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Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação
XXV Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 7 a 10 de junho de 2016
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PROBLEMATIZAÇÕES PARA PENSAR AS APROPRIAÇÕES/PRODUÇÕES DIGITAIS DE JOVENS 1
PROBLEMATIZATIONS TO THINK DIGITAL APPROPRIATIONS/PRODUCTIONS BY THE YOUTH
Lívia Saggin2
Jiani Bonin3
Resumo: O texto tem como objetivo principal explorar perspectivas teóricas para
entender aspectos relativos às apropriações/produções comunicativas das mídias
digitais realizadas por sujeitos jovens. As problematizações empreendidas
focalizam aspectos relativos ao processo de midiatização e às reconfigurações que
ganha com o advento da comunicação digital, particularmente pensadas em
relação ao âmbito da chamada recepção; incluem concepções mais específicas
para o entendimento dos sujeitos comunicantes e de suas apropriações/produções
midiáticas e, também, elementos para pensar os vínculos entre essas
apropriações/produções e a constituição das culturas e identidades juvenis no
contexto contemporâneo.
Palavras-Chave: Midiatização digital. Apropriações midiáticas. Juventude e
recepção.
Abstract: This work intends to explore theoretical perspectives to understand
aspects related to communicative appropriations/productions of digital media
developed by young subjects. The undertook problematizations focus on aspects
related to the process of mediatization and the reconfigurations that it gains with
the advent of digital communication, especially thought in connection with the
scope of the so-called reception; includes more specific conceptions to understand
the communicative subjects and their media appropriations/productions and, also,
elements to think about the ties among these appropriations/productions and the
constitution of young cultures and identities in the contemporary context.
Key-words: Digital mediatization. Media appropriations. Youth and reception.
1. Introdução
No âmbito da pesquisa científica em comunicação, constatamos a presença de
trabalhos que procuram investigar como as tecnologias de comunicação modificam os
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Recepção: processos de interpretação, uso e consumo midiáticos
do XXV Encontro Anual da Compós, na Universidade Federal de Goiás, Goiânia, de 7 a 10 de junho de 2016. 2 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos
Sinos (UNISINOS). E-mail: [email protected]. 3 Professora/pesquisadora Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale
do Rio dos Sinos (UNISINOS). E-mail: [email protected].
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cenários, as interações, as culturas, os modos de ser e estar no mundo contemporâneo e,
também, como os sujeitos se apropriam destas inovações que, não raras vezes, privilegiam
vieses tecnicistas e pouco preocupados com as dimensões das pessoas enquanto sujeitos
comunicantes complexos, histórica e contextualmente constituídos, atravessados pelos
processos de midiatização e por configurações socioculturais concretas.
No contexto contemporâneo, os processos de digitalização colaboraram para pôr em
cheque noções ainda vigentes no campo da comunicação do receptor como sujeito passivo,
manipulável e distanciado dos processos de produção simbólica. A digitalização da
comunicação estabelece novas condições de “recepção”, exigindo que sejam redesenhadas as
perspectivas para compreender os sujeitos e sua atividade produtiva. As renovadas condições
de “recepção” se colocam como espaços de participação dos sujeitos nos processos de
comunicação digital, abrindo a possibilidade de expressividade de temas, debates e exercícios
das pessoas não possíveis nos esquemas tradicionais da comunicação.
Embora a abrangência dos meios de comunicação de massa ainda tenha significativo
alcance em relação aos sujeitos contemporâneos, vivemos uma época de “transformação de
uma realidade (expandida) de sistemas de comunicação de massas para sistemas,
configurações e conjuntos culturais de geração múltipla de produtos culturais digitalizados”
(MALDONADO, 2008, p. 27). Diante disto entendemos, ainda compartilhando das ideias
desse autor, que os sujeitos encontram-se em condições de depender menos das mídias
tradicionais para se manterem informados, conectados a outras culturas e a outras pessoas,
espaços, fenômenos ao redor do mundo, etc., e que esse acesso está cada vez mais
subordinado às suas características e competências midiáticas, intelectuais, técnicas, artísticas
e criativas na convivência e relação com os bens simbólicos, produzidos para, com ou por
eles; transformações estas que no caso dos jovens, afiguram-se como expressivas.
Considerando o advento da comunicação digital e o desafio que coloca às pesquisas
comunicacionais de constituir perspectivas para entender os sujeitos e suas
apropriações/produções comunicativas nos propomos, nesse texto, a contribuir para essa
discussão, a partir da exploração e problematização de algumas linhas teóricas que
consideramos produtivas para a compreensão dessa problemática. O horizonte investigativo
concreto para o qual estas problematizações são realizadas é relativo a uma pesquisa que
desenvolvemos para investigar as apropriações da comunicação digital realizadas por jovens
de uma comunidade periférica do Vale do Rio dos Sinos, do município de Novo Hamburgo,
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Rio Grande do Sul.4 No recorte de problematizações que trazemos nesse texto, tratamos
inicialmente de aspectos relativos ao processo de midiatização e às reconfigurações que
ganha com o advento da comunicação digital, procurando pensar como incidem nos sujeitos e
em suas apropriações midiáticas, foco a que nos dedicamos de modo mais detido no segundo
momento do texto, no qual exploramos elementos específicos para a sua compreensão.
