariam a custo bastante mais baixo. O que passou a ser o alvo de

sua dedicação foi a criação de uma espécie de personalidade para os produtos ou

serviços que os permitisse serem reconhecidos pelo público por si mesmos, e como

a representação de certos valores sociais (esportividade, saúde, jovialidade,

inovação, etc), atraindo, dessa forma, compradores ou contratantes, não importando

quem os fabricasse ou efetivamente prestasse. Com o sucesso das primeiras

tentativas, e a despeito das críticas que até hoje sofre, tal estratégia se consagrou, e

passou a ser adotada por diversos outros empresários. Uma das primeiras e mais

bem-sucedidas sociedades nessa prática, como relata KLEIN (2003, p. 28), foi a

Nike, líder na venda de materiais esportivos, sem produzi-los diretamente:

Mais ou menos na mesma época, um novo tipo de corporação começou a disputar mercado com os fabricantes americanos tradicionais; eram as

10 Pode-se citar como exemplo, também, a linha de bebidas não-alcoólicas – sucos e água mineral – recentemente lançada com a informação “Um produto ‘The Coca-Cola Company’” estampada nas embalagens.

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Nikes e Microsofts, e mais recentemente, as Tommy Hilfigers e as Intels. Esses pioneiros declararam audaciosamente que produzir bens era apenas um aspecto incidental de suas operações e que, graças às recentes vitórias na liberalização do comércio e na reforma das leis trabalhistas seus produtos podiam ser feitos para eles por terceiros, muitos no exterior. O que essas empresas produziam principalmente não eram coisas, diziam eles, mas imagens de suas marcas. Seu verdadeiro trabalho não estava na fabricação, mas no marketing. Essa fórmula, desnecessário dizer, mostrou-se imensamente lucrativa [...]

Essa alteração nas funções das marcas é bastante evidente nas campanhas

de marketing de sociedades como a Coca-Cola, por exemplo, que, mesmo

permanecendo como a fabricante de seus refrigerantes, cada vez menos se ocupa

em divulgar a mercadoria em suas características. É curioso se observar, a título

ilustrativo, as mudanças em suas campanhas publicitárias. Com crescente

intensidade, tal sociedade hoje se debruça em formar uma personalidade de seus

produtos, uma identidade a ser compartilhada por quem consome suas bebidas, a

partir de slogans que, se no início do século diziam “Deliciosa e refrescante”,11

“Coca-cola reanima e sustenta”,12 e na década de 40 “Coca-cola, borbulhante,

refrescante, 10 tostões”, passaram a sustentar frases como “Emoção pra valer”,

“Sempre Coca-cola” e “Viva o lado Coca-cola da vida”.

Os marqueteiros Clancy e Krieg mostram que, nas décadas de 50 e 60, a propaganda se baseava principalmente nos aspectos tangíveis do produto e gerava um retorno de 10% a 15% do investimento. Da década de 90 para cá, passou-se a explorar mais a imagens e os aspectos intangíveis da propaganda, ou seja, passou-se a querer envolver o consumidor. (ZIDE NETO, 2003, p. 56)

A partir dessa nova fase, e até por ser desestimulado a tanto, o consumidor

passa a se desinteressar por conhecer a figura do efetivo fabricante ou do prestador

– isto é, a real origem do que pretende adquirir – e começa a basear suas decisões

nas sensações que experimentou quando tomou conhecimento do referido produto

ou serviço ou quando o consumiu anteriormente. E, na busca por tais sentimentos, o

que esse consumidor necessita é de algo que destaque o que ele procura no oceano

de possibilidades que o mercado apresenta, ou seja, um sinal que o guie em sua

escolha.

11 “Delicious and refreshing” (1904) 12 “Coca-cola revives and sustains” (1905)

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As marcas, com isso, deixam de ser símbolos de reconhecimento do

fabricante ou do prestador e passam a ser sinais identificadores e distintivos dos

próprios produtos ou serviços.

A função primordial da marca de indicar a procedência dos produtos, distinguindo-os, sob este aspecto, de outros similares de procedência diversa, desviou-se no sentido de identificar os próprios produtos e artigos, principalmente depois da generalização do uso das denominações de fantasia, que constituem como que um segundo nome do produto, substituindo-se, muitas vezes, ao seu nome vulgar. Há inúmeros produtos e artigos que se tornam conhecidos exclusivamente pela marca que trazem, ignorando-se o próprio nome do fabricante ou do vendedor. O consumidor sabe que o produto tal é o que tem as qualidades que prefere, é diferente dos outros similares, pouco importando conhecer-lhe a origem. Se encontra, em outros produtos do mesmo gênero, marca que conhece, prefere-se aos demais. A marca e o produto já conhecidos recomendam os novos artigos. São casos comuns, em que não se pode dizer, rigorosamente, que as marcas indicam a procedência do objeto para distingui-lo de outros similares de origem diversa: elas individualizam e como que qualificam o produto. As marcas assumem, assim, toda a sua força de expressão: marcam, efetivamente, o produto, que passa a ser um produto diferente, na multidão dos produtos congêneres. A marca individualiza o produto, identifica-o, distingue-o dos outros similares, não pela sua origem, mas pelo próprio emblema ou pela denominação que a constitui. (CERQUEIRA, 1982, p. 757)

Equivocam-se aqueles que, como Loureiro, defendem que “no que tange ao

âmbito do consumidor, a marca tem a função de identificar a origem dos produtos”

(1999, p. 233). É certo que a legislação consumerista se preocupa em assegurar aos

consumidores o direito de se voltar contra o fabricante ou prestador de serviços que

o lese de alguma forma na relação de consumo. E, para que tal proteção surta reais

efeitos, é obviamente necessário que o consumidor seja capaz de identificar quem

fabricou a mercadoria adquirida ou lhe prestou o serviço contratado. Mas a questão

é que essa identificação não precisa e, em geral, não é feita pelas marcas. É até

desejável que não o seja, uma vez que muitas delas se apresentam sob formas

abstratas, ou são licenciadas ao uso de vários empresários ao mesmo tempo. O

ideal é que o fabricante ou o prestador, além do responsável pela inclusão do

produto ou serviço no mercado, se identifique por meio de seu nome empresarial

(firma ou denominação social), que permite identificação muito mais direta, e facilita,

inclusive, o preenchimento adequado do pólo passivo de eventual ação judicial.

Nesse sentido é que se infere que as normas de consumo insistem na identificação

de origem de produtos e serviços, mas não requerem que tal se faça,

necessariamente, por signos marcários (arts. 31 e 33, Lei nº 8.078/90).

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3.5 Virada do milênio: valiosos elementos da empresa

Após todas as etapas e evoluções mencionadas, foi também no século XX

que se difundiu de vez a percepção das marcas como poderosos elementos da

empresa. A partir de então, cada vez mais investimentos são dedicados à

construção e manutenção de marcas fortes por parte dos empresários, e cada vez

mais atenção é reservada, por estudiosos e governantes, a essa figura que, como

assinala Domingues:

Contemporaneamente têm expressiva influência, não apenas na formação cultural de um povo mas também interferem na vida econômica dos Estados, havendo mesmo efetuado verdadeira transformação das regras convencionais da concorrência comercial (1984, p. 72)

Não há exagero nas palavras supratranscritas. Diante do seu mencionado

efeito na atividade empresarial, marcas influentes potencializam os ganhos de seus

titulares e, por conseqüência, dos países nos quais estes se domiciliam. Para se

constatar tal efeito, basta se atentar para a prioridade que os Estados Unidos da

América, maior economia mundial e berço da maioria das principais marcas atuais,

dão para a regulamentação e proteção da propriedade intelectual de seus cidadãos

e sociedades, até mesmo buscando modificações legislativas em outros países. E

diferente não ocorre na relação privada entre empresários concorrentes, que

ampliaram seu foco de interesse dos produtos e serviços com os quais competem

entre si para, também, as marcas que os assinalam.

O conhecimento, a criação, ou o nome da coisa? De toda a mágica de uma invenção nova, medicina que cura, máquina que voa; de toda obra de arte eterna ou filme milionário; o que mais vale é o nome da coisa. Assim diz quem vence na concorrência, produz para todos os mercados, e mantém a mais elevada taxa de retorno: de todas as modalidades de proteção da propriedade intelectual, a marca tem sido considerada pelas empresas americanas a de maior relevância (BARBOSA, 2003, p. 797)

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Além de apresentar ao consumidor mercadoria ou serviço melhor ou mais

inovador, é tão – e às vezes até mais – importante construir uma marca que incuta

no consumidor o que aquele artigo pretende oferecer. Hoje se percebe que:

É através da marca que a empresa promete e entrega ao cliente um valor superior ao encontrado no mercado. Quando as empresas fazem isso contínua e consistentemente, tendem a ser mais lembradas, desenvolvem a preferência e contam com a lealdade do consumidor, são mais protegidas da concorrência e fortalecem o poder de barganha com os canais de distribuição e com os fornecedores. [...] A marca estabelece um relacionamento e uma troca de intangíveis entre pessoas e produtos. O produto é o que a empresa fabrica, o que o consumidor compra é a marca. Os produtos não podem falar por si: a marca é que dá o significado e fala por eles. (TAVARES, 1998, p. 17)

A importância dos signos distintivos atingiu tão alto patamar na segunda

metade do século XX, mantido na virada do milênio, que, de certa forma, pode-se

afirmar que voltaram a apresentar caráter obrigatório. É certo que sua aposição não

é mais uma obrigação exigida normativamente, como ocorria na Idade Média, mas,

agora, uma obrigatoriedade imposta informalmente pelo mercado como requisito

para sobrevivência empresarial. Semenik e Bamossy abordam esse fenômeno:

É essencial que a empresa desenvolva e promova uma marca para representar o produto e obter seu reconhecimento na mente dos consumidores. A marca personifica tudo aquilo que a empresa desenvolveu no marketing mix visando aos desejos e necessidades do consumidor. É a palavra, termo, símbolo ou design específico e único que virá a significar “satisfação” nas mentes das pessoas do segmento-alvo. (1995, p. 316)

A marca, por tudo isso, consolida status de um dos instrumentos mais

valiosos dos empresários – quando não o mais valioso –, a ponto de seu valor

financeiro, às vezes, superar o montante correspondente a todo o patrimônio

tangível destes. Tornaram-se notórias vendas de fundos de comércio na virada do

milênio em que o preço pago foi bastante maior que o patrimônio tangível adquirido,

como as negociações que aponta Tavares, ocorridas ainda na década de 90:

Em setembro de 1992, a Bacardi concordou em pagar por 51% das ações da Martini & Rossi US$ 1,4 bilhão. Naquela mesma semana a RJR Nabisco comprou a companhia de biscoitos Stella D´Oro por US$ 100 milhões. A Gillette pagou US$ 423 milhões pela holding Parker Britânica, a maior produtora mundial de canetas, que detém 41% da escala superior do mercado americano. Em todas essas transações o preço pago correspondeu a um valor superior ao patrimônio tangível das empresas adquiridas. (1998, p. xiii)

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Tais contratos têm lugar por todo o mundo, num fluxo de fusões que visam

muito além da união patrimonial das sociedades, mas, principalmente, à união do

público consumidor dos diferentes empresários. O que se pretende é o ganho rápido

de mercado. E, tendo isso em mente, o centro de negociações desse tipo são as

marcas pertencentes às diferentes partes, como aqui também ocorreu, e ainda

ocorre:

No Brasil, em 10 de janeiro de 1995, a Colgate-Palmolive pagou 3,6 vezes o valor do faturamento anual da Kolynos para adquiri-la. A Unilever pagou, em novembro de 1997, US$ 930 milhões pela Kibon, que fazia parte da divisão brasileira Kraft Suchard da americana Philip Morris. Esse valor correspondeu a quase três vezes o seu faturamento em 1996, que foi de US$ 332 milhões. (TAVARES, 1998, p. xiii)

Não se desconhece que há mais de uma razão para que tais aquisições se

dêem em valores tão elevados. Mas uma das principais é que o fundo de comércio

vendido continha marcas às quais o consumidor já associava determinada idéia ou

sensação relevante, com forte poder identificativo e distintivo, embutindo, assim,

potencial lucrativo enorme, como esclarecem os teóricos de marketing:

Esses fatos representam uma significativa mudança de perspectiva no que diz respeito ao valor das empresas. Anteriormente esse valor era mensurado principalmente em termos de seu patrimônio tangível, como imóveis, instalações e equipamentos. Essa mudança corresponde, em parte, à uma conscientização do valor da marca como sendo um componente do valor da empresa. Ao pagar um elevado preço por empresas com marca, os investidores estão, na realidade, comprando uma posição na mente do consumidor. [...] O conhecimento da marca, criado na mente do consumidor pelo investimento em marketing, é o ativo mais valioso para melhorar a posição de uma empresa no mercado (TAVARES, 1998, p. xiii-xvi)

A maneira como as marcas criam valor econômico para os empresários é

explicada por Nunes, que informa que os sinais marcários influenciam as curvas de

oferta e demanda. No campo da oferta, elas agem a partir dos seguintes fatores:

- Maior reconhecimento e lealdade do consumidor e do trade, resultando em menores custos de vendas e melhores termos de fornecimento;

- Menor custo de retenção e aquisição de colaboradores; - Menor custo de capital; - Economia de escala com maiores volumes de vendas; - Menor custo de marketing e publicidade. (NUNES, 2003, p. 69)

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Já “no lado da demanda, a marca tem o poder de capacitar o produto a

alcançar preço maior, a aumentar o volume de vendas (market share), a reter e

aumentar o uso dela por seus consumidores no longo prazo” (NUNES, 2003, p. 69).

Para ilustrar sua afirmativa, o mesmo autor cita interessante exemplo no

mercado de automóveis, valendo-se dos modelos “Geo Prism” e o “Toyota Corolla”.

Mesmo ambos os carros sendo quase idênticos, produzidos na mesma linha de

produtos e com similaridade na fabricação e serviços, o “Corolla”, representado por

marca mais forte, tem 8% de premium price e vende o dobro de unidades (2003, p.

69).

Prosseguindo na influência sobre a curva de demanda, Nunes reforça que as

marcas estabelecem, ainda, “demanda estável no longo prazo através de uma

relação funcional, emocional e filosófica com os seus consumidores, criando uma

barreira à entrada e um grande diferencial competitivo de longo prazo”. (2003, p. 69).

Pelo aspecto funcional, “a marca garante o reconhecimento e auxilia a decisão de

compra do consumidor” (2003, p. 69). Já pelo lado emocional, “satisfaz

requerimentos aspiracionais e de auto-expressão” (2003, p. 69). E, no tocante ao

aspecto dito “filosófico”, existiria completa identificação entre sinal distintivo e

consumidor, que compartilha “da visão e valores da marca” (2003, p. 69). Ademais,

os signos marcários são capazes “de transferir o seu equity ou valor para uma nova

categoria de produtos ou até mesmo para uma nova marca”. (2003, p. 69).

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4 REGULAMENTAÇÃO JURÍDICA

4.1 Necessidade de proteção jurídica

Verificada a importância dos sinais marcários para o desenvolvimento

econômico das nações, identificou-se a necessidade de se proteger o vínculo por

eles estabelecido com os produtos e serviços assinalados. E, como dedução óbvia,

concluiu-se que referida proteção atinge sua plenitude apenas pela atribuição

exclusiva dos diferentes sinais a quem primeiro manifestar o intuito em usá-los como

símbolos marcários. As marcas “somente têm valor social quando usadas para

designar um único produto” (POSNER, 2004a, p. 172, tradução nossa).13 Afinal, se

depois de criadas e utilizadas com sucesso elas ficassem à livre disposição de

qualquer um que quisesse fazer uso, a possibilidade de identificação pelo

consumidor da mercadoria ou serviço com seu fabricante ou prestador estaria

irremediavelmente comprometida. Tão logo o produto ou serviço se tornasse

conhecido no mercado, não faltariam concorrentes que veriam na contrafação uma

via mais rápida, ainda que efêmera, para o lucro. Prefeririam estampar em suas

próprias mercadorias ou atividades o sinal identificador alheio, com o intuito de atrair

a clientela em formação ou recém-estabelecida pelo outro empresário, a se

esforçarem e investirem recursos em conquistar a sua própria.

Mas, por certo, tal atribuição de exclusividade, por implicar exclusão de

interesses, demanda a intervenção da lei, pois se esperar pelo respeito voluntário de

todos os empresários pelas marcas uns dos outros seria postura um tanto quanto

utópica, uma esperança já desmentida por inúmeras experiências do passado que

mostram a tendência dos agentes de mercado em agir na busca da maximização de

seus interesses e, assim, na trilha de caminhos que lhes pareçam menos

dispendiosos.

Um dos mais interessantes efeitos da doutrina do market failure é evidenciar a natureza primária da intervenção do Estado na proteção da propriedade intelectual. Deixado à liberdade do mercado, o investimento na criação do bem intelectual seria imediatamente dissipado pela liberdade de cópia. As

13 “it has social value only when used to designate a single brand.”

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forças livres do mercado fariam com que a competição – e os mais aptos nela – absorvesse imediatamente as inovações e as novas obras intelectuais. Assim é que a intervenção é necessária – restringindo as forças livres da concorrência – e criando restrições legais a tais forças. (BARBOSA, 2002, p. 16)

Como destaca Domingues, “uma coisa é inquestionável: a contrafação é parte

integrante e inerente à natureza humana” (1984, p. 4).

Essa diversidade de usos, junto à incrível proliferação de produtos competindo em nossa economia, produz inevitável tensão entre aqueles que desejam monopolizar um símbolo distintivo e aqueles que sentem ter o direito ou necessitam usar tal símbolo para seus próprios propósitos. As regras do direito de marcas aspiram resolver essa tensão de forma justa para as partes concorrentes e consistente com o interesse público. (SCHECHTER; THOMAS, 2003, p. 540, tradução nossa)14

Segundo constatação de Posner, somente amparadas em proteção jurídica é

que as marcas podem reduzir os custos de transação, uma vez que o “custo para se

copiar a marca de outra pessoa é pequeno” e, sendo assim,

o incentivo para se incorrer nele, na ausência de impedimento jurídico, será tanto menor quanto mais forte for uma marca. O concorrente clandestino obterá, por baixo custo, lucros associados com uma marca forte porque alguns consumidores assumirão (ao menos no curto prazo) que aquele seu produto e aquele originalmente identificado com a marca são idênticos. Se a lei não prevenir tal quadro, a clandestinidade poderá destruir a informação primordial contida numa marca, e a perspectiva da clandestinidade poderá por isso eliminar o incentivo ao desenvolvimento de marcas valiosas em primeiro lugar. (2004a, p. 168, tradução nossa)15

Em decorrência disso é que se pode afirmar que o benefício das marcas para

a sociedade passa pela sua regulamentação e proteção jurídicas, e que quaisquer

discussões ou propostas para o seu desenvolvimento não podem se dar alheias ao

Direito.

14 “This diversity of uses, along with the incredible proliferation of competing brands in our economy, produces inevitable tensions between those who wish to monopolize a designation symbol and others who feel that they have a right or need to use it for their own purposes. The rules of trademark law aspire to resolve those tensions in ways that are both fair to the competing parties and consistent with the public interest.” 15 “[...] because the cost of duplicating someone else´s trademark is small and the incentive to incur this cost in the absence of legal impediments will be greater the stronger the trademark. The free-riding competitor will, at little cost, capture profits associated with a strong trademark because some consumers will assume (at least in the short run) that the free rider´s and the original trademark holder´s brands are identical. If the law does not prevent it, free riding may destroy the information capital embodied in a trademark, and the prospect of free riding may therefore eliminate the incentive to develop a valuable trademark ni the first place”.

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4.2 Idade Média

A regulamentação jurídica das marcas teve início no regime das corporações

de ofício, que procediam ao registro dos sinais corporativos e individuais no livro

próprio de matrículas, impedindo o uso de símbolos semelhantes por artesão não

autorizado (ARNOLDI; ADOURIAN, 2003, p. 233), embora, segundo afirma

Domingues, citando Vivante e Francheschelli, à época, a notoriedade do uso era

suficiente para proteção das marcas individuais (1984, p. 12).

Assim, as negotiatorum matricula davam origem a um registro geral que relacionava todos os oficiais de arte inscritos na corporação, detalhando nome, cognome, filiação, data de admissão, a eventual relação de sociedade ou dissolução da mesma, e a marca do artíficie. (ZEBULUM, 2006, p. 56)

O uso não autorizado por pessoa diversa do titular da marca constituía o

crimen falsi e sujeitava o infrator ao confisco e à destruição das mercadorias

assinaladas com o sinal contrafeito, à proibição do exercício da profissão corporativa

por determinado tempo e à condenação ao pagamento de prêmio a quem o tenha

denunciado. Isso tudo além de eventual indenização e reparação de danos sofridos

e apurados mediante demandas judiciais (DOMINGUES, 1984, p. 32).

4.3 Período pós-revolucionário

Somente depois das Revoluções Industrial e Francesa, com seu já

mencionado impacto sobre o desenvolvimento empresarial, incrementando-se a

concorrência e vislumbrando-se nas marcas uma importante ferramenta negocial, é

que surgiram as primeiras figuras legislativas voltadas especificamente para a

proteção destes sinais. As leis francesas de 1803 e 1857, no impulso da Revolução

Burguesa, firmaram vários dos princípios que até hoje orientam a matéria

(PIMENTA, 2004, p. 99).

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O diploma de 1803 consagrou a exigência de depósito prévio de uma amostra

da marca no Tribunal de Comércio como requisito para a proteção oficial. Além

disso, estendeu as penas de falsificação de documentos privados aos contrafatores

e estipulou a indenização pecuniária ao titular como forma de punição à violação do

direito de propriedade sobre a marca (CERQUEIRA, 1982, p. 754; ZEBULUM, 2006,

p. 57).

Já no texto de 1857, considerado “paradigma da legislação da maioria dos

países” (CERQUEIRA, 1982, p. 755), consagrou-se o princípio da marca facultativa,

cuja proteção por parte do Estado continuava a se vincular ao depósito e registro em

órgão oficial, a ser solicitado conforme descrições do artigo segundo (SOARES,

1988, p. 35), embora se reconhecesse o início da propriedade pela posse e uso

anterior (CERQUEIRA, 1982, p. 15).

O modelo francês contagiou o Ocidente e legislações nele inspiradas foram

sendo criadas em outros países já a partir da nova estrutura legal do instituto, como

a lei italiana de 1868, as inglesas de 1883 e 1887, a norte-americana, de 1881, e a

alemã, de 1894, além da brasileira, promulgada em 1875, que será abordada em

tópico à parte, adiante.

Essa maneira simples, sem qualquer regulamentação, de utilização dos mais diversos tipos de marcas, chega ao seu final no século passado [século XIX], e a partir da Revolução Francesa, da Revolução Industrial do desenvolvimento das novas idéias, e por que não dizer da necessidade premente de vinculá-la ao direito, a marca passa a integrar a legislação dos mais diversos países, sob as suas mais diversas formas de proteção. (SOARES, 1988, p. 37)

Todavia, diferenças relevantes entre as normas jurídicas então criadas

começaram a dificultar o incipiente comércio entre as nações, alavancado pelo

desenvolvimento da comunicação e dos transportes. Como os produtos e serviços

se expandiram para além das fronteiras do país de origem, verificou-se necessária a

criação de regulamentos harmônicos ou uniformes acerca dos sinais distintivos da

prática empresarial.

