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Escola secundária Sebastião de Gama – Setúbal Portefóli o de Português

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Page 1: Portefolio de Portugues

Escola secundária Sebastião de Gama – Setúbal

Portefólio de Português

Aluna: Carlota Alexandra Mendes Palhais N.: 6 Turma: A Ano: 12ºano

Professora: Teresa Hieu

Page 2: Portefolio de Portugues

IndiceTestos trabalhados na aula: páginas:

. Modernismo em Portugal......................................................1/2

Fernando Pessoa- Ortonimo:

. Autopsicografia......................................................................3

. Isto.........................................................................................4

. “Ela canta, pobre ceifeira”......................................................5

. Liberdade...............................................................................6

.”Não sei quantas almas tenho.”..............................................7

. “Não sei se é sonho, se realidade”........................................8

. “tudo o que faço ou medito”...................................................9

. “Quando era criança”.............................................................10

. “Pobre velha música!”.............................................................11

. “Ó sino da minha aldeia”........................................................12

. O menino de sua Mãe...........................................................13/14

Fernando Pessoa- Heterónimos:

. Carta a Adolfo Casais Monteiro- Génese dos Heterónimos........................................................................................15/16/17/18

Alberto Caeiro- O mestre:

. Poema I de “O Guardador de rebanhos”.............................19/20

. Poema II de “O Guardador de rebanhos”.............................21

. Poema V de “O Guardador de rebanhos”............................22

. Poema VII de “O Guardador de rebanhos”..........................23

. Poema XXIV de “O Guardador de rebanhos”......................24

Page 3: Portefolio de Portugues

. Poema XXXVI de “O Guardador de rebanhos”....................25

Ricardo Reis- O Disciplinado

. “Vem sentar-te comigo, Lídia, á beira do rio”.................26

. “Não tenhas nada nas mãos”.........................................27

. “Mestre,são plácidas”.....................................................28/29/30

. “Prefiro rosas, meu amor, à pátria”.................................31

.”Uns com os olhos postos no passado”...........................32

. “cada um cumpre o destino que lhe cumpre”..................33

Alvaro de Campos- o sencionalista

Pesquisas da aluna:

. Corrente modernista................................................................

. Biografia de Fernando Pessoa...............................................

. Resumos Fernando Pessoa....................................................

. Os heteronimos de Fernando Pessoa...................................

. Alberto Caeiro..............................................................

. Ricardo Reis.................................................................

. Epicurismo & Estorismo.....................................

. Alvaro de Campos........................................................

Exercicios de compreenção oral e escrita:

Fernando Pessoa- Ortonimo:

. Autopsicografia......................................................................

. Isto.........................................................................................

Page 4: Portefolio de Portugues

. “Ela canta, pobre ceifeira”....................................................

. Liberdade..............................................................................

.”Não sei quantas almas tenho.”.............................................

. “Não sei se é sonho, se realidade”.......................................

. “tudo o que faço ou medito”.................................................

. “Quando era criança”...........................................................

. “Pobre velha música!”.........................................................

. “Ó sino da minha aldeia”.....................................................

. O menino de sua Mãe.........................................................

Fernando Pessoa- Heterónimos:

. Carta a Adolfo Casais Monteiro- Génese dos Heterónimos

Alberto Caeiro- O mestre:

. Poema I de “O Guardador de rebanhos”...........................

. Poema II de “O Guardador de rebanhos”.........................

. Poema V de “O Guardador de rebanhos”........................

. Poema VII de “O Guardador de rebanhos”.......................

. Poema XXIV de “O Guardador de rebanhos”....................

. Poema XXXVI de “O Guardador de rebanhos”.................

Ricardo Reis- O Disciplinado:

Exercicios de escrita:

. “ler é maçada/Estudar é nada”............................................

. O primitivismo voluntário e o caractér antissocial de Alberto Caeiro..........................................................................................................

.

Exercicios de Gramática:

Page 5: Portefolio de Portugues

.

Reescrita de Trabalho:

.

Fichas de avaliação..........................................................................................

. Correção das fichas de avaliação................................................

Intervenções orais formais:

. Registos.......................................................................................

. Fichas de leitura...........................................................................

. Resumo da obra Lida....................................................................

Fichas informativas..............................................................................................

Sumários.............................................................................................................

Bibliografia..........................................................................................................

Modernismo em Portugal

Page 6: Portefolio de Portugues

(pag. 1617 do Manual)

Entende-se aqui por «Modernismo» um movimento estético, em que a literatura surge associada às artes plásticas e por elas influenciada, empreendido pela geração de Fernando Pessoa (n. 1888), Mário de Sá-Carneiro (n. 1890) e Almada-Negreiros (n. 1893), em uníssono com a arte e a literatura mais avançadas da Europa, sem prejuízo, porém, da sua originalidade nacional. Trata-se, pois, de algo delimitado no tempo, algo sobre que temos já uma perspectiva histórica, embora seja lícito, não só descobrir-lhe precedentes na própria literatura portuguesa (sobretudo na geração de Eça de Queirós, autor das atrevidas Prosas Bárbaras e criador, com Antero, do poeta fictício, baudelairiano, Carlos Fradique Mendes; em Cesário Verde, em Eu-gênio de Castro, em Camilo Pessanha, em Patrício), mas ainda assinalar os seus prolongamentos até aos nossos dias, a sua acção decisiva na instauração entre nós do que consideramos agora a modernidade». O modernismo assim definido tem consequências mais profundas que o simbolismo-decadentismo de 1890, a que os Espanhóis chamam «Modernismo»: implica uma nova concepção da literatura como linguagem, põe em causa as relações tradicionais entre o autor e a obra, suscita uma exploração mais ampla dos poderes e limites do Homem, no momento em que defronta um mundo em crise, ou a crise, ou uma imagem congruente do Homem e do mundo.

Foi por 1913, em Lisboa, que se constituiu o núcleo do Grupo modernista. Ao invés dos movimentos literários anteriores (simbolismo, Saudosismo), o Modernismo seria basicamente lisboeta, apenas com algumas adesões de Coimbra (o poeta e ficcionista Albino de Meneses, e.t.c.) e ecosvagos noutros pontos de província. Pessoa e Sá-Carneiro haviam colaborado n’A Águia, órgão de Saudosismo; mas iam agora realizar-se em oposição a este, desejosos como estavam de imprimir ao ambiente literário português o tom europeu, audaz e requintado, que faltava à poesia saudosista. Nesse ano de 1913 escreveu Sá-Carneiro, aplaudido pelo seu amigo F. Pessoa, os poemas de Dispersão; ambos nutriam o sonho duma revista, significativamente intitulada Europa; F. Pessoa dava início a uma escola efémera compondo o poema «Pauis» (publicado em Renascença, Fevereiro de 1914); Pessoa e Almada travavam relações; graças à primeira exposição (de caricaturas) por este efectuada, e criticada por aquele nas colunas d’A Águia (...) Em 1914 os nossos jovens modernistas, estimulados pela aragem de actualidades vinda de Paris com Sá-Carneiro e Santa-Rita Pintor, adepto do futurismo, fariam seu o projecto que Luís da Silva Ramos (Luís de Montalvor) acabava de trazer do Brasil: o lançamento duma revista luso-brasileira, Orpheu. Dessa revista saíram com efeito dois números (os únicos publicados) em 1915; incluíam colaboração de Montalvor, Pessoa, Sá-Carneiro, Almada, Cortes-Rodrigues, Alfredo Pedro Guisado e Raul Leal; dos bra-sileiros Ronald de Carvalho (que, regressado ao Brasil, serviria de traço de união entre o Modernismo brasileiro e o português) e Eduardo Guimarães; de Ângelo de Lima, internado no manicómio; de Álvaro de Campos, heterónimo de Pessoa. Feitos, em parte, para irritar o burguês, para escandalizar, estes dois números alcançaram o fim proposto, tornando-se alvo das troças dos jornais; mas a empresa não pôde prosseguir por falta de dinheiro. Em Abril de 1916, o suicídio de Sá-Carneiro privou o grupo dum dos seus grandes valores. Entretanto, a geração modernista continuou a manifestar-se, quer em publicações individuais, quer através de outras revistas (...)

1

A revista Presença, aparecia em 1927, não só deu a conhecer e valorizou criticamente as obras dos homens do Opheu, como lhes herdou o espírito por intermédio de alguns dos presencistas, pertencentes já a uma segunda geração modernista. Nela colaborou Fernando

Page 7: Portefolio de Portugues

Pessoa. Entretanto, em conjunto, representa um recuo: é um modernismo assagî, psicologista, um parcial regresso á eloquência neorromântica (Régio, Torga).

2

Autopsicografia(pag. 27 do Manual)

Page 8: Portefolio de Portugues

O poeta é um fingidor.

Finge tão completamente

Que chega a fingir que é dor

A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,

Na dor lida sentem bem,

Não as duas que ele teve,

Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda

Gira, a entreter a razão,

Esse comboio de corda

Que se chama coração.

Fernando Pessoa

3

Isto(pag.28 do Manual)

Page 9: Portefolio de Portugues

Dizem que finjo ou minto

Tudo que escrevo. Não.

Eu simplesmente sinto

Com a imaginação.

Não uso o coração.

Tudo o que sonho ou passo,

O que me falha ou finda,

É como que um terraço

Sobre outra coisa ainda.

Essa coisa é que é linda.

Por isso escrevo em meio

Do que não está ao pé,

Livre do meu enleio,

Sério do que não é.

Sentir? Sinta quem lê!

Fernando Pessoa

4

“Ela canta , Pobre ceifeira”(Pag. 29-Manual)

Page 10: Portefolio de Portugues

Ela canta, pobre ceifeira, Julgando-se feliz talvez; 

Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia De alegre e anônima viuvez, 

Ondula como um canto de ave No ar limpo como um limiar, 

E há curvas no enredo suave Do som que ela tem a cantar. 

Ouvi-la alegra e entristece, Na sua voz há o campo e a lida, 

E canta como se tivesse Mais razões pra cantar que a vida. 

Ah, canta, canta sem razão! O que em mim sente ‘stá pensando. 

Derrama no meu coração a tua incerta voz ondeando! 

Ah, poder ser tu, sendo eu! Ter a tua alegre inconsciência, E a consciência disso! Ó céu! Ó campo! Ó canção! A ciência 

Pesa tanto e a vida é tão breve! Entrai por mim dentro! 

Tornai Minha alma a vossa sombra leve! Depois, levando-me, passai! 

Fernando Pessoa

5

Liberdade(Pag. 31-Manual)

Ai que prazer Não cumprir um dever, 

Ter um livro para ler 

Page 11: Portefolio de Portugues

E não fazer! Ler é maçada, 

Estudar é nada. Sol doira 

Sem literatura O rio corre, bem ou mal, 

Sem edição original. E a brisa, essa, 

De tão naturalmente matinal, Como o tempo não tem pressa... 

Livros são papéis pintados com tinta. Estudar é uma coisa em que está indistinta A distinção entre nada e coisa nenhuma. 

Quanto é melhor, quanto há bruma, Esperar por D.Sebastião, 

Quer venha ou não! 

Grande é a poesia, a bondade e as danças... Mas o melhor do mundo são as crianças, 

Flores, música, o luar, e o sol, que peca Só quando, em vez de criar, seca. 

Mais que isto É Jesus Cristo, 

Que não sabia nada de finanças Nem consta que tivesse biblioteca... 

Fernando Pessoa

6

“Não sei quantas almas tenho”(Pag. 33-Manual)

Não sei quantas almas tenho.Cada momento mudei.

Continuamente me estranho.

Page 12: Portefolio de Portugues

Nunca me vi nem achei.De tanto ser, só tenho alma.

Quem tem alma não tem calma.Quem vê é só o que vê,

Quem sente não é quem é,

Atento ao que eu sou e vejo,Torno-me eles e não eu.

Cada meu sonho ou desejoÉ do que nasce e não meu.

Sou minha própria paisagem,Assisto à minha passagem,

Diverso, móbil e só,Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendoComo páginas, meu ser.O que segue prevendo,

O que passou a esquecer.Noto à margem do que liO que julguei que senti.Releio e digo: "Fui eu"?

Deus sabe, porque o escreveu.

Fernando Pessoa

7

“Não sei se é sonho, se realidade”(pag. 36 do Manual)

Não sei se é sonho, se realidade,Se uma mistura de sonho e vida.

Aquela terra de suavidadeQue na ilha extrema do sul se olvida.

É a que ansiamos. Ali, aliA vida é jovem e o amor sorri.

Page 13: Portefolio de Portugues

Talvez palmares inexistentes,Áleas longínquas sem poder ser,

Sombra ou sossego dêem aos crentesDe que essa terra se pode ter.Felizes, nós? Ah, talvez, talvez,

Naquela terra, daquela vez.

Mas já sonhada se desvirtua,Só de pensá-la cansou pensar,Sob os palmares, ã luz da Lua,Sente-se o frio de haver luar.

Ah, nessa terra também, tambémO mal não cessa, não dura o bem.

Não é com ilhas do fim do mundo,Nem com palmares de sonho ou não,Que cura a alma seu mal profundo,Que o bem nos entra no coração.

É em nós que é tudo. É ali, ali,Que a vida é jovem e o amor sorri.

Fernando Pessoa

8

“Tudo o que faço ou medito”(pag. 37 do Manual)

Tudo o que faço ou meditoFica sempre pela metade,Querendo, quero o infinito.Fazendo, nada é verdade.

Page 14: Portefolio de Portugues

Que nojo de mim me ficaAo olhar para o que faço!

Minha alma é lúcida e rica,E eu sou um mar de sargaço ---

Um mar onde bóiam lentosFragmentos de um mar de alem...

Vontades ou pensamentos?Não o sei e sei-o bem.

Fernando Pessoa

9

“Quando era criança”(pag. 41 do Manual)

Quando era criançaVivi, sem saber,Só para hoje ter

Aquela lembrança.

É hoje que sintoAquilo que fui

Page 15: Portefolio de Portugues

Minha vida fluiFeita do que minto.

Mas nesta prisão,Livro único, leioO sorriso alheio

De quem fui então.

Fernando Pessoa

10

“Pobre velha música!”(pag. 42 do Manual)

Pobre velha música!

Não sei por que agrado,

Enche-se de lágrimas

Meu olhar parado.

Page 16: Portefolio de Portugues

Recordo outro ouvir-te,

Não sei se te ouvi

Nessa minha infância

Que me lembra em ti.

Com que ânsia tão raiva

Quero aquele outrora!

E eu era feliz? Não sei:

Fui-o outrora agora.

Fernando Pessoa

11

“Ó sino da minha aldeia”(pag. 42 do Manual)

Ó sino da minha aldeia,

Dolente na tarde calma,

Cada tua badalada

Soa dentro da minha alma.

Page 17: Portefolio de Portugues

E é tão lento o teu soar,

Tão como triste da vida,

Que já a primeira pancada

Tem o som de repetida.

Por mais que me tanjas perto

Quando passo, sempre errante,

És para mim como um sonho,

Soas-me na alma distante.

A cada pancada tua,

Vibrante no céu aberto,

Sinto mais longe o passado,

Sinto a saudade mais perto.

Fernando Pessoa

12

O Menino de sua Mãe(pag. 44 do Manual)

No plaino abandonado

Que a morna brisa aquece,

De balas trespassado-

Duas, de lado a lado-,

Jaz morto, e arrefece.

Raia-lhe a farda o sangue.

Page 18: Portefolio de Portugues

De braços estendidos,

Alvo, louro, exangue,

Fita com olhar langue

E cego os céus perdidos.

Tão jovem! Que jovem era!

(agora que idade tem?)

Filho unico, a mãe lhe dera

Um nome e o mantivera:

«O menino de sua mãe.»

Caiu-lhe da algibeira

A cigarreira breve.

Dera-lhe a mãe. Está inteira

E boa a cigarreira.

Ele é que já não serve.

13

De outra algibeira, alada

Ponta a roçar o solo,

A brancura embainhada

De um lenço… deu-lho a criada

Velha que o trouxe ao colo.

Lá longe, em casa, há a prece:

“Que volte cedo, e bem!”

(Malhas que o Império tece!)

Jaz morto e apodrece

Page 19: Portefolio de Portugues

O menino da sua mãe

Fernando Pessoa

14

Carta a Adolfo Casais Monteiro- Génese dos heterónimos

(pag. 48 do Manual)

(...)Passo agora a responder à sua pergunta sobre a génese dos meus heterônimos. Vou ver se consigo responder-lhe completamente.

Começo pela parte psiquiátrica. A origem dos meus heterônimos é o fundo traço de histeria que existe em mim. Não sei se sou simplesmente histérico, se sou, mais propriamente, um histero-neurasténico. Tendo para esta segunda hipótese, porque há em mim fenómenos de abulia que a histeria, propriamente dita, não enquadra no registo dos seus sintomas. Seja como for, a origem mental dos meus heterônimos está na minha tendência orgânica e constante para a despersonalização e para a simulação. Estes fenómenos - felizmente para mim e para os

Page 20: Portefolio de Portugues

outros - mentalizaram-se em mim; quero dizer, não se manifestam na minha vida prática, exterior e de contato com outros; fazem explosão para dentro e vivo-os eu a sós comigo. Se eu fosse mulher - na mulher os fenómenos histéricos rompem em ataques e cousas parecidas - cada poema de Álvaro de Campos (o mais histericamente histérico de mim) seria um alarme para a vizinhança. Mas sou homem - e nos homens a histeria assume principalmente aspectos mentais; assim tudo acaba em silêncio e poesia…

Isto explica, tant bien que mal, a origem orgânica do meu heteronimismo. Vou agora fazer-lhe a história direta dos meus heterônimos. Começo por aqueles que morreram, e de alguns dos quais já me não lembro - os que jazem perdidos no passado remoto da minha infância quase esquecida(...)

Lembro, assim, o que me parece ter sido o meu primeiro heterónimo, ou, antes, o meu primeiro conhecido inexistente - um certo Chevalier de Pas dos meus seis anos, por quem escrevia cartas dele a mim mesmo, e cuja figura, não inteiramente vaga, ainda conquista aquela parte da minha afeição que confina com a saudade. Lembro-me, com menos nitidez, de uma outra figura, cujo nome já me não ocorre mas que o tinha estrangeiro também, que era, não sei em quê, um rival do Chevalier de Pas… Cousas que acontecem a todas as crianças? Sem dúvida - ou talvez. Mas a tal ponto as vivi que as vivo ainda, pois que as relembro de tal modo que é mister um esforço para me fazer saber que não foram realidades.

Esta tendência para criar em torno de mim um outro mundo, igual a este mas com outra gente, nunca me saiu da imaginação. Teve várias fases, entre as quais esta, sucedida já em maioridade. Ocorria-me um dito de espírito, absolutamente alheio, por um motivo ou outro, a quem eu sou, ou a quem suponho que sou. Dizia-o, imediatamente, espontaneamente, como sendo de certo amigo meu, cujo nome inventava, cuja história acrescentava, e cuja figura - cara, estatura, traje e gesto - imediatamente eu via diante de mim. E assim arranjei, e propaguei, vários amigos e conhecidos que nunca existiram, mas que ainda hoje, a perto de trinta anos de distância, oiço, sinto, vejo. Repito: oiço, sinto, vejo… E tenho saudades deles.

15

Aí por 1912, salvo erro (que nunca pode ser grande), veio-me à ideia escrever uns poemas de índole pagã. Esbocei umas cousas em verso irregular (não no estilo Álvaro de Campos, mas num estilo de meia regularidade), e abandonei o caso. Esboçara-se-me, contudo, numa penumbra mal urdida, um vago retrato da pessoa que estava a fazer aquilo. (Tinha nascido, sem que eu soubesse, o Ricardo Reis.

Ano e meio, ou dois anos depois, lembrei-me um dia de fazer uma partida ao Sá-Carneiro - de inventar um poeta bucólico, de espécie complicada, e apresentar-lho, já me não lembro como, em qualquer espécie de realidade. Levei uns dias a elaborar o poeta mas nada consegui. Num dia em que finalmente desistira - foi em 8 de Março de 1914 - acerquei-me de uma cómoda alta, e, tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim. Abri com um título, O Guardador de Rebanhos. E o que se seguiu foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei desde logo o nome de Alberto Caeiro. Desculpe-me o absurdo da frase: aparecera em mim o meu mestre. Foi essa a sensação imediata que tive. E tanto assim que, escritos que foram esses trinta e tantos poemas, imediatamente peguei noutro papel e escrevi,

Page 21: Portefolio de Portugues

a fio, também, os seis poemas que constituem a Chuva Oblíqua, de Fernando Pessoa. Imediatamente e totalmente… Foi o regresso de Fernando Pessoa-Alberto Caeiro a Fernando Pessoa ele só. Ou, melhor, foi a reação de Fernando Pessoa contra a sua inexistência como Alberto Caeiro.

Aparecido Alberto Caeiro, tratei logo de lhe descobrir - instintiva e subconscientemente - uns discípulos. Arranquei do seu falso paganismo o Ricardo Reis latente, descobri-lhe o nome, e ajustei-o a si mesmo, porque nessa altura já o via. E, de repente, e em derivação oposta à de Ricardo Reis, surgiu-me impetuosamente um novo indivíduo. Num jato, e à máquina de escrever, sem interrupção nem emenda, surgiu a Ode Triunfal de Álvaro de Campos - a Ode com esse nome e o homem com o nome que tem.

Criei, então, uma coterie inexistente. Fixei aquilo tudo em moldes de realidade. Graduei as influências, conheci as amizades, ouvi, dentro de mim, as discussões e as divergências de critérios, e em tudo isto me parece que fui eu, criador de tudo, o menos que ali houve. Parece que tudo se passou independentemente de mim. E parece que assim ainda se passa. Se algum dia eu puder publicar a discussão estética entre Ricardo Reis e Álvaro de Campos, verá como eles são diferentes, e como eu não sou nada na matéria.

Quando foi da publicação de Orpheu, foi preciso, à última hora, arranjar qualquer cousa para completar o número de páginas. Sugeri então ao Sá-Carneiro que eu fizesse um poema «antigo» do Álvaro de Campos - um poema de como o Álvaro de Campos seria antes de ter conhecido Caeiro e ter caído sob a sua influência. E assim fiz o Opiário, em que tentei dar todas as tendências latentes do Álvaro de Campos, conforme haviam de ser depois reveladas, mas sem haver ainda qualquer traço de contato com o seu mestre Caeiro. Foi dos poemas que tenho escrito, o que me deu mais que fazer, pelo duplo poder de despersonalização que tive que desenvolver. Mas, enfim, creio que não saiu mau, e que dá o Álvaro em botão...

16

Creio que lhe expliquei a origem dos meus heterônimos. Se há porém qualquer ponto em que precisa de um esclarecimento mais lúcido - estou escrevendo depressa, e quando escrevo depressa não sou muito lúcido -, diga, que de bom grado lho darei. E, é verdade, um complemento verdadeiro e histérico: ao escrever certos passos das Notas para recordação do meu Mestre Caeiro, do Álvaro de Campos, tenho chorado lágrimas verdadeiras. É para que saiba com quem está lidando, meu caro Casais Monteiro.

Mais uns apontamentos nesta matéria… Eu vejo diante de mim, no espaço incolor mas real do sonho, as caras, os gestos de Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos. Construí-lhes as idades e as vidas. Ricardo Reis nasceu em 1887 (não me lembro do dia e mês, mas tenho-os algures), no Porto, é médico e está presentemente no Brasil. Alberto Caeiro nasceu em 1889 e morreu em 1915; nasceu em Lisboa, mas viveu quase toda a sua vida no campo. Não teve profissão nem educação quase alguma. Álvaro de Campos nasceu em Tavira, no dia 15 de Outubro de 1890 (às 01:30 da tarde, diz-me o Ferreira Gomes; e é verdade, pois, feito o horóscopo para essa hora, está certo). Este, como sabe, é engenheiro naval (por Glasgow), mas agora está aqui em Lisboa em inatividade. Caeiro era de estatura média, e, embora realmente frágil (morreu tuberculoso), não parecia tão frágil como era. Ricardo Reis é um pouco, mas muito pouco, mais baixo, mais forte, mas seco. Álvaro de Campos é alto (1,75 in de altura, mais 2 cm do que eu), magro e um pouco tendente a curvar-se. Cara rapada todos - o

Page 22: Portefolio de Portugues

Caeiro louro sem cor, olhos azuis; Reis de um vago moreno mate; Campos entre branco e moreno, tipo vagamente de judeu português, cabelo, porém, liso e normalmente apartado ao lado, monóculo. Caeiro, como disse, não teve mais educação que quase nenhuma - só instrução primária; morreram-lhe cedo o pai e a mãe, e deixou-se ficar em casa, vivendo de uns pequenos rendimentos. Vivia com uma tia velha, tia-avó. Ricardo Reis, educado num colégio de jesuítas, é, como disse, médico; vive no Brasil desde 1919, pois se expatriou espontaneamente por ser monárquico. É, um latinista por educação alheia, e um semi-helenista por educação própria. Álvaro de Campos teve uma educação vulgar de liceu; depois foi mandado para a Escócia estudar engenharia, primeiro mecânica e depois naval. Numas férias fez a viagem ao Oriente de onde resultou o Opiário. Ensinou-lhe latim um tio beirão que era padre.