Finalizamos o texto com alguns elementos para pensar as configurações relativas à cultura e
às identidades culturais juvenis vinculadas à problematização de suas apropriações
midiáticas.
2. O processo de midiatização e as apropriações digitais
Assumimos, para pensar a problemática das apropriações digitais dos jovens, que a
sociedade está em processo de midiatização, que gera transformações e modificações
vinculadas à expansão e penetração das mídias nos seus diferentes domínios. Novas
complexidades estão emergindo nos campos sociais, nas culturas, nas instituições e nos
sujeitos que encontram-se, cada vez mais, atravessados por lógicas, matrizes e modelos
vinculados ao campo midiático, que também se transforma nesse processo.
A estruturação do campo das mídias, como apontado por Maldonado (2002), foi um
aspecto constitutivo central das formações sociais contemporâneas; os processos de
informatização e digitalização dos modos de vida atuais tem antecedentes fundamentais no
século anterior, cujas características são fundantes do modo de pensar, consumir e reproduzir
culturalmente os meios de comunicação no continente latino-americano.
Contemporaneamente, o processo de midiatização da sociedade é atravessado pela crescente
expansão tecnológica aliada à comunicação, especialmente pela criação e expansão dos
meios de comunicação digital. O exponencial desenvolvimento tecnológico presenciado
principalmente na passagem do século XX para o século XXI permitiu a transição da
4 Trata-se da pesquisa de mestrado intitulada Educomunicação, mídias digitais e cidadania: apropriações de
oficinas educomunicativas por jovens da Vila Diehl na produção do blog Semeando Ideias (SAGGIN, 2016)
que busca investigar e compreender as apropriações de oficinas educomunicativas ofertadas a jovens de classe
popular e dos processos de criação e manutenção de um blog pensando as potencialidades, as aprendizagens e os
conhecimentos desenvolvidos na perspectiva da cidadania comunicativa. Em sua fundamentação, são
trabalhadas quarto linhas de problematização teórica, a saber: a educomunicação; a midiatização digital e as
apropriações realizadas pelos sujeitos comunicantes dentro desta esfera; as culturas populares juvenis, e a
cidadania pensada desde a comunicação. Para esse texto foram trabalhados apenas elementos relativos a
midiatização digital e às apropriações dos sujeitos comunicantes. A pesquisa, desenvolvida por Lívia Saggin no
PPGCC da Unisinos, tem a orientação da Profa. Dra. Jiani Bonin.
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comunicação midiática centrada nos meios massivos (rádio, televisão, cinema, jornais) para
novas configurações associadas ao uso e à penetração das mídias digitais. Como apontava
Sodré (2002, p. 11), “a virada do século coincide com a passagem da comunicação
centralizada, vertical e unidirecional [...] às possibilidades trazidas pelo avanço técnico das
telecomunicações, relativas à interatividade e ao multimidialismo”.
Esse maciço uso das novas tecnologias de comunicação se apoia e coincide, em
termos econômicos, com a expansão e aceleração do que Sodré (2002) denomina de
“turbocapitalismo”, um processo acelerado de atualização do já conhecido liberalismo e de
transnacionalização do sistema produtivo. Esse processo, no qual o deslocamento de capitais
entre nações e culturas distintas mostra-se cada vez mais dinâmico, vem sendo nomeado de
globalização. Apoiando-nos na argumentação do autor, concebemos que ele não se dá de
forma homogênea dentro do tecido social, mas concentrada e localizada, especialmente, em
sociedades industrializadas e que recebem investimentos estratégicos (econômicos, voltados
à promoção da ciência e da tecnologia, bélicos, de grandes riquezas naturais, etc.),
contrapondo-nos à ideia uniformizadora a que o termo “globalização” pode levar.
Concebendo que existem diversos processos em andamento e que cada sociedade está
permeada pelas lógicas das mídias em diferentes níveis consideramos essencial, para a
compreensão de como o processo de midiatização modifica os cenários sociais, problematizar
a cultura e os sujeitos como elementos significativos dentro desse cenário. Há quase duas
décadas, Eliseo Verón (1997) já argumentava que, do mesmo modo que as lógicas dos meios
de comunicação interferiam nas ações dos sujeitos, os usos sociais que os indivíduos faziam
dos dispositivos eram consideravelmente importantes dentro do processo de midiatização. E
nesse sentido, afirmava (p. 12) que “um mesmo dispositivo tecnológico pode inserir-se em
contextos de utilização múltiplos e diversificados”. Essa afirmação sinalizava que os
diferentes contextos nos quais os dispositivos tecnológicos se inserem podem gerar formas de
uso distintas.
Desse modo, pensamos que os usos e invenções sociais dados a essas novas
tecnologias de comunicação encontram-se diretamente ligados aos objetivos e características
próprias de cada sociedade. Como argumenta Fausto Neto (2006), converter tecnologias em
meios é um trabalho cadenciado por práticas sociais diversas, e é na intersecção entre
sociedade e os modos de apropriação que a tecnologia ganha uma racionalidade, uma lógica
de funcionamento.