As criações imateriais são transnacionais, cosmopolitas, não podendo ser contidas, cristalizadas, encapsuladas, dentro das fronteiras de um Estado. Era preciso criar um direito internacional para a propriedade industrial que harmonizasse e unificasse regras de conflitos de leis e regras comuns de direito material. (BASSO, 2000, p. 73)

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Percebeu-se logo que, conforme afirma Loureiro, “o direito de propriedade

industrial, como outros ramos do direito, tem uma vocação internacional” (1999, p.

31) e, por isso, uma regulamentação supranacional se mostrou premente.

4.4 Regulamentação supranacional

4.4.1 Convenção de Paris de 1883

Identificada a inevitabilidade de harmonização normativa, os países iniciaram,

num primeiro momento, a celebração de tratados bilaterais, de modo que, em 1883,

“já vigiam 69 convenções desta natureza [tratando de direitos intelectuais]” (SICHEL,

2004, p. 11). No caso do Brasil, foram firmados acordos com Alemanha, Bélgica,

Dinamarca, Estados Unidos, França, Holanda, Itália e Portugal (ARNOLDI;

ADOURIAN, 2003, p. 241; CERQUEIRA, 1982, p. 19-20; DOMINGUES, 1984, p. 51;

SOARES, 1988, p. 39). Mas a amplitude de tais iniciativas foi se mostrando

insuficiente, apontando para a necessidade de envolvimento do maior número

possível de nações na celebração desses pactos para que resultados efetivos

pudessem ser obtidos.

Assim, em 1873, realizou-se em Viena congresso internacional para

discussão do assunto, repetido em 1878, dessa vez em Paris, oportunidade na qual

os países participantes decidiram por criar comissão permanente incumbida de

elaborar anteprojeto de convenção internacional. Dois anos mais tarde, nova

conferência analisou as discussões levadas a efeito nos encontros anteriores,

principalmente o anteprojeto de convenção, cuidando de redigir outro texto. E o novo

anteprojeto foi finalmente aprovado em março de 1883, criando-se a Convenção da

União de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial (CUP), originalmente

integrada por 11 países, quais sejam, Espanha, Guatemala, França, Itália, Holanda,

Portugal, Bélgica, São Salvador, Sérvia, Suíça e Brasil (representado pelo Conde de

Villeneuve, então Ministro na Bélgica).

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A CUP [Convenção da União de Paris] se diferencia de outros acordos internacionais na medida em que cria um organismo formado pelos Estados-membros (a União), cujos organismos e associados formam, sob o aspecto financeiro e administrativo, uma unidade. (SICHEL, 2004, p. 12)

Antes de entrar em vigor, a Convenção foi firmada por Equador, Grã-Bretanha

e Tunísia e, ainda, pelos Estados Unidos, em 1887, pela Alemanha, em 1903, e pela

Rússia, em 1965 (SICHEL, 2004, p. 11). Atualmente, 172 países fazem parte da

União (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL, 2008).

O intuito com o estabelecimento da Convenção de Paris era muito mais do

que instituir regras para solução de conflitos entre normas: era estabelecer princípios

fundamentais ao tratamento jurídico da propriedade industrial nos países integrantes

da União, que pudessem guiar as legislações internas a regulamento, se não único,

ao menos coerente, bem como orientar futuras reformas que, já se pressentia,

adviriam com a continuidade do avanço tecnológico.

Assim foi estabelecida a Convenção da União de Paris de 20/03/1883 para a Proteção da Propriedade Industrial, a qual pode ser considerada, como de fato é, o maior repositório dos princípios que norteiam a proteção à propriedade industrial em praticamente todo o mundo. (SOARES, 1988, p. 43)

Atentando-se à necessidade de atualização normativa frente às mudanças

sociais, um dos princípios estatuídos foi o da “revisão periódica”, que fez com que o

texto da Convenção fosse rediscutido e emendado em 1900, em encontro ocorrido

na cidade de Bruxelas, em 1911, em Washington, em 1925, em Haia, e, em 1934, a

partir de reunião sediada em Londres. Além dessas, outras alterações foram

propostas e aprovadas em 1958, desde Lisboa, em 1967, em decorrência de

discussões travadas em Estocolmo, quando, ainda, decidiu-se criar a Organização

Mundial da Propriedade Industrial (OMPI), organismo, com sede em Genebra, que

recebeu a incumbência de proteger a propriedade industrial a partir da cooperação

entre os estados-partes da União. Desde sua criação, é a OMPI quem administra a

Convenção de Paris e, sete anos após sua fundação, foi absorvida pela

Organização das Nações Unidas como agência especializada.

Não sendo de forma alguma um clube fechado, a União admite a qualquer tempo a entrada de novos países. Quem entra porém, recebe o último texto do tratado em vigor, e tem de se conformar que os antigos unionistas lhe apliquem a última versão a qual aderiram: assim o Brasil aplicava, até 1992,

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o texto de 1925 à Argentina, enquanto esta submetia as patentes brasileiras ao regime de 1967. (BARBOSA, 2003, p. 184)

A criação da Convenção de Paris teve como principais efeitos influenciar a

produção legislativa interna dos países signatários e harmonizar a disciplina jurídica

das marcas em âmbito internacional. Nesse sentido, permite aos unionistas manter

normas próprias e até celebrar entre si acordos bilaterais, desde que tais

instrumentos normativos não entrem em choque com as disposições da CUP. A

única exigência é a paridade, isto é, que o tratamento dado aos nacionais seja

estendido aos estrangeiros advindos dos países integrantes.

A Convenção de Paris manteve a proteção oficial vinculada ao depósito da

marca nos órgãos próprios de cada país e ao registro por estes procedido após

análise da regularidade do requerimento. Consagrou, com isso, o que se chama de

sistema atributivo da propriedade, no qual o Estado, com o registro do sinal

distintivo, confere à pessoa a propriedade daquele símbolo e, portanto, a

exclusividade quanto ao direito de usá-lo, fruí-lo e dele dispor. Antes do registro não

há direito de propriedade sobre o traço distintivo (ainda que o titular já faça efetivo

uso da marca) e, em conseqüência, não há proteção jurídica.

No tocante a quais tipos de sinais podem ser depositados, o texto da CUP

reservou a cada unionista a liberdade de definir tal matéria da forma que melhor lhe

convier, conforme destacado no art. 6º da versão original e das versões modificadas

em Haia (1925) e em Estocolmo (1967), às quais aderiu o Brasil:

Redação original

(BRASIL, 1884)

Texto modificado em Haia

(BRASIL, 1929)

Texto de Estocolmo

(BRASIL, 1992)

Art. 6o

Toda marca de fábrica ou de commercio regularmente depositada no paiz de origem será admitida a deposito e protegida tal qual todos os outros paizes da União.

Protocolo 4º O § 1o do art. 6o deve ser entendido no sentido que nenhuma marca de fabrica ou de commercio poderá ser excluida da protecção, em um

Art. 6º

Qualquer marca de fábrica ou de comércio, registrada regularmente no país de origem, será admitida ao depósito e protegida nos demais países da União, tal como foi registrada.

Art. 6º

(1) As condições de depósito e de registro das marcas de fábricas ou de comércio serão determinadas em cada país da União pela respectiva legislação nacional. [...]

Art. 6o quinquies A . - (1) Qualquer marca de fábrica ou de comércio regularmente registrada no país

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dos Estados da União, pelo simples facto de não satisfazer, no ponto de vista dos signaes que a compõem, ás condições da legislação desse Estado, comtanto que satisfaça, neste ponto, a legislação do paiz de origem, e, que tenha sido, neste ultimo paiz, objecto de deposito regular. Salva esta excepção, que só diz respeito á fórma da marca, e sob reserva das disposições dos outros artigos da convenção, será applicada a legislação interna da cada um dos Estados.

de origem será admitida para registro e protegida na sua forma original nos outros países da União, com as restrições indicadas no presente artigo. Estes países poderão antes de procederem ao registro definitivo, exigir a apresentação de um certificado de registro no país de origem, passado pela autoridade competente. Não será exigida qualquer legislação para este certificado

De toda forma, à época, a discussão sobre diferentes tipos de sinais a serem

registrados como marca ainda não se impunha pela própria dificuldade de se apor

qualquer outro símbolo, que não desenhos ou letras, em produtos. Não havia

tecnologia que permitisse, a baixo custo, marcar uma mercadoria a partir de sons

característicos, por exemplo.

4.4.2 Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual

Relacionados ao Comércio – TRIPS

Mas, insatisfeitos com o tratamento internacional reservado à questão da

propriedade intelectual, inclusive às marcas, os países desenvolvidos – tendo à

frente os Estados Unidos – começaram a demandar novo aparato jurídico que

permitisse, no seu ponto de vista, maior proteção às criações do intelecto no

comércio mundial. Dois eram os principais pontos de sua irresignação. Primeiro, a

dificuldade de se promoverem alterações no regime da Convenção de Paris e em

outros diplomas administrados pela Organização das Nações Unidas por meio da

OMPI. E, em segundo lugar, a ineficácia dos mecanismos de coerção relacionados

àqueles instrumentos normativos, o que consistiria em incentivo para que alguns

países membros não se preocupassem em cumprir os compromissos acertados nas

convenções (ARNOLDI; ADOURIAN, 2003, p. 251).

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Dentro do espírito de cooperação recíproca e unidade de propósitos, a União nunca incluiu qualquer aparelho repressor, que desferisse penalidades contra um país participante por alegadas infrações do tratado – ainda que segundo as regras próprias tal pudesse ser, em tese, objeto de ação junto à Corte Internacional de Justiça de Haia. (BARBOSA, 2003, p. 184)

A sugestão de algumas nações (EUA e Inglaterra, principalmente) foi inserir

as discussões internacionais sobre propriedade intelectual nos debates do Acordo

Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), que, segundo acreditavam, possui estrutura

mais eficaz para prevenir e resolver controvérsias entre os países integrantes. E, na

Rodada do Uruguai de Negociações Multilaterais do GATT, iniciada em 1986, a

propriedade intelectual foi finalmente inserida nas discussões do grupo, que tratou

de convocar uma rodada específica para o assunto, na qual criou-se grupo de

trabalho sobre “questões referentes à propriedade intelectual relacionadas com o

comércio” – ou simplesmente TRIPS, sigla que, em inglês, define o objeto de debate

(Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights). O objetivo desse grupo era

criar instrumento normativo que assegurasse nível de proteção mínimo, suficiente

para frear a escalada de violações àquele tipo de propriedade. E de suas reuniões

resultou o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual

Relacionados ao Comércio, também conhecido pela sigla “TRIPS”, e reconhecido

como “o diploma multilateral sobre propriedade intelectual mais abrangente” e “mais

ambicioso celebrado até o momento” (ARNOLDI; ADOURIAN, 2003, p. 255), que

conjugou e reformou os regimes estabelecidos pelos acordos internacionais

preexistentes.

O texto de introdução do Acordo TRIPS apresenta as seguintes motivações

para celebração do referido acordo:

Os Membros, Desejando reduzir distorções e obstáculos ao comércio internacional e levando em consideração a necessidade de promover uma proteção eficaz e adequada dos direitos de propriedade intelectual e assegurar que as medidas e procedimentos destinados a fazê-los respeitar não se tornem, por sua vez, obstáculos ao comércio legítimo; Reconhecendo, para tanto, a necessidade de novas regras e disciplinas relativas: a) à aplicabilidade dos princípios básicos do GATT 1994 e dos acordos e convenções internacionais relevantes em matéria de propriedade intelectual;

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b) ao estabelecimento de padrões e princípios adequados relativos à existência, abrangência e exercício de direitos de propriedade intelectual relacionados ao comércio; c) ao estabelecimento de meios eficazes e apropriados para a aplicação de normas de proteção de direitos de propriedade intelectual relacionados ao comércio, levando em consideração as diferenças existentes entre os sistemas jurídicos nacionais; d) ao estabelecimento de procedimentos eficazes e expeditos para a prevenção e solução multilaterais de controvérsias entre Governos; e e) às disposições transitórias voltadas à plena participação nos resultados das negociações; Reconhecendo a necessidade de um arcabouço de princípios, regras e disciplinas multilaterais sobre o comércio internacional de bens contrafeitos; Reconhecendo que os direitos de propriedade intelectual são direitos privados; Reconhecendo os objetivos básicos de política pública dos sistemas nacionais para a proteção da propriedade intelectual, inclusive os objetivos de desenvolvimento e tecnologia; Reconhecendo igualmente as necessidades especiais dos países de menor desenvolvimento relativo Membros no que se refere à implementação interna de leis e regulamentos com a máxima flexibilidade, de forma a habilitá-los a criar uma base tecnológica sólida e viável; Ressaltando a importância de reduzir tensões mediante a obtenção de compromissos firmes para a solução de controvérsias sobre questões de propriedade intelectual relacionadas ao comércio, por meio de procedimentos multilaterais; Desejando estabelecer relações de cooperação mútua entre a OMC e a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (denominada neste Acordo como OMPI), bem como com outras organizações internacionais relevantes; Acordam, pelo presente, o que se segue.

Em 1994, o encerramento das atividades da Rodada do Uruguai ainda

resultou na celebração do Acordo de Marraqueche, que criou a Organização Mundial

do Comércio (OMC), para cuja inclusão tornou-se indispensável a adesão do país

interessado a todos os acordos decorrentes da referida Rodada, dentre eles o

TRIPS. Nessa criação, dotou-se a OMC de sistema de regulação de controvérsias

obrigatório a todos os países integrantes, que exclui qualquer outro canal de

discussão. Para início de sua jurisdição basta que um Estado-Membro suscite o

conflito e as partes envolvidas se vêem automaticamente submetidas à resolução

determinada pela Organização, que pode estabelecer sanções ligadas a qualquer

aspecto do comércio entre os países, mesmo distante do assunto da propriedade

industrial.

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No tocante às marcas, segundo informa Barbosa (2003, p. 197), a definição

dos parâmetros mínimos de proteção substantiva pelo Acordo TRIPS baseou-se na

Convenção de Paris. Mas, como o conjunto de ditames deste instrumento era

considerado insatisfatório pelos idealizadores daquele, foi estabelecido outro nível

de disposições, que deveriam ser acrescidas às respectivas legislações internas dos

países aderentes. Entretanto, no que tange à maneira como a proteção oficial tem

início, manteve-se a tradicional dependência do depósito e registro do signo

distintivo em órgão administrativo próprio.

ARTIGO 16 Direitos Conferidos

1 – O titular de marca registrada gozará de direito exclusivo de impedir que terceiros, sem seu consentimento, utilizem em operações comerciais sinais idênticos ou similares para bens ou serviços que sejam idênticos ou similares àqueles para os quais a marca está registrada, quando esse uso possa resultar em confusão. (BRASIL, 1994, grifo nosso)

Com relação ao tipo de sinal suscetível de depósito e registro como marca, o

artigo 15 (1), inserido na parte II do documento, intitulada “normas relativas à

existência, abrangência e exercício dos direitos de propriedade intelectual”,

menciona:

ARTIGO 15 Objeto da Proteção

1 – Qualquer sinal, ou combinação de sinais, capaz de distinguir bens e serviços de um empreendimento daqueles de outro empreendimento, poderá constituir uma marca. Estes sinais, em particular palavras, inclusive nomes próprios, letras, numerais, elementos figurativos e combinação de cores, bem como qualquer combinação desses sinais, serão registráveis como marcas. Quando os sinais não forem intrinsecamente capazes de distinguir os bens e serviços pertinentes, os Membros poderão condicionar a possibilidade do registro ao caráter distintivo que tenham adquirido pelo seu uso. Os Membros poderão exigir, como condição para o registro, que os sinais sejam visualmente perceptíveis. (BRASIL, 1994)

O TRIPS, portanto, não coloca empecilhos para que os países-membros

promovam o registro de sons como marcas, uma vez que “qualquer sinal”, desde

que “capaz de distinguir bens e serviços”, pode ser objeto de proteção. Tal abertura

reflete o momento em que o acordo teve origem. Elaborado já ao final do século XX,

o TRIPS foi discutido numa época em que as tecnologias de comunicação haviam

avançado enormemente e se massificado em igual medida, de forma que já se

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faziam bastante menos custosas a identificação e distinção de produtos e serviços a

partir de signos diversos de palavras e figuras, como, principalmente, os sons, seja

por meio da televisão, rádio e cinema, mas também pela aposição de sinais sonoros

nos próprios artigos.

Contudo, na parte final do supratranscrito artigo 15 constou autorização para

que os membros exijam como condição para o registro “que os sinais sejam

visualmente perceptíveis”, o que acabou sendo interpretado por muitos países –

inclusive pelo Brasil – como possibilidade de se negar o registro de signos sonoros,

uma vez que estes não podem ser enxergados.

Referida linha interpretativa será objeto de análise mais à frente. Por ora,

importa referir que a parte final do artigo 15, parágrafo 1º, quando criada, visava

permitir ou facilitar que os países menos desenvolvidos cumprissem integralmente a

exigência de publicação de uma cópia de todos os sinais depositados, conforme o

parágrafo 5º do mesmo artigo 15:

5 – Os Membros publicarão cada marca antes ou prontamente após o seu registro e concederão oportunidade razoável para o recebimento de pedidos de cancelamento do registro. Ademais, os Membros poderão oferecer oportunidade para que o registro de uma marca seja contestado.

A intenção de tal publicação, como se nota, é dar conhecimento a todos dos

sinais depositados, para que símbolos idênticos não venham a ser objeto de novos

pedidos de registro ou utilizados em produtos e serviços do mesmo ramo de

atuação, mas não produzidos ou prestados pelos titulares da marca depositada e

posteriormente registrada. Além disso, referida publicação visa permitir a qualquer

pessoa que eventual e injustificadamente se prejudique com a concessão futura

daquele registro – num caso de contrafação, por exemplo – tomar conhecimento da

pretensão colocada aos órgãos oficiais e buscar as providências necessárias para

obstaculizá-la o mais cedo possível, poupando prejuízos e gastos dos governos com

um procedimento administrativo que ou resultará em indeferimento do pedido ao

final, ou certamente será anulado no futuro pelo Poder Judiciário.

Entretanto, se na década de 90 o custo para individualização pelos

empresários de seus produtos e serviços por meio de sinais diferentes de palavras e

desenhos já se encontrava bastante reduzido, o mesmo não se pode dizer dos

custos dos órgãos oficiais para promoverem a publicação de sinais dessa espécie.

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Agrupar os pedidos de símbolos reproduzidos graficamente e publicá-los em

periódicos oficiais é método relativamente barato (até porque os entes públicos

estão acostumados a assim proceder com outros atos oficiais, como os legislativos e

judiciais). Mas reunir sinais não representáveis em papel e levar tal compilação aos

interessados, naquele momento, não era procedimento acessível a qualquer país,

ou, ao menos, poderia não ser um gasto justificável para aqueles com carências

agudas em outras áreas, como os países em desenvolvimento.

Assim, podia-se identificar, atentando-se para o momento em que o TRIPS foi

elaborado, coerência entre a parte final do parágrafo 1º do artigo 15 e o seu

parágrafo 5º, a justificar a autorização para a negativa de registro de sinais não

visualmente perceptíveis pelos países que assim entendessem conveniente.

Entretanto, mais de uma década de intensa evolução tecnológica depois, o

cenário é outro, a exigir nova análise acerca da pertinência dessa restrição, o que

será feito em momento oportuno nesse trabalho, já que este tópico se dedica a

apenas apresentar o TRIPS e sua relação com o registro de marcas.

4.4.3 Outros instrumentos de regulamentação supranacional

Além da Convenção de Paris e do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de

Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio, muitos outros instrumentos de

regulamentação foram firmados em caráter multilateral ou bilateral com objetivo de

harmonizar aspectos procedimentais no registro de marcas ou estabelecer regimes

do que se chamam “marcas internacionais”. Mas, como esses instrumentos cuidam

de questões que não se ligam diretamente ao objeto desse trabalho, merecerão aqui

apenas a referência quanto a sua criação, não sendo abordados com maiores

detalhes para que o estudo não perca objetividade.

Com efeito, entre as muitas dezenas de tratados que versam sobre Propriedade Industrial, um só, a Convenção de Paris (CUP), por sua antigüidade, abrangência e complexidade, merece ser identificado como a norma internacional, par excellence, anterior ao acordo sob exame [TRIPS]. (BARBOSA, 2003, p. 213)

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Do primeiro grupo se destaca o Acordo de Nice para Classificação de

Produtos e Serviços, que elegeu 35 classes de produtos e 7 de serviços a serem

utilizados uniformemente na classificação dos pedidos de registro. E no segundo

grupo, que se preocupa em ampliar o âmbito de proteção jurídica das marcas para

além dos países que procederam ao seu registro, sobressaem a marca comunitária

européia e o Acordo (1891) e o Protocolo de Madri (1989).

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5 REGULAMENTAÇÃO JURÍDICA NO BRASIL

Pode-se afirmar que a primeira norma brasileira sobre marcas, muito embora

tenha sido uma das primeiras no mundo a serem promulgadas, demorou a ser

elaborada, se atentar-se para a circunstância de que, à época, sucessivas

demonstrações da necessidade premente de se regulamentarem os sinais marcários

no Brasil já haviam sido ofertadas pela prática empresarial e jurisprudencial.

As invenções já haviam recebido tratamento normativo 45 anos antes, mas os

signos distintivos não gozavam do mesmo prestígio junto aos legisladores. Os

empresários, por certo, já conscientes da importante função das marcas na atividade

econômica, não deixavam de usá-las para identificar e distinguir seus produtos e

serviços dos de seus concorrentes, mesmo não encontrando amparo oficial nessa

empreitada. Assim, os casos de usurpação e imitação desses sinais eram

corriqueiros e tentava-se combatê-los da forma que se mostrava possível.

Ao se virem prejudicados pelo uso indevido de seus signos distintivos, os

empresários da época invocavam a aplicação analógica ao seu caso de disposições

do Código Criminal que puniam a falsificação de escrito público ou privado, o furto,

os crimes contra a propriedade literária e artística, o estelionato e os abusos da

liberdade de imprensa (CERQUEIRA, 1982, p. 12). Contudo, essa estratégia nunca

teve muito fôlego, uma vez que, como cediço, um dos princípios informadores do

Direito Penal é o da vedação à aplicação analógica da lei para se determinar a

condenação.

Enfim, a concorrência desleal era completamente livre e os contrafatores campeavam no mercado nacional reproduzindo ou imitando desbragadamente as marcas notoriamente conhecidas sem que houvesse qualquer lei que impedisse essa prática criminosa, nem mesmo o Código Criminal era suficientemente capaz! (SOARES, 1968, p; 15)

Essa situação encontrou seu ponto de virada em 1875, quando a indústria

baiana Meuron & Cia., fabricante do conhecido rapé “Arêa Preta”, à época, se

indignou com o lançamento pela concorrente Moreira & Cia., também baiana, de um

rapé com o nome “Arêa Parda”, e iniciou célebre batalha pela defesa de sua

clientela. De início, buscou a via judicial e, sob o patrocínio de Rui Barbosa, postulou

a condenação dos representantes legais da Moreira & Cia. pelos crimes

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suprareferenciados. A denúncia chegou a ser aceita, mas a decisão foi reformada

pelo Tribunal da Relação da Bahia, que anulou o processo pela ausência de norma

tipificadora da conduta, recusando a aplicação analógica de outros crimes previstos

no Código Criminal (DOMINGUES, 1984, p. 47). Pressentindo que a decisão judicial

pioraria suas dificuldades, pois consagrava a impunidade do ato de contrafação, a

Meuron & Cia. arrebanhou outros empresários que também vinham sendo

prejudicados pela omissão normativa e, juntos, provocaram o Poder Legislativo,

reivindicando a criação de norma específica para proteção das marcas. E a Câmara

dos Deputados, por meio da sua Comissão de Justiça Criminal, reconheceu a

necessidade de sua atuação e aceitou a representação, elaborando projeto do que

veio a ser o primeiro instrumento legal sobre marcas no Brasil.