Como escrevo em nome desses três?… Caeiro, por pura e inesperada inspiração, sem saber ou sequer calcular o que iria escrever. Ricardo Reis, depois de uma deliberação abstrata, que subitamente se concretiza numa ode. Campos, quando sinto um súbito impulso para escrever e não sei o quê. (O meu semi-heterónimo Bernardo Soares, que aliás em muitas cousas se parece com Álvaro de Campos, aparece sempre que estou cansado ou sonolento, de sorte que tenha um pouco suspensas as qualidades de raciocínio e de inibição; aquela prosa é um constante devaneio.

É um semi-heterónimo porque, não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e a afectividade. A prosa, salvo o que o raciocínio dá de ténue à minha, é igual a esta, e o português perfeitamente igual; ao passo que Caeiro escrevia mal o português, Campos razoavelmente mas com lapsos como dizer «eu próprio» em vez de «eu mesmo», etc., Reis melhor do que eu, mas com um purismo que considero exagerado. O difícil para mim é escrever a prosa de Reis - ainda inédita - ou de Campos. A simulação é mais fácil, até porque é mais espontânea, em verso.)

17

(...)Creio assim, meu querido camarada, ter respondido, ainda com certas incoerências, às suas perguntas. Se há outras que deseja fazer, não hesite em fazê-las. Responderei conforme puder e o melhor que puder. O que poderá suceder, e isso me desculpará desde já, é não responder tão depressa.

Abraça-o o camarada que muito o estima e admira.

Fernando Pessoa

Page 23: Portefolio de Portugues

18

O Guardador de Rebanhos I(pag. 52 do Manual)

Eu nunca guardei rebanhos, Mas é como se os guardasse. Minha alma é como um pastor, 

Conhece o vento e o sol E anda pela mão das Estações 

A seguir e a olhar. Toda a paz da Natureza sem gente 

Vem sentar-se a meu lado. Mas eu fico triste como um pôr de sol 

Para a nossa imaginação, Quando esfria no fundo da planície 

E se sente a noite entrada Como uma borboleta pela janela. 

Page 24: Portefolio de Portugues

Mas a minha tristeza é sossego Porque é natural e justa 

E é o que deve estar na alma Quando já pensa que existe 

E as mãos colhem flores sem ela dar por isso. 

Como um ruído de chocalhos Para além da curva da estrada, 

Os meus pensamentos são contentes. Só tenho pena de saber que eles são contentes, 

Porque, se o não soubesse, Em vez de serem contentes e tristes, 

Seriam alegres e contentes. 

Pensar incomoda como andar à chuva Quando o vento cresce e parece que chove mais. 

Não tenho ambições nem desejos Ser poeta não é uma ambição minha É a minha maneira de estar sozinho. 

E se desejo às vezes Por imaginar, ser cordeirinho 

(Ou ser o rebanho todo Para andar espalhado por toda a encosta A ser muita cousa feliz ao mesmo tempo), 

É só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol, Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz 

E corre um silêncio pela erva fora. 

19

Quando me sento a escrever versos Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos, 

Escrevo versos num papel que está no meu pensamento, Sinto um cajado nas mãos E vejo um recorte de mim 

No cimo dum outeiro, Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas idéias, 

Ou olhando para as minhas idéias e vendo o meu rebanho, E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz 

E quer fingir que compreende. 

Saúdo todos os que me lerem, Tirando-lhes o chapéu largo 

Quando me vêem à minha porta Mal a diligência levanta no cimo do outeiro. 

Saúdo-os e desejo-lhes sol, E chuva, quando a chuva é precisa, 

E que as suas casas tenham Ao pé duma janela aberta 

Page 25: Portefolio de Portugues

Uma cadeira predileta Onde se sentem, lendo os meus versos. 

E ao lerem os meus versos pensem Que sou qualquer cousa natural — 

Por exemplo, a árvore antiga À sombra da qual quando crianças 

Se sentavam com um baque, cansados de brincar, E limpavam o suor da testa quente 

Com a manga do bibe riscado.

Alberto Cairo

20

O Guardador de Rebanhos II(pag. 55 do Manual)

O meu olhar é nítido como um girassol. Tenho o costume de andar pelas estradas Olhando para a direita e para a esquerda, E de, vez em quando olhando para trás... 

E o que vejo a cada momento É aquilo que nunca antes eu tinha visto, 

E eu sei dar por isso muito bem... Sei ter o pasmo essencial 

Que tem uma criança se, ao nascer, Reparasse que nascera deveras... Sinto-me nascido a cada momento Para a eterna novidade do Mundo... 

Page 26: Portefolio de Portugues

Creio no mundo como num malmequer, Porque o vejo. Mas não penso nele 

Porque pensar é não compreender... 

O Mundo não se fez para pensarmos nele (Pensar é estar doente dos olhos) 

Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo... 

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos... Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é, 

Mas porque a amo, e amo-a por isso, Porque quem ama nunca sabe o que ama 

Nem sabe por que ama, nem o que é amar... Amar é a eterna inocência, 

E a única inocência não pensar...

Alberto Caeiro

21

O Guardador de Rebanhos V(pag. 57 do Manual)

Há metafísica bastante em não pensar em nada. O que penso eu do mundo? 

Sei lá o que penso do mundo! Se eu adoecesse pensaria nisso. 

Que ideia tenho eu das cousas? Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos? 

Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma E sobre a criação do Mundo? 

Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos E não pensar. É correr as cortinas 

Page 27: Portefolio de Portugues

Da minha janela (mas ela não tem cortinas). 

Não acredito em Deus porque nunca o vi. Se ele quisesse que eu acreditasse nele, 

Sem dúvida que viria falar comigo E entraria pela minha porta dentro 

Dizendo-me, Aqui estou! 

Mas se Deus é as flores e as árvores E os montes e sol e o luar, 

Então acredito nele, Então acredito nele a toda a hora, 

E a minha vida é toda uma oração e uma missa, E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos. 

Alberto Caeiro

22

O Guardador de Rebanhos VII(pag. 59 do Manual)

Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo... Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer 

Porque eu sou do tamanho do que vejo E não, do tamanho da minha altura... 

Nas cidades a vida é mais pequena Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro. 

Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave, Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe de todo o céu, 

Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar, E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver.

Page 28: Portefolio de Portugues

Alberto Caeiro

23

O Guardador de Rebanhos XXIV(pag. 61 do Manual)

O que nós vemos das cousas são as cousas. Por que veríamos nós uma cousa se houvesse outra? 

Por que é que ver e ouvir seria iludirmo-nos Se ver e ouvir são ver e ouvir? 

O essencial é saber ver, Saber ver sem estar a pensar, 

Saber ver quando se vê, E nem pensar quando se vê Nem ver quando se pensa. 

Page 29: Portefolio de Portugues

Mas isso (tristes de nós que trazemos a alma vestida!), Isso exige um estudo profundo, 

Uma aprendizagem de desaprender E uma seqüestração na liberdade daquele convento 

De que os poetas dizem que as estrelas são as freiras eternas E as flores as penitentes convictas de um só dia, 

Mas onde afinal as estrelas não são senão estrelas Nem as flores senão flores. 

Sendo por isso que lhes chamamos estrelas e flores. 

Alberto Caeiro

24

O Guardador de Rebanhos XXXIV(pag. 63 do Manual)

E há poetas que são artistas E trabalham nos seus versos 

Como um carpinteiro nas tábuas! ...

Que triste não saber florir! Ter que pôr verso sobre verso, corno quem constrói um muro 

E ver se está bem, e tirar se não está! ... 

Quando a única casa artística é a Terra toda Que varia e está sempre bem e é sempre a mesma. 

Page 30: Portefolio de Portugues

Penso nisto, não como quem pensa, mas como quem respira, E olho para as flores e sorrio... 

Não sei se elas me compreendem Nem sei eu as compreendo a elas, 

Mas sei que a verdade está nelas e em mim E na nossa comum divindade 

De nos deixarmos ir e viver pela Terra E levar ao solo pelas Estações contentes 

E deixar que o vento cante para adormecermos E não termos sonhos no nosso sono. 

Alberto Caeiro

25

“Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio”.

(pag. 69 do Manual)

Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio. Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos 

Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas. (Enlacemos as mãos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa, 

Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado, Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos. Quer gozemos, quer nao gozemos, passamos como o rio. 

Page 31: Portefolio de Portugues

Mais vale saber passar silenciosamente E sem desassosegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz, Nem invejas que dão movimento demais aos olhos, 

Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria, E sempre iria ter ao mar.

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podiamos, Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias, 

Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as No colo, e que o seu perfume suavize o momento - 

Este momento em que sossegadamente nao cremos em nada, Pagãos inocentes da decadência.

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-as de mim depois Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova, 

Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos Nem fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o o'bolo ao barqueiro sombrio, Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti. 

Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio, Pagã triste e com flores no regaço.

Ricardo Reis

26

“Não tenhas nada nas mãos”(pag. 71 do Manual)

Não tenhas nada nas mãos

Nem uma memória na alma,

Que quando te puserem

Nas mãos o óbolo último,

Ao abrirem-te as mãos

Nada te cairá.

Que trono te querem dar

Que Átropos to não tire?

Page 32: Portefolio de Portugues

Que louros que não fanem

Nos arbítrios de Minos?

Que horas que te não tornem

Da estatura da sombra

Que serás quando fores

Na noite e ao fim da estrada.

Colhe as flores mas larga-as,

Das mãos mal as olhaste.

Senta-te ao sol. Abdica

E sê rei de ti próprio.

Ricardo Reis

27

“Mestre, são plácidas”.(pag. 73 do Manual)

Mestre, são plácidas

Todas as horas

Que nós perdemos,

Se no perdê-las,

Qual numa jarra,

Nós pomos flores.

Não há tristezas

Nem alegrias

Na nossa vida.

Assim saibamos,

Page 33: Portefolio de Portugues

Sábios incautos,

Não a viver,

Mas decorrê-la,

Tranquilos, plácidos,

Tendo as crianças

Por nossas mestras,

E os olhos cheios

De Natureza…

28

À beira-rio,

À beira-estrada,

Conforme calha,

Sempre no mesmo

Leve descanso

De estar vivendo.

O tempo passa,

Não nos diz nada.

Envelhecemos.

Saibamos, quase

Maliciosos,

Sentir-nos ir.

Page 34: Portefolio de Portugues

Não vale a pena

Fazer um gesto.

Não se resiste

Ao deus atroz

Que os próprios filhos

Devora sempre.

Colhamos flores.

Molhemos leves

As nossas mãos

Nos rios calmos,

Para aprendermos

Calma também.

29

Girassóis sempre

Fitando o Sol,

Da vida iremos

Tranquilos, tendo

Nem o remorso

De ter vivido.

Page 35: Portefolio de Portugues

30

“Prefiro rosas, meu amor, à patria”.(pag. 75 do Manual)

Prefiro rosas, meu amor, à pátria, E antes magnólias amo Que a glória e a virtude. 

Logo que a vida me não canse, deixo Que a vida por mim passe 

Logo que eu fique o mesmo. 

Que importa àquele a quem já nada importa Que um perca e outro vença, 

Se a aurora raia sempre, 

Se cada ano com a primavera As folhas aparecem 

E com o outono cessam? 

E o resto, as outras coisas que os humanos Acrescentam à vida, 

Que me aumentam na alma? 

Page 36: Portefolio de Portugues

Nada, salvo o desejo de indiferença E a confiança mole 

Na hora fugitiva. 

Ricardo Reis

31

“Uns, com os olhos postos no passado”.(pag. 76 do Manual)

Uns, com os olhos postos no passado, Vêem o que não vêem; outros, fitos Os mesmos olhos no futuro, vêem 

O que não pode ver-se.

Porque tão longe ir pôr o que está perto –O dia real de vemos? No mesmo Hausto

Em que vivemos, morremos. ColheO dia porque és ele.

Ricardo Reis

Page 37: Portefolio de Portugues

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“cada um cumpre o destino que lhe cumpre”

(pag. 77 do Manual)

Cada um cumpre o destino que lhe cumpre,E deseja o destino que deseja;

Nem cumpre o que deseja,Nem deseja o que cumpre.

Como as pedras na orla dos canteirosO Fado nos dispõe, e ali ficamos;

Que a Sorte nos fez postosOnde houvemos de sê-lo.

Não tenhamos melhor conhecimentoDo que nos coube que de que nos coube.

Cumpramos o que somos.Nada mais nos é dado.

Ricardo Reis

Page 38: Portefolio de Portugues

33

Corrente modernista

Chama-se genericamente modernismo (ou movimento modernista) o conjunto de movimentos culturais, escolas e estilos que permearam as artes e o design da primeira metade do século XX. Apesar de ser possível encontrar pontos de convergência entre os vários movimentos, eles em geral se diferenciam e até mesmo se antagonizam.

Encaixam-se nesta classificação a literatura, a arquitetura, design, pintura, escultura, teatro e música moderna.

O movimento moderno baseou-se na ideia de que as formas "tradicionais" das artes plásticas, literatura, design, organização social e da vida cotidiana tornaram-se ultrapassadas, e que se fazia fundamental deixá-las de lado e criar no lugar uma nova cultura. Esta constatação apoiou a ideia de reexaminar cada aspecto da existência, do comércio à filosofia, com o objetivo de achar o que seriam as "marcas antigas" e substituí-las por novas formas, e possivelmente melhores, de se chegar ao "progresso". Em essência, o movimento moderno argumentava que as novas realidades do século XX eram permanentes e eminentes, e que as pessoas deveriam se adaptar a suas visões de mundo a fim de aceitar que o que era novo era também bom e belo.

A palavra moderna também é utilizada em contraponto ao que é ultrapassado. Neste sentido, ela é sinónimo de contemporâneo, embora, do ponto de vista histórico-cultural, moderno e contemporâneo abranjam contextos bastante diversos.

O modernismo em Portugal desenvolveu-se aproximadamente no início do século XX até ao final do Estado Novo, na década de 1970.

Page 39: Portefolio de Portugues

O início do Modernismo Português ocorreu num momento em que o panorama mundial estava muito conturbado. Além da Revolução Russa de 1917, no ano de 1914 eclodiu a Primeira Guerra Mundial.

Em Portugal este período foi difícil, porque, com a guerra, estavam em jogo as colónias africanas que eram cobiçadas pelas grandes potências desde o final do século XIX. Para além disto, em 1911, foi eleito o primeiro presidente da República.

O marco inicial do Modernismo em Portugal foi a publicação da revista Orpheu, em 1915, influenciada pelas grandes correntes estéticas europeias, como o Futurismo, o Expressionismo, etc., reunindo Fernando Pessoa, Mário de Sá Carneiro e Almada Negreiros, entre outros.

A sociedade portuguesa vivia uma situação de crise aguda e de desagregação de valores. Os modernistas portugueses respondem a esse momento, deixando atrás o acanhado meio cultural português, entregando-se à vertigem das sensações da vida moderna, da velocidade, da técnica, das máquinas. Era preciso esquecer o passado, comprometer-se com a nova realidade e interpretá-la cada um a seu modo. Nas páginas da revista Orpheu, esta geração publicou uma poesia complexa, de difícil acesso, que causou um grande escândalo naquela época. Mas a revista Orpheu teve uma curta duração publicando-se apenas um número mais e não tornaram a haver novas edições da mesma.

São características de estilo deste movimento: o rompimento com o passado, o carácter anárquico, o sentido demolidor e irreverente, o nacionalismo com múltiplas facetas - o nacionalismo crítico, que retoma o nacionalismo em uma postura crítica, irónica e questiona a situação social e cultural do país, e o nacionalismo ufanista (conservador), ligado principalmente às posturas da extrema-direita.

Aquele período apresentava-se dividido em três partes:

Orfismo - escritores responsáveis pela revista Orpheu, e por trazer Portugal de volta às discussões culturais na Europa;

Presencismo - integrada por aqueles que ficaram de fora do orfeísmo, que fundaram a revista Presença e que buscavam, sem romper com as idéias da geração anterior, aprofundar em Portugal a discussão sobre teoria da literatura e sobre novas formas de expressão que continuavam surgindo pelo mundo;

Neo-Realismo - movimento que combateu o fascismo, e que defendeu uma literatura como crítica/denúncia social, combativa, reformadora, a serviço da sociedade – extremamente próxima do realismo no Brasil, daí advindo a nomenclatura “neo-realismo”, um novo realismo para “alertar” as pessoas e tirá-las da passividade.

Page 40: Portefolio de Portugues

Biografia de Fernando Pessoa

Fernando António Nogueira Pessoa (Lisboa, 13 de Junho de 1888 — Lisboa, 30 de

novembro de 1935), mais conhecido como Fernando Pessoa, foi um poeta, filósofo e

escritor português.

É considerado um dos maiores poetas da Língua Portuguesa, e da Literatura Universal,

muitas vezes comparado com Luís de Camões. O crítico literário Harold Bloom considerou a

sua obra um "legado da língua portuguesa ao mundo".

Por ter sido educado na África do Sul, para onde foi aos seis anos em virtude do

casamento de sua mãe, Pessoa aprendeu perfeitamente o inglês, língua em que escreveu

poesia e prosa desde a adolescência. Das quatro obras que publicou em vida, três são

na língua inglesa. Fernando Pessoa traduziu várias obras inglesas para português e obras

portuguesas (nomeadamente deAntónio Botto e Almada Negreiros) para inglês.

Ao longo da vida trabalhou em várias firmas comerciais de Lisboa como

correspondente de língua inglesa e francesa. Foi também empresário, editor, crítico literário,

jornalista, comentador político, tradutor, inventor, astrólogo e publicitário, ao mesmo tempo em

que produzia a sua obra literária em verso e em prosa. Como poeta, desdobrou-se em

múltiplas personalidades conhecidas comoheterónimos, objeto da maior parte dos estudos

sobre sua vida e sua obra. Centro irradiador da heteronímia, auto-denominou-se um "drama em gente".

Às três horas e vinte minutos da tarde de 13 de Junho de 1888 nasce em Lisboa

Fernando Pessoa. O parto ocorreu no quarto andar direito do n.º 4 do Largo de São Carlos, em

frente à ópera de Lisboa (Teatro de São Carlos). De famílias da pequena aristocracia, pelos

lados paterno e materno, o pai, Joaquim de Seabra Pessoa (38), natural de Lisboa, era

funcionário público do Ministério da Justiça e crítico musical do «Diário de Notícias». A mãe, D.

Page 41: Portefolio de Portugues

Maria Magdalena Pinheiro Nogueira Pessoa (26), era natural dos Açores (mais propriamente,

da Ilha Terceira). Viviam com eles a avó Dionísia, doente mental, e duas criadas velhas, Joana

e Emília.

O poeta, pelo lado paterno, tem as suas raízes familiares no concelho de Arouca, nas

freguesias do denominado «Fundo do Concelho» de Arouca, na freguesia de Fermedo.

Fernando António foi baptizado em 21 de Julho na Basílica dos Mártires, ao Chiado,

tendo por padrinhos a Tia Anica (D. Ana Luísa Pinheiro Nogueira, tia materna) e o General

Chaby. A escolha do nome homenageia Santo António: a família reclamava uma ligação

genealógica com Fernando de Bulhões, nome de baptismo de Santo António, tradicionalmente

festejado em Lisboa a 13 de Junho, dia em que Fernando Pessoa nasceu.

As suas infância e adolescência foram marcadas por factos que o influenciariam

posteriormente. Às cinco horas da manhã de 24 de Julho de 1893, o pai morreu, com 43 anos,

vítima de tuberculose. A morte foi anunciada no Diário de Notícias do dia. Fernando tinha

apenas cinco anos. O irmão Jorge viria a falecer no ano seguinte, sem completar um ano. A

mãe vê-se obrigada a leiloar parte da mobília e muda-se para uma casa mais modesta, o

terceiro andar do n.º 104 da Rua de São Marçal. Foi também neste período que surgiu o

primeiro heterónimo de Fernando Pessoa, Chevalier de Pas, facto relatado pelo próprio a

Adolfo Casais Monteiro, numa carta de 1935, em que fala extensamente sobre a origem dos

heterónimos. Ainda no mesmo ano, escreve o primeiro poema, um verso curto com a infantil

epígrafe de À Minha Querida Mamã. A mãe casa-se pela segunda vez em 1895 por

procuração, na Igreja de São Mamede, em Lisboa, com o comandante João Miguel Rosa,

cônsul de Portugal em Durban (África do Sul), que havia conhecido um ano antes. Em África,

onde passa a maior parte da juventude e recebe educação inglesa, Pessoa viria a demonstrar

desde cedo talento para a literatura.

Juventude em Durban

O padrasto e a mãe.

Page 42: Portefolio de Portugues

Em razão do casamento, viaja com a mãe para Durban, acompanhados por um tio-avô,

Manuel Gualdino da Cunha, que voltaria para Lisboa no mês seguinte. Viajam no navio Funchal

até à Madeira e depois no paquete Inglês Hawarden Castle até ao Cabo da Boa Esperança.

Faz a instrução primária na escola de freiras irlandesas da West Street, onde fez a primeira

comunhão, e percorre em dois anos o equivalente a quatro.

Em 1899 ingressa no Liceu de Durban, onde permanecerá durante três anos e será um

dos primeiros alunos da turma. No mesmo ano, cria o pseudónimo Alexander Search, através

do qual envia cartas a si mesmo. No ano de 1901, é aprovado com distinção no primeiro

exameCape School High Examination e escreve os primeiros poemas em inglês. Na mesma

altura, morre sua irmã Madalena Henriqueta, de dois anos. Em 1901 parte com a família para

Portugal, para um ano de férias. No navio em que viajam, o paquete König, vem o corpo da

irmã. Em Lisboa, mora com a família em Pedrouços e depois na Avenida de D. Carlos I, n.º

109, 3.º Esquerdo. Na capital portuguesa, nasce João Maria, quarto filho do segundo

casamento da mãe de Pessoa. Viaja com a família à Ilha Terceira, nos Açores, onde vive a

família materna. Deslocam-se também a Tavira para visitar os parentes paternos. Nessa

época, escreve o poema Quando ela passa.

Tendo de dividir a atenção da mãe com os filhos do casamento e com o padrasto,

Pessoa isola-se, o que lhe propicia momentos de reflexão.

Tendo recebido uma educação britânica, que lhe proporcionou um profundo contacto

com a língua inglesa, os seus primeiros textos e estudos foram em inglês. Mantém contacto

com a literatura inglesa através de autores como Shakespeare, Edgar Allan Poe, John

Milton, Lord Byron, John Keats, Percy Shelley, Alfred Tennyson, entre outros. O Inglês teve

grande destaque na sua vida, trabalhando com o idioma quando, mais tarde, se torna

correspondente comercial em Lisboa, além de “o utilizar” em alguns dos seus textos e traduzir

trabalhos de poetas ingleses, como O Corvo e Annabel Lee de Edgar Allan Poe. Com

excepção de Mensagem, os únicos livros publicados em vida são os das colectâneas dos seus

poemas ingleses: Antinous e 35 Sonnets e English Poems I - II e III, editados em Lisboa, em

1918 e 1921.

Fernando Pessoa aos seis anos.

Page 43: Portefolio de Portugues

Fernando Pessoa permanece em Lisboa, enquanto todos — mãe, padrasto, irmãos e

criada Paciência, que viera com ele — regressam a Durban. Volta sozinho para a África no

vapor Herzog. Matricula-se na Durban Commercial School, escola comercial de ensino

nocturno, enquanto de dia estuda as disciplinas humanísticas para entrar na universidade.

Nesse período, tenta escrever contos em inglês, alguns dos quais com o pseudónimo de David

Merrick, que deixa inacabados. Em 1903, candidata-se à Universidade do Cabo da Boa

Esperança. Na prova de exame de admissão, não obtém boa classificação, mas tira a melhor

nota entre os 899 candidatos no ensaio de estilo inglês. Recebe por isso o Queen Victoria

Memorial Prize («Prémio Rainha Vitória»). Um ano depois, ingressa novamente na Durban

High School, onde frequenta o equivalente a um primeiro ano universitário. Aprofunda a sua

cultura, lendo clássicos ingleses e latinos. Escreve poesia eprosa em inglês, surgindo os

heterónimos Charles Robert Anon e H. M. F. Lecher. Nasce a sua irmã Maria Clara. Publica no

jornal do liceu um ensaio crítico intitulado Macaulay. Por fim, encerra os seus bem sucedidos

estudos na África do Sul com o «Intermediate Examination in Arts», na Universidade, obtendo

uma boa classificação.

Volta definitiva a Portugal e início de carreira

Deixando a família em Durban, regressa definitivamente à capital portuguesa, sozinho,

em [1905. Passa a viver com a avó Dionísia e as duas tias na Rua da Bela Vista, n.º 17. A mãe

e o padrasto regressam também a Lisboa, durante um período de férias de um ano em que

Pessoa volta a morar com eles. Continua a produção de poemas em inglês e, em 1906,

matricula-se no Curso Superior de Letras (actualFaculdade de Letras da Universidade de

Lisboa), que abandona sem sequer completar o primeiro ano. É nesta época que entra em

contato com importantes escritores portugueses. Interessa-se pela obra deCesário Verde e

pelos sermões do Padre António Vieira.

Em Agosto de 1907, morre a sua avó Dionísia, deixando-lhe uma pequena herança,

com a qual monta uma pequena tipografia, na Rua da Conceição da Glória, 38-4.º, sob o nome

de «Empreza Ibis — Typographica e Editora — Officinas a Vapor», que rapidamente vai à

falência. A partir de 1908, dedica-se à tradução de correspondência comercial, uma ocupação

a que poderíamos dar o nome de "correspondente estrangeiro". Nessa actividade trabalha a

vida toda, tendo uma modesta vida pública.