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Retomando o debate realizado por Verón (1997), podemos argumentar que o processo
de midiatização não pode ser pensado somente como a mera produção e recepção de
mensagens através dos dispositivos tecnológicos. É necessário considerar, também, os
sujeitos e suas complexidades e os contextos socioculturais múltiplos nos quais estão
inseridos, rejeitando uma perspectiva de linearidade comunicacional. Vale considerar,
também, a partir das proposições de Verón (1997) e de Maldonado (2002), que as lógicas
apropriativas/inventivas em relação aos meios de comunicação não foram iniciadas a partir
dos dispositivos midiáticos de comunicação digital, mas foram constituídas historicamente no
seio de uma cultura popular dos meios originada e gestada no século XX e que permitiu, ao
longo de gerações culturalmente capacitadas a consumir, se apropriar, significar, adaptar,
fazer usos inesperados, encontrar “pontos de fuga” aos processos comunicacionais
inicialmente planejados, adentrar na virada do século fazendo uso das tecnologias da
comunicação no ambiente digital de inúmeras maneiras.
Levando em conta essas proposições, consideramos que o desenvolvimento dos
sistemas de comunicação e contemporaneamente, dos processos de comunicação digital,
transforma integralmente a vida dos sujeitos contemporâneos, tanto nas suas relações sociais
mais elementares quanto nas mais complexas. O extremo dinamismo e a imediatez das trocas
informacionais, econômicas e culturais, as alterações de noções de espaço e tempo, a
experiência midiatizada, a diminuição das relações face-a-face, os dispositivos de
espionagem global sobre as comunicações, ou seja, o “infocontrole”, etc. conformam o que
Sodré (2002, p. 16, grifo nosso) chama de “um novo tipo de formalização a vida social, que
implica outra dimensão da realidade, portanto, novas formas de perceber, pensar e
contabilizar o real”.
A ideia de midiatização enquanto ambiência, que enfoca a necessidade de
problematização sobre os processos de circulação e aproximação entre as esferas de produção
e recepção nos processos comunicacionais já era proposta por Sodré a partir da noção de bios
midiático. Nessa perspectiva, o processo de midiatização era entendido como “uma ordem de
mediações socialmente realizadas caracterizadas por uma espécie de prótese tecnológica”
(SODRÉ, 2006, p. 20). Os dispositivos tecnológicos seriam apropriados socialmente,
enquadrando-se dentro das lógicas sociais nas quais estariam inseridos.
Apoiando-nos nas considerações de Sodré (2002 e 2006), entendemos a tecnologia
para além do aparato técnico. Mais do que uma facilitadora de interações e trocas
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comunicacionais/culturais, ela é uma obra humana e, portanto, dentro dela avistamos as
habilidades, as competências, o conhecimento e o propósito, sem os quais ela não teria êxito.
Ou seja, no encontro da tecnologia com as esferas da vida cotidiana geram-se as invenções
sociais sobre essa tecnologia criada e disponibilizada, o que aponta para a existência de uma
nova ambiência, reconhecida como sociotécnica.
O ambiente comunicacional contemporâneo, profundamente dinamizado pela
expansão das mídias digitais, aprofunda transformações nas formas de ser, conhecer,
comunicar e produzir em sociedade, de fato, novas maneiras de ser e estar no mundo. A
digitalização possibilitou uma ampliação do acesso a recursos de produção antes restritos
somente a oligopólios e conglomerados midiáticos. Como observa Maldonado (2002), os
modos de comunicação digitais superam, em sua essência configurativa, as lógicas dos
monopólios de comunicação e de geração concentrada de lucro, onde a produção de bens
simbólicos depende menos desses conglomerados megaindustriais e mais das “competências
intelectuais, científicas, técnicas e artísticas” dos seus produtores. Entretanto pensamos que,
apesar de as novas tecnologias de comunicação possibilitarem um acesso maior às condições
de produção e circulação de bens midiáticos/culturais, não há como considerar a existência,
no panorama social/comunicacional contemporâneo, de um acesso universal a esse campo,
distribuído de maneira igualitária e democrática.
Dentro desse contexto dinâmico das sociedades em processo de midiatização,
notadamente marcada pelas transformações vinculadas à comunicação digital, consideramos
que os sujeitos são potencialmente capazes realizar seus percursos midiáticos/digitais,
construindo suas referências a partir de necessidades comunicacionais/informacionais que
avistam em seu cotidiano. Nessa lógica, as divisões sociais passam pela detenção da
informação concebendo-se que hoje, mais do que nunca, poder e informação estão
imbricados numa inter-relação. Observamos ainda, que a midiatização abre espaços de
empoderamento onde não existiam antes - políticos, econômicos e sociais. Entendemos, com
isso, que criam-se possibilidades para o aparecimento de sujeitos e coletivos e empoderados
digitalmente/midiaticamente/comunicacionalmente, que utilizam a construção e o
compartilhamento de bens simbólico-sociais para dar voz a aspectos de suas realidades,
marcadas pela exclusão. Esse movimento revela uma característica contemporânea de
resistência, que surge de comunidades invisíveis à mídia hegemônica, mas visíveis nas
mídias digitais, impulsionado pelos novos contornos dos processos de midiatização.