5.1 Decreto nº 2.682 de 23 de outubro de 1875

A primeira norma brasileira de marcas se inspirou, como muitas outras, no

modelo francês criado em 1857, considerando o registro pelo órgão administrativo

próprio (à época, o Tribunal ou Conservatória do Comércio) como o ato que atribuía

ao requerente a proteção oficial para uso exclusivo do sinal depositado, muito

embora reconhecesse que direitos inerentes à marca nasciam com a posse e o uso

anterior, autorizando o empresário que ainda não havia registrado sua marca a

postular reparação civil de seus prejuízos com eventual usurpação. Nesse sentido,

dispunha o art. 2º que

ninguem poderá reivindicar por meio da acção desta lei a propriedade exclusiva da marca, sem que previamente tenha registrado no Tribunal ou Conservatoria do Commercio de seu domicilio o modelo da marca, e publicado o registro nos jornaes em que se publicarem os actos officiaes. (BRASIL, 1875)

E, em complemento, o art. 5º:

Sem que se faça constar o registro da marca, nenhuma acção criminal será proposta em juizo contra a usurpação ou imitação fraudulenta della; salvo aos prejudicados o direito á indemnização por acção civil que lhes competir. (BRASIL, 1875)

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No que se refere aos símbolos que eram admitidos como marca, o art. 1º -

após restringir o exercício do direito de depósito e registro apenas aos “fabricantes e

negociantes” de produtos – expunha:

[...] A marca poderá consistir no nome do fabricante ou negociante, sob uma fórma distinctiva, no da firma ou razão social, ou em quaesquer outras denominações, emblemas, estampas, sellos, sinetes, carimbos, relevos, involucros de toda a especie, que possam distinguir os productos da fabrica, ou os objectos de commercio. (BRASIL, 1875)

A redação do art. 1º, associada à da parte final do art. 3º, permitia deduzir

que apenas símbolos gráficos de identificação do empresário poderiam se constituir

como marcas, uma vez que este último dispositivo legal exigia o depósito de dois

modelos da marca, e que tal modelo “consistirá no desenho, gravura ou impresso

representando a marca adoptada” (BRASIL, 1875).

Todavia, tal postura não pode ser criticada, uma vez que, conforme já

mencionado, no século XIX, os parâmetros tecnológicos da indústria e do comércio

não permitiam a aposição nos produtos de sinais identificáveis por outros sentidos

humanos diversos da visão. Portanto, a opção legislativa não se constituía em

problema e não prejudicava nem mesmo o empresário mais criativo na divulgação

de seus negócios.

Ademais, a título ilustrativo, vale destacar a não-previsão de marcas

identificadoras da prestação de serviços, a refletir a pouca importância que esse tipo

de atividade – hoje fundamental para a sociedade – ocupava na economia do

Império.

5.2 Decreto 3.346 de 14 de outubro de 1887

Apesar de preencher importante lacuna na regulamentação jurídica da

atividade empresarial brasileira, o Decreto de 1875 foi alvo de muitas críticas, que

apontavam diversas imprecisões em seu texto.

A Lei de 1875 não podia deixar de conter graves defeitos e falhas sensíveis, sendo bastante confusa na enumeração das marcas admitidas a registro e na conceituação dos vários delitos que punia. ‘Correspondendo, aliás, no

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conjunto de suas disposições, às luzes e patriotismo das Câmaras legislativas’ – escreveu Visconde de Ouro Preto. – ‘esse decreto ressentiu-se de alguns defeitos, que menos precipitada preparação teria corrigido. Desejava-se uma providência pronta; queria legislar depressa, e assim se fez. Necessariamente deveriam escapar muitos senões, tanto mais que não era ainda bem conhecida a matéria no país’. (CERQUEIRA, 1982, p. 16)

Assim, não tardou surgirem demandas para que a referida norma fosse

modificada ou mesmo que novo texto fosse discutido e aprovado, em movimento

que, com a ratificação da Convenção de Paris pelo Brasil, tornou a reforma

legislativa inadiável. Nesse contexto, as Seções Reunidas dos Negócios do Império

e da Justiça do Conselho de Estado apresentaram ao Senado, em 1885, projeto de

novo diploma normativo que, aprovado e encaminhado à Câmara, foi apreciado em

1887, convertendo-se no Decreto nº 3.346.

Em texto bastante melhor redigido que seu antecessor, segundo sugere

Cerqueira (1982, p. 22), o Decreto de 14 de outubro de 1887, reunindo os princípios

fixados pela União de Paris, estabeleceu, em seu art. 3º, o registro pela Junta ou

Inspetoria Comercial não somente como ato de outorga da proteção oficial,

assegurando o uso exclusivo em determinado ramo de atividade, mas também como

marco do início da propriedade da marca, importando o uso prévio apenas como

critério para definição de precedência, em caso de depósitos simultâneos de sinais

idênticos.

Com relação aos tipos de símbolos registráveis, o art. 2º era bastante

abrangente, admitindo toda a espécie de sinais, desde que suficientes para distinguir

o produto e desde que não se enquadrassem nas proibições do art. 8º, quais sejam:

1º Armas, brazões, medalhas ou distinctivos publicos ou officiaes, nacionaes ou estrangeiros, quando para seu uso não tenha havido autorisação competente;

2º Nome commercial ou firma social de que legitimamente não possa usar o requerente;

3º Indicação de localidade determinada ou estabelecimento que não seja o da proveniencia do objecto, quer a esta indicação esteja junto um nome supposto ou alheio, quer não;

4º Palavras, imagens ou representações que envolvam offensa individual ou ao decoro publico;

5º Reproducção de outra marca já registrada para objecto da mesma especie;

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6º Imitação total ou parcial de marca já registrada para producto da mesma especie, que possa induzir em erro ou confusão o comprador. Considerar-se-ha verificada a possibilidade de erro ou confusão sempre que as differenças das duas marcas não possam ser reconhecidas sem exame attento ou confrontação. (BRASIL, 1887)

Desse modo, pode-se concluir que o Decreto de 1887, ao menos em teoria –

uma vez que a prática, como mencionado, era ainda limitante – permitia o registro de

qualquer tipo de sinal, mesmo sonoro, desde que pudesse ser representado em

papel (para se cumprir o requisito da publicação prévia) “com todos os seus

accessorios e explicações” (BRASIL, 1887, art. 5º, inciso 1º). Mas, pelas razões já

apresentadas, ninguém se preocupava com tal amplitude, sendo desenhos e figuras

representações mais do que satisfatórias para os empresários que pretendiam

identificar e distinguir seus produtos.

As disposições do Decreto 3.346 passaram praticamente incólumes pela

proclamação da República e seguiram em vigor por muitos anos. A Constituição

republicana de 1891 trouxe a proteção das marcas para seu âmbito de influência,

incluindo-as na declaração de direitos dos brasileiros, dispondo, em seu art. 72, §27,

que

Art. 72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: [...] § 27 - A lei assegurará também a propriedade das marcas de fábrica. (BRASIL, 1891)

Motivado pela mudança da forma de governo e pelas denúncias de

sucessivas violações aos direitos marcários – que sugeriam que as penalidades

criadas talvez ainda fossem muito brandas –, o Deputado Germano Hasslocker

apresentou à Câmara projeto de nova norma disciplinando as marcas que,

aprovada, resultou no Decreto nº 1.236, de 24 de setembro de 1904. Contudo, este

praticamente repetia o texto do Decreto anterior, inovando apenas em algumas

questões acerca da responsabilização pela contrafação, circunstância que, a

propósito, refletiu em sua ementa, segundo a qual aquele texto apenas “modifica[va]

o decreto 3.346, de 14 outubro de 1887”, embora se tratasse de norma que revogou

o diploma do século anterior.

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No que se refere ao objeto deste trabalho, não houve alterações frente ao

que estabelecia o Decreto nº 3.346/1887, o que também não aconteceu na reforma

legislativa seguinte, promovida pela entrada em vigor do Decreto nº 16.264, de 19 de

dezembro de 1923. Formalmente, este cuidaria apenas de criar a Diretoria Geral da

Propriedade Industrial (BRASIL, 1923), órgão governamental incumbido de proceder

aos registros das marcas depositadas, mas acabou por legislar também, em

regulamento anexo, sobre o regime das invenções e das marcas.

As mudanças na sociedade e na prática empresarial brasileiras já exigiam

uma legislação sobre marcas mais avançada, como ressalta Cerqueira:

Com o correr dos anos, a importância sempre crescente das indústrias e do comércio, o vulto dos interesses envolvidos nessas atividades, a função cada vez mais relevante das marcas no campo econômico, a acentuada evolução do instituto, alargando o conceito jurídico das marcas e a esfera de suas aplicações, tudo exigia, já, não apenas algumas modificações na lei, mas a sua reforma completa, de acordo com as condições e as necessidades das classes interessadas e com os modernos princípios e concepções que dominavam o assunto. (CERQUEIRA, 1982, p. 26)

Mas o referido regulamento praticamente reproduzia as antigas leis sobre

propriedade industrial, trazendo poucas e discretas alterações (CERQUEIRA, 1982,

p. 33).

5.3 Códigos da Propriedade Industrial

A partir de 1923, o regime legal da propriedade industrial no Brasil sofreu

diversas modificações de pequena monta espalhadas em mais de uma dezena de

normas, dentre elas, o Código de Processo Civil e o Código Penal. Com isso, perdeu

bastante de sua sistematicidade, suscitando o anseio – em voga à época, a

propósito – de consolidação da matéria em uma norma especial que esgotasse o

assunto, ou chegasse próximo a isso e, ainda, promovesse os avanços desejados,

mas frustrados pelas últimas versões normativas.

Assim é que, por meio do Decreto nº 7.903, de 27 de agosto de 1945,

promulgou-se o Código brasileiro da Propriedade Industrial, que modificou em vários

pontos as normas anteriores e inovou ao trazer para o seu âmbito de vigência

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figuras como o nome comercial, título de estabelecimento e expressões de

propaganda.

Foi revogado pelo Decreto-Lei nº 254, de 28 de fevereiro de 1967, que

instituiu novo Código bastante semelhante ao anterior em seus aspectos principais,

mas que se destaca na histórica da propriedade industrial brasileira por ter sido o

primeiro a consagrar a possibilidade de registro de marcas de serviço.

Contudo, pouco mais de dois anos depois, em 21 de outubro de 1969, o

Código de 1967 foi revogado e substituído pelo Decreto-Lei nº 1.005, que manteve

as bases do anterior e cuidou praticamente apenas de vincular o nome comercial ao

Registro do Comércio e de afastar a proteção às recompensas industriais e às

insígnias de comércio, permitindo, ainda, que estas pudessem ser transformadas em

marcas de serviço.

Curioso é que, também pouco mais de dois anos depois, o Código de 1969

foi igualmente revogado, sendo substituído pela Lei nº 5.772, de 21 de dezembro de

1971.

Ao contrário dos seus antecessores de 1945, 1967 e 1969, todos decretos-lei, o Código de 1971 foi votado pelo Congresso Nacional, em discussões com a indústria nacional e estrangeira e os advogados especialistas, documentadas nos Anais então publicados. Exercício democrático, a votação da lei não escapou das intervenções formais, até mesmo folclóricas, propiciadas pelo clima político e ideológico da época, mas também refletia a influência técnica, especialmente alemã, propiciada pelo início do programa de assistência da Organização Mundial da Propriedade Intelectual. (BARBOSA, 2003, p. 6-7)

Acerca do regulamento sobre símbolos marcários, os quatro Códigos

continham tratamentos bastante semelhantes, com a definição dos sinais

registráveis explicitamente ampliada, apresentando todos eles uma lista

exemplificativa de símbolos admitidos a depósito, encerrada com a menção à

possibilidade de registro de “outros sinais distintivos de atividade industrial,

comercial, agrícola ou civil” (BRASIL, 1945, art. 93; BRASIL, 1967, art. 79) ou

“quaisquer outros sinais distintivos que não estejam compreendidos nas proibições

legais” (BRASIL, 1969, art. 75; BRASIL, 1971, art. 64). Portanto, pode-se afirmar que

sob a vigência de todos eles o Brasil admitiu, ainda que em teoria, o registro de sons

como marcas.

Comentando o Código de 1945, Soares destacou que:

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Segundo a lei, portanto, a marca de indústria ou de comércio pode consistir em todo e qualquer sinal que faça distinguir o produto de gênero de negócio idêntico ou afim, que não atente contra a moral e os bons costumes e bem assim contra a ordem pública, que evidentemente não esteja compreendido nas proibições estabelecidas pelo artigo 95 e seus dezoito incisos. (1968, p. 30)

Pertinente a este trabalho, a diferença mais marcante entre os Códigos da

Propriedade Industrial de 1945 a 1971 encontra-se no art. 59 deste diploma

normativo, que vincula o reconhecimento jurídico da propriedade da marca

integralmente ao registro, não permitindo, ao contrário de todas as demais normas

marcárias precedentes, que aquele que provasse uso anterior impugnasse pedido

de registro feito por terceiro e o redirecionasse a seu favor.

E era com esse modelo de primazia do registro e de amplitude das

possibilidades de símbolos registráveis que se pretendia romper o século XX.

5.4 Lei nº 9.279 de 14 de maio de 1996

Todavia, a conjuntura da década de 90 não permitiu o cumprimento daquela

intenção. A tecnologia avançou em velocidade alucinante e surpreendente. Aliada a

isso, a pressão internacional por maior rigor contra a contrafação e o encontro de

especialmente duas circunstâncias, quais sejam, a abertura do mercado tecnológico

brasileiro, impulsionada pela redemocratização, e a inserção do Brasil no Acordo

TRIPS, no cenário já abordado anteriormente, provocaram nova reforma na

legislação sobre propriedade industrial.

Além da diretriz política que se impôs à revisão da legislação então em vigor, desde início, as seguintes condicionantes também desempenharam claro papel na elaboração do texto: a) o aperfeiçoamento técnico e administrativo que se impunha após quase 20 anos de experiência com o Código anterior; b) as modificações do contexto tecnológico e econômico brasileiro; c) os exercícios de padronização, dito de “harmonização”, dos sistemas nacionais de patentes e marcas realizados na OMPI; d) o estágio das negociações do GATT no momento da conclusão da redação; e) a necessidade, percebida pelos técnicos do INPI, de melhorar sua interface com o público, especialmente os inventores nacionais, propiciando

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uma inter-relação ainda mais dialética e cooperativa entre o escritório de propriedade industrial e os seus usuários. (BARBOSA, 2003, p. 8-9)

Assim, em regime de urgência, foi apresentado ao Congresso Nacional

projeto do Poder Executivo (nº 824/91) de novo modelo jurídico brasileiro para a

propriedade industrial, que, aprovado, tornou-se a Lei nº 9.279, de 14 de maio de

1996.

Segundo constou de sua Exposição de Motivos, assinada pelos então

Ministro da Justiça, Ministro das Relações Exteriores, pelo Secretário da Ciência e

da Tecnologia da Presidência da República, e pela Ministra da Economia, Fazenda e

Planejamento, o projeto visava cumprir a tarefa do Estado de “criar ambiente

favorável aos investimentos, com o estabelecimento de regras claras e estáveis para

o exercício da atividade econômica e o funcionamento do mercado” (BRASIL, 1991).

Mas não foi o que se verificou na prática, ao menos com relação à matéria

objeto deste trabalho.

A vinculação do início do reconhecimento da propriedade das marcas – e

suas conseqüências jurídicas – ao registro dos sinais que a constituem manteve-se

no projeto (e assim permaneceu na redação final transformada em lei). Não se

propôs qualquer inovação, mas tal postura não representava inércia prejudicial ou

retrocesso. Tratava-se de uma questão que, de fato, merecia permanecer regulada

como estava.

O mesmo não se pode afirmar, porém, com relação aos tipos de sinais

registráveis, campo no qual o Poder Executivo perdeu a oportunidade de propor

importante modernização da estrutura jurídica brasileira para propriedade industrial.

Enquanto muitos países já haviam iniciado a discussão sobre as chamadas marcas

heterodoxas ou não-tradicionais (compostas por elementos não visuais, como sons,

cheiro ou sabor), e os Estados Unidos há décadas já admitiam e procediam ao

registro de sons, o Projeto de Lei nº 824/91 (depois transformado na Câmara dos

Deputados no Projeto de Lei da Câmara nº 115/93), ao tratar dos tipos de sinais

registráveis como marcas e, portanto, passíveis de proteção oficial, optou por

estratégia bastante restritiva, diferentemente das normas que o antecederam.

De maneira contraditória, a Exposição de Motivos parecia apontar para uma

previsão ampla, exigindo como critério para o registro apenas o caráter de

distintividade, isto é, a capacidade do símbolo de identificar e distinguir produtos e

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serviços dos seus congêneres. Segundo seus termos: “Constitui função primordial

da marca a individualização de um produto ou serviço. O objeto da tutela jurídica é,

pois, aquele signo que distingue o produto ou serviço.” (BRASIL, 1991).

Contudo, na leitura do texto do Projeto de Lei propriamente dito, encontram-

se, já no início do título reservado às marcas, ressalvas às possibilidades de sinais

registráveis. O art. 113 dizia ser marca “o signo suscetível de representação gráfica,

destinado a distinguir produto ou serviço de outro idêntico ou afim, de origem

diversa” (BRASIL, 1991, grifo nosso). E o seu parágrafo único, após listar alguns

símbolos admitidos, previa, em seu inciso IV, serem suscetíveis de registro “outros

sinais distintivos, visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições

legais” (grifo nosso). Ou seja, segundo a proposta do Executivo, não bastava mais

que a marca individualizasse o produto ou serviço, como ocorria na regulamentação

anterior, mas ela deveria ser representável graficamente e perceptível visualmente

para poder se constituir objeto de registro.

Aprofundando ainda mais a estratégia restritiva do Poder Executivo, o art.

115 do Projeto de Lei, ao cuidar “dos signos não registráveis como marcas”, foi

taxativo em seu inciso XII, dispondo que: “Art. 115. Não são registráveis como

marcas: [...] XII – o som e sua representação gráfica, aroma e sabor”. E, na hipótese

de eventualmente ser concedido registro de tais sinais, o Projeto ainda previa a

possibilidade de declaração de ofício de sua nulidade: “Art. 170. A nulidade de ofício

poderá ser declarada quando o registro tiver sido expedido com infringência aos arts.

113, 115, incisos, [...] XII [...]” (BRASIL, 1991).

No Congresso Nacional foram apresentados substitutivos e emendas ao

referido Projeto, e o texto aprovado e promulgado recebeu redação bem diversa em

vários pontos, inclusive no que se relaciona às marcas e aos signos passíveis de

registro como tal, assunto no qual principalmente as supressões levadas a efeito

pelo Poder Legislativo são bastante eloqüentes.

O texto final votado no Congresso e que se converteu na Lei nº 9.276

menciona, no art. 122, que “são suscetíveis de registro como marca os sinais

distintivos visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais”

(BRASIL, 1996). Nota-se que no aspecto conceitual não houve mudanças essenciais

no texto aprovado frente ao projeto, mas tão-somente reunião das várias

informações deste em uma frase única. A idéia inicial do projeto foi mantida,

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segundo a qual podem ser registrados quaisquer símbolos distintivos, desde que

não estejam expressamente proibidos e sejam visualmente perceptíveis (destaque-

se, não se inseriu qualquer previsão de que o signo deva ser visível em sua forma

pura, isto é, não existe proibição para que a visibilidade seja apenas da

representação gráfica desse símbolo). É um conceito apurável por exclusão, que faz

com que o intérprete busque a informação sobre o que é passível de registro não no

disposto no mencionado art. 122, mas no dispositivo legal que enumera os sinais

impedidos de se constituírem como marcas, listando as “proibições legais”.

E é exatamente na análise do rol definitivo que se verifica uma relevante

diferença entre o texto do Projeto e a redação final que se converteu em lei.

Examinando-se os 23 incisos do art. 124, que recebeu a incumbência de especificar

taxativamente os “sinais não registráveis como marca” (BRASIL, 1996), não se

encontra qualquer menção, nem mesmo indireta, aos sons e às suas representações

gráficas. A retirada pelo texto final da proibição contida no anteprojeto poderia servir

de fundamento para interpretação dedutível logicamente, segundo a qual são

possíveis no Brasil registros de marcas sonoras.

Porém, a autarquia federal Instituto Nacional de Propriedade Industrial

(INPI), o órgão administrativo incumbido pelo art. 2º, da Lei nº 5.648, de 11 de

dezembro de 1970, de proceder aos registros de sinais como marca, prefere se

prender à interpretação excessivamente isolada e literal do art. 122, da Lei nº 9.279,

e de seu excerto “visualmente perceptíveis”, e negar o registro de sons.

A página do INPI na rede mundial de computadores expressa esse

posicionamento, ao afirmar sob a rubrica “O que não é registrável como marca” que

“Os sinais irregistráveis estão compreendidos no art. 124 da [Lei de Propriedade

Industrial] LPI. A Lei marcária brasileira não protege os sinais sonoros, gustativos e

olfativos” (INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL, 2008)

Entretanto, conforme se extrai, o INPI se contradiz, pois, ao mesmo tempo

em que reconhece que as proibições ao registro estão contidas no art. 124 da Lei nº

9.279, desconsidera que, como já dito, o mencionado dispositivo legal não veda,

nem mesmo indiretamente, o registro de sons como marcas. Em verdade, a

justificativa daquela autarquia para negar a pretensão de marcas sonoras no Brasil

apenas reproduz o equívoco da interpretação legal por ela privilegiada.

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6 O REGISTRO DE SONS COMO MARCAS: TRATAMENTO JURÍDICO

INTERNACIONAL

Antes de se passar à crítica da linha interpretativa que nega aos sons o

registro como marcas no Brasil, é pertinente, até para embasá-la, proceder-se ao

estudo do tratamento que a questão recebe no Direito estrangeiro. E, nessa

empreitada, verifica-se que, à exceção do Japão, China e Coréia do Sul (JAPÃO,

[2006]; CHINA, 2006; CORÉIA DO SUL, [2006]), os países que possuem as maiores

economias no mundo permitem, de forma mais ou menos ampla, o registro de

marcas sonoras, constatação que se repete quando se desloca o foco de

observação para a América do Sul.

6.1 Estados Unidos

A questão do registro de marcas está normatizada nos Estados Unidos

desde 1946, pelo Trademark Act, mais conhecido por Lanham Act, que expandiu

enormemente o âmbito dos tipos de sinais registráveis como marcas e, segundo o

respeitado Juiz Learned Hand, colocou o direito marcário norte-americano em novo

patamar (SCHECHTER; THOMAS, 2003, p. 546).

Desde quando entrou em vigor, no dia 5 de julho de 1947, o Lanham Act já

foi alterado por volta de 30 vezes, em alguns momentos, para aproximar as práticas

norte-americanas às do resto do mundo e, em outras oportunidades, para fazer

frente às novas tecnologias, sobretudo o desenvolvimento e a popularização da rede

mundial de computadores (SCHECHTER; THOMAS, 2003, p. 546).

Refletindo essa intenção de acompanhar a evolução social, sua definição de

sinais registráveis como marcas é qualquer palavra, nome, símbolo ou elemento

capaz de identificar produtos ou serviços. É uma estratégia bastante ampliativa,

como se percebe, e, diante dela, “engenhosos comerciantes ocasionalmente

enxergaram proteção para tipos exóticos de marcas”16 (SCHECHTER; THOMAS,

16 “ingenious merchants have occasionally sought protection for exotic types of trademark formats.”