Inicia a sua atividade de ensaísta e crítico literário com o artigo «A Nova Poesia

Portuguesa Sociologicamente Considerada», a que se seguiriam «Reincidindo…» e «A Nova

Poesia Portuguesa no Seu Aspecto Psicológico» publicados em 1912 pela revista A Águia,

órgão daRenascença Portuguesa. Frequenta a tertúlia literária que se formou em torno do seu

tio adoptivo, o poeta, general aposentado Henrique Rosa, no Café A Brasileira, no Largo do

Chiado em Lisboa. Mais tarde, já nos anos vinte, o seu café preferido seria o Martinho da

Arcada, na Praça do Comércio, onde escrevia e se encontrava com amigos e escritores.

Em 1915 participou na revista literária Orpheu, a qual lançou o movimento modernista

em Portugal, causando algum escândalo e muita controvérsia. Esta revista publicou apenas

dois números, nos quais Pessoa publicou em seu nome, bem como com o heterónimo Álvaro

Page 44: Portefolio de Portugues

de Campos. No segundo número da Orpheu, Pessoa assume a direcção da revista, juntamente

com Mário de Sá-Carneiro.

Em Outubro de 1924, juntamente com o artista plástico Ruy Vaz, Fernando Pessoa lançou

a revista Athena, na qual fixou o «drama em gente» dos seus heterónimos, publicando poesias

de Ricardo Reis, Álvaro de Campos e Alberto Caeiro, bem como do ortónimo Fernando

Pessoa.

Morte

Pessoa foi internado no dia 29 de Novembro de 1935, no Hospital de São Luís dos Franceses,

em Lisboa, com diagnóstico de "cólica hepática" causada por cálculo biliar associado

a hepática diagnóstica que é hoje contestado por estudos médicos, embora o excessivo

consumo de álcool ao longo da sua vida seja consensualmente considerado como um

importante factor causal. Segundo um desses estudos, Pessoa não revelava alguns dos

sintomas mais típicos de cirrose hepática, tendo provavelmente sido vítima de

uma pancreatite aguda.[4] Morreu no dia 30 de Novembro, com 47 anos de idade. Sua última

frase foi escrita na cama do hospital, em inglês, com a data de 29 de Novembro de 1935: "I

know not what tomorrow will bring" ("Não sei o que o amanhã trará").

Resumos Fernando PessoaVertente Modernista – abrange vários “-ismos” de vanguarda, em poemas de grande

liberdade formal e desarticulação sintáctica; vocabulário raro.

Vertente Tradicional – poemas breves, rimados, de verso curto (2 a 7 sílabas; predomínio da métrica tradicional) e estrutura formal fixa (quadras ou quintilhas), com linguagem e sintaxe simples.

Sinceridade/ Fingimento Poético

Para Pessoa ortónimo, a poesia é um acto de fingimento. O poeta parte da realidade, mas distancia-se dela graças à dialéctica entre a razão (pensar) e sensibilidade (sentir), para elaborar intelectualmente a obra de arte. Assim, o poema apenas pode comunicar um sentimento fingido, pois a dor real (sentida) continua no sujeito que, por meio da escrita, tenta uma representação mental.

Deste modo, “Fingir é conhecer-se”

E a emoção do leitor? “Sinta quem lê.” O leitor não é capaz de sentir as emoções do poeta (nem a vivida nem a imaginada); a emoção que o poeta exprime artisticamente é um estímulo que provoca no leitor novos estados de alma.

O mundo real é apenas um reflexo de um mundo ideal. Só o poeta pode contemplar essa coisa encoberta pelo “terraço” da vida, porque é capaz de libertar-se de um mundo que o prende e escrever usando só a imaginação em busca daquilo que é (saber existir) e seguro do

Page 45: Portefolio de Portugues

que não é. A tarefa do poeta é essa viagem imaginária (logo, no pensamento), esse pressentir da essência das coisas. Só a arte permite aprender a sentir melhor, sabendo o que se sente e sentindo de forma mais intensa. O poeta é, afinal, um simulador que pretende, através da criação poética.

Ruptura e Continuidade

O Pessoa ortónimo escreveu poemas da lírica simples e tradicional, muitas vezes marcada pelo desencanto e melancolia; fez um aproveitamento cuidado de impressionismo e do simbolismo, abrindo caminho ao modernismo, onde põe em destaque o vago, a subtileza e a complexidade.

A Dor de Pensar

Fernando Pessoa sente-se condenado a ser lúcido, a ter de pensar. Gostava, muitas vezes, de ter a inconsciência das coisas ou de seres comuns que agem como uma pobre ceifeira. (“O que em mim sente ‘stá pensando.”).

O ortónimo é obcecado pelo pensamento. Contudo, o pensamento está na origem de ser incapaz de sentir intuitivamente, como quem descobre o mundo sem preconceitos. Impedido de ser feliz, devido à lucidez, procura a realização do paradoxo de ter uma consciência inconsciente. Mas ao pensar sobre o pensamento, percebe o vazio que não permite conciliar a consciência e a inconsciência.

Nostalgia da Infância

Em Fernando Pessoa ortónimo, a infância é entendida como um tempo mítico do bem, da felicidade e da inconsciência. Nela permanecem sempre vivos a família e os lugares, a segurança e o aconchego, entretanto perdidos pelo sujeito poético. A inconsciência de que todo esse bem é irrecuperável, fá-lo sentir-se obsessivamente nostálgico da infância, um tempo perdido que serve sobretudo para acentuar a negatividade do presente. O profundo desencanto e a angústia acompanham o sentido da brevidade da vida e da passagem dos dias. Ao mesmo tempo que gostava de ter a infância das crianças que brincam, sente a saudade de uma ternura que lhe passou ao lado.

Frequentemente, para Pessoa, o passado é um sonho inútil, pois nada se concretizou, antes se traduziu numa desilusão.

Fragmentação do “eu”

O sujeito poético assume-se como uma espécie de palco por onde desfilam diversas personagens, distintas e contraditórias. Incapaz de se manter dentro dos limites de si próprio, o sujeito poético procura observar o seu “eu”, ou seja, conhecer-se a si próprio, o que leva à fragmentação e à consciência de que é capaz de viver apenas o presente.

Questiona a sinceridade das emoções escritas nos seus textos, porque não sente hoje da mesma forma que sentiu no passado, pois as emoções, ao serem escritas e lidas, são intelectualizadas (“não sei quantas almas tenho”).

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Fernando Pessoa

Ortónimo(“ele próprio”)

Heterónimos:- Alberto Caeiro;- Ricardo Reis; - Álvaro de Campos

Mensagem (1934)Poesia do cancioneiro

Page 47: Portefolio de Portugues

Heteronimos de Fernando Pessoa

Os heterónimos são concebidos como individualidades distintas da do autor,

este criou-lhes uma biografia e até um horóscopo próprios. Encontram-se

ligados a alguns dos problemas centrais da sua obra: a unidade ou a

pluralidade do eu, a sinceridade, a noção de realidade e a estranheza da

existência. Traduzem a consciência da fragmentação do eu, reduzindo o eu

“real” de Pessoa a um papel que não é maior que o de qualquer um dos seus

heterónimos na existência literária do poeta. São a mentalização de certas

emoções e perspectivas, a sua representação irónica. De entre os vários

heterónimos de Pessoa destacam-se: Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de

Campos.

Segundo a carta de Fernando Pessoa sobre a génese dos seus heterónimos,

Caeiro (1885-1915) é o Mestre, inclusive do próprio Pessoa ortónimo. Nasceu

em Lisboa e aí morreu, tuberculoso , embora a maior parte da sua vida tenha

decorrido numa quinta no Ribatejo, onde foram escritos quase todos os seus

poemas, sendo os do último período da sua vida escritos em Lisboa, quando se

encontrava já gravemente doente (daí, segundo Pessoa, a “novidade um pouco

estranha ao carácter geral da obra”).

Não desempenhava qualquer profissão e era pouco instruído (teria apenas a

instrução primária) e, por isso, “escrevendo mal o português”. Era órfão desde

muito cedo e  vivia de pequenos rendimentos, com uma tia-avó.

Caeiro era, segundo ele próprio, «o único poeta da natureza», procurando viver

a exterioridade das sensações e recusando a metafísica, isto é, recusando

saber como eram as coisas na realidade, conhecendo-as apenas pelas

sensações, pelo que pareciam ser. Era assim caracterizado pelo seu panteísmo,

ou seja, adoração pela natureza e sensacionismo. Era mestre de Ricardo Reis e

Álvaro de Campos, tendo-lhes ensinado esta “filosofia do não filosofar, a

aprendizagem do desaprender”.

São da sua autoria as obras  O Guardador de Rebanhos, O Pastor Amoroso e

os Poemas Inconjuntos.

Ricardo Reis nasceu no Porto, em 1887. Foi educado num colégio de jesuítas,

tendo recebido, por isso, uma educação clássica (latina). Estudou (por vontade

própria) o helenismo, isto é, o conjunto das ideias e costumes da Grécia antiga

(sendo Horácio o seu modelo literário). A referida formação clássica reflecte-se,

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quer a nível formal, quer a nível dos temas por si tratados e da própria

linguagem utilizada, com um purismo que Pessoa considerava exagerado.

Apesar de ser formado em medicina, não exercia. Dotado de convicções

monárquicas, emigrou para o Brasil após a implantação da República.

Caracterizava-se por ser um pagão intelectual lúcido e consciente (concebia os

deuses como um ideal humano), reflectia uma moral estoico-epicurista, ou

seja,  limitava-se a viver o momento presente, evitando o sofrimento (“Carpe

Diem”) e  aceitando o carácter efémero da vida.

Álvaro de Campos, nasceu em Tavira em 1890. Era um homem viajado. Depois

de uma educação vulgar de liceu formou-se em engenharia mecânica e naval

na Escócia e, numas férias, fez uma viagem ao Oriente (de que resultou o

poema “Opiário”). Viveu depois em Lisboa, sem exercer a sua profissão.

Dedicou-se à literatura, intervindo em polémicas literárias e políticas. É da sua

autoria o “Ultimatum”, manifesto contra os literatos instalados da época.

Apesar dos pontos de contacto entre ambos, travou com Pessoa ortónimo uma

polémica aberta. Protótipo da defesa do modernismo, era um cultivador da

energia bruta e da velocidade, da vertigem agressiva do progresso, de que

a Ode Triunfal é um dos melhores exemplos, evoluindo depois no sentido de

um tédio, de um desencanto e de um cansaço da vida, progressivos e auto-

irónicos.

Representa a parte mais audaciosa a que Pessoa se permitiu, através das

experiências mais “barulhentas” do futurismo português, inclusive com

algumas investidas no campo da ação político-social.

A trajetória poética de Álvaro de Campos está compreendida em três fases: a

primeira, da morbidez e do torpor, é a fase do "Opiário" (oferecido a Mário de

Sá-Carneiro e escrito enquanto navegava pelo Canal do Suez, em março de

1914), a segunda fase, mais mecanicista, é onde o Futurismo italiano mais

transparece, é nesta fase que a sensação é mais intelectualizada. A terceira

fase, do sono e do cansaço, aquela que, apesar de parecer um pouco

surrealista, é a que se apresenta mais moderna e equilibrada . É nessa fase em

que se enquadram: "Lisbon Revisited" (l923), "Apontamento", "Poema em Linha

Reta" e "Aniversário", que trazem, respectivamente, como características, o

inconformismo, a consciência da fragilidade humana, o desprezo ao suposto

mito do heroísmo e o enternecimento memorialista.

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Destaca-se ainda o semi-heterónimo Bernardo Soares (semi "porque - como

afirma o seu próprio criador - não sendo a personalidade a minha, é, não

diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o

raciocínio e afectividade."), ajudante de guarda-livros que sempre viveu

sozinho em Lisboa. Desde 1914 que Pessoa ia escrevendo fragmentos de cariz

confessional, diarístico e memorialista aos quais, já a partir dessa data, deu o

título de Livro do Desassossego - obra que o ocupou até ao fim. É neste livro

que revela uma lucidez extrema na análise e na capacidade de exploração da

alma humana.

Alberto caeiro Natureza (Bucolismo); Dambulismo (anda pelo espaço da Natureza); Poeta da simplicidade; Escrita simples; privilegia o uso da comparação, a metáfora e do polissíndeto

(repetição do “e”); Poeta anti-metafísico (recusa o pensamento); Interpreta o mundo a partir dos sentidos; Interessa-lhe a realidade imediata e o real objectivo que as sensações lhe oferecem; Uso do verso branco (sem rima), do versilibrismo (estrutura métrica irregular) e da

estrutura estrófica livre.

Alberto Caeiro apresenta-se como um simples “Guardador de Rebanhos”, que só se importa em ver de forma objectiva e natural a realidade com a qual contacta a todo o momento.

Poeta do olhar, procura ver as coisas como elas são, sem lhes atribuir significados ou sentimentos humanos. Considera que “pensar é estar doente dos olhos”, pois as coisas sãol como são. Recusa po pensamento metafísico, afirmando que “pensar é não compreender”.

Caeiro constrói uma poesia das sensações, apreciando-as como boas por serem naturais. Para este heterónimo, o penasamento apenas falsifica o que os sentidos captam. É um sensacionista, que vive aderindo espontaneamente às coisas, tais como são, e procura gozá-las com despreocupada e alegre sensualidade.

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Ricardo Reis Contemplativo (observa); Racional (conclui resignando-se); Clássico:

equilibrio linguagem forma

Horaciano “aurea mediocritas” “carpe diem” ode

Pagão Crença nos deuses/Fado (destino) crença na presença divina das coisas

Estoico-epicurista Estoicismo

o supremacia nos Deuses e no Fadoo aceitação voluntária das leis do universo (ilusão de liberdade)o ideal de apatia (indeferença)

Epicurismoo procura a felicidade moderada (= ausência de sofrimento)o ideal de ataraxia (indiferença) o “carpe diem”

Ricardo Reis é o poeta da serenidade epicurista, que aceita, com calma lucidez, a relatividade e a fugacidade de todas as coisas.

A filosofia de vida de Ricardo Reis é a de um epicurismo triste, pois defende o prazer do momento, o carpe diem, como caminho da felicidade, mas sem ceder aos impulsos dos instintos.

Apesar deste prazer que procura e da felicidade que deseja alcançar, considera que nunca se consegue a verdadeira calma e tranquilidade, ou seja, a ataraxia. Sente que tem de viver em conformidade com as leis do destino, indiferente à dor e ao desprazer, numa verdadeira ilusão da felicidade.

Ricardo Reis recorre à ode e a uma ordenação estética marcadamente clássica.Em Ricardo Reis há a apatia face ao mistério da vida mas também se encontra o

mundo das angústias que afecta Pessoa.

Epicurismo e estoicismo

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O epicurismo e o estoicismo têm como característica comum garantir ao homem o

bem supremo, a serenidade, a paz, a apatia.

Relativamente ao epicurismo, filosofia moral de Epicuro (341-270 a.C.), defendia o prazer

como caminho da felicidade. Para que a satisfação dos desejos seja estável é necessário

um estado de ataraxia, isto é, de tranquilidade e sem qualquer perturbação. O poeta

romano Horácio seguiu de perto este pensamento de defesa do prazer do momento, ao

considerar o "Carpe Diem" ( "aproveita o dia", "colhe o momento") como necessário à

felicidade. No epicurismo não se trata do prazer imediato, como é desejado pelo homem

vulgar; trata-se do prazer imediato, reflectido, avaliado pela razão, escolhido

prudentemente. É preciso dominar os prazeres, e não se deixar por eles dominar. O prazer

espiritual diferenciar-se-ia do prazer sensível, porquanto o primeiro se estenderia também

ao passado e ao futuro e transcende o segundo, que é unicamente presente. O seu

objectivo acima de tudo era libertar as pessoas do medo da morte, pois não podemos fugir

do nosso destino, devendo tirar o melhor partido da única vida que temos, devendo, para

tal, desfrutar dos nossos prazeres com moderação.

Referente ao estoicismo, considera ser possível encontrar a felicidade desde que

se viva em conformidade com as leis do destino que regem o mundo, permanecendo

indiferente aos males e paixões, que são perturbações da razão. O ideal ético é a apatia,

que se define como a ausência de paixão permitindo a liberdade, mesmo sendo escravo.

Dado que a natureza é governada por princípios racionais, há razões para que tudo seja

como é. Não podemos desejar mudar isso, pois a nossa atitude perante a nossa

mortalidade, ou o que nos parece ser uma tragédia pessoal deveria ser de serena

aceitação. A vida ideal que aspira à liberdade e à paz como bens supremos, consistiria na

renúncia a todos os desejos possíveis, aos prazeres positivos, físicos e espirituais; e, por

conseguinte, em vigiar-se, no precaver-se contra as surpresas irracionais do sentimento,

da emoção, da paixão. Não ser perturbado no espírito, renunciando a todos os desejos

possíveis, visto ser o desejo inimigo do sossego: eis as condições fundamentais da

felicidade, que é precisamente liberdade e paz.

Assim sendo, para enfrentar o medo da morte, é preciso viver cada instante que passa,

sem pensar no futuro, numa perspectiva epicurista do "Carpe Diem". No entanto, essa

vivência do prazer de cada momento tem que ser feita de forma disciplinada, digna,

encarando com grandeza e resignação esse Destino de precariedade, numa perspectiva

que tem raízes no estoicismo.

O único bem é o prazer, como o único mal é a dor; nenhum prazer deve ser recusado, a

não ser por causa de consequências dolorosas, e nenhum sofrimento deve ser aceite, a

não ser em vista de um prazer, ou de nenhum sofrimento menor.

A serenidade do sábio não é perturbada pelo medo da morte, pois todo mal e todo bem se

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acham na sensação, e a morte é a ausência de sensibilidade, portanto, de sofrimento.

Nunca nos encontraremos com a morte, porque quando nós somos, ela não é, quando ela

é nós não somos mais.

Em relação a Ricardo Reis e estas temáticas, procura o prazer nos limites do ser

humano face ao destino e à brevidade da vida. Faz a apologia da indiferença solene diante

do poder dos deuses e do destino inelutável. Considera que a verdadeira sabedoria de

vida é viver de forma equilibrada e serena, "sem desassossegos grandes", "Desenlacemos

as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos./ Quer gozemos, quer não gozemos,

passamos como o rio./ Mais vale saber passar silenciosamente/ E

sem desassossegosgrandes.".

Autopsicografia

(analise)

Devemos abordar este poema, numa primeira análise, sobretudo pelo seu título: psicografia é um termo que pertence ao vocabulário "espírita". E sabemos bem do interesse de Fernando Pessoa pelo esoterismo, tendo ele chegado mesmo a relatar imensos episódios de escrita automática e mediunidade (basta ver o volume da Assirio & Alvim dedicado a este tema). Ora, psicografia é a capacidade dos mediuns escreverem mensagens ditadas pelos espíritos, nada mais, nada menos. É a "escrita automática".

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Autopsicografia torna-se assim um título algo redundante, mas pode ser traduzido como "escrita automática da própria alma". De certa maneira é Pessoa aqui o espírito que transmite a mensagem ao Fernando Pessoa que escreve.

Porquê este título? Porque nos parece que Pessoa quer descobrir para si mesmo o mistério da sua poesia e sobretudo da arte de ser poeta. Quem é o poeta, e porque será que o poeta escreve? A resposta, enrolada num mistério, apenas poderá ser desvendada através de um método igualmente misterioso.

Analisemos então o poema estrofe a estrofe:

O poeta é um fingidor Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente

É certo que este poema desvenda de certo modo a "teoria poética" Pessoana, mas não nos iludamos com a presença de certezas. Pessoa define o poeta como um "fingidor", mas fala apenas de si mesmo. Novamente reforçamos a importância da análise do título: é Pessoa a falar de si a si mesmo. Um poeta pode não ser um fingidor, mas ele, enquanto poeta, é revelado enquanto um fingidor. Porquê? Pessoa não vai responder: afinal este poema é automático, não responde, apenas "descreve caoticamente". É nessa descrição caótica que cabe ao leitor desvendar o mistério.

Uma ponta dessa revelação é que o fingimento serve para mascarar a dor. A dor que Pessoa sente é real. Mas através da poesia, a dor é sublimada ao ponto de se ebulir. A dor que ele sente, finge-a, ao ponto de a dor real parecer fingida. Mas ela é real? No início, sim, mas depois do filtro da poesia, já nada é real, mas sim emocionado ou raciocionado.

E os que lêem o que escreve, Na dor lida sentem bem, Não as duas que ele teve, Mas só a que eles não têm

Se o poeta já não consegue distinguir o que sente, resta essa missão a quem o lê, a quem lê o caos que ele produz.

Mas engane-se quem pensa poder identificar-se com a dor que o poeta sente. Pessoa diz, e muito bem, que quem lê sente apenas a ausência da dor em si mesmo e não a dor presente no poeta. O poeta tem as "duas dores", a real e a fingida, mas quem lê não tem nenhuma das duas - apenas a ausência de dor em si mesmos.

A sublimação da dor em poesia não pode ser sentida por quem lê. Isto é compreensível, visto que é quem escreve que sente intimamente a dor que o leva a escrever. É essa ausência a única coisa a ser verdadeiramente sentida por que lê. Quanto muito quem lê tenta ver a origem da dor de quem escreve - mas à distância.

E assim nas calhas de roda Gira, a entreter a razão, Esse comboio de corda Que se chama coração

Esta perda de sentido da dor - que ilude quem a sente, sobretudo se é um poeta, leva a Pessoa chamar pelo seu coração. O coração aqui é claramente equiparado tanto à dor como à emoção: é o coração que sente, é o coração que

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"entretém a razão". Será um desabafo solene de Pessoa, visto que a sua dor é emocional e não acha uma resolução racional definitiva para a mesma? É possível, mas apetece-nos no final desta análise dizer: decida quem lê.

- Ao nível sintáctico, verificadas as características de autêntico texto teórico que o poema reveste, o tipo de frase teria de ser o declarativo. Predomina a hipotaxe, com relevo para a subordinação, embora já atrás tenhamos reconhecido a importância da coordenativa “e”.

- A nível fónico, este é um poema semelhante a muitos outros de Pessoa ortónimo, de versos curtos (sete sílabas), se bem que haja, por vezes recurso ao transporte. Os versos agrupam-se em quadras e apresentam algumas irregularidades rimáticas e métricas, que não são de estranhar em F. Pessoa.

- No aspecto semântico, verifica-se a utilização de uma linguagem seleccionada e simples, o que não quer dizer que a sua compreensão seja fácil. Tal fica a dever-se a vários factores:

. Aproveitamento de todas as capacidades expressivas das palavras e a repetição intencional de algumas (dor, cognatas de fingir e ter, com o significado de sentir, verbo que também é usado duas vezes).

. Utilização de símbolos: “comboio de corda” (brinquedo que vem sugerir o aspecto lúdico da poesia > o comboio (coração) fornece à razão o ponto de partida para a criação (fingimento)); “calhas” (implicam a dependência do sentir em relação ao pensar (razão)).

. O uso de metáforas, com saliência para a que é constituída pelo primeiro verso do poema e para o conjunto que constitui a imagem final: o coração apresentado como um comboio de corda que gira nas calhas de roda a entreter a razão.

. A perífrase do 1º verso da 2ª quadra (“Os que lêem o que escreve”, em vez de “os leitores”).

. O recurso ao hipérbato, na última quadra, pela colocação das palavras fora do lugar que pelas regras normais da sintaxe, deveriam ocupar.

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Isto

(analise)

- O texto é constituído por três quintilhas de hexassílabos. Há várias vezes

o recurso à aliteração:

. Em “s”: “Eu simplesmente sinto/Com a imaginação/Não uso o

coração”

. Em “f”: “O que me falha ou finda”

. Em “l”: “Livre do meu enleio”

- O poeta utiliza muitas vezes o transporte.

- Outro aspecto fónico que é importante realçar é o facto de, na primeira

quintilha, o poeta recorrer a sons fechados e, sobretudo, à nasalação,

havendo rimas em “in” e em “ão”, enquanto, na segunda, há já uma

alternância entre “a” e “in”, para, na terceira, praticamente,

desaparecerem os sons nasais e as rimas serem em “é/ê” e em “ei”.

Semanticamente, isto poderia corresponder à passagem de uma

situação de arrastamento, ou tensão, para um estádio de clarividência

ou convicção.

- Como em “Autopsicografia”, estamos perante um texto em que se

explana uma teoria poética: o fingimento. Mais uma vez se expõe a

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aparente antítese: sentimento (coração) – pensamento (razão) e ganha

contornos nítidos a dialéctica incompleta de F. Pessoa. Com efeito, a

antítese só seria dialecticamente válida, se conduzisse a uma síntese, a

uma conclusão, a uma “coisa linda” conseguida e não apenas

pressentida, abstracta, com fundamentos evidentes na concepção

platónica dos arquétipos e da divisão dos mundos em sensível e

inteligível.

- E quem pode contemplar essa coisa encoberta pelo “terraço” de sonho,

da dor, da frustração? Só o poeta, porque é capaz de se libertar do enleio

do mundo e escrever “em meio do que não está ao pé”, isto é, usando a

imaginação/razão, em busca do que é  e apenas seguro “do que não é”.

- Estamos perante o pressentimento “do que não é” e a sugestão de que

aquilo que “não é” é que, verdadeiramente, “é”. A tarefa do poeta é,

portanto, essa viagem imaginária, esse pressentir do ser, da “coisa

linda” e não sentir (“Sentir? Sinta quem lê!”), o que não deixa de indiciar

uma concepção de certo modo elitista do poeta.