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Entretanto, apesar de avistarmos nos processos de comunicação ampliados pela esfera
digital passos importantes para a democratização e participação dos sujeitos vislumbramos,
também, obstáculos que necessitam de atenção e de problematização. Neste sentido, quando
analisamos os processos de apropriação/produção midiática contemporâneos, especialmente
os realizados nos meios de comunicação digitais, vemos a necessidade de problematização
sobre os condicionamentos impostos aos mesmos. Compartilhamos as proposições de
Moglen (2012) de que os sujeitos contemporâneos demonstram crescentemente capacidades
de produção e criação culturais e comunicacionais, o que subverte a lógica geral de inserção
nos sistemas midiáticos massivos nos quais estavam socialmente alocados. Entretanto, como
também argumenta o autor, essa mesma tecnologia digital que aproxima os sujeitos das
esferas de produção e criação também realimenta um sistema de produção apoiado por uma
cultura de consumo de massa, levando a novas condições sociais nas quais uma renovada
estrutura de antagonismos de classe se acelera.
Moglen (2012) alerta, ainda, para um movimento de cerceamento das inúmeras
liberdades possibilitadas pelo avanço e peça participação na esfera digital, realizado a partir
de interesses político-sociais hegemônicos que perceberam, historicamente, que esses
movimentos de libertação popular, de acesso ao conhecimento e à informação, eram nocivos
aos seus planos de dominação e subjugação social. É nesse sentido que compreendemos que
as apropriações comunicacionais podem ser condicionadas, limitadas a um estreitamento
quanto à possível formação de sujeitos comunicantes, que se vêem forçadamente realocados
numa posição de consumidores ordinários da cultura de massas.
Ainda compartilhando da perspectiva de Moglen, consideramos que problematizar a
internet e os avanços possibilitados desde a sua expansão crescente apenas pelo viés
integrador é perigoso e danoso à pesquisa científica em comunicação. A internet contribuiu
muito para que o direito à informação e à comunicação como necessidade humana, social e
política fosse expandido. Entretanto, não foi capaz de possibilitar acesso a todas as pessoas
de maneira igualitária e democrática. São consideráveis os deslocamentos em direção a
quebras das restrições impostas às informações ditas confidenciais, protegidas por direitos
autorais, políticos e econômicos que são estratégicas, provocadas pelo avanço das redes
digitais.
Em um movimento crítico profundo a certa euforia que gira em torno dos avanços da
internet, especialmente pelas práticas de comunicação digital proporcionadas pelas novas
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redes sociais digitais, Mattelart (2009) argumenta que estamos em um mundo vigiado, no
qual o controle é potencializado pelas tecnologias de informação e comunicação postas a
serviço cotidiano, onipresente e constante. O alerta do autor tem como foco as políticas de
controle e espionagem impostas principalmente pelo governo dos Estados Unidos, embasadas
por aparatos judiciais, legislações e, até mesmo, pelo incentivo e fortalecimento de iniciativas
privadas nesse âmbito. Essas questões colocam a exigência de, ao problematizar as
perspectivas abertas pela comunicação digital, considerar que os movimentos de mudança
social, de empoderamento e de visibilização de grupos e minorias culturais/sociais estão sob
a vigilância e potenciais tentativas de controle por parte desses poderes.
É necessário, portanto, pensar o processo de midiatização por diferentes ângulos.
Quando apontamos que este é um processo que possibilita novas formas de produção, acesso
e aproximação entre as esferas de produção e recepção, estamos pensando que as
apropriações dos jovens relativas à comunicação digital podem possibilitar que os jovens
envolvidos nele possam se colocar como produtores/criadores de um meio de comunicação
próprio. Com isso, reiteramos que cada vez mais os sujeitos contemporâneos necessitam dos
seus saberes, práticas, características e competências midiáticas, intelectuais, técnicas,
artísticas e criativas para estarem interligados aos diferentes meios e processos de
comunicação, e que essa relação se constitui, também, em cenários dissociados dos grandes
conglomerados de mídia.
Compreendemos, ainda, que existem midiatizações no sentido plural e que elas estão
ligadas a características econômicas, sociais, políticas e culturais de cada contexto. Pensar e
conceber isso é assumir que o processo de midiatização não se dá de forma homogênea, por
conta de distintos fatores. Desde o acesso e a utilização dos meios de comunicação,
notadamente os meios digitais que são, na contemporaneidade, potencializadores de
renovadas configurações do processo de midiatização, às formas de inteligibilidades que são
postas nos usos sobre esses meios, vemos que o tecido social está permeado não por um
processo único, senão por plurimidiatizações. Também pela concepção e visualização diária
de que as práticas cotidianas nos ambientes de comunicação digital são vigiadas,
condicionadas a determinados aspectos, restritas em elementos e plataformas que não
permitem aos usuários/sujeitos comunicantes as mesmas condições de produção e circulação
fornecidas às grandes mídias tradicionais.
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Ao nos depararmos com essas plumimidiatizações relacionadas, também, às
características locais de cada contexto, precisamos compreender que as pessoas que fazem
parte delas são configurados como sujeitos comunicantes plurimidiatizados, e que suas
características pessoais, históricas, familiares, técnicas, artísticas, criativas, etc. têm relação
com - e são também configuradas por - esse processo no qual estão inseridos. Com isso
compreendemos que a racionalidade da midiatização não esgota a inteligibilidade dos
processos comunicacionais contemporâneos. As competências, características,
subjetividades, espiritualidades, saberes e culturas dos sujeitos, constituídos em suas
trajetórias de vida, também configuram, como multimediações, os usos e apropriações das
tecnologias e mídias.