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2003, p. 632, tradução nossa), inclusive aquelas constituídas por sons. Desde que

demonstrado o caráter identificativo e distintivo de tais elementos, “não há

obstáculos para a proteção”17 deles no Direito norte-americano (SCHECHTER;

THOMAS, 2003, p. 632, tradução nossa).

Veja-se o som. A melodia de três toques associada com o canal de televisão NBC está em uso por décadas. É notória, se não universalmente conhecida como designativa da NBC e de sua programação. Não serve a particular função utilitária ou distante da estética, e os competidores possuem uma multidão de outros sons para escolherem como seus. Assim, é um conjunto perfeito para a proteção como marca18 (SCHECHTER; THOMAS, 2003, p. 632, tradução nossa).

Merece especial atenção a observação de Schechter e Thomas quanto à

possibilidade de registro da melodia da NBC como marca sonora decorrer também

da circunstância de “os competidores possu[ír]em uma multidão de outros sons para

escolherem como seus”, pois ela sublinha que a amplitude da legislação norte-

americana não é absoluta. O centro de análise de qualquer pedido de concessão de

marca sonora está nos objetivos da proteção jurídica dos sinais distintivos. Desse

modo, se o uso exclusivo de determinado som por parte de algum empresário

acarretar mais prejuízos àquele mercado do que vantagens, o registro de tal símbolo

é, e deve ser, denegado. Exemplo esclarecedor da reserva a que se refere pode ser

extraído também dos mencionados autores:

Por outro lado, alguém pode imaginar que, se uma companhia ferroviária requer o registro do som de um apito de trem como marca, seria imprudente conceder o pedido. Outras ferroviárias terão dificuldades em advertir pedestres e motoristas que cruzam os trilhos se o direito de marcas tornar impossível a elas usar o apito19 (SCHECHTER; THOMAS, 2003, p. 633, tradução nossa).

Acerca da forma como o sinal sonoro será publicado e arquivado pelo órgão

administrativo incumbido do registro, a fim de cumprir a exigência constante do

17 “there is no obstacle to protection.” 18 “Take sound. The three-chime melody associated with the NBC television network has been in use for decades. It is widely, if not universally recognized as a designator for NBC and its programming. It serves no particular utilitarian or aesthetic function, and competitors have a host of other sounds to choose from. Thus, it is well-suited for trademark protection.” 19 “On the other hand, one might imagine that if a railroad company wanted to claim the sound of a locomotive whistle as a trademark, it would be imprudent to grant the request. Other railroads might find it awkward to warn pedestrians and motorists crossing the tracks if trademark law made it impossible for them to use a whistle.”

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Acordo TRIPS, os Estados Unidos demonstram, com razão, não enxergar esse

procedimento burocrático, e suas eventuais dificuldades pontuais, como algo que

deva se impor como obstáculo para a aceitação e proteção pelos países das marcas

heterodoxas. Nas observações entregues à Organização Mundial da Propriedade

Industrial para subsidiar a 17ª reunião de seu Comitê Permanente sobre o Direito de

Marcas, Desenhos Industriais e Indicações Geográficas (SCT), o representante do

governo norte-americano expressou que o importante é o caráter distintivo e

identificativo do símbolo:

Não há necessidade de se limitar o objeto de análise [símbolos registráveis como marcas] a apenas aqueles sinais visualmente perceptíveis. A determinação crítica deveria ser se o sinal é uma indicação de origem. Sinais que funcionam como fonte identificadora aos consumidores, se visualmente perceptíveis ou não, são valiosos e merecem proteção contra usurpação. A questão de como representar esses “signos” graficamente em um requerimento [de registro] e subsequentemente, como pesquisá-los quando do exame por requerimentos e registros conflituosos, não deveria ser a única razão para não se aceitar tais marcas a registro. (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 2006, p. 1, tradução nossa)20

Sobre o procedimento de registro das marcas sonoras propriamente dito,

segundo o mesmo documento, o requerente fica dispensado, por motivos óbvios, de

apresentar um desenho ou reprodução do sinal que pretende registrar – obrigação à

qual todos os que requerem registro de marcas gráficas estão submetidos. Nesse

caso, o requerente deve incluir em seu pedido descrição escrita detalhada do som e,

em anexo, apresentar uma gravação em fita cassete ou compact disk (CD). Se

tratar-se de uma música, pode o requerente, ainda, representar seu sinal a partir da

respectiva partitura. Caso o requerimento seja feito pela rede mundial de

computadores, o requerente deverá apresentar seu pedido apenas com a descrição

escrita e, após o processamento da solicitação, enviar mensagem eletrônica ao

órgão que cuida do registro com o arquivo digital no formato “.wav” anexado,

20 “Yet there is no need to limit eligible subject matter to only those signs that are visually perceptible. The critical determination should be whether the sign is an indication of source. Signs that function as source identifiers to consumers, whether visually perceptible or not, are valuable and deserve protection against misappropriation. The threshold issue of how to represent these “signs” graphically in an application and subsequently, how to search them when examining for conflicting applications and registrations, should not be the sole reason for not accepting these marks for registration.”

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fazendo referência ao número do processo. (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA,

2006, p. 15-16).

Em decorrência do pioneirismo e da praticidade desse modelo, há anos são

inúmeros os exemplos de marcas sonoras que, verificadas todas as exigências,

foram registradas pelo United States Patent and Trademark Office (USPTO), órgão

incumbido de proceder ao registro dos sinais marcários nos Estados Unidos. A

primeira marca sonora, a propósito, foi a acima mencionada melodia da NBC,

registrada na década de 50 (SIEMSEN; LEIS, 2005). Outro famoso registro foi o

rugido de um leão, que introduz os filmes do estúdio de cinema Metro-Goldwin-

Mayer (MGM), registrado a partir de breve descrição (“a marca compreende um leão

rugindo”), em 3 de junho de 1986, sob o nº 1.395.550. Além dele, também o

inconfundível grito nos filmes do personagem Tarzã, registrado, a partir de exaustiva

descrição,21 em 15 de dezembro de 1998, em favor de Edgar Rice Burroughs, Inc.

(registro nº 2.210.506). Mais recentemente, foram registradas as marcas sonoras

que caracterizam a Yahoo! e a Intel. Aquela sob o nº 2.442.140 foi descrita como o

“som de uma voz humana cantando ‘Yahoo’ no estilo ‘yodel’ [variações de tom na

voz]”. E a segunda, sob o nº 2.315.261, se registrou acompanhada da descrição de

uma “progressão de cinco tons das notas ‘D FLAT’, ‘D FLAT’, ‘G’, ‘D FLAT’ e ‘A

FLAT’” (INSTITUTO DE PATENTES E MARCAS DOS ESTADOS UNIDOS, 2008).

6.2 União Européia

Em 1957, Alemanha, Bélgica, Itália, França, Holanda e Luxemburgo, por

meio do Tratado de Roma, criaram a Comunidade Européia de Energia Atômica e a

Comunidade Econômica Européia (CEE), esta última buscando a criação de um

mercado comum àqueles países,

21 “The mark consists of the sound of the famous Tarzan yell. The mark is a yell consisting of a series of approximately ten sounds, alternating between the chest and falsetto registers of the voice, as follow - 1) a semi-long sound in the chest register, 2) a short sound up an interval of one octave plus a fifth from the preceding sound, 3) a short sound down a Major 3rd from the preceding sound, 4) a short sound up a Major 3rd from the preceding sound, 5) a long sound down one octave plus a Major 3rd from the preceding sound, 6) a short sound up one octave from the preceding sound, 7) a short sound up a Major 3rd from the preceding sound, 8) a short sound down a Major 3rd from the preceding sound, 9) a short sound up a Major 3rd from the preceding sound, 10) a long sound down an octave plus a fifth from the preceding sound.”

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mediante a aproximação progressiva das políticas econômicas dos Estados-Membros, para uma expansão contínua, uma estabilidade acrescida e uma melhora do nível de vida, enunciando as linhas reitoras de uma abordagem global de crescimento e de competitividade, na qual fosse assegurada a livre circulação das mercadorias, dos trabalhadores, dos serviços e dos capitais. (LOBO, 1997, p. 18)

À Comunidade Econômica Européia aderiram, mais tarde, Dinamarca,

Irlanda, Reino Unido (1972), Grécia (1979), Portugal e Espanha (1985).

Como dedutível, em decorrência das circunstâncias abordadas nos tópicos

4.3 e 4.4 deste trabalho, o sucesso de um mercado comum só se mostra possível

com o estabelecimento de normas jurídicas harmônicas entre os países integrantes,

principalmente no que se refere às regras empresariais. Ou seja, a integração

econômica está vinculada à integração jurídica. E, conforme estudado nos primeiros

capítulos, a pretensão de um mercado eficiente exige a regulamentação jurídica das

marcas, que, por sua vez, requer a criação de normas seguras sobre a proteção

deste tipo de sinal distintivo.

Assim, o art. 189 do Tratado que instituiu a Comunidade Européia

(posteriormente renumerado para art. 249, na versão compilada após o Tratado de

Maastricht e respectivos tratados de adesão) tratou dos mecanismos para

uniformização das legislações, prescrevendo que ela possa se dar a partir de

regulamentos ou diretivas criadas pelo Parlamento Europeu, com as seguintes

características:

Disposições comuns a várias Instituições Artigo 189º

Para o desempenho das suas atribuições e nos termos do presente Tratado, o Parlamento Europeu em conjunto com o Conselho, o Conselho e a Comissão adoptam regulamentos e directivas, tomam decisões e formulam recomendações ou pareceres. O regulamento tem carácter geral. É obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicável em todos os Estados-Membros. A directiva vincula o Estado-Membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios. A decisão é obrigatória em todos os seus elementos para os destinatários que designar.

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As recomendações e os pareceres não são vinculativos.

Se ao regulamento se reservaram questões de ordem geral, a padronização

das regras sobre marcas foi escolhida para ser trabalhada em forma de Diretiva, que

também vincula os estados-membros quanto ao resultado a se alcançar, mas

depende de regulamentação interna quanto à forma e aos meios. Assim, em 21 de

dezembro de 1988, o Conselho das Comunidades Européias editou a Diretiva

89/104/CEE a partir das seguintes considerações:

Considerando que as legislações actualmente aplicáveis nos Estados-membros em matéria de marcas comportam disparidades susceptíveis de entravar a livre circulação dos produtos e a livre prestação de serviços e de distorcer as condições de concorrência no mercado comum; que importa, pois, aproximar as legislações dos Estados-membros com vista ao estabelecimento e funcionamento do mercado interno; Considerando que importa não desconhecer as soluções e vantagens que o regime de marca comunitária pode oferecer às empresas que pretendam adquirir marcas; [...] Considerando que a realização dos objectivos prosseguidos pela aproximação pressupõe que a aquisição e a conservação do direito sobre a marca registrada sejam, em princípio, subordinadas às mesmas condições em todos os Estados-membros; [...] Considerando que é fundamental, para facilitar a livre circulação de produtos e serviços, providenciar para que as marcas registradas passem a usufruir da mesma proteção de acordo com a legislação de todos os Estados-membros; (UNIÃO EUROPÉIA, 1989)

E, adentrando o regulamento dos símbolos distintivos, a Diretiva 89/104/CEE

estipulou a seguinte descrição para as espécies de sinais aceitas como marcas nos

países integrantes da Comunidade Econômica Européia:

Artigo 2º Sinais susceptíveis de constituir uma marca Podem constituir marcas todos os sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente as palavras, incluindo os nomes de pessoas, desenhos, letras, números, a forma do produto ou da respectiva embalagem, na condição de que tais sinais sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas. (UNIÃO EUROPÉIA, 1989)

Nesses termos, o Conselho das Comunidades Européias estipulou como

regra para os países integrantes da Comunidade Econômica Européia a proteção a

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marcas sonoras, uma vez que os sons que as compõem, muito embora não possam

ser enxergados em sua forma pura, podem ser representados graficamente, por

diversos meios. A única ressalva é que estes sons sejam suficientemente distintivos,

isto é, apresentem-se como aptos a identificar e distinguir os produtos e serviços a

ele vinculados daqueles de mesmo gênero explorados por outros titulares. Segundo

o art. 16º da Diretiva, os estados-membros da CEE tiveram o prazo máximo de 28

de dezembro de 1991 para adaptar suas legislações internas ao estipulado na

norma uniformizadora (prazo que o próprio art. 16º permitiu ser prorrogado até 31 de

dezembro de 1992, o que acabou ocorrendo por força da Diretiva 92/10/CEE –

UNIÃO EUROPÉIA, 1991).

Em 1992, seguindo e consolidando a tendência de integração entre os

países europeus – decorrente do próprio Tratado de Roma, do Tratado da

Comunidade Européia do Carvão e do Aço, e do Tratado da Comunidade Européia

de Defesa –, Alemanha, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Grécia, Itália, França,

Holanda, Irlanda, Reino Unido, Luxemburgo e Portugal instituíram entre si a União

Européia, que, segundo o art. 1º do Tratado de Maastricht, “funda-se nas

Comunidades Européias” e “tem por missão organizar de forma coerente e solidária

as relações entre os estados-membros e entre os respectivos povos” (UNIÃO

EUROPÉIA, 1992). Posteriormente, passaram a integrar a União Européia, e,

portanto, também sujeitos à Diretiva de harmonização da legislação sobre marcas,

Áustria, Finlândia e Suécia (1995), República Checa, Estónia, Chipre, Letônia,

Lituânia, Hungria, Malta, Polônia, Eslovênia e Eslováquia (2003), bem como Bulgária

e Romênia (2005).

Entretanto, como natural, em algumas ocasiões se estabelece alguma

dúvida com relação à exata extensão das normas uniformizadoras da União

Européia. Nesses casos, o Estado-Membro, em dúvida acerca de eventual violação

por parte de seu direito interno, tem a prerrogativa de, por meio de seu órgão

judiciário, submeter a questão ao Tribunal de Justiça das Comunidades Européias,

que “tem por missão garantir o respeito do Direito na interpretação e aplicação dos

Tratados, sendo o ‘guardião da legalidade dos atos e da aplicação uniforme das

regras comuns’” (LOBO, 1997, p. 59). Tal procedimento se opera pelo chamado

“reenvio prejudicial”, que tem por função obter a adequada interpretação de

legislação comunitária, em suas diversas espécies.

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Os Acórdãos prolatados em sede de reenvio prejudicial, que constituem mais da metade das decisões do Tribunal, são uma valiosíssima fonte de direito comunitário, acentuando as características próprias desse ordenamento jurídico e a sua originalidade em relação ao direito internacional público (LOBO, 1997, p. 38).

Em 2001, a Holanda realizou um desses reenvios, tendo como objeto

questionamento sobre a possibilidade de registro de sons como marcas. E, com

isso, protagonizou um dos divisores de águas no tratamento da matéria por parte

dos países da União Européia. As respectivas questões prejudiciais foram decididas

em 27 de novembro de 2003, pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Européias,

em célebre julgamento que fixou parâmetros de interpretação e de aplicação do

termo “susceptíveis de representação gráfica” do art. 2º da Diretiva 89/104/CEE

como permissivo do registro de marcas sonoras.

O caso teve berço no Benelux, entidade sob a qual se uniram Bélgica,

Holanda e Luxemburgo, e que dita a esses países legislação comum sobre marcas.

O artigo 1º dessa norma – mantido após a entrada em vigor da Diretiva 89/104/CEE,

pois com ela compatível – prevê, em resumo, que são suscetíveis de registro

quaisquer sinais “que sejam adequados para distinguir os produtos de uma

empresa” (LUXEMBURGO, 2003).

Com base nesse preceito normativo, o Instituto de Marcas do Benelux, órgão

incumbido de proceder aos registros dos símbolos marcários naqueles países,

reconhecia a possibilidade de registro de sons como marcas, e deferiu à sociedade

Shield Mark BV a titularidade de 14 marcas sonoras, 11 delas constituídas pelo início

da música “Für Elise”, de Beethoven (algumas representadas pela respectiva pauta

musical, outras pela descrição da música e da forma como é tocada e as demais

pela narrativa da seqüência das notas), e três pelo canto de um galo (representado

por uma onomatopéia e pela descrição do som). Tais marcas foram usadas em

campanhas publicitárias em que folhetos sobre seus serviços eram colocados em

expositores e quiosques e, quando retirados pelo interessado, tocava a música “Für

Elise”. Além disso, programas de computador voltados a advogados e especialistas

em marketing, criados pela titular das marcas, soava o canto de um galo, a cada vez

que eram executados (LUXEMBURGO, 2003).

Ocorre que, tempo depois, a despeito de não haver restrição legal, o Instituto

de Marcas do Benelux alterou seu posicionamento, a partir de entendimento

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jurisprudencial nesse sentido, e passou a recusar requerimentos de registro de

marcas sonoras (LUXEMBURGO, 2003).

E, após referida mudança, Joost Kist, um consultor em comunicação, lançou

programa informático que, quando ativado, também emitia o som de um galo

cantando. Além disso, iniciou campanha publicitária que igualmente utilizava o início

da música “Für Elise” na divulgação (LUXEMBURGO, 2003).

Em contrapartida, a Shield Mark ajuizou ação contra Kist alegando

contrafação de marca e concorrência desleal. Mas como, à época, o entendimento

jurisprudencial que negava aos sons o reconhecimento como sinal distintivo

registrável já havia se consolidado, o tribunal holandês acolheu apenas o pedido de

reparação civil de prejuízos, rejeitando a aplicação do direito de marcas ao caso,

“porque [supostamente] a intenção dos Governos dos Estados-membros do Benelux

era recusar o registro de sons como marcas” (LUXEMBURGO, 2003).

Invocando a Diretiva 89/104/CEE, e alegando violação de suas disposições

por parte do Estado-Membro holandês, a Shield Mark recorreu e o Tribunal de

Instância Superior suspendeu o julgamento para submeter ao Tribunal de Justiça

das Comunidades Européias as questões prejudiciais, indagando, em resumo, se o

art. 2º da mencionada Diretiva admite o registro de sons como marcas e, em caso de

resposta afirmativa, “em que condições considera a directiva que uma marca sonora

é susceptível de uma representação gráfica, na acepção do seu artigo 2º, e, a este

respeito, como pode ser efetuado o registro de tal marca” (LUXEMBURGO, 2003).

Solucionando a questão, a Juíza F. Macken, relatora do processo,

esclareceu a possibilidade de registro dos sons, a partir de interpretação da Directiva

89/104/CEE, que privilegiou a essência e a finalidade da propriedade industrial em

detrimento do teor literal do texto normativo. Em sua decisão, que, como dito, definiu

padrões para tal procedimento na União Européia, ressaltou que os sons podem

constituir marcas, desde que efetivamente sirvam para distinguir produtos e serviços

de seu titular dos de seus concorrentes e possam ser representados graficamente:

Como resulta dos temos tanto do referido artigo 2º como do sétimo considerando da directiva, que contém uma “lista ilustrativa” de sinais susceptíveis de constituir uma marca, esta enumeração não é exaustiva. Por conseguinte, embora a referida disposição não mencione os sinais que não são, em si mesmos, susceptíveis de ser visualmente perceptíveis, como os sons, não os exclui expressamente.

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Por outro lado, como salientou a Shield Mark, os governos intervenientes e a Comissão, os sinais sonoros não são por natureza impróprios para distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas. [...] Importa, portanto, responder à primeira questão que o artigo 2º da directiva deve ser interpretado no sentido de que os sinais sonoros devem poder ser considerados marcas desde que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas e sejam susceptíveis de representação gráfica. (LUXEMBURGO, 2003)

Com relação às formas de representação gráfica necessárias para compor o

registro, o Tribunal de Justiça estabeleceu, de modo geral, que a representação

gráfica do som, para ser admitida como suficiente para o procedimento, “deve ser

clara, precisa, completa por si própria, facilmente acessível, inteligível, duradoura e

objetiva” (LUXEMBURGO, 2003).

Facilmente acessível e inteligível, para que a generalidade dos interessados em consultar o registro, que são os outros produtores e os consumidores, possam apreendê-la. Clara, precisa e completa, para que se conheça, sem qualquer dúvida, a indicação que se monopoliza. Duradoura e objectiva, para que nem o passar do tempo nem a mudança de destinatário afectem a identificação ou a percepção do sinal (COLOMER, 2003).

Para satisfazer tais diretrizes, segundo o Tribunal de Justiça das

Comunidades Européias, em primeiro lugar, deve o requerente deixar claro em seu

pedido que se trata de requerimento de registro de uma marca sonora, sob pena da

pretensão ser analisada como solicitação de registro de marca figurativa ou mista:

Importa, antes de mais, salientar que um sinal não pode ser registrado como marca sonora quando o requerente não precisou, no seu pedido de registro, que o sinal apresentado se deve entender como um sinal sonoro. Efectivamente, em tal situação, a autoridade competente em matéria de registro de marcas, assim como o público, em especial os operadores económicos, têm razão em considerar que se trata de uma marca nominativa ou figurativa, tal como representada graficamente no pedido de registro (LUXEMBURGO, 2003).

A possibilidade de apresentação do sinal a registro sob a forma de

sonograma, suporte sonoro, gravação digital ou combinação desses métodos não foi

objeto da apreciação, uma vez que a Shield Mark não se valeu de nenhuma

daquelas formas para requerer suas marcas sonoras e o Tribunal de Justiça não tem

competência para decidir situações hipotéticas. Assim, o julgamento da Corte se

ateve às formas utilizadas pela referida sociedade – isto é, a representação do som

por uma pauta musical, descrição verbal, narrativa da sucessão de notas e

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onomatopéia – e à análise sobre a capacidade delas de representar grafica e

validamente uma marca sonora.

No tocante à descrição verbal, o Tribunal de Justiça decidiu que, em

princípio, essa forma de representação é válida, desde que clara e exaustiva. As

expressões, “as nove primeiras notas de Für Elise” e “canto de um galo”, por

exemplo, utilizadas pelas Shield Mark, foram consideradas imprecisas pela Corte:

No que respeita, antes de mais, à representação de um sinal sonoro através de uma descrição em que se recorre à linguagem escrita, não se pode excluir a priori que tal modo de representação gráfica satisfaz as exigências enunciadas no nº 55 do presente acórdão. Contudo, quanto a sinais como os que estão em causa no processo principal, uma representação gráfica como “as nove primeiras notas de Für Elise” ou “o canto de um galo” não tem, no mínimo, precisão e clareza, não permitindo, portanto, determinar o alcance da protecção solicitada. Assim, não pode constituir uma representação gráfica desse sinal na acepção do artigo 2º da directiva (LUXEMBURGO, 2003).

Com relação às onomatopéias, estabeleceu o Tribunal de Justiça que estas,

isoladas, não são formas adequadas de representação gráfica de sons porque não

descrevem fielmente a realidade. Seja pela limitação da escrita no que concerne à

imitação de sonoridades, seja no alto grau de subjetividade envolvida na sua

interpretação fonética, principalmente quando submetida a intérpretes de idiomas

diferentes.

Seguidamente, quanto às onomatopéias, importa observar que existe uma discrepância entre a onomatopéia em si mesma, tal como é pronunciada, e o som ou o ruído reais, ou a sucessão de sons ou ruídos reais, que ela pretende imitar foneticamente. Assim, no caso de um sinal sonoro que é representado graficamente por uma simples onomatopéia, não é possível às autoridades competentes e ao público, em especial aos operadores econômicos, determinar se o sinal objecto da protecção é a onomatopéia em si mesma, tal como é pronunciada, ou o som ou o ruído reais. Além disso, as onomatopéias podem ser diferentemente percebidas, segundo os indivíduos ou de um Estado-Membro para outro. É o caso da onomatopéia neerlandesa [holandesa] “Kukelekuuuuu”, que se destina a transcrever o canto do galo, e que é muito diferente da onomatopéia correspondente nas outras línguas praticadas nos Estados-Membros do Benelux. Consequentemente, uma simples onomatopéia sem outra precisão não pode constituir uma representação gráfica do som ou do ruído de que pretende ser a transcrição fonética (LUXEMBURGO, 2003).