- Em face do que fica dito, fácil é concluir que, como em “Autopsicografia”,

se podem considerar três momentos, neste texto, coincidindo cada um

deles com uma estrofe, havendo apenas uma aparente divergência, que,

adiante, salientaremos:

. Primeira estrofe – o poeta apresenta a sua tese: não usa o coração,

sente com a imaginação e não mente. É sobejamente conhecida a

máxima de Álvaro de Campos: “Fingir é conhecer-se”.

. Segunda estrofe – desenvolvimento e fundamentação filosófica (de

cariz platónico) da necessidade de usar a imaginação: o poeta

pretende ultrapassar o que lhe “falha ou finda” e contemplar “outra

coisa”.

. Terceira estrofe   – “por isso” se liberta do que “está ao pé”, que é a

verdade para aqueles que dizem que finge ou mente tudo o que

escreve, em busca daquilo que é verdadeiro e belo (“a coisa linda”).

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- O último verso do poema constitui a divergência que atrás mencionamos.

Quase inesperadamente, o poeta diz: “Sentir? Sinta quem lê!”. Poderá

parecer que há uma ruptura e estaremos perante uma quarta parte do

poema. Não concordamos com tal hipótese. A nosso ver, trata-se de um

fechamento de um círculo, de um voltar ao princípio: só quem sente

(quem lê e não escreve) é que pode dizer que o poeta finge ou mente

tudo o que escreve.

- No aspecto morfo-sintáctico, é este poema muito semelhante ao anterior,

com excepção do último verso, em que há uma frase do tipo

interrogativo e outra de sentido exclamativo. Estes dois tipos de frase,

no final do poema, à guisa de remate ou devolução irónica de um

remoque, vêm imprimir-lhe uma certa dinâmica e desencadear um

processo de reflexão idêntico ao resultante da última estrofe de

“Autopsicografia”.

- Ao nível semântico, deve mencionar-se, em primeiro lugar, a linguagem

simples, mas seleccionada, típica de Pessoa ortónimo. Não se traduz, no

entanto, tal simplicidade em pobreza excessiva, uma vez que bastariam

a musicalidade, o ritmo, as sonoridades bem conseguidas e situadas,

para emprestar ao texto toda a força que um leitor, mesmo

desprevenido, nele encontra. Mas há ainda o facto de, a cada passo,

depararmos com a utilização de palavras com matizes significativos

inesperados e originais, que nos colocam no limiar, ou mesmo nos

domínios da metáfora:

. “Sinto com a imaginação” (o verbo sentir com significado diferente do

habitual)

. “Não uso o coração” (o inesperado de o poeta não usar o coração,

como se se tratasse de algo semelhante a qualquer utensílio

dispensável ou substituível)

. “Tudo o que sonho… é… um terraço” (uma divisão, uma separação

imaginária)

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. “Essa coisa é que é linda” (o adjectivo “linda” aplicado a algo que está

sob um terraço imaginário, e que, portanto, só metaforicamente

existe).

. A recuperação para a poesia, de palavras tão prosaicas como “coisa”

(“Sobre outra coisa ainda/Essa coisa é que é linda”), utilizada em

versos consecutivos, para designar algo que está muito para além do

Universo sensível a que, normalmente, se refere.

. O sentido da palavra “sério” no penúltimo verso, que nos parece um

vestígio da formação anglo-saxónica do autor (tradução de “sure”,

que, normalmente, significa “certo” ou “seguro”).

. A diferença de significado entre o verbo sentir usado na primeira

quintilha (“Sinto/Com a imaginação”) e no último verso (“Sentir? Sinta

quem lê!”), assumindo, neste caso, um conotação pejorativa, que não

existe no primeiro.

- É ainda importante realçar a felicidade e a originalidade do símbolo

“terraço”, como qualquer coisa que nos divide de algo que está sob os

nossos pés e nunca conseguimos agarrar com as mãos.

- É também semanticamente importante o facto de o poeta dizer que

escreve “… em meio/Do que não está ao pé”, imagem paradoxal,

deliberadamente perturbadora e expressiva da imaterialidade dos

domínios em que se movimenta. E não deixa de ter cabimento aqui uma

nova referência à interrogação e exclamação finais, apoiadas numa

repetição do verbo sentir, que vêm emprestar ao final do poema uma

grande vivacidade expressiva.

- Deliberadamente, deixamos para o fim a principal figura de estilo deste

texto – a comparação que engloba os três primeiros versos da 2ª estrofe.

Esta comparação constitui o cerne do poema, aquele momento em que o

autor define o universo em que se move, para, logo de seguida, ficarmos

a saber o que procura.

A dor de pensar

O poeta não quer intelectualizar as emoções, quer permanecer ao nível do

sensível para poder desfrutar dos momentos – porque a constante

intelectualização não o permite. Sente-se como enclausurado numa cela pois

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sabe que não consegue deixar de raciocinar. Sente-se mal porque, assim que

sente, automaticamente intelectualiza essa emoção e, através disso, tudo fica

distante, confuso e negro. Ele nunca teve prazer na realidade porque para ele

tudo é perda, quando ele observa a realidade parece que tudo se evaporou.

“Ela canta, pobre ceifeira”

(analise)

- Esta composição versa uma temática fundamental da obra de Pessoa e

comporta referências ideológicas próprias dos heterónimos, criados

algum tempo depois.

- O poema é constituído por seis quadras, com versos octossílabos e rima

cruzada, segundo o esquema rimático abab, havendo duas pequenas

irregularidades: na primeira estrofe, é toante a rima de ceifeira com

cheia; na quinta estrofe, é forçada a rima do eu com céu.

- Há vários exemplos de transporte e ainda aquilo a que, na poética

trovadoresca, se chama “atafinda”, isto é, a continuação do sentido do

último verso de uma estrofe no primeiro verso da estrofe seguinte, como

acontece na passagem da primeira para a segunda e da quinta para a

sexta estrofes.

- Há vários exemplos de aliteração:

. Em “l”: “No ar limpo como um limiar”

. Em “v”: “E há curvas no enredo suave”

. Em “s”: “… no enredo suave/do som…”

- A insistência nestes sons consonânticos, sugestivos de amplitude e de

passagem, quando associada à predominância de nasalações, nas três

Page 60: Portefolio de Portugues

últimas estrofes, com recurso ao gerúndio (“ondeando”) e à perifrástica

(“está pensando”) vêm emprestar ao poema o seu tom de arrastamento,

a sua profundidade.

- A uma primeira abordagem, fácil é verificarmos que o poema se divide

em duas grandes partes:

. 1ª parte – constituída pelas três estrofes iniciais, em que, de um modo

geral, se descreve o canto de uma ceifeira;

. 2ª parte – constituída pelas três estrofes restantes, em que se

apresentam os efeitos da audição desse canto na subjectividade do

poeta.

- Tal divisão é mesmo perceptível ao nível da pontuação e da frase,

utilizando o autor, na primeira parte, o ponto final e a frase do tipo

declarativo, enquanto, na segunda, todas as frases são exclamativas,

com uma única excepção (“O que em mim sente «stá pensando»). E isto

acontece porque, na primeira parte, o poeta está primordialmente

interessado em descrever a exterioridade, enquanto, na segunda, se

procura traduzir as emoções desencadeadas na sua interioridade por

aquele canto da ceifeira, apesar da sua inconsciência.

- Na primeira parte, desde o início, existe um conflito entre uma situação

exterior ao poeta e o seu mundo exterior. Com efeito, a voz da ceifeira

domina toda esta primeira parte com a sua suavidade, mensagem de um

universo de alegria, inocência e espontaneidade, e o poeta procura

apresentá-la num ritmo ondulante, repousado ou embalador, para tanto

lançando mão de aliterações e da alternância de sons vocálicos ásperos

e brandos.

- Mas também desde o início, a descrição é marcada por algumas

referências antitéticas que nos dão conta do comportamento

contraditório da ceifeira porque, sendo “pobre” e duma “anónima

viuvez”, julga-se “feliz”, a sua voz é “alegre”. E canta como se tivesse /

Mais razões para cantar que a vida”.

- Portanto, a ceifeira canta “como se tivesse… razões para cantar”. Não as

tem. Logo, o seu canto é inconsciente. Apesar disso, ou por isso, a sua

voz é alegre, cheia de vida, encanta e prende o poeta, que, por um lado,

se alegra por a ver feliz e, por outro, se entristece, porque sabe que, se

aquela ceifeira fosse capaz de tomar consciência da sua situação, não

encontraria motivos para cantar.

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- Poderíamos subdividir a segunda parte em dois momentos:

. Um primeiro momento, em que o poeta faz um apelo e formula um

desejo impossível: o apelo abrange a quarta quadra e consiste num

pedido dirigido à ceifeira para que continue a cantar, mesmo “sem

razão”, para que o canto derramado entre no seu coração.

. Um segundo momento, que começa com a invocação, e vai até ao fim

do poema. Verificada a impossibilidade de ser inconscientemente

alegre, como a ceifeira, sem perder a lucidez, porque “a ciência

pesa”, o poeta pede ao céu, ao campo e à canção que entrem por ele

dentro, disponham da sua alma como sombra própria e o levem.

- No aspecto morfo-sintático, é digno de notar o facto de, na primeira

parte, predominar o presente do indicativo, que empresta à descrição

uma grande vivacidade, enquanto, na segunda, o imperativo é o modo

verbal dominante. Há, todavia, uma frase em que o presente do

indicativo reaparece duas vezes, uma delas representado pela terceira

pessoa do singular do verbo ser, para definir a razão da frustração e do

apelo ao céu, ao campo e à canção para que o levem: “… A ciência/Pesa

tanto e a vida é tão breve”.

- Ao nível semântico, e como é de inferir face à problemática que levanta,

este texto é de uma grande riqueza expressiva, sendo de salientar os

recursos seguintes:

. A adjectivação seleccionada e expressiva, muitas vezes antitética:

limpo, suave; “incerta voz”; “alegre inconsciência”.

. A antítese que atrás referimos como figura muito importante para a

definição e desenvolvimento do tema: “alegre e anónima viuvez”;

“ouvi-la alegra e entristece”; “poder ser tu, sendo eu!”

. A comparação da voz (som, canto) da ceifeira com um canto de ave

(primeiro verso da segunda estrofe) e do ar limpo em que essa voz

ondula como um limiar (segundo verso da segunda estrofe).

. A metáfora, sendo o emprego das palavras num sentido imaginário e

não objectivo, abunda no texto: “…a sua voz… ondula”; “e há curvas

no enredo suave”; “… A ciência/Pesa tanto…”

. A apóstrofe, invocação de alguém ausente, e que marca uma viragem

no discurso: “Ó céu! Ó campo! Ó canção!...”

Page 62: Portefolio de Portugues

. A personificação do céu, do campo e da canção, atribuindo-lhes

qualidades de pessoa, possivelmente: “Entrai por mim dentro!

Tornai/Minha alma vossa sombra leve!/Depois, levando-me, passai!”

. O pleonasmo, repetição duma ideia para realçar a sua amplitude,

profundidade ou carácter irrefutável: “Entrai por mim dentro!”

. Finalmente, é importante referir as conotações da morte que

perpassam na parte final do poema. Se o céu, o campo e a canção

transformarem a alma do poeta em sombra, e, depois o levarem,

entendemos que isso implica a morte, um desejo de anulação.

Liberdade

(analise)À primeira vista trata-se de uma abordagem leve e divertida ao tema. Essa é claramente a sensação que se tem ao ler o poema. "Ai que prazer / Não cumprir um dever" - uma leveza simples e recta, que fala de como é bom não ter deveres, ou tê-los e não os cumprir, numa rebeldia com que sonham todas as crianças.

Mas em Pessoa nada é simples, muito menos recto... 

Há uma chave para desvendar este poema "Liberdade". Um poema eu considero ser de uma intensa ironia. Mas essa chave curiosamente não está no poema, mas apenas referenciada nele de modo indirecto. É uma pista que Pessoa lança ao leitor, mas apenas ao leitor mais interessado - um leitor de segundo nível, que ignora o tom superficial leve das palavras e se interessa pelo conteúdo escondido das intenções.

Que pista é esta? Está numa citação que Pessoa nunca colocou, mas que devia vir logo a seguir ao título. No manuscrito original Pessoa escreve debaixo do titulo do poema: "(Falta uma citação de Séneca)". 

Que citação é esta? E quem era Séneca?

Séneca foi um filósofo do Séc. I, um estóico preocupado com a ética. Não nos alongaremos com a análise da vida deste filósofica, mas citaremos dois principios dele que nos interessam para a compreensão do poema "Liberdade". Dizia Séneca que o cumprimento do dever era um serviço à humanidade. Para ele o destino

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estava predestinado, o homem pode apenas aceitá-lo ou rejeitá-lo, mas apenas a aceitação lhe pode trazer a liberdade. Eis o estoicismo na sua essência.

Eis o filtro que se deverá usar na leitura do poema "Liberdade": o estoicismo de Séneca.

Tudo o que antes parecia ligeiro, agora é intensamente irónico. Fernando Pessoa pensa o contrário do que diz o seu poema. Se ele diz que bom é não cumprir um dever, ele pensa o contrário, que o dever é essencial para a liberdade, se o homem quiser ser livre, terá de se submeter ao cumprimento do dever que lhe é imposto.

Outra achega: a semelhança entre a ironia utilizada e a escrita que se assemelha à de Caeiro. É Caeiro o heterónimo que renega igualmente o dever e o heterónimo que domina Pessoa no inicio das suas decisões, que o prende à realidade e lhe permite ascender aos astros. Será Pessoa aqui também um critico de si próprio e um critíco de Caeiro? Não poderemos dizer ao certo, mas parece-nos que sim, que as palavras de Pessoa são irónicas e dirigidas a Caeiro, ao seu próprio sonho de juventude, em que pensou ser possível ser livre das ideias. 

Afinal este poema é um ensaio de revolta contra o que Caeiro disse, contra os próprios projectos falhados de Pessoa. Ele que queria atingir a liberdade libertando-se de tudo, da civilização, dos deveres, dos livros, ser apenas criança... O titulo - Liberdade - é apenas uma ironia triste e amarga e um contra-senso propositado. Arde em Fernando Pessoa a derrota da sua aventura, perto que está da morte quando escreve este poema. Este poema é de certo modo o epitáfio intelectual de Caeiro - o Mestre, por parte de Fernando Pessoa - o Criador.

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Este poema em análise é claramente um poema de reflexão por parte de Fernando Pessoa, e não tanto um poema de análise psicológica da sua mente. Dizemos isto recordando certas passagens do poeta em que este recorda ler o que escreveu com grande estranheza - é como se a sua obra lhe fosse estranha, quando ele percorre as páginas do seu passado. 

Devemos compreender que em Pessoa a obra se confunde com a vida. Aliás, em determinados momentos Pessoa abdica da vida em favor da obra (o exemplo maior terá sido Ophélia, a sua única namorada conhecida). 

É pois nesta perspectiva que - pensamos - este poema deve ser lido. Imaginemos Pessoa sentado perto da sua arca de inédito, num dos últimos meses de vida, relendo as páginas de há 5, 10, 20 anos... e o que lia ele, senão passagens quase irreconhecíveis, de outros «eus», que não ele mesmo. 

Não sei quantas almas tenho.Cada momento mudei.Continuamente me estranho.Nunca me vi nem achei.De tanto ser, só tenho alma.Quem tem alma não tem calma.Quem vê é só o que vê,Quem sente não é quem é,

Esta primeira estrofe mostra aspectos da famosa despersonalização de Fernando Pessoa. Ele diz não saber quantas almas tem, porque mudou a cada momento. Esta instabilidade é, no entanto, uma instabilidade de vida e não tanto uma instabilidade de "almas". Certo é que Pessoa, por sempre se expressar por

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outras vozes (heterónimas ou psudónimas), neste momento já não se reconhece - tudo lhe foi sempre estranho, porque colocou sempre em outras vozes os seus problemas. Esta exteriorização das coisas na sua vida torna-o estranho à própria vida - parece-lhe que foi outro que a viveu. Claro que este sentimento é uma protecção psicológica de Pessoa, de se recolher para dentro para não sofrer com a solidão. 

A expressão "De tanto ser, só tenho alma", sendo curiosa, parece de fácil expressão. Pessoa quer dizer que não sente ter vida, mas só alma - ou seja, a sua vida foi (e é) toda pensada, toda racionalizada. Como sempre passou para pensamento tudo o que lhe acontecia, tudo o que sente é na alma, e parece que nada sente no corpo. Esta divisão corpo/alma é essencial no todo da obra de Pessoa e reflecte uma das características da mesma - a extrema racionalização, o reduzir de todos os impulsos a uma inteligência recusando as emoções puras. 

Mas Pessoa sabe que a vantagem de tudo ser inteligência tem desvantagens: "Quem tem alma não tem calma", diz ele. Quer dizer que quem pensa não tem paz - eis um novo princípio de grande importância: é inconciliável pensar e viver, ou se vive sem pensar ou se pensa sem viver. Viver a vida ou pensar a vida é um oposto que sempre desafia Pessoa. 

"Quem vê é só o que vê, / Quem sente não é quem é," marca ainda mais esta oposição viver/pensar. "Quem vê" é aquele que vive só a vida e não a pensa (sente). "Quem sente não é quem é" - quer dizer que o pensamento impede a acção na vida. Reforça o que dissemos anteriormente, que viver e pensar se tornam inconciliáveis.

Atento ao que eu sou e vejo,Torno-me eles e não eu.Cada meu sonho ou desejoÉ do que nasce e não meu.Sou minha própria paisagem,Assisto à minha passagem,Diverso, móbil e só,Não sei sentir-me onde estou.

Pessoa sentindo essa oposição pensar/viver transforma-se no papel, nas personagens dos seus heterónimos. E os heterónimos nascem das necessidades da sua vida - são filtros para o que vai acontecendo. À medida que são apresentados desafios a Pessoa, ele enfrenta-os indirectamente pelos seus filtros literários, pelas suas personagens literárias. Por isso ele diz que os sonhos e desejos é "do que nasce" e não dele. Ele como que apenas assiste à passagem da sua vida, porque se

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recusa vivê-la simplesmente. Tudo é analisado, dissecado, e tudo por isso se torna falso, uma ilusão de realidade simbolizada. 

Pessoa é "diverso, móbil e só". Ou seja, multiplica-se, viaja, e está no final sozinho, sem salvação. Esta instabilidade, redução do um aos muitos, acaba por significar que ele deixa de sentir - "Não sei sentir-me onde estou". A vida é-lhe estranha e como a vida os sentimentos. Deixar de sentir é também deixar de viver - é alienar-se de tudo, proteger-se da vida, dos perigos, de tudo, para se recolher dentro de si, e por detrás dos seus personagens literários.

Por isso, alheio, vou lendoComo páginas, meu ser.O que segue prevendo,O que passou a esquecer.Noto à margem do que liO que julguei que senti.Releio e digo: "Fui eu"?Deus sabe, porque o escreveu.

"Alheio" ele lê então "como páginas" o seu "ser". Isto reforça o que vimos dizendo. A sua vida confunde-se com a sua obra - tanto que Pessoa diz ler como páginas o seu ser. A vida foi racionalizada, foi reduzida a linguagem escrita, transferida para os seus personagens literários, que acabam por viver a sua vida por si, por deixá-lo a um canto, reduzido quase a nada enquanto individualidade. 

Pessoa-ele-mesmo apenas prevê e esquece. É uma espécie de pivot, de centro fisíco de tudo o resto, mas quase sem actividade. Ele é apenas uma "nota à margem" do livro que foi a sua vida. Alheio ao seu Destino (foi Deus que o escreveu), ele já não destingue quem nele viveu as coisas. 

Retiremos deste poema a grande solidão de Pessoa - já reduzido a apenas uma nota de margem na vida (e na sua obra). Pessoa era a pessoa real, passando o pleonasmo, mas aqui torna-se evidente que a pessoa real foi obliterada, desmultiplicada em muitos outros, até que quase nada restasse do original. Nada para pensar, e sobretudo nada que sintisse o mundo à sua volta. Pessoa-ele-mesmo morreu para o mundo e já nada sente, e sobretudo o que sente é que a vida já não pode ser vivida senão por intermédio de um outro seu. E isto quer dizer que nele mesmo a esperança de viver estava definitivamente perdida.

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“Não sei se é sonho, se realidade”

(analise)

Este poema ortónimo de Fernando Pessoa tem por tema a contraposição entre sonho e realidade.

Por se tratar de uma obra ortónima, o estilo utilizado não é tão marcadamente moderno como o que podemos encontrar em outros heterónimos, nomeadamente Álvaro de Campos, mas incorpora um classicismo sereno e culto – marca indelével de Fernando Pessoa ele próprio, ou seja, na ausência de máscaras: o que ele apelidava como sendo o heterónimo “menos interessante”, ele mesmo. 

No entanto, embora muitas das obras ortónimas falhem em originalidade, não falham em muitos outros pormenores, como a métrica, o estilo ou a irrepreensível atenção ao ritmo e ao uso de expressões delicamente preparadas. 

Este poema é certamente exemplo vivo desta atenção ao pormenor, na maneira como nele se recortam em fino detalhe o principal tema, em subsequentes catadupas de análise e supra-análise. Esta exaustiva procura poderia sentir-se no ritmo do mesmo, mas é a atenção ao pormenor que evita este sentimento. 

Começa o poeta por reforçar o seu sentimento nas duas primeiras linhas, expressando nas duas o mesmo: a dúvida quanto à possibilidade de atingir a felicidade terrena. A Ilha sonhada por Pessoa será aquela ilha dos sonhos, já descrita por Camões – a Ilha dos Amores, onde reside escondido o Paraíso terrestre. A vida jovem e o amor são o que Pessao considera os melhores objectivos: a juventude eterna (a imortalidade ou negação da morte) e o amor (a negação da solidão humana). 

A dúvida substiste, no entanto – Pessoa sabe-a só um desejo intímo. Essas paisagens distantes são provavelmente só “palmares inexistentes, / Áleas longínquias sem poder ser”, ou seja, campos de palmeiras (Oásis), ilusões, avenidas grandiosas mas enganadoras. 

A felicidade é ainda um talvez. Mas um talvez soturno, porque se adivinha que seja um talvez que degenere em impossibilidade. 

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Isto porque o sonho degenera quando se sonha. A terra da felicidade é apenas terra da felicidade enquanto imaginada, e “já sonhada se disvirtua”, ou seja, mesmo o sonho perde a sua essência quando passa a ser sonhado – torna-se quase real, e a realidade mata os sonhos mais altos. A terra imaginada, ao luar, sofre afinal dos mesmos males da realidade vivida no presente – “sente-se o frio de haver luar (...) / O mal não cessa, não dura o bem”. 

Pessoa finalmente aceita que o talvez é um não. E é com um não que concluí o seu pensamento: “Não é com ilhas do fim do mundo, / Nem com palmares de sonho ou não, / Que cura a alma do seu mal profundo, / Que o bem nos entra no coração”. Espantosamente aqui parece que Pessoa assume a futilidade de sonhar, de idealizar a vida, o mesmo é dizer que Pessoa aceita a futilidade de não aceitar a vida como ela é. 

Ele diz ainda: “É em nós que tudo. É ali, ali, / Que a vida jovem e o amor sorri”. 

A negatividade do início do poema escorre lentamente e definha, dilui-se. Mas não parece diluir-se para um optimismo inverso, porque a conclusão é uma conclusão de inevitabilidade. Poderíamos pensar que Pessoa tomasse consciência da futilidade dos seus sonhos e da necessidade de encarar a frio a vida presente, mas o que parece ter acontecido é que Pessoa chega à conclusão de que os sonhos de nada valem, que tudo se realiza nesta vida, mas que mesmo assim ele não vai encontrar força para se sentir vivo, para reagir a essa adversidade. 

Isto porque é uma grande adversidade para Pessoa o facto de a sua vida não poder concretizar-se como ele a imagina em sonhos. O que para outros poetas poderia ser um momento de epifania, para Pessoa é um momento de triste realização da sua impotência – ele não consegue viver normalmente, não consegue ter a vida jovem onde o amor sorri, porque deseja sempre o sonho irreal, mesmo que por apenas um segundo.

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“Tudo o que faço ou medito”

(analise)Tudo que faço ou medito Fica sempre na metade 

Querendo, quero o infinito. Fazendo, nada é verdade. 

A poesia ortónima Pessoana segue algumas regras. A saber: estados negativos e depressivos, presença de uma constante auto-análise e reflexão fria e racional perante o presente e o passado, uso abundante de símbolos e paradoxos que

passam uma ideia de desespero e de futilidade de viver e agir.

Na primeira quadra (a poesia ortónima usa predominantemente quadras e versos curtos), Pessoa fala sobre os seus sonhos e desejos. Dono de uma imaginação

delirante e febril, Pessoa tinha sempre mil projectos a correr simultaneamente. Mas ele diz-nos que "Tudo o que faço ou medito / Fica sempre na metade" - ou seja, dos seus projectos nada se realiza por inteiro, por a realidade nunca se encontrar com os seus desejos. "Querendo quero o infinito / Fazendo, nada é verdade" - os seus

projectos não se realizam, confirma-se o que dissemos antes.

Que nojo de mim me fica Ao olhar para o que faço! 