3. Sobre as apropriações/produções digitais
Em nossa pesquisa, o processo que desenvolvemos e investigamos se preocupa com a
dimensão tradicionalmente denominada de “recepção”, investigando as apropriações e
produções comunicativas realizadas por jovens das mídias digitais. Concebemos que, para
além de “receptores” da comunicação, esses jovens são sujeitos comunicantes, produtores de
comunicação, ativos e partícipes do processo dentro do qual estão inseridos.
Recuperando alguns elementos da trajetória de problematizações teóricas relativas à
recepção, vemos que os pesquisadores da comunicação têm, desde o início da constituição do
campo, se voltado à pesquisa deste âmbito do processo comunicacional ou, como chamado
no princípio, à pesquisa das audiências. A palavra receptor ganha força nas formulações de
teóricos da comunicação em correspondência com o esquema da comunicação linear
proposto pelo funcionalismo. A noção do receptor é concebida no âmago da pesquisa
administrativa, como audiências. No âmbito dessa perspectiva, o sujeito era situado numa
relação de alteridade, como parte de um público afastado das esferas de produção da
comunicação. Essa concepção dos sujeitos “receptores”, não levava em conta, entre outros
aspectos, seus complexos modos de produção de sentido no processo comunicativo.
A vertente dos estudos culturais gerou, em suas propostas mais produtivas, uma
complexificação da compreensão do lugar desses sujeitos “receptores” nos processos
comunicacionais. No seu âmbito, grosso modo eles foram concebidos como produtores de
sentido nos processos de recepção e situados em contextos socioculturais concretos
reconhecidos como constitutivos de suas significações. Mas esta vertente também produziu,
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em desdobramentos de suas propostas, a ideia do “receptor” soberano, com poder de decisão
sobre suas formas de consumo. As possibilidades de escolher entre as diversas opções
midiáticas abertas pela internet potencializaram esse tipo de concepção.
Contemporaneamente, assistimos a um processo de midiatização que assume, como já
argumentamos, novo dinamismo a partir do advento das mídias digitais, que penetra e
reconfigura os diversos campos sociais e, também, as culturas e identidades dos sujeitos que
se apropriam das mídias. Mas é preciso reconhecer que sua incidência e suas consequências
se dão de formas distintas nos diversos campos sociais e domínios da experiência. Avistamos
um processo que se entrelaça visceralmente às práticas de apropriação comunicativa dos
sujeitos que potencialmente criam e recriam, reconstroem e modificam as práticas sociais
mais variadas a partir de seus universos socioculturais constituídos historicamente contextos
concretos em que vivem.
Sinalizamos a importância, em termos metodológicos, de olhar os processos de
apropriação midiática a partir da ótica de que o mundo da produção de sentidos não é
mecânico, pelo contrário, é múltiplo, vasto, marcando um distanciamento com a ideia de
recepção passiva. Consideramos que os processos de digitalização da comunicação, como
condição de produção simbólica, promovem uma ruptura e desarticulação da ideia clássica e
formal do receptor a partir do estabelecimento de novas condições de produção comunicativa
para os sujeitos.
Deste modo, concebemos que a utilização do termo “receptor”, dentro do horizonte da
pesquisa em comunicação, precisa ser repensada de forma que dê conta desta nova
configuração na qual estão postos os sujeitos em relação à mídia e as possibilidades de
apropriação, produção e circulação simbólica. Compartilhando das ideias de Maldonado
(2014) e de Bonin (2015), entendemos que as pesquisas em comunicação que se voltam a
investigar os usos e apropriações que os sujeitos fazem nas mídias precisam pensar esses
sujeitos como partícipes de processos comunicativos, na qual tomam lugar de sujeitos que
tem ação, reação, voz, participação ativa e muitas vezes crítica, ou seja, como sujeitos
comunicantes.
Entendemos, também, que estes sujeitos são complexos, constituídos em dimensões
históricas, sociais, políticas, técnicas, éticas, psicológicas, etc. Suas atividades significativas
estão diretamente relacionadas com essas dimensões múltiplas pelas quais são formados. A
isto já se referia Martín-Barbero (1995, 2006, 2009) ao argumentar que, para pensar nos
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sujeitos contemporâneos e em suas relações com as mídias, é necessário problematizá-los
dentro das suas mediações socioculturais, históricas, políticas, familiares, tecnológicas,
midiáticas, etc.
Neste sentido, concebemos que os sujeitos comunicantes que participaram do
processo educomunicativo desenvolvido nessa investigação são capazes de realizar
movimentos qualitativos sobre os processos comunicacionais e educacionais nos quais são
partícipes, distinguindo sobre as produções realizadas em termos de avaliações técnicas,
criativas, inventivas; sobre elementos de inclinação política e ideológica; sobre suas próprias
participações e aproveitamento das temáticas trabalhadas, etc. Esses movimentos avaliativos
e críticos têm como marcas suas mediações familiares, escolares, oriundas da cultura popular
juvenil, bem como, do próprio contexto sociocultural e midiático no qual foram constituídos.