Por fim, acerca da representação do som – especificamente uma música –

pela narração da seqüência de notas ou por uma partitura, a Corte européia fixou

que a primeira forma é insuficiente, uma vez que não informa com precisão a

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maneira como tais notas musicais soam, necessitando de informações extras que a

narração pura não consegue oferecer, tais como a altura e duração dos sons.

No que respeita, por fim, às notas musicais, que são um modo usual de representação dos sons, uma sucessão de notas sem outra precisão, tal como “mi, ré sustenido, mi, ré sustenido, mi, si, ré, dó, lá”, também não constitui uma representação gráfica na acepção do artigo 2º da directiva. Efectivamente, tal descrição, que não é nem clara, nem precisa, nem completa em si mesma, não permite, designadamente, determinar a altura e a duração dos sons que formam a melodia cujo registro é pedido e que constituem parâmetros essenciais para conhecer esta melodia e, logo, para definir a própria marca (LUXEMBURGO, 2003).

Já a pauta, por obrigatoriamente reunir todos os detalhes da maneira como a

música é tocada – pois é exclusivamente por ela que o compositor comunica aos

músicos a forma de execução –, foi reconhecida como forma de representação

gráfica que atende a todos os requisitos fixados pelo próprio Tribunal de Justiça.

Em contrapartida, uma pauta dividida em compassos e na qual constem, designadamente, uma clave (clave de sol, de fá ou de dó), notas musicais e silêncios cuja forma (para as notas: semibreve, mínima, semínima, pausa de colcheia, etc.) indica o valor relativo e, se for caso disso, acidentes (sustenido, bemol, bequadro) – determinando todos estes sinais a altura e a duração dos sons –, pode constituir uma representação fiel da sucessão de sons que forma a melodia cujo registro é pedido. Este modo de representação gráfica dos sons satisfaz as exigências resultantes da jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo a qual esta representação deve ser clara, precisa, completa por si própria, facilmente acessível, inteligível, duradoura e objectiva. Ainda que tal representação não seja imediatamente inteligível, não é menos verdade que o pode ser facilmente, permitindo assim às autoridades competentes e ao público, em especial aos operadores econômicos, ter um conhecimento exacto cujo registro como marca é solicitado. (LUXEMBURGO, 2003)

Em resumo, consolidou-se nos países que compõem a União Européia

modelo jurídico que permite o registro de sons como marcas, desde que estes

possam ser representados em papel, seja por partituras, quando se tratar de

músicas, ou por descrições absolutamente detalhadas.

Como se verifica, o modelo europeu de registro de marcas sonoras é mais

rígido que o americano, que, conforme visto, igualmente admite o registro a partir de

pautas musicais, mas, também, de descrições bastante breves e simples das

sonoridades apresentadas a registro. A comparação entre os dois sistemas fica

ainda mais evidente a partir de exemplos concretos de sons há muito registrados

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nos Estados Unidos, mas rejeitados pelo órgão europeu, como ocorreu, num

primeiro momento, com o grito do Tarzã e com o rugido do leão da MGM.

(INSTITUTO DE HARMONIZAÇÃO DO MERCADO INTERNO, 2008).

No caso específico do grito do Tarzã, ele somente conseguiu ser registrado

na segunda oportunidade em que foi requerido, quando representado por uma pauta

musical – o primeiro requerimento, assim como ocorreu com o pedido da MGM, fora

acompanhado de um espectograma e de descrição verbal do som,22 que não foram

considerados pelo órgão comunitário de registro de marcas, o Instituto de

Harmonização do Mercado Interno (OAMI), como suficientemente distintivos e

identificativos. Em 2006, foi feito, ainda, um terceiro pedido acompanhado pela

gravação do grito em arquivo digital “.mp3”, forma de representação que começou a

ser admitida pelo OAMI a partir de 2005 (INSTITUTO DE HARMONIZAÇÃO DO

MERCADO INTERNO, 2007).

6.3 Rússia

A Rússia é outro país que, há muito, protege as marcas sonoras. A

legislação russa sobre o tema menciona que podem ser registrados como marcas

“sinais verbais, figurativos, tridimensionais ou outros, além de combinações de tais

formas” (RÚSSIA, [2006], p. 2, tradução nossa),23 não criando, portanto, obstáculo

para o registro de marcas heterodoxas.

Segundo as informações prestadas pelo governo russo à 17ª reunião do

Comitê Permanente sobre o Direito de Marcas, Desenhos Industriais e Indicações

Geográficas (SCT) da OMPI, o postulante ao registro de um som precisa apresentá-

lo “em uma forma gráfica ou sob a forma de um fonograma (gravação de vídeo) ou

22 “The mark consists of the yell of the fictional character TARZAN, the yell consisting of five distinct phases, namely sustain, followed by ululation, followed by sustain, but at a higher frequency, followed by ululation, followed by sustain at the starting frequency, and being represented by the representation set out below, the upper representation being a plot, over the time of the yell, of the normalised envelope of the air pressure waveform and the lower representation being a normalised spectogram of the yell consisting of a three dimensional depiction of the frequency content (colours as shown) versus the frequency (vertical axis) over the time of the yell (horizontal axis).” 23 “verbal, figurative, three-dimensional and other designations, or combinations thereof”.

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áudio (vídeo) cassete” (RÚSSIA, [2006], p. 3, tradução nossa),24 além de descrevê-

lo por escrito, detalhando, ainda, a maneira como deva soar.

6.4 América do Sul

Também muitos países da América do Sul reconhecem juridicamente as

marcas sonoras. A maioria alterou suas respectivas legislações mais recentemente

para se permitir o registro de sinais não visuais como marcas, na esteira do que

definiu o Acordo TRIPS. A Argentina, contudo, desde a década de 80 já admite esse

procedimento, antecipando-se a seus vizinhos no tratamento dos sinais distintivos de

produtos e serviços.

6.4.1 Argentina

A “Lei de Marcas” argentina, criada em 1981, prescreve, em seu art. 1º, que

podem ser registrados como tal quaisquer sinais que tenham capacidade distintiva.

E nos arts. 2º e 3º, que tratam das proibições do registro, não há qualquer menção a

sons.

Não havendo obstáculo legal, em 1997, a Intel apresentou o primeiro pedido

de registro de uma marca sonora naquele país, tendo sido seguida por outras

importantes sociedades, como Dolby Laboratories, Yahoo! e Mastercard

(INSTITUTO NACIONAL DE LA PROPIEDAD INDUSTRIAL, 2008).

Para permitir a comparação entre diferentes marcas sonoras, o órgão

administrativo incumbido do registro de sinais marcários na Argentina estipulou

exigências para apresentação de requerimento semelhantes às da União Européia.

Assim, o som, para ser registrado, precisa ser graficamente representável, e o

solicitante deve apresentar junto ao seu pedido uma pauta musical, ou pentagrama,

24 “shall be submitted in graphic form or in the form of a phonogram (video recording) on audio (video) cassette”

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que represente o objeto da solicitação de registro. Onomatopéias não são aceitas,

por serem consideradas “absolutamente subjetivas”. “Essa é uma posição

intermediária à do Brasil, que somente aceita marcas com percepção visual”,

ressaltam Rodriguez e Petrone (2003, tradução nossa).25

6.4.2 Uruguai

A Lei nº 17.011, de 25 de setembro de 1998, que trata do regime jurídico das

marcas no Uruguai, é bastante direta para tratar do registro de sons. Em seu art. 1º,

dispõe que “se entende por marca todo signo com aptidão para distinguir os

produtos ou serviços de uma pessoa física ou jurídica dos de outra” (URUGUAI,

1998, tradução nossa).26 É um conceito amplo, que, em tese, permite o registro de

marcas heterodoxas. Para não suscitar dúvidas, já no art. 2º, a Lei nº 17.011

completa que

o registro dos signos não visíveis ficará condicionado à disponibilidade de meios técnicos adequados. Para esses efeitos, o Poder Executivo determinará a oportunidade e regulamentará a forma de sua instrumentação (URUGUAI, 1998, tradução nossa).27

Em 03 de maio de 2001, a questão das marcas sonoras foi definitivamente

regulamentada pelo Direito uruguaio por meio do Decreto nº 146, que tratou

especificamente do tema. Referido dispositivo legal prescreve que pode ser

registrado “qualquer signo perceptível pelo ouvido”, desde que tenha caráter

distintivo e identificador e seja difundido por “meios idôneos”.

Sobre a questão prática do registro, o Decreto determina que o solicitante

preencha formulário específico e apresente representação gráfica do som que

pretende ver registrado, “por meio de código de signos correspondente que façam

25 “esta es una posición intermedia respecto a la del Brasil que solo acepta marcas con percepción visual” 26 “Se entiende por marca todo signo con aptitud para distinguir los productos o servicios de una persona física o jurídica de los de otra.” 27 “El registro de los signos no visibles quedará condicionado a la disponibilidad de medios técnicos adecuados. A tales efectos, el Poder Ejecutivo determinará la oportunidad y reglamentará la forma de su instrumentación.”

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factível sua compreensão e comparação” (tradução nossa).28 Além disso, o

requerimento deve se fazer acompanhar por “suporte material que permita a

reprodução do som” e, quando possível, por uma breve descrição verbal (URUGUAI,

2001).

Depois desse procedimento, a representação gráfica e a descrição verbal

são publicadas no “Boletim da Propriedade Industrial”, e os suportes materiais

contendo as gravações dos sons encaminhados pela Diretoria Nacional da

Propriedade Industrial a arquivo com livre acesso, para que qualquer pessoa possa

analisá-los e, eventualmente, apresentar alguma oposição ao registro.

6.4.3 Comunidade Andina de Nações

Em maio de 1969, Bolívia, Colômbia, Equador e Peru, ao lado do Chile (que

se retirou em 1976), firmaram o Acordo de Cartagena, criando entre si um bloco de

integração conhecido pela expressão “Pacto Andino” e que, mais tarde, em 1997,

veio a ser denominado “Comunidade Andina de Nações”, a partir da série de

reformas que se promoveram na estrutura jurídica e econômica imaginada

originalmente.

Como a integração pressupõe harmonização legislativa (tópicos 4.3, 4.4 e

6.2 deste trabalho), diversas questões passaram por discussões conjuntas,

resultando em padrões normativos.

A questão da propriedade industrial não ficou de fora e seu tratamento foi

objeto de várias “Decisões”, instrumento hábil a estabelecer regimes jurídicos

comuns aos países da Comunidade. A mais recente delas é a Decisão 486, em vigor

desde 1º de dezembro de 2000, que, em seu art. 134, expressamente permite o

registro de sons como marcas em todos os estados-membros, desde que

suficientemente distintivos e “suscetíveis de representação gráfica”:

Artigo 134 – Para efeito deste regime constituirá marca qualquer signo que seja apto para distinguir produtos ou serviços no mercado. Poderão se registrar como marcas os signos susceptíveis de representação gráfica. A

28 “a través del código de signos correspondiente que hagan factible su comprensión y comparación”.

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natureza do produto ou serviço ao qual se aplicará uma marca em nenhum caso será obstáculo para seu registro. Poderão constituir marcas, entre outros, os seguintes signos: [...] c) os sons e os odores. (COMUNIDADE ANDINA DE NAÇÕES, 2000, tradução nossa)29

Para se obter o registro, deve o requerente se submeter ao mesmo

procedimento previsto para as marcas comuns, apenas com a diferença de que será

necessário apresentar pauta musical que represente graficamente o som objeto da

pretensão e um compact disk (CD) com a sua gravação (EQUADOR, 2007, p. 5-6).

6.4.4 Chile

Originalmente, a norma chilena que cuida dos direitos de propriedade

industrial, criada em janeiro de 1991, dispunha, em seu art. 19, que somente seria

objeto de registro como marca naquele país “sinal visível, inovador e característico

que sirva [servisse] para distinguir produtos, serviços ou estabelecimentos industriais

ou comerciais” (tradução nossa).30

Contudo, atentos à importância das marcas sonoras e às dificuldades que o

texto então vigente trazia para se permitir o seu registro, os chilenos decidiram, em

2005, aproveitando o ensejo de uma série de modificações do seu texto normativo

visando à modernização e aproximação com os tratados assinados pelo governo,

alterar o referido dispositivo para passar a permitir o registro de “signo que seja

suscetível de representação gráfica capaz de distinguir no mercado produtos,

serviços ou estabelecimentos industriais ou comerciais” (CHILE, 1991, tradução

nossa).31 A segunda parte do novo art. 19 ainda cuida de mencionar que:

29 “Artículo 134 – A efectos de este régimen constituirá marca cualquier signo que sea apto para distinguir productos o servicios en el mercado. Podrán registrarse como marcas los signos susceptibles de representación gráfica. La naturaleza del producto o servicio al cual se ha de aplicar una marca en ningún caso será obstáculo para su registro. Podrán constituir marcas, entre otros, los siguientes signos: [...] c) los sonidos y los olores;” 30 “signo visible, novedoso y característico que sirva para distinguir productos, servicios o establecimientos industriales o comerciales.” 31 “signo que sea susceptible de representación gráfica capaz de distinguir en el mercado productos, servicios o establecimientos industriales o comerciales.“

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Tais signos poderão consistir em palavras, incluídos os nomes de pessoas, letras, números, elementos figurativos tais como imagens, gráficos, símbolos, combinações de cores, sons, assim como também qualquer combinação desses signos (CHILE, 1991, tradução nossa)32.

Os detalhes do procedimento de registro foram estabelecidos pelo

“Regulamento da Lei nº 19.039 de Propriedade Industrial”, de 25 de agosto de 2005,

que, especificamente sobre as marcas sonoras, dispõe, em seu art. 10, alínea “e”,

que o requerimento deverá se fazer acompanhar por uma “representação gráfica e

um registro sonoro, com base em requerimentos e padrões compatíveis com os

sistemas correspondentes do Departamento [de Propriedade Industrial]” (CHILE,

2005, tradução nossa).33

Em comentários apresentados à já mencionada 17ª reunião do SCT da

OMPI, o Ministério da Economia, Fomento e Reconstrução do Chile esclareceu que

a exigência da representação gráfica se cumpre, na prática, pela entrega de uma

pauta musical (pentagrama). E a do referido “registro sonoro”, pela entrega de uma

gravação em CD (CHILE, [2006]). A representação gráfica é enviada à publicação no

Diário Oficial chileno, e a gravação é disponibilizada na página do Departamento de

Propriedade Industrial do Chile, na rede mundial de computadores (CHILE, [2006]),

permitindo-se a consulta por qualquer interessado e cumprindo-se o requisito da

publicidade exigido no acordo TRIPS.

Estabelecidas as regras, em muito pouco tempo, mais precisamente em 22

de dezembro de 2005, foi apresentado no Chile o primeiro pedido de registro de um

som como marca, realizado pela importante loja de departamentos S.A.C.I Falabella,

consistente na melodia “Pascua Feliz para Todos” (nº 715103). Todavia, essa não foi

a primeira marca sonora chilena, mas sim a melodia "Allianz Motiv", que caracteriza

a companhia de seguros e serviços financeiros Allianz Aktiengesellschaft, cujo

registro foi requerido em 19 de janeiro de 2006 (nº 717798) e efetivamente

concedido em 20 de outubro do mesmo ano (DEPARTAMENTO DE PROPRIEDADE

INDUSTRIAL, 2008).

32 “Tales signos podrán consistir en palabras, incluidos los nombres de personas, letras, números, elementos figurativos tales como imágenes, gráficos, símbolos, combinaciones de colores, sonidos, así como también, cualquier combinación de estos signos”. 33 “representación gráfica y un registro sonoro, en base a requerimientos y estándares compatibles con los sistemas correspondientes del Departamento”.

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7 CRÍTICA À LINHA INTERPRETATIVA QUE NEGA A POSSIBILIDADE DO

REGISTRO DE SONS COMO MARCAS NO BRASIL

Como visto, em descompasso com o tratamento dado à matéria pelas

maiores economias do mundo e pelos países vizinhos da América do Sul,

configurando distanciamento da moderna percepção da propriedade industrial e seu

importante papel na economia, a posição do governo brasileiro é pela não-admissão

do registro de sons como marcas, negando a tais sinais distintivos a desejável

proteção oficial como marca, que confere prerrogativas importantes ao seu titular,

como o direito de “zelar pela sua integridade material ou reputação” (art. 130, III, Lei

9.279/96), inclusive por meio de medidas de vistoria, apreensão e destruição (arts.

198, 200, 202 e 209), e criminaliza o uso indevido por terceiros (arts. 189 e 190),

desestimulando a usurpação.

Quando se espera da regulamentação jurídica incentivo ao livre

desenvolvimento das marcas, trabalhando-se em torno de critérios legais flexíveis o

suficiente para abraçarem a evolução social, a interpretação oficial, exteriorizada

pelas informações e procedimentos do Instituto Nacional da Propriedade Industrial,

presa à compreensão isolada e literal da expressão “visualmente perceptíveis”

presente no conceito para marcas da Lei nº 9.279/96, com efeito, imobiliza o

instituto.

Segundo informa Correa, não é a primeira vez que o INPI interpreta

equivocadamente a legislação marcária, ignorando o panorama normativo em

prejuízo da livre iniciativa, da modernização e segurança nas operações

empresariais e, por conseqüência, da atratividade a investimentos do mercado

brasileiro:

O Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI – incorreu em grave equívoco exegético ao tempo do Código da Propriedade Industrial de 1971, cujas regras aplicava de forma estanque, isolando, com isso, a propriedade industrial do restante do sistema jurídico brasileiro, no qual se inscreve, sujeitando-se a todos os seus postulados. O INPI, à época, sobretudo não aplicava nem as disposições e os princípios deitados pelo Código Civil, nem os da Convenção da União de Paris quanto à boa-fé do depositante, tendo admitido o registro de inúmeras marcas de origem estrangeira

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abusivamente depositadas por sociedades locais durante o regime de substituição às importações, que desestimulava e, mesmo, inviabilizava o uso dos sinais originais. Muitos desses registros foram desconstituídos pelo Judiciário, mas, afastada do País pelo modelo econômico vigente, a maioria dos titulares das marcas originais deixou de ingressar em juízo. Fruto daquela política, o País se notabilizou como um terreno fértil ao que se convencionou, então, denominar-se “pirataria de marcas”, metáfora, hoje, amplamente empregada em relação à pura e simples contrafação de marcas e, principalmente, de produtos. (2007, p. 210)

Hoje os sons podem facilmente atingir os consumidores e transmitir com

eficiência mensagens de identificação e divulgação, tanto por meio de artefatos

relativamente recentes – mas já muito populares –, como telefones celulares e

microcomputadores (conectados à internet, principalmente), quanto pelos meios

tradicionais de comunicação, como rádio e televisão.

Símbolos sonoros já são usados com esse intuito no Brasil, tendo grande e

indiscutível poder identificador, podendo ser citado exemplo notório, apontado por

Domingues, já na década de 80:

Na atualidade brasileira, temos um caso concreto em que, um sinal sonoro constitui verdadeira marca registrável que identifica perfeitamente a rede de comunicações que o utiliza: referimo-nos ao sinal sonoro, que o comediante Renato Aragão batizou de “plim-plim”, e a Rede Globo de Televisão emite cotidianamente em sua programação nacional. Referido sinal sonoro identifica a Rede Globo tanto quanto seu logotipo, em qualquer quadrante do território brasileiro. Em verdade, qualquer consumidor médio, ao ouvir o sinal sonoro, sabe que o aparelho de televisão está ligado na Globo, ainda que não se encontre assistindo ao programa ou esteja em local que não lhe permita olhar o vídeo. (DOMINGUES, 1984, p. 200-201)

De lá para cá, com a abertura do mercado brasileiro, muitas sociedades aqui

se estabeleceram com campanhas de divulgação que se valem, também, de marcas

sonoras. É o caso, dentre inúmeros, da Intel e da Microsoft. Outras, mesmo há muito

sediadas no Brasil, começaram nos últimos anos a se utilizar de estratégias de

identificação sonora, como a Caixa Econômica Federal, por exemplo.

As marcas, conforme abordado, são instrumentos de incremento empresarial

e, por extensão, de política de proteção ao consumidor, e sob tais enfoques é que

devem ser regulamentadas pelos governos. No cenário de acirramento cada vez

maior da concorrência, é prioritário aos empresários estabelecerem formas diversas

e criativas de destaque no mercado, bem como é de suma utilidade aos

consumidores terem à sua disposição meios mais eficazes de identificação de seus

produtos e serviços prediletos.

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A divulgação por sons é comumente identificada como importante veículo

para interação com consumidores cegos ou analfabetos, mas sua utilidade não se

limita a tanto. Com efeito, marcas sonoras servem a qualquer pessoa por se

constituírem em meio rápido, fácil e direto de comunicação e, por isso, devem estar

à disposição de todos os produtores ou prestadores de serviços que delas desejam

fazer uso, conforme se extrai em Silva (2003, p. 15-16):

Parece-nos ser este [mercado de consumo das pessoas portadores de deficiência visual] um campo paradigmático da pertinência das marcas sonoras; é indesmentível que a adopção quer isoladas, quer acopladas, de marcas sonoras para identificar os produtos para o referido mercado-alvo será de benemérita valia social, sendo que, não sejamos ingénuos, teria repercussões de tipo económico nas empresas que estrategicamente adoptam-se esta política comercial, pelo impacto nos consumidores que sempre representam as manifestações de “consciência social” por parte dos grandes grupos empresariais. Acresce que é de inegável pertinência o recurso às marcas auditivas para designar, desde logo, emissões de rádio ou televisão, que, incomparavelmente desempenham melhor a causa-função de identificar e publicitar aqueles produtos (ou serviços), que quaisquer outras marcas. Do ponto de vista estritamente economicista, também sem especial dificuldade vislumbramos motivações que justificam financeiramente a adopção de marcas constituídas por sons; apelando à função (económica) publicitária da marca e recordando que a publicidade se realiza mediante dois meios fundamentais – rádio e televisão – dá-se ênfase ao facto de que, se na publicidade televisionada um bom som não terá o mesmo impacto de uma imagem sugestiva, na publicidade radiofónica a sonoridade é essencial, sendo esta vicissitude condição bastante para que se invista na consolidação de sons que individualizem productos, em suma, marcas. (SILVA, 2003, p. 15-16)

A importância para a economia nacional de se outorgar proteção como

marcas aos sons vem sendo destacada há tempos pela doutrina – mesmo aquela

elaborada sob a vigência da legislação de propriedade industrial anterior à atual –,

como se constata, por exemplo, em Domingues:

A necessidade social existe porque, com o advento da televisão e o enorme incremento da radiodifusão com os aparelhos portáteis e transistorizados, a identificação sonora mais que uma possibilidade é uma realidade concreta como sinal identificador de bens ou serviços. Assim, deverá a marca sonora ser juridicamente protegida face a seu conteúdo e valor econômico e importância de mercado, tanto para seu titular, quanto para o consumidor médio. (DOMINGUES, 1984, p. 200)

Não aproveitando a ninguém, essa dissonância entre as necessidades da

realidade econômica e o que oferece a Administração Pública urge ser desfeita.