Minha alma é lúdica e rica, E eu sou um mar de sargaço — 

A segunda quadra é a mais emocional. Perante o desespero de não conseguir nunca realizar os seus projectos, fica-lhe um sentimento de vazio e de inutilidade. Veja-se como, usando uma linguagem simples mas expressiva, Pessoa passa o que lhe vai

na alma. "Que nojo de mim me fica / Ao olhar para o que faço!". "Minha alma é lúdica e rica / E eu sou um mar de sargaço" - ou seja, ele sente a sua grande

imaginação, a quantidade infinita de ideias e de pensamentos que nele abundam, mas ele próprio, a sua vida real, é um mar de sargaço, ou seja, um mar de algas

espessas, que prendem o movimento, que impedem que ele caminha e avance. É uma metáfora de grande beleza que dá a entender ao leitor o estado de desespero

do poeta. 

Um mar onde bóiam lentos Fragmentos de um mar de além... 

Vontades ou pensamentos? Não o sei e sei-o bem. 

É o mar de sargaços um mar onde boiam pedaços de um mar de além. Que mar é este? Trata-se porventura de um mar distante e diáfano, um mar irreal, mas livre e

desimpedido, onde os sonhos de Pessoa não o prenderiam mas antes o fariam seguir em frente, onde tudo o que ele imagina podia ser real. Mas ele questiona-se - "vontades ou pensamentos? / Não o sei e sei-o bem". É muito Fernando Pessoa este

final, paradoxal e intrigante. O que ele nos diz é que mesmo esse mar de além, essa futuro irreal, pode ser uma ilusão, só a sua vontade de querer ter os seus

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sonhos. Ele diz saber a resposta ao mesmo tempo que a desconhece, isto porque confia no Destino. Sabe que será impossível que se realizem todos os seus

projectos, mas ao mesmo tempo essa impossibilidade é humana, é dentro dele, e fora dele ele não sabe o que poderá acontecer - um milagre, um imprevisto, um

plano superior...? Pessoa deixa ao futuro a resposta para a sua angústia presente.

“Quando era Criança”

(analise)

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Quando era criança

Vivi, sem saber,

Só para hoje ter

Aquela lembrança.

Aqui Pessoa aborda a temática da infância enquanto período da inconsciência completa: "Vivi, sem saber". As crianças vivem a felicidade, porque em grande medida a desconhecem estar a viver. Esta oposição pensar/viver acompanhará sempre Pessoa nas suas análises. Ele sabe que será impossível regressar àquela condição infantil, porque hoje adulto ele sabe qual é a sua vida e não a pode ignorar: ele agora pensa e não se limita a viver. Por isso ele diz "Só para hoje ter / Aquela lembrança". De facto tudo o que resta é a lembrança, porque essa inconsciência da vida não vai regressar novamente.

É hoje que sinto

Aquilo que fui

Minha vida flui

Feita do que minto.

"Hoje" é que Pessoa sente o que foi. Isto reforça o que já dissemos: hoje a vida de Pessoa é feita daquele "pensar" que não existia quando ele era apenas criança. Hoje ele "sente", quando era criança apenas "vivia". A sua vida actual é uma mentira - pela sua própria avaliação. É uma mentira, provavelmente porque ele sente não conseguir descobrir a verdade do seu destino: é uma mentira existencial, uma vida que Pessoa sente não lhe pertencer por direito.

Mas nesta prisão,

Livro único, leio

O sorriso alheio

De quem fui então.

Pessoa está preso então nessa vida, nessa mentira que lhe impuseram. O que lhe resta é o "livro" que lê, o livro das memórias de uma infância perdida. E ao ler, vem-lhe um "sorriso alheio", um sorriso do passado, que já não é dela, mas que ele pode continuar a recordar, num apaziguamento frágil, mas que ao menos o poderá consolar na sua existência perdida. A memória da infância perdida conforta-o, mas igualmente o sufoca.

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“Ó sino da minha aldeia”

(analise)

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Sino é simbolo da passagem do tempo (dolorosa); pouca expectativa em relação ao futuro; inconformismo, solidaão, ansiedade, nostalgia da infância; musicalidade- aliteração.

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O Menino de sua Mãe

(analise)

Este poema foi escrito para poder ser visto de modo metafórico, a

representação do próprio poeta que sabe ser impossível o regresso ao regresso

materno, porque a infância ficou para trás, inevitavelmente perdida, ideia que

pode relacionar-se com a temática pessoana “a nostalgia da infância” – a época

de ouro, da felicidade inconsciente, para sempre perdida, que contrasta com a

situação presente caracterizada por consciência aguda que provoca no poeta a

sensação de desconhecimento de si mesmo, a perda de identidade.

 O sujeito poético neste poema fala também da cigarreira dada pela sua

mãe e o lenço dado pela alma que o ajudou a criar, são representações do seu

passado de “menino” que viveu junto a quem o amava.

No plaino abandonado  Que a morta brisa aquece,  De balas traspassado  - Duas, de lado a lado -,  Jaz morto, e arrefece. 

Raia-lhe a farda o sangue.  De braços estendidos,  Alvo, louro, exangue,  Fita com olhar langue  E cego os céus perdidos. 

Tão jovem! que jovem era!  (Agora que idade tem?)  Filho único, a mãe lhe dera  Um nome e o mantivera:  "O menino da sua mãe". 

Caiu-lhe da algibeira  A cigarreira breve.  Dera-lhe a mãe. Está inteira 

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E boa a cigarreira.  Ele é que já não serve. 

De outra algibeira, alada  Ponta a roçar o solo,  A brancura embainhada  De um lenço... Deu-lho a criada  Velha que o trouxe ao colo. 

Lá longe, em casa, há a prece:  "Que volte cedo, e bem!"  (Malhas que o Império tece!)  Jaz morto, e apodrece,  O menino da sua mãe. 

Inicialmente enuncia que naquele terreno se encontra o corpo do “menino da sua mãe” que vai arrefecendo apesar da “morna brisa”. Reforça-se o sentimento que o narrador sente ao observar o absurdo da guerra.

Primeiro verso: hipálage, para transportar a ideia de abandono do menino para o plaino.. Predominam frases declarativas para mostar a profundeza do tema, pois retarata o desabar dos sonhos.

A segunda parte do poema inicia-se com duas frases exclamativas para reforçar a efemeridade da vida do menino. A repetição do nome “jovem” relaciona-se com a expressividade das frases exclamativas que pretendem demosntrar a emoção da juventude do menino quando este morreu.

Ligação entre objetos-possuidor: a “cigarreira”, há uma hipálage no 2º verso da 4ª quintilha, para demostrar a brevidade da vida do menino que nem teve tempo para utilizar a cigarreira. A segunda parte do poema surge uma outra hipálage no 3º verso da 5ª quintilha que se relaciona com a anterior devido á reduzida duração da vida do menino, o lenço que nem teve tempo de usar.

Terceira parte do poema: discurso parentético “(Malhas que o império tece)” onde se pretende fazer uma acusação revoltosa ao império em questão. Surge, finalmente, a mãe que simboliza esperança, saudade, carinho e amor, que se encontra em casa – ambiente oposto ao plaino. Penúltimo verso: finaliza-se a gradação iniciada no último verso da primeira estrofe (Jaz morto, e arrefece (...) Jaz morto, e apodrece), pretende traduzir a passagem do tempo durante o poema, em que o leitor sabe o que se passa mas a mãe e a ama não.

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“Pobre velha música!”

(analise)Pobre velha música!

Não sei porque agrado,

Enche-se de lágrimas

Meu olhar parado.

Inicialmente Pessoa introduz-nos ao tema do poema, lembrando a "velha música", provavelmente tocada pela sua mãe na sua infância, talvez ainda antes de sair de Lisboa para Durban. A lembrança, embora seja talvez de um período feliz, traz-lhe uma grande tristeza, porque está associada a uma idade perdida, que nunca mais regressará. O início do poema traduz também o uso de duas figuras de estilo, personificação e hipérbole (a "pobre e velha música"). A parte final do poema parece conter uma anástrofe: troca da ordem das palavras, quando normalmente se diria "o meu olhar parado enche-se de lágrimas".

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Recordo outro ouvir-te.

Não sei se te ouvi

Nessa minha infância

Que me lembra em ti.

Pessoa, ao recordar, no entanto, sente uma estranheza comum. O facto é que é ele que sente, mas quem na realidade sentiu verdadeiramente o sentido da música foi ele mas numa outra idade. A lembrança é como se fosse uma experiência em segunda mão, que só pode ser estranha à verdade do que se sente. O "outro" era ele enquanto criança, e ele recorda-se dele próprio enquanto criança a ouvir a música. Há aqui, mesmo que de maneira menos óbvia, uma antítese entre passado e presente.

Com que ânsia tão raiva

Quero aquele outrora!

E eu era feliz? Não sei:

Fui-o outrora agora.

Pessoa deseja o regresso ao passado, mas sabe esse regresso impossível. Mas simultaneamente ele tem consciencia que mesmo que conseguisse regressar não conseguiria ser feliz agora. O seu desejo projecta-se num plano temporal impossível de realizar: ele ser criança então, mas adulto agora, ao mesmo tempo. O paradoxo é explicíto quando ele diz: "fui-o outrora agora

O guardador de Rebanhos I

(analise)

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O poeta compara-se a um pastor que anda pelos campos a guardar

rebanhos, neste caso, os seus rebanhos são os seus pensamentos.

O sujeito poético identifica-se bastante com a natureza, pois ele afirma que

anda ao ritmo das estações, compara os seus estados de espírito com momentos

de natureza.

Na ultima estrofe do poema o sujeito poético apresenta uma saudação de

uma especie de camponês que tira o chapéu em sinal de respeito e deseja aquilo

que é mais importante para o Homem ligado á natureza.

Alberto Caeiro afirma-se um poeta que exprime o desejo de abolir a

consciência, isto é, o vicio de pensar, lamentando o facto de ter consciência dos

seus pensamentos, enunciando repetitivamente o acto de ver, além de outras

sensações.

 

O guardador de Rebanhos II

(analise)

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No primeiro verso deste poema o sujeito poético apresenta uma

comparação com um girassol. Esta comparação é feita para mostrar a nitidez do

seu olhar, pois esta planta tem a particularidade de seguir continuamente a luz

do sol. Para o poeta a sensação visual é-lhe suficiente na sua relação com o

mundo, rejeitando pensamentos.

O sujeito poético neste poema afirma que basta sentir a realidade, não

precisa de a questionar, não precisa de saber porque é que ela existe.

Alberto Caeiro é um poeta que consegue submeter o pensamento ao sentir,

abolir o vicio de pensar e viver apenas pelas sensações. Alberto Caeiro consegue

alcançar facilmente aquilo que para Fernando Pessoa é um desejo impossível.

 

O guardador de Rebanhos V

(analise)Para Caeiro, metafisica tem um sentido extremamente restrito, muito menor

do

que o seu sentido original e etimológico - é tudo o que vai além da simples sensação. Toda e qualquer análise do que é visto pelos sentidos é metafisica, e é

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uma ilusão, porque o pensamento afasta o homem do seu destino, que é ser natural, ser apenas mais um ser vivo na natureza.

O paradoxo no entanto é inegável. Caeiro recusa o pensamento mas usa o pensamento, analisa a sua própria maneira de pensar. É uma armadilha a que Caeiro não pode escapar, a não ser caindo nela e libertando-se de seguida das suas presas. 

A extrema negatividade do poema serve de contraponto a esta tarefa enorme. Caeiro nega tudo o que é positivo para todos os outros homens, como que confirmando a sua personalidade única e o seu desafio original. Ele é um original entre os homens - esta é uma conclusão que nem Fernando Pessoa pode negar, perante as evidência da revolução do pensamento de Caeiro. 

Mas por detrás deste despir da metafisica, da simplicidade, escondem-se múltiplas interpretações. A menor das quais não será o objectivo egoísta do "mestre do mestre"; que inventa para si mesmo um templo e um deus menor para que se sinta livre do compromisso de viver. É Pessoa afinal que justifica a presença de Caeiro a si próprio, na medida em que Caeiro o permite viver um novo e extasiante período da sua própria vida.

O guardador de Rebanhos VII

(analise)

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Gramática

Frase

Simples e Complexa

Sistematização: Podemos definir uma frase como um conjunto de palavras que formam uma unidade de sentido.

Uma frase pode ser constituída apenas por uma oração (estrutura com um só sujeito e um só predicado) frase simples.…Ou por duas ou mais orações frase complexa.

Nota: Não identificar frase simples com frase de um só verbo, mas sim de um só predicado, pois o predicado pode ser expresso por dois ou mais verbos, como é o caso dos tempos compostos, da voz passiva e da conjugação perifrástica.

Exemplos de Frases Simples e Complexas

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Simples:

-“Eu acompanho sempre as minhas tias nos passeios de Domingo”-“Posso vir a querer fazer outras coisas”-“Estou a tentar estudar o mais possível”

Complexa:

-“Eu acompanho sempre as minhas tias quando passeiam aos Domingos”

Tipos de Frase

Os tipos de frase traduzem a atitude do emissor relativamente àquilo que transmite e a quem transmite.

Tipos de Frase ExemplosDeclarativo (apresenta um facto, uma situação)

Eu não vou hoje ao cinema.

Interrogativo (coloca uma questão, pede informações)

Vais hoje ao cinema?

Exclamativo (expressa uma emoção, apresenta uma reação)

Hoje vais ao cinema!

Imperativo (dá uma ordem, uma sugestão)

Vai ao cinema!

Formas de Frase

A cada tipo de frase associa-se sempre uma forma de cada um dos pares que a seguir se apresenta. Assim o tipo declarativo, por exemplo, pode parecer simultaneamente nas formas afirmativa, ativa e enfática ou pode aparecer simultaneamente nas formas negativa, passiva e neutra. As possibilidades de combinações são variadas.

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Formas de FraseExemplos

Afirmativa

Negativa

Gosto de tomar o pequeno-almoçoNão gosto de tomar o pequeno-almoço

Ativa

Passiva

A Maria lava sempre a fruta com água correnteA fruta é sempre lavada com água corrente pela Maria

Neutra

Enfática

Os meninos do jardim-escola usam uns bibes lindos!Os meninos do jardim-escola são que usam uns bibes lindos!

Período e Parágrafo

Sistematização

O período

O período é a frase ou conjunto de frases que se encontram entre dois pontos finais Pode conter uma só oração (frase simples) mas, normalmente contém duas ou mais orações (frase complexa)

O parágrafo

Quando necessitamos de fazer uma pausa mais longa – porque dentro do mesmo assunto vamos falar de um outro aspeto, ou pretendemos demarcar uma ideia de outra, ou ainda porque mudamos de assunto, embora dentro da mesma temática -mudamos de linha, deixando, normalmente, um espaço em branco.

Estamos a abrir um novo parágrafo

Coerência e coesão textual

Sistematização

Page 84: Portefolio de Portugues

Para que um conjunto de frases se possa chamar texto e necessário que as frases se estruturem de uma determinada maneira e se relacionem entre si de modo a formar um todo coerente e coeso

A coerência Textual

A coerência textual implica que as diferentes partes de um texto estejam articuladas entre si ao nível do sentido, estruturando-se de acordo com a tipologia em questão.

A coesão textual

A coesão textual resulta da utilização dos elementos linguísticos que fazem a ligação das várias partes de um texto, pode ser conseguida através de diferentes processos.

Conectores

São os elementos que contribuem para uma maior coesão textual: conjunções e locuções conjuncionais, advérbios e locuções adverbiais

Pontuação

Sistematização

A pontuação é um fator fundamental para clarificar o sentido de um texto. Outro elemento fundamental que contribui para a coesão textual e a pontuação

Existem vários sinais de pontuação.

Vírgula,

A vírgula usa-se normalmente para ExemplosSeparar elementos de uma enumeração Naquele mercado as mangas, os

pêssegos, as ameixas, as maçãs, as cerejas atraíam pelos seus tons alegres e luminosos.

Demarcar o aposto do sujeito João, o padeiro, e também um grande pasteleiro.

Demarcar complementos circunstanciais Nesse dia, apareceram todos os amigos do Rui.

Separar o vocativo Ò Ana, anda cá depressa!Separar repetição de palavras Ele comia, comia, e nunca ficou

maldisposto

Page 85: Portefolio de Portugues

Demarcar um adjetivo em inicio de frase Atencioso, como ele nao havia!Demarcar um substantivo O pedro, esse era o eleito.Destacar elementos (normalmente mais extensos) numa enumeracao

Ele gostava de doces e a Joana de salgadosEle gostava de doces, a Joana de salgados

Nota: A virgula nunca pode separar o sujeito do seu predicado ou o predicado do seu complemento direto e/ou indireto.No caso de se intercalar uma expressao ou oração entre um sujeito e um predicado, ela deve figurar entre vírgulas, para não separar-mos o sujeito do predicado.

Ex.: Os homens, obcecados pelo progresso, nem sempre pensam no futuro da humanidade.

Ponto e Virgula

Ponto.

O ponto usa-se normalmente para marcar o fim de uma frase simples ou complexa.

Ex.:

O que ela dizia, embora fosse sempre diferente, soava sempre da mesma maneira. Era monótono. E a maioria dos alunos estava a ouvi-la...sem a ouvir.Era o caso do Jorge, que estava interessado no rapaz com o carrinho de bebe e se foi afastando do grupo. Alem deles, só andava ali dentro um grupo de velhinhos ingleses. E o rapaz com o bebe, claro, que percorreu a igreja toda com os auscultadores nos ouvidos, sempre a empurrar o carrinho. De vez em quando parava a um canto, levantava o cobertor e dava duas mexidelas no bebe que, por sua vez, não dava sinal de si.

Dois pontos:

Usam-se normalmente para:

-Introduzir o discurso direto

Ex.:

Arranjo uma voz de falsete e imito o dos filmes americanos:“Antípode homem?”

-Introduzir uma enumeração

Ex.: Acho que foram emoções a mais para a Luísa: o sótão que não havia, o Abílio que eu não era, o Luís que ela não sabia que era eu.

-Iniciar uma conclusão ou dar uma explicação

Ex.: E não tardei a colar o Sem Pavor ao João: João Sem Pavor

Page 86: Portefolio de Portugues

Reticencias...

Usam-se normalmente para marcar a suspensão de uma ideia ou frase.

Ex.: Nada...Há seis dias e seis noites que estou aqui escondido a tremer com medo dos lobos, dos morcegos, das bruxas e dos fantasmas, a espera da minha irmã...

Ponto de Interrogação?

Usa-se normalmente para assinalar uma frase do tipo interrogativo.Ex.: Que dizes, meu palerma?

O ponto de exclamação marca uma frase do tipo exclamativo, pode também utilizar-se nas frases do tipo imperativo.

Ex.: Anda cá!

Aspas “”

Usam-se normalmente para

-Transcrever uma palavra ou expressão ou fazer uma citação

Exumareis Luther King disse “ Eu tenho um sonho, que todos os negros tenham os mesmos direitos”

- Utilizar uma palavra que não pertence ao léxico português

Ex:“Anybody Home”

-Utilizar uma palavra menos apropriada, mas expressiva no contexto

Ex: Ja anda a “namorar” este vestido há muito tempo

-Destacar um titulo

Ex.: O jornal “Expresso” e um semanário

Parênteses ()

Usam-se normalmente para:

-Marcar o discurso direto

Ex: Arranjo uma voz de falsete e imito os dos filmes americanos “Anybody Home”

-Indicar corte em texto citado

Page 87: Portefolio de Portugues

Ex: Discurso Vasco da Gama “Meu povo vamos partir (...) que deus vos abençoe!

Travessão

Usa-se normalmente para:

-Marcar discurso direto

Ex.: Visto-me a macaco e imito os seus sons -“Eu sou o Artur”

-Demarcar uma frase intercalar, que poderia surgir entre virgulas

Ex.: Os homens obcecados pelo progresso – nem sempre pensam no futuro da humanidade

Nota: Quase todos os sinais de pontuação podem ser usados para conferir maior expressividade a um texto

Léxico

Sistematização

A principal influência na formação da língua portuguesa e o latim.Mas se muitos termos chegaram ate nos através do latim clássico, o latim culto, o latim dos escritores (via erudita), muitos outros chegaram através do latim vulgar, o latim falado sobretudo por soldados e comerciantes fixados nos territórios conquistados (via popular)

Palavras Convergentes e Divergentes

Exemplo de palavras divergentes

Latim Via popular Via eruditaCathedra Cadeira CátedraCogitare Cuidar CogitarIntegru Inteiro IntegroMatre Mãe madreOculu Olho ÓculoSuperare Sobrar Superar

Exemplo de palavras convergentes:

Rio-nome (do latim rivu)Rio-verbo rir (do latim rideo)

Evolução Fonética

Processos de queda ou supressão

Page 88: Portefolio de Portugues

Aférese

Supressão de um fonema no inicio da palavra

Exemplo: ainda > inda / atonitu > tonto

Síncope

Supressão de um fonema no meio da palavra

Exemplo: calidu > caldo / viride > verdeApócope

Supressão de um fonema no fim da palavra

Exemplo: Amore > amor / sic > si

Processos de adição

Prótese

Acrescentamento de um fonema no inicio da palavra

Exemplo: lembrar > alembrar / thunu > atum

Epêntese

Acrescentamento de um fonema no interior da palavra

Exemplo: humile > humilde / creo > creio

Paragoge

Acrescentamento de um fonema no final da palavra

Exemplo: flor > flore / ante > antes

Processos de alteração

Assimilação

Fonemas próximos tornam-se iguais (assimilação completa) ou semelhantes (assimilação incompleta)

Exemplo: Persicu > pêssego / Ipse > esse

Dissimilação

Page 89: Portefolio de Portugues

É um processo de certo modo contrário à assimilação. Consiste em evitar dois sons iguais ou semelhantes na mesma palavra, por isso um deles torna-se diferente ou desaparece

Exemplo: rostru > rosto / liliu > lírio

Nasalação

Um fonema oral torna-se nasal por influência de um fonema nasal

Exemplo: canes > cães / fine > fim

Desnasalação

Consiste na perda da ressonância nasal de algumas vogais

Exemplo: Bona > bõa > boa / cena > cea > ceia

Vocalização

As consoantes passam a vogais

Exemplo: Multu > muito / octo > oito

Sonorização

As consoantes surdas entre vogais transformam-se nas consoantes sonoras correspondentes.

Exemplo: amicu > amigo / totu > todo

Palatização

Um som ou grupo de sons torna-se palatal

Exemplo: planu > chão / flama > chama

Metáfese

Consiste em os fonemas mudarem de lugar, dentro da palavra. É um processo muito importante, que ainda hoje se verifica com a frequência, nomeadamente na linguagem popular.

Exemplo: semper > sempre / primariu > primeiro

Formação de Palavras

Derivação

Em que existe um radical e um ou mais afixos:

Page 90: Portefolio de Portugues

Chuvoso- chuv (radical) oso (sufixo)

Renovar- re (prefixo) nov (radical) ar (sufixo)

Composição

Em que existe mais de um radical ou palavra:

Amor-perfeito amor (nome) perfeito (adjetivo)

Telecomunicação – tele (radical) comunicação (nome)Palavras Primitivas e Derivadas

Palavras Primitivas

Chamam-se primitivas as palavras que não são formadas a partir de nenhuma outra

Exemplo: água, fazer, etc

Palavras Derivadas

Chamam-se derivadas aquelas palavras que se formam a partir de outra – água, fazer – a qual se juntou um ou vários prefixos ou sufixos:

Exemplo: aguadeiro, aguar, desaguar, desfazer, refazer

Derivação

Existem três processos de derivação propriamente dita:

-por prefixação-por sufixação-regressiva

Afixo: São os morfemas derivativos (prefixos e sufixos) que se juntam à palavra primitiva, acrescentando uma nova tonalidade à significação primitiva

Prefixo:

É o afixo que se junta antes:

Exemplo: desfazer (des+fazer)

Sufixo

É o afixo que se junta depois:

Exemplo: aguar (água+ar)

Page 91: Portefolio de Portugues

Exemplos de Sufixos

Parassintese

Quando o prefixo e sufixo se aglutinam ao mesmo tempo ao radical, sem se poder conceber uma palavra intermédia:

Exemplo: repatriar (re+pat+riar)

Composição

Aglutinação

É uma das formas de ligação de duas palavras primitivas.Quando da ligação de duas palavras resulta uma palavra nova com apenas uma sílaba acentuada, a palavra resultante diz-se composta por aglutinação

Exemplo: filho de algo > fidalgo / perna + alta > pernalta

Justaposição

É a outra forma de ligação de duas palavras primitivas.Quando as duas palavras mantêm a sua acentuação, dizemos que a nova palavra é composta por justaposição.

Exemplo: arroz-doce / passatempo

Compostos eruditos

Existem, ainda na nossa língua, muitas palavras formadas por radicais gregos e latinos, designadas por compostos eruditos.

Exemplo: termo-metro > termómetro

Relações Gráficas e Fonéticas

Homonímia

Quando temos duas palavras graficamente iguais, mas com origem e significados diferentes, estamos perante palavras homónimas

Exemplo: O rio continuava a correr pelo leito / Rio sempre que ouço uma boa piada

Homofonia

Quando temos duas palavras com significados e grafia diferentes mas foneticamente iguais, estamos perante palavras homófonas

Page 92: Portefolio de Portugues

Exemplo: Quando soar o sinal saímos / O esforço que fizemos fez-nos suar bastante

Homografia

Quando temos duas palavras com significados e pronúncias diferentes mas grafias idênticas, estamos perante palavras homógrafas.