Com base nisso, compreendemos que há uma distinção na forma pela qual os
conteúdos são entendidos, imaginados, interpretados, circulados, interiorizados, etc., a partir
de cada sujeito, gerando não uma interpretação uníssona, mas um campo de interpretações
possíveis. Essa multi-semantização tem relação com seus contextos culturais,
socioeconômicos, sociais, ideológicos, políticos, históricos nos quais estão inseridos.
Pensar nas formas como os sujeitos se apropriam dos bens culturais, em especial, dos
produtos midiáticos, é central de nossa pesquisa. Nesse sentido, consideramos produtivas as
problematizações desenvolvidas por Certeau (1994) que lembra que, desde o princípio dos
movimentos de entrada das culturas europeias, os sujeitos latino-americanos já inventavam
formas de resistir às imposições dos invasores, apropriando-se e reformulando elementos
culturais que permeavam suas cotidianidades, o que sinaliza que os movimentos inventivos
realizados pelos sujeitos detêm uma vasta historicidade, não sendo realizados somente no
contexto contemporâneo. Mas o contexto contemporâneo apresenta diferenciações em termos
de aparatos, meios e formas de resistência que precisam ser reconhecidas e analisadas.
O pensamento de Certeau (1994) é fundamental para restituir o lugar da cultura como
um lócus de produção, de constituição de lógicas e vínculos próprios. As culturas têm o
potencial de constituir sentidos desviantes, diferenciados, valores que se contradizem com os
determinados pelos sistemas hegemônicos. Ao olhar para os meios de comunicação e suas
produções, podemos compreender que os mesmos oferecem um sentido preferencial de
significação que entretanto, não está fechado, e que tem possibilidade de desvio pelo trabalho
de apropriação comunicativa, de significação e reinterpretação, constituídos no contexto de
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diversificadas mediações sociais, políticas, culturais, econômicas, éticas, religiosas,
emocionais, familiares, educativas, etc., em uma multiplicidade complexa. Para nossa
pesquisa, mostra-se fundamental a compreensão da obra de Certeau (1994) de maneira
recontextualizada, compreendendo que os sujeitos comunicantes, agora inseridos em
ambientes comunicacionais atravessados pela esfera digital, hegemônicos ou não, são
capazes de realizar movimentos de interpretação, produção comunicativa e de sentido que
podem ser desviantes dos sentidos imaginados pela mídia.
No diálogo que empreendemos com as argumentações destes autores-chave,
procuramos estabelecer uma teia teórico-argumentativa que nos auxilie a pensar nas
significações realizadas por sujeitos tão complexos. Neste sentido, os sujeitos comunicantes
precisam ser pensados como multimidiatizados e de maneira a levar em conta suas mediações
mais diversas em configurações complexas que são decisivas para a constituição de sentidos,
usos, e apropriações e produções midiáticas. Ou seja, o “receptor” passivo e inoperante não
existe. Existem processualidades em espaços-tempo e os sujeitos em comunicação não
podem ser compreendidos sincronicamente, pelo contrário. É preciso que sejam
problematizados na diacronia, nas suas trajetórias, deste modo, podemos ser capazes de
pensar e compreender suas significações.
Pensamos, ainda, que os contextos de pesquisa são elementos problematizadores em
termos das mediações que são constitutivas dos movimentos de apropriação e produção dos
sujeitos, concebendo que cada cenário de investigação possui especificidades, elementos
singulares e que necessitam ser considerados. Neste sentido, compreendemos as
argumentações de Maldonado (2014) e de Bonin (2013) no sentido de que suscitam
reformular e pensar a gama de mediações investigadas pelas pesquisas em comunicação de
maneira própria e contextualizada dentro da problemática de pesquisa construída, de modo a
permitir que o pesquisador eleja quais são as fundamentais para a investigação.5
5 Diante destas concepções, pensamos no contexto investigativo no qual estávamos inseridos
visualizando, a partir dos movimentos exploratórios, as marcas de mediações que teriam maior ênfase
no processo investigado: familiar, entorno educativo, cultura popular juvenil, contexto social, cultura
midiática/digital. Desse modo, as construções metodológicas que realizamos no desenvolver da
investigação abordam estas mediações, procurando fornecer subsídios para a compreensão de como
os sujeitos comunicantes presentes em nossa pesquisa realizavam seus processos significativos e
interpretativos dentro das dinâmicas e processos educomunicativos que realizamos para a criação do
blog.
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4. As culturas e identidades juvenis
Para pensarmos as realidades culturais contemporâneas, precisamos compreender suas
vinculações com macro-fenômenos que as perpassam em diferentes níveis, formas de
afetação, singularidades e velocidades. García Canclini (1998) realiza uma problematização
relevante para o campo da comunicação, propondo que a cultura e as identidades necessitam
fazer parte do contexto pensado para pesquisar os fenômenos comunicacionais, mesmo que o
autor não tenha problematizado a comunicação no âmbito digital. Concebemos a ideia de que
a mídia tem uma centralidade e uma marca que, nas nossas pesquisas, ganha um foco de
atenção. Entretanto, não podemos deixar de lado a existência de outras dimensões que vão
problematizar e estar presentes na configuração da sociedade, como a globalização, que são
também constitutivas dos processos midiáticos.