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Nesse sentido, o registro de sons como marcas é reivindicado de lege ferenda

(DOMINGUES, 1984, p. 200; SOARES, 1996, p. 47; LOUREIRO, 1999, p. 226;

BARBOSA, 2003, p. 804). Porém, constata-se que a prática aqui referida já pode ser

levada a efeito pelo INPI, prescindindo de mudança legislativa o ingresso do Brasil

no rol de países com moderna abordagem jurídica para as marcas. Com efeito, não

há real impedimento na atual norma brasileira sobre propriedade industrial para o

registro de sons, demandando tal ato apenas atenção adequada e precisa do órgão

administrativo à Hermenêutica Jurídica.

Em síntese, não vemos obstáculo conceitual, nem procedimental, à tutela jurídica das marcas sonoras. Em um mundo em rápida mutação, sacudido por inovações tecnológicas incessantes que redesenham nossos hábitos a todo instante, fechar as portas a marcas chamadas ‘não-tradicionais’, incluindo aquelas consistentes em sons, seria um grave erro, suscetível de travar ou, pelo menos, dificultar a verve criativa do homem. (CORREA, 2004, p. 21)

O único obstáculo para tanto, em verdade, é a opção do Instituto Nacional da

Propriedade Industrial por compreender literalmente o texto normativo, a despeito de

serem conhecidos os enganos e perigos a que interpretações literais no Direito

podem levar.

7.1 Insuficiência da interpretação exclusivamente literal de normas jurídicas

Maximiliano critica, em sua tradicional obra sobre Hermenêutica e Aplicação

do Direito, aqueles que buscam o alcance das normas jurídicas a partir, apenas, da

expressão textual das palavras contidas nos documentos, limitando-se ao que ele

denomina de “interpretação verbal” ou “exegese filológica”:

A interpretação verbal fica ao alcance de todos, seduz e convence os indoutos, impressiona favoravelmente os homens de letras, maravilhados com a riqueza de conhecimentos filológicos e primores de linguagem ostentados por quem é, apenas, um profissional do Direito. Como toda meia ciência, deslumbra, encanta, e atrai; porém fica longe da verdade as mais das vezes, por envolver um só elemento de certeza, e precisamente o menos seguro. [...] Quem só atende à letra da lei, não merece o nome de jurisconsulto; é simples pragmático (dizia Vico). (1999, p. 112)

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As ressalvas feitas à interpretação literal são, de fato, merecidas. O Direito é

ciência em movimento, aperfeiçoando-se em conjunto com as transformações

socioculturais dos povos que dele se valem como instrumento de harmonização. E a

lei escrita, um dos seus meios de atuação prática, notoriamente não consegue

acompanhar o ritmo da evolução social.

Portanto, a interpretação exclusivamente filológica é incompatível com o progresso. Conduz a um formalismo retrógrado; não tem a menor consideração pela desigualdade das relações da vida, à qual deve o exegeta adaptar (MAXIMILIANO, 1999, p. 120).

Fruto de complexo processo de elaboração, a lei escrita demanda tempo

entre os primeiros passos da sua criação e a efetiva entrada em vigor. Nesse

intervalo, a proposta inicial não raro deixa de corresponder às necessidades dos

cidadãos – como é exemplo o Código Civil promulgado em 2002.

Também é um fator que recomenda profundidade na análise da legislação

escrita a multiplicidade de intervenções na proposta original por parte dos

parlamentares durante as discussões para aprovação do texto final da lei. As

múltiplas participações na construção da norma – tornando-a obra de muitos co-

autores – são muito bem-vindas no regime democrático, pois imprescindíveis para

garantir a participação ou influência popular na criação jurídica. Mas não se ignora

que ocasionam fragilidades na uniformidade e precisão do texto e, em certas

ocasiões, mesmo em sua coerência. Nem sempre, no calor dos debates, e na

pressa em se atender à necessidade de novas regras jurídicas, os parlamentares

conseguem se expressar com a exatidão necessária.

De todo modo, independentemente do número de autores, bem como da

habilidade deles, a comunicação escrita é, por natureza, sujeita a imprecisões.

Quando se fala em hermenêutica ou interpretação, advirta-se que elas não se podem restringir tão-somente aos estreitos termos da lei, pois conhecidas são as suas limitações para bem exprimir o direito, o que, aliás, acontece com a generalidade das formas de que o direito se reveste. (FRANÇA, 1984, p. 22)

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Mal-entendidos e ambigüidades podem, no máximo, adotadas providências

preventivas, ser minorados, mas não há qualquer garantia de que jamais terão lugar

nessa forma de expressão.

A palavra é um mau veículo do pensamento; por isso, embora de aparência translúcida a forma, não revela todo o conteúdo da lei, resta sempre margem para conceitos e dúvidas; a própria letra nem sempre indica se deve ser entendida à risca, ou aplicada extensivamente; enfim, até mesmo a clareza exterior ilude; sob um só invólucro verbal se conchegam e escondem várias idéias, valores mais amplos e profundos do que os resultantes da simples apreciação literal do texto. [...] A linguagem, como elemento de Hermenêutica, assemelha-se muitas vezes a certas rodas enferrujadas das máquinas, que mais embaraçam do que auxiliam o trabalho (MAXIMILIANO, 1999, p. 36 e 120).

Assim, fosse o significado filológico das palavras contidas na regra escrita a

única ou a mais importante forma de se interpretar o Direito, estariam os cidadãos –

no mínimo – fadados à perplexidade em inúmeras situações práticas de suas vidas.

Posner ilustra bem essa circunstância apontando fato ocorrido no Direito norte-

americano em que a norma regente foi interpretada literalmente tanto por órgão

administrativo quanto pela Suprema Corte do Estado de Massachusetts,

surpreendendo e, na dedução daquele autor, prejudicando os jurisdicionados:

No caso United States vs. Locke, uma lei federal exigia que as firmas que tivessem concessões não patenteadas de mineração em terras federais renovassem o registro de suas concessões anualmente, “antes de 31 de dezembro”. As concessões não registradas em tempo hábil caducariam. Os demandantes inscreveram-se em 31 de dezembro, e a Suprema Corte [do Estado de Massachusetts] considerou que o prazo já se havia esgotado. Embora a lei existisse havia apenas nove anos e não tivesse ocorrido nenhuma alteração semântica que pudesse ter tornado os referentes “30 de dezembro”, “antes de”, ou “31 de dezembro” pouco claros, parece extremamente provável que, quando o Congresso afirmou “antes de 31 de dezembro”, queria dizer “até 31 de dezembro”. O fim do ano costuma ser um prazo final, e nunca se aventou explicação alguma para o fato de que o Congresso teria desejado determinar o prazo final dessa lei um dia antes, criando assim uma armadilha para valiosos direitos de propriedade. (2007, p. 359)

A partir desse caso, também Posner expõe sua discordância com a

interpretação gramatical aplicada única e isoladamente no processo hermenêutico:

A interpretação literal de “antes de 31 de dezembro” foi uma resposta canhestra e sem imaginação ao comando legislativo, como a do assistente no exemplo de MacCallum – aquele que, quando lhe pediram que trouxesse

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todos os cinzeiros que encontrasse, arrancou também alguns que ficavam presos à parede. (2007, p. 360)

Em verdade, o trabalho de interpretação exige esforço muito maior do

aplicador, que não pode se ater apenas à textualidade das expressões legais, ainda

que o texto seja de aparente clareza. Sabe-se que estavam enganados os primeiros

codificadores ao pensarem ser possível ao homem criar diplomas normativos

completos e perfeitos. Qualquer norma, seja ela qual for, está sujeita a

aprofundamento em sua análise e só é adequadamente compreendida a partir de

suas várias facetas.

A propósito da clareza da lei, o brocardo in claris cessat interpretatio já não tem valor científico. A hermenêutica moderna consagra o princípio de que a lei, seja obscura, ambígua, defeituosa ou seja clara e formalmente perfeita, está sempre sujeita a interpretação. A própria averiguação da clareza já constitui operação interpretativa. (COSTA, 1997, p. 74) Toda lei é obra humana e aplicada por homens; portanto imperfeita na forma e no fundo, e dará duvidosos resultados práticos, se não verificarem, com esmero, o sentido e o alcance de suas prescrições. [...] Interpretar uma expressão de Direito não é simplesmente tornar claro o respectivo dizer, abstratamente falando; é, sobretudo, revelar o sentido apropriado para a vida real, e conducente a uma decisão reta. (MAXIMILIANO, 1999, p. 9-10)

Para contornar as limitações naturais da comunicação escrita, da capacidade

humana e da necessária sucessão de etapas do processo legislativo, a ciência

jurídica buscou vias outras de atuação para além da expressão verbal de seus textos

prescritivos. Para não se ver condenada a eternamente caminhar distante da

realidade que pretende influenciar, revelou diferentes formas de se interpretarem

seus ditames, derivadas de suas características e relacionadas aos seus diferentes

objetivos, que lhe permitem mais rápida adaptação ao quadro fático e atuação no

caso concreto. E, em torno dessas formas de compreensão, construiu-se ramo

próprio para seu estudo, qual seja, a Hermenêutica Jurídica, que, na definição de

Ráo,

tem por objeto investigar e coordenar por modo sistemático os princípios científicos e leis decorrentes, que disciplinam a apuração do conteúdo, do sentido e dos fins das normas jurídicas e a restauração do conceito orgânico do direito, para efeito de sua aplicação e interpretação; por meio de regras e processos especiais procura realizar, praticamente, estes princípios e estas leis científicas; a aplicação das normas jurídicas consiste

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na técnica de adaptação dos preceitos neles contidos assim interpretados, às situações de fato que se lhes subordinam. (1952, p. 542)

Bonavides assim descreve o objeto de estudo da Hermenêutica:

Tema vastíssimo, sobre ele recai em nossos dias um interesse fundamental, decorrente sobretudo do caráter movediço e multiplicativo das intervenções do Estado na ordem jurídica, acudindo à disciplina de situações cada vez mais fluidas, mais complexas ou infinitamente mais delicadas e imprevisíveis, que estão a demandar, tanto do legislador como do aplicador, sensibilidade e acuidade para fazer o Direito não colidir com a realidade, buscando a plenitude de sua eficácia mediante certa harmonia de atualização com a vida e os interesses de uma sociedade veloz e dinâmica nas constantes e surpreendentes mutações por que passa, em ritmo jamais concebido. (BONAVIDES, 1989, p. XII)

Há notáveis exemplos de evoluções na regulação de conflitos de interesses

sem alteração de textos legais escritos. Em todos eles, a aproximação ágil do Direito

à realidade – já diferente daquela em vigor à época da promulgação das normas

textuais aplicáveis – foi proporcionada pelo reconhecimento dos intérpretes de que a

compreensão jurídica transcende palavras inertes. Posner referencia julgamentos

em que evoluções na regulação dos conflitos de interesses nos Estados Unidos se

deram pela interpretação não literal de expressões da Constituição dos Estados

Unidos pela Suprema Corte norte-americana. São hipóteses nas quais se interpretou

o Direito, e não apenas palavras de um texto escrito.

Desse ponto de vista [interpretação literal], a Quarta Emenda não poderia incluir a escuta telefônica ou outros tipos de escuta fraudulenta, uma vez que em 1789 nenhum usuário do idioma inglês poderia ter entendido as palavras “busca e apreensão” no contexto de escuta telefônica. A “imprensa” à qual a Primeira Emenda se refere não poderia aludir a uma rede de televisão. Se o governo subsidiasse a radiodifusão religiosa, isso não poderia configurar a criação de uma religião. O poder que o Congresso tem de criar um exército e uma marinha não autorizaria a criação de uma força aérea. (2007, p. 353).

Mais à frente, mostrando que a interpretação aprofundada (ou não literal) tem

lugar mesmo quando se trata de normas recentes, pois a incerteza ou equívoco na

escolha das expressões do texto não necessariamente decorrem do transcurso do

tempo, Posner cita outro preceito, fora do âmbito da Constituição americana e

derivado de texto não tão antigo quanto aquela, que também mereceu entendimento

extraverbal a fim de se realizar o objetivo do legislador numa sociedade que se

transformara.

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A Constituição desse Estado [Massachusetts] determinava que os membros da Câmara de Deputados “serão eleitos por voto escrito”. Muitos anos depois, o poder legislativo decidiu usar máquinas de votar em vez de votos escritos, e fez uma consulta ao tribunal solicitando um parecer sobre a constitucionalidade de tal substituição. Aparentemente, algumas das máquinas não usavam papel algum, e todas dispensavam o uso de um pedaço de papel à parte para o registro de cada voto. Não obstante, a substituição foi considerada constitucional. [Oliver Wendell] Holmes [então presidente do Tribunal, e prolator da decisão] achou que o importante não era a imagem que os autores da Constituição tinham tido em mente, mas os benefícios que haviam procurado garantir ou os males que haviam tentado evitar. Holmes explicou que eles haviam tentado impedir o voto oral ou manual e que, como a máquina de votar fazia isso, era constitucional. O que temos aqui é uma interpretação finalística, e não literal. (2007, p. 358-359)

Atentos às circunstâncias tratadas no início do tópico, os teóricos

hermeneutas sistematizaram e consagraram diferentes processos de interpretação

que permitem se extrair do texto escrito o real sentido da norma no caso concreto,

ainda – e principalmente – quando este sentido não mais corresponde às palavras

lançadas no documento. Cada tipo desses processos, inseridos em escolas de

interpretação ao longo da história, possui características e, por conseqüência,

vantagens próprias, que merecem prévia e breve exposição para melhor

entendimento quando da abordagem da questão do registro de sons como marcas

no Brasil e do papel da Hermenêutica em sua solução.

7.2 Interpretação para além do texto

A compreensão de qualquer texto exige que ele necessariamente seja lido e

tenha suas palavras compreendidas em primeiro lugar. Com os textos normativos

não é diferente e, por esse motivo, a interpretação literal obrigatoriamente é a

primeira etapa de todo processo hermenêutico. A peculiaridade no Direito, porém, é

que a filologia jamais se mostra suficiente.

A interpretação gramatical é sempre o primeiro método a ser empregado na busca do verdadeiro significado da norma jurídica, mas, em nenhuma hipótese, pode ser considerado como o único ou mesmo o mais importante (FRIEDE, 2000, p. 142).

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Assim, as escolas de Hermenêutica buscaram identificar outras etapas a

serem cumpridas no trabalho de compreensão, que, ao longo do tempo, receberam

a denominação de processo (ou método) de interpretação lógico, sistemático,

histórico e teleológico.

O processo lógico34 de hermenêutica (também conhecido como lógico-

dedutivo ou jurídico-tradicional) se caracteriza por buscar o sentido da norma por

meio do raciocínio dedutivo, constituído pelo silogismo, conforme explica

Maximiliano:

O Processo Lógico propriamente dito consiste em procurar descobrir o sentido e o alcance de expressões do Direito sem o auxílio de nenhum elemento exterior, com aplicar ao dispositivo em apreço um conjunto de regras tradicionais e precisas, tomadas de empréstimo à Lógica geral. Pretende do simples estudo das normas em si, ou em conjunto, por meio do raciocínio dedutivo, obter a interpretação correta. (1999, p. 123)

Em torno desse método de interpretação construiu-se a Escola da Exegese,

que teve seu auge em paralelo à criação e primeiras décadas de vigência do antigo

Código Civil Francês, no século XIX, sob a idéia de que a norma escrita seria a

expressão total do Direito (COSTA, 1997, p. 17). É um processo hermenêutico que

peca, contudo, por pretender em excesso a exatidão, a fim de tentar se proteger de

eventuais arbitrariedades dos órgãos aplicadores da lei. O privilégio dado ao método

silogístico demonstra essa vocação. Com isso, o processo lógico não chega a

desprezar, mas deixa em segundo plano fatores aos quais é o Direito sensível, por

se tratar de uma ciência social.

O método jurídico tradicional, clássico ou lógico, tem toda a sua atenção, exclusivamente, voltada para a lei. É fruto da preocupação de limitar todo o arbítrio da interpretação, movimentando-se baseado na concepção de que o legislador é o criador do direito. No seu conceito, o direito se identifica com a lei. Parte da idéia de que a lei escrita deve satisfazer a todas as exigências da vida jurídica, bastando ao intérprete examinar-lhe diretamente o conteúdo, para, com os meios fornecidos pela lógica, tirar as conseqüências todas que dela derivam, sem ultrapassar os limites que lhe animaram a formação. (ESPÍNOLA, Eduardo, apud COSTA, 1997, p. 91)

34 Alguns autores (v.g. CAMARGO, 2003) denominam o processo lógico também como “processo sistemático”. Contudo, conforme se verá adiante, há um método hermenêutico próprio que recebe esta denominação, e não deve com aquele ser confundido neste trabalho.

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O processo lógico, portanto, não se afasta da interpretação literal. Ao

contrário, “supõe quase sempre a posse dos meios fornecidos pela interpretação

gramatical” (FRANÇA, 1984, p. 27) e, desse modo, não é suficiente para aproximar o

Direito da realidade em grau efetivo. Em outras linhas, apesar de importante no

movimento francês de afirmação das liberdades individuais, não pode auxiliar

satisfatoriamente na resolução de questões mais complexas, como verificou

Camargo:

Quando há um compromisso com a justiça, invariavelmente fracassa o método lógico-dedutivo, pois a individualização do direito não segue as regras do silogismo, em que a premissa maior está representada pela norma geral, a premissa menor pela verificação dos fatos e a conclusão como sentença. Algumas vezes, inclusive, isso é totalmente impossível. (2003, p. 163)

Em reação à insuficiência do método lógico se deram a conhecer outros

processos hermenêuticos, defendidos por linhas filosóficas reunidas na Escola

Científica e que, ao enxergarem o Direito como fato social, modernizaram a forma de

interpretá-lo, demonstrando a possibilidade de compreensão para além do texto

escrito. “Lançaram, enfim, o lema segundo o qual ‘para interpretar a lei é preciso

julgá-la à luz do Direito’”. (COSTA, 1997, p. 96)

Para a Escola Científica, a lei escrita não dita o Direito, mas é apenas uma

revelação imperfeita dele. Sendo uma ciência histórica, deve ser interpretado

historicamente (CAMARGO, 2003, p. 80). Diante dessa percepção, identificou-se,

com Savigny, que a norma se desdobra em quatro elementos, quais sejam, o

gramatical, lógico, histórico e sistemático, cada um sendo o centro de diferentes

formas de se interpretarem regras legais (CAMARGO, 2003, p. 81).

Classificando as distintas vias de acesso ao conhecimento das regras interpretativas do Direito, a metodologia do jurista alemão [Savigny] nos domínios hermenêuticos não se reveste daquele cunho conservador tão peculiar aos romanistas, em cuja galeria ele também pontificou. Corifeu do movimento historicista, em verdade o classicismo hermenêutico de Savigny, sem embargo de seu teor um tanto técnico e didático, não se aparta da modernidade contemporânea, não se anula nem se desfaz diante de novas escolas, novas concepções e novos métodos. O legado do sábio alemão tem a esplêndida universalidade de uma construção sempre moderna e prestante. (BONAVIDES, 1989, p. XI-XII)

O elemento gramatical se liga à interpretação literal das normas, enquanto o

lógico corresponde ao método lógico-dedutivo supra-abordado.

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Já do elemento histórico decorre o processo hermenêutico de mesmo nome,

que “lançou o grito de independência a libertação do Direito além dos textos”

(COSTA, 1997, p. 99). Por meio da interpretação histórica se enxerga a norma,

tendo em perspectiva o desenvolvimento dos institutos jurídicos por ela regulados.

Não só a origem destes, que configura a “interpretação histórica remota” (FRANÇA,

1984, p. 28-29), mas também as suas etapas de evolução, funções e tendências

atuais, ou a “interpretação histórica próxima” (FRANÇA, 1984, p. 29). Nas palavras

de Savigny:

O elemento histórico tem por objeto a situação da relação jurídica regulada por regras jurídicas no momento da promulgação da lei. Esta devia intervir naquela de determinada maneira; e o mencionado elemento tem de evidenciar o modo como se dá aquela intervenção: o que por aquela lei se introduziu de novo no Direito. (apud CAMARGO, 2003, p. 81, tradução nossa)35

Nesse sentido, e mais restritamente, dedica-se o elemento histórico, ainda, à

investigação das diferentes fases do processo legislativo que culminaram com a

criação do específico dispositivo legal. Como explica Maximiliano:

Verifica-se atentamente se o parlamento pretendeu reformar o Direito vigente, que circunstâncias o levaram a isto; até onde foi o propósito inovador; quais os termos e a extensão em que se afastou das fontes, nacionais ou estrangeiras, do dispositivo atual. Pelo que eliminou e pelo que deixou subsistir, conclui-se o seu propósito, orienta-se o hermeneuta. (1999, p. 139)

Nessa abordagem apresentam-se como importantes fontes de informação os

chamados “materiais legislativos” ou “trabalhos preparatórios”, que são todos os

documentos produzidos pelo Poder Legislativo, ou a ele encaminhados, durante o

processo de elaboração da norma, tais como exposição de motivos, mensagens do

Poder Executivo, projetos, anteprojetos, pareceres e emendas.

Também incluído na “interpretação histórica próxima” encontra-se a

investigação da Occasio Legis, conceituada por Maximiliano, citando os Estatutos da

Universidade de Coimbra, como “o espírito das leis”, “a verdadeira razão delas”

(MAXIMILIANO, 1999, p. 148). Nos termos de Ferraz Júnior, buscar a Occasio Legis

35 El elemento histórico tiene por objeto la situación de la relación jurídica regulada por reglas jurídicas en el momento de la promulgación de la ley. Ésta debía intervenir en aquélla de determinada manera; y el mencionado elemento ha de evidenciar el modo de aquella intervención: lo que por aquella ley se ha introducido de nuevo em el Derecho.

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no processo histórico é pesquisar “o conjunto de circunstâncias que marcaram

efetivamente a gênese da norma” (2003, p. 291), e com base nisso interpretá-la.

Além disso, Savigny identificou o elemento sistemático da norma, centro do

processo sistemático36 de interpretação, que enxerga cada regra jurídica e cada

expressão dela como partes de um corpo maior, de um sistema, e que, por isso,

devem ser traduzidas em harmonia com o todo. A palavra ou frase sob interpretação

deve ser analisada não só com base em todas as disposições do diploma legal a

que pertence, mas também a partir de todos os outros instrumentos normativos que

tocam o instituto jurídico. A idéia é a de que todas as regras e seus princípios

informadores estão interligados e se influenciando. E, assim sendo, devem ser

interpretados em conjunto (CAMARGO, 2003, p. 81). “A presunção hermenêutica é a

da unidade do sistema jurídico do ordenamento” (FERRAZ JÚNIOR, 2003, p. 288).

Não se encontra um princípio isolado, em ciência alguma; acha-se cada um em conexão íntima com outros. O Direito objetivo não é um conglomerado caótico de preceitos; constitui vasta unidade, organismo regular, sistema, conjunto harmônico de normas coordenadas, em interdependência metódica, embora fixada cada uma no seu lugar próprio. De princípios jurídicos mais ou menos gerais deduzem corolários; uns e outros se condicionam e restringem reciprocamente, embora se desenvolvam de modo que constituem elementos autônomos operando em campos diversos. Cada preceito, portanto, é membro de um grande todo; por isso do exame em conjunto resulta bastante luz para o caso em apreço. [...] Assim, contemplados do alto os fenômenos jurídicos, melhor se verifica o sentido de cada vocábulo, bem como se um dispositivo deve ser tomado na acepção ampla, ou na estrita, como preceito comum, ou especial. [...] A verdade inteira resulta do contexto, e não de uma parte truncada, quiçá defeituosa, mal redigida; examine-se a norma na íntegra, e mais ainda: o direito todo, referente ao assunto. (MAXIMILIANO, 1999, p. 128-130)

Os estudos da Escola Histórica, como se sabe, foram sucedidos pelo

positivismo jurídico, que pregava excessivo formalismo, fundado na idéia de que a

ciência jurídica não podia nem precisava ser influenciada por qualquer outra.