Exemplo: A PSP policia o bairro de Chelas / Toda a polícia tem farda azul

Paronímia

Quando temos duas palavras com significados diferentes mas foneticamente muito próximas estamos perante palavras parónimas

Exemplo: Levo quatro livros / o meu quarto é grande

Hiperónimos e Hipónimos

Hiperónimos fruta roupa VertebradosHipónimos Maçã

CerejaCenouramelancia

VestidoCasacoLuvassaia

CrocodiloTartarugaRatoPássaro

Sintaxe

Coordenação e Subordinação

Sistematização

Quando as palavras se organizam em frases obedecem a regras especificas (de concordância, de ligação de frases, etc) e assumem determinadas funções (sujeito, predicado, etc)

Os estudos dessas regras e funções designa-se por sintaxe

Quando a frase é complexa, as orações estão ligadas entre si através de um processo de coordenação ou de subordinação.

Coordenação

É um processo de ligação de frases independentes que podemos associar de diversas maneiras.

As frases assumem a designação de coordenadas, as conjunções designam-se por coordenativas

Conjunções Coordenativas

Copulativas Adversativas Disjuntivas Conclusivas

Page 93: Portefolio de Portugues

ENemNão só…mas também

MasPorémTodaviaContudo

OuOra..oraQuer…QuerSeja…sejaNem…nem

LogoPoisPortantoPor conseguinte

Conjunções Subordinativas

Temporais Quando, apenas, enquanto, antes que, depois que, desde que, à medida que…

Causais Porque, pois, como, visto que, já que, pois que…

Concessivas Embora, ainda que, mesmo que, posto que, se bem que, por mais que, nem que…

Condicionais Se, caso, salvo se, desde que, a menos que, a não ser que…

Finais Para que, a fim de queConsecutivas (tal…) que, (tanto…) que, (tão…) queComparativas (mais, menos, maior, menor, melhor,

pior) do que, (tal) qual, como, assim como, bem como, como se…

Integrantes Que, se (quando introduzem 1ª oração que é sujeito ou complemento direto da oração anterior)

Preposição

É uma palavra invariável que liga dois termos (palavras ou conjunto de palavras) normalmente pertencentes à mesma oração, assinalando que o sentido do primeiro termo é explicado ou completado pelo segundo.

Preposições

A Com Durante Perante SemAnte Contra Em Por SobApós De Entre Salvo SobreAté desde para segundo trás

Locuções Prepositivas

Abaixo deAcerca deAcima de

A fim deAo lado deAo redor de

A par dePor entrePor sobre

Funções Sintáticas

Sistematização

Sujeito

Page 94: Portefolio de Portugues

É a entidade a qual se diz algo

Exemplo: ELE é meu amigo

…ou que realiza uma ação

Exemplo: ELE fez o trabalho.

É sempre expresso através de:-um substantivo -pronome-numeral (eventualmente)-uma oração

Variedades de Sujeito

Simples O CAVALO partiu a galopeComposto O BURRO E O GALO eram cantoresSubentendido (NÓS) fomos ao cinemaIndeterminado Contam-se histórias estranhas (não se

sabe quem conta)Inexistente Hoje choveu! Há que não o via. Era

Natal!

Funções Sintáticas associadas ao sujeito

Atributo

Exemplo: O cavalo BRANCO partiu a galope

Complemento determinativo

Exemplo: O cavalo de D.QUIXOTE tinha um grande nariz

Aposto

Exemplo: O cavalo, ROCINANTE, partiu a galope

Predicado

Engloba tudo aquilo que se diz sobre o sujeito

Variedades do Predicado

Nominal (verbos copulativos) Ele PARECIA uma fantasmaVerbal (verbos transitivos diretos e indiretos e intransitivos)

A Mariana DESCEU agora mesmo

Funções Sintáticas Associadas ao predicado

Page 95: Portefolio de Portugues

Complemento Direto

Exemplo: A Joana comeu UM BOLO

Complemento Indireto

Exemplo: A joan deu um bolo À MARIANA

Nome Predicativo do Sujeito

Exemplo: A Joana ficou SATISFEITA com o bolo

Nome Predicativo do Complemento Direto

Exemplo: A Joana considera a Mariana UMA AMIGA

Complemento agente da Passiva

Exemplo: O bolo foi comido PELA JOANA

Complementos Circunstanciais

De lugar (onde)

Exemplo: A Joana mora em LISBOA

De Companhia

Exemplo: A Joana mora em Lisboa COM OS AVÓS

De Fim

Exemplo: A Joana mora em Lisboa PARA ESTUDAR

De Meio

Exemplo: A Joana vai DE COMBOIO

De Lugar (donde)

Exemplo: A Joana partiu de Coimbra

De Lugar (por onde)

Exemplo: A Joana passa por Santarém

Funções Sintáticas Associadas a toda a frase

Vocativo

Page 96: Portefolio de Portugues

Exemplo: Ó JOANA, tu comeste o bolo?

Complementos Circunstanciais

De tempo

Exemplo: ONTEM a Joana comeu de bar

De Lugar

Exemplo: A Joana fez compras NO CENTRO COMERCIAL

De Causa

Exemplo: A Joana por DISTRAÇÃO não viu o Artur

De Modo

Exemplo: Infelizmente o Artur está doente

Discurso Direto, Indireto e Indireto Livre

Discurso Direto

É a transcrição fiel das falas das personagens, num texto. Formalmente escrito, surge depois dois pontos, antecedidos ou não de um verbo declarativo (dizer, perguntar, responder, etc) , parágrafo e travessão

Discurso Indireto

É a reprodução da fala das personagens, por outra entidade- narrador ou outra personagem, o que implica algumas transformações, sobretudo ao nível dos indicadores de tempo e de espaço, bem como de pessoa verbal

Transformação de Discurso Direto em Indireto

Elementos do Discurso Discurso Direto Discurso IndiretoSujeito da enunciação (todos os determinantes e pronomes associados ao sujeito da enunciação, bem como a pessoa verbal

1ª e 2ª pessoas 3ª pessoa

Tempo e modo verbal Presente, Pretérito Perfeito, Futuro e Imperativo

Imperfeito, Condicional, Pretérito mais-que-perfeito, Imperfeito do conjuntivo

Elementos definidores de Maior proximidade (aqui, Maior afastamento (acolá,

Page 97: Portefolio de Portugues

espaço e tempo (advérbios de tempo e lugar)

agora) naquele lugar, nesse dia)

Discurso Indireto Livre

É o discurso que, parecendo direto, não apresenta as marcas gráficas características, e o discurso que, sendo indireto, não utiliza o verbo declarativo e a conjunção

Pronomes

Pronomes Pessoais

Funções Sintáticas

Pessoa Sujeito C.D C.I sem preposição C.I com preposição Compl. circunstacial

1ª S eu me me mim mim migo

2ª S tu te te ti ti, tigo

3ª S ele, ela se, o ,a lhe si ele, ela si sigo ele, ela

1ª P nós nos nos nós nós vosco

2ª P vós vos vos vós vós vosco

3ª P eles, elas se, os, as lhes si, eles , elas si, sigo eles elas

Pronomes Possessivos

PessoaSingual Masculino

Singular Feminino

Plural Masculino

Plural Feminino

1ª S meu minha meus minhas

2ª S teu tua teus tuas

3ª S seu sua seus suas

1ª P nosso nossa nossos nossas

2ª P vosso vossa vossos vossas

3ª P seu sua seus suas

Pronomes Demonstrativos

Variáveis Invariáveis

Singular Plural

Masculino Feminíno Masculino Feminíno

este esta estes estas isto

esse essa esses essas isso

aquele aquela aqueles aquelas aquilo

o outro a outra os outros as outras

o mesmo a mesma os mesmosas mesmas

tal tal tais tais

o a os as

Pronomes Indefinidos

Page 98: Portefolio de Portugues

Variáveis Invariáveis

Singular Plural

Masculino Feminíno Masculino Feminíno

algum alguma alguns algumas alguém, algo

nenhum nenhuma nenhunsnenhumas ninguém

todo toda todos todas tudo

muito muita muitos muitas

pouco pouca poucos poucas

tanto tanta tantos tantas

outro outra outros outras outrem

certo certa certos certas

qualquer qualquer quaisquer quaisquer

cada

nada

Pronomes Interrogativos

Variáveis Invariáveis

Singular Plural

Masculino Feminíno Masculino Feminíno

qual? qual? quais? quais? que? O quê?

quanto? quanta? quantos? quantas? quem?

onde?

Graus dos Adjetivos

Graus dos Adjetivos

Comparativo Superioridade mais…do queIgualdade tão…quanto (ou como) osInferioridade menos…do que

Superlativo Relativo Superioridademais... de

Inferioridade menos…deAbsoluto Analítico muito…

Sintético …íssimo

Morfologia

Nome

Sistematização

Nome ou Substantivo é a designação que damos à classe de palavras que indica pessoas, animais, ou coisas – nomes concretos. Ou que indica ações, estados ou qualidades – nomes abstratos

Page 99: Portefolio de Portugues

Quando determinado ser se individualiza, designa-se por nome próprio, quando representa todos os seres da sua espécie, sem individualização, designa-se por nome comum

Há determinados substantivos que, apesar de se encontrarem no singular, referem um conjunto de seres ou coisas – são os coletivos como matilha (cães) alcateia (lobos), etc

Advérbios e Locuções Adverbiais

Sistematização

O advérbio é uma palavra invariável (não possui género nem número) que tem como função modificar o sentido da palavra que está associado, geralmente a um verbo.

Exemplos:

TipoLocuções Adverbiais

Modoassim, bem, mal, depressa, devagar, como, vagamente, à vontadede propósito, com efeito, em vão, sem mais, alerta, aliás,dignamente, felizmente, etc

Tempohoje, ontem, antes, agora, já, sempre, nunca, tarde, cedo, quandoantigamente, depois de amanhã, por ora, quase sempre, em breveanteontem, jamais, depois, atualmente, entretanto, então, aindalogo, etc

Lugar aqui, ali, acolá, além, perto, longe, dentro, fora, abaixo, acimaadiante, atrás, onde, aonde, de lado, em cima, à direita, de lésa lés, por onde, até onde, além, aquém, abaixo, acima, defrontedetrás, algures, nenhures, etc

Quantidade muito, pouco, mais, menos, demais, bastante, quase, tanto, tão/Intensida- excessivamente, quanto, por demais, pouco mais, pouco menosde nada

Negaçãonão, de modo algum, nem pensar, nem, nunca jamais, tão pouco

Afirmação sim, mesmo, certamente, realmente, efetivamente, exatamenteindubitavelmente, decerto, com certeza, nem mais, nem menos

Dúvida talvez, provavelmente, possivelmente, eventualmente, se, porventura, decerto, acaso, naturalmente

Inclusãoaté, ainda, também, mesmo, inclusive, inclusivamente

Exclusão só, apenas, senão, exclusive, somente, exclusivamente, única-mente, simplesmente

Designa-eis, cá está, aqui está

ção

Page 100: Portefolio de Portugues

O texto poéticoUm texto poético, normalmente, gera-se a parir de uma emoção, um ideal,

um desejo, um sentimento, uma revolta, enfim, uma realidade interior de grande intensidade e que leva o poeta a fixar numa forma particular essa vivência. Distingue-se da narrativa por não pretender contar uma história, mas antes expressar a mundividência do poeta.

Verso - Conjunto de palavras, de sentido completo ou não, com determinadas características rítmicas. Numa composição poética escrita aparece a ocupar uma linha, mesmo que tenha uma única palavra.

Estrofe - Verso ou conjunto de versos, geralmente com uma unidade de sentido. Cada conjunto, ao ser escrito, é demarcado de outro por um espaço. Cada estrofe recebe uma designação, segundo o número de versos que apresenta. Assim, há:

Page 101: Portefolio de Portugues

Monóstico – 1 versoDístico – 2 versosTerceto – 3 versosQuadra – 4 versosQuintilha – 5 versosSextilha – 6 versosSétima – 7 versosOitava – 8 versosNona – 9 versosDécima – 10 versos

Com mais versos, as estrofes designam-se pelo respectivo número de versos, por exemplo, estrofe de onze versos.

 

A quadra é a estrofe preferida da poesia popular.A oitava é a estrofe em que Camões escreveu “Os Lusíadas”.

O soneto é uma composição de 14 versos agrupados em duas quadras e dois tercetos. É a forma poética mais conhecida, sendo usada desde o século XVI.

Rima - A correspondência de sons a partir da vogal tónica da última palavra do verso designa-se por rima.

Primavera / quimera ; mundo / fundo 

A rima não é indispensável à poesia, mas contribui para o ritmo e expressividade de um poema.

Também facilita a memorização do próprio poema.

Rima consoante ou perfeita 

A rima apresentada é exemplo de rima consoante ou perfeita, pois há uma identificação total de sons a partir da última vogal tónica.

Rima toante ou imperfeita

Quando essa identificação não é total, designa-se por toante ou imperfeita:

Afago / lado

Rima rica e rima pobre

Campos de Aveiro. aManchas verdes de arroz b,E a vela dum barco moliceiro aQue um pirata ali pôs. B

A rima das palavras Aveiro e moliceiro é pobre por ambas pertencerem à mesma classe gramatical – o nome. A rima das palavras arroz e pôs é rica, pois pertencem a diferentes classes gramaticais: a primeira é um nome, a segunda, uma forma verbal.

   

Esquemas rimáticos

Page 102: Portefolio de Portugues

 

Para determinar o esquema rimático de uma estrofe atribui-se uma letra a cada rima. As quadras que anteriormente serviam de exemplificação teriam o esquema a b a b, ou seja, rimas cruzadas, por se combinarem de forma alternada. Os outros tipos mais frequentes são: rima emparelhada (os versos rimam dois a dois seguindo o esquema aa bb cc); rima interpolada (os versos que rimam estão separados por dois ou mais seguindo o esquema a bbb a); rima encadeada (a rima final de um verso encontra correspondência no meio do verso seguinte).

Verso branco 

Quando a palavra final de um verso não encontra correspondência sonora em nenhum outro designa-se por verso branco ou solto.

Acentuação da rima

Os versos recebem a designação de versos agudos, graves ou esdrúxulos, conforme a sua palavra final for aguda, grave ou esdrúxula.

MétricaSílabas métricas (metro)

 

O verso Campos de Aveiro tem seis sílabas gramaticais (Cam / pos / de / A / vei / ro), mas tem quatro sílabas métricas: Cam / pos / d’A / vei, verificando-se uma elisão rítmica das palavras d’A.

Segundo as regras de contagem de sílabas métricas – metro –, estas contam-se pelo que efectivamente se ouve até à última sílaba acentuada.Pôr em evidência e contar as sílabas métricas é escandir um verso.Ao fazer a escansão podem surgir situações como a da palavra viola (vi / o / la ou vio / la), que permite duas dimensões de acordo com as necessidades de acerto da métrica.

Classificação quanto ao número de sílabas métricas 

Os versos apresentam um número variável de sílabas, recebendo designações em função desse número. Assim, conforme apresentam de 1 a 12 sílabas, recebem as designações seguintes:

1 – monossílabo2 – dissílabo3 – trissílabo4 – tetrassílabo5 – pentassílabo6 – hexassílabo7 – heptassílabo 8 – octossílabo9 - eneassílabo10 – decassílabo11 – hendecassílabo12 – dodecassílabo

Os versos mais frequentes são de 5, 7, 10 e 12 sílabas. Alguns destes têm designações especiais:- verso de 5 sílabas: pentassílabo ou redondilha menor;- verso de 7 sílabas: heptassílabo ou redondilha maior;- verso de 12 sílabas: dodecassílabo ou alexandrino.

Page 103: Portefolio de Portugues

Recursos fónicos

AliteraçãoA ocorrência repetida de um mesmo som consonântico em várias palavras pode provocar um efeito sonoro significativo. Este recurso expressivo recebe o nome de aliteração. A quadra do poema Insóniade Sidónio Muralha que se apresenta é exemplificação de uma aliteração em s. Esta consoante sugere a agitação que uma insónia provoca.

o silêncio prossegue e eu não consigositiá-lo nem ele me sitiasimplesmente prossegue e eu prossigonuma surda e severa simetria

Assonância

Recurso expressivo que consiste na repetição de um mesmo som vocálico que provoca um efeito sonoro significativo. Uma rima também é uma assonância. Este recurso pode ocorrer em conjunto com a aliteração.

Onomatopeia

Repetição de sons que imitam vozes ou ruídos:Cricri, tic-tac, tlim-tlim, miau…Há palavras que se formaram a partir de onomatopeias (palavras onomatopaicas):tilintar, zumbir, murmurar…

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Características da Epopeia

A epopeia remonta á Antiguidade grega e latina e tem como exponentes máximos a Ilíada e a Odisseia, poemas gregos atribuídos a Homero, poema de Roma da autoria de Virgilio.

A epopeia é um género narrativo em verso.

Como qualquer narrativa tem uma acção que envolve personagens situadas num determinado espaço e tempo. No entanto, a narrativa épica tem características específicas.

A Aristóteles, filósofo grego do século III a.C, se deve o primeiro estudo sistemático sobre Poesia. A sua Poética (de que se perdeu parte do texto) contém, tal como a conhecemos, um estudo sobre a Tragédia e a Epopeia e uma comparação entre estes dois gémeos literários. È pois um texto fundamental para estes dois gémeos literários. É pois um texto fundamental para a definição de epopeia, sendo as de Homero apresentadas como modelo. No século I a.C, o poeta latino Horácio, na sua Arte Poética, redefiniu algumas regras e, finalmente, no Renascimento, as poéticas de Aristóteles e Horácio foram retomadas e completadas de acordo com os valores de então. Segundo o cânone, são varias as normas que presidem á epopeia:

· a acção épica – deve ter grandeza e soleniade, deve ser a expressão do heroísmo;

Page 105: Portefolio de Portugues

· o protagonista – (rei, grande dignitário , herói), além da sua alta estirpe social, deve revelar grande valor moral;

· o inicio de Narração apresenta-nos a acção já numa fase adiantada (“in media res”)

· a epopeia deve ter unidade de acção (assim, para não quebrar a unidade de acção, as narrações retrospectivas e as profecias surgem frequentemente nas epopeias para contare factos passados e futuro em relação a acção fulcral; Aristoteles cita o exemplo de Homero que não conta, na Ilíada, a Guerra de Troía com a sua diversidade de acontecimentos, mas situa a acção numa fase já adiantada do conflito e, sob a forma de episódios, apresenta um grande numero de ouros factos já passados);

· os episódios não só dão á epopeia extensão, como a enriquecem sem quebrar a unidade da acção;

· o maravilhoso (intervenção dos deuses) deve intervir na acção da epopeia;

· o género épico utiliza o modo narrativo; o poeta narra em seu próprio nome ou assumindo personalidades diversas;

· a intervenção do poeta, tecendo considerações em seu próprio nome deve ser reduzida. (Mais uma vez é referido o exemplo de Homero que, depois de um curto preâmbulo – Invocação e Proposição – passa de imediato á Narração)

· de acordo com as poéticas do renascimento, a epopeia deve ser escrita num estilo solene e grandioso, de acordo com a natureza heróica dos factos narrados. Deve também ser escrita em verso decassilábico.

Os Lusíadas

Estrutura Interna e Externa

A estrutura externa

O poema está escrito em versos decassílabos, com predomínio do decassílabo heróico (acentos pa 6ª e 10ª sílabas). É considerado o metro mais adequado á poesia épica, pelo seu ritmo grave e vigoroso. Surgem também alguns raros exemplos de decassílabo sáfico (acentos na 4ª, 8ª e 10ª sílaba).

· As estrofes são de oito versos e apresentam o seguinte esquema rimático – “abababcc” ( a este tipo estrófico costuma chamar-se oitava rima, oitava heróica ou oitava italiana)

· As estrofes estão distribuídas por 10 cantos. O número de estrofes por canto vario de 87, no canto VII, a 156 no canto X. No seu conjunto, o poema apresenta 1102 estrofes.

A estrutura interna

1. As partes constituintes

Page 106: Portefolio de Portugues

Os Lusíadas constroem-se pela sucessão de quatro fontes:

· Proposição – parte introdutória, na qual o poeta anuncia o que vai cantar (Canto I, estrofes 1-3)

· Invocação – pedido de ajuda as divindades inspiradores (A principal invocação é feita as Tágides, no canto I, estrofes 4 e 5, ás Ninfas do Tejo e do Mondego, no canto VII 78-82 e, finalmente, a Calíope, no Canto X, estrofe 8)

· Dedicatória – oferecimento do poema a uma personalidade importante. (Esta parte, facultaria, pode ter origem nas Geórgicas de Virgilio ou nos Fastos de Ovídio; não existe em nenhuma das epopeias da Antiguidade)

· Narração – parte que constitui o corpo da epopeia; a narrativa das acções levadas a cabo pelo protagonista. (Começando no Canto I, estrofe 19, só termina no Canto X, estrofe 144, apresentando apenas pequenas interrupções pontuais).

2. Os planos narrativos

Obra narrativa complexa, Os Lusíadas constroem-se através da articulação de três planos narrativos, não deixando, ainda assim, de apresentar uma exemplar unidade de acção.

Como plano narrativo fuleral apresenta-nos a viagem de Vasco da Gama à India. Continuamente articulado a este e paralelo a ela, surge um segundo plano que diz respeito à intervenção dos deuses do Olimpo na Viagem. Encaixado no primeiro plano, tem lugar um terceiro, que é constituído pela História de Portugal, contada por Vasco da Gama ao rei de Melindo, para Paulo da Gama e por entidades dividas que vaticinam futuros feitos dos Portugueses.

Análise Canto I

O poeta indica o assunto global da obra, pede inspiração as Ninfas do Tejo e dedica o poema ao rei D. Sebastião. Na estrofe 19 inicia a narração da viagem de Vasco da gama, referindo brevemente que a armada já se encontra no Oceano Índico, no momento em que os deuses do Olimpo se reúnem, em Consílio convocado por Júpiter, para decidirem se os Portugueses deverão chegar á Índia. Apesar da oposição de Baco e graças á intervenção de Vénus e Marte, a decisão é favorável aos Portugueses que entretanto cheguem á Ilha de Moçambique. Aí, Baco prepara-lhes várias ciladas que culminam no fornecimento de um piloto por ele industriado a conduzi-los ao perigoso porto de duíloa. Vénus intervém, afastando a armada do perigo e fazendo-a retomar o caminho certo ate Mombaça. No final do Canto, o Poeta reflecte acerca dos perigos que em toda a parte espreitam o homem.

Proposição

As armas e os barões assinalados

Que da ocidental praia Lusitana,

Por mares nunca de antes navegados,

Passaram ainda além da Taprobana,

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Em perigos e guerras esforçados,

Mais do que prometia a força humana,

E entre gente remota edificaram

Novo Reino, que tanto sublimaram;

E também as memórias gloriosas

Daqueles Reis, que foram dilatando

A Fé, o Império, e as terras viciosas

De África e de Ásia andaram devastando;

E aqueles, que por obras valerosas

Se vão da lei da morte libertando;

Cantando espalharei por toda parte,

Se a tanto me ajudar o engenho e arte.

Cessem do sábio Grego e do Troiano

As navegações grandes que fizeram;

Cale-se de Alexandro e de Trajano

A fama das vitórias que tiveram;

Que eu canto o peito ilustre Lusitano,

A quem Neptuno e Marte obedeceram:

Cesse tudo o que a Musa antígua canta,

Que outro valor mais alto se alevanta.

Reflexão:

A proposição permite ao poeta enunciar o propósito de cantar aos feitos alcançados pelos heróis portugueses, apresentando-os com heróis colectivos mistificados que se superiorizar em relação aos heróis da antiguidade clássica.

Invocação

E vós, Tágides minhas, pois criado

Tendes em mim um novo engenho ardente,

Se sempre em verso humilde celebrado

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Foi de mim vosso rio alegremente,

Dai-me agora um som alto e sublimado,

Um estilo grandíloquo e corrente,

Porque de vossas águas, Febo ordene

Que não tenham inveja às de Hipoerene.

Dai-me uma fúria grande e sonorosa,

E não de agreste avena ou frauta ruda,

Mas de tuba canora e belicosa,

Que o peito acende e a cor ao gesto muda;

Dai-me igual canto aos feitos da famosa

Gente vossa, que a Marte tanto ajuda;

Que se espalhe e se cante no universo,

Se tão sublime preço cabe em verso.

Reflexão:

O poeta pede inspiração ás Tágides, entidades míticas nacionais, jogando a varidade das ninfas e também com o seu espírito de gratidão ao recordar-lhes que sempre as celebram na sua poesia. É significativa a valorização do estilo épico, por comparação com o estilo lírico, pois, é mais adequado á grandeza dos feitos dos heróis que vai contar.

Dedicatória

Camões dedica a sua obra ao Rei D. Sebastião a quem louva por aquilo que ele representa para a independência de Portugal e para a dilatação do mundo cristão; louva-o ainda pela sua ilustre e cristianíssima ascendência e ainda pelo grande império de que é Rei (estrofes 6 , 7 e 8).

Segue-se uma segunda parte que constitui o apelo dirigido ao Rei: “referindo-se com modéstia á sua obra, pede ao rei que a leia; na breve exposição que faz do assunto, o poeta evidencia que a sua obra não versava heróis e factos lendários ou fantasiosos, mas sim matéria história real (estrofes 9 a 14)

Termina o seu discurso incitando o Rei a dar continuidade aos feitos gloriosos dos portugueses, combatendo os mouros e invocando depois o pedido de que leia os seus versos (estrofes 15 a 18).

Consílio dos Deus no Olimpo

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A narração começa com o plano central (estrofe 19), logo interrompido pela inclusão do plano mitológico (estrofe 20).