Com García Canclini (2007) vemos que a globalização é uma dimensão relevante de
ser considerada para entender os processos comunicacionais contemporâneos e suas
vinculações com as culturas e identidades dos sujeitos. Esse fenômeno deve ser concebido a
partir de suas vastas dimensões e afetações, abandonando qualquer tentativa de seu
entendimento de maneira linear, homogênea e aplicável a todas as sociedades dado que suas
concretizações são plurais, localizadas, desenvolvendo-se de maneiras diferenciadas em cada
contexto social. Como argumenta Sousa Santos (2008), o fenômeno que presenciamos e
vivenciamos na atualidade é multifacetado, dinâmico, suas dimensões extrapolam as
afetações no campo econômico, levando a modificar os cenários culturais, sociais, políticos,
jurídicos, religiosos, etc. Fica evidente que a consideração da globalização não pode se dar
somente pela sua concepção banalizada da formação de um livre mercado mundial.
Buscamos, nesse sentido, nos aproximar de entendimento sobre a globalização que
considera suas afetações sobre o âmbito da cultura, com ênfase nas culturas populares juvenis
vinculadas, sobretudo, aos processos de midiatização potencializados pelas redes de
comunicação digital. Ao analisarmos os processos de comunicação contemporâneos,
problematizados pelos avanços gerados pelo âmbito digital, percebemos aberturas de espaços
para participações dos sujeitos comunicantes. Essa característica de aceleração dos processos
de comunicação e alteração nas relações de tempo e espaço é geralmente associada aos
processos de globalização. Seu entendimento é muitas vezes marcado por um viés positivista
e pouco aprofundado que dá ênfase à mediação tecnológica como solucionadora de
problemas vinculados à distância, ao compartilhamento de bens culturais, ao acesso ilimitado
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a informações, dados, pesquisas, a trocas socioculturais diversas entre diferentes pessoas,
nações, ao acesso à educação, cultura, formação política, etc. É necessário considerar que
essa mesma tecnologia digital que aproxima os sujeitos das esferas de produção e criação
também realimenta um sistema produtivo apoiado por uma cultura de consumo de massa,
levando a novas condições sociais nas quais uma nova estrutura de antagonismos de classe se
acelera.
Sousa Santos (2002) observa que o cenário imposto pelo fenômeno da globalização
privilegia determinados grupos e cenários sociais, formados por elites capitalistas que detêm
o poder de controlar informações substanciais; em outro polo, encontram-se grupos
subordinados, formados por classes trabalhadoras, estudantes, jovens e outros que, apesar de
seus esforços de participação dos processos de comunicação permitidos pela esfera digital,
acabam não tendo controle de tais processos. Como argumenta ainda esse autor, existem
desigualdades extremas nas velocidades em que diferentes sociedades se globalizam, se
conectam, têm acesso às dimensões privilegiadas de aceleração do tempo e encurtamento de
distâncias. Há, portanto, limites e desigualdades neste processo de globalização imposto de
cima para baixo, mas que podem ser combatidos por movimentos de resistência (SOUSA
SANTOS, 2008).
Pensando o fenômeno da globalização nas suas múltiplas implicações, como
delineado até aqui, vemos a necessidade de destacar como vem afetando as culturas e as
identidades culturais, entendendo que os sujeitos participantes desta pesquisa são
profundamente afetados por essas dinâmicas de transformação. Partimos da concepção de
que os sujeitos contemporâneos são multifacetados, configurados de maneira complexa,
atravessados por inúmeras culturas, constituindo-se como sujeitos com singularidades. No
cenário de desenvolvimento de nossa pesquisa, sobretudo, a emergência dos meios e das
redes de comunicação digitais possibilita a estes sujeitos a colocação frente à prática do fazer
comunicacional, à expressão e ao desenvolvimento de suas identidades a partir das múltiplas
configurações que os tornam sujeitos complexos. As possibilidades de atravessamentos
culturais, de práticas sócio-comunicacionais diversas e permeadas por culturas distintas, de
formações de identidades diversas e assimétricas fazem parte do contexto de investigação
desenhado.
Neste sentido, recorremos a Hall (2009) que atribui às dinâmicas de globalização a
responsabilidade, ainda que parcial, da existência e emergência do multiculturalismo, que se
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constrói e manifesta de maneiras distintas dentro de cada tecido social, e que se potencializa
diante dos novos fluxos e velocidades comunicacionais/midiáticas.
Retomar pressupostos desenvolvidos por García Canclini (1998) é produtivo para a
compreensão dos fenômenos multiculturais de maneira mais ampla. A noção de culturas
híbridas proposta pelo autor ajuda a compreender que não se pode pensar a problemática da
constituição das culturas e identidades sem que se considere a existência de dinâmicas
culturais, de transações, de movimentos de articulação e de flexão. O conceito de culturas
híbridas nos provoca a olhar não para os elementos que separam as diferentes culturas (etnias,
classes, raças, etc.), mas para os que as aproximam. Esse exercício não nega a existência dos
desníveis e diferenças culturais, mas foca no entendimento de que essas distinções se dão de
outros modos.