Verificado o equívoco desse pensamento, e que “o culto fetichista às normas

cristalizadas em códigos não respondia mais às novas necessidades” (CAMARGO,

36 Não se confundir, como abordado em nota anterior, com o processo lógico, que por vezes é chamado também de sistemático, mas se trata de método diverso de interpretação. Ferraz Júnior, a propósito, para evitar a confusão terminológica, denomina o método hermenêutico em questão de “interpretação sistemática stricto sensu” (2003, p. 288).

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2003, p. 90), Ihering desvelou o Direito “como um esforço animado pelo espírito

prático que subjaz à sua própria realização” (CAMARGO, 2003, p. 91). O jurista

alemão incorporou a noção de “fim” ou “finalidade” à idéia de Direito como prática,

retirando da regra legal seu caráter de mera abstração (ANDRADE, 1991, p. 19). E,

na esteira dessa percepção, apresentou outro elemento de interpretação das

normas escritas, ligado a tais noções, que é o chamado teleológico, inspirador de

método hermenêutico por meio do qual se busca interpretar a norma a partir da sua

finalidade ou utilidade prática. “O pressuposto e, ao mesmo tempo, a regra básica

dos métodos teleológicos é de que sempre é possível atribuir um propósito às

normas” (FERRAZ JÚNIOR, 2003, p. 292).

Maximiliano esclarece o raciocínio que rege o processo teleológico de

interpretação, explicando que:

Toda prestação legal tem provavelmente um escopo, e presume-se que a este pretenderam corresponder os autores da mesma, isto é, quiseram tornar eficiente, converter em realidade o objetivo ideado. A regra positiva deve ser entendida de modo que satisfaça aquele propósito. (1999, p. 149)

Destaque-se que não se trata apenas de investigar o que se objetivou

prescrever no momento da elaboração da regra legal, mas, principalmente, sua

representação contemporânea, isto é, seu papel atual no ordenamento jurídico. “A

pesquisa não fica adstrita ao objetivo primordial da regra obrigatória; descobre

também o fundamento hodierno da mesma” (MAXIMILIANO, 1999, p. 154). Afinal,

caso contrário, tal processo hermenêutico serviria mais como método de

engessamento do Direito do que instrumento de evolução, que é o que se espera

dele. A propósito, este é um aspecto que ganha especial relevância na análise de

admissibilidade das marcas sonoras no Brasil, assunto que se abordará no capítulo

seguinte.

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8 A POSSIBILIDADE DO REGISTRO DE SONS COMO MARCAS NO DIREITO

BRASILEIRO

Como se percebe, desprezar outras vias de compreensão do texto, insistindo-

se arbitraria e exclusivamente na interpretação literal e isolada de apenas um artigo,

é o equívoco do INPI na aplicação da Lei nº 9.279/96.

A utilização unicamente do elemento gramatical, revela a falta de maturidade do desenvolvimento intelectual, a que antes nos referimos, sendo, portanto, o menos compatível com o desenvolvimento social, com o progresso. (MAGALHÃES, 1989, p. 130) Quem lê unicamente Código ou Constituição tem uma só base, a mais fraca – a exegese verbal; faltam-lhe os demais, e os melhores, elementos de interpretação; por isso, toma, com freqüência, a nuvem por Juno, desgarra a valer. (MAXIMILIANO, 1999, p. 133)

Esta interpretação [gramatical ou literal], por si só, é insuficiente para conduzir o intérprete a um resultado conclusivo, sendo necessário que os elementos por ela fornecidos sejam articulados com os demais, propiciados pelas outras espécies de interpretação. (FRANÇA, 1984, p. 27)

Como já abordado, há muito se verificou que a adequada hermenêutica das

regras escritas demanda muito mais do que simples exame do significado textual

das palavras nelas inseridas. A verdadeira interpretação, com efeito, requer atenção

às diferentes variáveis que inspiram o Direito, refletidas nos elementos identificados

por Savigny e Ihering. Conforme ressalta Maximiliano, diante de um dispositivo legal

o bom intérprete lança mão de técnicas interpretativas à sua disposição:

Procede à análise e também à reconstrução ou síntese. Examina o texto em si, o seu sentido, o significado de cada vocábulo. Faz depois obra de conjunto; compara-o com outros dispositivos da mesma lei, e com os de leis diversas, do país ou de fora. Inquire qual o fim da inclusão da regra no texto, e examina este tendo em vista o objetivo da lei toda e do Direito em geral. Determina por este processo o alcance da norma jurídica e, assim, realiza, de modo completo, a obra moderna do hermeneuta. (1999, p. 9-10)

O aplicador não se limita a escolher apenas uma ou algumas daquelas

técnicas, de acordo com o resultado que pretende retirar do trabalho de verificação.

Fosse assim, tais métodos levariam à deturpação da norma, e não à sua depuração

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frente a uma situação concreta. Em verdade, o hermeneuta deve se valer de todos

os métodos de interpretação, como chama atenção o próprio Savigny:

Com estes quatro elementos [em verdade cinco, uma vez que aos elementos gramatical, lógico, histórico e sistemático apontados por Savigny se alia o elemento teleológico, posteriormente identificado por Ihering] se esgota a compreensão do conteúdo da lei. Não se trata, por conseguinte, de quatro [cinco] classes de interpretação, entre as quais se possa escolher segundo o gosto e o arbítrio pessoal, senão de diferentes atividades, que devem cooperar para que a interpretação possa ser bem-sucedida. (SAVIGNY, apud CAMARGO, 2003, p. 81, tradução nossa)37

É claro, porém, que nem sempre todos os elementos, e, por conseqüência, os

processos de interpretação correspondentes, exercerão a mesma influência. Na

grande maioria das hipóteses apenas alguns deles terão papel mais determinante na

obtenção da adequada compreensão do sentido de um dispositivo legal, sem

prejuízo para a conclusão final. O que se sublinha é que não deve o intérprete

desprezar nenhum elemento da norma. Quando inserido no trabalho hermenêutico,

deve passar por todos os processos, ainda que para concluir pela não-influência de

algum deles na verificação do alcance jurídico (CAMARGO, 2003, p. 81-82).

Portanto, para se apurar o seu correto sentido e verificar se os sons podem

ou não ser registrados como marca no Direito brasileiro, cumpre se analisar o

conceito de sinais registráveis inserido no art. 122, da Lei nº 9.279/96, a partir dos

diferentes processos interpretativos revelados pela Hermenêutica.

Nesse sentido, e se iniciando pelo método histórico, é de se destacar em

primeiro lugar que merece atenção na proposta investigativa apenas a “interpretação

histórica próxima”, vez que a origem das marcas – ligada à “interpretação remota” –,

desde o fim das corporações de ofício não mais se identifica com a moderna feição

do instituto, e não se justifica interpretar a atual legislação brasileira de marcas com

base em circunstâncias que deixaram de existir.

Delimitado o campo de estudo, cumpre relembrar o conteúdo dos capítulos

iniciais, que abordaram a evolução dos sinais marcários e seu paralelismo com o

desenvolvimento das práticas empresariais. Por eles se percebe que, como

estratégia de ganho de mercado, os empresários precisam continuamente inovar a

37 Con estos cuatro elementos se agota la comprensión del contenido de la ley. No se trata, por consiguinte, de cuatro clases de interpretación, entre las cuales se puede escoger según el gusto y el arbitrio personal, sino de diferentes actividades que deven cooperar para que la interpretación pueda dar éxito.

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forma de oferecer seus produtos ou serviços. Nessa busca, absorvem de maneira

muito rápida os avanços tecnológicos e, com base neles, criam opções diferenciadas

de consumo. Para divulgar suas inovações, valem-se das marcas como instrumento

– cada vez mais efetivo – de comunicação, aproveitando o ganho tecnológico para

também investir em meios diferenciados de identificação e distinção. A tendência

nesse movimento, desde a metade do século passado, é a divulgação de produtos e

serviços por meio das marcas heterodoxas, ou não-tradicionais, que são aquelas,

como já dito, formadas por elementos como os sons, por exemplo. E todas as

legislações sobre marcas elaboradas no Brasil desde o Decreto nº 3.346 de 1887

eram abertas ao registro desse tipo de sinais, como visto no capítulo 5.

É certo que a redação inicial do anteprojeto que se transformou na Lei nº

9.279/96 continha proibição expressa ao registro de sons como marcas. Mas, como

também abordado no tópico 5.4, tal restrição, importando contradição com o escrito

na Exposição de Motivos, foi retirada do texto final convertido em lei, em sintoma do

direcionamento do ordenamento jurídico brasileiro na matéria.

Tendo a atual lei de marcas sido criada e promulgada em meio a esse

quadro e a essa tradição jurídica, não é razoável se deduzir que ela não

corresponda às expectativas mencionadas, ou que tenha vindo retroceder a

regulação da propriedade industrial. Assumindo o método histórico que “a lei é mais

sábia que o legislador” (ANDRADE, 1991, p. 22), deve prevalecer a interpretação

que represente evolução – ou, no mínimo, manutenção – do estágio evolutivo do

instituto regulado, ainda que o texto contenha expressões que possam conduzir o

aplicador à conclusão diversa num primeiro momento. Desse modo, no caso em

estudo, a conclusão que se encaixa no que o método histórico de interpretação volta

a atenção é a de que o art. 122 da Lei nº 9.279 mantém o conceito ampliativo das

normas que o antecederam, não excluindo os sons do âmbito de elementos

registráveis como marca.

Mas, conforme ressaltado, para se confirmar essa ilação é necessário se

identificar se a ela também é possível chegar por meio das demais técnicas

interpretativas. Nesse sentido, passa-se à próxima etapa da análise: o processo

sistemático de hermenêutica.

Como o pressuposto desse método interpretativo é de que cada instituto

jurídico é regulado por todo ordenamento jurídico e não apenas por esta ou aquela

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lei, aparece como etapa necessária da interpretação sistemática do conceito de

sinais registráveis como marcas no Brasil a investigação não só dos artigos da Lei nº

9.279/96, como também de outros diplomas normativos – em especial a Constituição

da República, tendo-se em vista o alinhamento hierárquico das fontes do Direito. E,

nesse passo, percebe-se que o texto constitucional não autoriza a restrição

enxergada pelo INPI na norma em vigor sobre propriedade industrial.

Com efeito, dispõe o art. 5º, inciso XXIX, que “a lei assegurará [...] proteção

[...] à propriedade das marcas, [...] tendo em vista o interesse social e o

desenvolvimento tecnológico e econômico do País” (BRASIL, 1988). Exsurge claro

nesse trecho que a Constituição quer delimitar a proteção oficial apenas àquelas

marcas que se direcionam aos objetivos dispostos em sua parte final. Entretanto,

pode-se igualmente inferir que o excerto normativo contém comando às fontes

jurídicas a ele inferiores para que regulamentem a propriedade das marcas em

sintonia com o interesse social e com o desenvolvimento tecnológico e econômico

do Brasil. Isto é, deve a legislação infraconstitucional proteger os sinais marcários

permitindo que eles interajam com os anseios públicos e com os avanços da

tecnologia e das práticas empresariais, sob pena de se tornar garantia imobilizadora

– e não emancipadora – de um instituto que, por essência, requer agilidade.

Qualquer restrição nesse sentido significaria, então, violação ao texto constitucional.

Nesse sentido é a conclusão de Barbosa:

Como se vê, o preceito constitucional se dirige ao legislador, determinando a este tanto o conteúdo da propriedade industrial (“a lei assegurará...”) quanto a finalidade do mecanismo jurídico a ser criado (“tendo em vista...”). A cláusula final, novidade do texto atual, torna claro que os direitos relativos à propriedade industrial não derivam diretamente da Carta, mas da lei ordinária; e tal lei só será constitucional na proporção em que atender aos seguintes objetivos: a) visar o interesse social do país; b) favorecer o desenvolvimento tecnológico do país; c) favorecer o desenvolvimento econômico do país. (2002, p. 30)

Desdobrando esse comando, a Constituição prescreve, no art. 170, que a

ordem econômica brasileira é fundada na livre iniciativa e deve observar, dentre

outros, os princípios da livre concorrência e da defesa do consumidor. Em todo o

Título VII, reservado à “Ordem Econômica e Financeira” da República, e no qual se

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insere o mencionado dispositivo, não se encontra qualquer limitador a tais balizas,

nem autorização para se criá-los.

Assim, se as marcas são personagens centrais na promoção da lealdade

concorrencial – e, portanto, instrumento da livre iniciativa –, bem como, por

extensão, elemento da política de defesa do consumidor, conforme visto nos

capítulos iniciais, impedir a absorção por sua forma de expressão das novas

tecnologias e práticas de mercado implica limitar indevidamente princípios e

fundamento constitucional da ordem econômica, o que, de nenhuma forma, pode ser

admitido ou levado a efeito pelos órgãos da Administração Pública.

Toda essa construção é realçada, com foco na defesa do consumidor, pela

Lei nº 8.078/90, que define a Política Nacional das Relações de Consumo e aponta

como um de seus princípios, no art. 4º, III, a “compatibilização da proteção do

consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico”. E,

segundo o inciso VI do mesmo artigo, no tocante às marcas, referida política deve se

voltar apenas contra aquelas que possam prejudicar os consumidores – hipótese na

qual, por certo, não se incluem as marcas sonoras, pelo que se expôs neste

trabalho.

A análise sistemática da questão das marcas, com a contribuição da

compreensão histórica, indica o equívoco em se interpretar o conceito legal de sinais

registráveis como referente apenas a formas gráficas.

Todavia, é necessário se submeter a questão, ainda, ao método teleológico

de interpretação, a mais importante técnica dentre as aqui abordadas, e, exatamente

por isso, a que mais prestígio vem recebendo da doutrina e jurisprudência. É um

processo hermenêutico, segundo Maximiliano, admirado “por quase todas as

correntes doutrinárias” (1999, p. 154), considerado “o melhor, o mais seguro, na

maioria das hipóteses” (MAXIMILIANO, 1999, p. 156). Isso porque a proposta de

compreensão das normas a partir dos resultados que se pretenderam por ela obter

se confunde com a finalidade do próprio Direito, meio de harmonização das relações

humanas e, portanto, também voltado a conseqüências práticas.38

Considera-se o Direito como uma ciência primariamente normativa ou finalística; por isso mesmo a sua interpretação há de ser, na essência,

38 Característica, a propósito, que exsurge com mais força no Direito Empresarial e mais profundamente, ainda, nos estudos sobre propriedade industrial, focados na instrumentalização de atividades econômicas e, pois, reconhecidamente pragmáticos.

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teleológica. O hermeneuta sempre terá em vista o fim da lei, o resultado que a mesma precisa atingir em sua atuação prática. (MAXIMILIANO, 1999, p. 151-152)

Por isso, e confirmando, a aplicabilidade do método teleológico na

interpretação de normas do ordenamento jurídico brasileiro é expressamente

determinada em lei, em específico no art. 5º, do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de

setembro de 1942, mais conhecido como Lei de Introdução ao Código Civil, por cuja

determinação, “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se

dirige e às exigências do bem comum” (BRASIL, 1942).

Segundo demonstra Posner, enquanto a interpretação literal (ou abordagem

do significado evidente, como chama) “exclui a consideração das condições atuais”,

a interpretação teleológica (ou abordagem pragmática) “vê uma lei como um recurso

para se lidar com os problemas do presente, o que equivale a dizer com o futuro da

lei” (2007, p. 363).

Com Maximiliano, vale relembrar o método da interpretação teleológica:

A norma enfeixa um conjunto de providências, protetoras, julgadas necessárias para satisfazer a certas exigências econômicas e sociais; será interpretada de modo que melhor corresponda àquela finalidade e assegure plenamente a tutela de interesse para a qual foi regida. [...] O fim inspirou o dispositivo; deve, por isso mesmo, também servir para lhe limitar o conteúdo; retifica e completa os caracteres na hipótese legal e auxilia a precisar quais as espécies que na mesma se enquadram. Fixa o alcance, a possibilidade prática. (MAXIMILIANO, 1999, p. 151-152)

E, analisadas as circunstâncias que a teleologia coloca em evidência,

confirma-se a conclusão de que no Direito brasileiro não há empecilho para o

registro de sons como marcas.

Nesse processo, cumpre retornar aos termos da Exposição de Motivos do

anteprojeto que resultou na Lei nº 9.279/96. Segundo esse documento, como visto, o

objetivo com a elaboração de nova norma regulamentando a propriedade industrial

no país era “consubstanciar as tendências internacionais no campo do direito

marcário” (BRASIL, 1991). Para tanto, se teria buscado

harmonizar a proposta legislativa com a disciplina dada à matéria pelos acordos e tratados internacionais de que participa o Brasil, incorporando-se, ainda, os avanços doutrinários já consagrados na legislação de outros países, onde são mais intensas as atividades envolvendo questões de propriedade industrial. (BRASIL, 1991).

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Contudo, como se verificou no capítulo 6, os regimes jurídicos de marcas nos

países com as maiores economias do ocidente, e também nos principais vizinhos da

América do Sul, são bastante flexíveis quanto aos tipos de símbolos admitidos a

proteção como marcas. As únicas exigências são as de que o sinal seja

efetivamente distintivo e identificativo e que possa ser publicado de alguma forma, a

fim de se levar a conhecimento geral o objeto do pedido de registro e do ato de

concessão oficial. Cumpridos os dois pré-requisitos, quaisquer símbolos,

independentemente de sua forma de exteriorização, sejam letras, palavras,

desenhos ou sons, podem ser registrados e, por conseqüência, protegidos.

Cotejando as duas informações, verifica-se que, se o objetivo do

ordenamento jurídico é se aproximar das evoluções do instituto concretizadas nos

países com grande atividade no campo dos sinais distintivos, não há espaço para se

admitir a maneira como o INPI vem interpretando o conceito legal de marcas.

Isso, mesmo se explorando a questão sob outro prisma, e adentrando-se na

questão da visibilidade, sob o ponto de vista da facilidade na publicação do símbolo

depositado.

Conforme tratado no tópico 4.4.2, o Acordo TRIPS determinou que seus

aderentes publiquem “cada marca antes ou prontamente após o seu registro”, a fim

de se permitirem “pedidos de recebimento de cancelamento” e “oportunidade para

que o registro de uma marca seja contestado” (art. 15, parágrafo 5º, BRASIL, 1994).

Mas a publicação de marcas não gráficas em periódicos oficiais, dado o estágio da

tecnologia quando da elaboração do TRIPS, acarretava gastos relativamente altos

para alguns países. Por esse motivo, abriu-se a possibilidade nesse acordo de que

alguns membros exigissem que somente pudessem ser depositados símbolos

“visualmente perceptíveis”, ou seja, aqueles passíveis de representação em papel.

Entretanto, independentemente de se saber se o Brasil se enquadrava ou não entre

os países sem recursos financeiros para publicar marcas sonoras no ano de 1996,

importa destacar que os custos dessa operação caíram drasticamente. Hoje é

incontroverso que ela pode ser facilmente levada a efeito pela grande maioria das

nações, a custo muito baixo, como já fazem muitos países, abordados no capítulo 6

– alguns, inclusive, com a economia em desenvolvimento, assim como o Brasil. Para

tanto, basta se manter uma página na internet e nela disponibilizar os sons

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depositados para conferência por qualquer cidadão em uso de um microcomputador

com configuração básica. Destaque-se que o INPI já adota esse procedimento para

as marcas visuais que registra. E ampliar o site para acolher e veicular pequenos

arquivos com gravações sonoras certamente não irá desestabilizar as finanças da

autarquia. Portanto, ainda que se argumente que haveria na atual lei de marcas a

finalidade de não se impingir ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial custos

procedimentais aos quais ele não poderia corresponder, percebe-se que hoje a

realidade é bastante diferente. E, nesse passo, a interpretação da norma deve

também ser diferenciada, conforme requer o processo teleológico de interpretação –

ressaltado no tópico anterior.

Recusamo-nos a sufragar o argumento de que a “falta de meios técnicos por parte das entidades competentes para organizar o registro de discos ou bandas magnéticas e proceder ao exame das anterioridades legais [Couto Gonçalves, In: Função Distintiva da Marca, Coimbra: Almedina, 1999, p. 64]”, seja condição suficiente para aceitar esta intolerável limitação na discricionariedade da constituição das marcas; sustentamos que o princípio da liberdade de iniciativa no mercado, não pode ser coarctada por razões de tipo formal ou funcional. Com efeito, incumbe à Entidade Administrativa competente para o registro das marcas proceder às inovações necessárias para se adaptar às prementes necessidades da vida empresarial e não aos agentes económicos subjugarem a sua capacidade inventiva aos meios técnicos existentes na Administração Pública. (SILVA, 2003, p. 13) Talvez aqui resida um dos nódulos da questão: como já visto, o legislador exige que a apreensão do fenômeno semiológico, inscrito no mundo mercantil (um odor, um som, uma sensação táctil que constitua marca, assinalando a presença de um produtor, comerciante ou prestador de serviço) tenha estabilidade documental, somente garantida, pelos padrões do nosso sistema jurídico, por um sistema que permita visualização. A eventual dificuldade do órgão do registro em estabelecer parâmetros de fixação em suporte físico e diretrizes de análise não autoriza, porém, a pura e simples negação de amparo a sinais ditos não convencionais [Nota original: “Uso esse termo, aqui, por um simples catacreses, pois a expressão ‘sinal não convencional’ já contém, por implicitude, um preconceito contra a adoção de marcas captadas, preferencialmente, por outros sentidos que não a visão, preconceito inadmissível em um mundo em permanente mutação.”]. A problemática não deveria, portanto, ser de natureza conceitual, ou seja, o que se há se perguntar não é “são protegíveis sinais outros que não visuais?”, mas “como proteger esses sinais na prática?”. (CORREA, 2004, p. 20-21)

Ao lado disso, deve-se atentar para o objetivo da regulação do próprio

instituto. Como tratado nos capítulos iniciais, a assunção pelo ordenamento jurídico

da tarefa protetiva das marcas se deu diante da percepção de que estas são

utilíssimos incrementos às atividades empresariais – gerando efeitos vantajosos

principalmente aos empresários, mas, também, para o mercado de consumo como

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um todo –, e que dependem do amparo jurídico para não perderem sua força. Além

disso, percebeu o Direito que para as marcas cumprirem eficazmente seu papel é

preciso acompanharem a evolução tecnológica, e que, por óbvio, recebam da

regulamentação estatal liberdade para se desenvolverem, motivo pelo qual as

legislações ao redor do mundo sofreram e continuam sofrendo modificações

interpretativas ao longo do tempo. Nesse sentido constatou Domingues:

Outrossim, a publicidade comercial das marcas tem sua origem e acompanha pari passu o desenvolvimento dos meios de comunicação, apresentando uma história que se desenvolve paralela à da imprensa, rádio, cinema e mais recentemente televisão. (1984, p. 66)

Tavares expõe, com amparo em Kapferer, a necessidade dos sinais

distintivos acompanharem o avanço da tecnologia para atenderem a contento suas

funções no marketing:

A dinâmica a ser atendida pela marca deve estar atenta aos seguintes aspectos (Kapferer, 1992) [referência original]: [...] - incorporar progressos técnicos e tecnológicos na medida em que estes possam representar um diferencial de custo e de vantagem de desempenho; (1998, p. 37-38)

A finalidade prática que o Direito pretende alcançar ao trazer para seu âmbito

de influência os símbolos marcários é, pois, velar pelo desenvolvimento empresarial,

protegendo o importante instrumento que são as marcas e, nessa proteção, permitir

que elas se desenvolvam, como é de sua necessidade, em compasso com a

tecnologia. E se é com vistas à obtenção dessa finalidade que a lei brasileira de

propriedade industrial deve ser compreendida, apresenta-se como necessária pelo

método teleológico de interpretação a conclusão de que o conceito normativo de

sinais registráveis deve ser enxergado como aberto também aos sons, sendo

juridicamente possível no Brasil o registro de marcas sonoras, conforme frisa Silva:

Sem tomarmos partido sobre a querela da admissibilidade das marcas aromáticas, servem as ressalvas, para tomar uma posição frontalmente contra a tendência para afastar do Direito das Marcas tipos de marcas menos usuais, sendo nossa convicção que o afastamento liminar, sem tomar em consideração avanços tecnológicos e científicos, resvala em fraudar, intoleravelmente, os objectivos do Direito e do Mercado. (SILVA, 2003, p. 11)

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Identifica-se, assim, que, atentando-se a todos os elementos hermenêuticos

da regra jurídica, a compreensão literal levada a efeito pelo INPI do art. 122 da Lei nº

9.279/96 deve ceder lugar aos entendimentos histórico, sistemático e teleológico da

norma que apontam para o reconhecimento de um conceito mais amplo de sinais

registráveis no Brasil.