Neste consílio, presidido por Júpiter, o pai dos deuses pretende dar conhecimento á assembleia da sua determinação em ajudar os portugueses a chegar á India, conforme estava predestinado pelo “fado”. Júpiter justifica a sua decisão elogiando as proezas historias do povo português e a coragem com que agora procuram dominar os mares desconhecidos. Há vários aspectos que contribuem para o engrandecimento do herói nacinal, neste episodio:

· A admiração do “grande valor” e da “forre gente de Luso” manifestada por Jupiter;

· Temor de Baco de que o perder dos portugueses destrua o seu poder no oriente, fazendo esquecer “seus feitos”;

· O carinho e a afeição de verbos pela “gente Lusitana”, de “fortes corações” e “grande estrela”;

· O respeito pela “gente forte” revelado por Marte.

Reflexão do Poeta

O recado que trazem é de amigos,

Mas debaixo o veneno vem coberto;

Que os pensamentos eram de inimigos,

Segundo foi o engano descoberto.

Ó grandes e gravíssimos perigos!

Ó caminho de vida nunca certo:

Que aonde a gente põe sua esperança,

Tenha a vida tão pouca segurança!

No mar tanta tormenta, e tanto dano,

Tantas vezes a morte apercebida!

Na terra tanta guerra, tanto engano,

Tanta necessidade avorrecida!

Onde pode acolher-se um fraco humano,

Onde terá segura a curta vida,

Que não se arme, e se indigne o Céu sereno

Contra um bicho da terra tão pequeno?

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Reflexão:

Este poema mostra-nos a reflexão do poeta sobre a insegurança da vida humana.

Análise Canto II

Já neste tempo o lúcido Planeta,

Que as horas vai do dia distinguindo,

Chegava à desejada e lenta meta,

A luz celeste às gentes encobrindo,

E da casa marítima secreta

Lhe estava o Deus Noturno a porta abrindo,

Quando as infidas gentes se chegaram

As naus, que pouco havia que ancoraram.

Dentre eles um, que traz encomendado

O mortífero engano, assim dizia:

"Capitão valeroso, que cortado

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Tens de Neptuno o reino e salsa via,

O Rei que manda esta ilha, alvoroçado

Da vinda tua, tem tanta alegria,

Que não deseja mais que agasalhar-te,

Ver-te, e do necessário reformar-te.

"E porque está em extremo desejoso

De te ver, como cousa nomeada,

Te roga que, de nada receoso,

Entres a barra, tu com toda armada:

E porque do caminho trabalhoso

Trarás a gente débil e cansada,

Diz que na terra podes reformá-la,

Que a natureza obriga a desejá-la.

"E se buscando vás mercadoria

Que produze o aurífero Levante,

Canela, cravo, ardente especiaria,

Ou droga salutífera e prestante;

Ou se queres luzente pedraria,

O rubi fino, o rígido diamante,

Daqui levarás tudo tão sobejo

Com que faças o fim a teu desejo."

(...)

O rei de Mombaça, influenciado por Baco, convida os portugueses a entrar no porto para os destruir. Vasco da Gama, ignorando as intenções, aceita o convite pois os dois condenados que mandava a terra colher informações tinham regressado com a boa notícia de ser aquela uma terra de cristãos. Na verdade, tinham sido enganados por Baco, disfarçado de sacerdote. Vénus, ajudada pelas Nereidas, impede a armada de entrar no porto de Mombaça. Os emissários do rei e o falso piloto julgando terem sido descobertos, põem-se em fuga. Vasco da gama, apercebendo-se do perigo que correra, dirige uma prece a deus. Vénus comovo-se e vai pedir a Júpiter que proteja os portugueses, ao que ele acede e, para consolar, profetiza futuras glórias dos Lusitanos. Na sequência do pedido, Mercúrio é enviado a terra e, em

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sonhos, indica a Vasco da Gama o caminho até Melinde onde, entretanto, lhe prepara uma calorosa recepção. A chegada dos Portugueses a Melinde é efectivamente saudade com festejos e o Rei desta cidade visita a armada, pedindo a Vasco da Gama que lhe conte a historia do seu país.

Análise Canto III

Após uma invocação do Poeta a Calíope, Vasco da gama inicia a narrativa da História de Portugal. Começa por referir a situação de Portugal na Europa e a lendária história de Luso a Viriato. Segue-se a formação da nacionalidade e depois a enumeração dos feitos guerreiros dos Reis da 1ª Dinastia, de D. Afonso Henriques a D. Fernando. Destacam-se os episódios da Batalha de Ourique, no reinado de D. Afonso Henriques e o da Formosíssima Maria, da batalha do Salado e de Inês de Castro, no reinado de D. Afonso IV.

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Análise Canto IV

Vasco da Gama prossegue a narrativa da Historia de Portugal. Conta agora a história da 2ª Dinastia, desde a revolução de 1385-85, até ao momento, do reinado de D. Manuel, em que a armada de Vasco da Gama parte para a Índia. Após a narrativa da revolução que incide na figura de Nuno Alvares Pereira e na Batalha de Aljubarrota, seguem-se os acontecimentos dos reinados de D. João I a D. João II. É assim que surge a narração dos preparativos da viagem á India, desejo que D. João II não conseguiu concretizar antes de morrer e que iria ser realizado por D. Manuel, a quem os rios Indo e Ganges apareceram em sonhos, profetizando futuras glorias no Oriente. Este canto termina com a partida da armanda, cujos navegantes são surpreendidos pelas palavras profeticamente pessimistas de um velho que estava na praia, entre a multidão. É o episódio do Velho do Restelo.

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Despedidas em Belém

Trata-se de um momento lírico da narrativa que faz sobressair os sentimentos dos que ficavam e que, antecipadamente, choravam a perda dos que partiam; sobressaem também os sentimentos dos navegadores que tiveram nos seus amados e a saudade que eles próprios já começavam a sentir.

Alcançar a glória tem um preço, é toda uma nação que é envolvida no drama e será, depois, toda uma nação que alcançará a glória. (confrontar este episodio com o poema “Mar Português” da “Mensagem” de Fernando Pessoa)

O Velho do Restelo

Este episódio introduz uma perspectiva posta á do espírito épico, uma vez que o “Velho” aplica de vaidade aquilo que os outros chamam “Fama e Glória”, “esforço e valentia”. Ele é o porta-voz do bom senso e da prudência ou daqueles que nesse tempo defendiam a expansão para o norte de África. Outros designam-no como voz da condenação da ousadia humana, do impulso do Homem para transcender tudo o que o limita.

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Canto V

Vasco da Gama prossegue a sua narrativa ao Rei de Melinde, contando agora a viagem de armada, de Lisboa a Melinde. É a narrativa da grande aventura marítima, em que os marinheiros observavam maravilhados ou inquietos o Cruzeiro do Sul, o Fogo de Santelmo ou a Tromba Marítima e enfrentaram perigos e obstáculos enormes como a hostilidade dos nativos, no episodio de Fernão Veloso, a fúria de um monstro, no episodio do Gigante Adamastor, a doença e a morte provocadas pelo encoberto.

O canto termina com a censura do poeta aos seus contemporâneos que desprezam a Poesia.

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Canto VI

Finda narrativa de Vasco da Gama, a armada sai de Melinde guiada por um piloto que deverá ensinar-lhe o caminho até Calecut. Baco, Vendo que os portugueses estão prestes a chegar à Índia, resolve pedir ajuda a Neptuno, que convoca um Consílio dos Deuses Marinhos cuja decisão é apoiar Baco, ordenando a Éolo que solte os ventos e faça afundar a armanda. É então que, enquanto os marinheiros matam despreocupadamente o tempo ouvindo Fernão Veloso contar o episodio lendário e cavaleiresco de Os Doze de Inglaterra, surge uma violente tempestade. Vasco da Gama, vendo as suas caravelas quase perdidas, dirige uma prece a deus e, mais uma vez é Venús que ajuda os Portugueses, mandando as Ninfas amorosas seduzir os ventos para os acalmar. Dissipada a tempestade, a armada avista Calecut e Vasco da Gama agradece a Deus.

O Canto termina com considerações do poeta sobre o valor da Fama e da Glória conseguidas através dos grandes feitos.

Reflexão do poeta

Reflexão autobiográfica em que o poeta enumera as várias adversidades que passou para fazer espelhar o modelo de virtudes anunciado na reflexão anterior.

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Canto VIII

Na primeira figura se detinha

O Catual que vira estar pintada,

Que por divisa um ramo na mão tinha,

A barba branca, longa e penteada:

"Quem era, e por que causa lhe convinha

A divisa, que tem na mão tomada?"

Paulo responde, cuja voz discreta

O Mauritano sábio lhe interpreta.

"Estas figuras todas que aparecem,

Bravos em vista e feros nos aspectos,

Mais bravos e mais feros se conhecem,

Pela fama, nas obras e nos feitos:

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Antigos são, mas ainda resplandecem

Colo nome, entre os engenhos mais perfeito

Este que vês é Luso, donde a fama

O nosso Reino Lusitânia chama.

"Foi filho e companheiro do Tebano,

Que tão diversas partes conquistou;

Parece vindo ter ao ninho Hispano

Seguindo as armas, que contino usou;

Do Douro o Guadiana o campo ufano,

Já dito Elísio, tanto o contentou,

Que ali quis dar aos já cansados ossos

Eterna sepultura, e nome aos nossos.

"O ramo que lhe vês para divisa,

O verde tirso foi de Baco usado;

O qual à nossa idade amostra e avisa

Que foi seu companheiro e filho amido.

Vês outro, que do Tejo a terra pisa,

Depois de ter tão longo mar arado,

Onde muros perpétuos edifica,

E templo a Palas, que em memória fica?

(...)

Paulo da Gama explica ao Catual o significado dos símbolos das bandeiras portuguesas, contando-lhe episódios da História de Portugal nelas representados. Baco intervém de novo contra os portugueses, aparecendo em sonhos a um sacerdote brâmane e investigando-o contra os Navegadores através da informação de que vêm com o intuito de pilhagem. O Samorim interroga Vasco da Gama, que acaba por regressar ás naus, mas é retido no caminho pelo Catual subornado, que apenas deixa partir os portugueses depois destes lhe entregarem as fazendas que traziam.

O Poeta teve considerações sobre o vil poder do ouro.

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Canto IX

Tiveram longamente na cidade,

Sem vender-se, a fazenda os dois feitores

Que os infiéis, por manha e falsidade,

Fazem que não lha comprem mercadores;

Que todo seu propósito e vontade

Era deter ali os descobridores

Da Índia tanto tempo, que viessem

De Meca as naus, que as suas desfizessem.

Lá no seio Eritreu, onde fundada

Arsínoe foi do Egípcio Ptolomeu,

Do nome da irmã sua assim chamada,

Que depois em Suez se converteu,

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Não longe o porto jaz da nomeada

Cidade Meca, que se engrandeceu

Com a superstição falsa e profana

Da religiosa água Maumetana.

Gidá se chama o porto, aonde o trato

De todo o Roxo mar mais florescia,

De que tinha proveito grande e grato

O Soldão que esse Reino possuía.

Daqui aos Malabares, por contrato

Dos infiéis, formosa companhia

De grandes naus, pelo Índico Oceano,

Especiaria vem buscar cada ano.

Por estas naus os Mouros esperavam,

Que, como fossem grandes e possantes,

Aquelas, que o comércio lhe tomavam,

Com flamas abrasassem crepitantes.

Neste socorro tanto confiavam,

Que já não querem mais dos navegantes,

Senão que tanto tempo ali tardassem,

Que da famosa Meca as naus chegassem.

(...)

Após vencerem algumas dificuldades, os Portugueses saem de Calecut, iniciando a viagem de regresso á Pátria. Vénus decide preparar uma recompensa para os marinheiros, fazendo-os chegar á Ilha dos Amores. Para isso, manda o seu filho Cupido desfechar setas sobre as Ninfas que, feridas de Amor e pela Deusa instruídas, receberão apaixonadas os Portugueses. A armada avista a Ilha dos Amores e, quanto os marinheiros desembarcam para caçar, vêem as Ninfas que se deixam perseguir e depois seduzir. Tétis explica a Vasco da Gama a razão daquele encontro, referindo as futuras glórias que lhe serão dadas a conhecer. Após a explicação da simbologia da Ilha, o Poeta termina, tecendo considerações sobre a fama de alcançar a Fama.

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A grandeza dos descobrimentos também se mede pela grandeza do premo e esse dói o da Imortalidade, simbolicamente representada na união entre os Homens e as Deusas.

Na parte final do episodio o poeta reafirma os valores daqueles que podem ser recebidos na Ilha: a justiça, a coragem, o amor á pátria e a lealdade ao Rei.

Ilha dos Amores

Terminada a viagem do Gama e antes de regressarem a Portugal, o poeta dirige os nautas para a Ilha dos Amores, onde, por acção de Vénus e Cupido, receberão o prémio do seu esforço.

Trata-se de uma ilha paradisíaca, de uma beleza deslumbrante. A descrição do consórcio entre os portugueses e as ninfas está repassada de sensualidade. Os prazeres que lhes são oferecidos são o justo prémio por terem perseguido o seu objectivo sem hesitações.

Em primeiro lugar, serve para desmitificar o recurso à mitologia pagã, apresentada aqui como simples ficção, útil para "fazer versos deleitosos". Em segundo lugar, representa a glorificação do povo português, a quem é reconhecido um estatuto de excepcionalidade. Pelo seu esforço continuado, pela sua persistência, pela sua fidelidade à tarefa de expansão da fé cristã, os portugueses como que se divinizam. Tornam-se assim dignos de ombrear com os deuses, adquirindo um estatuto de imortalidade que é afinal o prémio máximo a que pode aspirar o ser humano.

De certo modo, podemos dizer que é o amor que conduz os portugueses à imortalidade. Não o amor no sentido vulgar da palavra, mas o amor num sentido mais amplo: o amor desinteressado, o amor da pátria, o amor ao dever, o empenhamento total nas tarefas colectivas, a capacidade de suportar todas as dificuldades, todos os sacrifícios. É esse amor que manifestam Gama e os seus homens; é ele que permite a tantos libertar-se da "lei da morte". É também esse amor que conduz Camões a "espalhar" os feitos dos seus compatriotas por toda a parte e tornar-se, também ele, imortal.

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Reflexão do Poeta

Os últimos versos da obra revelam sentimentos contraditórios: o desalento, o orgulho e a esperança.

1. O poeta recusa continuar o seu canto, não por cansaço, mas por desânimo, o que provêm da contratação…metida no gosto da cobiça e na rudeza, imagem que representa o Portugal do seu tempo;

2. Mas exprime o seu orgulho naqueles que continuam dispostos a lutar pela grandeza da pátria;

3. E afirma a esperança de que o rei saiba aproveitar e estimular essas energias para dar continuidade á glorificação do “peito ilustre lusitano”

4. Em suma, a glória do passado deverá ser encarada como um exemplo presente para construir um futuro grandioso.

A Mensagem

Mensagem a epopeia lírica

A Mensagem, cujas poesias componentes foram escritas entre 1913 e 1934 – data da sua publicação, é sem dúvida a obra-prima onde pessoa lapidarmente imprimiu o seu ideal patriótico, sebastianista e regenerador. É um poema nacional, uma versão moderna, espiritualista e profética de Os Lusíadas.

A Mensagem poderá ser vista com uma epopeia. Porque parte dum núcleo histórico, mas a sua formulação sendo simbólica e mítica, do relato histórico, não possuirá a continuidade. Aqui, a acção dos heróis, só adquire pleno significado dentro duma referência mitológica. Aqui serão só eleitos, terão só direito à imortalidade, aqueles homens e feitos que manifestam em si esses mitos significativos. Assim, sua estrutura será dada pelo que, noutra ideias/forças desse povo: regresso do paraíso, realização do impossível, espera do messias… raízes do desenvolvimento dessa entidade colectiva.

Os antepassados, os fundadores, que pela sua acção criaram a pátria, e ergueram a personalidade, separada, ou plasmaram na sua altura própria; mas Mães, as que estão na origem das suas dinastias, cantadas como “Antigo seio vigilante”, ou “humano ventre do império”; os heróis navegantes, aqueles que percorreram o mar em busco do caminho da imortalidade, cumprindo um dever individual e pátrio (realização terrestre duma missão transcendente); e, finalmente, depois dessa missão cumprida, dessa realização. Na era

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crepuscular de fim de vida, os profetas, as vozes que anunciam já aquele que viria regenerar essa pátria moribunda, abrindo-lhe novo ciclo de vida, uma nova era – o Encoberto.

A estrutura da obra

Assim, a estrutura da Mensagem, sendo a dum mito numa teoria cíclica, a das Idades, transfigura e repete a história duma pátria como o mito dum nascimento, vida e morte dum mundo; morte que será seguida dum renascimento. Desenvolvendo-a como uma ideia completa, de sentido cósmico, e dando-lhe a forma simbólica tripartida – Brasão, Mar Português, O Encoberto. Que se poderá traduzir como: os fundadores, ou o nascimento; a realização, ou a vida; o fim das energias latentes, ou a morte; essa conterá já em si, como gérmen, a próxima ressurreição, o novo ciclo que se anuncia – o Quinto Império. Assim, a terceira parte, é toda ela cheia de avisos, preenche de pressentimentos, de forças latentes prestes a virem á luz: depois da Noite e Tormenta, vem a Calma e a Antemanhã: estes são os Tempos. E aí sempre perpassarão, com um repetido fulgor, sempre a mesma mas em modelações diversas, a nota da esperança: D. Sebastião, O Desejado, O Encoberto…

É dessa forma, o mítico caos, a noite, o abismo, donde surgirá o novo mundo, “Que jaz no abismo sob o mar que se segue”.

Mensagem

Carácter épico-lírico

· A Mensagem é uma obra épico-lírica, pois, como uma epopeia, parte de um núcleo histórico (heróis e acontecimentos da História de Portugal), mas apresenta uma dimensão subjectiva introspectiva, de contemplação interior, característica própria do lirismo.

O mito

· As figuras e os acontecimentos históricos são convertidos em símbolos, em mitos, que o poeta exprime liricamente. “O mito é o nada que é tudo”, verso do poema “Ulisses”, é o paradoxo que melhor define essa definição simbólica da matéria histórica da Mensagem.

Sebastianismo

· A Mensagem apresenta um carácter profético, visionário, pois antevê um império futuro, não terreno, e ansiar por ele é perseguir o sonho, a quimera, a febre de além, a sede de Absoluto, a ânsia do impossível, a loucura. D. Sebastião é o mais importante símbolo da obra que, no conjunto dos seus poemas, se alicerça, pois, num sebastianismo messiânico e profético.

Quinto Império: império espiritual

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· É esta a mensagem de Pessoa: a Portugal, nação construtora do Império no passado, cabe construir o Império do futuro, o Quinto Império. E enquanto o Império Português, edificado pelos heróis da Fundação da nacionalidade e dos Descobrimentos é termo, territorial, material, o Quinto Império, anunciado na Mensagem, é um espiritual. “E a nossa grande raça partirá em busca de uma Índia nova, que não existe no espaço, em naus que são construídas daquilo que os sonhos são feitos… “A Mensagem contém, pois, um apelo futuro”.

A estrutura

· A Mensagem está dividida em três partes. Esta tripartição corresponde a três momentos do Império Português: nascimento, realização e morte. Mas essa morte não é definitiva, pois pressupõe um renascimento que será o novo império, futuro e espiritual.

Mensagem (Resumido)

1. Nascimento – 1ª Parte “Brasão”

Fundação da nacionalidade, desfile de heróis lendários ou históricos, desde Ulisses a D. Afonso Henriques, D. Dinis ou D. Sebastiao.

2. Realização – 2ª Parte “Mar Português”

Poemas inspirados na ânsia do Desconhecido e no esforço heróico da luta com o mar. Apogeu da acção portuguesa dos Descobrimentos, em poemas como “O Infante”, “O Mostrengo”, “Mar Português”.

3. Morte – 3ª Parte “O Encoberto”

Morte das energias de Portugal simbolizada no “nevoeiro”; afirmação do sebastianismo representado na figura do “Encoberto”; apelo e ânsia messiânica da construção do Quinto Império.

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Análise do Poema "O dos Castelos"

A Europa jaz, posta nos cotovelos:

De Oriente a Ocidente jaz, fitando,

E toldam-lhe românticos cabelos

Olhos gregos, lembrando.

O cotovelo esquerdo é recuado;

O direito é em ângulo disposto.

Aquele diz Itália onde é pousado;

Este diz Inglaterra onde, afastado,

A mão sustenta, em que se apoia o rosto.

Fita, com olhar esfíngico e fatal,

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O Ocidente, futuro do passado.

O rosto com que fita é Portugal.

Reflexão:

Tal como neste poema da “Mensagem”, a estrofe de “Os Lusíadas” indica Portugal como “cabeça da Europa toda” atribuindo-lhe uma missão predestinada. Mas “n’Os Lusíadas” essa missão é ditada pelo “Céu” que quis que Portugal vencesse na luta contra os mouros enquanto que na “Mensagem” a missão de Portugal será mais abrangente.

Análise do Poema "Ulisses"

O mito é o nada que é tudo.

O mesmo sol que abre os céus

É um mito brilhante e mudo --

O corpo morto de Deus,

Vivo e desnudo.

Este, que aqui aportou,

Foi por não ser existindo.

Sem existir nos bastou.

Por não ter vindo foi vindo

E nos criou.

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Assim a lenda se escorre

A entrar na realidade,

E a fecundá-la decorre.

Em baixo, a vida, metade

De nada, morre.

Reflexão:

Ulisses, o herói da guerra de Tróia e protagonista da obra odisseia de Hómero, é um dos grandes mitos da civilização grega, e segundo a lenda, terá fundado Lisboa. Ao recuperar esta lenda e elege-lo como um dos primeiros poemas da “Mensagem”, Fernando pessoa tem precisamente a intenção de atribuir a Portugal uma origem mítica, que é mais valiosa de que qualquer origem histórica (os heróis desta obra são localizadas sobretudo no seu lado mítico).

Tal como na “Mensagem”, Camões recupera nos Lusíadas a lenda de que Ulisses terá fundando Lisboa.

Análise do Poema "D. Afonso Henriques"

Pai, foste cavaleiro.

Hoje a vigília é nossa.

Dá-nos o exemplo inteiro

E a tua inteira força!

Dá, contra a hora em que, errada,

Novos infiéis vençam,

A bênção como espada,

A espada como bênção!

Reflexão:

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Este poema apresenta-se como uma prece dirigida a D. Afonso Henriques, “Pai” de uma geração que lendariamente recebeu a força e a missão de Deus. O sujeito poético, assumindo-se como voz do colectivo português, pede ao Rei-Rei que dê ao seu povo o exemplo, a força e a bênção, porque “Hoje a vigília é nossa”, somos nós que temos que ser cavaleiros contra “novos infiéis”, fantasmas do adormecimento colectivo.

Implicitamente, este poema recupera a lenda da Batalha de Ourique, que atribuiu uma dimensão sagrada á fundação de Portugal, tal como nos é apresentando no episódio “Batalha de Ourique” de Os Lusíadas.

Análise do Poema "D. Sebastião Rei de Portugal"

Louco, sim, louco, porque quis grandeza

Qual a Sorte a não dá.

Não coube em mim minha certeza;

Por isso onde o areal está

Ficou meu ser que houve, não o que há.

Minha loucura, outros que me a tomem

Com o que nela ia.

Sem a loucura que é o homem

Mais que a besta sadia,

Cadáver adiado que procria?

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Reflexão:

Comparação “Os Lusíadas”/ “Mensagem”, é a D. Sebastião que Camões dedica “Os Lusíadas” e é a este Rei que o poeta dirige o apelo no sentido de continuar a tradição dos antigos heróis portugueses, para fazer ressurgir a pátria da “apagada e vil tristeza” do presente.

Na “Mensagem”, D. Sebastião (e o sebastianismo) é o mito organizador de toda a obra, no sentido de que o rei representa o sonho que ressurgirá do nevoeiro em que o Portugal presente está mergulhado, impulsionado a construção do Futuro.

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Álvaro de Campos

“o filho indisciplinado da sensação”

A partir da carta a Adolfo Casais Monteiro, mas também de outros textos deixados por Fernando Pessoa, podemos construir a biografia do heterónimo Álvaro de Campos que terá nascido em Tavira, no dia 15 de Outubro de 1890. Fez o liceu em Lisboa e partiu depois para Glasgow, na Escócia, onde frequentou o curso de Engenharia Naval. Em Dezembro de 1913, fez uma viagem de barco ao Oriente durante a qual terá começado a escrever poesia. No regresso, desembarcou em Marselha, prosseguindo por terra a viagem para Portugal. Instalado em Lisboa, foi nesta cidade que passou a viver sem exercer qualquer actividade para além da escrita. Pessoa descreve-o como alto, elegante, de cabelo preto e liso, com risca ao lado, usando monóculo e com um “tipo vagamente de judeu português”.

Foi na revista “Orpheu”, em 1915, que Fernando Pessoa publicou os primeiros poemas em nome de Álvaro de Campos: “Opiário”, que teria sido escrito no Canal do Suez durante a viagem ao Oriente e a “Ode Triunfal”, escrita em Londres. No número 2 da mesma revista, publicou a “Ode Marítima” e em 1917 publicou o “Ultimatum”, no “Portugal Futurista”, revista imediatamente apreendida pela policia. Vive e trabalha durante alguns anos na Inglaterra, regressando de vez em quando a Portugal. Dois desses regressos estão patentes nos poemas “Lisbon revisited – 1923” e “Lisbon revisited – 1926”. Fixa-se definitivamente em Lisboa e vai publicando poemas em revistas literárias.