No cerne da compreensão do conceito está o entendimento de que as culturas e
identidades são constituídas historicamente. As hibridizações culturais têm históricas muito
largas temporalmente. São processos constituídos por fatores como migrações, colonizações,
religiões, histórias familiares, etc. Por isso, entendemos que é simplificador e perigoso pensar
que somente a ação das mídias é capaz de modificar as culturas e as identidades. Elas
certamente contribuem de modo relevante para estas transformações, mas são um fator numa
multiplicidade de outros, que devem ser também levados em conta.
Essas imbricações e modificações culturais estão relacionadas ao trabalho e à
influência de diversas instituições e agentes, entre eles as mídias que, entrelaçados, tecem
uma rede que atua em várias dimensões. Compreendemos, portanto, em diálogo com García
Canclini (1998), que as mídias têm um papel fundamental nos processos de constituição e de
hibridização culturais. Entretanto, sua configuração e atuação junto ao tecido social não pode
ser pensada de forma vertical.
Pensar a cultura como elemento vivo e em movimento é, também, um elemento
central no pensamento de Hall (2009). Nesse sentido, é indispensável o entendimento de que
a cultura não tem um repertório fixo, mas sim em movimento, no qual precisamos reconhecer
suas complexidades em suas misturas, hibridismos. É nessa perspectiva que se quebram as
ideias conservadoras que relacionam a cultura e sua manutenção apenas a partir de tradições,
de patrimônios, etc.
Compreendemos, portanto, que as dinâmicas interculturais contemporâneas são
marcadas, entre outros movimentos, pelos processos de intensificação da midiatização dentro
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do tecido social das mais diversas sociedades, principalmente pelo uso e expansão das
tecnologias de comunicação utilizadas na esfera digital. Esses movimentos são potenciais
geradores de encontro entre distintas culturas, configurando zonas de contato que não se
limitam a gerenciar as dinâmicas interculturais como co-presenças de diferentes culturas,
senão nos contatos, afetações, negociações e desestabilizações identitárias.
Diante das abordagens a que recorremos para a compreensão da problemática da
cultura e de suas vinculações ao universo comunicacional/midiático contemporâneo,
avistamos um cenário no qual as práticas dos sujeitos em comunicação estão permeadas por
elementos formadores de suas culturas, pensadas a partir de um prisma amplo e complexo,
que relaciona sujeitos, comunicação e cultura em uma teia de múltiplas afetações e
construções de sentidos sociais.
Nosso outro esforço se concentra na concepção de um arranjo teórico que
problematize as implicações destes sujeitos jovens enquanto sujeitos histórica e
socioculturalmente situados, mediados por implicações com os contextos sociopolíticos,
culturais, simbólicos, de inserções dentro dos ambientes da comunicação multimidiatizada,
perpassada pelas dinâmicas da globalização, de desencanto político e social, de
enfrentamento de variados modos da violência, da pobreza e da negação e não-representação
sócio-comunicacional.
Ao problematizarmos as apropriações digitais juvenis, levamos em conta as
argumentações de Reguillo (2007) de que a noção de juventude não pode ser conformada
somente pela delimitação biológica que os enquadra como tal, e que considera a idade como
elemento definidor central. Na recuperação de aspectos históricos de formação e
conformação das culturas populares juvenis realizadas por essa autora, notamos uma
aproximação com os contextos socioculturais e políticos que permeiam os cotidianos dos
sujeitos e, de modo semelhante, de elementos culturais, tecnológicos e suas consequências
simbólicas nas sociedades, a partir da introdução de novos modos de representar e interpretar
o mundo. A isto, adicionamos nossa ideia de que, contemporaneamente, as novas tecnologias
incorporadas aos processos comunicativos têm repercutido em novos modos de ser e estar no
mundo, de representar-se, de construir projetos, anseios, necessidades de vida, de requerer e
expressar valores de igualdade, justiça, liberdade dentro dos espaços de debate público.
Ao considerar as próprias dinâmicas sociais atravessadas por processos de
globalização e de multimediatização cujas construções, representações e formações
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socioculturais que emergem deste caldo geram identidades multifacetadas, contraditórias,
híbridas, não pré-determinadas e parcialmente compreensíveis, como delimitar e definir
características juvenis de forma a gerar concepções teóricas sobre as mesmas? A resposta
esteja, talvez, na consideração destes movimentos e contextos que atravessam a formação dos
sujeitos jovens, procurando compreender suas identidades enquanto se movimentam dentro
destas dinâmicas.
A compreensão que emerge deste esforço revela elementos de riqueza teórica e,
também, de retificação de algumas abordagens pensadas e desenvolvidas nos âmbitos
institucionais, científicos e também políticos/públicos. Enquanto as indústrias culturais se
esforçam para alimentar suas demandas econômicas a partir do consumo da juventude, seu
papel tem sido estrutural para a construção e reconfiguração constantes do sujeito juvenil.
Esta experimentação da cultura globalizada, multimidiatizada, acelerada, tem fornecido
subsídios para os sujeitos jovens se relacionem com as representações midiáticas
mundializadas realizando mais movimentos paradoxais do que uma esperada
homogeneização cultural, de busca pela construção e afirmação de uma identidade própria
dentro do apanhado cultural consumido e apropriado.
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