Apesar da aparente opção pelos sinais destinados à vista humana, a lei, obliquamente, dispõe de mecanismos que abrem uma janela para os demais sentidos do homem, e uma exegese sistemática e teleológica do diploma legal em foco mostra que, na realidade, o direito brasileiro tem amplo espaço para os sinais plurissensoriais. (CORREA, 2007, p. 211)

Com efeito, referido dispositivo legal deve ser interpretado de maneira a se

considerar que a exigência de percepção visual para se aceitar um sinal a registro

como marca significa, em verdade, exigência para que o símbolo seja passível de

publicação. Isto é, se o sinal puder ser levado a conhecimento público, por meio de

periódicos oficiais, cumprida estará a exigência da legislação brasileira. Dessa

maneira, os sons se revelam elementos hábeis a serem registrados como marcas

pois podem eficazmente ser publicados, como revelam as experiências bem

sucedidas em outros países, descritas no capítulo 6.

Com apoio nessas reflexões, cabe concluir que as marcas sonoras – como as demais marcas criadas pela captação imediata por outros sentidos do homem – se acham devidamente resguardadas pelo direito brasileiro, podendo ser registradas em formas que lhe tornem claro o conteúdo. (CORREA, 2007, p. 216)

A alteração do sentido literal da expressão “visualmente perceptíveis” não

deve causar estranheza, pois, como destaca Andrade, “atender aos fins sociais da

lei e às exigências do bem comum, na sua aplicação, conduz à sua adaptação à

vida real, de acordo com as necessidades da vida contemporânea” (1991, p. 21). É

disso que se trata a aplicação das técnicas hermenêuticas, conforme continua o

mesmo autor:

Uma norma legal, uma vez produzida, liberta-se da pessoa do legislador, como a criança se livra do ventre materno, passando a ter vida própria, mutuando influências com o meio ambiente, o que acarreta a transformação de seu significado. (ANDRADE, 1991, p. 22)

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Não há motivos para se esperar por iniciativa do Poder Legislativo em alterar

o teor de qualquer texto normativo para que as marcas sonoras passem a ter

proteção oficial específica no Brasil. São por demais conhecidos os percalços que

transformam a criação de novas normas em processo tão demorado. Se o Direito

pátrio já acolhe a possibilidade de registro de sons como marcas, segundo visto,

basta ao órgão administrativo competente, o Instituto Nacional da Propriedade

Industrial, tomar as providências necessárias e adequar seus procedimentos

internos, conforme ressaltou Soares, tratando de situação análoga (expressões,

frases e sinais de propaganda):

Ora, se temos um precedente que nos parece coerente com a realidade, porque não nos aproveitarmos desse “precedente” e apenas introduzirmos “algo” nas Diretrizes e no Ato Administrativo, sob a única chancela do Presidente do INPI, para obtermos, de pronto, e sem mais delongas, essa almejada proteção, em vez de ficarmos à mercê de um Senado Federal para sancionar uma nova lei? (SOARES, 2003, p. 20)

Identificada a possibilidade jurídica para o registro de marcas sonoras no

Direito brasileiro, cumpre se tratar, ainda, da forma como o símbolo sonoro pode ser

depositado junto ao órgão administrativo, a fim de propiciar futura publicação.

Nesse passo, parece claro que a melhor maneira é que o requerimento de

registro da marca sonora se faça acompanhar por uma gravação digital do som.

Essa é a forma mais prática, mais barata e mais eficaz para os requerentes e o

próprio INPI. Na pesquisa de eventuais colidências que deve ser feita pelo órgão de

registro, por exemplo, é muito mais fácil se compararem duas sonoridades em sua

forma original do que quaisquer tipos de representações gráficas delas, por mais

fiéis e inteligíveis que sejam. As gravações podem ser em arquivo “.mp3” e,

inclusive, ser enviadas por e-mail pelo solicitante ao Instituto Nacional da

Propriedade Industrial. De posse da cópia digital, basta à autarquia disponibilizar um

link de acesso a qualquer interessado em sua página na internet (como ela já

procede atualmente com marcas gráficas, compostas por palavras e desenhos). E

nada impede que o INPI ainda compile os sons depositados durante determinado

período de tempo em uma revista digital, em formato de CD ou DVD, com tiragem

regular, e a distribua ao público interessado, sem prejuízo da igual disponibilização

no site – também analogicamente ao que já realiza com sua Revista da Propriedade

Industrial (RPI) em meio físico (papel) e em formato “.pdf”, à disposição na página da

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rede mundial de computadores. Se o governo achar necessário, pode atuar como no

Uruguai, cuja Diretoria Nacional de Propriedade Industrial disponibiliza um exemplar

do som em arquivo com acesso público (tópico 6.4.2)

Com efeito, nada deve obstar a que a representação se faça pelo recurso a outros meios, nomeadamente, disco ou banda magnética (o que, refira-se, é perfeitamente admitido no Direito Americano). (SILVA, 2003, p. 13)

Contudo, a despeito do depósito da gravação já ser suficiente para todos os

fins, há quem defenda, como Correa, que no procedimento de depósito e registro se

deva exigir a representação do som sob alguma forma gráfica, para se atender ao

requisito “visibilidade” presente no conceito legal.

Assim, a exigência de perceptibilidade visual só pode ter como finalidade permitir a fixação da marca, de modo a documentá-la, pois o direito não teria como tutelar a pura transdicção. Logo, só faz sentido, em uma interpretação teleológica e sistemática da norma, tomar a expressão ‘perceptibilidade visual’ na acepção de ‘possibilidade de representação visual’. (CORREA, 2007, p. 211 - 214).

Não há muito o que se criticar desse posicionamento, exceto que também se

apega, ainda que ligeiramente, à literalidade do preceito que analisa e, por isso, se

torna mais burocrático do que o necessário. Mas a verdade é que ele busca obter o

mesmo resultado prático da interpretação supra-abordada e, desse modo, não deve

ser descartado ou considerado antagônico às conclusões anteriormente

apresentadas. Domingues, certamente inspirado na prática do Direito norte-

americano, previa esse procedimento décadas atrás:

Ante a possibilidade de representar o som musical por palavras, notas e claves musicais escritas de forma precisa, como se fora o registro de u’a marca gráfica, fácil é prever que, em futuro não muito longínquo, os Estados admitirão o registro de marcas sonoras, obedecidas as exigências de sua representação gráfica sobre um pentagrama. Ademais, como o texto final do Regulamento da execução e notas do Tratado de Viena de 1973 expressa que, quando a marca é destinada a ser utilizada como marca sonora, o pedido internacional e a folha anexa onde figura a reprodução da marca devem apresentar uma indicação para referida destinação sonora, mais evidente se torna que a tutela legal através de registro assemelhado ao das marcas na propriedade industrial, é simples questão de mais ou menos tempo. (DOMINGUES, 1984, p. 200)

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Admitindo-se que essa corrente se consagre na prática do INPI, o registro de

sons como marcas deverá se dar mediante depósito de um exemplar do som em

arquivo digital – que, diante das facilidades acima identificadas, não pode deixar de

ser exigido – junto a uma representação gráfica da sonoridade, que será igualmente

objeto de publicação. A gravação pode ser destinada ao site e a representação

gráfica compor a publicação em meio físico.

Para tanto, há várias opções, cada uma com vantagens e desvantagens a

serem sopesadas, como o pentagrama (ou pauta musical), espectograma,

onomatopéia e, principalmente, a descrição verbal, que foram abordadas e descritas

no tópico 6.2, ao qual se remete o leitor para se evitarem repetições desnecessárias.

A melhor forma para se representar graficamente a marca depositada é escolha

discricionária do órgão administrativo, a partir do que melhor se adaptar às

condições operacionais. O pentagrama mostra-se ideal para sons constituídos por

músicas, pois configura representação perfeita da forma como devem estas soar.

Mas, se a opção for por uma única forma de representação, independentemente do

tipo de som depositado, a descrição verbal parece ser a melhor escolha, diante de

sua praticidade e de suas potencialidades. Afinal, uma vez bem feita, ela é capaz de

retirar quaisquer dúvidas sobre as características do símbolo, sendo muito útil no

exame de eventuais colidências. Tanto que foi, em tese, aceita na União Européia,

após exaustiva discussão sobre o assunto, e é largamente usada nos Estados

Unidos há décadas, com bastante eficiência, tendo sido acolhida por outros países,

como Rússia e Uruguai (Capítulo 6).

Ainda que esta tese não vingasse [requerimento de depósito e registro instruído com a gravação do som apenas], entendendo-se que a marca sonora só seria registrável quando passível de representação gráfica, nada deve obstar a que o registro se faça através de uma descrição verbal; o ladrar de um cão, o rugido de um leão, o apito de um comboio, etc... Nos exemplos expostos a mera descrição verbal da sonoridade é bastante para garantir uma certeza jurídica que permite realizar um registro, porquanto é inteligível por um qualquer interessado. (SILVA, 2003, p. 14)

Como observado anteriormente, a forma de operacionalização do registro de marcas dessa natureza – como, e.g., modo de apresentação da marca, forma de inserção do banco de dados do órgão responsável pelo registro, critérios de apuração de colidência, etc. – é aspecto de natureza puramente procedimental, sem qualquer prejuízo do estatuto jurídico desses sinais. Em nosso sentir, inspirando-se, em parte, na orientação fixada pela Corte Européia de Justiça e, em parte, no tratamento da matéria nos Estados Unidos, o INPI deveria aceitar, como forma de fixação do sinal sonoro registrado, qualquer representação gráfica que seja suficientemente clara,

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completa, duradoura, objetiva e facilmente acessível, incluindo – como nos Estados Unidos – a descrição de sons que sejam inequívocos. Nessa categoria entrariam todos os sons conhecidos na natureza e aqueles consagrados na cultura, como, e.g., o rugido de animais, tais como o balido de ovelhas, o mio de um gato, o acôo de um cão; o ruído produzido por um jato d´água, o ruído de folhagens açoitadas pelo vento; um trovejo; o ruído das ondas; risos de crianças; som produzido por determinado veículo, etc. Em se tratando de composições musicais, a forma mais adequada seria a partitura, com os elementos completos que permitam sua execução: a clave, a tonalidade, o compasso (4/4, 2/2, 3/4, 3/8, etc.), a seqüência das notas, o andamento. (CORREA, 2004, p. 22)

Mas cumpre ressaltar que, como bem sublinhou o Tribunal de Justiça das

Comunidades Européias, requerimentos de registro feitos com base em

representações gráficas devem deixar claro que tratam de marcas sonoras. Isso

porque, do contrário, podem ser confundidos com requerimentos de registro de

marcas nominativas (compostas por letras ou palavras) – se representadas por

onomatopéias ou descritas verbalmente –, ou serem interpretados como depósito de

marcas figurativas (formadas por figuras) – se representadas por espectogramas ou

pautas musicais.

Por fim, à parte as peculiaridades a serem cumpridas no depósito, destaque-

se que o sinal sonoro é um símbolo distintivo como qualquer outro.

Relativamente à necessidade legal de as marcas sonoras possuírem capacidade distintiva, isto é, a sua aptidão para, per si, individualizar uma espécie de produtos ou serviços oferece-nos afirmar, que a marca sonora – como qualquer outra – desempenha, a sua causa-função primária. Para alcançar este desiderato, os sons a registrar devem ser distintos e não confundíveis com outros anteriormente registrados e ainda susceptíveis de identificar um determinado produto ou serviço. Este requisito não apresenta especiais particularidades em relação ao comum das marcas, exigindo que [sic] a novidade relativa da marca, ou seja, que a marca não seja igual ou confundível com outra previamente registrada para assinalar produto (ou serviço) igual ou confundível. (SILVA, 2003, p. 14)

Assim, e como acentuado por Silva no trecho supratranscrito, para poder ser

registrado como marca, o som deve atender aos princípios regentes do instituto, dos

quais decorreu a lista de proibições composta pelos incisos do art. 124, da Lei nº

9.279/96.

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9 CONCLUSÕES

O presente trabalho teve por objetivo analisar a questão do registro de sons

como marcas no Direito Brasileiro. Para tanto, reconstituiu a evolução histórica

desse tipo de sinal distintivo em paralelo ao desenvolvimento social, com atenção

para sua influência na economia. Além disso, investigou a necessidade e as formas

de sua proteção jurídica, no Brasil e no exterior, buscando identificar as atuais

tendências nesse sentido por meio da pesquisa de doutrina e legislação pátrias e

estrangeiras, tendo chegado às seguintes conclusões:

1) Marcas sonoras são sinais constituídos por sons utilizados para

identificar e distinguir produtos e serviços disponíveis no mercado daqueles

semelhantes ou afins em seu gênero.

2) Evoluíram muito desde a Antigüidade até o século XXI, quando se

tornaram praticamente onipresentes. De meros símbolos de identificação de

procedência, passaram a identificar e distinguir os próprios produtos ou serviços,

transformando-se em valiosos elementos de empresa.

3) Atualmente, as marcas contribuem para regular a concorrência e

incentivam o investimento em desenvolvimento, aperfeiçoamento e divulgação de

novos produtos e serviços. Também são poderosos instrumentos de atração e

manutenção da clientela. Ademais, facilitam a distribuição de mercadorias e a

segmentação da oferta de produtos e serviços para diferentes tipos de

consumidores, além de aumentar a eficiência da relação de consumo, ao reduzir

custos de transação. E, por extensão a tudo isso, contribuem na política de proteção

e defesa do consumidor.

4) Diante de sua importância para as práticas empresariais, verificou-se a

necessidade do Direito proteger as marcas, atribuindo sua utilização a apenas uma

pessoa, ou a quem esta autorizar. Nesse sentido construiu-se modelo que vincula o

início da completa proteção jurídica ao depósito do sinal distintivo em órgão

administrativo oficial que, após análise do preenchimento de condições formais,

efetua o registro do símbolo em arquivo próprio de acesso público.

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5) Esse modelo foi objeto das legislações sobre o tema desde sua feição

moderna, dada pelas Revoluções Industrial e Francesa, igualmente fazendo parte

dos instrumentos internacionais de harmonização legislativa, principalmente a

Convenção de Paris e o Acordo TRIPS, que o consagraram.

6) Sendo signatário de ambos os instrumentos, o Brasil também adotou o

que se denominou modelo atributivo de propriedade em suas diversas normas sobre

propriedade industrial, inclusive a atualmente em vigor, Lei nº 9.279, de 14 de maio

de 1996. E nesta, utilizando-se de prerrogativa inserida no Acordo TRIPS, limitou o

âmbito de sinais admitidos a registro somente àqueles “visualmente perceptíveis”.

7) A partir de interpretação literal e isolada do conceito de sinais

registráveis presente no art. 122 da Lei nº 9.279/96, o Instituto Nacional da

Propriedade Industrial, autarquia incumbida de analisar e proceder aos registros no

Brasil, fixou interpretação de que não podem aqui constituir marcas elementos que

não possam ser enxergados em sua forma pura, como os sons, por exemplo.

8) Todavia, questão de tão grande importância não pode ser estabelecida

a partir de interpretação tão somente literal e isolada de um dispositivo legal, pois a

compreensão de preceitos normativos exige do intérprete trabalho muito mais

completo.

9) Qualquer norma, por mais claros que sejam seus termos, está sujeita à

interpretação aprofundada, a partir dos elementos da regra jurídica que

fundamentam diferentes métodos hermenêuticos, quais sejam, o gramatical, lógico,

histórico, sistemático e teleológico.

10) Não cabe ao intérprete escolher apenas uma ou algumas das técnicas

de interpretação disponíveis. A adequada compreensão da norma pressupõe a

passagem desta por todos os filtros de compreensão, que podem, por certo,

influenciar com mais ou menos intensidade num caso concreto.

11) A interpretação gramatical (ou literal) do art. 122, da Lei nº 9.279/96,

parece conduzir à conclusão de que sons não podem ser registrados como marca no

Brasil. Mas essa é uma técnica hermenêutica muito sujeita a enganos, motivo pelo

qual, se já não pode ser a única utilizada, nem mesmo merece ser considerada a

mais importante. A forma escrita do Direito, à qual ela se liga, é a mais imperfeita,

diante das limitações humanas na comunicação textual e do próprio procedimento

de elaboração de normas pelo Poderes Legislativos.

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12) A interpretação lógica decorre da aplicação do método silogístico de

dedução, não se afastando do conteúdo textual das normas legais. Por isso, está

submetida às mesmas reservas cabíveis ao método literal de entendimento.

13) Diferentemente ocorre com o método histórico de interpretação, que

interpreta a regra jurídica a partir do desenvolvimento do instituto por ela

regulamentado, seja numa visão mais ampla, que investiga desde origem, etapas

evolutivas, até se chegar às funções e tendências atuais, seja em abordagem mais

restrita, que se interessa pelas etapas e motivações para construção daquela norma

específica.

14) A tendência no campo das marcas, verificada pela ágil evolução

tecnológica das últimas décadas e pela necessidade das atividades empresariais de

a acompanharem, é a utilização de elementos pouco convencionais como traços

identificadores e distintivos no mercado.

15) O conceito de sinais registráveis como marca foi definido de maneira

ampliativa desde as primeiras normas sobre o assunto no Brasil, bastando que o

sinal se mostrasse efetivamente distintivo para compor um símbolo marcário,

independentemente de sua forma de expressão.

16) Além disso, o Poder Legislativo retirou de maneira sintomática do texto

final convertido na Lei nº 9.279/96 expressa proibição ao registro de sons contida no

anteprojeto de lei.

17) Diante das circunstâncias e da tradição jurídica que cercaram sua

criação, não se podendo admitir imotivado retrocesso na regulação da propriedade

industrial, conclui-se pelo processo histórico de interpretação que o art. 122 da lei de

marcas não fecha caminho ao registro de sons como tal.

18) No mesmo sentido é o resultado da investigação sistemática que

enxerga cada regra jurídica e cada expressão dela como partes de um sistema, que

devem ser interpretadas em harmonia com o todo, buscando-se coerência e a

unidade do ordenamento.

19) Sendo assim, o alcance do art. 122 da Lei nº 9.279 está submetido ao

conteúdo de outros instrumentos normativos, principalmente a Constituição, que

determina a todas as demais fontes jurídicas protegerem os sinais marcários sem

prejudicar sua necessária interação com os anseios públicos e com os avanços da

tecnologia e das práticas empresariais.

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20) O texto constitucional ainda prescreve a livre iniciativa como fundamento

e a livre concorrência e a defesa do consumidor como princípios da ordem

econômica brasileira. E, se em todas aquelas áreas as marcas atuam como

personagens de destaque, impor a elas restrições significa limitar indevidamente

princípios e fundamento constitucional.

21) Além disso, em nível infraconstitucional, a Lei nº 8.078 inscreve como

princípio da Política Nacional das Relações de Consumo a compatibilização da

proteção do consumidor, na qual as marcas também desempenham importante

função, com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico do país.

22) Reunidas todas essas disposições, a técnica sistemática de

interpretação aponta como equivocada a compreensão do conceito legal de sinais

registráveis como referente apenas a formas gráficas.

23) Mas entre todos os métodos hermenêuticos estudados, mais influência

exerce o teleológico, pois sua proposta de análise das leis a partir dos objetivos que

o Direito pretende por elas obter se confunde com a razão de existir da própria

ciência jurídica, voltada a resultados práticos. Tanto que sua aplicabilidade na

interpretação de textos jurídicos brasileiros é expressamente determinada no art. 5º

do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, ou Lei de Introdução ao Código

Civil.

24) A Exposição de Motivos do anteprojeto que resultou na Lei nº 9.279

revelava o anseio de consubstanciar com esta norma as tendências normativas

internacionais no assunto, em especial aquelas consagradas na legislação de países

onde são mais intensas as atividades envolvendo questões de propriedade

industrial.

25) Como os regimes jurídicos dos Estados Unidos e da União Européia,

assim como o de países em desenvolvimento como Rússia, Argentina, Uruguai,

Chile, Bolívia, Colômbia, Equador e Peru admitem o registro de sons como marcas,

verifica-se que a interpretação que se concilia com o objetivo da lei de marcas, em

verdade, é aquela que amplia o âmbito de sinais registráveis para abarcar também

os elementos sonoros.

26) A interpretação literal oficializada pelo Instituto Nacional da Propriedade

Industrial não se sustenta nem mesmo sob eventual argumento de que a exclusão

dos sons do conceito de sinais registráveis seria necessária para se viabilizar a

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baixo custo pelo Brasil a publicação periódica exigida no Acordo TRIPS de marcas

depositadas e registradas. Isso porque as despesas desse tipo de operação

tornaram-se acessíveis a praticamente todos os países. No caso específico do

Brasil, bastam pequenas adaptações em sua página na rede mundial de

computadores.

27) A interpretação teleológica não se prende apenas às motivações

primeiras que levaram à elaboração da norma, também levando em conta a

representação contemporânea do instituto regulamentado. E, sob tal enfoque, a

conclusão acerca da admissibilidade do registro de sons como marcas se confirma,

uma vez que a finalidade atual do Direito com o regulamento das marcas é reforçar o

instituto, com vistas a zelar pelo desenvolvimento empresarial, e não anulá-lo, o que

aconteceria se o impedisse de acompanhar a evolução tecnológica.

28) Sopesadas as circunstâncias priorizadas pelo processo teleológico e as

conclusões obtidas na investigação realizada sob as demais técnicas

hermenêuticas, a interpretação que exsurge como adequada é aquela que define

como registráveis no Brasil todos os sinais passíveis de publicação, dentre os quais

se incluem os sons, há muito objeto de registro e, por conseqüência, publicação em

informes periódicos nos países que protegem as marcas sonoras.

29) A maneira como os símbolos devem ser depositados é escolha

discricionária do Instituto Nacional da Propriedade Industrial com base em suas

condições operacionais, podendo alternar entre a entrega de arquivo digital com

gravação da sonoridade ou deste acrescido de uma representação gráfica do som,

em forma também a ser indicada pela autarquia competente dentre várias opções

possíveis, como o pentagrama, espectograma, onomatopéia ou a preferível

descrição verbal.

30) À parte as peculiaridades a serem cumpridas no depósito, o sinal sonoro

é um traço distintivo como qualquer outro e, por isso, para poder ser registrado como

marca deve atender a todos os princípios regentes do instituto, refletidos no elenco

de proibições inserido nos incisos do art. 124 da Lei nº 9.279/96.

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