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Sendo o heterónimo pessoano que o poeta mais publicou, Álvaro de Campos é também aquele que apresenta uma evolução mais nítida, podendo na sua obra distinguir-se três fases. Assim, os seus primeiros poemas, escritos durante a viagem ao Oriente, aproximam-se de outros poetas da viragem do século, os decadentistas; mas o seu verdadeiro génio vanguardista revela-se na sua fase futurista, quando escreve a “Ode Triunfal”, a “Ode Maritima”, e outros grandes poemas da exaltação da vida moderna, da força, da velocidade, das maquinas; finalmente, numa terceira fase, escreve uma poesia mais intimista.

A grande viragem na poesia de Álvaro de Campos aconteceu, de acordo com um relato seu, depois de ter conhecido Alberto Caeiro, numa viagem que fez ao Ribatejo. Em Caeiro reconheceu imediatamente o seu Mestre, aquele que o introduziu no universo do sensacionismo. Mas enquanto Caeiro acolhe tranquilamente as sensações, Campos experimenta-as febrilmente, excessivamente. Tão excessivamente que, querendo “sentir tudo, de todas as maneiras”, parece esgotar-se a seguir, caindo numa espécie de apatia melancólica, abúlica, ou num devaneio nostálgico que o aproxima de Pessoa ortónimo com quem partilha o cepticismo, a dor de pensar, a procura do sentido no que está para além da realidade, a fragmentação, a nostalgia da infância irremediavelmente morta.

Os seus versos livres, longos, por vezes prosaicos, exclamativos e eufóricos ou repetitivos e depressivos são o exemplo mais acabado do vanguardismo modernista no qual se espelha um sentir cosmopolita, urbano, febril, nervoso, extrovertido, por vezes insuportavelmente mergulhado no tédio do quotidiano e no anonimato da cidade.

"Ode Triunfal"

À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica

Tenho febre e escrevo.

Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,

Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.

Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!

Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!

Em fúria fora e dentro de mim,

Por todos os meus nervos dissecados fora,

Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!

Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,

De vos ouvir demasiadamente de perto,

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E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso

De expressão de todas as minhas sensações,

Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!

Em febre e olhando os motores como a uma Natureza tropical -

Grandes trópicos humanos de ferro e fogo e força -

Canto, e canto o presente, e também o passado e o futuro,

Porque o presente é todo o passado e todo o futuro

E há Platão e Virgílio dentro das máquinas e das luzes eléctricas

Só porque houve outrora e foram humanos Virgílio e Platão,

E pedaços do Alexandre Magno do século talvez cinquenta,

Átomos que hão-de ir ter febre para o cérebro do Ésquilo do século cem,

Andam por estas correias de transmissão e por estes êmbolos e por estes volantes,

Rugindo, rangendo, ciciando, estrugindo, ferreando,

Fazendo-me um acesso de carícias ao corpo numa só carícia à alma.

Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime!

Ser completo como uma máquina!

Poder ir na vida triunfante como um automóvel último-modelo!

Reflexão:

O sujeito poético neste poema exprime com exaltação e excesso o seu orgulho em ser moderno e contemporâneo de uma beleza industrial “totalmente desconhecida dos antigos” num desejo assumido de acolher todas as sensações.

O poeta representa de forma exagerada o louvor ao mundo moderno.

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"Ode Marítima"

Sozinho, no cais deserto, a esta manhã de Verão,

Olho pro lado da barra, olho pro Indefinido,

Olho e contenta-me ver,

Pequeno, negro e claro, um paquete entrando.

Vem muito longe, nítido, clássico à sua maneira.

Deixa no ar distante atrás de si a orla vã do seu fumo.

Vem entrando, e a manhã entra com ele, e no rio,

Aqui, acolá, acorda a vida marítima,

Erguem-se velas, avançam rebocadores,

Surgem barcos pequenos de trás dos navios que estão no porto.

Há uma vaga brisa.

Mas a minh'alma está com o que vejo menos,

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Com o paquete que entra,

Porque ele está com a Distância, com a Manhã,

Com o sentido marítimo desta Hora,

Com a doçura dolorosa que sobe em mim como uma náusea,

Como um começar a enjoar, mas no espírito.

Olho de longe o paquete, com uma grande independência de alma,

E dentro de mim um volante começa a girar, lentamente,

Os paquetes que entram de manhã na barra

Trazem aos meus olhos consigo

O mistério alegre e triste de quem chega e parte.

Trazem memórias de cais afastados e doutros momentos

Doutro modo da mesma humanidade noutros pontos.

Todo o atracar, todo o largar de navio,

É - sinto-o em mim como o meu sangue -

Inconscientemente simbólico, terrivelmente

Ameaçador de significações metafísicas

Que perturbam em mim quem eu fui...

Ah, todo o cais é uma saudade de pedra!

E quando o navio larga do cais

E se repara de repente que se abriu um espaço

Entre o cais e o navio,

Vem-me, não sei porquê, uma angústia recente,

Uma névoa de sentimentos de tristeza

Que brilha ao sol das minhas angústias relvadas

Como a primeira janela onde a madrugada bate,

E me envolve como uma recordação duma outra pessoa

Que fosse misteriosamente minha.

Reflexão:

O sujeito poético neste poema caracteriza-se metaforicamente a um paquete e a um volante. A sensação que o paquete nele desperta tem haver com uma “doçura dolorosa”,

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paradoxo que traduz a sensação positiva e perturbante que tem do objecto, semelhante a uma “náusea”, a um enjoo de espírito. O “volante” representa metaforicamente o despertar do sujeito poético para o seu mundo interior, isto é, a imagem exterior do paquete, que lhe tinha prendido a atenção, vai conduzi-lo, vai guia-lo à sua imaginação e às suas emoções

"Dactilografia"

Traço, sozinho, no meu cubículo de engenheiro, o plano,

Firmo o projeto, aqui isolado,

Remoto até de quem eu sou.

Ao lado, acompanhamento banalmente sinistro,

O tique-taque estalado das máquinas de escrever.

Que náusea da vida!

Que abjeção esta regularidade!

Que sono este ser assim!

Outrora, quando fui outro, eram castelos e cavaleiros

(Ilustrações, talvez, de qualquer livro de infância),

Outrora, quando fui verdadeiro ao meu sonho,

Eram grandes paisagens do Norte, explícitas de neve,

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Eram grandes palmares do Sul, opulentos de verdes.

Outrora.

Ao lado, acompanhamento banalmente sinistro,

O tique-taque estalado das máquinas de escrever.

Temos todos duas vidas:

A verdadeira, que é a que sonhamos na infância,

E que continuamos sonhando, adultos, num substrato de névoa;

A falsa, que é a que vivemos em convivência com outros,

Que é a prática, a útil,

Aquela em que acabam por nos meter num caixão.

Na outra não há caixões, nem mortes,

Há só ilustrações de infância:

Grandes livros coloridos, para ver mas não ler;

Grandes páginas de cores para recordar mais tarde.

Na outra somos nós,

Na outra vivemos;

Nesta morremos, que é o que viver quer dizer;

Neste momento, pela náusea, vivo na outra ...

Mas ao lado, acompanhamento banalmente sinistro,

Ergue a voz o tique-taque estalado das máquinas de escrever.

Reflexão:

Este poema foi escrito para salientar que o sujeito poético encontra-se no seu gabinete de engenheiro onde exprime a náusea, o tédio, as sensações que o envolvem, neste caso a monotonia agressiva do “tic-tac” das máquinas de escrever. Este cansaço do presente fá-lo querer regressar ao tempo da sua infância, da sua felicidade inconsciente, mas o ruído do presente interpõe-se, deixando-o sem desespero.

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Ricardo Reis

“o poeta da autodisciplina”

De acordo com a carta de Fernando Pessoa a João Gastar Simões, o poeta começou a esboçar o heterónimo Ricardo reis em 1912 quando lhe veio “à ideia escrever uns poemas de índole pagã”, mas seria apenas no “dia triunfal” – 8 de Março de 1914 – que ele surgiria, a completar o trio Caeiro, Campos, Reis.

Tal como fez para os outros, Fernando Pessoa criou para Reis, além do nome, a idade, a fisionomia, a biografia, o estilo. Assim, Ricardo Reis teria nascido no Porto, no dia 19 de Setembro de 1887. Educado num colégio de jesuítas onde recebeu uma sólida educação clássica, formou-se em Medicina. Era monárquico e por isso, em 1919 teve que se exilar no Brasil, na sequência da derrota da rebelião monarquia do Porto contra o regime republicano instaurado havia apenas nove anos. Era moreno, mais baixo e mais forte que o Caeiro.

Fernando Pessoa publicou poemas de Ricardo reis – vinte odes – pela primeira vez em 1924, na revista “Athena” por si fundada; depois, entre 1927 e 1930, oito odes foram publicadas na revista “Presença” de Coimbra. Os restantes poemas e a prosa de Ricardo Reis são de publicação póstuma.

Discípulo de Caeiro, como Pessoa ortónimo e Álvaro de Campos, Ricardo reis apresenta, contudo, uma poesia muito diferente da dos outros poetas-Pessoa. À grande questão da indagação do sentido da existência, colocada de forma diversa por cada um deles,

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Reis responde como se fosse um homem de outro tempo e de outro mundo, um grego antigo, pagão a braços com o Destino. Sabe que a efemeridade é parte da condição humana, que na vida tudo passa, e sobre cada momento vivido pesa a sombra da caminhada inexorável do Tempo. Então, para enfrentar esse medo da morte, defende que é preciso viver cada instante que passa, sem pensar no futuro, numa perspectiva epicurista de saudação do “carpe diem”. Mas essa vivência do prazer de cada momento tem que ser feita de forma disciplinada, digna, encarando com grandeza e resignação esse Destino de precariedade, numa perspectiva que tem raízes no estoicismo.

Reis é, afinal, um conformista que pensa que nenhum gesto, nenhum desejo vale a pena, uma vez que a escolha não está ao alcance do homem e tudo está determinado por uma ordem superior e incognoscível. Para quê, então, querer conhecer a verdade que, a existir, apenas aos Deuses pertence? Nada se pode conhecer do universo que nos foi dado e por isso só nos resta aceita-lo com resignação, como o destino. Além disso, o medo do sofrimento paraliza-o conduzindo-o a uma filosofia de vida terrivelmente vazia. Para Ricardo Reis, a vida deve ser conduzida com calculismo e frieza, alheia a tudo o que possa perturbar. E como tudo o que é verdadeiramente humano é intenso e perturbante, Reis isola-se, numa espécie de gaiola dourada que o protege de qualquer envolvimento social, moral ou mesmo sentimental.

A educação que teve criou nele o gosto pelo classicismo e é na “imitação” do poeta latino Horácio que se baseia a construção daquilo que é fundamental na sua poesia. Uma poesia neoclássica, pagã, povoada de alusões mitológicas. Enfim, uma poesia moralista, sentenciosa, contida, sem qualquer traço de espontaneidade. Cultivando preferencialmente a ode, utiliza uma linguagem culta, rebuscada – o hipérbato, inversão da ordem normal dos elementos da frase, é um recurso amplamente usado.

"Cada um cumpre o destino que lhe cumpre"

Cada um cumpre o destino que lhe cumpre,

E deseja o destino que deseja;

Nem cumpre o que deseja,

Nem deseja o que cumpre.

Como as pedras na orla dos canteiros

O Fado nos dispõe, e ali ficamos;

Que a Sorte nos fez postos

Onde houvemos de sê-lo.

Não tenhamos melhor conhecimento

Do que nos coube que de que nos coube.

Cumpramos o que somos.

Nada mais nos é dado.

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Reflexão:

O sujeito poético neste poema defende uma filosofia de vida que assenta na aceitação do destino de uma forma tranquila, sem tentativas de o mudar, alimentando desejos ou esperanças pois “Nada mais nos é dado”. Tentar fugir ao destino seria inútil, porque viver radica numa total incompatibilidade entre aquilo que se deseja e aquilo que se alcança. O sujeito poético revela, em suma, o seu conformismo face ao destino, de fase estoicista – não vale apenas desejar, não vale apenas ter esperanças, porque a nossa vida será apenas como foi programada e o melhor é aceitar isso com dignidade.

"Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio"

Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.

Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos

Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.

(Enlacemos as mãos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida

Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,

Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,

Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.

Quer gozemos, quer nao gozemos, passamos como o rio.

Mais vale saber passar silenciosamente

E sem desassosegos grandes.

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Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,

Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,

Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,

E sempre iria ter ao mar.

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podiamos,

Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,

Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro

Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as

No colo, e que o seu perfume suavize o momento -

Este momento em que sossegadamente nao cremos em nada,

Pagãos inocentes da decadência.

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-as de mim depois

Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,

Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos

Nem fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o o'bolo ao barqueiro sombrio,

Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.

Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio,

Pagã triste e com flores no regaço.

Reflexão:

1ª Estrofe

· Convite á fruição amorosa serena, uma vez que a vida é breve.

2ª Estrofe

· Consciência da efemeridade da vida, da impossibilidade de voltar a vive-la, uma vez que o “fado” tudo controla.

3ª Estrofe

· Desenlace amoroso, pois é preciso evitar os grandes desassossegos para evitar a dor.

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4ª Estrofe

· È necessário evitar todos os desassossegos que podem trazer a dor.

5ª Estrofe

· Convite á fruição amorosa tranquila, espiritual, evitando os excessos de amor físico.

6ª Estrofe

· Valorização do “carpe diem”, colhendo o “perfume” do momento evitando o conhecimento das coisas.

7 e 8 Estrofes

· Conclusão do poema e justificação para o modelo de vivência amorosa defendido pelo poeta: se um deles morrer antes o outro não terá que sofrer por isso, uma vez que viveram um amor inocente, sem excessos.

O sujeito neste poema propõe a Lídia uma relação tranquila, contida, sem envolvimento nem paixão, como única forma de evitar o sofrimento provocado pela separação que a morte de um deles poderia trazer.

No poema, são notórios os conceitos de epicurismo e estoicismo, aqui fundidos: se a vida passa e não se pode evitar a morte, é preciso, por um lado, aproveitar totalmente o presente (epicurismo) e, por outro lado vivê-lo com serena e disciplinada aceitação do destino (estoicismo).

Luís de Camões

Vida e Obra

Não se sabe ao certo quando nasceu Luís Vaz de Camões. Pensa-se que por volta de 1525, possivelmente em Lisboa, filho de Simão Vaz de Camões e de Ana de Sá. Admite-se que tenha estudado em Coimbra, pois a vasta cultura evidenciada na sua obra só se justifica se tiver frequentado estudos superiores que apenas existiam naquela cidade. No entanto, não se encontrou, até hoje, qualquer documento comprovativo da sua passagem pela universidade.

Presume-se que era fidalgo da pequena nobrea (“Cavaleiro Fidalgo” da Casa Real diz á conta de perdão de 1553), o que lhe terá dado acesso á corte, enquanto viveu em Lisboa. Sabe-se que entre 1549 e 1551, participou numa expedição militar ao Norte de Africa onde, num acidente de guerra, perdeu o olho direito. Em 1552, encontrava-se novamente em Lisboa e, se por frequenta o paço onde se relaciona com a fidalguia da época e com algumas das principais damas da corte, por outro lado, vive uma vida boémia, com brigões e damas “de aluguer”.

Em 1552, numa briga, fere um arrieiro do Rei, Gonçalo Borges, pelo que é preso na Cadeia do Tronco onde permanece até Março de 1553. Após ter sido perdoado pelo ferido, o poeta é libertado e pede ao Rei o seu perdão, na sequencia do qual se pode justificar a sua partida para a Índia, ao serviço do Rei, nesse mesmo ano de 1553.

Durante três anos, prestou serviço militar na India e posteriormente desempenhou cargos administrativos. Apesar da protecção e amizade do vice-rei, D. Francisco Coutinho,

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esteve preso por dívidas. Parece também ter estado em Macau e no regresso á Índia, sofreu um naufrágio, no qual perdeu todos os seus bens, salvando-se anada com o manuscrito de Os Lusíadas, como revela na estrofe 128, canto X. em 1568, ajudado pelo capitão Pero Barreto Rolim, parte para Moçambique, onde vários amigos o vão encontrar na miséria e lhe pagam a viagem de regresso a Portugal. Chega a Lisboa em Abril de 1570.

Prepara, então, a publicação de Os Lusíadas, poema épico dedicado ao Rei D.Sebastiao que lhe concede uma tença anual de 15000 reais brancos, que nem sempre lhe foi paga com regularidade. Em 1572, Os Lusíadas, são publicados. Para além desta obra, Camões é autor de uma vasta obra lírica que foi escrevendo ao longo da sua vida e de que ressaltam os sonetos, as canções e as redondilhas. Escreveu também três comédias – El Rei Selenco, Filodemo e Anfitriões.

Os seus últimos anos de vida em Portugal ficaram, na tradição, como anos de miséria. Morreu no dia 10 de Junho de 1580 – no mesmo ano em que Portugal perdeu a independência – e foi enterrado no convento de Sant’Ana, onde o amigo D. Gonçalo Coutinho lhe mandou reservar uma sepultura, em cuja lápide escreveu “Aqui jaz Luís Vaz de Camões, príncipe dos poetas do seu tempo. Viveu pobre e miseravelmente assim morreu.”

No dia 10 de Junho de 1880, ano em que se comemorou, com pompa, o terceiro centenário da sua morte e se lhe ergueu uma estatua em Lisboa, os seus restos mortais foram transladados para o Mosteiro dos Jerónimos, onde o seu túmulo de Vasco da Gama, o herói que imortalizou n’Os Lusíadas.

Felizmente há luar

Autor: Luís de Stautt Monteiro

Influência maior: Berlott Brecht – Teatro Épico

O TEATRO ÉPICO:

Debruça-se sobre o Homem, no seu constante devir - é uma luta permanente para transformar a sociedade.

Para isso, usa a técnica da Distanciação Histórica e o realismo.

É preciso procurar um facto histórico mais remoto e compará-lo com a realidade próxima que se quer denunciar. Ao criticar o passado, consegue transpor a mensagem para o presente, obtendo assim um paralelismo fiável.

Os actores não interagem com o auditório. O papel deles é apresentar uma ideia e não criar empatia. Deste modo, atinge-se a lucidez à o público formula juízos de valor.

OBJECTIVO: - Levar a sociedade (público) a tomar consciência da realidade.

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PORQUÊ?

- A tomada de consciência leva à acção.

- A acção leva à mudança.

A OBRA:

Tempo da História: século XIX

Tempo da Escrita: século XX

PERSONAGENS:

É possível agrupar algumas personagens segundo as suas posições.

1. Os do Poder:

. D. Miguel Forjaz

. Marechal Beresford

. Principal Sousa

2. O Povo:

. Manuel, o mais consciente dos populares

. Rita

. O Antigo Soldado

. Vicente

3. Os Delatores:

. Morais Sarmento

. Andrade Corvo

. Vicente

As individuais:

. Frei Diogo de Melo, o homem sério da igreja

. António de Sousa Falcão, o amigo

. Matilde de Melo, a companheira de todas as horas

. General Gomes Freire de Andrade

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Nota: Vicente é a única personagem que evolui na obra: começa como membro do povo e acaba no grupo dos delatores, elevado a chefe da polícia.

Manuel:

. Representa o povo oprimido e esmagado.

. É lúcido e consciente.

. Usa uma linguagem popular que combina com o realismo da obra.

General Gomes Freire:

. Único

. Com valores, íntegro

. Politicamente liberal, igualitário

Vicente:

. Desrespeita/ Despreza o povo – FALSO HUMANITÁRIO

. É contra o general

. Traidor, calculista

. Ambicioso, materialista

. Subtil, inteligente

. Egoísta

D. Miguel Forjaz:

. Anti-progressista/ retrógrado

. Conservador

. Autoritário

. Medroso

. Sem escrúpulos/ mercenário

. Corrupto – deixa-se corromper e tenta corromper os outros

. Vê o liberalismo como anarquia e caos

. Acha-se superior – absolutista: “Um mundo em que não se distinga a olho nu um nobre de um popular não é mundo em que eu deseje viver”

. Falso demagogo “Deus, Pátria e Família”

Marechal Beresford:

. Mercenário

. Lúcido e consciente

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. Mau soldado, mas bom estratega

. Pragmático

. Calculista “não é prudente ainda dizê-lo”

. Ardiloso – trama a confusão mas não a integra

Principal Sousa:

. Corrompido pelo poder

. Deveria semear a paz e semeia o confronto

. Hipócrita

. Contra o liberalismo – odeia os francesas por causa das suas ideias

. Anti-progressista

. Cínico

Frei Diogo:

. O lado bom da igreja

. Homem com compaixão

. Conforta Matilde

. Defende Gomes Freire – corrobora a sua inocência

. Opõe-se ao Principal Sousa

Matilde de Melo:

. É a força do segundo acto

. Está desesperada

. Luta por: lealdade, justiça, verdade

. Digna

. Apaixonada e devota a Gomes Freire

. Por vezes, parece um pouco alucinada

. Culta, vivida

. Forte, lutadora, destemida

. Inteligente

. Grande poder de Argumentação (ver discussão com Principal Sousa)

. Oscila entre dois pólos:

. uma mulher feminina, frágil, consumida pela angústia, a suplicar pelo amor da sua vida, não temendo sequer contrariar princípios.

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. uma mulher forte, destemida, que acusa os males do seu povo e denuncia a corrupção e a falta de índole, a tirania.

“Cortam-se as árvores para não fazerem sombra aos arbustos!”

AS DIDASCÁLIAS:

Existem as didascálias normais, que se seguem ao texto, e as didascálias marginais, típicas do teatro de Brecht. Estas corroboram o distanciamento histórico.

Luz/Sombra:

. A falta de luz no cenário (escuridão total) mostra o clima da época – o regime opressor, a ignorância do povo, a obscuridade.

. A intensa luminosidade no Manuel (primeira cena) corrobora a indicação inicial “Manuel, o mais consciente dos populares”. Luz é conhecimento, lucidez.

SÍMBOLOS:

A Moeda:

- a miséria do povo, a esmola

- o compromisso que o povo tem para com o General:

. É como uma medalha de honra para Matilde.

. É símbolo da fé que o povo tem no General.

. Mostra que povo não luta porque não pode.

- a traição da igreja (à semelhança de Judas, a igreja vende-se em nome do dinheiro e do poder)

A Fogueira:

- Por D. Miguel: símbolo de purificação, limpeza

. Quem não está connosco, está contra nós, é preciso afastar.

. Semelhança com a Santa Inquisição

- Por Matilde e Sousa Falcão:

. Profecia de mudança

. Purificação, redenção, chama da esperança

. Renascimento, advento

A Saia Verde:

- Em vida:

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. Esperança

. Liberdade - Paris, Revolução Francesa

. Pureza, Inocência - neve branca

- Após a Morte:

. A alegria do reencontro

. A esperança de que a morte do General não seja em vão

. A esperança da mudança

O Preto de Sousa Falcão:

- Luto por si mesmo

- Auto-recriminação por não ter tido a coragem do General

- Se ele partilhava os mesmos ideais que o General, deveria ter dado a cara e lutado com ele

- Arrepende-se da sua cobardia

“Há homens que obrigam todos os outros a reverem-se por dentro”

O Título:

- Por D. Miguel:

. “Felizmente há luar” para se verem melhor as execuções e para que o medo conseguido seja maior a abranja mais pessoas.

. A Lua: monotonia, falta de liberdade de acção e expressão.

. Tal como a lua, os regimes déspotas só sobrevivem se os mais fortes estiverem controlados. Brilham com a luz dos outros.

- Por Matilde:

. O luar permite que mais gente veja a fogueira, mais gente vença o medo, mais gente se revolte e se una para mudar.

. O luar aumenta a amplitude da purificação. Mais irão percorrer em direcção à luz, à liberdade, ao conhecimento, à justiça, à democracia.

Relação entre a carga dramática de Matilde, o tempo da história e o tempo da escrita:

Escrito no século XX, em pleno auge do regime ditatorial de Salazar, e remetido para o século XIX, em pleno regime déspota, Felizmente há luar mostra-nos, claramente a censura e a falta de liberdade de acção, pensamento e expressão que se viveu nestes dois tempos.

Matilde aparece como a força do segundo acto, carregada de emoção, provocando o clímax da história. É ela quem denuncia e quem se revolta contra o movimento castrador que se desenvolvia por todo o país, quem ousa enfrentar o poder absoluto em prol da liberdade, da mudança e da democracia. Usa frases simples, mas fortalecidas com grande energia, coragem

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e direcção: “Cortam-se as árvores para não fazerem sombra aos arbustos”. Mostra-nos que toda e qualquer ameaça ao poder conservador e unidireccional era, imediatamente, aniquilado.

Matilde oscila entre dois pólos: num é uma mulher frágil e comovida que luta exclusivamente pelo marido inocente, vítima dos interesses mais altos do reino; noutro é a mulher forte e destemida que grita as condições do povo, a podridão das relações da igreja, a falta de índole da nobreza e a ignorância do povo. No entanto, em ambos os casos é uma lutadora, ávida por justiça, que acorda o público/sociedade para a lástima de pessoas que governavam em Portugal. As crises são cíclicas. Foi no século XIX, foi no século XX e foi em muitas outras ocasiões anteriores porque o Homem é assim: não aprende.